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Caio Fernando Abreu poema publicado no livro Poesias nunca publicadas de Caio Fernando Abreu E me dizem - não mais uma vez. Caminho pela casa vazia não tenho pais nem irmãos e a minha dor mesquinha individual intransferível é infinitamente maior que a dor de todo o planeta. Bebo. Tomo barbitúricos telefono para números que não atendem além da janela uma lua cheia desgovernada transita em Peixes. O espelho mostra uma cara de fundas olheiras, barba por fazer, fios brancos nos cabelos e uma teia cada vez mais densa de pequenas rugas. Fiz trinta e três anos ontem choro e soluço alto até o peito doer como uns socos. Sou um cachorro doente escondido neste quarto colorido no meio duma cidade que não entendo num planeta que não entendo entre homens que nunca entendi. Penso em cordas, giletes comprimidos, facas. Não ousarei. A cabeça desgoverna errei de planeta errei de corpo esta história não me pertence porque é tão triste e no entanto é minha. Como um camelo mastigo a dor que inventei para me distrair de um medo incompreensível. São três horas da manhã

Caio Fernando Abreu

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poema publicado no livro Poesias nunca publicadas de Caio Fernando Abreu

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Caio Fernando Abreupoema publicado no livro Poesias nunca publicadas de Caio Fernando AbreuE me dizem - nomais uma vez.Caminho pelacasa vaziano tenho pais nem irmose a minha dor mesquinhaindividual intransfervel infinitamente maior que a dor de todo o planeta.Bebo. Tomo barbitricostelefono para nmeros que no atendemalm da janelaumalua cheiadesgovernadatransita em Peixes.Oespelhomostra uma carade fundas olheiras, barba por fazer,fios brancos nos cabelose uma teiacada vezmais densade pequenas rugas.Fiz trinta e trs anos ontemchoro e soluo altoat o peito doer como uns socos.Sou um cachorro doenteescondido neste quarto coloridono meio duma cidade que no entendonum planeta que no entendoentre homens que nunca entendi.Penso em cordas, giletescomprimidos, facas. No ousarei.A cabea desgovernaerrei de planetaerrei de corpoesta histria no me pertenceporque to tristee no entanto minha.Como um camelomastigo a dor que inventeipara me distrair de um medo incompreensvel.So trs horas da manhacordarei s trs da tardea boca amargaos rins doloridoso corao pisoteadocheio de humilhao.Nunca maistelefonarei.Me procurars em voe serei frio como quem diz- no preciso de tua piedade.Sou para sempre um homem escuromeu sorriso no conhecer ningum.No te quero maisporque no me queres.Escrevo para no me matar.E imagino entoque um gnio sai da lmpada lustrosae fao trs pedidosque no sei quais so.No quero estar aqui.Morri faz tempo.Me assassinaste hoje outra veze pagars muito caro o preode cada um dos trs bilhesde lgrimas que chorei por ti.Ento escrevo madrugada adentroe nada se resolve.Verbalizo a dor.Mas amanh continuoe a dor persisteprego cravadogilete no olho no canto da bocaestilete na pupilanocentro do coraoque escancareipara ouvir- e to antigo -o no que j conheoe nunca entendo