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Revista de Economia Política e História Econômica, número 10, dezembro de 2007. 5 Caio Prado Jœnior, Jacob Gorender e a escravidªo colonial brasileira: uma apreciaªo crtica AndrØs Ferrari 1 Pedro Cezar Dutra Fonseca 2 1. Introduªo Aparentemente, se trataba de un problema sencillo. Un seæor feudal no deba ser difcil de distinguir de un empresario capitalista. Tampoco una economa feudal de una capitalista, ni de una sociedad feudal de una burguesa. Sin embargo, el problema de discernir si las sociedades hispanoamericanas eran de naturaleza feudal, capitalista u otra, se convirti - y continœa en ese estado - en uno de los mÆs arduos en el campo de las ciencias sociales a lo largo del XX. (CHIARAMONTE, 1983:17). A citaªo acima apresenta claramente o objetivo deste artigo: definir o carÆter da produªo escrava brasileira de acordo com Caio Prado Jœnior e Jacob Gorender, dois autores provindos da mesma linha terica: o marxismo. Mas esta mesma observaªo de Chiaramonte expressa a dificuldade e as motivaıes da controvØrsia que envolve a questªo da determinaªo dos sistemas econmicos previstos anteriores formaªo do capitalismo no continente americano. Por isto, a apreciaªo adequada da posiªo de cada autor requer atenªo a esse debate que, por outro lado, excede os limites do prprio caso brasileiro. Essa controvØrsia resulta mais complexa porque, se para Chiaramonte (1983:101) el concepto de modo de produccin no constituy, en el uso de Marx, el concepto 1 Doutorando do Programa de Ps-Graduaªo em Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). [email protected] 2 Professor Titular do Departamento de CiŒncias Econmicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Pesquisador do CNPq. [email protected]

Caio Prado Jr

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  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007. 5

    Caio Prado Jnior, Jacob Gorender e a escravido colonial brasileira: uma apreciao crtica

    Andrs Ferrari1

    Pedro Cezar Dutra Fonseca21. Introduo

    Aparentemente, se trataba de un problema sencillo. Un seor feudal no deba ser difcil de distinguir de un empresario capitalista. Tampoco una economa feudal de una capitalista, ni de una sociedad feudal de una burguesa. Sin embargo, el problema de discernir si las sociedades hispanoamericanas eran de naturaleza feudal, capitalista u otra, se convirti - y contina en ese estado - en uno de los ms arduos en el campo de las ciencias sociales a lo largo del XX. (CHIARAMONTE, 1983:17).

    A citao acima apresenta claramente o objetivo deste

    artigo: definir o carter da produo escrava brasileira de

    acordo com Caio Prado Jnior e Jacob Gorender, dois

    autores provindos da mesma linha terica: o marxismo. Mas

    esta mesma observao de Chiaramonte expressa a

    dificuldade e as motivaes da controvrsia que envolve a

    questo da determinao dos sistemas econmicos previstos

    anteriores formao do capitalismo no continente

    americano. Por isto, a apreciao adequada da posio de

    cada autor requer ateno a esse debate que, por outro

    lado, excede os limites do prprio caso brasileiro. Essa

    controvrsia resulta mais complexa porque, se para

    Chiaramonte (1983:101) el concepto de modo de

    produccin no constituy, en el uso de Marx, el concepto

    1 Doutorando do Programa de Ps-Graduao em Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). [email protected] Professor Titular do Departamento de Cincias Econmicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Pesquisador do CNPq. [email protected]

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    central para la interpretacin de la historia, Cardoso

    (1973:137) distingue trs significados em Marx do mesmo:

    como manera de producir, como modo dominante que

    define una poca histrica, y para distinguir otros modos

    secundarios de ste.

    Alm disso, Cardoso sustenta que Marx no tinha una

    verdadera teora de los modos de produccin coloniales,

    sendo que suas referncias mais numerosas e mais especficas

    referem-se a plantaes escravas do sul dos EUA. No sculo

    XIX, que proveen elementos tiles para una teora del modo

    de produccin esclavista colonial. Aceita que el hecho de

    querer considerar las sociedades coloniales americanas como

    dependientes de modos de produccin especficos trae

    consigo la posibilidad de muchas crticas, e tendo como

    base cita Jean Souret-Canale que afirma:

    La esclavitud reaparece, igualmente, en las colonias en el perodo de la acumulacin primitiva, y an despus del triunfo del modo de produccin capitalista, sin que por ello se pueda concluir que existi un modo de produccin esclavista en los siglos XVIII y XIX () En resumen, no se puede definir un modo de produccin solamente a partir de la presencia o la ausencia de una forma de explotacin, an cuando sta sea dominante a nivel local. El slo puede ser definido tomndose en cuenta el conjunto de las relaciones de produccin, que a su vez corresponde a un tipo y un nivel determinado de las fuerzas productivas (SURET-CANELE apud CARDOSO, 1973:135-36).

    No obstante, Cardoso afirma que quedara

    enteramente de pie el problema de cmo considerar, en cuanto

    a su modo de produccin, las sociedades esclavistas de Amrica

    antes del advenimiento del capitalismo como modo de

    produccin dominante. Assim, neste debate necessrio definir

    se houve modos de produo especficos na Amrica; e, caso a

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007. 7

    resposta seja afirmativa, qual seria sua natureza. Para Cardoso

    houve modos de produo coloniais3, noo que ser

    retomada por Gorender.

    Nesta rbita esto situadas as diferentes utilizaes do

    conceito dos modos de produo americanos prvios ao no

    capitalismo. Procurando restringir este extenso debate aos

    aspectos mais diretamente voltados a comparao dos

    conceitos de Prado Jnior e Gorender, duas verses principais

    precisam ser examinadas. Uma que sustenta que a escravido

    colonial, em particular a brasileira, havia se constitudo em um

    modo de produo feudal. A linha feudal vinculava-se matriz

    ortodoxa que procuravam ajustar o curso histrico a atravs

    de uma estranha e anti-cientfica maneira de interpretar os

    fatos (RB:35) nas etapas de modos de produo mencionadas

    por Marx na Crtica de 1859, os quais todo pas deveria atravessar

    antes de ou para poder chegar ao socialismo4. Deste

    conceito, denuncia Caio Prado, surge a necessidade de definir a

    escravido como feudal, mal entendendo as especificidades

    brasileiras.

    Feudal tornou-se assim sinnimo ou equivalente de qualquer forma particularmente extorsiva de explorao do trabalho, o que naturalmente falsoescravismo e feudalismo no so a mesma coisa, e no que se refere estrutura e organizao econmica, constituem sistemas bem distintos. E se distinguem sobretudo no que concerne ao assunto de que estamos tratando, isto , a natureza das relaes de trabalho e produo e o papel

    3 Por modos de produccin coloniales designo, pues, aquellos, modos de produccin que surgieron en Amrica en funcin de la colonizacin europea, pero que en ciertos casos pudieron sobrevivir a la independencia poltica de las colonias americanas, y seguir existiendo durante el siglo XIX, hasta la implantacin que se dio en pocas distintas segn los pases- del modo de produccin capitalista (CARDOSO, 1973:143).4 Segundo esse esquema, a humanidade em geral e cada pas em particular - o Brasil naturalmente includo - necessariamente teriam que passar por estgios sucessivos em que as etapas a considerar, anteriores ao socialismo, seriam o feudalismo e o capitalismo. Em outras palavras, a evoluo histrica se realizaria invariavelmente atravs daquelas etapas, at chegar no socialismo (RB:32). que la realidad social latinoamericana se ha mostrado persistentemente rebelde a las clasificaciones marxistas tradicionales.

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    que essas relaes desempenham no processo poltico-social da revoluo. (RB:42-43).

    Esta interpretao feudal ser tambm negada por

    Gorender, que reconhece que fora Caio Prado o precursor da

    crtica desta idia, de modo que no h mais sentido nela se

    aprofundar5. A outra tese que alimenta a polmica a

    chamada de circulacionista, a qual, como explica Ciafardini

    (1973:114) postula que el desarrollo del comercio habra

    determinado en cierta forma la instauracin del capitalismo,

    disolviendo las formas precapitalistas de produccin. De

    acordo a Assadourian (1973:68), Marx, no terceiro tomo do

    Capital, escreveu que a verdadeira cincia da economia

    poltica comea aonde o estudo terico se desloca do

    processo de circulao ao processo de produo,

    consequentemente:

    Marx rechaz definir una formacin econmica-social por la simple y nica presencia del capital comercial, pues ste, encuadrado en la rbita de la circulacin y con la exclusiva funcin de servir de vehculos al cambio de mercancas, existe cualquiera sea la organizacin social y el rgimen de produccin que sirva de base para producir los productos lanzados a la circulacin como mercancas. Por estas razones Marx negaba, por superficiales, aquellos anlisis que estudiaban exclusivamente el proceso de circulacin (ASSADOURIAN, 1973:68).

    Para Assadourian, Marx referia-se como regime de

    produo pr-capitalista ao longo perodo de trnsito do regime

    feudal de produo, formas anteriores forma bsica moderna

    do capital, perodo do aparecimento da produo capitalista.

    Precisamente, este ser o ponto crucial do trabalho, porque a

    5 Esta viso aceita tambm por Ciro Cardoso (1973:148), Feudalismo y capitalismo, entendidos como modos de produccin, no existieron en Amrica colonial. No es suficiente constatar formas de trabajo forzados (corve) o de servidumbre para poder hablar de feudalismo, y la vinculacin al mercado mundial no constituye un criterio vlido como para clasificar a una formacin social como capitalista; tampoco lo es la constatacin, sin ms, de ciertas formas de trabajo asalariado.

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    escravido brasileira deste perodo parte integrante do

    debate. Mais ainda, Gorender classifica Caio Prado como

    circulacionista, e sustentar a existncia de um modo de

    produo escravista colonial que ser pr-capitalista. Para

    analisar a validade desta proposio e entender as respectivas

    vises crticas deste debate, a seguir sero discutidos os

    argumentos de cada um, quando ser expressa nossa

    concordncia com a viso de Prado Jnior.

    2. A escravido como resultado do sentido de colonizao: Caio Prado Jnior

    Ao contrrio de Gorender, Caio Prado no apresenta uma

    viso sobre a escravido brasileira em uma nica obra, nem

    tampouco aborda esta questo direta ou sistematicamente

    como objeto de anlise. A sua concepo encontra-se em

    diversos livros que tratam da evoluo do Brasil desde a

    chegada dos portugueses, uma colonizao que como a

    europia em geral teve desde seu incio um sentido

    primordial: realizar apenas um negcio, embora com bons

    proveitos para seus empreendedores (FBC:279). Esse sentido,

    permanecer como fora motriz dos comportamentos que

    afetaro o Brasil. Quando se diz que esse sentido se concretizou

    por meio da explorao do territrio atravs da produo

    extensa de bens tropicais de alto valor para o mercado europeu,

    logo se remete ao aparecimento da enorme importao de

    africanos como escravos:

    Aquilo que essencial e fundamentalmente forma esta nossa economia agrria, no passado como ainda no presente, a grande explorao rural em que se conjugam, em sistema, a grande propriedade fundiria com o trabalho coletivo e em cooperao e conjunto de numerosos trabalhadores. No passado essestrabalhadores eram escravos, e era isso que constitua o sistema, perfeitamente caracterizado, que oseconomistas ingleses de ento denominaram plantation system (sistema de plantao), largamente difundido por

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    todas as reas tropicais e subtropicais colonizadas por europeus e a que Marx se refere em diferentes passagens de O CAPITAL. (RB:46).

    Caio Prado expressa tambm com muita clareza e

    preciso as razes que fizeram o colono europeu instalar-se no

    Brasil. Vir o colono (branco) europeu para especular, realizar

    um negcio: inverter seus cabedais e recrutar a mo de

    obra de que precisa: indgenas ou negros importados. Como

    tais elementos, articulados em uma organizao puramente

    produtora, mercantil, constituir-se- a colnia brasileira

    (FBC:20). Depois de analisar e descrever as implicaes sociais

    e culturais que surgiram como conseqncia da evoluo

    correspondente a este sentido de colonizao, aborda a

    funo do escravo, definindo seu lugar nessa estrutura: Nada

    mais se queria dele, e nada mais se pediu e obteve que a sua

    fora bruta, material. Esforo muscular primrio, sob direo e

    aoite do feitor. A diferena da Antiguidade onde a

    escravido se nutre de povos e raas que muitas vezes se

    equiparam a seus conquistadores, se no os superam -, na

    modernidade o escravo era s uma simples mquina de

    trabalho bruto, recrutados de povos brbaros e semi-

    brbaros, arrancados se seu habitat natural e includos, sem

    transio, em uma civilizao inteiramente estranha. Por isso,

    sustenta que s era um recurso de oportunidade de que

    lanaram mo os pases da Europa, a fim de explorar

    comercialmente os vastos territrios e riquezas do Novo

    Mundo (FBC:278-8)6. Este contedo e carter da escravido

    6 Ressalta isso da comparao que podemos fazer daqueles dois momentos histricos da escravido: o do mundo antigo e do moderno. No primeiro, com o papel imenso que representa, o escravo no seno a resultante de um processo evolutivo natural cujas razes se prendem a um passado remoto; e ele se entrosa por isso perfeitamente na estrutura material e na fisionomia moral da sociedade antiga (...) a escravido moderna...nasce de chofre, no se liga a passado ou tradio alguma. Restaura apenas uma instituio justamente quando ela j

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    brasileira manter-se-o ao longo dos sculos; uma constante

    que se combinar com qualquer evento novo que surja7.

    As variantes do ponto de vista econmico, que o Brasil

    apresentou enquanto utilizou mo-de-obra escrava referem-

    se, basicamente, em torno de que produto organizada toda

    a produo principal. Em todo o caso, um produto pode

    diferenciar do outro em mltiplos aspectos, como: localizao

    geogrfica, europeus, forma de comercializao, exigncias

    produtivas, ciclo econmico, etc. No obstante, em todos os

    casos est a mesma estrutura produtiva que se caracterizara

    por trabalho escravo, exportao latifundiria e monocultura.

    Estas so caractersticas fundamentais, permanentes, que

    definiram a organizao econmica deste perodo. Esta ser

    a clula fundamental da economia agrria brasileira

    (FBC:121)8, sustentada pelo trabalho escravo, o elemento mais

    essencial.

    O ramo mais importante do comrcio de importao contudo o trfico de escravos que nos vinham da costa da frica esta mais uma circunstncia digna de nota que vem comprovar o carter da economia colonial: o escravo negro quer dizer, sobretudo, acar, algodo,ouro, gneros que se exportam. (HEB:116).

    O aspecto comercial alcanar outra dimenso, a qual

    Caio Prado ressaltar com insistncia. Esta refere-se

    dependncia histrica de economia brasileira s exigncias

    do mercado europeu, condicionante externa que influenciar

    perdera inteiramente sua razo de ser, e fora substituda por outras formas de trabalho mais evoludas (FBC:278-80).7 O trabalho escravo nunca ir alm do seu ponto de partida: o esforo fsico constrangido; no educar o indivduo, no o preparar para um plano de vida humana mais elevado. No lhe acrescentar elementos morais; e pelo contrrio, degrad-lo-, eliminando mesmo nele o contedo cultural que por ventura tivesse trazido de seu estado primitivo (FBC355).8 Esta se realizar em larga escala, isto , em grandes unidades produtoras fazendas, engenhos, plantaes (as plantations das colnias inglesas) que renem cada qual um nmero relativamente avultado de trabalhadores. Em outras palavras, para cada proprietrio (fazendeiro, senhor ou plantador), haveria muitos trabalhadores subordinados e sem propriedades (FBC:17-18).

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    decisivamente as possibilidades, os ritmos, os momentos, os

    participantes, as especificidades e as localizaes de seu

    desenvolvimento. Esta dependncia, justificada com o fato de

    voltar-se para fora, ser um fator que subsistir a todos os

    eventos econmicos e polticos Independncia, Repblica,

    Abolio, industrializao, etc.-, e constitui um desafio a

    vencer, tal qual o objetivo de explicar em A Revoluo

    Brasileira9. O objetivo deste trabalho no analisar estas

    ponderaes do autor nestes pontos. No obstante, h uma

    dimenso que fundamental para compreender seu

    entendimento da escravido brasileira e, como ser visto mais

    adiante, ser um dos elementos contestados por Gorender.

    Embora sejam escassas as referncias diretas obra de

    Marx nas obras de Caio Prado, ele deixa claro que esta sua

    maior inspirao terica. Assim mesmo, em momento algum

    ele torna explcita a qualificao de que tipo de organizao

    econmica se observou no Brasil tendo como base o trabalho

    escravo. Entretanto, assim como tambm Caio Prado claro

    nessas poucas referncias sobre sua adeso ao marco terico

    de Marx, sua descrio da organizao produtiva escravista

    brasileira no deixa dvidas de que esta apresenta um carter

    capitalista. Mas, ele no diz isto diretamente. uma

    interpretao, a qual se baseia na utilizao de conceitos e

    fica mais clara ainda quando aborda o marco histrico geral

    em que se apresentou a colonizao americana desde o

    sculo XVI.

    Os pases da Amrica Latina sempre participaram, desde sua origem, na descoberta e colonizao por povos

    9 Mas, qualquer que seja o caso, o trabalhador livre de hoje se encontra, tanto quanto seu antecessor escravo, inteiramente submetido na sua atividade produtiva direo do proprietrio que o verdadeiro e nico ocupante propriamente da terra e empresrio da produo, na qual o trabalhador no figura seno como fora de trabalho a servio do proprietrio, e no se liga a ela seno por esse esforo que cede a seu empregador (RB:47).

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    europeus, do mesmo sistema em que se constituram as relaes econmicas que, em ltima instncia, foram dar origem ao imperialismo, a saber, o sistema do capitalismo. So essas relaes que, em sua primeira fase do capital comercial, presidiram instalao e estruturao econmica e social das colnias, depois naes latino-americanas. assim, dentro de um mesmo sistema que evoluiu e se transformou do primitivo e originrio capitalismo comercial, a, e por fora das mesmas circunstncias (embora atuando diferentemente no centro e na periferia), que se constituram de um lado as grandes potncias econmicas dominantes no sistema imperialista, e de outro os pases dependentes de Amrica Latina (RB:68).

    Observe-se que Caio Prado no est afirmando que

    houve relaes sociais capitalistas nas colnias, e sim que a

    Amrica Latina foi parte do sistema capitalista na medida em

    que este se constitua. Por isto: que, em ltima instncia,

    foram dar origem ao imperialismo, a saber, o sistema do

    capitalismo. As colnias foram capitalistas na medida em

    que o sistema se definia como modo de produo na prpria

    Europa. Mas o carter capitalista das colnias desvendado

    to logo esse sentido imprima sua evoluo. Obviamente as

    colnias latino-americanas no apresentam o modo

    capitalista de produo antes que a Europa, j que o mesmo

    ainda no existia como tal em nenhum lugar; mas so

    capitalistas na medida em que fazem parte do processo de

    expanso do capital que vai construindo seu sistema de

    produo. Este carter dependente importante quando o

    Brasil passa do status colonial ao de um pas politicamente

    independente10, na medida em que surge a nova ordem

    10 O Brasil continuar, neste sentido, como era antes. Mas o que se modifica, e profundamente, a ordem internacional em que o pas e a sua economia se enquadram. Essa ordem agora a do capitalismo industrial, ou capitalismo propriamente, que acompanhado, ou antes se dispe dentro de um sistema de nvel econmico muito mais elevado, dotado de foras produtivas consideravelmente mais poderosas, e dinamizado por intensa atividade sem paralelo no passado (HD:57).

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007.14

    instituda pelo capitalismo industrial, embora sem modificar

    sua posio perifrica e marginal (HD:55)11

    Referimo-nos ao capitalismo industrial que assinala a complementao do processo de mercantilizao dos bens econmicos, e em particular da fora de trabalho cuja incluso generalizada no rol das mercadorias, e caracterizao como tal, completa aquele processo que assim penetra no mais ntimo da atividade econmica que so as relaes de produo. Essa mercantilizao generalizada da fora de trabalho se faz possvel graas sem dvida revoluo tecnolgica (ordinariamente conhecida por revoluo industrial) ocorrida na segunda metade do sculo XVIII. E a ela se costuma por isso atribuir a gnese do capitalismo moderno. (HD:51).

    Aqui se observa que Prado Jnior distingue claramente

    as relaes sociais capitalistas, e que vincula a apario do

    trabalho assalariado com a poca do capitalismo industrial,

    sendo esta uma nova etapa na configurao deste modo de

    produo. Quis dizer que a colonizao americana em geral,

    e a brasileira em particular, estiveram definidas pelos impulsos

    europeus do surgimento e posterior evoluo do capitalismo

    naquele continente. Primeiro em sua etapa comercial e, logo

    aps, sob o domnio do capital industrial. No est explicando

    os acontecimentos brasileiros por meio de fatores externos,

    mas como partes integrantes, inseridas dentro do sistema

    capitalista mundial. Conseqentemente, a etapa de

    capitalismo industrial fragiliza o Pacto Colonial, que

    significava o exclusivismo do comrcio das colnias para as

    respectivas metrpoles. O Pacto Colonial expresso perfeita

    do domnio do capital comercial que a nova ordem

    11 Isto decorre do fato de o Brasil entrar para a histria contempornea, e passar a participante da nova ordem instituda pelo capitalismo industrial, na condio, que j era a sua, de uma rea perifrica e simples apndice exterior e marginal dos centros nevrlgicos e propulsores da economia internacional E desse sistema e de um mundo bem distinto do anterior e em plena efervescncia de progresso impelido pelo capitalismo industrial, que receber agora os impulsos, as iniciativas e os estmulos econmicos e culturais (HD:54-55).

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007. 15

    capitalista encontra pela frente e deve destruir para se

    desenvolver, levando em conta agora a figura central do

    empresrio cujo objetivo vender seus produtos, para o que

    a situao criada pelo Pacto desfavorvel. O monoplio

    comercial de que no participa diretamente porque no

    comerciante, no lhe traz benefcio algum. Como resultado

    deste processo, sucumbe a proeminncia portuguesa,

    enquanto o Brasil se organiza em um Estado nacional

    integrado na nova ordem internacional do capitalismo e

    desencadeia um processo que comandar a evoluo

    histrica e as transformaes ocorridas at mesmo nos dias de

    hoje, cujo efeito mais profundo haver golpeado a prpria

    estrutura tradicional de classes e o regime servil (HD:52-3). Fica

    claro que as relaes propriamente capitalistas se firmaram

    depois do desmoronamento do Pacto Colonial e da Abolio.

    Note-se bem, novamente, que mais adiante Caio Prado

    no expressa em momento algum que a organizao

    produtiva verificada no Brasil seja capitalista; da provm,

    seguramente, a expresso sentido da colonizao.

    Gorender criticar esta interpretao. Mas de notar para a

    discusso posterior que o afirmado por Prado Jnior que no

    Brasil, o que tivemos como organizao econmica, desde o

    incio da colonizao, foi a escravido servindo de base a

    uma economia mercantil12. Tambm sustenta que com a

    abolio da escravatura sero consolidadas as relaes

    capitalistas de produo em toda a economia brasileira

    (RB:115). Mas estas relaes no so um fato isolado ou

    decorrentes, simplesmente, da evoluo do processo histrico

    brasileiro, mas bastante integradas com o capitalismo que j

    tinha avanado, produto da Revoluo Industrial. Mas se a

    12 A questo agrria, Pg. 191.

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007.16

    revoluo tecnolgica faz possvel esta profunda modificao

    das relaes de produo e trabalho, a mesma

    modificao (que alis, nos seus primeiros esboos, estimula a

    revoluo tecnolgica), ela que direta e essencialmente

    assinala o advento da nova ordem capitalista (HD:52).

    Apesar destes comentrios, Gorender qualificar a Prado

    Jnior de circulacionista por ter afirmado que da estrutura

    comercial extrai a sntese que resume o carter da

    economia13. Seguramente a frase permite uma compreenso

    ambgua. Mas em seu contexto, parece-nos claro que essa

    no sua viso:

    O carter geral da colonizao brasileira, empresa mercantil explorada dos trpicos e voltada inteiramente para o comrcio internacional, em que, embora pea essencial, no figura, seno como simples fornecedora dos gneros de sua especialidade. Nos diferentes aspectos e setores da economia brasileira constatamos repetidamente o fato, que pela sua importncia primordial merece tal destaque, pois condicionou inteiramente a formao social do pas (HEB:118)14.

    Para ele, o comrcio sintetiza o carter da economia

    brasileira enquanto parte do modo de produo capitalista,

    o qual ocorre em escala mundial, enquanto condiciona o

    desenvolvimento do Brasil. Ademais, quando Caio Prado

    aborda especificamente a formao histrica brasileira

    13 A anlise da estrutura comercial de um pas revela sempre, melhor que a de qualquer um dos setores particulares de produo, o carter de uma economia, sua natureza e organizao. Encontramos a uma sntese que a resume. O estudo do comrcio colonial vir assim como coroamento e concluso de tudo que ficou dito relativamente economia do Brasil colonial (HEB:113).14 Observamo-lo no povoamento, constitudo, ao lado de uma pequena minoria de dirigentes brancos, da grande maioria de outras raas dominadas e escravizadas, ndios e negros africanos, cuja funo no foi outra que trabalhar e produzir acar, tabaco, algodo, ouro e diamantes que pediam os mercados europeus. O mesmo se deu na distribuio daquele povoamento, condensando-se exclusivamente l onde era possvel produzir aqueles gneros e se pudessem entreg-los com mais facilidade ao comrcio internacional. Na organizao propriamente econmica, na sua estrutura, organizao da propriedade e do trabalho, encontramos ainda, dominante, aquela influncia. E finalmente, neste quadro que sumaria as correntes do comrcio colonial, e com elas a natureza da nossa economia, a mesma coisa que se verifica (HEB:118).

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007. 17

    sempre assume os determinantes internos como essenciais,

    basicamente as relaes de produo e, em particular para

    este tema, a escravido. Assim, por exemplo, destaca o

    vnculo entre o desenvolvimento da economia e a passagem

    do regime servil ao assalariado, como no caso do escravo

    africano ao imigrante europeu.

    De todas as conseqncias diretas ou indiretas (mas em sucesso imediata) derivadas do considervel e to rpido progresso da economia cafeeira verificado no Brasil, a mais importante e de efeitos mais amplos e profundos na vida do pas, foi sem dvida o papel que teve na abolio do trabalho servil e na instituio generalizada do trabalho livre, bem como neste outro fato to intimamente associado abolio e que vem a ser a afluncia macia de imigrantes europeus j desde meados, mas sobretudo a partir do ltimo quartel do sculo passado. (HD:67).

    Conseqentemente, a viso global de Caio Prado

    Jnior foi sumamente coerente nos diversos textos que tratou

    da escravido brasileira. Ele parte da motivao econmica/

    comercial com que o colonizador europeu se instala, produz

    e, fundamentalmente, importa escravos africanos como

    simples fora de trabalho. Este desenvolvimento culminar

    como sendo parte das primeiras etapas do modo de

    produo capitalista, na medida em que este modo vai

    surgindo, desenvolvendo-se, concretiza-se e impe-se como

    marco internacional. Assim mesmo, nota-se que Caio Prado

    no s entende a organizao da produo clula

    fundamental da economia agrria brasileira como base da

    sociedade escravista colonial, mas tambm distingue, de

    forma ntida, tanto conceitual como historicamente, e tanto

    interna como internacionalmente, as relaes de produo

    capitalistas das no-capitalistas. No obstante, Gorender ter

    uma viso crtica de Caio Prado Jnior em mltiplos aspectos

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007.18

    em sua defesa da existncia de um modo de produo

    escravista colonial.

    3.O modo de produo escravista colonial: Jacob Gorender

    Ao contrrio de Caio Prado, Gorender deixa explcito,

    tanto na temtica como na linguagem, sua perfilhao ao

    marco marxista de anlise e, ademais, restringe seu tpico de

    estudo ao desvendar o carter da escravido brasileira15. Em

    600 pginas apresenta o Escravismo Colonial como um modo

    de produo especfico, correspondente as plantagens16 do

    novo continente. Critica as interpretaes anteriores por

    desviarem-se ante o obstculo que opuseram ao estudo da

    categoria central de todas as formaes sociais: a categoria

    de modo de produo. Assim, percebido que a

    colonizao, originou nas Amricas modos de produo que

    precisam ser estudados em sua estrutura e dinmica prprias.

    Para isso, argumenta, seria necessria uma inverso radical

    do enfoque: as relaes de produo da economia colonial

    precisam ser estudadas de dentro para fora, ao contrrio do

    que tem sido feito, isto , de fora para dentro (EC:6-7). Em sua

    15 Para concentrar o trabalho nos pontos cruciais, somente se mencionara que quando Gorender (EC:77-98) detalha os quatros pontos caractersticos da escravido colonial, apia-se e concorda com a exposio de Caio Prado: (1) a especializao na produo de gneros comerciais destinados ao mercado mundial, o que implica monocultura ainda com dependncia de um setor de economia natural; (2) trabalho em equipe sob um comando unificado, com nenhuma iniciativa autnoma do trabalhador direto, a diferena da organizao feudal; (3) a conjugao estreita e indispensvel, no mesmo estabelecimento, do cultivo agrcola e de um beneficiamento complexo do produto (EC:81); e (4) a diviso do trabalho quantitativo e qualitativo. O mesmo sucede em geral ao tratar a forma organizativa bsica, salvo quando afirma a plantagem absorveu inovaes tecnolgicas, o que afasta a idia da incompatibilidade absoluta entre progresso tcnico e trabalho escravo (GORENDER, 1989:95)16 Gorender prope este termo em lugar de plantation, Juntamente com a escravido, a plantagem constituiu categoria fundamental do modo de produo escravista colonial (EC:78).

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007. 19

    viso, o ponto essencial sero as relaes de produo que

    definam o modo de produo e que so a base das

    formaes sociais coloniais, com o intento de avanar na

    linha mencionada de Cardoso. Para ele, essas anlises

    interpretativas encontram um obstculo insupervel por sua

    inadequao terica, redundando em contradies que se

    revelam com toda fora quando se deve enfrentar a questo

    das relaes de produo (EC:4). Posto que, em sua opinio,

    o estudo de uma formao social deve comear pelo

    estudo do modo de produo que lhe serve de base

    material (EC:11), procurar avanar na mencionada linha de

    Cardoso.

    Um passo srio e pioneiro em direo a tal problemtica foi dado por Ciro Cardoso, que, ao invs da abstrao de um modo de produo colonial, nico e indefinido, ateve-se proposio concreta de modo de produo escravista colonial. O de que se carece, a meu ver, de uma teoria geral do escravismo colonial que proporcione a reconstruo sistemtica do modo de produo como totalidade orgnica, como totalidade unificadora de categorias cujas conexes necessrias, decorrentes de determinaes essenciais, sejamformulveis em leis especficas. (EC:7-8)17.

    Relaes de produo e suas leis especficas sero,

    ento, o mecanismo pelo qual Gorender tentar definir um

    sistema prprio correspondente ao escravismo colonial. Busca-

    se uma teoria geral para um modo de produo especfico,

    esclarecendo que sua obra se limita a este objetivo, tendo

    como o fundamento da formao social escravista, no

    toda ela(EC:11)18. No obstante, Gorender apresenta, em

    17 Advirta-se que o obstculo continuar intransposto enquanto nos ativermos a formulaes do gnero de modo de produo colonial ou sistema de produo colonial, pois, ainda aqui, o enfoque no deixou de ser exterior estrutura econmico-social e, por isso mesmo, a escravido permanece em tais conceituaes elemento contingente a acessrio (EC:7).18 Impe-se, por conseguinte, a concluso de que o modo de produo escravista colonial inexplicvel como sntese de modos de produo preexistentes, no caso do Brasil. Seu surgimento no encontra explicao nas

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007.20

    primeira instncia, uma dificuldade de envergadura. Alinhado

    ao campo marxista, enfrenta uma manifestao do prprio

    Marx, nos Grundrisse, que afirma que os plantadores

    escravistas so capitalistas como anomalias dentro do

    mercado mundial capitalista. Deste modo, tenta enfrentar o

    dilema:

    Embora no o diga expressamente, a interpretao literal do texto conduz a considerar capitalista o modo de produo das plantagens americanas, que empregavam escravos, uma vez que seus donos so declarados capitalistas. Mas esta classificao apela discursivamente ao conceito de anomalia, sob o argumento de sua incluso no mercado mundial capitalista. As anomalias sociais no so inconcebveis sem relao com julgamentos de valor - e um exemplo delas pode ser identificado nas redues jesuticas rio-platenses. Creio, porm, implausvel classificar de anmalo um modo de produo que representou uma tendncia dominante, durou sculos, avassalou enormes extenses territoriais, mobilizou dezenas de milhes de seres humanos e serviu de base organizao de formaes sociais estveis e inconfundveis. (EC:42).

    Gorender considera que Marx, ao passar dos Grundisse

    a O Capital, adquiriu mais maturidade e abandonou a tese

    da anomalia19. A resoluo , no mnimo, polmica, e na

    direes unilaterais do evolucionismo nem do difusionismo. No que o escravismo colonial fosse inveno arbitrria fora de qualquer condicionamento histrico. Bem ao contrrio, o escravismo colonial surgiu e se desenvolveu dentro de determinismo scio-econmico rigorosamente definido, no tempo e no espao. Deste determinismo de fatores complexos, precisamente, que o escravismo colonial emergiu como um modo de produo de caractersticas novas, antes desconhecidas na histria humana. Nem ele constituiu repetio ou retorno do escravismo antigo, colocando-se em seqncia regular ao comunismo primitivo, nem resultou da conjugao sinttica entre as tendncias inerentes formao social portuguesa do sculo XVI e s tribos indgenas. (EC:40).19 A tese de que o escravismo americano constituiu um capitalismo anmalo (ou foi uma aberrao, como disseram depois outros historiadores) reflete um entendimento imaturo que, com relao a este problema, era certamente o de Marx, quando desenvolvia, sem finalidade de publicao, as reflexes preparatrias de O Capital. Nesta obra, a tese sobre a anomalia est ausente de todo, e o tratamento que seu autor d questo do escravismo americano se traduz em conceituao muito diferente e oposta anterior. () Estritamente pelo que diz e pelo critrio cientfico em si mesmo, sem subordinao a argumentos de autoridade ou de autenticidade filolgica, que, na questo do escravismo americano, considera inaceitvel a tese do carter capitalista, anmalo ou no.Tanto mais, adiciono a ttulo de reforo, que o prprio Marx se encarregou de

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007. 21

    seguinte seo levantar-se-o dvidas sobre a mesma. Mas

    preciso ressaltar que Gorender define o modo de produo

    escravista colonial como possuindo um carter pr-capitalista.

    Foi mencionado que para ele o ponto de partida so as

    relaes de produo, embora mostre que a escravido no

    indica por si s um modo de produo da mesma forma que

    o assalariado e a servido - reparando que diferena do

    escravismo colonial moderno, o escravismo romano incluiu

    indivduos de elevado nvel cultural (EC:66), separando-os em

    forma similar a Caio Prado20. Considera, porm, que o

    materialismo histrico distinguiu claramente estas formas de

    trabalho e as definiu como relaes de produo inerentes,

    cada qual, a modos de produo rigorosamente especficos

    (EC:71)21.

    Para Gorender, alguns autores interpretaram mal a viso

    de colonizao de Marx, desabando em explicaes supra-

    histricas em que os fatores da produo aparecem

    despidos das relaes sociais com que lidam os homens de

    cada poca determinada22. Para ele, se bem a abundncia

    de terras tivesse sido uma das condies indispensveis do

    demonstrar essa inaceitabilidade com o que sobre o assunto escreveu em sua obra principal (EC:43).20 A escravido uma categoria social que, por si mesma, no indica um modo de produo No entanto, desde que se manifesta como tipo fundamental e estvel de relaes de produo, a escravido d lugar no a um nico, mas a dois modos de produo diferenciados: o escravismo patriarcal, caracterizado por uma economia predominantemente natural, e o escravismo colonial, que se orienta no sentido da produo de bens comercializveis. Observe-se, a propsito, que tambm a servido e o salariado no indicam, por si mesmos, situaes econmico-sociais unvocas (EC:46).21 Tanto na escravido como na servido, a explorao do produtor direto se faz mediante coao extra-econmica, o que as rene num mesmo tipo geral de sujeio pessoal. Quando se trata, porm, das relaes de produo concretas,da estrutura econmica e de suas leis, a diferena entre ambas substancial(GORENDER, 1989:73).22 Gorender menciona que esse seria o caso de F. H. Cardoso, Octavio Ianni e Fernando Novais, que o escoraram na teoria da colonizao de Wakefield filtrada pela crtica de Marx (EC:139). Por outro lado, Gorender critica tambm as vises de vrios outros autores (por exemplo, Celso Furtado, Florestn Fernandes, etc.), mas neste trabalho s se tratar suas opinies sobre o Caio Prado Jnior.

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007.22

    escravismo colonial, de todo incoerente fundamentar na

    crtica de Marx o surgimento da escravido colonial23.No foi

    esta que determinou a plantagem, mas o contrrio (...) o

    emprego do trabalho escravo teve como pressuposto as

    caractersticas da forma plantagem. Era preciso que houvesse

    uma fora produtiva qual o trabalho escravo se adaptasse

    em condies de rentabilidade econmica para que os

    escravos fossem requeridos em to enorme escala durante

    sculos (EC:139-40). Esta pergunta interessa-nos, pois permite

    ver como Gorender explica este surgimento:

    A fora produtiva encarnada na plantagem adequava-se ao trabalho abstrato e a ela se associou no s na Amrica, mas antes na prpria Europa. Sucede, contudo, que a Amrica oferecia imenso fundo de terras fertilssimas inapropriadas, o que deu plantagem canavieira do continente americano viabilidade muitssimo maior do que nas Ilhas mediterrneas e atlnticas. Mas esta mesma viabilidade s secompreende por ser o continente americano um continente colonizado. De outra maneira, ficaria inexplicado o escravismo colonial. (EC:140).

    Nesta mesma linha, critica a tese de inegvel feio

    geodeterminista de Caio Prado (EC:141), e tambm

    questiona haver considerado o escravo como mero

    expediente ditado pelas circunstncias, destitudo, por

    conseguinte, de influncia decisiva nas relaes de produo,

    na estrutura e na dinmica da sociedade colonial (EC:148).

    Segundo sua viso, a escravido se apresenta determinada

    23 A plantagem escravista imps-se nas Ilhas mediterrneas e atlnticas, apesar de nelas ser a terra escassa em comparao com sua disponibilidade no continente americano. Nos Estados Unidos, a abundncia geral de terras no impediu que se firmassem dois tipos opostos de colonizao e de vida social: o das pequenas propriedades familiais no Norte e no Oeste e o da plantagem escravista no Sul. A colonizao inglesa e francesa das Antilhas comeou com pequenos cultivadores, que produziam tabaco e anil para exportao, mas eles se viram implacavelmente deslocados quando deu entrada nas ilhas o engenho de acar. Em que pesem s diferenas do regime jurdico de apropriao da terra conforme cada metrpole colonial, por toda parte a plantagem escravista se associou grande propriedade fundiria (EC:140).

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007. 23

    por foras produtivas as quais se vincula e de acordo com seu

    peso dentro da respectiva formao social. Entende que a

    escravido presente na colonizao do Novo Continente s

    pode ser compreendida se estudada em conjunto com as

    foras produtivas e sua organizao fundamental: a

    plantagem (EC:148)24. Esta relao entre o plantador e os

    escravos determina todo o carter do modo de produo

    (EC:147) 25.

    Assim, Gorender comea a arrolar as leis que so

    especficas a este modo de produo colonial, as quais se

    diferenciam das que so vlidas para alguns ou todos os

    outros modos, que denomina monomodais26. Seu trabalho,

    portanto, tem a inteno de apresentar um sistema de leis,

    de um conjunto articulado que reflete teoricamente uma

    totalidade orgnica (EC:154); so leis que, interligadas,

    expressam a lgica do modo de produo escravista colonial.

    Este sistema, que aborda a terceira parte do livro, est

    constitudo por cinco leis monomodais, a saber: (1) a lei da

    renda monetria; (2) a lei do investimento inicial na aquisio

    do escravo; (3) a lei da rigidez da mo-de-obra escrava; (4)

    a lei da correlao entre a economia mercantil e a economia

    24 O mesmo raciocnio aplica-se servido, que nem sempre feudal, e ao trabalho assalariado, que j aparece na Antigidade e existiu tambm na Idade Mdia, sob condies e formas distintas do salariado capitalista (EC:148).25 Meu ponto de partida reside na convico de que o tipo de utilizao da fora de trabalho no pode constituir fator contingente ou acidental em qualquer modo de produo. Pelo contrrio, do tipo de trabalho decorrem relaes necessrias, absolutamente essenciais, que definem as leis especficas do modo de produo. Do ponto de vista mais abstrato, no h diferena entre o escravo, o servo e o operrio assalariado. Todos eles tm sua jornada dividida em trabalho necessrio esobre-trabalho. No entanto, cada um deles caracteriza modos de produo diferentes pela simples razo de que so diferentes os modos de explorao de seu trabalho e de apropriao do trabalho excedente ou sobre-trabalho pelo explorador (EC:147).26 Onimodais as leis vigentes em todos os modos de produo sem exceo; plurimodais, uma vez que sua vigncia no se verifica em todos os modos de produo, mas apenas em mais de um deles; monomodais ou especficas, cuja vigncia exclusiva de um nico modo de produo () As leis do modo de produo escravista colonial tambm so, ao mesmo ttulo, monomodais ou especficas (EC:152).

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007.24

    natural na plantagem escravista; e finalmente, (5) a lei da

    populao escrava. No cabe aqui analisar o sistema de leis

    proposto por Gorender, e sim comparar sua viso de

    escravido de Prado Jnior. Por isto, s sero feitas algumas

    consideraes a estas leis no que se refere ao tpico

    proposto.

    Da lei de renda monetria, Gorender define que a

    explorao produtiva do escravo resulta no trabalho

    excedente convertido em renda monetria, e sobre este

    aspecto distingue o escravismo mercantil/colonial do

    antigo/patriarcal (EC:155-6). Da Gorender extrai como

    inevitvel sua ligao com o mercado externo, sua premissa

    incondicional27. No obstante, esclarece que esta concluso

    o afasta das teorias circulacionistas cuja anlise se concentra

    no modo de circulao e por meio deste pretende com o

    resultado de tais anlises chegar a iluso renovada do

    escravismo capitalista gerada por semelhante erro

    metodolgico. Considera que a esfera da circulao se

    autonomizou com relao ao modo de produo escravista

    colonial e, ao mesmo tempo, se adequou a ele, sem

    determinar suas leis internas, sua natureza essencial, ainda

    que dependente do mercado externo, o modo de produo

    escravista colonial no deixa de ser uma totalidade orgnica,

    conceitualmente definida como tal pela articulao de leis

    especficas (EC:164).

    Com respeito segunda lei, Gorender afirma que esta

    se baseia na aquisio do escravo por parte do plantador

    que adianta valor-dinheiro na compra e espera v-lo

    27 O escravismo colonial nasce e se desenvolve com o mercado como sua atmosfera vital. A explicao j se contm no exposto acima: um modo de produo baseado na escravido compatvel com a finalidade mercantil se estiver conjugado a um mercado externo apropriado. A existncia prvia do mercado externo constituiu, portanto, premissa incondicional (EC:164).

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007. 25

    aumentado por meio do emprego produtivo do escravo,

    (embora, para isso, deva incorrer em outro tipo de despesa, o

    da manuteno do escravo)28. Gorender sustenta que a

    singularidade do modo de produo escravista colonial

    que, alm da lei onimodal da reproduo necessria da mo-

    de-obra , rege-se por outra lei monomodal relativa ao

    investimento da compra do escravo que representa um falso

    gasto de produo, imposto pela natureza peculiar das

    relaes de produo escravistas (EC:169). Critica, assim,

    aqueles que, como Caio Prado, caracterizam este

    investimento como capital fixo, at a concluso que

    implicava uma esterilizao do capital, cujo resultado era a

    desacumulao, do qual se deduz o carter pr/ou anti-

    capitalista do regime escravista colonial29:

    a importao de escravos constitua umadesacumulao, um corte nas possibilidades de acumulao de fundos produtivos, uma reduo sempre substancial dos recursos poupados para investimento. Nem preciso mais do que isto a fim de demonstrar o carter, no somente pr-capitalista, mas tambm anti-capitalista do regime escravista colonial. (EC:204).

    Logo, Gorender explica que apesar de seus mltiplos e

    graves problemas, a adoo do trabalho escravo se imps

    no como alternativa para o trabalho livre: foi adotado

    28 evidente que o sustento do escravo no representa dispndio anlogo inverso inicial, uma vez que no resulta de um adiantamento, mas do prprio trabalho do escravo. (EC:167). Temos, assim, dois dispndios do escravista inteiramente distintos: o do preo de compra do escravo e do seu sustento. O preo de compra do escravo no pago a este, porm ao seu vendedor, personagem que nenhuma relao entretm com o processo de produo Enquanto, porm, o primeiro dispndio - o de preo de compra - se deu fora doprocesso de produo, o segundo - o do sustento do escravo - se d dentro dele(EC:168). 29 a inverso inicial de compra do escravo no funciona como capital. No processo real da produo escravista, esta inverso se converte em no-capital.Seria incorreto afirmar que ela imobilizada, pois assim a incluiramos no capital fixo. O correto concluir que o capital-dinheiro aplicado na compra do escravo se transforma em capital esterilizado, em capital que no concorre para a produo e deixa de ser capital. Por conseguinte, cabe-nos concluir tambm que a inverso inicial da compra do escravo somente pode ser recuperada pelo escravista custa do sobre-trabalho do seu produto excedente. (EC:183)

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007.26

    simplesmente por no haver alternativa. E, obviamente,

    tambm por ser vivel do ponto de vista econmico. Mais do

    que vivel, o trabalho escravo era vantajoso na produo em

    grande escala de gneros tropicais de exportao e

    enquanto houvesse reas de terras frteis

    apropriveis(EC:206). Da, critica a Weber por haver efetuado

    uma comparao entre o trabalho escravo e o assalariado

    desconsiderando as circunstncias histricas que o levaram a

    julgar o primeiro como tendo elementos irracionais30.

    Gorender sustenta que este ponto de vista parte do prisma da

    racionalidade capitalista, estabelecida como padro supra-

    histrico de racionalidade econmica, mesmo que ainda

    esta produtividade seja muito inferior e o desperdcio muito

    superior em frente ao capitalista assalariado, no se segue

    que o emprego do trabalho escravo fosse irracional em

    determinada poca. Pelo contrrio, nesta determinada

    poca, s o emprego do trabalho escravo seria racional

    (EC:205). Ento, conclui que o escravo no representou fato

    contingente, expediente ditado pelo arbtrio ou surgido de

    circunstncias ocasionais.

    Gorender contesta Caio Prado por sua viso de um

    patriarcalismo que embora seja dito que brotava do regime

    econmico, recebe significado unicamente de fenmeno

    superestrutural ou, se quiser, de epifenmeno cultural. No

    mbito da estrutura propriamente dita, o que sobreleva o

    carter empresarial da economia (EC:280), ao imputar-lhe

    um economicismo peculiar que nega ter se originado da

    escravido, uma formao social na acepo totalizante do

    30 No possvel, como acontece infelizmente com certa freqncia, ter um p em Karl Marx e outro em Max Weber; isto no da, no da p: ou estamos com um ou estamos com outro, em particular no que se refere ao conceito de capitalismo (GD:13)

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007. 27

    conceito, uma vez que afirma o carter primrio das

    relaes sociais delas resultantes e a (...) ausncia quase

    completa de superestrutura (FBC:354), chegando a uma

    viso da plantagem e do plantador como empresa e

    empresrio, que por um processo associativo...so postulados

    na acepo do regime capitalista (EC:280). Tendo em conta

    ambos os anacronismos racionalidade e empresrio

    capitalista -, Gorender critica aqueles que inspirados nas

    tipologias weberianas, afirmam a vigncia de um capitalismo

    incompleto como capitalismo escravista, tanto na

    Antiguidade como nos tempos modernos. Para ele, a noo

    de capitalismo incompleto vincula-se somente subsuno

    formal de trabalho ao capital de Marx: O capitalismo j a

    capitalismo, por implicar a explorao de operrios livres pelo

    capital e o domnio destes no processo de produo, mas

    capitalismo incompleto, por ser incapaz ainda de produzir

    mais-valia relativa. Porm, a subsuno formal do trabalho no

    capital nada tem a ver com um processo de trabalho

    executado por escravos (EC:301-02). Critica, tambm, o

    integracionismo, por sua idia de que o surgimento do

    mercado mundial, no sculo XVI, marcou o surgimento de um

    modo de produo tambm mundial, evidentemente

    capitalista, j que implica a identidade entre mercado e

    modo de produo, a qual se formula de acordo com o

    termo capitalista (EC:313-14)31.

    31 Ao invs de insistir numa categoria inconsistente como a de capitalismo comercial, a explicao do processo de formao do mercado mundial, a partir dos descobrimentos hispano-portugueses, ser encontrada na expanso do capitalcomercial, ento ainda uma modalidade pr-capitalista do capital. Modos de produo essencialmente diversos puseram-se em contacto atravs do mercado mundial nascente e neste o modo de produo capitalista, em formao na Europa Ocidental, encontrou terreno apropriado ao seu fortalecimento acelerado. (EC:313).

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007.28

    Para validar seu argumento, Gorender apresenta uma

    frase de Marx em que manifesta que um pas capitalista

    Inglaterra pode negociar com outro China sem que o

    mesmo seja tambm capitalista. Com isso, tambm critica

    Caio Prado Jnior por ter sustentado isso no comrcio,

    encontramos a uma sntese que a resume e explica: A

    partir deste enfoque terico hoje chamado de circulacionista,

    no se vai mais longe do que foi o prprio Caio, ou seja, at a

    demonstrao de que a produo escravista era orientada

    para exportao e subordinada espoliao colonialista

    (EC:523)32.

    A primeira se refere aos preos de mercado, os quais,

    alm do prprio valor, devem incluir os falsos gastos de

    produo inerentes produo escravista, o gasto de

    inverso inicial de aquisio do escravo, o gasto do

    inaproveitamento parcial da mo-de-obra, em virtude de sua

    rigidez e o gasto excepcionalmente elevado da vigilncia. A

    segunda, que os preos de mercado se fixassem, em

    carter prioritrio, fora de influncia do jogo da concorrncia,

    dada a incapacidade da produo escravista de responder

    s baixas de preos, como sucessivas redues dos custos de

    produo. Assim, Gorender conclui que s a possibilidade de

    um lucro de monoplio outorgava produo escravista

    32 Os agentes do processo de circulao podem dominar os titulares do processo de produo, mas isto no significa que a circulao explique a natureza inerente, a estrutura ntima e as leis especficas da produo. Em qualquer caso, a circulao mercantil no mais do que o prolongamento da produo, o processo de realizao do valor do produto, da converso deste em dinheiro e, em sentido contrrio, da converso do dinheiro em mercadorias, a serem consumidas produtiva ou improdutivamente. Em ltima anlise, no a circulao que desvenda a organizao da produo, mas o contrrio. () Nas formaes no-capitalistas ou pr-capitalistas que o capital mercantil - geralmente conjugando as duas formas de capital comercial e de capital de emprstimo - se apresenta como a encarnao por excelncia do capital, podendo mesmo chegar a uma posio de sobranceira com relao produo, sem contudo, modificar seu processo ou interferir em sua natureza inerente. Nessas formaes, o capital mercantil surge substantivado e em estado de pureza, flutuando entre as esferas de produo e sem se mesclar com elas. (EC:523).

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007. 29

    colonial viabilidade para o funcionamento regular e

    prolongado em situao favorvel (EC:524)33.

    Mesmo que uma pesquisa quantitativa minuciosa e convincente demonstrasse as vantagens auferidas pelo capital mercantil, ainda assim o enquadramento terico da questo no se alteraria. Pois inadmissvel que o plantador colonial fosse um pobre coitado, condenado a uma situao de prejuzo incessante e irremedivel. Omodo de produo escravista colonial seriasimplesmente invivel se no implicasse um processo de circulao ajustado a ele em sua tipicidade e incorporado como pressuposto sistemtica da produo. (EC:526).

    Gorender explica que lucro e preo de monoplio,

    naturalmente, se pressupem e, portanto, o especfico do

    processo de circulao do escravismo colonial era, por

    conseguinte, o preo do monoplio, no o valor, e que este

    ltimo se refere ao preo mais elevado que o comprador

    est disposto e obrigado a pagar pela mercadoria, sem

    considerao pelo seu valor intrnseco. O comprador se

    submete, portanto, a uma troca de no-equivalentes(EC:524-

    25). Possibilitar este comrcio foi tarefa do Pacto Colonial,

    porque beneficiava tanto aos plantadores, que precisavam

    de exclusividade de mercado, como aos produtores de

    manufaturas e comerciantes metropolitanos, que se

    apoiavam nas colnias como mercado: Exatamente porque

    necessitava de mercados fechado, o escravismo moderno

    necessitava de uma metrpole que os garantisse com a fora

    33 Marx e Engels, por sua vez, num artigo escrito em 1850, chamaram a ateno para o fato da produo algodoeira norte-americana, base do trabalho escravo, ser vivel somente em virtude da posio monopolista de que desfrutava no mercado mundial. A supresso do monoplio algodoeiro traria consigo tambm a supresso da escravido. () Por outro lado, se o escravismo colonial precisava de um tipo de circulao mercantil regido pelo preo de monoplio, no teve de cri-lo, j o encontrou institudo no comrcio internacional da Europa, desde a baixa Idade Mdia. Em conseqncia, o capital mercantil e o incipiente capital industrial estavam ambos interessados na preservao de privilgios monopolistas em mercados fechados, que cada Estado assegurava pela interveno direta da fora poltica. (EC:527-28).

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007.30

    poltica. Pela natureza dos fatos, s podia ser escravismo

    colonial (EC:528). Logo, Gorender encerra seu argumento

    com uma clara crtica a Caio Prado: Uma vez que nos

    desprendamos da concepo teleolgica de que a

    colonizao foi montada com o fim ou o sentido de

    propiciar a acumulao originria do capital e gerar o

    capitalismo na Europa, poderemos analisar a objetividade do

    processo, sem cair em contradies formais (EC:350). Desta

    maneira, Gorender apresenta as justificativas e as

    caractersticas do modo de produo escravista colonial,

    correspondente a uma modalidade produtiva pr-capitalista

    para explicar a estrutura da produo baseada no trabalho

    escravo no Brasil. Sua crtica forte e em alguns pontos,

    Gorender distancia-se de forma importante de Caio Prado.

    Entretanto, no est clara a solidez de sua argumentao,

    como se mostrar adiante.

    4. Caio Prado Jnior, Jacob Gorender e a escravido colonial: Uma apreciao crtica.

    Como Gorender quem faz observaes sobre Caio

    Prado, e no o contrrio, uma apreciao resulta

    inevitavelmente condicionada em avaliar seus comentrios.

    Embora, simultaneamente seja preciso levar em conta a

    posio de Marx sobre a escravido colonial, j que ambos os

    autores nela pretendem se apoiar, implcita ou explicitamente,

    neste debate terico. Das crticas de Gorender, duas se

    destacam: a imputao de ser circulacionista, e a viso

    capitalista dos plantadores escravistas. Outro ponto trata de

    que se Gorender avanou conceitualmente neste debate,

    no somente com respeito a Prado Jnior, como tambm

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007. 31

    com relao aos outros autores. Aqui somente se considerar

    a relao entre Gorender e Caio Prado.

    Com respeito validade de um modo de produo

    escravista colonial, resulta claro que para Caio Prado no

    seria legtimo sustentar essa categoria terica, j que a

    escravido s teria sentido histrico e razo de ser quando

    entendida como parte do processo de gestao da

    produo capitalista numa escala mundial. J se havia

    assinalado que Cardoso observara que em Marx no

    evidente o alcance deste conceito. Mas ainda, discute-se at

    onde Marx se debruou na anlise daqueles modos pr-

    capitalistas. Deste modo, Hobsbawm (1972:13) sustenta que

    Marx concentr sus energas en el estudio del capitalismo, y

    se ocup del resto de la historia con diversos grados de

    detalle, pero principalmente en la medida en que se

    vinculaban con los orgenes y el desarrollo del capitalismo, e

    Hilton (1998:91) afirma que although their historical interests

    were wide, Marx and Engles were primary interested in the

    definition of the capitalist mode of production. Aqui surge um

    ponto crtico, que avana para outras objees de Gorender:

    como Marx utiliza geograficamente o conceito de modo de

    produo capitalista em O Capital.

    The opening sentences indicates that Marx will be talking of those societies in which the capitalist mode of production prevail, and the implication (common to most nineteenth-century thinkers) is that the boundaries of a society are normally those of a state. It is also implied, therefore, that there are some societies in which capitalism prevails and others in which it does not (WALLERSTEIN, 1998:590).

    Entretanto, como Wallerstein destaca, O Capital traz

    frases contundentes que do a entender que sua geografia

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007.32

    o mercado mundial34. Wallerstein observa que est ausente

    uma anlise concreta de como se opera o mercado

    mundial, visto que, de acordo com o plano original pensado

    por Marx, constituiria o sexto volume, que nunca chegou a

    escrever. Enquanto Hobsbawm (1972:21) sustenta que o

    desenvolvimento crucial do capitalismo o do mercado

    mundial, para Wallerstein (2000:76) Capitalism and world-

    economy (that is, a single division of labor, but multiple polities

    and cultures) are obverse sides of the same coin.

    Capitalism was from the beginning an affair of the world-economy and not of nations-statescapital has never allowed its aspirations to be determined by national boundaries in a capitalist world-economy. (WALLERSTEIN, 2000:88-89).

    Aqui se encontram vinculadas no somente a noo do

    modo de produo capitalista, mas tambm a denominao

    de circulacionista sobre Prado Jnior e a caracterizao de

    fazendeiros como capitalistas, porquanto a viso de

    Gorender do modo de produo capitalista rigorosamente

    exata s no sentido de que unicamente aceita como

    capitalista quem tem como contraparte o trabalhador

    assalariado35. Mas como tambm observa Wallerstein, o

    34 The modern history of capital dates from the creation in the sixteenth century of a world-embracing commerce and a world-embracing market (I, chap.4) ; competition on the world marketthe basis and the vital element of capitalist production. He makes the creation of the world-market one of the three cardinal facts of capitalist production, on a par with the concentration of means of production in a few hands and the organization of labour itself into social labour (III, pt. 3, ch. 15, sect.14). And perhaps most strongly of all he summarizes his views by reasserting that production for the world market and the transformation of the output into commodities, and thus into money, [are] the prerequisite and condition of capitalist production (III, pt. 6, ch. 47, sect.1). Earlier, in the Grundrisse, Marx had asserted: The tendency to create the world market is directly given in the concept of capital itself (WALLERSTEIN, 1998:590).35 Eu defino o que capitalismo seguindo aquele que me inspira e que no tenho nenhum receio de declarar, que Marx. Defino o capitalismo como modo de produo em que operrios assalariados, despossudos de meios de produo e juridicamente livres, produzem mais-valia; em que a fora de trabalho se converte em mercadoria, cuja oferta e demanda se processam nas condies da existncia

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007. 33

    capital nunca aceitou determinar suas aspiraes pelos limites

    nacionais, tampouco o fez pelas relaes sociais:

    El esclavo romano estaba sujeto por cadenas a su propietario; el asalariado lo est por hilos invisibles. El cambio constante de patrn individual y la ficto juris del contrato, mantienen en pie la apariencia de que el asalariado es independiente. Anteriormente, cuando le pareca necesario, el capital haca valer por medio de leyes coercitivas su derecho de propiedad sobre el obrero libre. As, por ejemplo, en Inglaterra estuvo prohibida hasta 1815, bajo severas penas, la emigracin de obreros mecnicos (MARX 1998:706).

    Que o trabalhador seja assalariado no modo de

    produo capitalista uma conseqncia do

    desenvolvimento deste sistema, do impulso por lucro abstrato

    que o capitalista persegue. Isto , porque lhe mais

    conveniente, j que a forma salarial faz parecer que no h

    trabalho no pago, tudo aparecendo como trabalho pago;

    entretanto, com o trabalho escravo, todo su trabajo toma la

    apariencia de trabajo impago (MARX, 1998:657). O capital

    usou a coero fsica quando a multido de proletrios optou

    por no trabalhar e usar sua liberdade pela mendicidade, a

    vagabundagem e o roubo. Est histricamente comprobado

    que esa masa intent al principio esto ltimo, pero fue

    empujada fuera de esa va y hacia el estrecho camino por

    medio de la horca, la picota, el ltigo (MARX, 1972:88). No

    modo capitalista de produo a classe proletria que est

    escravizada, no o membro individual; mas quando no se

    pode forar os proletrios a trabalhar devido s leis do

    mercado livre, o capital apela para a coero fsica sobre

    estes indivduos, e nem por isso deixa de ser capital.

    de um exrcito industrial de reserva; em que os bens de produo assumem a forma de capital, isto , no de mero patrimnio mas de capital, de propriedade privada destinada a reproduo ampliada sob a forma de valor, no de valor de uso, mas de valor que se destina ao mercado (GD:14).

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007.34

    Marx distingue claramente o processo de produo do

    marco das relaes legais, sendo ambos relaes de

    produo. Assim, afirma que la produccin capitalista slo

    comienza, en rigor, all donde el mismo capital individual

    emplea simultneamente una cantidad de obreros

    relativamente grande (Marx 1998:391). O ponto de partida

    da produo capitalista, histrica e conceitualmente, implica

    a subsuno formal do processo de trabalho ao capital: un

    proceso que se desenvuelve con los factores del proceso

    laboral en los cuales se ha transformado el dinero del

    capitalista y que se efecta, bajo la direccin de ste, con el

    fin de obtener del dinero ms dinero (Marx, 1997:54). Como

    processo de trabalho e de valorizao aos olhos do capital, a

    esta essncia formal indiferente a situao jurdica do

    trabalhador. Por isto afirma que as plantaes so

    formalmente capitalistas, j que esta produo est

    comandada, desde seu incio pelas especulaes comerciais

    e a produo est destinada ao mercado mundial: existe el

    modo de produccin capitalista, aunque slo en un sentido

    formal, ya que la esclavitud de los negros impide el trabajo

    asalariado libre, que es la base de la produccin capitalista.

    Pero el negocio en que se utilizan esclavos lo dirigen los

    capitalistas. El mtodo de produccin que introducen no

    naci de la esclavitud, pero est injertado en ella(MARX,

    1984: 257)36.

    Assim tambm se entende a questo da abundncia

    de terra mencionada por Marx. No se trata, como entende

    36 lo que Marx dice es que en las economas de plantacin el modo de produccin dominante es slo formalmente capitalista. Y si es formalmente capitalista lo es porque sus beneficiarios participan en un mercado mundial en el que los sectores productivos dominantes son ya capitalistas. Esto permite a los terratenientes en la economa de plantacin participar del movimiento general del sistema capitalista, sin que su modo de produccin sea, sin embargo, capitalista (LACLAU, 1973:31).

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007. 35

    Gorender, que ela teria propiciado a escravido moderna,

    mas evidencia-se que o capital, ante tal circunstncia, recorre

    coero direta, como tambm pode fazer por outras razes

    que impedem ou no favorecem a acumulao por meio do

    mercado livre: Por otra parte, no bien en las colonias, por

    ejemplo, se dan circunstancias adversas que impiden la

    creacin del ejrcito industrial de reserva, menoscabando as

    la dependencia absoluta de la clase obrera respecto de la

    clase capitalista, el capital, junto a su Sancho Panza

    esgrimidor de lugares comunes, se declara en rebelda contra

    la sagrada ley de la oferta y la demanda y procura

    encauzarla con la ayuda de medios coercitivos (MARX,

    1998:797). Em ambos os casos, o que resulta claro o que

    define o capital: seu desejo de acumular valores abstratos.

    Sua prpria frmula [D-MPM-D], que Marx desenvolve em

    extenso no Livro II, expresa que el dinero no se gasta aqu

    como dinero, sino que slo se lo adelanta j que el proceso

    de produccin se presenta slo como el eslabn intermedio

    inevitable, como el mal necesario para alcanzar el objetivo:

    hacer dinero. (MARX, 1984a:64). Isto o que diferencia o

    colonialismo capitalista do antigo - que Gorender no trata -,

    onde este impulso no estava presente.

    The object of pre-capitalist colonialism was direct extraction of tribute from subjugated peoples and its essential mechanisms were those of political control. By contrast, in the case of the new colonialism, associated with the rise of capitalism, the objectives and mechanisms were essentially economic direct political control was not essential, though sometimes advantageous. Associated with that primary thrust was territorial conquest, with or without elimination of indigenous population of conquered territories, and the establishment of white settlers or slave plantations and mining enterprises. (ALAVI, 1998:94).

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007.36

    Nas colnias, as plantaes eram uma forma para

    acumular trabalho abstrato; assim como na Europa, o

    capital que subsume formalmente o processo de trabalho, isto

    , este subsumido en el proceso de produccin capitalista

    Chiaramonte (1983:143): tendramos, entonces, un modo de

    produccin no especfico del capital aunque ya dentro de la

    produccin capitalista- en la subsuncin formal (por cuanto

    entraa una continuidad del trabajo artesanal, aunque ahora

    bajo la relacin de propiedad capitalista), y otro s especfico

    de la produccin capitalista (CHIARAMONTE, 1983:149).

    Ento, no est claro que as relaes sociais so

    fundamentais para definir um modo de produo, como

    explica Hilton, j que os limites histricos no esto claros.

    The ancient world cannot simply be characterized in terms of a relationship between slave working in plantations or in mines, and their owners. There was probably always a minority of slaves and a majority of free and semi-free peasants and artisans. Surplus labour was realized more in the form of rent and tax than as the unpaid toil of the captive slave. On the other hand some slaves are found well into the feudal era, working on the estates of landlords up to the tenth century (even until the eleventh century in England). And although juridical serfs constituted an important, though fluctuating, element among the medieval European peasantry there was always a high proportion of peasants of free status. (HILTON, 1998:192)37.

    Mesmo quando o capital inclui formalmente o processo

    de trabalho, tampouco clara a diferena sustentada por

    Gorender de que neste momento tratava-se de assalariados,

    de trabalhadores livres: Podemos considerar que el trabajo

    37 Com respeito ao Feudalismo, Hilton claramente manifesta esta insuficincia: a Marxist understanding of feudal society should depend on seeing it as a historical development, not as a static set of relationships between two principal and contending classes, the landowners and the peasants. That does not mean, of course, that it would be possible to understand feudal economy and society without an understanding of that relationship and the special (and changing) character of the coercion which was embedded in it. But there was a good deal more to feudal society than the exploitation of peasants by landowners, and their resistance to it. (Hilton, 1998:192).

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007. 37

    libre fuera entonces la regla? En modo alguno. La

    dependencia feudal y el artesanado urbano constituan las

    formas bsicas de la actividad productiva. La existencia de

    una poderosa clase comerciante que amas grandes

    capitales a travs del comercio ultramarino no modific en

    absoluto el hecho decisivo de que este capital fue

    acumulado por la absorcin de un excedente econmico

    producido mediante relaciones de trabajo muy diferentes del

    trabajo libre (LACLAU, 1973:32)38. to difcil, quanto na

    Amrica Latina, definir o modo de produo na Europa

    naquele tempo. Deste modo, a justificativa da existncia de

    um modo de produo escravista colonial por parte de

    Gorender, por sua longa durao temporal e por ter afetado

    milhes de pessoas, insinuaria que tanto esta fase europia

    como outras na histria deveriam tambm ser moldadas em

    um modo de produo especfico. S uma vez alcanado o

    modo capitalista de produo que surge da subsuno real.

    A subsuno formal no implica necessariamente

    assalariados:

    La produccin del plusvalor relativo, pues, supone, un modo de producin especficamente capitalista, que, con sus mtodos, medios y condiciones slo surge y se desenvuelve, de manera espontnea, sobre elfundamento de la subsuncin formal del trabajo en el capital (MARX 1998:618).

    Embora o capital mercantil e usurrio constituam formas

    antediluvianas do capital (Marx, 1989:26), tambm se

    diferenciam de si mesmas, enquanto nos tempos modernos

    passaram a fazer parte do processo de constituio do modo

    capitalista de produo. Quer dizer, so fases, como tambm

    38 En las economas europeas durante los siglos XVI y XVII, el capital comercial ejerce la misma funcin, para ciertas reas de la produccin, que la que ejerce en las colonias. A travs del trabajo a domicilio, fundamentalmente, domina la produccin artesanal de reas campesinas o urbanas (Chiaramonte, 1983:175).

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007.38

    as viu Caio Prado Jnior, por meio de expresses como

    capitalismo comercial e capitalismo industrial, pelas quais

    procurou distinguir mudanas qualitativas desta evoluo.

    Neste sentido tem importncia a distino entre capital e

    capitalismo, onde, como afirma Laclau, ocorre a coexistncia

    do capital comercial como modos de produo

    historicamente anteriores: Marx slo dice que la ampliacin

    del mercado mundial en el siglo XVI, a consecuencia de la

    expansin ultramarina, cre las condiciones y el marco

    general dentro del cual la moderna expansin del capital

    pudo verificarse, dando por sentado que existieron formas

    anteriores de capital por ejemplo en la Edad Media y en la

    Antigedad (LACLAU, 1973:33). No distinguir este perodo do

    anterior como etapa do capital no poder explicar como se

    gera o modo de produo capitalista, pois neste contexto o

    termo pr-capitalista abarca toda poca anterior ao

    mesmo39. Mas fazer isto no significa que corresponda ao

    modo capitalista.

    Ademais, significa entender mal o prprio modo

    capitalista de produo, ao entender-se-lhe simplesmente a

    partir da relao de produo capitalista-assalariado. Se por

    um lado se viu como tanto o assalariado, o escravo e o servo

    no se limitam de forma precisa aos modos de produo,

    por outro lado esta relao por si s nada fala do modo em

    questo. Da que Marx (1972:65) observa que na Antiguidade

    a questo de propriedade versa sempre sobre de qual modo

    geram os melhores cidados. Assim, em contraste, se entende

    que a afirmao de que os plantadores escravistas so

    39 Estabelecidas tais definies, v-se que no se pode deixar de distinguir o modo de produo capitalista das formas pr-capitalistas de capital, isso porque o capital precede o capitalismo. Marx falava inclusive nas formas antediluvianas do capital, o capital mercantil que j existia na prpria Antigidade, o capital comercial e o capital usurio, que so pr-capitalistas (GD:17).

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007. 39

    capitalistas porque seu comportamento est definido pela

    acumulao de trabalho abstrato em si mesmo. Gorender

    restringe-se rigorosamente a tal definio do modo capitalista,

    mas Marx constantemente ressalta a essncia do mesmo sem

    necessidade do termo assalariado: The capitalist mode of

    production (essentially the production of surplus value, the

    absorption of surplus-labour), produces thus with the extension

    of the working day, not only the deterioration of human labour-

    power by robbing it of its normal, moral and physical,

    conditions of development and function. It produces also the

    premature exhaustion and death of this labour-power itself. It

    extends the labourers time of production during a given

    period by shortening his actual life-time (MARX, 1906:292).

    Assim, o anmalo nas plantaes era que tinham que

    recorrer ao trabalho escravo, dado que para este era mais

    proveitoso que a utilizao do assalariado. So as

    circunstncias, como o prprio Gorender explica e Caio

    Prado tambm - que foram esta escolha. Na realidade, no

    parece, como afirma Gorender, que Marx tenha mudado de

    opinio em O Capital, e que esta viso dos Grundrisse fora

    mantida.

    It is, however, clear that in any given economic formation of society, where not the exchange value but the use-value of the product predominates, surplus-labour will be limited by a given set of wants which may be greater or less, and that here no boundless thirst for surplus-labour arises from the nature of the production itself. Hence in antiquity overwork becomes horrible only when the object is to obtain exchange value in its specific independent money-form; in the production of gold and silver. Still these are exceptions in antiquity. But as soon as people, whose production still moves within the lower forms of slave-labour, corve-labour, etc., are drawn into the whirlpool of an international market dominated by the capitalist mode of production, the sale of their products for export becoming their principal interest, the civilized horrors of over-work are grafted on the barbaric horrors of

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007.40

    slavery, serfdom, etc. Hence the Negro labour in the Southern States of the American Union preserved something of a patriarchal character, so long as production was chiefly directed to immediate local consumption. But in proportion, as the export of cotton became of vital interest to these states, the over-working of the Negro and sometimes using up of his life in 7 years of labour became a factor in a calculated and calculating system. It was no longer a question of obtaining from him a certain quantity of useful products. It was now a question of production of surplus-labour itself.(MARX, 1906:260).

    Gorender, em sua crtica a Weber, que analisa a histria

    a partir da racionalidade capitalista faz algo semelhante,

    mas em sentido contrrio. Porque sua explicao de que os

    plantadores escravistas atuavam racionalmente se sustenta

    tambm nessa mesma lgica ou meta capitalista, mas que

    ante as circunstncias, i.e., trabalho escravo, no podiam

    lanar mo do trabalho assalariado. Assim mesmo, continua

    criticando Caio Prado pelo uso empresa-empresrio que

    Gorender limita ao modo capitalista de produo. Mas toda a

    sua obra consiste em mostrar esse comportamento, assim

    como utilizar constantemente categorias que Marx atribuiu ao

    modo de produo capitalista. Para ele, o significado do

    escravismo colonial somente se entende porque est

    pressuposto que corresponde lgica do capital. Sozinhos ou

    juntos, nem escravismo nem colonial permitem entender este

    modo de produo.

    Caso se restrinja ao uso do modo de produo

    primeira acepo mais simples que assinalara Cardoso, isto ,

    organizao da produo, a contribuio de Gorender

    consistiria em um tratamento mais profundo que Caio Prado

    Jnior. Mas j a surge a questo das leis do escravismo

    colonial. De fato, Hobsbawm (1972:44) critica os marxistas que

    buscam a las leyes fundamentales de cada formacin, que

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007. 41

    expliquen su pasaje a la forma siguiente ms elevado Este

    fracaso en el descubrimiento de leyes fundamentales de

    aceptacin general para el feudalismo y la sociedad

    esclavista, no deja de ser significativo en s mismo. Este ponto

    sobre a viabilidade das leis mostra seu significado quando

    surge a questo da culminao da escravido moderna.

    Gorender conclui sua obra com um captulo sobre

    Reproduo e acumulao do modo escravista colonial.

    Somente no captulo final que constitui um Adendo explica

    porque no trata deste assunto.

    Transcende o objetivo deste livro o estudo da decomposio e extino do escravismo colonial. Seria incorreto abord-lo sem entrar no tema da formao social, que emergiu do escravismo, e isto no poderia ser feito em poucas pginas, vol doiseau (EC:579).

    Gorender afirma, em que pese considerar encerrada

    sua contribuio, ser oportuno efetuar alguns comentrios

    sobre os fazendeiros do oeste paulista. Basicamente critica a

    historiografia paulista que considera os escravistas paulistas

    portadores de uma racionalidade capitalista que no

    possuam seus colegas nordestinos, porque no optaram pelo

    trabalho assalariado e procuraram continuar acumulando

    com o trabalho escravo40. Assim, sobre a questo do fim deste

    regime de trabalho, afirma: o abolicionismo no foi uma

    funo do imigrantismo. O oposto que verdade: o

    imigrantismo foi uma funo, uma decorrncia do

    abolicionismo41. Mas Gorender (EC:598) no entra em defesa

    40 A idia de que os fazendeiros do Oeste Novo tiveram interesse em implantar um sistema de trabalho assalariado, capaz de formar o mercado interno adequado ao desenvolvimento capitalista, constituiu anacronismo historiogrfico, pois se baseia em fatos a posteriori, independente da vontade dos prprios fazendeiros (EC:595).41 Com o que tampouco pretendo negar que a soluo encontrada para a efetivao da imigrao europia em massa haja infludo na mudana de posio

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007.42

    nem de uma nem de outra, apenas adiciona, ao arrematar

    sua obra, que no curso da histria, pertenceu ao

    abolicionismo - como expresso e potenciao poltica de

    contradies econmicas amadurecidas - o papel de fator

    dinmico primordial.

    As fragilidades desta proposta de Gorender sobre este

    tema manifestam-se em vrias dimenses. Precisar recorrer ao

    mbito da formao social para decifrar a decomposio do

    escravismo colonial, em todo caso, mostra a ausncia de

    um modo de produo especfico j que sua desintegrao

    deveria poder explicar-se pelo movimento de suas prprias leis

    econmico-materiais. Sua argumentao sobre os escravistas

    paulistas somente refora que tais leis no existiam, j que

    podiam seguir acumulando com trabalho escravo. Por outro

    lado, o abolicionismo no parecia produto das

    contradies econmicas das relaes de produo, j que

    a participao dos escravos foi tardia, escassa e individual,

    no social ou de classe, em outras palavras, no foi poltica.

    Todas as demais consideraes que resultam vlidas

    considerar, desde os registros histricos, retomam a questo

    da anomalia que, precisamente, reflete-se nesta questo do

    fim do regime escravo.

    That anomalous position is surely the key to the distinction that, whereas New World slavery, was abolished, ancient slavery as not. American slavery came to an abrupt end through a constitutional amendment in 1865, to be replaced by free labour; Graeco-Roman slavery was replaced over a period of centuries, not by free labour but by another kind of depended labour that ultimately evolved into serfdom in a process and at a tempo that are still much disputed. The test of the dominance of a slave mode of production lies not in the numbers of salves but in their location, that is, in the extent to which the elite depended on them for their wealth (FINLEY, 1998:497).

    dos fazendeiros do Oeste Novo e, por conseguinte, na acelerao do processo de extino da escravatura (EC:597-98).

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007. 43

    Sem decomposio natural ou transformao social

    revolucionria, a outra face desta questo que Gorender

    deixa de explicar por que as relaes de produo e sociais

    que substituram s do modo de produo escravista colonial

    foram capitalistas. Aqui, novamente, a abordagem de Caio

    Prado resulta mais adequada ao distinguir o caso brasileiro do

    europeu, onde o capital teve que enfrentar uma estrutura

    scio-econmica resistente ao capitalismo, organizao

    econmica na base de relaes capitalistas de produo. As

    premissas do capitalismo j se achavam includas na ordem

    econmica e social brasileira sendo a abolio o ltimo

    complemento a essa consolidao das relaes capitalistas

    de produo (RB:115). Para Gorender, esta interpretao

    implica anular diferenas qualitativas abrangidas no termo

    capitalismo42. Mas isto implica lanar mo de determinaes

    altamente abstratas do modo de produo capitalista para a

    anlise da realidade concreta de um pas sem fazer as

    mediaes necessrias. De fato, no prprio O Capital, Marx

    detalha o comportamento dos capitalistas ingleses, que no

    trato com a fora do trabalho, apresentam muitas similitudes

    com a dos escravistas paulistas, e foi mediante a ao do

    Estado capitalista que tiveram que colocar limite ao mesmo.

    Assim, tambm, Marx expressa que a definio da jornada

    de trabalho, assim como suas condies, no esto

    42 concepo a de o capitalismo nasceu no Brasil j no incio da colonizao portuguesa, quer dizer, o capitalismo foi trazido para o Brasil pela prpria colonizao portuguesa no sculo XVI. Segundo alguns defensores dessa tese, teria sido um capitalismo incompleto, segundo outros, j seria um capitalismo completo, acabado, sob a denominao de capitalismo colonial. No caso de semelhante formulao, a histria do Brasil seria a mera histria das mudanas de formas do capitalismo e, principalmente, da purificao do capitalismo; a histria do Brasil seria a histria da purificao do capitalismo brasileiro desde o sculo XVI at a dcada do sculo XX que ns estamos vivendo (GD:21).

  • Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007.44

    determinadas pelas leis econmicas do capitalismo, mas pela

    luta poltica.

    Finalmente, Gorender acusa Caio Prado de

    teleologismo por usar o termo sentido da colonizao. Mas

    Gorender compreende este emprego como se Prado Jnior

    estivesse assumindo que os colonizadores, ou a ventura,

    soubessem que a colonizao realizaria o capitalismo.

    Somente Caio Prado escreve como observador post-festum,

    como fica claro ao iniciar Formao do Brasil

    Contemporneo: Todo povo tem na sua evoluo, vista

    distncia, um certo sentido (FBC:7). Sua viso se apia na

    idia de Marx de que da anatomia do homem que se

    entende a anatomia do macaco, e no ao contrrio.

    5. Concluso

    Este artigo prop-se a comparar as concepes de

    Caio Prado Jnior e Jacob Gorender sobre a escravido

    colonial brasileira. Entendeu-se que sua conceitualizao

    envolve um debate complexo e inconcluso, o qual ultrapassa

    o caso do Brasil, sendo um