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Cálculo Diferencial em IR n (Cálculo diferencial em campos escalares) José António Caldeira Duarte DMAT 16 Maio 2001

Cálculo Diferencial em IR nltodi.est.ips.pt/am2/documentos/CD_CAMPOS_ESCALARES/cdcev2-se.pdf · 1 Cálculo Diferencial em Campos Escalares Oconceitofundamentaldestasecçãoéodederivadadeumcampoescalar

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Cálculo Diferencial em IRn

(Cálculo diferencial em campos escalares)

José António Caldeira Duarte

DMAT

16 Maio 2001

Conteúdo

1 Cálculo Diferencial em Campos Escalares 2

1.1 Derivadas Parciais de 1a Ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . 21.2 Derivadas Parcias de Ordem Superior à Primeira . . . . . . . 61.3 Diferenciabilidade de Campos Escalares . . . . . . . . . . . . . 71.4 Derivada Dirigida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161.5 O vector Gradiente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

1 16/Maio/2001

1 Cálculo Diferencial em Campos Escalares

O conceito fundamental desta secção é o de derivada de um campo escalar.

1.1 Derivadas Parciais de 1a Ordem

Considere-se uma função z = f(x, y) definida num subconjunto D de IR2 eseja (a, b) um ponto interior de D. Fixando y em b, está-se a restringir odomínio da função aos pontos que pertencem a D e se encontram sobre arecta y = b do plano XOY ; a correspondência

x→ f(x, b)

define então uma função de uma única variável x.

a

O b

x

y

c

zO gráfico da função

z=f(x,y)

a

O b

x

y

c

z

O gráfico

da função f(x,b)

Se esta função for derivável no ponto x = a, tem-se que a sua derivadanesse ponto é dada por

limh→0

f(a+ h, b)− f(a, b)h

.

É a este limite (caso exista) que se dá o nome de derivada parcialda função f (x, y) em ordem a x, no ponto (a, b). Simbolicamente érepresentada por

f ′x (a, b) ,∂f

∂x(a, b) ou (Dxf) (a, b)

Podemos interpretar geometricamente este conceito da seguinte forma:A função f(x, b) foi obtida fixando o valor da variável y em b na função

f(x, y); então o seu gráfico será obtido pela intersecção do gráfico da funçãoz = f(x, y) com o plano vertical y = b.

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A derivada parcial de f em ordem a x no ponto (a, b), sendo a derivadada função real de variável real z = f(x, b), representará o declive da rectatangente ao seu gráfico no ponto (a, b, c).

a

O b

x

y

c

z

A recta tangente

ao gráfico da função

f(x,b) no ponto (a,b,c).

O gráfico

da função f(x,b)

De forma análoga define-se a derivada parcial de f (x, y) em ordem a yno ponto (a, b). Fixando x em a, a transformação

y → f(a, y)

define uma função de uma só variável y;

a

O b

x

y

c

z

O gráfico

da função f(a,y)

se esta função for derivável no ponto y = b, a sua derivada nesse ponto édada por

limk→0

f(a, b+ k)− f(a, b)k

que representa a derivada parcial de f (x, y) em ordem a y no ponto

(a, b).

3 16/Maio/2001

Simbolicamente esta derivada parcial é representada por

f ′y (a, b) ,∂f

∂y(a, b) ou (Dyf) (a, b) .

Geometricamente, f ′y (a, b) representa o declive da recta tangente ao grá-fico de z = f(a, y) no ponto (a, b, c).

a

O b

x

y

c

z

O gráfico da função

f(a,y)

A recta tangente

ao gráfico da função

f(a,y) no ponto (a,b,c).

As definições apresentadas mostram que as derivadas parciais, caso exis-tam, obedecem às já conhecidas regras de derivação para as funções reaisde variável real; isto significa que para derivar em ordem a x uma funçãodas variáveis x e y, a variável y deve ser encarada como uma constante e,reciprocamente, para obter a derivada em ordem a y, a variável x deve sertratada como constante.

Exemplo 1 No caso de função f (x, y) = y2 + xy + 4x3, ter-se-á

f ′x (0, 1) =[df

dx

(12 + x1 + 4x3

)]x=0

=

[df

dx

(1 + 12x2

)]x=0

= 1

f ′y (0, 1) =[df

dy

(y2 + 0 + 0

)]y=1

=

[df

dy(2y)

]y=1

= 2.

Exemplo 2 Calcular as derivadas parciais da função f (x, y) definida por

f (x, y) =

{x+ y x = 0 ∨ y = 01 x �= 0 ∧ y �= 0

no ponto (0, 0).Como em qualquer vizinhança de (0, 0) existem pontos onde a função

é definida por um dos ramos, e pontos onde é definida pelo outro ramo,

4 16/Maio/2001

(qualquer vizinhança de (0, 0) contém pontos que se encontram sobre os eixosonde a função é definida pela expressão x + y, e pontos que não pertencemaos eixos, onde a função assume o valor 1),

������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������

as derivadas parciais terão que ser calculadas utilizando a definição.Tem-se então,

f ′x (0, 0) = limh→0

f(h, 0)− f(0, 0)h

= limh→0

h− 0h

= 1

f ′y (0, 0) = limk→0

f(0, k)− f(0, 0)k

= limk→0

k − 0k

= 1.

Repare-se que no exemplo anterior ambas as derivadas parciais de fexistem na origem, mas a função não é continua neste ponto; de factolim

(x,y)→(0,0)f(x, y) não existe.

Contrariamente ao que se verifica para as função reais de variável real,em que a existência de derivada finita num ponto implica que a função sejacontinua. nesse ponto, em campos escalares a existência de derivadas parciaisfinitas não implica continuidade.A definição de derivada parcial generaliza-se com facilidade a campos

escalares de IRn em IR.

Definição 1 Seja f : D ⊆ IRn → IR e (a1, a2, . . . , an) ∈ intD. Chama-se derivada parcial de f em ordem à variável xi, 1 ≤ i ≤ n, no ponto(a1, a2, . . . , an), e representa-se por

∂f

∂xi(a1, a2, . . . , an), ao limite

limh→0

f(a1, a2, . . . , ai + h, . . . , an)− f(a1, a2, . . . , ai, . . . , an)h

.

5 16/Maio/2001

1.2 Derivadas Parcias de Ordem Superior à Primeira

Considere-se agora uma função f : D ⊆ IR2 → IR que admite derivada parcialem ordem a x, num conjunto de pontos E ⊆ D. A cada ponto de E podemospois associar um número real - a derivada parcial de f em ordem a x nesseponto. Obtém-se assim uma nova função de E em IR, que se chama a funçãoderivada parcial de f em ordem a x, e que se representa por ∂f

∂xou f ′x.

De uma forma análoga se poderia definir a função derivada parcialem ordem a y, ∂f

∂you f ′y.

Exemplo 3 A função f (x, y) = x3y2 − 3xy admite como funções derivadasparciais

f ′x = 3x2y2 − 3y

f ′y = 2x3y − 3x

Como novas funções f ′x e f′y podem admitir por sua vez, derivadas parciais.

Assim, a derivada parcial de f ′x em ordem a x, num ponto (a, b) ∈ D′ será

limh→0

f ′x(a+ h, b)− f ′x(a, b)h

e representa-se por f ′′x2(a, b) ou ∂2f

∂x2(a, b).

A derivada parcial de f ′x em ordem a y, no ponto (a, b) será calculada por

limk→0

f ′x(a, b+ k)− f ′x(a, b)k

que se representa por f ′′xy (a, b) ou∂2f

∂y∂x(a, b).

As derivadas parciais da função f ′y, em ordem a x e em ordem a y, sãorespectivamente,

∂2f

∂x∂y(a, b) = f ′yx (a, b) e

∂2f

∂y2(a, b) = f ′′y2 (a, b)

Note que ∂2f

∂y∂x(a, b) e ∂2f

∂x∂y(a, b) são abreviaturas das notações

∂2f

∂y∂x(a, b) =

∂y

(∂f

∂x(a, b)

),

∂2f

∂x∂y(a, b) =

∂x

(∂f

∂y(a, b)

).

Às derivadas f ′′x2, f ′′xy, f

′′y2e f ′′yx chamam-se as derivadas parciais de 2

a

ordem da função f .

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Exemplo 4 No exemplo anterior,

f ′′x2 = 6xy2

f ′′xy = 6x2y − 3

f ′′yx = 6x2y − 3

f ′′y2 = 2x3

A partir das derivadas de 2aordem podem ser definidas as derivadas de3a ordem e assim sucessivamente.As derivadas f ′′xy e f

′′yx costumam ser designadas por derivadas mistas e em

certas condições dá-se a igualdade entre elas, como acontece no exemplo an-terior. O teorema que apresentamos a seguir, sem demonstração, estabelecealgumas condições em que se dá essa igualdade.

Teorema 1 (Schwarz) Se existirem f ′x, f′y e f

′′xy numa vizinhança de (a, b)

e se f ′′xy for contínua nesse ponto, então também existe f ′′yx (a, b) e

f ′′xy (a, b) = f′′yx (a, b) .

Dem. Omitida.

1.3 Diferenciabilidade de Campos Escalares

Da mesma forma que a diferenciabilidade de uma função real de variávelreal, num certo ponto a do seu domínio, está associada à existência de umarecta tangente ao gráfico da função no ponto (a, f (a)), a diferenciabilidadede um campo escalar de IR2 em IR, num ponto (a, b) do seu domínio, estáassociada à existência do plano tangente ao gráfico desse campo escalar no

7 16/Maio/2001

ponto (a, b, f (a, b)).

b

a

O b

x

y

c

z O plano tangente

ao gráfico da função

z=f(x,y)

no ponto (a,b,c).

De acordo com a figura, é natural esperar que o plano tangente contenha asrectas cujos declives são as derivadas parciais da função em ordem a x e emordem a y, no ponto (a, b). Sendo as equações cartesianas dessas rectas{

y = bz − f(a, b) = f ′x(a, b)(x− a)

e {x = az − f(a, b) = f ′y(a, b)(y − b) ,

a equação do plano que as contém é

f′

x(a, b)(x− a) + f′

y(a, b)(y − b)− (z − f(a, b)) = 0. (1)

No entanto, a existência do plano tangente não depende apenas da existên-cia das derivadas parciais como facilmente se pode concluir pelo exemploseguinte.

Exemplo 5 A função f (x, y) =√|xy|, cujo gráfico pode ser visto na figura

seguinte, admite derivadas parciais finitas na origem,

f′

x(0, 0) = f′

y(0, 0) = 0.

Apesar disso, intuitivamente percebe-se que não tem sentido falar da exis-tência de plano tangente ao gráfico da função no ponto (0, 0, 0), donde esta

8 16/Maio/2001

função não é diferenciável na origem.

O plano tangente ao gráfico de uma função no ponto (a, b, f(a, b)) só serádefinido se a diferença entre o valor da função num ponto (a + h, b + k) deuma vizinhança de (a, b), e a cota nesse ponto, do plano definido pela equaçãof′

x(a, b)(x− a) + f ′y(a, b)(y − b)− (z − f(a, b)) = 0, for um infinitésimo coma distância entre os pontos (a, b) e (a+ h, b+ k), isto é, se

lim(h,k)−→(0,0)

f(a+ h, b+ k)− [f(a, b) + hf ′x(a, b) + kf ′y(a, b)]√h2 + k2

= 0.

b

c

z

a

O b

x

yb+k

a+h

f(a+h,b+k)

f(a,b)+hf’x(a,b)+kf’y(a,b)

f(a+

h,b

+k

)- f

(a,b

)-hf’x(a

,b)-

kf’y(a

,b)

(h,k)

Concluindo, diremos que f é uma função diferenciável em (a, b),ponto interior do domínio de f , se e só se existirem as derivadas parciaisf′

x(a, b) e f′

y(a, b), e além disso

lim(h,k)−→(0,0)

f(a+ h, b+ k)− f(a, b)− hf ′x(a, b)− kf ′y(a, b)√h2 + k2

= 0. (2)

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Exemplo 6 Para provar que a função f (x, y) = x2y2 é diferenciável em(0, 0) comecemos por calcular f ′x (0, 0) e f

′y (0, 0):

f ′x (x, y) = 2xy2 e f ′y (x, y) = 2yx

2 ⇒ f ′x (0, 0) = 0 e f′y (0, 0) = 0.

Vamos agora demonstrar que

lim(h,k)→(0,0)

f (0 + h, 0 + k)− f (0, 0)− hf ′x (0, 0)− kf ′y (0, 0)√h2 + k2

= 0.

Para isso vamos utilizar a definição de limite; neste caso,

lim(h,k)→(0,0)

f (0 + h, 0 + k)− f (0, 0)− hf ′x (0, 0)− kf ′y (0, 0)√h2 + k2

= 0⇔

lim(h,k)→(0,0)

h2k2√h2 + k2

= 0⇔

∀δ > 0,∃ε > 0 :√h2 + k2 < ε⇒

∣∣∣∣ h2k2√h2 + k2

∣∣∣∣ < δ.Ora, ∣∣∣∣ h2k2√

h2 + k2

∣∣∣∣ = h2k2√h2 + k2

≤ (h2 + k2)2

√h2 + k2

=(h2 + k2

) 23 ;

Então, fazendo ε = δ3

2 fica provado que, quando√h2 + k2 < ε,∣∣∣∣ h2k2√

h2 + k2

∣∣∣∣ ≤ (h2 + k2) 23 < ε 23 = (δ 32)2

3

= δ.

Repare-se agora que da relação 2 podemos concluir que

lim(h,k)−→(0,0)

f(a+ h, b+ k)− f(a, b)− hf ′x(a, b)− kf′

y(a, b) = 0,

ou, equivalentemente,

f(a+ h, b+ k) = f(a, b) + hf′

x(a, b) + kf′

y(a, b) +R (h, k) , com (3)

lim(h,k)−→(0,0)

R (h, k) = 0.

A igualdade 3 pode ainda ser expressa na forma

f(a+ h, b+ k) = f(a, b) +[f′

x(a, b) f′

y(a, b)] [ h

k

]+R (h, k) ;

10 16/Maio/2001

fazendo

α = (a, b) , v = he1 + ke2

e designando por Dfα a aplicação linear de IR2 em IR representada matri-cialmente por

[f′

x(a, b) f′

y(a, b)]tem-se

f (α+ v) = f (α) +Dfα (v)+R (v) ,

o que sugere a definição seguinte.

Definição 2 Seja f : D ⊆ IR2 → IR e α =(a, b) ∈ intD. f é diferenciávelem α se e só se existir uma bola aberta centrada em α e de raio r, Br(α) ⊆D,e uma aplicação linear Dfα de IR

2 → IR, tais que:

f (α+ v) = f (α) +Dfα (v) +R (v) , (4)

com lim‖v‖→0

R (v)

‖v‖ = 0,

para qualquer vector v ∈IR2 que satisfaça a condição ‖v‖ < r.

A aplicação linearDfα referida na definição anterior diz-se o diferencial,derivada ou derivada total de f em α e representa-se habitualmente porf′

(α).O teorema que enunciamos a seguir mostra que esta definição é equiva-

lente à apresentada inicialmente.

Proposição 2 Seja f : D ⊆ IR2 → IR e α =(a, b) ∈ intD. Se f é diferen-ciável em α, então a aplicação linear Dfα é representada matricialmente por[f′

x(a, b) f′

y(a, b)].

Dem. Seja Dfα =[s1 s2

], α = (a, b) , v = he1 + ke2. A relação 4

pode então ser escrita na forma

f(a+ h, b+ k) = f(a, b) + s1h+ s2k +R (h, k) . (5)

Fazendo h = 0 na relação anterior, tem-se

f(a, b+ k) = f(a, b) + s2k +R (0, k)⇒f(a, b+ k)− f(a, b)

k= s2 +

R(0, k)

k.

11 16/Maio/2001

Como limk→0

R(0,k)k

= 0, conclui-se que

limk→0

f(a, b+ k)− f(a, b)k

= s2 ⇒s2 = f

y(a, b).

Fazendo agora k = 0 na relação 5, tem-se

f(a+ h, b) = f(a, b) + s1h+R (h, 0)⇒f(a+ h, b)− f(a, b)

h= s1 +

R(h, 0)

h.

Como também limh→0

R(h,0)h

= 0, conclui-se que

limk→0

f(a+ h, b)− f(a, b)h

= s1 ⇒s1 = f

x(a, b).

A equação 4, válida para ‖v‖ < r, é chamada a fórmula de Taylor de1aordem para f (α+ v) e fornece uma aproximação linear, Dfα (v) , paraa diferença f (α+ v)− f (α) . Desprezando R (v) podemos escrever

f (α+ v)− f (α) ≈ Dfα (v) .

O erro que se comete ao fazer esta aproximação é portanto igual a R (v) ,que é um termo de ordem inferior a ‖v‖ quando ‖v‖ → 0.Era isto, aliás, o que já acontecia com as funções reais de variável real.

Relembrando um pouco este assunto, dizer que uma função real de variávelreal, f , pode ser aproximada linearmente em x = a, será poder escrevê-la nafórmula de Taylor com resto de primeira ordem:

f (a+ h) = f (a) + f ′ (a)h+R1 (x) , com lim|h|→0

R1 (h)

h= 0

Repare-se que na vizinhança de a, a aproximação linear de f (x) é a função

f(x) = f (a) + f ′ (a) (x− a) = f ′ (a)x+ [f (a)− f ′ (a) a]

que representa a equação de uma recta com declive f ′ (a) e ordenada naorigem [f (a)− f ′ (a) a].

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Exemplo 7 A função f (x) = ex, numa vizinhança do ponto 0, tem comoaproximação linear a função y = x+ 1. Como df = f ′ (x0) dx então

�f ≈ f ′ (x0)� x.

Assim,

ex − e0 ≈ e0 (x− 0) ,

resultando

ex ≈ x+ 1.

0

0.5

1

1.5

2

2.5

-1 -0.5 0.5 1x

Exemplo 8 A função do exemplo 6, f(x, y) = x2y2, tem como aproximaçãolinear numa vizinhança do ponto (0, 0), o plano tangente de equação z = 0.

Isto significa que numa vizinhança de (0, 0), x2y2 ≈ 0.

Vamos agora apresentar a generalização dos resultados anteriores, a cam-pos escalares definidos em IRn.

13 16/Maio/2001

Definição 3 Seja f : D ⊆ IRn → IR e α =(α1, . . . ,αn) ∈ intD. f édiferenciável em α se e só se existir uma bola aberta centrada em α e deraio r, Br(α), e uma aplicação linear Dfα de IR

n → IR, tais que:

f (α+ v) = f (α) +Dfα (v) +R (v) , (6)

com lim‖v‖→0

R (v)

‖v‖ = 0,

para qualquer vector v ∈IRn que satisfaça a condição ‖v‖ < r.

Proposição 3 Seja f : D ⊆ IRn → IR e α =(α1, . . . ,αn) ∈ intD. Se f édiferenciável em α, então a aplicação linear Dfα é representada matricial-mente por [

f′

x1(α) . . . f

xn(α)

].

Dem. Exercício.

Vimos anteriormente que a existência das derivadas parciais não garantea diferenciabilidade de um campo escalar; mas o mesmo não se passa com aderivada total.

Proposição 4 Seja: f : D ⊆ IRn → IR e α ∈ intD. Se f é diferenciável emα então f é contínua neste ponto.Dem. Pretende-se mostrar que lim

x→αf (x) = f (α) , ou de outro modo,

que limv→0

f (α+ v) = f (α)Como f é diferenciável em α, tem-se

f (α+ v) = f (α) +Dfα (v) +R (v) ,

com lim‖v‖→0

R (v)

‖v‖ = 0.

Fazendo v→ 0, na expressão anterior, resulta

limv→0

f (α+ v) = limv→0

f (α) + limv→0

Dfα (v) + limv→0

R (v) =

= f (α) .

pois por hipótese limv→0

R (v) = 0 e qualquer aplicação linear é uma função

contínua.

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A afirmação recíproca não é verdadeira! Existem funções contínuas quenão são diferenciáveis como o exemplo 5 mostra!Nem sempre é fácil verificar se uma função é diferenciável recorrendo à

definição. Tem interesse, por isso, conhecer condições suficientes que garan-tam a diferenciabilidade de uma função.

Proposição 5 Seja f um campo escalar definido num subconjunto D deIRn e α ∈ intD; se todas as derivadas parciais de f são continuas numavizinhança de α então f é diferenciável nesse ponto.Dem. Omite-se a demonstração deste resultado.

Exemplo 9 A função f (x, y) = x2 + 2xy + y2 é diferenciável em qualquerponto de IR2, pois

f ′x = 2x+ 2y e f′y = 2x+ 2y

são funções contínuas em qualquer ponto de IR2.

Interessa agora apresentar a definição de um conceito que será frequente-mente utilizado daqui em diante.

Definição 4 Quando uma função admite derivadas parciais continuas atéà ordem p em todos os pontos de um conjunto S, diz-se de classe Cp emS e representa-se por f ∈ Cp (S). Se uma função tiver derivadas parciaiscontínuas, de qualquer ordem em todos os pontos de um conjunto S, diz-sede classe C∞, nesse conjunto. Uma função diz-se de classe C0 no conjuntoS se for contínua em S.

Em face desta definição podemos pois afirmar que uma função de classeC1 numa vizinhança de um ponto (a, b) é diferenciável nesse ponto.

Exemplo 10 Nas figuras seguintes representam-se campos escalares comdiferentes comportamentos na vizinhança da origem: f (x, y) = xy

x2+y2(des-

contínuo), g (x, y) = xy2

x2+y2(prolongável por contínuidade mas com prolonga-

mento não diferenciável), h (x, y) = xy3

x2+y2(com prolongamento por con-

tinuidade diferenciável). O campo escalar, w (x, y) = x3+3xy2− 15x− 12y,constitui um exemplo de uma aplicação C∞ (“suave”).

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-4-2

02

4

x

-4

-2

0

2

4

y

-0.5

00.5

f (x, y) = xy

x2+y2

-4-2

02

4

x

-4

-2

0

2

4

y

-2

0

2

g (x, y) = xy2

x2+y2

-4-2

02

4

x

-4

-2

0

2

4

y-10

0

10

h (x, y) = xy3

x2+y2

-4-2

02

4

x

-4

-2

0

2

4

y-500

0

500

w (x, y) = x3 + 3xy2 − 15x− 12y

1.4 Derivada Dirigida

Neste parágrafo iremos apresentar o conceito de derivada segundo a direcçãode um vector. Tendo em atenção, que a derivada de uma função pode serencarada como a taxa de variação instantânea da função, o que se pretendeestudar é qual a variação do campo escalar quando passa de um ponto a paraum ponto x , de uma vizinhança de a.Por exemplo, se f (a, b) representar a temperatura de um ponto (a, b)

numa sala com um aquecedor e uma janela aberta, é evidente que se nosmovermos do ponto (a, b) em direcção à janela a temperatura irá diminuir,mas se nos movermos em direcção ao aquecedor, aumentará.Duma forma geral, um campo escalar varia de acordo com a direcção

segundo a qual se passa de um ponto para outro.

Exemplo 11 Seja f(x, y) = x2 + 2y2 um campo escalar de duas variáveiscuja representação gráfica é a superfície parabólica representada na figura

16 16/Maio/2001

seguinte.

1◊2

A função na origem assume o valor 0. Quando se passa do ponto (0, 0) parao ponto (1, 1), (segundo a direcção da recta y = x), a função nesse pontotoma o valor 3. Mas, quando de (0, 0) passamos ao ponto (

√2, 0), segundo

a direcção do eixo OX, f(√2, 0) = 2. Repare-se que os pontos considerados,

(1, 1) e (√2, 0), estão à mesma distância da origem; a função, no entanto,

“cresce mais rapidamente” na direcção da recta y = x, do que segundo o eixodos xx.

Sendo f : D ⊆ IR2 → IR, (a, b) um ponto interior de D, e v = (v1, v2)um vector unitário1 qualquer de IR2, define-se derivada da função f noponto (a,b), segundo a direcção do vector v, como

limt→0f ((a, b) + t (v1, v2))− f (a, b)

t

e representa-se por f ′v(a, b).

Em termos geométricos, esta derivada pode ser interpretada da seguinteforma:

(x, y) = (a, b) + t (v1, v2) , t ∈ IR,

é a equação vectorial de uma recta s que passa no ponto (a, b) e tem a direcçãodo vector v = (v1, v2);

f ((a, b) + t (v1, v2))

é a restrição da função f a esses pontos.

1Diz-se que v é um vector unitário se e só se a sua norma é igual a 1(‖v‖ = 1).

17 16/Maio/2001

O gráfico desta restrição pode ser obtido intersectando o gráfico de f(x, y)com um plano que contenha o ponto (a, b), o vector v e seja paralelo ao eixoOZ.

a

O b

x

y

c

z

v

O gráfico da função

z=f(a,b)+t(v1 ,v2)

a

O b

x

y

c

z

v

A recta tangente ao

gráfico da função

z=f(a,b)+t(v1 ,v2)

f ′v(a, b) representará o declive da recta tangente ao gráfico de

z = f ((a, b) + t (v1, v2))

no ponto (a, b, f (a, b)) .Por outras palavras, a derivada dirigida de uma função f , num ponto α

e segundo um vector v, representa a taxa de variação instantânea da funçãof nesse ponto e segundo a direcção do vector v.

Exemplo 12 Calculemos a derivada da função f (x, y) = 3x2+2y, segundoa direcção do vector v = (3, 5), no ponto (1, 1); o vector v não é um vectorunitário, pelo que vamos começar por definir um vector que tenha a mesmadirecção e o mesmo sentido de v mas com norma igual a 1; esse vector podeser o versor de v (representado por ev):

ev=

(3√34,5√34

).

f ′ev(1, 1) = lim

t→0

f[(1, 1) + t

(3√34, 5√

34

)]− f (1, 1)

t=

= limt→0

f(1 + 3√

34t, 1 + 5√

34t)− f (1, 1)

t=

= limt→0

3(1 + 3√

34t)2+ 2

(1 + 5√

34t)− (3 + 2)

t=

= limt→0

1

1156

√34(952 + 27

√34t)=14

17

√34

18 16/Maio/2001

A definição apresentada generaliza-se facilmente para uma função definidanum subconjunto de IRn.

Definição 5 Seja f : D ⊆ IRn → IR, α ∈ intD e v um vector qualquerde IRn; Chama-se derivada de f no ponto α, segundo o vector v, erepresenta-se por f ′

v(α), ao seguinte limite quando este existe:

limt→0f (α+ tv)− f (α)

t

Chama-se derivada de f no ponto α segundo a direcção do vector v a derivadasegundo o versor ev de v.

As derivadas parciais de um campo escalar constituem casos particularesde derivadas direccionais; de facto, fazendo v = ei, i = 1, . . . , n, na definição5 obtemos

f ′ei(α) =

∂f

∂xi(α) .

1.5 O vector Gradiente

Neste parágrafo iremos admitir que a função f : D ⊆ IRn → IR é diferenciávelem α ∈ intD. Nestas condições define-se vector gradiente da função fno ponto α e representa-se por

�f (α) ou gradf (α) .ao vector cujas componentes são as derivadas parciais de f no ponto α,(

∂f

∂x1(α) , . . . ,

∂f

∂xn(α)

).

Repare-se que, sendo (e1, . . . , en) a base canónica de IRn,

�f (α) = ∂f

∂x1(α) e1 + · · ·+ ∂f

∂xn(α) en.

Exemplo 13 Calculemos o gradiente da função f (x, y) = 3x2+2y, no ponto(1, 1);

f ′x (x, y) = 6x⇒ f ′x (1, 1) = 6 e f′y (x, y) = 2⇒ f ′y (1, 1) = 2.

Assim

gradf (1, 1) = �f (1, 1) = (6, 2) = 6e1 + 2e2.

19 16/Maio/2001

Vejamos agora algumas propriedades do vector gradiente.

Proposição 6 Se f : D ⊆ IRn → IR, for diferenciável em α, então:

f ′v(α) = �f (α) |v .

Dem. Sendo f : D ⊂ IRn → IR diferenciável em α, tem-se

f (α+ tv) = f (α) +Dfα (tv) +R (tv)

com

limt→0R (tv)

‖tv‖ = 0.

Ora

f ′v(α) = lim

t→0f (α+ tv)− f (α)

t=

= limt→0

[Dfα (v) +

R (tv)

t

]=

= Dfα (v) =

= �f (α) |v.

Em resumo, a derivada segundo um vector de uma função diferenciável podeser obtida pelo produto interno entre o vector gradiente e o vector em questão.

Proposição 7 Nas condições da proposição anterior,

f ′v(α) = �f (α) |v = ‖�f (α)‖ ‖v‖ cos θ, (7)

em que θ é o ângulo entre os vectores �f (α) e v.Dem. Resulta imediatamente da caracterização de produto interno através

da noção de norma e ângulo entre dois vectores.

Proposição 8 A taxa de variação máxima de um campo escalar verifica-sena direcção e do vector gradiente (se �f (α) �= 0) e o valor absoluto destataxa de variação é igual à norma do vector gradiente, isto é,

|f ′e(α)| = ‖�f (α)‖ .

20 16/Maio/2001

Dem. Seja v um vector de norma 1; a igualdade 7 toma então a forma

f ′v(α) = �f (α) |v = ‖�f (α)‖ cos θ.

Assim, a derivada segundo a direcção de v, f ′v(α), é maxima quando

o vector v tiver a direcção e do vector �f (α) , pois nestas circunstânciascos θ = 1. Mas a derivada segundo a direcção de e, f ′

e(α), traduz precisa-

mente a taxa de variação do campo escalar nesta direcção. Por outro lado,nesta direcção, |f ′

e(α)| = ‖�f (α)‖ .

Exemplo 14 Qual a direcção de maior crescimento da função f (x, y) =x2 − y2, no ponto (0, 1)?A direcção procurada é a direcção do vector gradiente de f em (0, 1),

�f (0, 1) = (0,−2) .

yx

z

x2 -y2 =0

x2 -y2 =1

1

-1

-1 1

x2-y2=-4

x2 -y2=-1

2

2

x2 -y2 =4

A curva de nível que passa

no ponto (0,1).

O vector gradiente

“f(0,1).

Esta resposta é perfeitamente consistente com os gráficos apresentadosanteriormente; de facto, se as linhas de nível representam o lugar geométricodos pontos onde a função assume um valor constante, e o gradiente apontana direcção de maior crescimento, sendo f uma função “razoavelmente bemcomportada”, é natural esperar que o gradiente da função num determinadoponto, e a curva de nível que passa nesse ponto sejam perpendiculares.

O teorema que apresentamos a seguir para n = 3, e cuja demonstraçãoserá deixada como exercício, traduz esta importante propriedade do vectorgradiente.

Proposição 9 Seja f : D ⊆ IR3 → IR uma função diferenciável em (a, b, c) ∈intD; então �f (a, b, c) é perpendicular à superfície de nível da função f quepassa nesse ponto.Dem. Exercício.

21 16/Maio/2001

Exemplo 15 Determinemos a equação do plano tangente à superfície esféri-ca x2 + y2 + z2 = 3 no ponto (1, 1, 1).É de fácil verificação que o ponto referido pertence à superfície indicada.

Por outro lado, designando por f a função definida por

f(x, y, z) = x2 + y2 + z2,

sabemos que o vector gradiente de f no ponto (1, 1, 1) ,

∇f(1, 1, 1) = (2, 2, 2)

é normal à referida superfície no ponto em questão Assim a equação do planotangente será:

(x− 1) 2 + (y − 1) 2 + (z − 1) 2 = 0.

As equações normais da recta normal à superfície no ponto (1, 1, 1) serão:

x− 12

=y − 12

=z − 12

Generalizando este exemplo, suponha-se, agora, que uma dada superfícieé caracterizada pela equação F (x, y, z) = C e que P = (a, b, c) é um pontoda referida superfície. Nestas circunstâncias sabemos que v =gradF (a, b, c)será um vector normal à superfície em P . Assim a equação do plano tangentee as equações da recta normal à superfície serão, respectivamente:

1. Equação do Plano Tangente à superfície F (x, y, z) = C em P =(a, b, c) :

(x− a) ∂F∂x(a, b, c) + (y − b) ∂F

∂y(a, b, c) + (z − c) ∂F

∂z(a, b, c) = 0

2. Equações da Recta Normal à superfície F (x, y, z) = C em P = (a, b, c):

x− a∂F∂x(a, b, c)

=y − b

∂F∂y(a, b, c)

=z − c

∂F∂z(a, b, c)

.

Exemplo 16 Consideremos agora o campo escalar z = f (x, y). Deter-minemos a equação do plano tangente ao gráfico de f no ponto (a, b, f (a, b))bem como as equação cartesianas da recta perpendicular ao seu gráfico nesseponto.

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Nesta situação, os pontos do gráfico da função f são caracterizados pelacondição f (x, y)− z = 0. Fazendo F (x, y, z) = f(x, y)− z, tem-se

∂F∂x(a, b, f (a, b)) = ∂f

∂x(a, b) ,

∂F∂y(a, b, f (a, b)) = ∂f

∂y(a, b) ,

e∂F∂z(a, b, f (a, b)) = −1.

1. Equação do plano tangente à superfície z = f (x, y) em (a, b, f (a, b)) :

z = (x− a) ∂f∂x(a, b) + (y − b) ∂f

∂y(a, b) + f (a, b) .

2. Equações da recta normal à superfície z = f (x, y) em (a, b, f (a, b)) :

x− a∂f

∂x(a, b)

=y − b∂f

∂y(a, b)

=z − f (a, b)

−1

Referências

[1] Apostol, T. M., Calculus, Reverté, 1977;

[2] Azenha, Acilina e Jerónimo, M. A., Cálculo Diferencial Integral em IR eIRn, McGraw-Hill, 1995;

[3] Lima, Elon Lages, Curso de Análise (Vol 1 e 2), IMPA, Projecto Euclides,1995;

[4] Piskounov, N., Calcul Différentiel et Intégral, MIR, 1976;

[5] Taylor, A. E., Advanced Calculus, Xerox College Publishing, Mas-sachusetts, 1972;

[6] Wade, W. R., An Introduction to Analysis, Prentice Hall, 1995;

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