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135 Educação e Desenvolvimento: que tipo de relação existe? António Caleiro 1 Universidade de Évora Resumo Resumo Resumo Resumo Resumo A literatura, em geral, reconhece a existência de uma inter-relação entre os níveis de educação e de desenvolvimento de um país. Deste ponto de vista, o investimento em educação pode permitir alcançar um maior nível de desenvolvimento mas também este, por sua vez, pode gerar acréscimos no nível educacional da população, em geral. A existência deste género de interacção entre os níveis de educação e de desenvolvimento parece estar bem patente nas relações de cooperação entre Portugal e Angola, tal como descritas, por exemplo, no Programa  Anua l de Coo per açã o Por tug al- Ango la 200 5 ou no Programa Indicativo de Cooperação Por tugal/Angola 2007-20 10 . O objectivo da comunicação é, assim, o de analisar, em primeiro lugar, as razões teóricas que suportam a existência da inter-relação entre os níveis de educaç ão e de desenvolvimento de um país e, em segundo lugar, proceder a uma averiguação empírica da existência desta inter- relação, privilegiando-se o caso dos países em (vias de) desenvolvimento. Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Angola, Desenvolvimento, Educação, Portugal. Classif  Classif  Classif  Classif  Classif  icação JEL: icação JEL: icação JEL: icação JEL: icação JEL: H52, I21, I28, O15, O57. 1 Departamento de Economia.

CALEIRO- Educação e Desenvolvimento que tipo de relação existe_F1.pdf

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    Educao e Desenvolvimento: que tipo de relao existe?

    Antnio Caleiro1

    Universidade de vora

    ResumoResumoResumoResumoResumoA literatura, em geral, reconhece a existncia de uma inter-relao entre os nveis

    de educao e de desenvolvimento de um pas. Deste ponto de vista, o investimento

    em educao pode permitir alcanar um maior nvel de desenvolvimento mastambm este, por sua vez, pode gerar acrscimos no nvel educacional da

    populao, em geral. A existncia deste gnero de interaco entre os nveis de

    educao e de desenvolvimento parece estar bem patente nas relaes decooperao entre Portugal e Angola, tal como descritas, por exemplo, no Programa

    Anual de Cooperao Portugal-Angola 2005 ou no Programa Indicativo de

    Cooperao Portugal/Angola 2007-2010. O objectivo da comunicao , assim, ode analisar, em primeiro lugar, as razes tericas que suportam a existncia da

    inter-relao entre os nveis de educao e de desenvolvimento de um pas e, em

    segundo lugar, proceder a uma averiguao emprica da existncia desta inter-relao, privilegiando-se o caso dos pases em (vias de) desenvolvimento.

    Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chave

    Angola, Desenvolvimento, Educao, Portugal.

    ClassifClassifClassifClassifClassificao JEL: icao JEL: icao JEL: icao JEL: icao JEL: H52, I21, I28, O15, O57.

    1 Departamento de Economia.

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    Antnio Caleiro

    11111. Intr. Intr. Intr. Intr. Introduooduooduooduooduo

    A existncia de uma inter-relao (positiva) entre os nveis de educao e

    de desenvolvimento de um pas parece ser um facto merecedor de um consenso

    generalizado.2 Deste ponto de vista, o investimento em educao pode permitir

    alcanar um maior nvel de desenvolvimento mas tambm este, por sua vez, pode

    gerar acrscimos no nvel educacional da populao, em geral, sendo certo que esta

    outra vertente da interaco entre aqueles dois elementos a que se revela menos

    estudada ou considerada.

    O objectivo da comunicao , assim, o de analisar, em primeiro lugar, as razes

    tericas que suportam a existncia da inter-relao entre os nveis de educao e de

    desenvolvimento de um pas e, em segundo lugar, proceder a uma averiguao

    emprica da existncia desta inter-relao, privilegiando-se o caso dos pases em (vias

    de) desenvolvimento.

    Conforme se mostrar de seguida, os fundamentos tericos para a existncia de

    um crculo virtuoso entre educao e desenvolvimento tm tido reflexo ao nvel das

    polticas preconizadas pelas principais instituies mundiais com interesse na rea da

    educao, e mesmo ao nvel das relaes de cooperao entre os diversos pases,

    como o caso de Portugal-Angola. Assim, na seco 2 deste trabalho apresentar-se-

    o ponto de vista institucional sobre a importncia da educao para o desenvolvimento

    (e vice-versa). A seco 3 ocupar-se- da apresentao de alguns resultados, con-

    siderados de interesse, descritos na literatura relevante. Estes suportaro, em parte, o

    estudo emprico do tipo de inter-relao entre os nveis de educao e de desen-

    volvimento, o que ocupar a seco 4.3 A terminar, a seco 5 apresentar as principais

    concluses deste trabalho, assim como as eventuais vias de anlise para trabalhos

    subsequentes.

    2 A ttulo de curiosidade, uma pesquisa na Internet sobre "education and development" revelaa existncia de muitos milhes de pginas, destacando-se aquelas cujo assunto principal "education for development". O mesmo gnero de pesquisa, em Portugus, continua a revelara existncia de alguns milhes de pginas, sendo de destacar aquelas cujo assunto principal (tambm) a "educao para o desenvolvimento". Esta viso da educao para odesenvolvimento de tal forma importante que muito recentemente foi mesmo criado um"Journal of Education for Sustainable Development" (veja-se, por exemplo, Vare & Scott, 2007).

    3 Os dados utilizados neste estudo so apresentados em Anexo.

  • 137

    Educao e Desenvolvimento: que tipo de relao existe?

    2.2.2.2.2. O ponto de vista institucional sobre as relaes entre a educaoO ponto de vista institucional sobre as relaes entre a educaoO ponto de vista institucional sobre as relaes entre a educaoO ponto de vista institucional sobre as relaes entre a educaoO ponto de vista institucional sobre as relaes entre a educao

    e o desenvolvimentoe o desenvolvimentoe o desenvolvimentoe o desenvolvimentoe o desenvolvimento

    A existncia de uma interaco positiva entre os nveis de educao e de

    desenvolvimento parece estar bem patente nas relaes de cooperao entre Portugal

    e Angola, tal como descritas, por exemplo, no Programa Anual de Cooperao Portugal-

    Angola 2005 ou no Programa Indicativo de Cooperao Portugal/Angola 2007-2010.

    Na verdade, o Programa Anual de Cooperao Portugal-Angola 2005 considerava

    quatro reas de Concentrao Prioritrias:

    1. Educao,

    2. Sade,

    3. Capacitao Institucional,

    4. Reinsero Social e Promoo do Emprego.

    justificando-se a aposta na educao tendo em conta o seu papel na na reduo

    da pobreza, e a sua contribuio para o desenvolvimento, ao aumentar as capacidades

    e oportunidades das populaes, bem como para o processo de produo e de criao

    de riqueza.

    Tambm ao nvel do Programa Indicativo de Cooperao Portugal/Angola 2007-2010

    a importncia da educao no desenvolvimento das relaes de cooperao entre

    Portugal e Angola est bem patente. Como sabido, s questes associadas educao

    no estranho o compromisso de tentar alcanar os, chamados, Oito Objectivos de

    Desenvolvimento do Milnio, adoptados na Cimeira do Milnio de 2000, nas Naes

    Unidas. Na verdade, para alm da meno explcita educao, tambm alguns dos

    restantes objectivos se associam, de alguma forma, ao desenvolvimento (humano,

    econmico, sustentvel) baseado na educao. Estes objectivos so:

    Erradicar a pobreza extrema e a fome,

    Alcanar a educao primria universal, (itlico da nossa responsabilidade),

    Promover a igualdade de gnero e capacitar as mulheres,

    Reduzir a mortalidade infantil,

    Melhorar a sade materna,

    Combater o VIH-SIDA, a malria e outras doenas,

  • 138

    Antnio Caleiro

    Assegurar a sustentabilidade ambiental,

    Desenvolver uma parceria global para o desenvolvimento.

    Tal como o prprio Programa Indicativo de Cooperao Portugal/Angola 2007-2010

    reconhece, os objectivos estratgicos da cooperao com Angola esto em con-

    cordncia com a Estratgia para frica da Unio Europeia, aprovada no Conselho

    Europeu de Dezembro de 2005 e que assenta em trs pilares:

    promover a paz, segurana e boa governao como pr-requisitos essenciais

    para o desenvolvimento sustentvel,

    apoiar a integrao regional e o comrcio para promover o desenvolvimento

    econmico, e

    melhorar o acesso aos servios sociais bsicos (sade, educao) e a proteco

    do ambiente para alcanar da forma mais rpida possvel os Objectivos do

    Milnio. (itlico da nossa responsabilidade).

    Assim, no mbito da cooperao Portugal-Angola, interessante apresentar

    as suas principais linhas de fora. No sector da Educao, as principais alteraes

    nos ltimos anos disseram respeito a um reforo evidente da cooperao inter-

    universitria no s ao nvel do envio de docentes portugueses, mas igualmente de

    apoios reestruturao e gesto dos cursos, com o objectivo de criar conhecimento

    especializado, capacitar, e desenvolver o ensino universitrio em Angola. A concesso

    de bolsas de estudo representa igualmente um esforo significativo da cooperao

    portuguesa e abrange recentemente bolsas internas para licenciatura. As lies

    aprendidas vo no sentido de evoluir para a concesso de bolsas de ps-graduao

    em Portugal, aumentando o nmero de bolsas de licenciatura ao nvel local. Ao nvel

    da Educao Bsica, as aces anteriores da cooperao portuguesa em termos de

    construo ou reabilitao de infra-estruturas revelam-se menos necessrias do que

    aces de capacitao dos professores angolanos, de forma a melhorar a qualidade

    de ensino. (in Programa Indicativo de Cooperao Portugal/Angola 2007-2010, pp. 12-

    13).

    Em suma, as relaes de cooperao Portugal-Angola assentam, no que

    educao diz respeito, no facto de a melhoria do sistema de ensino angolano, ou seja

    uma aposta na educao e formao, ser um catalizador do desenvolvimento

    (humano). Este facto est evidentemente de acordo com viso que hoje em dia os

  • 139

    Educao e Desenvolvimento: que tipo de relao existe?

    principais pensadores e organizaes assumem, sendo aquela alvo de um consenso

    quase generalizado (veja-se, por exemplo, Banco Mundial, 2002, e, sobre Angola

    em particular, Banco Mundial, 2006, e World Data on Education, 2006). O consenso

    tal que se reconhece ter sido o sculo XX aquele onde se apostou na educao, en-

    quanto investimento em capital humano. Assim porque, no fundo, se reconheceu

    a importncia e diversidade dos benefcios associados educao.

    Como sabido, a educao traz benefcios individuais e sociais. Os benefcios

    individuais podem ser medidos ao nvel:

    da sade,

    da produtividade,

    da reduo da desigualdade na distribuio de rendimento,

    enquanto os benefcios sociais podem ser medidos ao nvel:

    da reduo dos efeitos nefastos da pobreza,

    da contribuio para a democratizao,4

    da promoo da paz e da estabilidade,

    do aumento das preocupaes com as questes ambientais,

    do aumento da competitividade econmica.

    Em termos da competitividade econmica, tal significa que as vantagens de um

    determinado pas passam a no ser tanto funo da quantidade de recursos naturais

    e do trabalho barato, mas do factor trabalho que, sendo melhor educado/formado,

    pode aproveitar ao mximo, ou melhor, a tecnologia existente. Assim, um aumento

    na produtividade poder levar a um maior crescimento econmico, em resultado de

    aumentos no nvel de educao.

    A importncia da educao reconhecida no sculo XX tem continuado a merecer

    a devida ateno por parte de importantes organizaes mundiais (veja-se UNESCO,

    2005, United Nations Development Programme, 2008, e, sobre frica em particular,

    UNESCO, 2008). Por exemplo, de acordo com a UNESCO, os 4 pilares educacionais

    para o sculo XXI devero ser:

    11111..... AprAprAprAprAprender a Serender a Serender a Serender a Serender a Ser. Esta competncia pessoal tem que ver com o conhecimento de

    si prprio, o qual permite criar uma identidade prpria nica enquanto base

    4 Para uma anlise do papel econmico das eleies veja-se Caleiro (2007).

  • 140

    Antnio Caleiro

    para um projecto de vida, ao longo da qual se deve continuar este tipo de

    aprendizagem.

    2.2.2.2.2. Aprender a Viver em ConjuntoAprender a Viver em ConjuntoAprender a Viver em ConjuntoAprender a Viver em ConjuntoAprender a Viver em Conjunto. Esta competncia social tem que ver com o

    desenvolvimento de atitudes e valores que permitam um relacionamento

    positivo com os outros (familiares, amigos, colegas, etc.) e com o meio

    ambiente (comunidade, cidade, pas, etc.).

    3.3.3.3.3. AprAprAprAprAprender a Fender a Fender a Fender a Fender a Fazerazerazerazerazer. Esta competncia produtiva tem que ver com a capacidade

    de criar e desenvolver transformaes nas esferas ambiental, cultural, poltica

    e econmica, para que, por exemplo, se desenvolvam competncias capazes

    de enfrentar o mercado de trabalho.

    4.4.4.4.4. AprAprAprAprAprender a Conhecerender a Conhecerender a Conhecerender a Conhecerender a Conhecer. Esta competncia cognitiva tem que ver com o

    reconhecimento de todo o conhecimento acerca de aprender a aprender

    (learning to learn), ensinar a ensinar (teaching to teach) e conhecer como

    conhecer (knowing to know).

    Conforme transparece daqueles 4 pilares educacionais, a educao o pro-

    cesso que permite transformar o potencial de cada pessoa em competncias, sendo

    assim fundamental no processo de desenvolvimento humano. Por exemplo, de acordo

    com o Programa de Desenvolvimento das Naes Unidas, o processo de desen-

    volvimento humano passa por:

    1. No campo da produtividade, o bem-estar da sociedade dever estar garantido

    atravs do desenvolvimento econmico.

    2. No campo da equidade, o acesso a oportunidades iguais dever estar assegurado

    a todos.

    3. No campo da participao na tomada de deciso, dever estar assegurada a

    todos a possibilidade de fazer escolhas informadas.

    4. No campo da segurana, dever estarem assegurados os direitos civis

    fundamentais como o direito vida e liberdade.

    5. No campo da sustentabilidade, a equidade dever tambm estar garantida para

    as geraes futuras.

    A importncia da educao para a sustentabilidade tem sido, de facto, bas-

    tante realada. Por exemplo, de acordo com McKeown (2002), a educao afecta a

    sustentabilidade em pelo menos trs dimenses:

  • 141

    Educao e Desenvolvimento: que tipo de relao existe?

    1. Na implementao de planos sustentveis, ou seja aqueles que no compro-

    metem os interesses das geraes futuras, o que se relaciona com o campo da

    equidade, atrs referido.

    2. Na tomada de deciso informada por parte dos cidados, o que se relaciona

    com o campo da participao na tomada de deciso, atrs referido.

    3. No aumento da qualidade de vida, resultante de um aumento no nvel e,

    sobretudo, qualidade da educao, o que se relaciona com o campo da

    produtividade, atrs referido.

    Assim, as 3 prioridades da educao para o desenvolvimento devero ser:

    1. Melhoramento da educao primria/bsica, ou seja, aumento do nmero

    de anos de escolaridade e, sobretudo, a sua qualidade. Claramente, s a exis-

    tncia de um nvel de ensino bsico, frequentado pelo maior nmero poss-

    vel de alunos, aos quais facultada uma formao de qualidade, permite o

    abastecimento dos nveis de ensino subsequentes: secundrio e tercirio/

    universitrio.

    2. Reorientar a educao existente em direco a outras questes como a

    sustentabilidade, at como forma de aquisio de competncias individuais e

    sociais que tenham em conta os interesses das geraes futuras. Em particular,

    o desenvolvimento do treino na realizao de determinadas tarefas pode ser

    uma faceta a evidenciar.

    3. Aumentar os nveis de compreenso e conscincia pblica em relao ao

    papel fundamental da educao, ou seja, os cidados em geral devem, cada

    vez mais, compreender e estar cientes da importncia da educao.

    3.3.3.3.3. O ponto de vista da literatura sobre as relaes entre a educaoO ponto de vista da literatura sobre as relaes entre a educaoO ponto de vista da literatura sobre as relaes entre a educaoO ponto de vista da literatura sobre as relaes entre a educaoO ponto de vista da literatura sobre as relaes entre a educao

    e o desenvolvimento (econmico)e o desenvolvimento (econmico)e o desenvolvimento (econmico)e o desenvolvimento (econmico)e o desenvolvimento (econmico)

    A importncia da educao do ponto de vista econmico um tema que

    (curiosamente) comeou a ser analisado h mais tempo do que se possa, eventual-

    mente, julgar. J em 1930, o economista norte-americano, Harold F. Clark publicou

    um estudo intitulado Economic Effects of Education. Desde l at hoje a litera-

    tura sobre o tema tornou-se extensssima, e, por isso, impossvel de ser cabalmente

  • 142

    Antnio Caleiro

    analisada, mesmo que de uma forma sumria. Ainda assim gostaramos de salientar

    alguns estudos com particular relevncia para a aplicao emprica que se segue.

    Em meados da dcada de 70, o galardoado pelo prmio Nobel da Economia,

    Gary Becker, chamou a ateno para a importncia econmica da educao, enquanto

    investimento em capital humano (veja-se Becker, 1975).5 Pelas caractersticas par-

    ticulares da educao, colocou-se desde logo a questo da dificuldade associada

    medio dos benefcios (privados e sociais) da mesma, at porque tal medio seria

    necessria para resolver questes de financiamento (pblico) da educao.

    Na verdade, a produo de educao, como de qualquer outro bem, envolveria

    a utilizao de inputs (de maneira ptima), de forma a produzir um determinado

    output (veja-se, entre outros, Waltenberg, 2006). Assim, em educao torna-se relevante

    perceber:

    1. Quais so os inputs e como medi-los?

    2. Quais so os outputs e como medi-los?

    3. Como combinar, de forma ptima, aqueles inputs?

    4. Como pode o Governo intervir neste processo?

    Independentemente da dificuldade na quantificao das respostas s questes

    anteriores, o financiamento ou o fornecimento pblico da educao justifica-se pelo

    facto de os benefcios sociais da educao serem superiores aos benefcios privados,

    dadas as externalidades positivas associadas educao. Neste caso, como sabido,

    pela comparao entre os benefcios e custos privados da educao, cada indivduo

    decidiria por um nvel de educao inferior ao socialmente ptimo, j que estariam a

    ser ignorados os benefcios auferidos pelos restantes membros da sociedade. Este

    facto pode ser corrigido, precisamente, atravs do financiamento ou fornecimento

    pblico da educao, ou mesmo imposio de um limiar mnimo de educao como,

    por exemplo, a fixao de um nvel de escolaridade obrigatria.

    No que diz respeito aos benefcios individuais da educao, estes so, de um

    modo geral, relativamente bem conhecidos, nomeadamente ao nvel dos estudos de

    Economia do Trabalho. Neste campo, por exemplo, a educao um elemento

    fundamental no crescimento econmico por via da produtividade do trabalho. Este

    5 curioso notar que nesse mesmo ano o NBER publicou um volume sobre as relaes entre aeducao, o rendimento e o comportamento humano (veja-se Juster, 1975).

  • 143

    Educao e Desenvolvimento: que tipo de relao existe?

    aumento da produtividade, quando acompanhado de aumentos de salrios, resulta

    em acrscimos no nvel de vida, no s por via da reduo da pobreza mas tambm

    pela melhoria na facilidade de acesso aos cuidados de sade, da resultando um

    acrscimo na esperana de vida. Note-se que, implicitamente, se est a assumir um

    impacto directo da educao sobre variveis econmicas, existindo subsequentemente

    impactos indirectos ao nvel, por exemplo, do aumento da esperana de vida (ou mesmo

    da reduo da fecundidade, associada sobretudo ao aumento do nvel educacional

    feminino).6

    No que diz respeito aos benefcios sociais, a educao, sendo um aumento no

    capital humano, tambm importante na formao de capital social, o qual, apa-

    rentemente, tem um efeito positivo sobre o crescimento econmico (veja-se, entre

    outros, Temple, 2001, e Topel, 2004).

    Pelas suas caractersticas, existem uma srie de questes particulares associadas

    educao. Por exemplo, para os pases desenvolvidos, de acordo com alguns autores,

    parece no existir uma correlao evidente entre o nvel de educao e o nvel de

    produto (PIB).7 Mas quando a qualidade da educao tida em conta, j se verifica

    essa correlao, de natureza positiva. Naturalmente, uma poltica de aumento do

    nvel de educao sem se preocupar com questes de qualidade menos eficiente do

    ponto de vista da gerao de riqueza.

    Na tradio do modelo de crescimento de Solow (1957), o factor humano seria

    considerado a nvel residual, sendo explicitamente considerado por Uzawa (1965) e

    ainda mais por Lucas (1988). Em qualquer dos casos, um aumento no nvel educacional

    deveria associar-se a um aumento no nvel de produto (veja-se Dickens et al., 2006). Os

    modelos de crescimento endgeno baseados em I&D la Romer (1990) enfatizam

    tambm o nvel de capital humano (veja-se Temple, 2001, para uma anlise mais

    completa).

    Para alm daquele facto, os diferentes nveis de educao so tambm im-

    portantes. Hoje em dia, torna-se cada vez mais importante a educao pr-escolar

    (veja-se Dickens et al., 2006). Os ensinos bsico e secundrio so aqueles onde o

    6 Para uma anlise das relaes entre o nvel de escolaridade e a fecundidade, veja-se, entreoutros, Sarkar (2006), para o caso da ndia onde se mostra que o aumento da literacia seassocia a uma diminuio da fecundidade, e Rego et al. (2006), para o caso de Portugal.

    7 Para os pases em (vias de) desenvolvimento, Babatunde & Adebafi (2005), Barros & Mendona(1997), e Morapedi (2002), so referncias de interesse na matria.

  • 144

    Antnio Caleiro

    financiamento da qualidade mais discutvel. O ensino superior levanta questes de

    financiamento que alguns justificam pelo facto de os graduados serem geralmente

    melhor remunerados logo pagadores de maiores impostos, o que significa um

    financiamento a posteriori dos seus estudos. (veja-se, por exemplo, Rizzo, 2004).

    4. Que tipo de relao existe a educao e o desenvolvimento?4. Que tipo de relao existe a educao e o desenvolvimento?4. Que tipo de relao existe a educao e o desenvolvimento?4. Que tipo de relao existe a educao e o desenvolvimento?4. Que tipo de relao existe a educao e o desenvolvimento?

    Do que atrs foi dito parece realar o facto de se esperar que a educao se

    relacione positivamente com o nvel de riqueza de um pas, medido por um indicador

    econmico como o PIB, assim como com um nvel de vida, medido por um indicador

    de sade, como a esperana de vida. De facto, o indicador de desenvolvimento

    (humano) mais considerado, admite que este resulta de uma mdia ponderada

    dos aspectos econmicos, medidos pelo PIB, dos aspectos de sade, medidos pela

    esperana de vida, e dos aspectos educacionais medidos por um ndice de educao.

    Deste ponto de vista, associa-se, naturalmente, um pas mais desenvolvido a um que

    disponha de um maior nvel de educao.

    Considerando o ano mais recente para os quais se dispe de observaes, a

    figura 1 apresenta a representao grfica dos ndices do PIB, de educao e de

    Fig. 1 As componentes do IDH em 2005

  • 145

    Educao e Desenvolvimento: que tipo de relao existe?

    esperana de vida para um total de 177 pases (consulte-se o anexo para todos os

    detalhes), os quais servem de clculo ao, bem conhecido, ndice de Desenvolvimento

    Humano (IDH), apurado pela Naes Unidas.

    Conforme parece ser evidente, existe uma aparente relao directa entre as trs

    componentes do IDH, sendo certo que a volatilidade nas mesmas aumenta medida

    que o valor do IDH aumenta. Deste ponto de vista, interessante verificar que usando

    a partio oficial, i.e. a das Naes Unidas, dos pases em trs grupos: Desenvolvimento

    Elevado, Mdio e Baixo, as correlaes entre aquelas trs componentes so bastante

    dspares, conforme se mostra nas tabelas 1, 2 e 3.

    Tabela 1 Matriz de correlaes

    Tabela 2 Matriz de correlaes

  • 146

    Antnio Caleiro

    Tabela 3 Matriz de correlaes

    No que aos pases de desenvolvimento humano baixo diz respeito, a existncia

    de uma correlao negativa entre os nveis de educao e os ndices de riqueza

    econmica e de sade parece ser um paradoxo. Assim, decidimos no considerar a

    partio oficial naqueles trs grupos e determinar clusters de acordo com a metodologia

    julgada adequada.

    Querendo manter alguma homogeneidade, decidiu-se por determinar tambm

    trs clusters, recorrendo metodologia k-mdias. Apresentam-se de seguida os

    resultados obtidos:8

    Centros Iniciais dos Clusters

    8 Os resultados foram obtidos utilizando o SPSS 15.0.

  • 147

    Educao e Desenvolvimento: que tipo de relao existe?

    Centros Finais dos Clusters

    Conforme evidente, os clusters 1, 2 e 3 podem associar-se, respectivamente, aos

    grupos de pases de mdio (71 pases), elevado (56 pases) e baixo (50 pases)

    desenvolvimento. Para alm deste facto, a anlise da posio relativa dos centros

    finais dos clusters sendo certo que podero existir excepes, em termos individuais,

    (veja-se o dendograma em anexo) revelam que, efectivamente, as trs compo-

    nentes do desenvolvimento humano se encontram positivamente correlacionadas. A

    comprovar este facto, consulte-se a figura 2.

    Fig. 2 Os clusters em funo da esperana de vida, educao e PIB

  • 148

    Antnio Caleiro

    5. Concluso5. Concluso5. Concluso5. Concluso5. Concluso

    A principal concluso deste trabalho a de que, tambm para os pases em (vias

    de) desenvolvimento, a educao, por si s, ou seja, em termos directos, contribui

    para o desenvolvimento e que, em termos indirectos, ou seja, por via da sua influncia

    sobre as condies de sade e as condies econmicas, tal tambm acontece, mesmo

    para os pases em vias de desenvolvimento ao contrrio do que os dados parecem

    revelar partida.

    Este um trabalho assumidamente simples, o qual pode, no necessariamente

    por isso, ser completado em anlises posteriores. Uma possvel via de anlise prende-

    se com o nexo de causalidade entre a educao e o desenvolvimento, de acordo com

    os nveis de educao. A aposta nos ensinos bsico e secundrio parece-nos

    fundamental, at do ponto de vista da sustentabilidade do ensino tercirio, enquanto

    geradora de efeitos sobre o desenvolvimento. Este, por sua vez, pode ser potenciador,

    de apostas no ensino tercirio, completando, desta forma o crculo virtuoso na

    interaco, que se deseja positiva, entre a educao e o desenvolvimento. No caso dos

    pases em (vias de) desenvolvimento, as dificuldades em explorar as vantagens daquela

    interaco so, por natureza, maiores, mas sero tambm maiores os ganhos relativos

    do esforo colocado no investimento em capital humano, enquanto objectivo de

    uma poltica de educao.

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    Os dadosOs dadosOs dadosOs dadosOs dados

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