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CALVINISMO e ARMINIANISMO EVANGÉLICO C omparados quanto à ELEIÇÃO, r e p r o v a ç ã o , justificação e DOUTRINAS c o r r e la t a s

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CALVINISMO e ARMINIANISMO

EVANGÉLICO

C o m p a r a d o s q u a n t o à

ELEIÇÃO, r e p r o v a ç ã o ,

j u s t i f i c a ç ã o e

D O U TR IN A S c o r r e l a t a s

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Hoje, enquanto redijo esta nota, faz precisamente 113 anos que faleceu o Dr. Girardeau (23.06.1898). O Dr. John Lafayette Girardeau (1825-1898), ministro presbiteriano norte americano, de ascendência huguenote (seus ancestrais fugiram da França depois da revogação do Édito de Nantes [23 de outubro de 1685], quando os calvinistas voltaram a ser perseguidos) ainda que um tanto esquecido em nossos dias, exerceu poderosa influência quer como pastor, prestando, inclu­sive, intensa assistência espiritual, moral e social aos negros da Carolina do Sul, capelão no 23° Regimento de Voluntários da Carolina do Sul (Exército Confederado) durante a Guerra Civil Americana (1861-1865), Moderador da Presbyterian Church in the United States (PCUS) (1874), quer como professor e teólogo (Professor de Teologia Sistemática no Columbia Theological Seminary (fundado em 1828) (1876-1895), onde também estudara.

A obra que o privilegiado leitor tem em mãos, conforme o autor mesmo explica, foi resultado de estudos feitos aos sábados na Primeira Igreja Presbiteriana de Columbia, apresentando a visão calvinista em contraposição à perspectiva arminiana, especialmente Wesleyana, a respeito de diversas doutrinas notadamente concernente à Eleição e a Reprovação e à Soteriologia, especialmente no que concerne à doutrina da Justificação.

Hermisten Maia Pereira da Costa

primícias

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CALVINISMO. E

ARMINIANISMO EVANGÉLICO

C o m p a r a d o s q u a n t o à

E l e iç ã o , R e p r o v a ç ã o , J u s t if ic a ç ã o

E

D o u t r in a s C orrelatas

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CALVINISMOE

ARMINIANISMO EVANGÉLICO

C o m p a r a d o s q u a n t o à

I e iç ã o , R e p r o v a ç ã o , J u s t if ic a ç ã o

D o u t r in a s C orrelatas

A u t o r ia

J o h n Lafayette G ir a r d e a u

, T radução

V alter G raciano M artins

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Calvinismo e Arminianismo Evangélico: comparados quanto à eleição, reprovação, justificação e doutrinas correlatas © 2011 Editora Primícias Ltda. Publicado originalmente em inglês com o título Calvinism and Evangelical Arminianism: compared as to election, reprobation, justification, and related doctrines per The Baker & Taylor CO., New York, 1890. Todos os direitos são reservados.

É proibida a reprodução total ou parcial da obra, de qualquer forma ou por qualquer meio sem a autorização prévia e por escrito do autor. A violação dos Direitos Autorais (Lei n.°610/98)é crime estabelecido pelo artigo 48 do Código Penal.

1“ edição em português - 2011 3.000 exemplares

Produção EditorialTradução

Valter Graciano Martins Revisão

Divino José Pinto . Editoração

Eline Alves Martins Pereira Capa

Magno Paganelli ^

G434c Girardeau, John Lafayette.Calvinismo e Arminianismo evangélico : comparados quanto à eleição,

reprovação, justificação e doutrinas correlatas / John Lafayette Girardeau ; tradução Valter Graciano Martins. - Goiânia : Primícias, 2011.

352 p.

1. Calvinismo. 2. Arminianismo. 3. Doutrina religiosa.I. Martins, Valter Graciano. IL Título.

CDU: 284.2:284.91

444-2011

Editora Primícias Ltda.Rua 23, 450 Qd. 23 Lt.46 / Centro - Goiânia-GO

Fone: 62 3224-9051 E-mail: [email protected]

Editor: José Marques de Almeida

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S u m á r io

Apresentação à edição brasileira.................................................................... ..................... 7Prefácio............................................................................................................................... 11Prefácio à edição brasileira..................................................................................................13

PARTE 1Observações introdutórias..................................................................................................23Seção 1 Doutrina da eleição expressa e provada............................................... 27

2 Doutrina da reprovação expressa e provada....................................... 1153 Respondidas objeções provenientes dos atributos morais de

Deus................................................... ;........................................127Observações preliminares............................................................. 127Objeção proveniente dajustiça divina..........................................131Objeção proveniente da bondade divina................................... 182Objeção proveniente da sabedoria divina...................................211Objeção proveniente àaveracidade divina..................................216

4 Respondidas objeções provenientes da agência moral dohomem......................................... ................................................ 251

PARTE2 ■Observações transitórias.................................................................................................. 263Seção 1 Declarada a doutrina calvinista da justificação................................. 265

2 A feflíe da justificação......................... ............................................... 2693 A natureza da justificação.................................................. .................3034 A condição da justificação........................... ...................................... 327

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A p r e s e n t a ç ã o à e d i ç ã o b r a s il e ir a

A tradução deste livro merece uma retrospectiva histórica, porquanto, em mi­nha visão pessoal, ele é belo, estimulante e profundamente instrutivo. Sua eru­dição e perfeita. Por isso mesmo, deixo expressa e impressa abaixo minha emocionante experiência na aquisição desta obra que bem pode ser denomina­da de “relíquia”.

No dia 29 de outubro do ano em curso, conduzindo minha esposa Cremilda a Patrocínio, Minas Gerais, mais precisamente ao Instituto Bíblico Eduardo Lane, no desfrute da boa companhia, no mesmo veículo, do Rev. Celso Soares de Oliveira e sua esposa, D. Júnia, experimentei uma de minhas mais preciosas e inesquecíveis vivências. A Confederação Nacional do Trabalho Feminino se fez representar junto àquela instituição numa visita oficial e fi^atemal, liderada por sua eminente presidente nacional Ana Maria Prado e sua secretária Eunice Souza da Silva. Minha esposa, na qualidade de Presidente da Sinodal Brasil Central, tinha de estar presente, e eu aproveitei o “gancho” para aplacar um pouco a saudade que nutro de minha querida casa de profeta, quando se avizi­nha meio século em que pela primeira vez pisei o solo daquela sacra instituição. E de fato fomos recebidos principescamente por seu Diretor, Rev. Dr. Roberto Brasileiro, também mui eminente Presidente do Supremo Concilio da IPB, por todos os professores, administradores, alunos e funcionários. No entanto, nem de longe eu podia presumir que aquela casa houvesse se preparado à altura a fim de receber o grupo de líderes máximas do Trabalho Feminino da IPB, e eu no “bolo”. Estava ali de carona, e me portei timidamente, como é de minha natureza e formação, porém algo mui grande estava a minha espera.

Além de ser bem conhecido do Diretor, Rev. Dr. Roberto Brasileiro há meio século atrás, quando ele era ainda garoto e eu, mocinho, adentrei aquela casa dominado por uma forte emoção que tão bem caracteriza minha persona­lidade. Em meio ao impacto dessa forte emoção que aviva as lembranças de uma história já tão remota, fui surpreendido pelo carinho dos alunos e professo­res, sem saber que já era sobejamente conhecido e admirado ali. Além do abraço de seu querido diretor, vieram ao meu encontro os professores, com demonstrações de muito apreço, entre sorrisos e saudações firatemas, expressan­

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do a alegria de me conhecerem pessoalmente. Acostumado à discriminação negativa por onde passo, aquele gesto me causou espanto e até mesmo estra­nheza. Dentre eles, dois se destacaram de um modo tão vivo, que me deixaram profundamente constrangido: Rev. Gilson Altino da Fonseca e Rev. Salvador Moisés da Fonseca. O primeiro gastou seu precioso tempo me mostrando as instalações do CEIBEL, do qual é o diretor, me fazendo ver o quanto aquele homem se esmera em prol da boa cultura teológica dos cristãos brasileiros. O segundo me levou a visitar as classes, pondo-me diante dos alunos que já ti­nham de antemão preparadas suas perguntas à espera de minhas respostas, pois ah aprendem que existe um perene ibelino que veio a ser um homem da máxima importância para a boa formação e fortalecimento da fé reformada em nossa pátria. Durante nossa rápida estada ali, estive cercado de pessoas que queriam tirar fotos e saber mais alguma coisa a meu respeito e a respeito do que faço na implantação de João Calvino e de suas obras em solo brasileiro. Principalmente estes dois ministros do evangelho, consagrados e amigos, me revelaram uma amizade muito rara hoje no seio do colegiado pastoral. O trata­mento que recebo dos companheiros de ministério, em geral, por onde passo, é completamente outro. Às vezes acontece de nem mesmo ser recebido. Com certeza, vou guardar perenemente em minha memória e escritor os gestos em extremo nobres daqueles companheiros de hdes pastorais.

Meu nobre colega Rev. Salvador planejara privar-se, ele e sua querida esposa, comigo e minha esposa, levando-nos a sua casa para um lanche de amorosa fraternidade. Sua esposa, encantadoramente, agiu para conosco como se fôramos pessoas importantes, nos preparando um saboroso lanche. Meu colega levou-me ao seu gabinete pastoral, onde fica sua vasta biblioteca, e me fez ver o quanto é gratificante conhecer um homem de Deus, cordial e organi­zado, que revela uma meta definida no domínio e emprego de uma invejável cultura. Portanto, nominalmente, já o conhecia, através de meus filhos Sóstenes e Wânia, que outrora foram seus alunos, como sendo um homem intelectual e muitíssimo estudioso. Ali me deparei com algo que suplantou muito minhas informações a seu respeito. Como que já bem planejado, foi a uma estante e puxou um livro de aspecto muito antigo. Ele o pôs em minhas mãos, dizendo: “Guardei este livro para você. E meu presente neste sagrado momento.” Dar um livro que se pode descartar como já de uso desnecessário é algo que qual­quer um pode fazer sem grande perda. Dar, porém, um livro que é mui precioso e útil ao proprietário é algo completamente diferente e raro de se ver. Aquele amável colega não me deu um de seus livros em duplicata, ou de pouco valor para seus estudos. Senti que aquele livro era-lhe de grande valor prático e estimativo, porquanto estava todo sublinhado. Olhei o título e li: Calvinism and Evangelical Arminianism. Nunca vira antes. Mas a última expressão que saiu

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de seus lábios é que ficou gravada indelevelmente em minha mente: “Quem sabe você o traduza um dia para nós!” Esta frase formou uma incessante cantilena em meu espírito. Latejava dia e noite. Acordava de manhã com ela fustigando minha alma.

Todo aquele cenário me era mui solene e significativo. Já de caminho para casa, aquele livro enchia minha mente. Tendo Rev. Celso cooperando no volan­te, comecei a examiná-lo e a 1er o que era de mais importante e pertinente no momento. Pude notar que aquele enfoque era singular. Já traduzi e já li muitos livros que tratam da soteriologia sacra, porém nunca havia visto e lido um livro específico sobre o assunto, ainda mais que confronte as duas grandes alas do Cristianismo: calvinismo e arminianismo. Ao chegarmos em casa já estava delineada em minha mente a sagrada tarefa de verter aquele livro para nosso idioma, ainda mais sendo ele já do domínio público, porquanto sua edição re­monta ao final do século dezenove, mais precisamente 1890.

Minha disposição em traduzi-lo certamente não inclui lucro financeiro, pois, em termos monetários, nada lucro com este trabalho, e nem sei se um dia o terei nas mãos, editado por alguma editora; tampouco penso em ser recompen­sado por um prêmio ou por encómios de leitores, pois isso seria, de minha parte, mesquinho; nem fiií simplesmente movido pelo apelo que emanou dos sinceros lábios do querido colega Rev. Salvador, pois isso seria simplesmente uma devo­lução do livro na forma de um texto traduzido visando á sua leitura, porquanto, como erudito que é, ele nem carece de nenhuma tradução para 1er qualquer livro. Em minha mente amante da cultura dos sacerdotes cristãos via leigos e ministros, de pouca condição de 1er um livro em sua forma original, compendiando uma apostila, assimilando o conteúdo tão fantástico desta obra soteriológica. Sua beleza e profundidade poderão somar cultura teológica a particulares e a alunos de seminários em sua formação para o sagrado ministério. Pois aquele que 1er atentamente este livro sentirá o mesmo espanto que senti á medida que avançava na tradução.

Deixo expresso ainda a grande e amorosa contribuição do Rev. Rosalvo S. Maciel, eminente pastor da Igreja Presbiteriana do Setor Bueno, Goiânia, Igre­ja que abriu-me suas portas para que eu pudesse oferecer-üie minha modesta contribuição no ensino da Palavra. Este colega, ao ouvir de minhas intenções, animou-me com suas costumeiras palavras de experiente pastor de almas e de estudioso erudito da divina Palavra.

Notifico ainda que nunca fiz uma tradução tão rápida como esta. O original contém 566 páginas, e traduzi estas páginas em menos de dois meses: 31 de outubro a 22 de dezembro, e ainda fiz a revisão final de modo meticuloso à luz do original. Havia sofreguidão em minha alma durante todo o tempo de incan­sável-labor. Como é costumeiro em todas as minhas traduções, durante todo o

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tempo antevejo os leitores compendiando a obra e se deleitando e se benefici­ando com sua leitura e se enriquecendo não só de conhecimento intelectual, mas também e sobretudo de edificação espiritual.

Então resolvi em minha alma dedicar esta tradução, antes de tudo ao Rev. Salvador Moisés da Fonseca e ao Rev. Gilson Altino da Fonseca, com suas respectivas esposas; em seguida, também ao Instituto Bíblico Eduardo Lane, minha primeira escola de teologia, e ao seu respectivo Presbitério. Dedico-a ainda ao meu amado colega Rev. Rosalvo S. Maciel, à Igreja Presbiteriana do Setor Bueno, ao Sínodo Brasil Central, ao Seminário Presbiteriano Brasil Cen­tral e ao meu Presbitério Sudoeste de Goiânia, desejoso que muitos se aventu­rem a pesquisar esta obra e a fazer dela uma fonte de eirriquecimento intelec­tual e espiritual.

Este livro só é publicado em razão do incansável empenho do Rev. José Marques que, ao meu lado, assumiu toda a responsabilidade de ver este pre­cioso livro nas mãos do povo evangélico. A ele minha gratidão. Ele e eu sabe­mos que este livro causará profundo impacto no coração do leitor sincero. Os irmãos arminianos se sentirão ofendidos conosco; os irmãos calvinistas vão se regozijar; os que ainda não tem uma posição definida poderão analisar bem o conteúdo e, quem sabe, tomar sua posição conosco. Nosso intuito não é criar polêmica inixutífera, e sim dirimir dúvidas e palmilhar os passos dos hesitantes.

Deixo expresso e impresso meuprofiindo sentimento, já conhecido de mui­tos, de ainda ver a Igreja de nosso Soberano Salvador, Jesus Cristo profunda­mente empenhada no conhecimento da sã doutrina, numa época em que viceja por toda parte uma religião equivocada, pragmática, sinergista, que há muito perdeu de vista aquela Religião da Verdade, ensinada e praticada pelos Patriar­cas, pelos Profetas, pelos Apóstolos (genuínos!) e, sobretudo, por nosso Senhor Jesus Cristo. Religião sem fantasia, religião de compromisso com a verdade revelada, que tem por meta suprema a glória do único Deus Triúno, que tem sido, é e será para todo o sempre o mesmo Deus etemo, infinito, soberano e imutável, cuja Igreja é também imutável em sua realidade etema que emana de seu divino Senhor. Que a mesma Igreja, em sua áspera peregrinação neste mundo, continue orando e cantando: Vem, Senhor Jesus!

Goiânia, 30 de dezembro de 2010Valter Graciano Martins

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P r e f á c io

Durante a ocupação temporária do púlpito da Primeira Igreja Presbiteriana desta cidade, há poucos anos atrás, alguns dentre os jovens membros daquela igreja me solicitaram a instmir uma classe bíblica, nas noites de sábado, nas doutrinas dis­tintivas da fé calvinista. Um grande número se inscreveu, e o entendimento foi que os membros da classe tivessem a liberdade de livre interrogatório dirigido ao pro­fessor. Inesperadamente, desde o princípio, luna grande congregação mista com­pareceu, e a liberdade de formular perguntas foi usada pelos de fora, transparecendo que 0 desígnio era suscitar dificuldades em vez de buscar-se luz, e converter o exercício em polêmica. Para evitar este resultado, e tratar as objeções de uma maneira mais lógica do que era possível em meio a réplicas improvisadas a espa­lhar o fogo de inquirições confusas, o resultado foi o surgimento de preleções escritas. Não obstante esta mudança, a assistência e interesse não sofreram dimi­nuição, mas, ao contrário, aumentou - fato que parecia militar contra a comum opinião de que 4iscussões doutrinais provariam ser secas e inaceitáveis a um auditório misto. As preleções, que eram preparadas não sem exaustivo labor, su­geriram a produção de um tratado formal sobre o tema que ora ocupava todo o tempo disponível, a saber, Eleição e Reprovação, com especial referência à teolo­gia evangélica arminiana. Isto foi feito, e adicionou-se uma discussão da doutrina da justifícação, em relação àquela teologia.

Outra razão que conduziu à preparação desta obra foi a convicção de que há espaço para ela. Um eminente escritor observou que alguém que solicita a atenção do público pela publicação de um livro deve ter algo para dizer o que não foi dito antes. Esta opinião, sem dúvida, requer qualificação; porém se aplica, em certa medida, no presente caso. O terreno coberto pela controvérsia entre calvinistas e arminianos evangélicos não foi completamente ocupado. O livro de John Owen, “Display of Arminianism”, e obras similares do período puritano, pré-datou o surgimento do arminianismo evangélico. Jonathans Edwards foi contemporâneo de João Wesley. A principal comparação feita do calvinismo e arminianismo teve referência primordialmente ao sistema remonstrante, como desenvolvido por Episcopius e Curcellseus, Grotius e Limborch. O mesmo procede, em certa medi­da, no tocante ao último em sua comparação ao que Cunningham diz do calvinismo e arminianismo em seu Historical Theology. O tratamento comparativo do calvinismo e do modemo arminianismo evangélico, contido em obras de teologia

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sistemática compostas em tempos recentes, embora talentosas, são necessaria­mente sucintas e um tanto pobres. Obras tais como as de Green, Annan e Fairchild dificilmente professam ser estritamente analíticas ou exaustivas de qualquer tópi­co. “God Sovereign and Man Free”, do Dr N. L. Rice, embora uma discussão valiosa, é sucinta e deixa muito a ser dito com respeito à questão que ele compendia. Portanto, parece haver espaço para discussão ulterior concemente aos méritos relativos do calvinismo e arminianismo evangélico, e espera-se que a presente tentativa não seja considerada arrogante sobre a base de ser supérflua.

Ainda outro incentivo primordial à produção deste volume foi fornecido pelo escámio frequentemente resultante das fontes arminianas de que “o calvinismo está moribundo”, e a zombeteira insinuação de obras recentes — a teologia siste­mática do Dr. Miner Rajnnond, por exemplo - de que poucas pessoas de senso hoje pretendem manter algims de seus dogmas peculiares e monstmosos. Uma honesta indignação justifica a reprovação de alegações tão desprezíveis; e, por mais inadequada seja a pretensa defesa da venerável teologia assim subestimada, é inspirada pela proftmda convicção de que o sistema conhecido como calvinismo expressa a fé dos mártires, confessores e reformados, fé na qual a maioria do verdadeiro povo de Deus tem vivido e morrido; essa é a verdade de Deus; e essa, em vez de moribunda, é tão imortal quanto aquela Palavra Inspirada que vive e permanece para sempre. Se os oponentes a julgam moribunda, e imaginam que podem ultimar sua cobiçada dissolução, descobrirão que sua suposta câmera mortuária é uma arena de vigorosa disputa, e seu imaginário leito de morte, um baluarte que nem eles nem os poderes do infemo podem tomar de assalto.

A obra não pretende cobrir todo o campo da controvérsia de que ela trata, discutir articuladamente todos os pontos de vista distintivos dos sistemas compa­rados. Seu propósito é trazer a lume seus princípios radicais e controladores, em si mesmos em suas conexões necessárias, confrontá-los uns com os outros e sujeitá-los a um minucioso exame.

Tentei escrever num espírito sereno e desapaixonado, consistente com o amor sincero e fraterno para com o povo de Deus de cujos pontos de vista eu difiro; e, ao submeter os resultados de longa reflexão, incorporada neste volume, para o juízo dos leitores cândidos, peço que nutram uma semelhante calma e consideração desapaixonada.

A obra é humildemente dedicada Aquele cuja verdade ela professa vindicar, com oração para que Ele Se digne de usá-la para Sua glória e o bem de Sua Igreja. Especialmente, serei grato se Lhe aprouver usá-la para reprimir, ao menos em algum grau, a tendência ora manifesta da parte de alguns calvinistas professos de seriamente modificar as doutrinas dos símbolos calvinistas.

Columbia, S. C., 18 de janeiro de 1890.

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P r e fá c io à E d iç ã o B rasileira

o Rev. Valter Graciano Martins tem contribuído intensamente com a teologia evangélica brasileira há algumas décadas, quer com obras de sua lavra, quer com competentes e abnegadas traduções, dentre as tantas, destaco a pioneira dos comentários de João Calvino (Exposição de 2 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1995) e, recentemente, a obra de François Turretini (Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 3 Vols., 2010),^ também inédita em língua portuguesa.

Agora nos surpreende mais uma vez com esta tradução, para a qual o público evangélico de língua portuguesa desejoso de boa teologia deve estar atento e agradecido a Deus pelo autor, tradutor da obra e editor.

Hoje, enquanto redijo esta nota, faz precisamente 113 anos que faleceu o Dr. Girardeau (23.06.1898). O Dr. John Lafayette Girardeau (1825-1898), mi­nistro presbiteriano norte americano, de ascendência huguenote (seus ances­trais fugiram da França depois da revogação do Édito de Nantes [23 de outubro de 1685], quando os calvinistas voltaram a ser perseguidos) ainda que um tanto esquecido em nossos dias, exerceu poderosa influência quer como pastor, pres­tando, inclusive, intensa assistência espiritual, moral e social aos negros da Carolina do Sul, capelão no 23° Regimento de voluntários da Carolina do Sul (Exército Confederado) durante a Guerra Civil Americana (1861-1865), Mo­derador da Presbyterian Church in the United States (PCUS) (1874), quer como professor e teólogo (Professor de Teologia Sistemática no Columbia Theological Seminary (fundado em 1828) (1876-1895), onde também estudara.

Girardeau tornou-se amado e admirado por sua piedade, abnegação, filantropia e erudição. As suas obras e artigos são extensos, perfazendo cam­pos distintos tais como sobre o uso de instrumentos do culto,^ filosofia e notadamente, teologia. Como pregador era brilhante, sendo considerado, talvez não sem razão, o “Spurgeon da América”. Juntamente com outros dois teólo-

1. Esta, na realidade, só vindo a público no fmal de maio deste ano.2. Este nome, contudo, só foi oficializado em 1925.3. Instrumental Music in the Public Worship o f the Church, Richmond, VA; Whittet and Shepperson,

Printers, 1001 Main Street, 1888.

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gos pouco conhecidos no Brasil, James H. Thomwell (1812-1862),de quem recebeu significativa influência e seu amigo, também de origem huguenote, Robert L. Dabney (182G-1898),^ é considerado um dos maiores teólogos do Sul dos Estados Unidos do século XIX.

A obra que o privilegiado leitor tem em mãos, conforme o autor mesmo explica, foi resultado de estudos feitos aos sábados na Primeira Igreja Presbiteriana de Colúmbia, apresentando a visão calvinista em contraposição à perspectiva arminiana, especialmente wesleyana, a respeito de diversas doutri­nas notadamente concemente à Eleição e a Reprovação e à Soteriologia, especialmente no que concerne à doutrina da Justificação.

O livro tem uma abordagem apologética. O seu estilo é polido, porém, den­so. Sua argumentação é bíblica e como filósofo que era, com rigor lógico.

A obra pubhcada em 1890, ao estilo de Calvino (Comentário de Romanos), faz uma revisão bibliográfica, indicando o porquê de sua publicação, mostrando estar familiarizado com obras semelhantes, justificando a necessidade de seu aparecimento. -

Ciente de que entre os calvinistas há abordagens distintas concementes aos decretos de Deus, assume de modo claro o seu quadro de referência; Calvino e as principais Confissões Reformadas. Entendendo serem eles infralapsarianos:

“Nesta discussão se adotará o ponto de vista infralapsariano dos de­cretos divinos, sob a convicção de que é característico do sistema de doutrina declarado erh todas as confissões calvinistas, que falam de­finitivamente sobre a questão, e mantido pela grande maioria dos teó­logos calvinistas

A frente: “Este é o ponto de vista de Calvino; e isso prova que ele teria sido infralapsariano

Aqui, ao mencionar João Calvino (1509-1564), sem de nenhum modo des­merecer o seu frabalho, o autor dá um salto um pouco mais amplo do que as evidências lhe permitiriam. Contudo, não fez isso sozinho. A questão é um pou­co mais delicada. Vejamos.

Antes da Reforma, estes termos {supralapsarianismo e infralapsaria- nismo) tinham uma aplicação diferente da que passou a ter após a Reforma, e que perdura até os nossos dias. Esta diferença de conceituação, que com frequência passa despercebida, certamente contribui para acrescentar mais incompreensões quanto ao assunto.

4. John B. Adger, ed. Collected Writings o f James Henley Thomwell, Richmond, VA.; Presbyterian Committee of Publication, 4 Vols. 1870 [?].

5. Robert L. Dabney, Lectures in Systematic Theology, Grand Rapids, MI.: Baker, 1985 (reprinted).

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No período anterior à Reforma, a problemática principal consistia em saber se a queda de Adão, fazia parte ou não do decreto eterno de Deus. Os Supralapsários respondiam afirmativamente; os Infralapsários diziam que a queda fazia parte do conhecimento prévio de Deus, mas não do Seu decreto.®

Durante a Reforma, Lutero (1483-1546), Zwínglio (1484-1531) e Calvino (1509-1564), estavam acordes quanto ao fato de que Deus de alguma maneira incluíra o pecado no Seu Decreto, todavia, Ele não era o autor do pecado. Deste modo, o pecado passou a ser encarado como que fazendo parte do ""de­creto permissivo” de Deus.’

Após a Reforma, as duas palavras passaram a se referir à ordem lógica® do Decreto de Deus, sendo Theodoro Beza (1519-1605) - sucessor de Calvino em Genebra o primeiro a desenvolver o assunto dentro desta perspectiva.

A. O Supralapsarianismo:A palavra supralapsarianismo, provém de dois termos latinos: ""Supra" (aci­

ma de, antes de, anteriormente) e ""Lapsus'" (queda, erro, engano). O Supra­lapsarianismo entende que o decreto da eleição foi logicamente anterior ao decreto da criação. Assim, dentro desta perspectiva, temos a seguinte ordem do Decreto de Deus:

1) Eleger alguns homens que seriam criados para a vida, e condenar outros para a destruição.

2) Criar toda a humanidade: Os eleitos e os reprovados.3) Permitir a Queda: a queda dependeria da escolha voluntária do homem.®

6. Vejam-se: L. Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SR: Luz para o Caminho, 1990, p. 119; Fred H. Klooster, Supralapsarismo: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1990, Vol. III, p. 424-425; Supra lapsum: In: Richard A. Muller, Dictionary o f Latin and Greek Theological Terms, 4“ ed. Grand Rapids, Michigan; Baker Book House, 1993, p. 292.

7. Fred H. Klooster, Supralapsarismo: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, Vol. Ill, p. 424-425.

8. A.A. Hodge (1823-1886), observou corretamente que:“Desde que cremos que o Decreto de Deus é uma só intenção etema, não pode haver ordem de

sucessão nos seus propósitos, nem a) no tempo, como se um propósito realmente precedesse a outro, nem b) na deliberação distinta, ou opção, da parte de Deus. O todo é um só propósito. Mas, determinando a existência do sistema inteiro. Deus compreendeu naturalmente todas as partes do sistema, determinadas por Ele em suas diversas sucessões e relações. (...) Por isso a questão quanto à Ordem dos Decretos não é questão quanto à ordem dos atos de Deus decretan­do, mas é questão quanto ã verdadeira relação que sustentam entre si as diversas partes do sistema decretado. Isto é, que relação estabeleceu o único propósito eterno de Deus entre Cria­ção, Predestinação e Redenção? Que ensinam as Escrituras a respeito do propósito de Deus em dar Seu Filho, e a respeito dojim e motivo da eleição? ” (Esboços de Theologia, Lisboa: Barata & Sanches, 1895, XI.41. p. 210. Veja-se, também: J. Calvino, As Institutas,IIL21.5).9. Em alguns momentos da História, a posição Supralapsária, foi identificada com a afirmação de

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4) Prover um Redentor para os eleitos.5) Enviar o Espírito Santo para aplicar a Redenção obtida por Cristo, no

coração dos eleitos.Esta posição, sempre foi defendida por inúmeros e respeitáveis teólogos

Reformados. Entre eles, citamos, primeiramente, o próprio J. Calvino (1509- 1564)(?);’“ T. Beza (1519-1605); Jacobus Trigland (1583-1654); William Twisse

que Deus decretou o pecado. Notemos que esta era a posição de Calvino nas Institutos. (Veja-se; As Instituías, III.21-24, especialmente, 111.23.1,5,8s); contudo, neste decreto, não se elimina a respon­sabilidade humana (Veja-se; As Institutas,III.23.3). Aüás, nenhum calvinista nega o fato de que o pecado de alguma forma fazia parte do decreto de Deus (Veja-se; B.B. Warfield, O Plano da Salvação, Leiria; Edições Vida Nova, 1958, p. 132, nota 81). Strong, comentando o pensamento de Calvino, observou corretamente que, “A relação de Deus para com a origem do pecado não é eficiente, mas permissiva" (A.H. Strong, Systematic Theology, 11“ ed. Philadelphia; The Judson Press, 1947, p. 778). Paul Tillich (1886-1965), por exemplo, revela o seu conceito a respeito do “Supralap­sarianismo”, conforme a visão apresentada acima; "Todo teólogo que é suficientemente corajoso para enfrentar a dupla verdade de que nada pode acontecer a Deus acidentalmente e que o estado da existência é um estado caído deve aceitar o ponto de coincidência entre o fim da criação e o começo da queda. (...) Os calvinistas supralapsários, que afirmavam que Adão caiu por decreto divino, tiveram a coragem de enfrentar esta situação.... ” {Teologia Sistemática, São Paulo; Edições Paulinas/Editora Sinodal, 1984, p. 215), Da mesma forma escreve outro luterano; O luterano Jenson observou que nenhum pensamento cristão, nem mesmo um pensamento remótãmente cristão, pode evitar uma doutrina da predestinação” (Robert W. Jenson, O Espírito Santo; In; Cari E. Braaten; Robert W. Jenson, eds. Dogmática Cristã, São Leopoldo, RS.; Sinodal, 1995, Vol. II, p. 148). Curiosamente, Strong {Systematic Theology, p. 778. [Edição brasileira. Vol. II, p. 469-470]) mesmo elogiando o “amadurecimento” do pensamento de Calvino, faz uma citação truncada do seu comen­tário a respeito de IJo 2.2, sustentando que Calvino, nos seus últimos dias de vida, aceitava a “expiação universal”. A interpretação de Strong neste ponto, parece-me totalmente equivocada. (Veja-se; Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan; Baker Book House, 1981, Vol. 22, in. loc. p. 172-173. Compare a interpretação de Strong com a de Francis Turretini (1623-1687) a respeito do mesmo comentário de Calvino. (F. Turretin, Institutes o f Elenctic Theology, Phillipsburg, New Jersey; Presbyterian and Reformed Publishing Company, 1994, Vol. 2, p. 474-475. (Edição brasileira. Vol. II, p. 570-571).

No texto citado, Calvino de fato, toma como válida a fórmula Agostiniana (?). “Suficiente para todos, eficiente para os eleitos” (“Sufficienter pro omnibus, efficienter pro electis”), contudo ele não a considera adequada para interpretar o texto de 1 Jo 2.2. (Quanto à visão Calvinista que se tomou padrão entre os Reformados a respeito da “Expiação Limitada” [= “Expiação Definida” ou “Expia­ção Particular”], Vejam-se, especialmente: Cânones de Dort (-1618-1619), Capítulo II, Confissão de Westminster (1647), Capítulos, III.6; VIII.1,5,8.; John Owen (1616-1683), Por Quem Cristo Mor­reu?, São Paulo; Publicações Evangélicas Selecionadas, 1986, 87p.; F. Tvimüa, Institutes o f Elenctic Theology, Vol. 2, p. 458ss.; William Cunningham, Historical Theology, London: The Banner of Truth Trust, (c. 1862), Reprinted 1969, Vol. 2, p. 323-370; Loraine Boettoer, La Predestinación, Grand Rapids, Michigan: Subcomision Literatura Cristiana, © 1932, p. 128-137; L. Berkhof, Teolo­gia Sistemática, p. 393-400; Leandro Antonio de Lima, Calvino ensinou a Expiação Limitada?: In; Fides Reformata, Vol. IX, n° 1 (2004), p. 77-99.

10. É digna de nota a observação de Charles Hodge (1797-1878) de que posteriormente Calvino escreveu textos que indicavam uma posição iniralapsária. O fato, é que a visão de Calvino a respeito do assunto é alvo de disputa, não sendo de modo algum fácil classificá-lo dentro de uma ou de outra visão. (Vejam-se: Charles Hodge, Systematic Theology, Grand Rapids, Michigan; Eerdmans, 1986, Vol. II, p. 316; George P. Fisher, History o f Christian Doctrine, New York: Charles Scribner’s Sons,

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(1575-1646) - que presidiu aAssembleia de Westminster; Franciseus Gomarus (1563-1641) - oponente de Jacobus Arminius (1560-1609), tendo participado do Sínodo de Dort (1618-1619); G. Voetius (1588-1676); Pedro Martir (1500­1562); H. Zanchi (1516-1590); Z. Ursinus (1534-1583) -u m dos elaboradores do Catecismo de Heidelberg (1563); F. Burmann (1632-1679); H. Witsius (1636-1708) e Herman Hoeksema (1886-1965)."

B. O Infralapsarianísmo ou Sublapsaríanísmo:Estes nomes também provêm de dois termos latinos: ‘Tnfra” ou “Sub”

(abaixo de, sob) e “Lapsus” (queda, erro, engano). O Infralapsarianísmo en­tende que o decreto da eleição fo i logicamente posterior ao decreto per­missivo da queda.

Dentro desta perspectiva, temos a seguinte ordem lógica do Decreto de Deus:

1) Criar a Humanidade.2) Permitir a Queda: A queda dependeria da escolha voluntária do homem.3) Eleger para a salvação alguns homens, e deixar os demais em seu esta­

do de condenação.4) Prover um Redentor para os eleitos.

1906, p. 300ss.; James O. Buswell, A Systematic Theology o f the Christian Religion, Grand Rapids, Michigan: Zondervan-Publishing House, © 1962, Vol. Ill, p. 135-136). Creio que as duas posições estão presentes em Calvino: A supralapsária se evidencia melhor ib45 Instituías, quando Calvino define a Doutrina da Predestinação, dizendo: “Chamamos predestinação ao etemo decreto de Deus pelo qual houve em si [por] determinado quê acerca de cada homem quisesse acontecer. Pois, não são criados todos em igual condição; pelo contrário, a uns é preordenada a vida etema, a outros a etema danação. Portanto, como criado fo i cada qual para um ou outro [desses dois] fins, assim [o] dizemos predestinados ou para a vida, ou para a morte” (As Institutas, III.21.5). Nas mesmaí Institutos encontramos também sua posição In&alapsária (As Institutas, II.12.7). No Consensus Genevesis, (1551), redigido por Calvino, há uma apresentação clara e abrangente da doutrina da Ceia do Senhor e da Predestinação no qual, ele se mostra infralapsariano. Este documento foi elaborado, objetivando refiitar as críticas de seus opositores referentes à doutrina da Predestinação, bem como, estabelecer a unidade das Igrejas Reformadas na Suíça no que se refere à doutrina da Predestinação e dos Sacramentos. Esta Confissão foi apresentada em Genebra (1552), sendo assinada por todos os pastores da cidade. Infelizmente, SchafF, não traz o texto desta Confissão. (Vejam-se: P. Schaff, The Creeds o f Christendom, 6“ ed. (Revised and Enlarged), Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, (1931), Vol. I, p. 471, 474-477; Vol. Ill, p. 232; Consensus Genevesis: In: R Schaff, ed. A Religious Encyclopaedia: or Dictionary o f Biblical, Historical, Doctrinal and Practical Theology, New York: Funk & Wagnalls Company, 1891 (Third Edition revised and Enlarged), Vol. I, p. 544; William G.T. Shedd, A History o f Christian Doctrine, New York: Charles Scribner’s Sons, 1891, Vol. II. p. 468-469). Do mesmo modo, encontramos a posição infralapsária na Confissão Gaulesa (1559), escrita por Calvino (1509-1564) e seu discípulo Antoine de la Roche Chandieu (De Chandieu) (1534-1591), provavelmente com a ajuda de T. Beza (1519-1605) e Pierre Viret (1511-1571). Veja-se: Art 12. (Cf. R Schaff, The Creeds o f Christendom, Vol. I, 490-498; III, p. 366-367.

11. Herman Hoeksema, Reformed Dogmatics, 3“ ed. Grand Rapids, Michigan: Reformed Free Publishing Association, 1976, p. 164.

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5) Enviar o Espírito Santo para aplicar no coração dos eleitos, por intermé­dio da Palavra, a Redenção obtida por Cristo.

Dá mesma forma, esta concepção sempre encontrou um grande número de defensores entre os Reformados e, também, deve ser dito, que todas as Confissões Reformadas sustentam esta posição. Entre os teólogos que parti­lham do conceito Infralapsário, destacamos; A. Rivet (1573-1651); F. Turretini (1623-1687);'^ J.H. Heidegger (1633-1698); A. Walaeus (1573-1639), Petrus Von Mastricht (1630-1706); Charles Hodge, (1797-1878); A.A. Hodge (1823­1886); B.B. Warfield (1851-1921); A.B. Teixeira (1873-1975); Samuel Falcão (1904-1965); L. Boettner (1901-1990); G.C. Berkouwer (1903-1996); A.A. Hoekema (1913-1988).

Entre as Confissões Reformadas, destacamos:- Confissão Gaulesa (1559), Art. 12-- Confissão Escocesa (1560), Cap. VIII.- Confissão Belga (1561), Art. 16.- Catecismo de Heidelberg (1563), Pergunta 54.- A Segunda Confissão Helvética (1566), Caps. 10 e 17.- Cânones de Dort, (1618-1619), I, 7-10. ^- Confissão de Westminster (1647), Cap. III.- Breve Catecismo de Westminster (1647), Pergs. 19 e 20.Charles Hodge (1797-1878), comentando esta posição, diz:

“Que este ponto é consistente em si mesmo e harmonioso. Como todos os decretos de Deus são um só compreensível propósito, não se pode admitir nenhum ponto de vista sobre a relação dos detalhes que tal desígnio abarca, que não admita sua plena redução à unidade. Em todo grande mecanismo, qualquer que seja o número ou complexida-

12. L.S. Chafer (1871-1952)-fundador do Seminário Teológico de Dallas em 1924-, estabelecen­do uma diferença entre a posição “Infralapsário” e a “Sublapsária”, observou de modo pertinente que os “Inlralapsários” apresentam a ordem do Decreto conforme a indicada acima e, os “Sublapsários”, fazem uma inversão entre os elementos três e quatro. (L.S. Chafer, Teologia Sistemática, Dalton, Geórgia: Publicaciones Espanolas, 1974, Tomo I, p. 996-998; da mesma forma, A.H. Strong, Systematic Theology, p. 779 (Edição brasileira. Vol. 2, p. 471-472). Isto de fato acontece com A.B. Teixeira, que segue a ordem “Sublapsária” {Dogmática Evangélico, 2“ ed. São Paulo: Pendão Real, 1976, p. 229). A mesma distinção é feita na obra de Millard J. Erickson, Conciso Dicionário de Teologia Cristã, Rio de Janeiro: JUERP, 1991, “Infralopsarionismo” e “Sublapsarionismo”, p. 89 e 156; do mesmo modo, P. Schaff, ed. A Religious Encyclopaedia: or Dictionary o f Biblical, Historical, Doctrinal and Practical Theology, in loc. Entretanto, Charles Hodge, {Systematic Theology, VoL II, p. 319-321), Robert L. Dabney (1820-1898),(Lec?Mrei in Systematic Theology, p. 232-233) e Philip Schaff {History o f the Christian Churih, Peabody, Massachusetts, Hendrickson Publishers, 1996, Vol. VIII, p. 552), não estabelecem nenhuma distinção.

13. Francis Turretin, Institutes o f Elenctic Theology, Nevi Jersey: Presbyterian and Reformed Publishing Company, 1992, Vol. 1, p. 428-429 (Edição brasileira, p. 544-545).

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de de suas partes, deve haver uma unidade de desígnio. Cada parte está relacionada com outras partes, e a percepção de tal relação é necessária para uma conveniente compreensão do todo. Além do mais, como os decretos de Deus são eternos e imutáveis, nenhuma visão de Seu plano de operação que suponha a Deus propondo-se primeiro uma coisa e depois outra, pode ajustar-se à natureza de tais decretos. E, como Deus é absolutamente soberano e independente, todos Seus propósitos hão de ser decididos desde Seu interior ou de acordo com o desígnio de sua própria vontade. Não pode supor-se que sejam con­tingentes ou manter-se em suspenso ante a ação de Suas criaturas, ou ante qualquer coisa fora dEle mesmo. O sistema infralapsário, como o sustentam a maior parte dos agostinianos, cumpre todas estas con­dições; todos os detalhes particulares formam um todo compreensivo; tudo se segue em uma ordem que não supõe câmbio algum de desíg­nio; e tudo depende da vontade de Deus infinitamente sábia, santa e justa. O fim último é a glória de Deus. Para este fim cria o mundo, permite a queda, dentre os homens caídos elege alguns para a vida eterna, e deixa o resto à justa recompensa de seus pecados. A quem Ele elege, Ele chama, justifica, e glorifica; esta é a cadeia de ouro cujos elos não podem ser separados ou mudados. Esta é a forma em que o esquema da redenção estava na mente do Apóstolo ao ensinar- nos em Romanos 8.29,30”. '

Neste momento, julgamos oportuno realçar os pontos que o “infra" e o “supra” têm em comum:

1) Deus não é o autor do pecado.2) As Escrituras são a única fonte do nosso conhecimento a respeito do

decreto de Deus.3) Que 0 pecado e punição não são meramente o objeto da presciência de

Deus, porém de Seu decreto (permissivo) e predeterminação.4) Que a fé não é a causa do decreto da eleição, nem o pecado a causa do

decreto de reprovação.William Cunningham (1805-1861),'^ HermanBavinck (1854-1921),‘® Louis

Berkhof(1873-1957),'^ eHerman Hoeksema (1886-1965),'® destacaram o fato

14. Charles Hodge, Systematic Theology, II, p. 320.15. William Cunningham, The Reformers and the Theology o f the Reformation, Edinburgh: Banner,

1979 (Reprinted), p. 362ss.16. Herman Bavinok, The Doctrine o f God, 2“ ed. Grand Rapids, Michigan: Wm. Eerdmans

Publishing Co., 1955, p. 385ss.17. L. Berkhof, Teologia Sistemática, p. 198.18. Herman Hoeksema, Reformed Dogmatics, p. 164.

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de que entre os teólogos Reformados, não têm havido problema na sustentação de qualquer uma das duas posições, sendo ambas possíveis dentro da Teologia Bíblico-Reformada.

Concluindo nossas anotações sobre este assunto, temos que concordar com Robert. L. Dabney (1820-1898), quando diz que esta questão {“Supra” e “Infra’') “nunca deveria ter sido levantada”P De fato. Todavia, enquanto estudantes de teologia e interessados neste tema abordado pelo autor, devemos estar familiarizados com os problemas que marcaram a sua história e tiveram e têm repercussão na vida da Igreja.^“ Tomemos como estímulo e sincera humil­dade^' a observação de Berkhof: “Com relação ao estudo deste tema pro­fundo, devemos ver que o nosso entendimento é limitado, e dar-nos conta de que captamos somente fragmentos da verdade”}^

19. R.L. Dabney, Lectures in Systematic Theology, p. 233. Turretin mesmo admitindo isso, reco­nhece a necessidade de tal tratamento devido “à obstinação de nossos adversários ” (F. Turretin, Institutes o f Elenctic Theology, VoL 1, p. 417 (Edição brasileira. Vol. 1, p. 531).

20. Para um estudo complementar sobre o assunto, consulte, entre tantos outros: L. Berkhof, Teologia Sistemática, p. 119-126; Loraine Boettner, Predestination: In: E.F. Harrison, Editor. Diccionario de Teologia, Grand Rapids, Michigan; T.E.L.L. 1985, p. 418-420; C. Hodge, Systematic Theology, II, p. 316-321; H. Hoeksema, Reformed Dogmatics, p. 161-165; Alfredo B. Teixeira, Dogmática Evangélica, p. 226-232; F.H. Klooster, Supralapsarismo; In: Walter A. Elwell, ed. Enci­clopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, Vol. m , p. 424-425; R.V. Schnucker, Infralapsarismo: In; Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, Vol. II, p. 332-333; A.H. Strong, Systematic Theology, p. 777-779; Lewis S. Chafer, Teologia Sistematica, Vol. I, p. 994-998; WiUiam G.T. Shedd, Dogmatic Theology, T ed. Nashville; Thomas Nelson Publishers, 1980, Vol. I, p. 441-443; R.L. Dabney, Lectures in Systematic Theology, p. 232-234; Herman Bavinck, The Doctrine o f God, p. 382-394; A.A. Hodge, Esboços de Theologia, Cap. XI, p. 210-213; Samuel Falcão, Predestinação, São Paulo; Casa Editora Presbiteriana, 1981, p. 146-150; G.M. Bromiley, Predestination: In; G.W. Bromiley, General Editor, The International Standard Bible Encyclopedia, Grand Rapids, Michigan; William B. Eerdmans Publishing Company, 1986, Vol. Ill, p. 945-951 ; B.B. Warfield, O Plano da Salvação, especialmente, p. lOlss.; J.J. Van Oosterzee, Christian Dogmatics, T ed. London: Hodder and Stoughton, 1878, especialmente, p. 452ss; Sublapsarians: In; John M’Clintock & James Strong, Cyclopaedia o f Biblical, Theological, and Ecclesiastical Literature, New York; Harper & Brpthers PuWishers, 1894, Vol. 10, p. 2-3; Morton H. Smith, Systematic Theology, Greenville, South Carolhia: Greenville Seminary Press, 1994, Vol. 1, p. 173-177; R.C. Sproul, Eleitos de Deus, São Paulo; Cultura Cristã, 1998, especialmente, p. 123ss. Para uma visão panorâmica da relevância desta doutrina na Teologia Protestante, dentro de uma abordagem mais “itênica”, conforme se propõe o autor, veja-se: Harry Buis, Historie Protestantism and Predestination, Eugene: Oregon: Wipf & Stock Publishers, 2007,142p. Para uma apresentação sumária a respeito da relevância da doutrina da eleição entre os batistas, veja-se; Robert B. Selph, Os Batistas e a Doutrina da Eleição, 2° ed. São José dos Campos, SP.; Fiel, 1995, 155p.

21. Lutero, falando sobre a Predestinação, disse; “Duas coisas obrigam à pregação da predestinação. A primeira é a humilhação do nosso orgulho e o reconhecimento da graça de Deus; e a segunda é a natureza da fé Cristã em si mesma ” (Martin Luther, De Servo Arbitrio. In: E. Gordon Rupp & Philip S. Watson, eds. Luther and Erasmus: Free Will and Salvation, Philadelphia; The Westminster Press, 1969, p. 137).

22. L. Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SP.; Luz para o Caminho, 1990, p. 125. "Apren­damos, pois, a evitar as inquirições concernentes a nosso Senhor, exceto até onde Ele nos revelou

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Deste modo, temos na obra de Girardeau um trabalho bíblico, sóbrio, denso, com profunda agudez lógica,contextualizando, dentro da melhor tradição Reformada, o seu tema. Creio que a sua leitura contribuirá em muito para o nosso aprofimdamento do estudo destas doutrinas dentro da perspectiva Re­formada.

Meu desejo e oração é que o estudo deste assunto contribua para uma visão pastoraP'* mais comprometida e um desejo de maior santidade diante de Deus,^^ que se manifesta em reverente gratidão e adoração.^®

Boa e edificante leitura a todos. Deus os abençoe.

Maringá, 23 de junho de 2011.Hermisten Maia Pereira da Costa

através da Escritura. Do contrário, entraremos num labirinto do qual o escape não nos será fá c il” (João Calvino, Romanos, 2“ ed. São Paulo; Parakletos, 2D01, (Rm 11.33), p. 426-427/ “A predestinação divina se constitui realmente num labirinto do qual a mente humana é completamen­te incapaz de desembaraçar-se. Mas a curiosidade humana é tão insistente que, quanto mais perigoso é um assunto, tanto mais ousadamente ela se precipita para ele. Dai, quando a predestinação se acha em discussão, visto que o indivíduo não pode conter-se dentro de determinados limites, imediatamente, pois, mergulha nas profundezas do oceano de sua impetuosidade ” (J. Calvino, Exposição de Romanos, São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 9.14), p. 329-330). Veja-se também; João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo; Cultura Cristã, 2006, Vol. 3, (IIL8.1), p. 38.

23. A lógica dirigida pelo espírito de submissão a Deus, sempre será útil; caso contrário, esqueçamo- la. No entanto, devemos ter em que mente que “não podemos prender Deus na prisão da lógica humana” (Anthony Hoekema. Salvos pela Graça, São Paulo; Cultura Cristã, 1997, p. 86).

24. “É verdade que a eleição em si mesma é secreta. É um propósito tão profundo e oculto que diante dele somente podemos nos maravilhar. A despeito disso, Deus no-lo revela, na medida em que é necessário, conhecendo ele ser isso para nosso beneficio e salvação ” (João Calvino, Sermões em Efésios, Brasília, DR: Monergismo, 2009, p. 81).

25. “O propósito de nossa eleição consiste em que sejamos santos e irrepreensíveis aos olhos de Deus" (João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, (Hb 10.7), p. 259).

26. “Nenhuma doutrina é mais útil e proveitosa quando utilizada deforma adequada e sóbria, ou seja, como Paulo fa z aqui, ao apresentar a consideração da infinita munificência de Deus e estimular-nos a render graças. Essa é a legitima fonte da qual devemos extrair nosso conhecimento da misericórdia divina” (João Calvino, Efésios, São Paulo; Paracletos, 1998, (Ef 1.4), p. 26-27).

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PARTE

O b s e r v a ç õ e s in t r o d u t ó r ia s

A predestinação, nas Escrituras e nos tratados teológicos, tem dois sentidos - um amplo ou geral, o outro limitado ou especial. No sentido amplo ou geral, ela significa os decretos de Deus, culminando ou eficientemente, ou permissiva­mente em todos os seres, atos e eventos. O universo, inteligente e não inteli­gente, é seu objeto. E o plano em concordância com o qual Deus cria e governa todos os seres finitos e todas as propriedades e ações. No sentido limitado ou especial, ela significa os decretos de Deus, culminando nos destinos dos seres inteligentes e morais - anjos e homens. Num sentido ainda mais restrito, ela significa os decretos de Deus, culminando nos destinos dos homens. Neste último sentido, considerado como um decreto genérico incluindo sob ela a elei­ção e reprovação como decretos específicos: a primeira predestinando alguns seres humanos, sem levar em conta seu mérito, para a salvação, visando à glorificação da soberana graça de Deus; a segunda preordenando alguns seres humanos, por seu pecado, para a destruição, visando à glorificação da justiça retributiva de Deus.

O desígnio da primeira parte desta discussão é a exposição e defesa das doutrinas calvinistas da eleição e reprovação; levando em conta a referência especial às objeções formuladas contra elas pela teologia evangélica arminiana, a qual será posta à prova e intimada a responder pelas dificuldades inerentes a si. Este exame especial daquela teologia está fundamentado sobre duas bases: primeira, porque se propõe fundar suas provas diretamente sobre as Escrituras, e por essa conta é a mais formidável, como é o mais ousado assaltante do esquema calvinista; segunda, porque há uma demanda em nossos próprios tempos por uma cuidadosa consideração das doutrinas evangélicas arminianas, como diferindo, em algum aspecto, daquelas dos remonstrantes, e como tendo agora suficiente oportunidade de se desenvolver num sistema teológico coerente e peculiar, recomendando os sufrágios de uma grande seção da Igreja de Cristo. A presente escola arminiana coincide precisamente com a doutrina com que outrora alguém que articulasse sua teologia em oposição ao Sínodo de Dort

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poderia considerar como um ofício supérfluo sujeitar seus pontos de vista a um exame particular. O sistema de Wesley e Watson, porém, não é idêntico ao de Episcopus e Limborch; e os tratados polêmicos dos séculos 17 e 18 não são totalmente adaptados a enfrentar as atuais fases da teologia arminiana.

Em adição a estas considerações, merece observar que, no tempo da con­trovérsia remonstrante, os defensores do calvinismo se digladiaram entre os métodos supralapsarianos e infralapsarianos de conceber os decretos divinos. Francis Junius, por exemplo, em sua discussão com Tiago Armínio, sobre a predestinação, tentou vindicar ambos estes modos de visualizar os decretos como reduzíveis à unidade da mesma doutrina. Isto o colocou na desvantagem que foi observada pelos atilados olhos de seu sutil antagonista e empregada contra ele não sem considerável efeito. E, enquanto o Sínodo de Dort era infralapsariano, assim sucedeu que os principais oponentes dos remonsfrantes eram supralapsarianos confessos; como, por exemplo, Gomarus, Voetius, Twisse e Perkins. O resultado natural foi que o tipo de doutrina que os teólogos arminianos se sentiram chamados a atacar era o infralapsariano. Até hoje, as objeções alegadas por Armínio contra a doutrina calvinista dos decretos são principalmente dirigidas confra as teorias supralapsarianas e necessitarianas. Mas é preciso ter em mente que as doutrinas do calvinismo têm sido mais ou menos lançadas no molde do infralapsarianismo. Elas têm tido um desenvolvi­mento definido, segundo aquele tipo, nos formulários simbólicos da Igreja Re­formada e nas obras de teólogos representativos. Isto livra o calvinista do em­baraço resultante da tentativa de defender pontos de vista diferentes e incon­gruentes dos decretos divinos e lhes dá a vantagem de apelarem para os pa­drões calvinistas, como sendo ou implícita ou expUcitamente infralapsariano em suas declarações.

Amiúde, se tem feito aos apologistas calvinistas dos últimos tempos a acu­sação de haverem modificado os aspectos mais severos de seu sistema sob a pressão da confrovérsia. Isto constitui um equívoco. Ela surgiu da persistente determinação dos escritores arminianos de tomar o supralapsarianismo e o necessitarianismo como calvinismo simbólico. Quando, pois, os verdadeiros expoentes do calvinismo defendem seu sistema a partir de outro ponto de vista, são acusados de comprometerem o sistema calvinista. Mas, seguramente, as confissões calvinistas e os pontos de vista da vasta maioria dos doutores calvinistas devem ser construídos, por adversários imparciais, como represen­tantes do sistema. O calvinista que frata as doufrinas wesleyanas arminianas como idênticas às remonstrantes, porventura não seria exposto a um erro cras­so e ofensiva injustiça?

Não se pretende implicar que os arminianos sempre representaram corre­tamente a posição dos supralapsarianos. Ao confrário, a afirmação dos últimos.

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de que Deus destina os homens à punição “por seu pecado”, raramente têm tido a devida consideração da parte dos escritores arminianos. Isto só faz a culpa de injustiça na conduta da controvérsia todo o cinzelador, visto que não só os pontos de vista supralapsarianos, mas também seus equivocados pontos de vista, são atribuídos pela massa dos polemistas arminianos aos calvinistas infralapsarianos.

Nesta discussão se adotará o ponto de vista infralapsariano dos decretos divinos, sob a convicção de que é característico do sistema de doutrina declara­do em todas as confissões calvinistas, que falam definitivamente sobre a ques­tão, e mantido pela grande maioria dos teólogos calvinistas.

O tratamento do tema será distribuído nas seguintes seções: primeira, a doutrina da eleição, expressa e provada; segunda, a doutrina da reprovação, expressa e provada; terceira, respondidas as objeções a estas doutrinas, deri­vadas dos atributos morais de Deus; quarta, respondidas as objeções derivadas da agência moral do homem.

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S e ç ã o 1

D o u t r in a d a e l e iç ã o e x p r e s s a e pr o v a d a

A fim de garantir clareza e prevenir incompreensão com respeito aos resulta­dos envolvidos, fomecer-se-ão afirmações da doutrina da eleição pelas proe­minentes confissões calvinistas, e também represeiitações daquela doutrina das fontes evangélicas arminianas de elevada autoridade. A doutrina calvinista será então analisada em seus elementos constituintes, suas provas bíblicas exibidas e se discutirão as questões entre calvinistas e arminianos evangélicos com res­peito àqueles pontos.

A afirmação da doutrina da eleição pela Confissão Westminster é como segue;

“Pelo decreto de Deus e para a manifestação de sua glória, alguns homens são predestinados para a vida etema.Esses homens assim predestinados são particular e imutavelmente desig­nados; seu número é tão certo e definido, que não pode ser nem aumentado nem diminuído.Segundo seu etemo e imutável propósito, e segundo o santo conselho e beneplácito de sua vontade, antes que o mimdo fosse criado. Deus esco­lheu em Cristo, para a glória etema, os homens que são predestinados para a vida; para o louvor de sua gloriosa graça, ele os escolheu de sua mera e livre graça e amor, e não por previsão de fé, ou de boas obras e perseve­rança nelas, ou de qualquer outra coisa na criatura que a isso o movesse, como condição ou causa.Assim como Deus destinou os eleitos para a glória, assim também, pelo etemo propósito de sua vontade, preordenou todos os meios conducentes a esse fim; os que, portanto, são eleitos, achando-se caídos em Adão, são remidos por Cristo, são eficazmente chamados para a fé em Cristo, por seu Espírito que opera no tempo devido, são justificados, adotados, santificados e guardados por seu poder, por meio da fé salvadora. Além dos eleitos não

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há nenhum outro que seja remido por Cristo, eficazmente chamado, justifi­cado, adotado, santificado e salvo.Segundo o inescrutável conselho de sua própria vontade, pela qual ele con­cede ou recusa misericórdia, como lhe apraz, para a glória de seu soberano poder sobre suas criaturas, para louvor de sua gloriosa justiça, o resto dos homens foi Deus servido não contemplar e ordená-los para a desonra e ira por causa de seus pecados.”'

O Catecismo Maior Westminster reza assim:

“Deus não deixa todos os homens perecerem no estado de pecado e misé­ria, em que caíram pela violação do primeiro pacto, comumente chamado o pacto das obras, mas, simplesmente por seu amor e misericórdia, livra os eleitos desse estado, e os introduz num estado de salvação, pelo segundo pacto, comumente chamado o pacto da graça.O pacto da graça foi feito com Cristo, como o segundo Adão; e, nele, com todos os eleitos, como sua semente.”^

O Breve Catecismo Westminster:

“Tendo Deus, unicamente por sua boa vontade, desde toda a etemidade, eleito alguns para a vida etema, entrou com eles em um pacto de graça, para os livrar do estado de pecado e miséria, e os trazer a um estado de salvação, por meio de um Redentor.”^

O que segue é parte da declaração do Sínodo de Dort:

“Em Deus não está, de forma alguma, a causa ou culpa dessa incredulida­de. O homem tem essa culpa, assim como a de todos os demais pecados. Mas a fé em Jesus Cristo e também a salvação por meio dele são dons gratuitos de Deus.”“Deus nesta vida concede a fé a alguns enquanto não concede a outros. Isto procede do etemo decreto de Deus.”“Esta eleição é o imutável propósito de Deus, pelo qual ele, antes da funda­ção do mundo, escolheu um número grande e definido de pessoas para a salvação, por pura graça. Estas são escolhidas de acordo com o soberano e bom propósito de sua vontade, dentre todo o gênero humano, decaído, por sua própria culpa, de sua integridade original para o pecado e a perdição.

1. Capítulo 3.2. Questões 30, 31.3. Questão 20.

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Os eleitos não são melhores ou mais dignos que os outros, mas envolvidos na mesma miséria. São escolhidos, porém em Cristo, a quem Deus consti­tuiu, desde a etemidade. Mediador e Cabeça de todos os eleitos e funda­mento da salvação. E, para salvá-los por Cristo, Deus decidiu dá-los a ele e efetivamente chamá-los e atraí-los a sua comunhão por meio de sua Pala­vra e de seu Espírito. Em outras palavras, ele decidiu dar-lhes verdadeira fé em Cristo, justificá-los, santificá-los e, depois, tendo-se guardado pode­rosamente na comunhão de seu Filho, finalmente glorificá-los. Deus fez isto para a demonstração de sua misericórdia e para o louvor da riqueza de sua gloriosa graça.”“Esta eleição não é baseada em fé prevista, em obediência de fé, santidade ou qualquer boa qualidade ou disposição, que seria uma causa ou condição previamente requerida ao homem para ser escolhido. Ao contrário, esta eleição é para a fé, a santidade etc. Eleição, portanto, que é a fonte de todos os bens da salvação e, finalmente, a própria vida etema como seu ímto.” .“A verdadeira causa desta eleição graciosa é tão-somente o bom propósito de Deus. Este bom propósito não consiste no fato de que dentre todas as condições possíveis Deus haja escolhido certas qualidades ou ações dos homens como condição para a salvação. Mas este bom propósito consiste no fato de Deus haver adotado certas pessoas dentre a multidão inteira de pecadores para ser sua propriedade.”“Como Deus é supremamente sábio, imutável, onisciente e todo-poderoso, assim sua eleição não pode ser cancelada e depois renovada, nem alterada ou anulada; nem mesmo podem os eleitos ser rejeitados ou o número deles ser diminuído.”'*

A Segunda Confissão Helvética reza assim:

“Deus, desde o princípio, livremente e de sua mera graça, sem qualquer respeito pelos homens, predestinou ou elegeu os santos, a quem salvaria em Cristo.”^

A Confissão Francesa:

“Cremos que desta cormpção e condenação universais, pelas quais por natureza todos os homens estão dominados. Deus libertou e preserva al­guns, os quais, por seu etemo e imutável conselho, de sua própria bondade

4. Cânones de Dort, Artigos 5-11.5. Capítulo 10, HalVs Harm.

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e mercê, sem qxialquer respeito por suas obras, escolheu em Cristo Jesus. ... Pois alguns não são melhores que outros, até aquele tempo em que o Senhor fizer diferença, segundo aquele imutável conselho que ele decretou em Cristo Jesus antes da criação do mundo; tampouco era alguém capaz, por sua própria força, de ter acesso, por si mesmo, àquele bem, visto que, de nossa própria natureza, não podemos ter sequer um movimento, afeto ou pensamento certo até que Deus, graciosamente, nos antecipe, e nos forme para a retidão.”®

A Confissão Belga reza:

“Cremos que Deus, depois que toda a progénie de Adão foi lançada de ponta cabeça na perdição e destruição, por intermédio da culpa do primeiro homem, tem declarado e se mostrado ser aquele que de fato é tanto mise­ricordioso como justo; misericordioso por libertar e salvar da condenação e da morte aqueles a quem, em seu etemo conselho, de seu próprio beneplá­cito, escolheu em Jesus Cristo, nosso Senhor, sem levar em conta, absolu­tamente, suas obras.”''

A Forma Suíça de Acordo {Formula Consensus Helveticd) xeza:

“Antes que os fundamentos do mundo fossem lançados, Deus, em Cristo Jesus, nosso Senhor, formou um propósito etemo, no qual, do mero bene­plácito de sua vontade, sem qualquer previsão do mérito de obras ou de fé, para o louvor de sua gloriosa graça, elegeu um número certo e definido de homens, na mesma massa de cormpção e jazendo num sangue comum, e assim corrompida em pecado, para ser, no tempo, conduzida à salvação através de Cristo, o único Fiador e Mediador, e, pelo mérito do mesmo, pela mui poderosa influência regeneradora do Espírito Santo, para ser eficaz­mente chamada, regenerada e dotada com fé e arrependimento. E assim de fato Deus determinou engrandecer sua glória, que decretou, antes de tudo, criar o homem em integridade, então permitir sua queda e, finalmente, apiedar-se de alguns dentre os caídos, e assim eleger os mesmos.”*

A estas afirmações da doutrina podem-se agregar as das Igrejas Episco­pais britânicas, pela razão de que são, sobre este ponto, explicitamente calvinistas.

O Artigo 17 da Igreja da Inglaterra é como segue:

6. Art. 12, Hall. -7. Art. 16, Hall.8. Can. IV., Niemeyer, p. 731.

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“Predestinação para a vida é o etemo propósito de Deus, pelo qual (antes que os fundamentos do mundo fossem lançados) ele tem constantemente decretado por seu conselho, para nós secreto, livrar da maldição e conde­nação aqueles a quem escolhera em Cristo dentre o gênero humano e os trazer, por meio de Cristo, à salvação etema, como vasos feitos para honra. Por isso são dotados com tão excelente benefício de Deus, são chamados segundo o propósito de Deus, pela operação de seu Espírito no devido tem­po; pela graça obedecem ao chamado; são feitos filhos de Deus por ado­ção; são feitos à imagem de seu unigênito Filho, Jesus Cristo; andam pia­mente nas boas obras; e, por fim, pela mercê de Deus, detêm a felicidade etema.”

O terceiro artigo da Igreja da Irlanda contém estas palavras: “Pelo mesmo conselho etemo. Deus predestinou alguns para a vida e reprovou outros para a morte; de ambos estes há um número definido, conhecido somente de Deus, que não pode ser aumentado nem diminuído.”®

“Predestinação para a vida é o etemo propósito de Deus pelo qual, antes que os fundamentos do mundo fossem lançados, ele tem constantemente de­cretado em seu conselho secreto libertar da maldição e condenação aqueles a quem escolhera em Cristo dentre a humanidade e conduzi-los por Cristo à salvação etema, como vasos feitos para honra.”'®

“A causa quejnoveu Deus a predestinar para a vida não é a previsão de fé, ou arrependimento, ou boas obras, ou qualquer outra coisa que porventura es­teja na pessoa predestinada, mas tão-somente o beneplácito de Deus mesmo." Pois todas as coisas, sendo ordenadas para a manifestação de sua glória, e sua glória sendo manifesta tanto nas obras de sua mercê quanto em sua justiça, pareceu bem à sua sabedoria celestial escolher certo número, para o qual ele estenderia sua imerecida mercê, deixando os demais como espetáculos de sua justiça.”

“Os que são predestinados para a vida são chamados segundo o propósito de Deus (seu Espírito operando no devido tempo), e pela graça obedecem ao chamado, são graciosamente justificados, são feitos filhos de Deus por adoção, são feitos a imagem de seu unigênito Filho, Jesus Cristo, andam piamente nas boas obras e, por fim, pela mercê de Deus, detêm a felicidade etema.”’

Havendo assim dado suficientemente a doutrina do calvinismo com respei­to à eleição, prossigo fomecendo a do arminianismo evangélico. Na ausência

9. Idêntico aos Artigos de Lambeth.10. Igual ao Artigo inglês.11. Igual ao Artigo de Lamberth.12. Quase idêntico ao Artigo inglês.

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de quaisquer artigos simbólicos nos quais os pontos de vista dos arminianos evangélicos no tocante à doutrina da eleição se acham incorporados,'^ deve-se fazer referência às afirmações dos que são aceitos por eles como teólogos representativos.

João Wesley assim fala:

“A Escritura nos ensina claramente o que é a predestinação: É a preor- denação divina dos crentes obedientes para a salvação, não de fora, mas ‘segundo sua presciência’ de todas as suas obras ‘desde a fimdação do mundo’. ... Podemos considerar isto um pouco mais. Deus, desde a funda­ção do mundo, conheceu de antemão todo o crer ou o não crer dos homens. E, de acordo com esta sua presciência, ele escolheu ou elegeu todos os crentes obedientes, como tais, para a salvação.”“Deus chamou a Abraão ‘pai de muitas nações’, embora não o fosse na­quele tempo. Chamou Cristo ‘o Cordeiro morto desde a fundação do mun­do’, ainda que não fosse morto até que fosse homem na came. Mesmo assim, ele chamou os homens ‘eleitos desde a fundação do mundo’, ainda que não fossem eleitos até que fossem homens na came. Todavia, é tado assim diante de Deus que, conhecendo todas as coisas desde a etemidade, ‘chamou as coisas que existem quando ainda não existiam’.”“Por amor à clareza, como Cristo foi chamado ‘o Cordeiro morto desde a fundação do mundo’, e, no entanto, não morto até alguns milhares de anos depois, até o dia de sua morte, assim também os homens são chamados ‘eleitos desde a fundação do mundo’, e todavia não eleitos, quem sabe, até alguns milhares de anos depois, até o dia de sua conversão a Deus.”“Se os eleitos são escolhidos através da santificação do Espírito, então não foram escolhidos antes que fossem santificados pelo Espírito. Mas não foram santificados antes que tivessem existência. É claro, pois, que não foram escolhidos desde a fundação do mundo. Deus, porém, ‘chama as coisas que não existem como se 0 fossem’.” .“Se os santos são escolhidos para a salvação, pelo crer na verdade... não foram escolhidos antes que cressem; muito menos antes que tivessem exis­tência. Portanto, fica claro que não foram eleitos até que cressem, embora Deus “chame as coisas que não existem como se existissem.”“Fica claro que o ato de eleger é no tempo, ainda que conhecido de Deus de antemão; que, segundo sua presciência, às vezes fala das coisas ‘que não são como se o fossem’. E assim se remove a grande pedra de tropeço

13. Nos 35 artigos da Igreja Metodista Episcopal nos Estados Unidos, omite-se o tópico da eleição.

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sobre a eleição, para que os homens ‘façam firmes sua vocação e elei­ção’.

Em outro lugar, Wesley diz: “Porventura a Escritura não fala da eleição?... por isso você não pode negar que haja tal coisa chamada eleição. E se existe, o que você quer dizer com isso?”

“Eu Uio direi com toda clareza e simplicidade. Comumente eu creio que significa uma destas duas coisas: primeira, uma designação divina de alguns homens particulares para alguma obra particular no mundo. E creio que esta eleição não é apenas pessoal, mas absoluta e incondicional.”

“Creio que a eleição significa, em segundo lugar, uma designação divina de alguns homens para a felicidade etema. Creio, porém, que esta eleição é con­dicional, bem como a reprovação que se lhe opõe. Creio que o decreto etemo concemente a ambas é expresso nestas palavras; ‘Aquele que crê será salvo; aquele que não crê será condenado’. E este decreto, sem dúvida. Deus não mudará e o homem não pode resistir. De acordo com isto, todos os verdadeiros crentes são na Escritura chamados eleitos.”

“Deus chama os verdadeiros crentes ‘eleitos desde a fundação do mundo’, embora não fossem realmente eleitos ou crentes até muitos séculos depois, em suas diversas gerações. Então só ocorreu que fossem realmente eleitos quando foram feitos ‘filhos de Deus pela fé’.”

“Creio nesta eleição tão firmemente como creio ser a Escritura de Deus. Porém não posso crer em eleição incondicional; não só porque não posso encontrá-la na Escritura, mas também (para renunciar todas as demais consi­derações) porque necessariamente implica reprovação incondicional. Encon­tre-se qualquer eleição que não implique reprovação, e de bom grado concor­darei com ela. Com reprovação, porém, nunca posso concordar, muito embora eu creia que a Escritura é de Deus, como sendo completamente irreconciliável com todo o escopo do Antigo e do Novo Testamentos.”'

“O que você quer dizer pela palavra eleição? Quero dizer isto; Deus de­cretou, desde o princípio, eleger ou escolher (em Cristo) todos os que cressem para a salvação.”'®

“Graça irresistível e perseverança infalível são a consequência natural do

14. Estes extratos são extraídos do tratado de Wesley intitulado The Scripture Doctrine concerning Predestination, Election and Reprobation. Worics, vol. ix., pp. 421, 422, Nova York, Ed., 1827. Ele é incorporado nos Tracts Doctinal, publicados por ordem da Conferência Geral da Igreja Metodista Episcopal.

15. Works, vol. 9, pp. 381, 382, Nova York, 1827: Predestination Calmly Considered, uma parte dos Tracts Doctrinal já mencionados.

16. Ibid., p. 435: Dialogue, etc.

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primeiro - o decreto incondicional. De modo que, com efeito, as três questões redundam em uma só: A predestinação é absoluta ou condicional? Os arminianos creem que é condicional.”'

Richard Watson distribui assim o tema da eleição: “De uma eleição divina, ou escolha e separação dos demais, temos estes três tipos mencionados nas Escrituras. (1) A eleição é de indivíduos para realizarem algum serviço particu­lar e especial. (2) A eleição que encontramos na Escritura é a eleição de na­ções ou agremiações de pessoas para privilégios religiosos eminentes, e a fim de realizarem, por sua iluminação superior, os misericordiosos propósitos de Deus, beneficiando outras nações ou agremiações de pessoas. (3) A eleição é pessoal; ou eleição de indivíduos para que sejam filhos de Deus e herdeiros da vida etema.”'®

Com respeito ao último aspecto da eleição mencionado - aquele que está em disputa - , ele diz: “O que é a eleição pessoal, encontramos explanada em duas passagens claras da Escritura. E explanada negativamente por nosso Se­nhor, onde ele diz a seus discípulos: ‘Eu vos escolhi do mundo’; é explanada positivamente por Pedro, quando dirige sua Primeira Epístola aos ‘eleitos, se­gundo a presciência de Deus o Pai, pela santificação do Espírito, para obediên­cia e aspersão do sangue de Jesus’. Ser eleito, portanto, é-ser separado ‘do mundo’ e ser santificado pelo Espírito e pelo sangue de Cristo.”

“Segue-se, pois, que a eleição é não só um ato de Deus feito no tempo, mas também é subsequente à administração dos meios de salvação. A ‘voca­ção’ vai adiante da ‘eleição’; a publicação da doutrina ‘do Espírito’, e a expia­ção, chamada por Pedro ‘a aspersão do sangue de C risto’, antes da ‘santificação’, por meio da qual se tomam ‘os eleitos’ de Deus. A doutrina da eleição etema é assim trazida ao seu verdadeiro significado. Eleição factual não pode ser etema; porque, desde a etemidade, os eleitos não foram realmen­te escolhidos do mundo, e desde a etemidade não poderiam ser ‘santificados para obediência’. As frases ‘eleição etema’ e ‘decreto etemo da eleição’, tão frequentes nos lábios dos calvinistas, podem, portanto, em sentido comum, sig­nificar apenas um propósito etemo de eleger; ou um propósito formado na eternidade de eleger ou escolher do mundo, e santificar no tempo, ‘pelo Espí­rito e o sangue de Jesus’. Eis uma doutrina contra a qual ninguém contenderá; mas quando lhe enxertamos outra, que Deus, desde a etemidade, ‘escolheu em Cristo, para a salvação’, certo número de homens, "certam quorundam hominum multitudinem’ - não em previsão de fé e obediência de fé, santidade, ou qualquer oufra boa qualidade ou disposição (como causa ou condição antes

11. Ibid., p. 475: Whal is an Anninian? Answered.18. Theol. Institutes, vol. ii., pp. 307, 308, 337, Nova York, 1840.

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requerida no homem a ser escolhido); e sim para fé e obediência de fé, santida­de etc., ‘non ex prcevisa fide, fideique obedientia, sanctitate, aut alia aliqua bona qualitate et dispositione’ etc. (Julgamento do Sínodo de Dort), se apre­senta sob um diferente aspecto e requer um apelo para a Palavra de Deus.”’®

Sem definição adicional de seu próprio ponto de vista, Watson prossegue argumentando contra a doutrina calvinista.

O Dr. Ralston adota a tríplice distribuição da eleição feita por Watson - de indivíduos para ofício, de comvmidades para privilégios religiosos, de indivíduos para a vida etema. Com respeito ao último tipo, ele diz: “Que a eleição deste tipo pessoal e individual é amiúde aludida nas Escrituras, é admitido por arminianos tanto quanto por calvinistas; mas a grande questão em disputa se relaciona com o sentido em que o tema deve ser entendido. Os calvinistas dizem que esta eleição é ‘desde a etemidade’; isto os arminianos negam, exceto na medida em que a presciência ou propósito de Deus em eleger esteja embu­tido na eleição.” “

Até aqui temos seu ponto de vista quanto à origem temporal da eleição. Quanto à sua condicionalidade, ele diz assim: “Antes que a eleição em questão possa existir, deve haver uma diferença real nos objetos ou pessoas concemen- tes às quais se faz a escolha. Mesmo uma criatura inteligente não pode fazer nenhuma escolha onde não existe diferença pressuposta; e porventura pode­mos presumir que o Deus infinito agirá de uma maneira que seria justamente considerada cegã e irracional no homem? O pensamento é inadmissível. Se Deus seleciona, ou escolhe alguns homens para a vida etema, e rejeita outros, como todos admitem ser um fato, deve haver uma boa e suficiente razão para esta eleição.”

Ora, qual seria esta razão? Ele responde: “Portanto, chegamos à conclusão de que, por mais que os ensinos do calvinismo sejam diferentes, se um homem é eleito para a vida etema, e outro consignado para a perdição, isso não é o resultado de uma parcialidade arbitrária, caprichosa e irracional, mas concorda com a razão, a equidade e ajustiça, e é uma gloriosa demonstração da harmo­niosa perfeição de Deus. E porque um é bom e o outro, mau; um é justo e o outro, injusto; um é crente e o outro, incrédulo; ou um é obediente e o outro, rebelde. Estas são as distinções que a razão, a justiça e a Escritura reconhe­cem; e podemos descansar seguros de que estas são as únicas distinções que Deus considera ao eleger seu povo para a glória, e sentenciar os perversos para a perdição.” ’

19. Ihid., vol. ii., p. 338.20. Elements o f Divinity, p. 289, Nashville, Tenn., 1882. Esta obra está editada pelo Dr. T. O.

Stimmers, e publicada pela Southern Methodist Publishing House.21. Ibid., pp. 291, 292, 193. '

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O Dr. Miner Raymond, Professor em Garrett Biblical Institute, Illinois, em sua teologia sistemática concorda com a tríplice distribuição da eleição já indicada, porém difere dos escritores que foram citados com respeito ao fim para o qual indivíduos são salvificamente eleitos. Para eles, esse fim é a vida etema; e para ele, uma salvação contingente. Segundo eles, a eleição, sendo condicional à previsão de perseverança na fé e santidade até o fim da vida, termina numa garantida felicidade no céu; segundo ele, a eleição, sendo condicional à previ­são e simplesmente a uma perseverança contingente na fé e santidade, termina apenas numa salvação contingente. A eleição não é para a vida etema, e sim para a contingente herança da vida etema. Ouçamos ele mesmo falando:

“Um terceiro uso dos termos eleitos, elegidos, chamados, escolhidos, e outros termos de teor semelhante, se encontra nas Escrituras. ‘Muitos são chamados, mas poucos escolhidos.’ ‘Eleitos segundo a presciência de Deus Pai, pela santificação do Espírito, para a obediência e aspersão do sangue de Jesus.’” Aqui, evidentemente, a escolha é após a vocação - isto é, é um ato feito no tempo. A eleição é por meio de e através da santificação do Espírito; isto é, é uma eleição, uma escolha dentre o mundo, uma separação do mundo, mediante a regeneração, conversão, novo nascimento; numa palavra, quando Deus justifica um pecador, regenera sua natureza, o adota conKvfilho de Deus, 0 faz herdeiro da vida etema, então e ali, o separa do mundo - o elege para ser filho e herdeiro da vida etema. O pecador, por meio desta eleição, se toma santo, uma pessoa eleita, e amiúde assim chamada nas Escrituras.

“Esta eleição é quase'universalmente expressa como condicionada ao ar­rependimento para com Deus e fé em nosso Senhor Jesus Cristo; e se, em quaisquer passagens, a condição não é especificamente mencionada, é clara­mente implícita. Se, em qualquer sentido, esta eleição é etema, ela o é somente no propósito do Ser divino de eleger; e, como a própria eleição é condicionada à fé, segue-se que o propósito eterno de eleger estava baseado nessa fé prevista.”

“Os homens podem desprezar o Espírito da graça pelo qual têm sido santi­ficados. Até que a provação termine, o destino final é uma contingência. Ne­nhuma das duas etemidades opostas é possível, e a questão é decidida nunca por qualquer coisa extema ao próprio homem, mas por sua própria livre esco­lha, ajudado pela graça de Deus.”^

É necessário agregar que este escritor faz da regeneração uma obra, con­juntamente operada pela agência divina e humana, e mantém que, na ordem dos pensamentos, o arrependimento precede a fé e esta precede a regenera­ção. A questão sendo esta: Quais são as condições da salvação? Eis sua res-

22. Vol. ii-, pp. 420, 423.

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posta - e ela merece especial nota como indicativa dos desenvolvimentos da teologia evangélica arminiana: “Que a salvação está condicionada ao arrepen­dimento do homem, e à cooperação da fé, está implícito em todos os manda­mentos, preceitos, exortações, admoestações, súplicas, promessas e persua­sões da Palavra de Deus; e tais passagens, como a seguinte, equivalem a mna afirmação direta de que o homem determina a questão de sua salvação: ‘O que crê será salvo; o que, porém, não crê será condenado

Pode-se indagar por que Fletcher não foi intimado como testemunha. A razão é que a definição que ele dá de eleição, como pertinente á salvação individual, parece ser algo um tanto peculiar a ele mesmo. Ele a representa como sendo de duas espécies: uma, eleição para a salvação inicial, comunican­do uma redenção temporária - a qual é incondicional; a outra, eleição para a salvação etema - a qual é condicionada ao arrependimento do crente até o final do dia da salvação inicial “Cremos”, diz ele, “que Jesus Cristo morreu por toda a raça humana, primeiramente com a intenção de granjear absoluta e incondicionalmente uma redenção temporária, ou uma salvação inicial por to­dos os homens universalmente; e, em segundo lugar, para granjear uma reden­ção particular, ou uma salvação etema condicionalmente por todos os homens, porém absolutamente por todos os que morrem em sua infância, e por todos os adultos que o obedecem e são fiéis até a morte.” A declaração é excêntrica e um tanto confirsa, porém concorda substancialmente com aquelas que foram fomecidas. -

Uma vez fornecidas as declarações das doutrinas calvinistas e dos arminianos evangélicos sobre a eleição, abre-se uma via para uma análise da doutrina calvinista em seus elementos componentes, e a exibição das provas bíblicas sobre as quais são fundados.

Ela pode ser reduzida nos seguintes elementos: primeiro, seu autor ou cau­sa eficiente; segundo, seu objeto, em geral; terceiro, seus objetos, em particu­lar; quarto, seu fim ou causa final; quinto, sua origem; sexto, o amor que ela envolve; e, sétimo, sua base ou razão. Adota-se esta ordem de declaração não por ela ser considerada a mais lógica, mas porque é desejável considerar por último os aspectos do tema em questão ao calvinista e arminiano evangélico que principalmente travam debate.

Antes que estes pontos sejam considerados, é oportuno concluir que nesta discussão não há notificação de uma ordem de tempo, como existente na rela­ção mútua dos decretos divinos. A intenção é que um esteja em ordem para com o outro, neste sentido: que um seja pressuposto pelo outro. O decreto, por exemplo, de permitir a queda está na ordem ou é pressuposto pelo decreto de

23. Ibid., pp. 358, 359.

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prover redenção para os pecadores. Negar tal ordem como esta, só porque parece conflitar com a simplicidade e imutabilidade de um Ser Infinito, eqüivale rejeitar toda a diferença e distinção entre os atos de Deus, e reduzir todas as suas perfeições à imidade absoluta de sua essência; e isso seria subverter a doutrina da própria Trindade. Somos obrigados a conceber uma ordem de pen­samento ou natureza como existente nos decretos divinos. “O que os douto­res”, diz o Diretor Edwards, “pretendem por anterior e posterior na atividade dos decretos de Deus não é que um venha antes do outro na ordem de tempo, pois todos são desde a etemidade; mas que devemos conceber a visão ou consideração de um decreto vir antes do outro, conquanto Deus decreta uma coisa em razão da consideração para com o outro decreto que ele fez; de modo que um decreto deve ser concebido em como, em algum sentido, é ele a base do outro, ou que Deus decreta imi por causa do outro; ou que não teria decre­tado um, não houvera decretado o outro.” '* Então segue um argumento no qual Edwards endossa poderosamente este ponto de vista. “Enquanto”, observa o Dr. Thomwell sobre o mesmo tema, “devido à simplicidade e etemidade da natureza divina, não se pode conceber em Deus uma sucessão de tempo, nem, consequentemente, decretos vários e sucessivos, contudo podemos com razão falar de seus decretos como anteriores ou posteriores^ em. questão de natureza.”^

“A questão”, nota o mesmo escritor em outro lugar, “concemente ã ordem dos decretos divinos envolve algo mais que uma questão de método lógico. Na realidade, é uma questão da máxima significância moral. A ordem de uma coisa mui frequentemente determina sua justiça e equidade. Convicção e propensão são partes do mesmo processo, porém é algo mais que uma questão de arranjo, se um homem será indeciso antes de ser convencido.” ®

Correspondendo a esta ordem nos decretos, devemos conceber também uma ordem nos exercícios e modos das perfeições divinas - um não de tempo, mas de pensamento; isto é, o exercício de uma perfeição divina é pressuposto por oufro modo da mesma perfeição. As concepções da inteligência divina, por exemplo, devem ser consideradas como em ordem com os exercícios da justiça e amor divinos e os atos da vontade divina. A visão que Deus assumiu do homem antes da queda, do homem após a queda e do homem a ser redimido, estava em ordem com aqueles exercícios de justiça e amor, e aquelas determi­nações da vontade, que se relacionavam com o homem naquelas respectivas condições. Assim também, por exemplo, a perfeição infrínseca do amor divino é uma só, porém pode existir em diferentes modos, uma delas sendo pressupos-

24. Misc. Observations concerning Divine Decrees and Section, § 58.25. Coll. Weitings, voL ii. p. 124.26. Ibid., vol. ii. p. 20.

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ta pela outra. A benevolência de Deus para com as criaturas de Seu poder é pressuposta por aquele amor peculiar que Ele tem por seus objetos, os quais são redimidos por seu amado Filho e unidos a Ele pela graça de seu Espírito.

Não se pretende dizer que um modo precede o outro que numa ordem de tempo não existia previamente. Os modos do amor divino são co-etemos, e seus objetos apropriados existiram etemamente diante da mente divina. Quan­do os objetos são concretamente trazidos à existência, não ocorre nenhuma modificação do amor de Deus. Há apenas uma nova manifestação de Seu amor que existiu etemamente. E, embora o tema seja confessadamente difícil, não consigo ver razão justa para presumir-se que uma nova manifestação do amor seja equivalente a uma nova modificação desse atributo. Pode-se questi­onar se não é necessário pressupor uma nova modificação da vontade divina, envolvida na determinação de efetuar uma manifestação do amor que não foi feita previamente. Mas isso foi feito para que - o que não estou preparado para admitir como além de dúvida - a imutabihdade do amor divino, mesmo quanto a seus modos, não fosse desaprovada, a menos que se pudesse mostrar conclu­sivamente que o amor de Deus é um e o mesmo com Sua vontade considerada como determinante. É possível que alguém pense ser impossível, não obstante0 fato de que alguns teólogos eminentes, sob a influência da antiga distribuição escolástica dos poderes mentais na inteligência e vontade, têm se expressado em favor da identidade do amor divino e da vontade divina mesmo em seus atos. O ponto de-vista que nega uma ordem da natureza nos decretos divinos e os exercícios das perfeições divinas, com base na simplicidade e imutabilidade do Ser divino, não pode ajustar-se às nossas convicções da distinção entre inteligência e vontade, entre justiça e misericórdia, entre benevolência e com­placência. O resultado seria a substância infinita e impessoal do panteísta, se manifestando em conformidade com uma lei de necessidade cega. E, no entan­to, ele é compelido pelos fatos patentes da observação a admitir que esta subs­tância impessoal se expressa diversamente nas incontáveis diferenças da exis­tência finita. Mas o argumento não é com o panteísta; ele jaz dentro dos limites do teísmo cristão. Basta ressaltar o fato de que aqueles teólogos que fimdem o amor divino nos atos da vontade divina não hesitam em afirmar uma diferença entre a inteligência e a vontade em Deus. Tampouco negariam que a concep­ção de fins pela sabedoria divina está pressuposta por e está para as determi­nações específicas da vontade divina. Não é depreciação da glória do Deus sempre bendito dizer que um decreto está para o outro, ou que o exercício de uma perfeição está para o exercício de outra. Com estas cautelas preliminares prossigo para desenvolver as provas da eleição.

1. O Autor ou Causa Eficiente da Eleição - Deus. Isto responde á pergunta: Quem elege?

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Efésios 1.4: “Assim como nos escolheu, nele” - isto é, assim como Deus o Pai nos escolheu em Cristo. Este significado das palavras é determinado pelo versículo imediatamente precedente: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de benção espiritual nas regiões celestiais em Cristo.” A doutrina aqui ensinada é que Deus o Pai, como representante da Trindade, é o Autor do decreto eletivo. De seu seio emanou o plano redentivo.

2 Tessalonicenses 2.13: “Entretanto, devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados pelo Senhor, porque Deus vos escolheu desde o princí­pio para a salvação, pela santificação do Espírito e fé na verdade.”

1 Tessalonicenses 5.9: “Porque Deus não nos destinou para a ira, mas para alcançar a salvação mediante nosso Senhor Jesus Cristo.”

Estas passagens são suficientes para provar, além de qualquer dúvida, que Deus, e tão-somente Deus, é o Autor ou a causa eficiente da eleição. O arminiano evangélico professa reconhecer isto, não só com respeito à eleição de comunidades para privilégios peculiares, mas também a de indivíduos para a salvação. Mas, se for verdade que, segundo seu sistema, a vontade do homem é a causa última e determinante de sua escolha da salvação, então se segue inevitavelmente que o homem, e não Deus, é a causa eficiente da eleição. Queo homem determina a questão de sua salvação, já vimos, por uma citação de sua teologia sistemática, a qual o Dr. Miner Raymon insere expressamente.^^ Mas se isto for considerado como uma opinião individual que não pode ser tida como representativa do sistema, tentarei, na sequência do argumento sob outro tópico, provar que o que ele candidamente confessa é o resultado lógico dos princípios que ele mantém em comum com sua escola. E a prova a ser judici­osamente exibida se evidenciará: que a teologia evangélica arminiana tropeça no próprio limiar da doutrina bíblica da eleição. Uma coisa é dizer que Deus é o Autor de um plano de redenção, envolvendo a realização de uma expiação universal e a concessão da graça universal; outra bem diferente é dizer que Ele é Autor da eleição de pecadores para a salvação. O arminiano confessa a primeira; a segunda ele se vê obrigado a negar.

2. O objeto, em geral, da eleição - o homem considerado apóstata e arruinado. Isto responde á pergunta: em que a eleição terminou?

Romanos 5.8: “Mas Deus prova seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores.”

Efésios 1.4: “Assim como nos escolheu, nele [i.e.. Cristo], antes da funda­ção do mundo.”

27. A mesma asseveração é distintamente feita pelo Dn James Strong, em seu artigo sobre o arminianismo (Wesle)Tio), no Schaff-Herzog Cyclopsedia.

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Ezequiel 16.6: “Passando eu por junto de ti, te vi a revolver-te em teu san­gue, e te disse: Ainda que estás em teu sangue, vive; sim, ainda que estás em teu sangue, vive.”

Romanos 9.21: “Ou não tem o oleiro direito sobre a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e outro, para desonra?”

Sobre este ponto, a questão é entre os supralapsarianos e os infralapsarianos. Alguns denfre os primeiros afirmam que no decreto da eleição o homem foi visualizado como criado, porém não apostatado. Os sublapsarianos afirmam que naquele decreto o homem foi considerado como apóstata e corrupto. Em favor da doufrina infralapsariana, apresento:

2.1. O argumento bíblico.Na passagem citada do quinto capítulo de Romanos, o apóstolo está fratando

da segurança dos que são justificados mediante a fé em Cristo. Seu argumento é exfraído do amor de Deus para com eles. O amor eletivo de Deus, havendo sido etemamente lançado sobre eles vistos como pecadores, e, portanto, merecedores do mal, não teve por base nem foi condicionado por alguma boa qualidade ou ato previsto que lhes fosse pertinente, mas emanou graciosamente de seu seio e, à luz da natureza da questão, não pode mudar em consequência da mutabilidade de seus objetos. Havendo-os amado, considerados simplesmente como pecadores ímpios. Ele não pode deixar de amá-los, contemplados como reconciliados com Ele pela morte de^Seu Filho. É evidente que a passagem ensina que o objeto da eleição era o homem visto como apostatado e pecaminoso.

Quando, na passagem exfraída do primeiro capítulo de Efésios, o apóstolo declara que os crentes foram escolhidos em Cristo antes da fundação do mun­do, sua intenção é dizer que foram eleitos para ser redimidos por Cristo, desig­nado como seu Mediador e Cabeça Federal; e, portanto, está necessariamente implícito que, quando eleitos, foram concebidos como amiinados pelo pecado.

Na passagem gráfica citada do capítulo 16 de Ezequiel, Deus, sob a figura de uma criança maculada, desertada, desamparada, representa o objeto de seu amor eletivo como estando num estado de pecado e miséria. A descrição não pode ter referência á execução do propósito eletivo na vocação eficaz, pois a razão palpável que logo após apresenta como terminando na mesma criança, quando atingisse a idade nupcial. E curioso que na tentativa de fazer esta e oufras afirmações da Escritura referentes á execução temporal do propósito eletivo, 0 grande supralapsariano Dr. Twisse e os arminianos são unânimes enfre si. Os extremos se enconfram. A companhia é dificilmente crível para o calvinista professo.

Na célebre passagem do nono capítulo de Romanos, a grande “maioria” faz referência à massa apostatada e cormpta da humanidade, porque:

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Primeiro, a misericórdia divina, de sua própria natureza, não pode terminar em qualquer outro senão no objeto merecedor do mal e miserável. Os que são escolhidos da massa são denominados “vasos de misericórdia”. A misericórdia se propõe salvar seus objetos, e ninguém pode ser considerado suscetível à salvação senão os que são pecadores e arruinados.

Segundo, a massa é aquela da qual lemos que Jacó foi tomado; e é eviden­te que ele pertenceu à massa apóstata e corrupta da humanidade. Que Esaú e Jacó são declarados como não havendo feito nada de bom nem de mal, isso não pode ser provado como se referindo à sua eleição simplesmente como homens criáveis, ou à parte de serem eles contemplados como pecadores. Evidente­mente, o significado é, se julgamos, ã luz da analogia da passagem, que o ato de Deus preferir um ao outro não foi condicionado ao seu conhecimento de uma distinção entre seus personagens. Considerando a ambos como pertencentes a uma raça pecaminosa, e, consequentemente, ambos condenados, Ele elegeu a Jacó e passou por alto a Esaú. Ao eleger um e rejeitar o outro, Ele não levou em conta suas “obras”, isto é, suas virtudes ou pecados conscientes e especiais. Ambos foram vistos como apostatados e condenados em Adão. Este é o ponto de vista de Calvino;^® e isso prova que ele teria sido infi^alapsariano.

Terceiro, Esaú e os demais réprobos são chamados “râsos de ira”. Ira, porém, é o exercício da justiça retributiva para com os culpados. Ela pressupõe0 caráter pecaminoso dos objetos em quem ela se aplica. Demais, lemos que são “preparados para a destruição”. Ora, ou foram preparados para contrair culpa, destinados á destriiição, ou foram preparados para a destruição em con­sequência da culpa. Caso se pressuponha a primeira altemativa, eles não são os objetos de punição justa. A suposição é impossível. Se verdadeira é a segun­da, então são considerados no decreto de Deus como pecadores dignos de punição. Este é o ponto de vista genuíno.

Outro argumento que pode ser aduzido é que as Escrituras “representam a vocação como a expressão da eleição - a primeira prova articulada dela. Mas a vocação é a partir de um estado de pecado e miséria. Portanto, a eleição deve referir-se á mesma condição. Lemos que somos “escolhidos dentre o mundo”2‘*

Também merece nota que os supralapsarianos confundem os sentidos mais amplos e os mais estreitos da predestinação, ambos os quais são empregados na Escritura. No mais amplo, significa o propósito ou determinação geral de Deus em relação a todas as coisas atuais. No mais estreito, significa a designa­ção de certos seres definidos - seres humanos - para a salvação ou destmi-

28. Comentário sobre Romanos, capítulo 9.29. Thoriiwell, Coll. Writings, vol. ii. p. 25.

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ção. É manifesto que o decreto particular da eleição ou da reprovação é dife­rente do decreto geral pelo qual todas as coisas são trazidas à existência. A ordem, pois, é; o decreto de criar ou trazer à existência. Isto estabelece a presciência sobre os seres existentes.

Ora, esta presciência que pressupõe o decreto de trazer à existência, por seu turno, na ordem do pensamento, precede a eleição e a reprovação - o decreto especial da predestinação. Então a presciência da salvação ou destrui­ção concreta dos homens pressupõe sua eleição ou reprovação. O decreto geral da predestinação - presciência geral; decreto da predestinação - pres­ciência geral, a qual eu concebo como sendo a ordem indicada na Escritura. O supralapsarianismo confunde o decreto especial com o geral. A distinção é indispensável a um correto entendimento das Escrituras.

Estes argumentos especiais são reforçados e confirmados pela doutrina geral das Escrituras de que Deus não é o Autor do pecado, e sim seu justo punidor. Pois, o supralapsariano falha em amenizar seu ponto de vista da con­sequência de que ele implica a eficiência divina na produção do pecado, pelas distinções que ele faz - a saber, que, enquanto Deus é o produtor do ato peca­minoso como uma entidade e, portanto, algo bom. Ele não produz a qualidade pecaminosa inerente ao ato; e que Deus não é a causa eficiente do pecado, posto que o pecado em si não é algo positivo requerendo um eficiente, mas meramente a privação de uma qualidade boa e, portanto, supondo apenas uma causa deficiente. Por mais antigas que sejam estas distinções, e por mais vene­ráveis sejam os nomes pelos quais são endossadas, são passíveis da acusação de depreciar a enormidade criminosa do pecado e de ameaçar reduzi-la a uma mera imperfeição inerente à criação da criatura finita.^®

2.2. O argumento metafísico.“A teoria supralapsariana”, diz o Dr. Charles Hodge, “parece envolver uma

contradição. De um non-em (uma coisa não existente), no dizer de Turretin, nada pode ser determinado. O propósito de salvar ou condenar, necessaria­mente deve, na ordem do pensamento, seguir o propósito de criar.” “A teoria”, diz o Dr. Thomwell, “que faz o decreto a respeito do homem vir antes da queda, ainda não em existência, mas apenas como capaz de ambos, faz o decreto terminar num objeto que, em relação a ele, é um não-ser. Faz o decreto envol­ver uma contradição palpável.”

Antes de tudo há a concepção na mente divina de todos os seres possíveis.O argumento da futurição, a existência atual, de alguns desses seres possíveis- agora não falo dos atos dos seres - dependeria da determinação de Deus de

30. Veja-se Freed, of the Will em sua Theo. Relations, na So. Pres. Review, para uma discussão dessas distinções.

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reduzi-los da categoria do possível àquela do concreto. Sem tal decreto, como ele poderia conhecê-los tão certo como seriam? E se não os conhecesse como existentes, como poderia determinar algo com respeito a eles como existente? Não conhecidos como existentes, estariam além do alcance de qualquer predicação, salvo a de probabilidade. A teoria supralapsariana confunde a con­cepção do possível com a do concreto. Se há tal decreto como se afirma, então, da natureza da questão, terminaria na mera possibilidade - seres possíveis se­riam seus objetos. Deus é representado como decretando salvar ou condenar seres que são concebidos como in posse, não in esse, e que por isso não podem ser concebidos como culpados e arruinados. Sejam quais forem as qua­lidades concebidas como lhes sendo inerentes, teriam sido concebidas como qualidades possíveis, pois qualidades concretas não podem ser concebidas como inerentes em seres meramente possíveis. Ora, há predicação de qualidades concretas necessariamente envolvidas no decreto de salvar ou de condenar É verdade que o decreto de criar termina na possibilidade, porém não envolve a contradição de pressupor qualidades concretas como inerentes em entidades apenas possíveis. Seu próprio desígnio é pôr o possível numa condição em que pode ser capaz de atribuição, e, portanto, de destinação moral. Suponhamos, com o supralapsariano, que antes de tudo Deus decretou glorificar Sua graça e Sua justiça. Haveria seres através dos quais tal glorificação seria efetuada. Ora, que sorte de seres Deus predestina a tal fim? Seres possíveis, replica ele. Então são seres possíveis predestinados a um céu real e a um infemo real? Reiterando, ele afirma que os homens são predestinados para a condenação por seu pecado. Que sorte de pecado? O pecado possível de homens possí­veis? Porventura não é evidente que a concepção de homens concretos e pe­cado concreto é pressuposta num decreto que os sentencia à salvação real e à condenação real? Mas isso implica o decreto de criar como pressuposto pelo decreto de predestinar para a salvação ou para a destmição. Além do mais, não pode haver distinção de pecado e santidade em seres meramente possíveis. Tal distinção se toma possível somente pelo decreto de criar. Quando são criados, os seres podem permanecer santos ou cair em pecado. Como esta distinção condiciona a possibilidade de um decreto de predestinar para a salvação ou para a condenação, o decreto de criar deveria, na ordem do pensamento, pre­ceder 0 decreto de eleger ou de rejeitar.

A máxima, “O que é último na execução é primeiro na intenção”, a qual os supralapsarianos insistem em favor de seu esquema, não pode ser provada como a reter o plano pelo qual Deus desenvolve seus propósitos. Tal plano não parece envolver uma série subordinada, e sim uma coordenada - isto é, uma em que as partes se relacionam entre si como condições, porém não como meios para fins. Criação, Queda, Redenção são partes coordenadas do grande

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plano de Deus, cada uma tendo sua própria significação peculiar, resultante de sua própria adaptação peculiar para manifestar a glória divina através da ilus­tração de certas perfeições divinas. Mas a doutrina supralapsariana faz, ao menos logicamente, se não confessamente, de cada elemento no esquema ge­ral um meio para a consecução da característica sucessiva e toda uma séria concatenada de meios para a concretização do fim último. A criação está para a Queda, esta está para a salvação ou para a condenação, e ambas estão para a glória da graça e da justiça. Nesta teoria, não é concebível que a Queda não haja se concretizado. Era necessário, a fim de que os homens viessem a glori­ficar a graça em sua salvação, e a justiça, em sua condenação. O pacto das obras, com uma probabilidade possível de haver-se cumprido, e gloriosas re­compensas possíveis de haver sido asseguradas, se toma ininteligível. Não é concebível como a teoria pode ser ajustada ao caráter da teologia calvinista.

2.3. O argumento moral.Há leis de retidão na raiz da faculdade moral que são reguladoras de nos­

sos critérios morais, justamente como há leis de pensamento e crença na raiz do intelecto que controlam seus processos. Ora, as leis fundamentais da justiça e da benevolência, implantadas pela mão divina em nõssa constituição moral, se insurgem contra a doutrina de que Deus primeiro determina glorificar Sua justiça na condenação dos homens, e então determina criá-los e “eficazmente obter” sua queda em pecado a fim de executar aquele propósito. O supra­lapsariano logicamente faz de Deus o produtor eficiente do pecado. A distinção que o Dr. Twisse faz entre o decreto de Deus de efetuar e o decreto de obter eficazmente a queda do homem em pecado é uma distinção sem uma diferen­ça. Se Deus encerrou o homem no pecado, equivale o mesmo que fazê-lo pecar. Mas, se há algo indubitável, é que Deus não é a causa eficiente do pecado. Se o fosse, como Ele não pode errar, o pecado cessaria de ser pecado e se converteria em santidade, e a distinção entre certo e errado seria comple­tamente apagada.

2.4. O argumento do consenso calvinista.Nenhum dos símbolos calvinistas é supralapsariano. Alguns deles impli­

cam, sem asseverar expressamente, infiralapsarianismo. Outros são, distinta­mente, infralapsarianos. Na última classe mencionada estão os Cânones do Sínodo de Dort e a Formula Consensus Helvetica.

3. Os objetos, em particular, da eleição - alguns homens individual­mente. Isto responde à pergunta: Quem é eleito?

Mateus 24.22: “Não tivessem aqueles dias sido abreviados, ninguém seria salvo; mas, por causa dos escolhidos, tais dias serão abreviados.”

Mateus 24.31: “E ele enviará seus anjos, com grande clangor de trombeta,

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os quais reunirão seus escolhidos, dos quatro ventos, de uma a outra extremida­de dos céus.”

Lucas 18.7: “Não fará Deus justiça a seus escolhidos, que a ele clamam dia e noite, embora pareça demorado em defendê-los?”

Romanos 8.33: “Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus?” Romanos 16.13: “Saudai Rufo, eleito do Senhor.”Efésios 1.1, 4, 5, 7, 11: “Paulo, apóstolo de Cristo Jesus por vontade de

Deus, aos santos que vivem em Efeso e fiéis em Cristo Jesus. Assim como nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade, no qual temos a redenção, por seu sangue, a remissão dos pecados, segundo a riqueza de sua graça, nele, digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho de sua vontade.”

Colossenses 3.12: “Revesti-vos, pois, como eleitos, santos e amados, de temos afetos de misericórdia.”

1 Tessalonicenses 1.4: “Reconhecendo, irmãos, amados de Deus, vossa eleição.”

1 Tessalonicenses 5.9: “Porque Deus não nos destinou para a ira, mas para alcançar a salvação mediante nosso Senhor Jesus Cristo.”

2 Tessalonicenses 2.13: “Entretanto, devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados pelo Senhor, porque Deus vos escolheu desde o princí­pio para a salvação, pela santificação do Espírito e fé na verdade.”

2 Timóteo 2.10: “Por esta razão, tudo suporto por causa dos eleitos, para que também eles obtenham a salvação que está em Cristo Jesus, com etema glória.”

Tito 1.1: “Paulo, servo de Deus e apóstolo de Jesus Cristo, para promover a fé que é dos eleitos de Deus e o pleno conhecimento da verdade segundo a piedade.”

1 Pedro 1.1,2: “Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos eleitos que são foras­teiros da Dispersão no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia, eleitos, se­gundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediên­cia e a aspersão do sangue de Jesus Cristo, graça e paz vos sejam multiplicadas.”

Estas passagens mostram conclusivamente que não há apenas uma eleição de comunidades para privilégios particulares - o que de bom grado se admite - , mas há também uma eleição de indivíduos para a salvação etema; e não se pode resistir à conclusão destes testemunhos, que o último é o sentido mais elevado e mais importante que a Palavra de Deus atribui á eleição. Esta distin-

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ção é admitida pelo arminiano evangélico. Este, porém, mantém que a eleição de indivíduos é condicionada à previsão divina de sua fé e perseverança em santidade. Eleição, pois, segundo ele, realmente não é eleição de indivíduos para uma salvação definida, mas, caso se admita um solecismo, a eleição de uma condição em que indivíduos possam obter a salvação. Seu argumento em favor de uma eleição condicional de indivíduos, derivada do texto em Pedro recém-citado, será considerado quando seus textos-prova forem examinados.

Merece consideração dizer que o arminiano não pode fazer objeção à dou­trina calvinista sobre a alegação de que ela representa um número definido de indivíduos, como eleitos para a vida etema; pois a doutrina arminiana reforça precisamente o mesmo ponto de vista. Segundo a doutrina do último. Deus conhece de antemão quem crerá e perseverará na fé e na santa obediência até0 fim, isto é, até a consecução da salvação final. Os que assim perseverarem até o fim são, naturalmente, um número definido. Ora, são estes que os arminianos afirmam que são os eleitos. A conclusão inevitável é que um número definido de indivíduos é eleito. A principal diferença entre as duas doutrinas, que com respeito à qual se dá a ênfase da controvérsia entre eles, é concemente à questão da condicionalidade ou da incondicionalidade dá eleição. Deus elegeu etemamente indivíduos para que cressem e perseverassem em santidade para a obtenção da vida etema? O calvinista responde. Sim. O arminiano responde, Não. Ele Se propõe eleger para a vida etema os que de sua própria escolha creem e perseverani em santidade até o fim. O que o propósito de eleger significa, como ele realiza algo mais além do que o próprio indivíduo que perse­vere até o fim realiza, é impossível de perceber; mas essa é a posição arminiana. Condicional ou incondicional? Estas são as perguntas-teste, a pedra de toque dos disputantes. O extrato de Watson previamente dado evidencia ser este o principal resultado.

4. O fim ou causa final da eleição - o fim próximo, a vida eterna dos pecadores; o fim último, a glória da graça de Deus. Isto responde á per­gunta; Para que Deus elege?

4.1. O fim próximo da eleição é a vida eterna dos pecadores.Mateus 25.34; “Então dirá o Rei aos que estiverem á sua direita; Vinde,

benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo.”

João 6.37,44; “Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora. Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia.”

Atos 13.48; “Os gentios, ouvindo isto, regozijaram-se e glorificavam a pala­vra do Senhor, e creram todos os que haviam sido destinados para a vida etema.”

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Romanos 8.28-30,33,34,38, 39; “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo seu propósito. Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou. Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu ou, antes, quem ressuscitou, o qual está á direita de Deus e também intercede por nós. Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.”

Efésios 1.9-11; “Desvendando-nos o mistério de sua vontade, segundo seu beneplácito que propusera em Cristo, de fazer convergir nele, na dispensação da plenitude dos tempos, todas as coisas, tanto as do céu como as da terra; nele, digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o pro­pósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho de ^ a vontade.”

1 Tessalonicenses 5.9; “Porque Deus não nos destinou para a ira, mas para alcançar a salvação mediante nosso Senhor Jesus Cristo.”

2 Tessalonicenses 2.13,14; “Entretanto, devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados do Senhor, porque Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação, pela santificação do Espírito e fé na verdade, para o que também vos chamou mediante nosso evangelho, para alcançardes a glória de nosso Senhor Jesus Cristo.”

4.2. O fim últímo da eleição é a glória da graça de Deus.Romanos 9.23; “A fim de que também desse a conhecer as riquezas de sua

glória em vasos de misericórdia, que para a glória preparou de antemão.”Efésios 1.5,6; 2.12; “Nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por

meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor da glória de sua graça, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado. Nele, digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito da­quele que faz todas as coisas conforme o conselho de sua vontade, a fim de sermos para louvor de sua glória, nós, os que de antemão esperamos em Cristo.”

Estas afirmações bíblicas com respeito ao fim ou causa final da eleição são tão explícitas que dificilmente se faz necessário qualquer comentário, especial­mente quando aqui não se emite nada digno de nota entre o calvinista e o arminiano evangélico.

É verdade que, como mostram os extratos dados de seus escritos, Fletcher

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e RajTiiond mantêm pontos de vista peculiares sobre este ponto, porém contes­tam a doutrina romanista do arminianismo. O ponto de vista de Fletcher, o qual distingue entre uma eleição absoluta de indivíduos para uma salvação inicial e contingente, de um lado, e uma eleição condicional de todos os homens e uma incondicional de alguns para uma salvação fmal, do outro, é passível das se­guintes objeções: primeiro, que a distinção não tem fundamento bíblico, como as passagens que têm sido citadas provam; segundo, que está em desarmonia com a doutrina geral de sua escola de teologia, como explanada por escritores tais como Wesley e Watson; e, terceiro, que ele asseverou tanto uma eleição condicional quanto uma fmal para a salvação final.

O ponto de vista que é comum entre Fletcher e Raymond - que a eleição é de indivíduos para fé e santa obediência - é confi-ontado pela fatal dificuldade que concede à posição calvinista que tem sido sempre resistida por teólogos arminianos, a saber, que o decreto de Deus inclui a eleição de indivíduos para fé e santa obediência como meio para a obtenção da vida etema até o fim. A doutrina geral de escritores arminianos é que estas são condições sobre as quais a eleição toma lugar, e que indivíduos podem ou não cumprir as condi­ções. Se podem, então são eleitos para a vida etema; se não, é porque não são assim eleitos. Mas o calvinista faz da concretização destas condições parte do decreto eletivo. Portanto, conquanto Fletcher e Raymond representem indiví­duos como eleitos para fé e santidade, cedem a questão a seus oponentes. Por conseguinte, não^posso atribuir imparcialmente aos pontos de vista do arminianismo evangélico que, embora asseverados por arminianos, são incapa­zes de acomodação lógica a ele como sistema. É evidente que o D r Raymond tem, em sua teologia sistemática, assumido uma nova retirada que parece ser propriamente sua. Até onde ele seja representante de opiniões correntes é uma questão interessante, porém uma que não tenho como decidir. Enquanto tento mostrar que, logicamente, o esquema anniniano mantém uma eleição de condi­ções na qual indivíduos possam obter a vida etema, em vez de eleição de indi­víduos para a vida etema, que é algo completamente diferente de tentar mos­trar - o que não é logicamente verdadeiro - que ele mantém uma eleição de indivíduos para o uso das condições escolhidas.

5. A origem da eleição - desde a eternidade. Isto responde à pergunta: Quando Deus elegeu?

Jeremias 31.3; “De longe se me deixou ver o SENHOR, dizendo; Com amor etemo teu te amei; por isso, com benignidade te atraí.”

Mateus 25.34: “Vinde, benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo.”

João 6.37; 10.29; 17.2, 9; “Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim.

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Aquilo que o Pai me deu é maior que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar. Assim como lhe conferiste autoridade sobre toda came, a fim de que ele conceda a vida etema a todos os que lhe deste. É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus.”

Efésios 1.4, 5, 11: “Assim como nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segun­do o beneplácito de sua vontade. Nele, digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho de sua vontade.”

Efésios 2.4, 5: “Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do gran­de amor com que nos amou, e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo - pela graça sois salvos.”

2 Timóteo 1.9: “Que nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo nossas obras, mas conforme sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos.”

Isaías 9.6 com Is 8.18 e Hb 2.13, 14: “Seu nome será chamado... Pai da Etemidade.” “Eis aqui os filhos que o SENHOR me deu.” “Eis aqui os filhos que Deus me deu. Visto, pois, que os filhos têm participação comum de came e sangue, destes também ele, igualmente, participou, para que, por sua morte, destmísse aquele que tem o poder da morte, a saber, o diabo.”

Estes testemunhos provam que a eleição não toma lugar no tempo, e sim remonta à etemidade.

Pelos extratos que já fomecemos de seus escritos se perceberá que Wesley, Watson, Ralston e Raymond argumentam que a eleição toma lugar no tempo. Não é uma predestinação etema. Quando os homens creem, costumam dizer, e outros, quando são justificados e santificados, e ainda outros, quando perseve­rarem até o frni, então é que são eleitos; não antes disso. Todavia:

5.1. Sua doutrina geral é explicitamente emitida: que a eleição é condicio­nada á previsão divina de perseverança em fé e santa obediência até o fim. Um crente pode, já no final de seu curso terreno, total e finalmente, cair da graça e perecer para sempre. Então, em consistência com esta doutrina, manteriam que a eleição não pode ter lugar no tempo; só pode ter lugar quando o tempo com todas as suas contingências cessarem para o crente, e este haja alcançado o fim de sua fé. Só pode ocorrer em ou depois de expirado seu fôlego final e mortal, pois, até esse momento crítico, ele pode esquecer sua religião e perder0 céu. Portanto, aqui há uma clara contradição. Uma posição é que a eleição toma lugar no tempo; a outra é que ela toma lugar após o tempo haver cessado. Ela ocorre quando o homem crê, é justificado e santificado; ocorre quando ele

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termina seu curso e haja entrado no céu! Segundo tudo isso, parece que eles mantêm a eleição na etemidade, porém é etemidade a parte post [pretérita], não etemidade a parte ante [futura]!

5.2. Se a eleição ocorre no tempo, então, no tempo em que ela ocorre, fixao destino do crente subsequentemente àquele tempo, isto é, a etemidade. De outro modo, esta é uma eleição mutável, o que o arminiano evangélico não admite. Se alguém é eleito quando crê etc., então a eleição é para a vida etema ou ela nada significa. Mas se o crente pode, como aquele afirma, cair da fé e santidade e finalmente perecer, segue-se que a eleição é para a vida etema e não para a vida etema, ao mesmo tempo. Temos aqui outro exemplo de con­tradição.

5.3. Extrai-se uma distinção entre um propósito de eleger e a eleição real. Concede-se que o primeiro seja etemo e contende-se que o segundo se con­cretiza no tempo. O que é isto senão uma distinção entre um propósito etemo e sua execução temporal? Deus, por exemplo, na etemidade se propôs criar o mundo. A criação concreta se deu no tempo. A criação concreta foi a execu­ção temporal do etemo propósito de criar Se, pois, a distinção for admitida entre um propósito etemo de eleger e a eleição atual, a segunda seria apenas a execução temporal da primeira. Mas, a execução no tempo de um propósito etemo deve corresponder ao próprio propósito. Como ele existiu, assim deve ser sua concretização temporal. Se o propósito era incondicional, assim deve ser sua execução; se condicional, então a execução deve corresponder-lhe. Alguém não consegue ver o que se lucra com esta distinção, tão urgentemente insistido pelos teólogos evangélicos arminianos, mesmo que se admitisse sua demanda por uma eleição atual.

Mas, inevitavelmente, aqui surge uma questão: Qual é sua eleição atual? É a conversão? Não, pois a conversão é uma de suas condições; e uma condição deve existir antes daquilo do que ela depende. É a santificação? Não, pois a santificação é também uma de suas condições. É a perseverança em santida­de? Não, pois a perseverança em santidade é igualmente uma de suas condi­ções. Então, qual é? Se a perseverança em santidade até o fim a condiciona, segue-se que esta eleição atual não pode preceder o fim. A eleição atual só pode ser a eleição de um homem a ser salvo o qual já está salvo, de granjear o céu alguém que já esteve lá. Caso se recuse tal conseqüência, nada mais resta senão admitir que a única eleição que é concebível é o etemo propósito de eleição. Uma eleição no tempo se toma impossível pelos próprios princípios arminianos.

5.4. Escritores arminianos fazem o propósito e a presciência uma e a mes­ma coisa. Na etemidade. Deus se propôs eleger no sentido de etemamente pré-conhecer uma eleição atual. Mas, em primeiro lugar, se, como já se mos­

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trou, uma eleição atual distinta de um decreto de eleger nada é, a presciência de Deus, de uma eleição atual, seria sua presciência de nada. Em segundo lugar, o próprio desígnio desta identificação de propósito e pré-conhecimento é excluir a determinação divina de eleição e a reduz a simples presciência. Por­tanto, se seguiria que a salvação etema de uma incontável multidão de pecado­res é o resultado não de determinação divina, e sim humana. E verdade que Deus determina a existência dos meios de salvação, mas os que serão salvos determinam seu emprego. O céu, com sua etema felicidade e glória, não é decretado, é apenas previsto pelo Onipotente Govemante do universo. Isto não pode ser admitido. A consequência refuta a doutrina.

6. O amor envolvido na eleição - amor peculiar, soberano, ina­lienável, salvífico de complacência para com os eleitos. Isto responde à pergunta: Como Deus considera os eleitos?

Êxodo 33.19: “Respondeu-lhe: Farei passar toda minha bondade diante de ti e te proclamarei o nome do SENHOR; terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia e me compadecerei de quem eu me compadecer.”

Romanos 9.13,15,16,18: “Como está escrito: Amei Jacó, porém me abor­reci de Esaú. Pois ele diz a Moisés: Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão. Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus sua misericórdia. Logo, tem ele misericórdia de quem quer e também endurece a quem lhe apraz.” -

Malaquias 1.2, 3: “Eu vos tenho amado, diz o SENHOR; mas vós dizeis: Em que nos tens amado? Não foi Esaú irmão de Jacó? - diz o SENHOR; todavia, amei a Jacó, porém aborreci a Esaú.”

Deuteronômio 7.7, 8: “Não vos teve o SENHOR afeição, nem vos esco­lheu porque fôsseis mais numerosos do que qualquer povo, pois éreis o menor de todos os povos, mas porque o SENHOR vos amava e, para guardar o jura­mento que fizera a vossos pais, o SENHOR vos tirou com mão poderosa e vos resgatou da casa da servidão, do poder de Faraó, rei do Egito.”

Deuteronômio 10.15: “Tão-somente o SENHOR se afeiçoou a teus pais para os amar; a vós outros, descendentes deles, escolheu de todos os povos, como hoje se vê.”

Isaías 43.4: “Visto que foste precioso a meus aUios, digno de honra, e eu te amei, darei homens por ti e os povos, por tua vida.”

Isaías 63.9: “Por seu amor e por sua compaixão, ele os remiu, os tomou e os conduziu todos os dias da antiguidade.”

Isaías 63.16: “Mas tu és nosso Pai, ainda que Abraão não nos conhece, e

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Israel não nos reconhece; tu, ó SENHOR, és nosso Pai; nosso Redentor é teu nome desde a antiguidade.”

Sahno 89.19,20,28, 30-35: “Outrora, falaste em visão a teus santos e dis­seste: A um herói concedi o poder de socorrer; do meio do povo, exaltei um escolhido. Encontrei Davi, meu servo; com meu santo óleo o ungi. Conservar- lhe-ei para sempre minha graça e, firme com ele, minha aliança. Se seus filhos desprezarem minha lei e não andarem em meus juízos, se violarem meus pre­ceitos e não guardarem meus mandamentos, então punirei com vara suas trans­gressões e com açoites, sua iniquidade. Mas jamais retirarei dele minha bonda­de, nem desmentirei minha fidelidade. Não violarei minlia aliança, nem modifi­carei o que meus lábios proferiram. Uma vez jurei por minha santidade (e serei eu falso a Davi?).”

Salmo 94.18: “Quando eu digo: resvala-me o pé, tua benignidade, SENHOR, me sustém.”

Isaías 54.8, 10: “Num ímpeto de indignação, escondi de ti minha face por um momento; mas com misericórdia etema me compadeço de ti, diz o SE­NHOR, teu Redentor. Porque os montes se retirarão, e os outeiros serão remo­vidos; mas minha misericórdia não se apartará de ti, e a aliança de minha paz não será removida, diz o SENHOR, que se compadece de ti.”

Isaías 49.15: “Acaso pode uma mulher esquecer-se do filho que ainda mama, de sorte que não se compadeça do filho de seu ventre? Mas ainda que esta viesse a se esquecer dele, eu, todavia, não me esquecerei de ti.”

Miquéias 7.20: “Mostrarei a Jacó a fidelidade e a Abraão, a misericórdia, as quais juraste a nossos pais, desde os dias antigos.”

Jeremias 31.3: “De longe se me deixou ver o SENHOR, dizendo: Com amor etemo eu te amei; por isso, com benignidade te atraí.”

Sofonias 3.17: “O SENHOR, teu Deus, está no meio de ti, poderoso para salvar-te; ele se deleitará em ti com alegria; renovar-te-á em seu amor, regozi- jar-se-á em ti com júbilo.”

João 17.23, 26: “Eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim. Eu lhes fiz conhecer teu nome e ainda o farei conhecer, a fim de que o amor com que me amaste esteja neles e eu neles esteja.”

Romanos 5.5, 8, 9: “Ora, a esperança não confunde, porque o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi outorga­do. Mas Deus prova seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores. Logo, muito mais agora, sendo justificados por seu sangue, seremos por ele salvos da ira.”

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Romanos 8.38-39: “Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.”

Romanos 9.13: “Como está escrito: Amei Jacó, porém me aborreci de Esaú.”Efésios 2.4, 5: “Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do gran­

de amor com que nos amou, e estando nós mortos em nossos delitos e pecados, nos deu vida juntamente com Cristo - pela graça sois salvos.”

Tito 3.4-7: “Quando, porém, se manifestou a benignidade de Deus, nosso Salvador, e seu amor para com todos, não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo, que ele derramou sobre nós ricamente, por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador, a fim de que, justificados por graça, nos tome­mos seus herdeiros, segundo a esperança da vida etema.”

Hebreus 13.5: “De maneira alguma te deixarei, nunca jamais te abando­narei.”

1 João 3.1: “Vede que grande amor nos tem concedido o ía i , a ponto de sermos chamados filhos de Deus; e, de fato, somos filhos de Deus. Por essa razão, o mundo não nos conhece, porquanto não o conheceu a ele mesmo.”

1 João 4.9,10,19: “Nisto se manifestou o amor de Deus em nós: em haver Deus enviado seu Filho unigênito ao mundo, para vivermos por meio dele. Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou seu Filho como propiciação por nossos pecados. Nós amamos porque ele nos amou primeiro.”

2 Tessalonicenses 2.16,17: “Ora, nosso Senhor Jesus Cristo mesmo e Deus, nosso Pai, que nos amou e nos deu etema consolação e boa esperança, pela graça, consolem vosso coração e vos confirmem em toda boa obra e boa palavra.”

A alguns destes textos-prova se objeta que têm referência conclusiva a Israel como uma comunidade eleita para privilégios nacionais. Desistindo por ora de considerações que mais adiante serão aduzidas em resposta a esta obje­ção, basta dizer que não é possível limitar as passagens à nação exterior de Israel à parte do verdadeiro Israel espiritual que na Escritura é enfaticamente caracterizado como a semente de Abraão e Jacó. Tome-se como exemplo a poderosa passagem do capítulo 31 de Jeremias. Todo o contexto em que está inserido, e especialmente a grande promessa evangéhca que se acha conectada a ela, toma-se evidente que o amor eletivo, que ela proclama, termina não só nos crentes israelitas e judaicos, mas também em todo o verdadeiro povo de Deus, e é a fonte de bênçãos espirituais e salvíficas:

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“Eis aí vêm dias, diz o SENHOR, em que firmarei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá. Não conforme a aliança que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão para os tirar da terra do Egito; porquanto eles anularam minha aliança, não obstante eu os haver desposado, diz o SENHOR. Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz 0 SENHOR: Na mente, lhes imprimirei minhas leis, também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. Não ensinará jamais cada um a seu próximo, nem cada um a seu irmão, dizendo: Conhece o SENHOR, porque todos me conhecerão, desde o menor até o maior deles, diz 0 SENHOR. Pois perdoarei suas iniquidades e de seus pecados jamais me lembrarei” (w. 31-34)..

Os testemunhos reivindicados da Escritura claramente revelam a natureza do amor eletivo de Deus. Declara-se expressamente que ele é etemo. Ele é peculiar: é direcionado para o povo de Deus. É livre, isto é, soberano e incondi­cional acima de qualquer qualidade ou ato em seus objetos. Estes são contem­plados como em si mesmos condenados e pecadores poluídos. Ele é intenso e inalienável: mais do que o amor de uma mãe pelo fiUiinho que gerou em seu corpo e amamentou em seu seio. E salvífico: é a fonte de todo benefício de redenção e a causa da perseverança à vida etema.

O fato de que a passagem de Tito declara que a benignidade e amor de Deus se manifestaram no tempo não pode criar difículdade. Aquilo que se manifestou no tempo teria existido etemamente, pois é impossível conceber que Deus começasse a amar no tempo - que um atributo divino tivesse uma origem temporal.

Seguindo as instmções das Escrituras, somos constrangidos a admitir que há dois aspectos distintos do amor ou bondade divina. Um destes, na forma de benevolência, termina nos homens indiscriminadamente, os justos e os injustos, os maus e os bons; e, quando ele lhes é dirigido como merecedores do mal e miseráveis, assume a forma especial de mercê. O outro, o amor de complacên­cia, é um afeto peculiar, pressupondo a existência em séus objetos pecamino­sos de uma relação salvífica com Cristo como Mediador, Cabeça Federal e Redentor Ora, presumamos que a infinita benevolência de Deus, na forma de mercê a contemplar a condição perdida e miserável do homem, na qual ele foi concebido como afundado em seu pecado e loucura, pressupunha sua salva­ção: “Livrou-o de descer ao poço.” Tal sugestão foi restringida pelas demandas da justiça infinita, a qual não podia ser negada sem um sacrifício da glória divina: “Maldito todo aquele que não permanece em todas as coisas que estão escritas no livro da lei para praticá-las.” Pois, embora os atributos de Deus sejam todos eles infinitos, e em sua essência co-existem em perfeita harmonia xms com outros. O exercício da misericórdia para com os anjos caídos foi restrin-

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gido pela sabedoria e pela justiça. Aprouve a Deus, no caso de pecadores humanos, por um soberano ato de sua vontade, abrir uma via para a saída e exercício de sua mercê na salvação de uma parte deles, e deixar uma via aberta para o exercício de Sua justiça na punição da parte restante. O Pai, como 0 representante da Deidade, “conforme o beneplácito de Sua vontade”, elegeu alguns dentre a humanidade para serem redimidos. Isto, enquanto era um soberano ato de Sua vontade, envolvia o exercício de amor e mercê infini­tos; e como os objetos nos quais a escolha terminou fossem considerados sim­plesmente como pecadores, condenados e profanos, o amor e mercê eram livres, simplesmente amor e mercê. “Deus enaltece Seu amor para conosco em que, enquanto éramos ainda pecadores. Cristo morreu por nós”, e, natural­mente, o imerecido amor que tão gloriosamente se expressou sobre a terra era etemo. Aqueles assim designados vieram a ser os eleitos de Deus, Suas ove­lhas, cuja redenção soberanamente determinara efetuar. Designando, em infi­nita sabedoria e amor, o etemo Filho como o Mediador e Redentor, o Pai firmou aliança com Ele como Cabeça Federal e Redentora, e deu-Lhe Suas ovelhas eleitas, para que, como seu bom Pastor, pudesse, quando encarnado, dar Sua vida para sua redenção. “Eram teus”, diz o Salvador, “e mos deste.” O Filho, de Sua parte, aceitou livremente a solene incumbência e decidiu darSua vida por elas, sem perder sequer uma, dar a cada uma a vida etema e ressuscitá-las no último dia. “Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a vida pelas ovelhas. Minhas ovelhas ouvem minha voz e Eu as conheço e elas me seguem; e Eu lhes dou a vida etema; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará de minhas mãos. Meu Pai, que mas deu, é maior que tudo.” “Eu desci do céu não de minha própria vontade, e sim a vontade daquele que me enviou. E esta é a vontade de meu Pai que me enviou: que de todos os que me deu Eu não perca nenhum, mas o ressuscitarei no último dia.” Assim concebido como em Cristo, os eleitos se tomaram os objetos de um amor complacente, só medido pela consideração do Pai por Seu bem-amado Filho. “Visto que eras mui precioso a meus olhos, foste honrado e nutri profundo amor por Ti.” “Eu”, diz o Senhor Jesus, “lhes declarei Teu nome e o declararei, para que o amor com que me tens amado esteja neles e Eu neles esteja.”

Este amor de complacência para com os eleitos não deve ser confundido com o amor divino de benevolência para com todos os homens. Ele inclui o amor de benevolência, porém é mais inconcebível. Difere dele em importantes aspectos. Em primeiro lugar, pressupõe uma relação peculiar dos eleitos com o unigênito Filho de Deus, e é, segundo representações bíbHcas, análogo ao amor que o Pai tem por Ele. Em segundo lugar, o dom de Cristo que ele especialmen­te dá aos eleitos, e no qual ele expressa sua medida, é infinitamente mais caro e precioso do que a luz do sol, a chuva e outras meras bênçãos providenciais, as

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quais a benevolência confere indiscriminadamente à massa geral dos homens. Em terceiro lugar, os eleitos, embora em si mesmos antipáticos, em Cristo são concebidos como intrinsecamente possuidores das graças do Espírito Santo, as quais os tomam objetos detentores de consideração complacente. É este amor, este amor peculiar, intenso, inaudito, que as Escrituras declaram ser manifes­tado para com os eleitos na execução atual do etemo propósito de Deus quan­to à salvação.

Ele é manifestado no dom de Seu Filho para a redenção deles: “Aquele que não poupou seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura não nos dará graciosamente com ele todas as coisas?” (Rm 8.32). Quem são esses “todos” tem de ser coligido da sentença seguinte: “Quem intentará acu­sação contra os eleitos de Deus?” “Amados, amemo-nos uns aos outros, por­que o amor procede de Deus; e todo aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Aquele que não ama não conhece a Deus, pois Deus é amor. Nisto se manifestou o amor de Deus em nós: em haver Deus enviado seu Filho unigênito ao mundo, para vivermos por meio dele. Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou seu Filho como propiciação por nossos pecados” (IJo 4.7-10). “Esta é a prova de que nos deu a vida etema, e esta vida está em seu Filho. Aquele que tem o Filho tem a vida; aquele que não tem o Filho não tem a vida.”

Ele é manifestado no fato de serem atraídos a Cristo. “Ninguém pode vir a mim, se o Pai, que me enviou, não o trouxer.” “Sim, eu te tenho amado com amor etemo; por isso com benignidade eu te atraí.”

Ele é manifestado na regeneração deles. “Mas Deus, que é rico em mise­ricórdia, por seu grande amor com que nos amou, ainda quando estávamos mortos em pecados, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois sal­vos); e nos ressuscitou juntamente com ele, e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus, o qual nos séculos vindouros mostrará as supremas riquezas de sua graça, em benignidade e amor de Deus, nosso Salvador, reve­lados ao homem, não por obras de justiça que porventura tenhamos feito, mas segundo sua misericórdia nos salvou pela lavagem de regeneração e renova­ção do Espírito Santo.”

É manifestado em sua justificação e indissolúvel união com Deus em Cristo. “Deus enaltece seu amor para conosco, pelo fato de Cristo morrer por nós, sendo ainda pecadores. Muito mais agora, sendo justificados por seu sangue, seremos salvos da ira por meio dele.” “Depois que se manifestou a benignidade e o amor de Deus para com o homem... sendo justificados por sua graça, seremos feitos herdeiros segundo a esperança de vida etema.” “E quando eu passei por ti, e te vi envolvido em teu próprio sangue, [eu disse] vive; sim, eu te

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disse, quando te vi envolto em teu sangue: vive.” Eis um amor eletivo, gratuito e soberano. “Ora, quando passei por ti e olhei para ti, eis que teu tempo era de amor; e estendi sobre ti minha capa e cobri tua nudez; sim, eu te jurei, diz o Senhor Deus, serás minha.” Eis aqui a manifestação do amor eletivo.

É manifestado em sua adoção. “Eis com que amor o Pai nos tem concedi­do de sermos chamados filhos de Deus; por isso o mundo não nos conhece, porque não conhece a Deus.”

É manifestado em sua santificação. “A graça de Deus que traz salvação se manifestou a todos os homens, ensinando-nos a negar a impiedade e desejos profanos, para que vivamos no presente século sóbria, justa e piedosamente; buscando aquela bendita esperança e a manifestação do grande Deus e nosso Salvador, Jesus Cristo, que se deu por nós, para nos redimir de toda iniquidade e purificar para si um povo peculiar, zeloso de boas obras.”

E é manifestado em seu conforto e preservação para a glória etema. “Pode uma mulher esquecer seu filho que amamenta, que não sinta compaixão do filho de seu ventre? Mesmo que ela se esqueça, contudo não me esquecerei de ti.” “Por breve momento eu te abandonei; mas com etemas misericórdias eu te atraí. Num laivo de ira, por um momento, eu escondi de tijneu rosto; mas com etema benignidade eu tenho misericórdia de ti, diz o Senhor, teu Redentor Pois os montes se afastarão e os outeiros se moverão; minha benignidade, porém, não se apartará de ti, nem a aliança de minha paz será removida, diz o Senhor que tem misericórdia de tí.” “Mas nos sentímos no dever de dar sempre graças a Deus por vós, irmãos amados do Senhor, porque Deus, desde o prin­cípio, vos escolhei para a salvação pela manifestação do Espírito Santo e fé na verdade. Ora, nosso Senhor Jesus Cristo mesmo, e Deus, nosso Pai, que nos amou e nos deu eterna consolação e boa esperança, pela graça, console vossos corações e vos estabeleça em toda boa palavra e obra.”

Em conexão com este aspecto do tema da eleição, a doutrina arminiana está aberta, á acusação de ser inteiramente anti-bíblica.

Antes de tudo, ela destrói a diferença que, como se mostrou incontestavel­mente pelo testemunho explícito da Escritura, existe entre o amor de Deus, de benevolência, pela humanidade, em geral, e o amor de complacência por seu povo eleito, em particular Isto se prova pelo fato de que ela representa Deus como estando munido da mais elevada expressão de Seu amor para com todos os homens, indiscriminadamente. Ele deu Seu Filho para morrer por todos. O ponto aqui evocado não é que o arminiano seja antibíblico em manter esta doutrina, se bem que isto é procedente, mas que, ao mantê-la, ele reduz o intenso, inexprimível e imutável afeto que desde a etemidade Deus acalenta por Seu próprio povo a uma consideração geral por todos os pecadores da raça

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humana - Seu amor por Suas ovelhas a um amor pelos cabritos. Se Deus deu Seu querido Filho a fím de morrer igualmente por todos, então Ele amou a todos com o mesmo amor. A consequência é irresistível, mas ela jaz no prefácio das mais claras declarações da divina Palavra.

O arminiano, naturalmente, replicará que não há declaração mais franca dessa mesma Palavra do que o fato de “Deus haver amado o mundo, de haver dado Seu Filho unigênito para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida etema”. A isto a réplica inevitável é que, se sua constmção daquela passagem for correta, então a Palavra de Deus se confraditaria. Pois seria uma confradição, caso se afímaasse que o dom de Cristo, a um e ao mesmo tempo, é e não é a expressão de um amor peculiar de complacência. Somos consfran- gidos a fazer uma escolha enfre estes fatores confraditórios: um deles seria verdadeiro, e o oufro, falso. O peso do testemunho é esmagador em favor da primeira altematíva, e com ela somos compelidos a insistir numa busca pela evidência.

As mesmas observações se aplicarão a oufras passagens menos forçadas, as quais são ordinariamente evocadas em apoio do amor de Deus e uma consequente expiação por cada indivíduo da raça humana. Todas elas são aber­tas ao debate; porém, disputar acerca das afirmações bíblicas no tocante ao etemo, peculiar e inalienável amor de Deus por Seu povo eleito não equivale a investigar seu significado, e sim a negar sua autoridade. No momento, nada mais se dirá acerca deste aspecto particular do tema. Uma discussão mais completa dele está reservada para uma avaliação das objeções à doutrina calvinista derivadas dos atributos morais de Deus.

Segundo, o caráter antibíblico da negação arminiana do amor eletivo se toma evidente por sua negação dos fintos que emanam dele. As Escrituras o representam como a causa que produz muitos resultados definidos. Já vimos, por uma inferência direta ao seu testemunho, que a condução do pecador a Cristo, sua regeneração e justificação, adoção, santificação e preservação à felicidade etema, são afribuídas a ele. O arminiano afribui estes inestimáveis benefícios ao amor geral de Deus pela humanidade, porém seu sistema o com­pele a negar que fluam infalivelmente dele. São resultados contingentes. Por quê? Porque aquele amor de si mesmo não assegura sua produção; a vontade do pecador é sua causa real e eficiente, e, como ela age contingentemente, os resultados podem ser ou não efetuados. O amor de Deus lhe dá a oportunidade, lhe fomece o que se chama graça suficiente, lhe provê uma base de aceitação no mérito expiatório de Cristo; ele, porém, deve aproveitar a oportunidade, usar a graça, aceitar a expiação oferecida. Ele não pode fazer nenhuma dessas coisas; e, consequentemente, em inumeráveis casos, nenhum resultado salvífico se segue do amor de Deus pelos homens. A mera afirmação da doutrina é

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suficiente para evidenciar sua discrepância com a verdade bíblica. O fato é que, como o arminiano nega o amor eletivo, ele se vê obrigado a negar que ele produza qualquer fruto: sem causa, sem efeito. A negação do segundo prova o caráter antibíblico da negação da primeira. Se algo se acha claramente revela­do na Palavra de Deus, é que os resultados salvíficos são produzidos infalivel­mente pelo amor de Deus pelos pecadores; este é um amor salvífico. Portanto, se no caso de alguns homens tais resultados não são produzidos, segue-se irre­sistivelmente que o amor salvífico de Deus não termina em todos, e que, como ele tem efeito somente em alguns, então é amor eletivo.

O arminiano contenderia que ele não é corretamente representado, e que admite um amor especial de Deus por Seus santos, a resposta a ser dada é que, seja qual for seu ponto de vista acerca desse amor, ele não o leva em conta como amor salvífico. Conceda-se que ele tenha o dom de Cristo para o mundo como sendo o fiiito de amor e mercê. No entanto, para que fim Deus enviou Seu Filho ao mundo? Ele responde: para morrer por todos os homens. Sua doutrina, contudo, é que o Filho não morreu para salvar todos os homens. Se fosse assim, Ele fracassaria em atingir esse fim, pois o arminiano admite que muitos se perdem. Então, para que Cristo morreu? Ele responde: para tomar possível a salvação de todos os homens. Como isso é possível?^Desta maneira, diz ele: se os homens crerem em Cristo e continuarem na fé até o fim, então serão salvos. A expiação lhes assegura tal possibilidade. Mas, na suposição de que alguns venham a crer, se tomem santos e sejam especialmente queridos de Deus, podem cessar de sèr santos e perecer etemamente. Seja qual for, pois, segundo o ponto de vista arminiano, o amor de Deus para com Seus santos, este é um amor que não lhes assegura sua salvação; não é um amor salvífico. Não se assemelha ao amor que uma mãe nutre por seu filhinho. Se pudesse, elao salvaria. Este reputado amor divino pode ser chamado amor especial, porém não é o amor por Seus santos que as Escrituras designam a Deus. A ideia dele não nasceu da inspiração; Deus jamais reivindicou tal amor como sendo pro­priamente Seu.

Terceiro, a determinação de salvar os que Deus previu que se salvariam e perseverariam na fé e santidade até o fim - a eleição arminiana - não é o fi:uto de mero e livre amor; em parte é a indicação de justiça. Como sua salvação é dependente de sua fé e perseverança, ela se deve a eles, em seu cumprimento da condição de que eles a receberiam até o fim. A justiça reconhece este pré- conhecido cumprimento da condição precedente e lhes decreta a salvação que Deus mesmo fez depender dela. É verdade que a misericórdia toma possível a condição, mas a justiça demanda o galardão de sua realização. Esta conclusão só poderia ser validada fazendo a fé e a perseverança na santa obediência os produtos da graça eficaz. Mas essa seria a doufrina da Redenção Hipotética,

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não do arminianismo. O advogado do primeiro esquema concorre com o arminiano em manter a universalidade da expiação, porém difere dele em asse­verar a predestinada eficácia da graça. Isso, o arminiano nega. Na última aná­lise, pois, como 0 Dr. Miner Raymond o expressa firia, porém honestamente, “o homem determina a questão de sua salvação”; e se esse é o caso, então é certo e justo que Deus reconheça o fato. Deus designa a condição: crer e perseve­rar. Ele, porém, não pode fazer o pecador crer e perseverar. “Nosso sistema humano”, diz o Dr. Whedon,^’ “é um sistema de agentes livres, de cuja vontade e determinação ele depende, seja para obter a benção etema, seja para os ais eternos. No ato de o pecador aceitar a graça salvífica, prontamente negamos qualquer ‘fazer a vontade’ da parte de Deus que inclua o poder do homem de não querer ou recusar. Deus demanda uma livre aceitação. Ele não faz uma farsa de nossa provação por primeiramente requerer nosso ‘fazer a vontade’, e então impor sobre nós um ‘ fazer a vontade ’. O livre-arbítrio e o “fazer a vonta­de” [de outro] são incompatíveis.” O pecador, pois, deve, por seu próprio pro­gresso na graça assistente, crer e perseverar. Muito bem, ele o faz. E então? Posto que ele tem cumprido a condição, conquistado o galardão e a justiça, assistido pela graça, então a coroa lhe é posta na cabeça! É perfeitamente óbvio que a doutrina arminiana não atribui a determinação de salvar pecadores ao mero amor de Deus; ela lhe atribui em parte ao senso divino de justiça. Seja qual for a razão que o arminiano alegue sobre esta doutrina, certamente ela está nos extremos opostos da verdade bíblica.

7. A base ou razão da eleição - positivamente, o mero beneplácito da soberana vontade de Deus; negativamente, nada nos próprios elei­tos. Isto responde à pergunta: Por que Deus elegeu?

7.1. A base ou razão da eleição é, positivamente, o mero beneplácito da soberana vontade de Deus.

Deuteronômio 7.7, 8: “Não vos teve o SENHOR afeição, nem vos esco­lheu porque fôsseis mais numerosos do que qualquer povo, pois éreis o menor de todos os povos, mas porque o SENHOR vos amava e, para guardar o jura­mento que fizera a vossos pais, o SENHOR vos tirou com mão poderosa e vos resgatou da casa da servidão, do poder de Faraó, rei do Egito.”

Deuteronômio 4.37: “Porquanto amou teus pais, e escolheu sua descen­dência depois deles, e te tirou do Egito, ele mesmo presente e com sua grande força.”

Daniel 4.35: “Todos os moradores da terra são por ele reputados em nada; e, segundo sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?”

31. Comm. On Rom. ch. ii.

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Mateus 11.25, 26: “Por aquele tempo, exclamou Jesus: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e instru­ídos e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim foi de teu agrado.”

Êxodo 33.19: “Respondeu-üie: Farei passar toda minha bondade diante de ti e te proclamarei o nome do SENHOR; terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia e me compadecerei de quem eu me compadecer.”

Malaquias 1.2, 3: “Eu vos tenho amado, diz o SENHOR; mas vós dizeis: Em que nos tens amado? Não foi Esaú irmão de Jacó? - disse o SENHOR; todavia, amei a Jacó, porém aborreci a Esaú.”

Romanos 9.11-16: “E ainda não eram os gêmeos nascidos, nem haviam praticado o bem ou o mal (para que o propósito de Deus, quanto à eleição, prevalecesse, não por obras, mas por aquele que chama), já fora dito a ela: O mais velho será servo do mais moço. Como está escrito: Amei a Jacó, porém me aborreci de Esaú. Que diremos, pois? Há injustiça da parte de Deus? De modo nenhum! Pois ele diz a Moisés: Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia, e me compadecerei de quem me aprouver ter compaixão. Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus sua misericórdia.” _

1 Coríntios 1.21: “Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não o conhe­ceu por sua própria sabedoria, aprouve a Deus salvar os que creem pela loucu­ra da pregação.”

Efésios 1.5, 9-11: “hos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade. Desvendando-nos o mistério de sua vontade, segundo seu beneplácito que propusera em Cristo, de fazer convergir nele, na dispensação da plenitude dos tempos, todas as coi­sas, tanto as do céu como as da terra; nele, digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho de sua vontade.”

Filipenses 2.13: “Porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como 0 reahzar, segundo sua boa vontade.”

Os testemunhos bíblicos que foram assim coletados provam clara e pode­rosamente que 0 Deus que, mesmo depois da confissão de Nabucodonosor, age segundo Sua vontade no exército do céu e entre os habitantes da terra, cuja mão ninguém pode impedir e a quem ninguém pode dizer: Que fazes?, decretou a salvação de alguns dentre a raça humana, segundo seu mero, exclusivo e soberano beneplácito. As afirmações deste fato são expressas e inequívocas. Ninguém, senão os adeptos de um sistema, poderia levar alguém que reveren­cia a palavra de Deus a negar sua força. Os objetos do decreto divino são declarados como predestinados para a adoção de filhos e para uma herança

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em Cristo, segundo o beneplácito da vontade de Deus, segundo o beneplácito que propusera nele mesmo, segundo o propósito daquele que faz todas as coi­sas conforme o conselho de Sua própria vontade. Não pode haver dúvida quan­to aos objetos do decreto: são aqueles que são adotados como os filhos de Deus em Cristo, aqueles que conquistaram uma herança em Cristo. Tampouco pode haver qualquer dúvida quanto à sede deste decreto predestinador: lemos que é a vontade de Deus. Finalmente, nem pode haver qualquer dúvida quanto ao seu caráter absoluto: é precisamente descrito como proposto em Si mesmo, conforme Seu beneplácito. Não há lugar para presumir-se qualquer referência a uma base, razão ou condição extrínseca. O propósito, quanto à sua origem e base, é intrínseco a Deus, meramente soberano e absolutamente incondicional por qualquer coisa ab extra. Os objetos em quem ele terminou eram extrínsecos a Deus; mas o propósito em si era tão livre quanto era subjetivo a Ele. Cada ser humano individualmente, a quem ele foi dirigido, poderia ter sido justamente consignado ao infemo com os anjos rebeldes.

A passagem de Filipenses desempenha, em relação a esta questão, um duplo ofício. Em primeiro lugar, ela mostra, positivamente, que toda a aplicação da redenção emana do beneplácito da vontade de Deus; e, em segundo lugar, negativamente, como com um gume devorador, ela elimina a suposição de que algo na criatura pode condicionar o propósito de Cristo de salvar. Ela declara que 0 querer e o fazer - a totalidade da obediência do cristão - são determina­dos pela vontade de Deus que opera em conformidade com Seu beneplácito. Em poucas palavras, porém de grande alcance, um testemunho conclusivo se aplica à graça eficaz de Deus como a expressão e realização do etemo propó­sito de Sua vontade.

Nosso bendito Senhor e Salvador falou mui definidamente sobre este tema. Após mencionar a soberana distinção que Deus, em Sua providência fizera entre as cidades de Corazim, Betsaida e Cafamaum, de um lado, e Tiro, Sidom e Sodoma, do outro, ao dar Ele o evangelho às primeiras e subtraí-lo às segun­das, Ele responde às objeções que poderiam aplicar-se a este procedimento divino e a todos os demais como este, dizendo: “Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos grandes e instmídos e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado” (Mt 11.25, 26). Solenemente, Ele expressa Sua aquiescência na soberania divina que recusa um conhecimento salvífico de redenção a alguns e o concede a outros. É fútil dizer que os orgulhosos se excluem dele, pois Deus poderia, se assim o quisesse, num instante, vencer seu orgulho, como fizera no caso de Saulo de Tarso, um típico representante de cada classe que vivia cavilando a doutrina do Salvador e rejeitando Sua oferta do evangelho. Nem pode o arminiano insistir consistentemente nesta constmção da linguagem de nosso Senhor, uma

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vez que ele admite que Tiro, Sidom e Sodoma teriam aceitado o evangelho caso este lhes fosse direcionado e corroborado por provas miraculosas. Por que, pois. Deus lhos negou? Que resposta pode o próprio arminiano dar a esta per­gunta, senão que assim pareceu bom à vista de Deus? Ele admite, repito, que as cidades especificadas teriam se arrependido se o evangelho Uies fora prega­do, pois esta é uma das passagens que Ele aduz em apoio de Sua doutrina de uma scientia media - uma presciência condicional de Deus.^^ Ele sabia de antemão que, se o evangelho fosse oferecido àquelas cidades, elas teriam se arrependido. Por que, então. Deus não lhes ofereceu o evangelho? É difícil ver como alguém que nega a soberania da eleição, e afirma o amor indiscriminado de Deus por toda a humanidade, poderia responder a essa pergunta.

Objeta-se que as provas derivadas das passagens de Êxodo, Deuteronô- mio, Malaquias e o capítulo nono de Romanos são irrelevantes, posto que sua referência não é à eleição de indivíduos para a salvação, e sim de uma nação para privilégios peculiares. Esta questão tem sido discutida exaustivamente por comentaristas e teólogos, porém ela tem despertado novo interesse em cada geração. Argumentos em resposta à objeção supramencionada são aqui apre­sentados sucintamente.

Primeiro, a objeção concede o princípio de uma eleição soberana e incondi­cional. Por que, argúi Deus a Israel, “Eu jurei a vossos pais e os conduzi em aliança comigo?” Porque, responde Ele, “Eu os amei”. Por que Ele os amou? Eis a resposta; não foi por causa de quaisquer qualidades que porventura visse neles que os distinguisse favoravelmente das demais pessoas, mas porque esse era Seu beneplácito soberano. Portanto, caso se admita que Deus escolheu a Israel dentre as nações com as quais igualmente se imergiram na idolatria, e sem qualquer referência a condições predispostas neles que os elevassem a uma relação especial consigo e ao desfiaite de bênçãos peculiares, claramente se concede o princípio de uma eleição incondicional. A objeção a uma aplica­ção específica do princípio, a saber, a indivíduos com respeito à salvação, pro­cede do reconhecimento do próprio princípio. Confessa-se que uma nação foi incondicionalmente eleita para privilégios peculiares.

Segundo, a eleição de uma nação para privilégios peculiares de uma natu­reza religiosa, envolvendo um conhecimento da redenção, era a eleição de indi­víduos para tais privilégios religiosos, porquanto eram os componentes da na­ção. A eleição de uma nação, considerada abstratamente e à parte dos indiví­duos que a formam, seria ininteligível. Os indivíduos constituintes da nação foram, pela eleição da nação, postos em contato com esses privilégios pecuHa- res e religiosos. Os que não estavam conectados à nação eleita foram divina-

32. Watson, Theo. Inst., vol. ii. p. 430, Nova York, 1840. Aqui a doutrina é aprovada.

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mente excluídos do contato com eles. Segue-se que o princípio de uma eleição soberana e incondicional foi exibido em relação a indivíduos. Os indivíduos de uma nação foram discriminados dos indivíduos de outra.

Terceiro, os indivíduos da nação eleita foram postos em relação às condi­ções da salvação - as únicas condições em que a salvação poderia ser obtida. Sua eleição para privilégios nacionais de um caráter religioso e redentivo condicionou sua obtenção da salvação etema. Aqui, pois, estava uma eleição soberana e incondicional de indivíduos para condições sem as quais sua salva­ção teria sido inatingível. O objetor admite que esta eleição tomava sua salva­ção mais provável do que de outro modo teria sido; porém nega que ela condicionava necessariamente a salvação, que sem ela a salvação teria sido impossível. Esta questão será discutida mais extensamente quando se exami­narem as objeções à eleição incondicional dos atributos morais de Deus. No momento, são submetidas umas poucas considerações extraídas imediatamen­te da Escritura. São conclusivas sobre o ponto.

Em segundo lugar, Paulo, no décimo capítulo da mesma Epístola, declara que nenhum indivíduo da raça pode exercer fé em Cristo, a menos que ouça sobre Ele. Fé em Cristo condiciona a salvação, e o conhecimento de Cristo condiciona a fé nele. “Como crerão nele, de quem nada ouviram?”

Em terceiro lugar, a Palavra de Deus assevera explicitamente que ninguém debaixo do céu pode ser salvo a não ser através do nome de Cristo, isto é, naturalmente, através do conhecimento desse nome salvífico. “E não há sal­vação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens pelo qual importa que sejamos salvos” (At 4.12).

Em quarto lugar, Paulo, no segundo capítulo de Efésios, conclui o caso fomecendo a prova concreta. Os cristãos efésios eram de origem pagã, isto é, houve um tempo em que não conheciam o evangelho de Cristo. Agora o após­tolo lhes diz que naquele tempo viviam numa condição sem esperança; sua salvação teria sido impossível naquele estado de contínua ignorância. O argu­mento é claro e esmagador. “Naquele tempo vivíeis sem Cristo.” Por quê? “Vivíeis separados da comunidade de Israel e estranhos à aliança da promes­sa.” Porque não viviam conectados com a nação de Israel, não conheciam o evangelho; e porque não conheciam o evangelho, não podiam conhecer a Cris­to. Daí, “não tinham esperança e viviam sem Deus no mundo”. Sem convívio com a igreja visível, não tinham conhecimento do evangelho; por isso viviam sem Cristo, sem Deus e sem esperança.

Estes argumentos bíblicos são suficientes para provar que a eleição incon­dicional de uma nação para privilégios peculiares, de um caráter religioso e redentivo, é a eleição incondicional dos indivíduos que a compõem para as

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condições nas quais a salvação etema só pode ser obtida. Ora, é evidente que as demais nações não foram excluídas do acesso aos meios de salvação por­que fossem moralmente piores que os israelitas, e que os israelitas não foram eleitos ao desfrute desses meios porque fossem moralmente melhores que os demais povos. Então, foi por virtude da eleição soberana e incondicional de Deus que as nações rejeitadas foram deixadas num estado idólatra e pagão em que sua salvação não era possível, e que os israelitas foram introduzidos num estado em que possuíam os meios de salvação. Se a operação do princípio de soberania na eleição era assim tão remota, por que se admitiria que ela estava mais longe - que também se manifestou em produzir salvação atual? Alguns dentre os próprios israelitas não foram atualmente salvos; alguns dentre eles o foram. A pressuposição propiciada pela analogia do caso estaria em favor da eleição incondicional para a salvação destes como atualmente foram salvos. Todos eram, por razão de uma natureza pecaminosa, igualmente indispostos a fazer um proveitoso uso dos meios de graça, a empregar as condições da sal­vação. Nenhum era mais digno da graça do que outros, que os capacitasse e os determinasse a olharem através de um ritual sacrificial e ordenanças típicas para o único sacrifício pelo pecado, e crer nele para a salvação. O pressuposto, repito, é em favor da conclusão de que uma eleição divina fe&a diferença entre as duas classes - os não-salvos e os salvos. O princípio da eleição soberana, em sua aplicação, teria avançado apenas um passo a mais. Um longo passo! - se poderia dizer Sim, mas o Onipotente Deus pode dar passos mais longos! Ele pisa os montes e os oceanos tormentosos, e pode triunfantemente marchar sobre todas as dificuldades provenientes do pecado e do infemo para a etema salvação da alma.

Este poderoso pressuposto é confirmado por todos aqueles testemunhos da Escritura já citados, os quais inquestionavelmente provam que o fim imediato da eleição de indivíduos é a vida etema, e por todos os que ainda serão citados, os quais também provam inquestionavelmente que as condições da salvação final não são as condições da eleição - que a fé e a perseverança em santa obediência são os próprios frutos da eleição; que, deveras, são partes da salva­ção iniciada na terra e completada no céu.

Quarto, admita-se que Jacó e Esaú foram os respectivos chefes de nações diferentes, e não se pode negar que eram também indivíduos. A linguagem da Escritura com respeito a eles não pode, sem violência, confinar-se a eles como cabeças nacionais. Refere-se a eles principalmente como pessoas em relação ao propósito divino. Meyer, cujos comentários são tidos em alta reputação pela habilidade crítica e justeza exegética, e que, sem dúvida, não foi influenciado por um zelo partidário pelo calvinismo, diz: “Paulo, contudo, tem em vista, como todo o contexto, versículos 10,11 e 13, evidencia, ‘ o mais velho e o mais moço ’

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(o maior e o menor), o próprio Esaú e o próprio Jacó, não suas nações.” ’ Ele sana a dificuldade imposta contra esta interpretação na declaração de que “o mais velho serviria ao mais moço”, o que, contende-se, só se cumpriu na sujei­ção nacional dos edomitas, os descendentes de Esaú, aos israelitas, os descen­dentes de Jacó, desta forma: “Pode-se encontrar o cumprimento do ‘servir’ na sujeição teocrática na qual Esaú se viu reduzido pela perda de sua primogenitura e da benção patema, pela qual o senhorio teocrático passou a Jacó. Mas, conquanto em Gênesis os dois ümãos são apresentados como representantes das nações, e suas pessoas e seu destino não são consequentemente excluídos ~ como de fato a relação indicada na declaração divina visa a seu princípio com os próprios irmãos, por virtude da preferência de Jacó através da benção pater­na - , a apreensão que o apóstolo tem da passagem, quando a adapta à sua conexão, tem sua base e sua autoridade, especialmente em vista da liberdade hermenêutica semelhante no uso de expressões veterotestamentárias.” '* Não devemos atar-nos às opiniões de comentaristas sobre a Bíblia, recordando a íragilidade que tomou possível o ferino sarcasmo de Werenfels:

“Este é o Livro em que cada um busca seus dogmas,E este é o Livro no qual cada um encontra seus dogmas.”

Mas este testemunho imparcial é verdadeiro. Seu apelo ao contexto imedi­ato é bastante conclusivo, e o apelo, juntamente com ele [testemunho], a todo o curso do argumento em Romanos, e toda a analogia da Escritura é absoluta­mente decisivo. '

Deixemos, por um momento, esses gêmeos e focahzemos a pessoa de Jacó. É mui certo que o Espírito Santo, falando através de Paulo, declara que em algum sentido ele foi eleito. O arminiano objeta contra uma eleição incondicio­nal para a vida etema. Ora, ele tem de admitir que a eleição de Jacó, qualquer que tenha sido seu fim, foi incondicional. O apóstolo ensina expressamente que não foi porque Deus levasse em conta a pessoa de Jacó, como praticante do bem, que o elegeu. Ele não poderia ter ensinado tal coisa, se fosse verdade que sua eleição foi condicionada, pela previsão divina, às suas boas obras. Poderia ter empregado como ilustração de seu argumento os exemplos de Isaque e Ismael, filhos de Abraão, o pai dos crentes; mas os de Jacó e Esaú vinham evidentemente mais a seu propósito; pois não havia em si mesmos nenhuma base possível de diferença entre estes dois irmãos. Eram não só filhos do mes­mo pai, mas, como não se deu com Isaque e Ismael, filhos da mesma mãe; e eram gêmeos. Qual poderia ter sido a diferença entre suas pessoas e seus destinos, senão o mero propósito incondicional de Deus? Mas é desnecessário

33. On Rom., ch. ix, 11, 12.34. On Rom., ch. ix. 11, 12.

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continuar falando de um ponto que só pode ser resistido pela negação da verda­de da Palavra inspirada. O arminiano o admite.

Ele, porém, admite, como já se mostrou mediante uma referência aos teó­logos representativos, a eleição de alguns indivíduos para a vida etema. Com base em seus princípios, ele deve admitir que Jacó foi eleito para a salvação etema. Em vida, ele foi o exemplar de oração urgente e bem sucedida, um príncipe que tinha poder junto a Deus e prevalecia, e em Hebreus lemos que morreu na fé. Havendo crido em Cristo, e praticado boas obras, e perseverado nelas até o fim, naturalmente ele era eleito para a vida etema. Ora, por que não enfeixar as duas coisas; a eleição incondicional de Jacó, o que se admite ser dito por Paulo em Romanos, e sua eleição para a vida etema, o que também se admite? Por que não admitir que o ensino da Escritura é que Jacó fora eleito incondicionalmente para a vida etema? A única resposta possível é; Porque Paulo, em Romanos, só fala da eleição de Jacó para bênçãos temporais. O ponto, pois, a ser provado é que Paulo fala da eleição de Jacó não só para bênçãos temporais, mas também para a salvação.

A primeira prova é que todo o teor e o fio do argumento do apóstolo, em Romanos, têm referência primordial à justificação e salvação de pecadores individuais. Por conseguinte, dirigir seu discurso concemehte à eleição, que é um elemento contínuo daquele argumento, noutra direção é deslocá-lo de seu curso.

A segunda prova é que, no contexto imediato, Paulo trata da promessa feita por Deus aos filhos de Abraão, e mostra que Jacó foi constituído herdeiro da­quela promessa mediante a eleição divina. Dizer que esta eminente promessa garante, exclusiva ou mesmo principalmente, bênçãos temporais, equivale a eviscerar as Escrituras de seu significado. O argumento de Paulo concemente à promessa, em Gálatas, bem como em Romanos, seria contraditado. A pro­messa comunicava bênçãos espirituais e salvíficas. Assumir qualquer outro ponto de vista equivale a despir o Antigo Testamento de seu elemento evangé­lico e reduzir a exposição neotestamentária dele a um absurdo. Jacó, portanto, foi eleito para ser participante da promessa de salvação; isto é, como uma salvação prometida não equivale a uma salvação merecida, ele foi eleito para a salvação.

A terceira prova é que o apóstolo distingue expressamente entre a semente natural e a espiritual de Abraão. Somente a segunda, afirma ele, é que se com­põe dos filhos de Deus. Em conexão imediata com isto, ele introduz os casos de Jacó e Esaú, como ilustração daquela distinção. Ambos eram descendentes camais de Abraão, mas somente Jacó, dos dois, era um de seus filhos espiritu­ais, e, portanto, um dos filhos de Deus. Como ele foi constituído como tal? Não por descendência natural, mas pela eleição divina pertinente a ele, sem levar

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em conta suas obras. A eleição de Jacó foi, portanto, a adoção na família de Deus, e, como Deus jamais perde nenhum de seus filhos adotados, para a vida etema.

A quarta prova é que lemos na Escritura que os santos de Deus foram eleitos para a fé, santa obediência e perseverança nelas até o fim. Jacó foi um eminente santo de Deus. Ao denominar-Se “o Deus de Jacó”, a própria Deida­de rende tributo à exemplar santidade de Seu servo. Jacó, portanto, foi eleito para a fé, santidade e perseverança nelas até o fim - isto é, ele foi eleito para a salvação. Se esta não for a eleição de que Paulo trata no nono capítulo de Romanos, a eleição primordial de Jacó está fora de questão, e a menor é sina­lizada.

Estas provas estabelecem o fato de que a eleição de Jacó não foi mera­mente para bênçãos temporais, e que, consequentemente, ela era uma eleição incondicional, fundada na soberana vontade de Deus, para a salvação etema. Qual é a dificuldade que se opõe à admissão destas provas? Ela é dupla:

Em primeiro lugar, a liberdade e soberania da vontade humana devem ser impugnadas. Argumenta-se que Deus, havendo dotado a vontade [humana] com tais prerrogativas, não pode, consistentemente consigo mesmo, determiná- la por Sua agência. Admitir a eleição incondicional é admitir esta divina deter­minação da vontade. Mais adiante, no avanço da discussão, se mostrará que, a menos que a eleição incondicional, onde esta inferência admitida é aceita, al­guém deve manter como única altematíva, a saber, que a vontade humana, e a vontade humana do homem natural, determinam a questão da salvação; o que não é bíbhco, impossível e absurdo. Se Jacó não foi determinado para a salva­ção, pelo decreto de Deus, então ele mesmo se determinou para ela; e se algo é indubitável, esse algo é que Paulo jamais ensinou tal conceito.

Em segundo lugar, contende-se que, caso se admita a soberana e incondici­onal eleição de Jacó para a salvação, deve-se também conceder a soberana e incondicional reprovação de Esaú; mas isso, disputa-se, não é possível admitir- se. Aqui, porém, deve-se observar a distinção, a qual já foi afirmada - entre Jacó e Esaú como ambos possuidores do pecado original e estando juntos sob condenação como membros de uma raça apóstata e cormpta, de um lado, e Jacó e Esaú como os cônscios praticantes atuais do bem ou do mal, do outro. Considerados como na primeira condição, eram igualmente condenáveis. Deus poderia, com justiça, haver deixado ambos destinados à condenação, a qual fora assinalada para Esaú. Mas, sem levar em conta as cônscias e especiais boas obras de Jacó, como condições. Lhe aprouve soberanamente conferir-lhe privilégios peculiares e religiosos e Sua graça salvífica; e sem levar em conta as cônscias e especiais más obras de Esaú, como condições. Lhe aprouve soberanamente negar-lhe privilégios peculiares e religiosos e Sua graça salvífica.

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É indubitável que a Esaú foram negados os privilégios peculiares e religiosos, mas a pedra de tropeço é o fato de Deus haver-lhe negado a graça salvífica.

Note-se agora que Deus não infundiu em Esaú uma disposição perversa, como infundiu em Jacó uma disposição graciosa. Achando Esaú perverso, Ele soberanamente o deixou naquela condição e judiciosamente o condenou a so­frer sua punição. Achando Jacó, como seu irmão, perverso, soberanamente o excluiu daquela condição mediante Sua graça imerecida, e em Cristo, seu Re­presentante e Substituto, 0 livrou da condenação e o destinou à glória.

Notemos mais que a exclusão que Deus fez de Esaú da relação com a Teocracia, contendo a Igreja visível de Cristo com suas ordenanças, o que se admite, equivalia que Deus o excluiu de Seu favor, o qual é vida, e assim o destinou à reprovação. Se lemos que a exclusão de Esaú da comunhão do povo de Deus era uma consequência de seus pecados, o apóstolo responde que isso se deu em consequência de seus pecados. Antes mesmo que cometesse qual­quer pecado, ele foi odiado por Deus. Então se dirá: isso procede, mas, en­quanto o propósito de exclusão se deveu aos pecados atuais de Esaú, isso não se deu antes que Deus os conhecesse de antemão, e que a presciência condicionou o propósito; isto teria sido o que Paulo tinha em mente. Mas, repli­ca-se, esta não podia ser a intenção de Paulo. Ele não podiã haver feito distin­ção entre os maus atos concretos de Esaú e a presciência divina deles. Ele não poderia subentender que em alguns casos Deus formula um propósito de punir0 praticante do mal depois de o mesmo haver praticado o mal, mas que no caso de Esaú Ele propôs puni-lo antes mesmo .que ele concretamente cometesse o mal, porque previra que ele o praticaria. Tal concepção j amais foi insinuada por inspiração divina, pois Deus jamais prorroga a formação de um propósito de punir o pecado até que este haja sido cometido. Todos os Seus propósitos são eternos. A única suposição possível é que a intenção de Paulo é dizer que não foi porque Deus soubesse de antemão que Esaú praticaria o mal que Ele Se propôs rejeitá-lo. Sendo esta a única suposição possível, a conclusão é que Paulo tencionava afirmar que o propósito de Deus quanto á rejeição de Esaú estava fundado unicamente em Seu próprio e soberano beneplácito.

O decreto de Deus de rejeitar Esaú não foi, portanto, sem sua presciência do estado culposo de Esaú como pecador, porém não foi condicionado por Sua presciência dos pecados cônscios e concretos de Esaú. Assim o decreto de Deus de salvar Jacó não se deu fora de sua presciência do estado culposo de Jacó como pecador, porém não foi condicionado por Sua presciência das boas obras cônscias e concretas de Jacó. Se esta afirmação da questão não está de acordo com Paulo, nada restaria senão adotar o rígido ponto de vista supra­lapsariano. A posição arminiana não pode harmonizar-se com a do apóstolo inspirado.

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Assim, já se demonstrou que o relato de Jacó e Esaú, no capítulo 9 de Romanos, mui longe de invalidar, realmente confirma, as provas da soberania e incondicionalidade do propósito eletivo de Deus. O tema da reprovação forne­cerá consideração adicional na sequência. Resumamos o fio do principal argu­mento que segue mostrando que as passagens citadas, para provar a base ou razão da eleição, e o mero beneplácito da vontade de Deus, à luz de Êxodo, Deuteronômio, Malaquias e Romanos, não se refere somente a uma eleição nacional para privilégios peculiares, mas principalmente a uma eleição individu­al para a vida etema.

A quinta prova é que Paulo, em Romanos e Gálatas, distingue explicita­mente entre aqueles a quem, de um lado, ele designa como Israel segundo a came, os judeus extrínsecos, os descendentes naturais de Abraão, e aqueles a quem, do outro lado, ele caracteriza como o Israel segundo o Espírito, os judeus intrínsecos, os verdadeiros e espirituais filhos de Abraão e herdeiros da pro­messa. Ambas estas classes foram eleitas para o usufruto de privilégios pecu­liares, contudo é notável que ele designe os últimos como sendo “um remanes­cente segundo a eleição da graça”. Aqui, pois, está uma distinção palpável entre a eleição nacional para privilégios e uma eleição individual para a salva­ção. Sem ela a linguagem do apóstolo seria íninteHgível.

A sexta prova é a consideração que possivelmente seja a mais conclusiva, a saber, que estas passagens não podem ser arrancadas de seu lugar na analo­gia da Escritura. Elas têm de ser constmídas em harmonia com os claros e poderosos testemunhos como aquele que foi deduzido da Epístola aos Efésios. Seguir qualquer outro curso é mutilar a integridade da Palavra de Deus. O que se lucra com isso da parte dos que admitem uma eleição de indivíduos para a vida etema é dificil imaginar.

Eis a última prova: as objeções que quase sempre se oferecem à doutrina de Paulo em Romanos não são alegadas contra uma eleição para privilégios nacionais, e sim uma eleição incondicional de indivíduos para a salvação. Os que as apresentam chegaram a esta conclusão: entendem que Paulo ensina esta doutrina objetável, e não podem concordar com ele. Não é provável que os oponentes que concordam com a doutrina paulina e a calvinista estejam equi­vocados quanto á identidade de ambas. É mais consistente, se não mais pio, manter que ambos estejam mais errados ao ensinarem a mesma coisa, do que os arminianos que fazem Paulo antagonista da doutrina calvinista, os quais, como alguns cândidos infiéis têm notado, agem como se ele a tivesse escarrado de sua boca.

7.2. Negativamente, a eleição não é condicionada pela previsão divina de quaisquer boas qualidades, disposições ou atos dos que são eleitos; ela é uma eleição incondicional.

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Primeiro, todas as passagens que foram aduzidas em prova de que a base ou razão da eleição foi o mero beneplácito da soberana vontade de Deus, aqui podem ser usadas para mostrar que a eleição não é condicionada por quaisquer boas qualidades, disposições ou atos previstos no homem.

Segundo, fé não é uma condição, e sim um resultado da eleição.João 6.37; “Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim” - isto é, crerá

em mim.João 6.65; “Ninguémpoderá vir amim, se, pelo Pai, não lhe for concedido.” Atos 13.48; “Os gentios, ouvindo isto, regozijaram-se e glorificaram apala-

vra do Senhor, e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eter­na.”

Efésios 2.8; “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus.”

Filipenses 1.29; “Porque vos foi concedida a graça de padecerdes por Cris­to e não somente de crerdes nele.”

Atos 14.27; “Ali chegados, reunida a igreja, relataram quantas coisas fizera Deus com eles e como abrira aos gentios a porta da fé.” -

Atos 16.14; “Certa mulher, chamada Lídia, da cidade de Tiatira, vendedora de púrpura, temente a Deus, nos escutava; o Senhor lhe abriu o coração para atender às coisas que Paulo dizia.”

Atos 5.31; “Deus, porém, com sua destra, o exaltou a Príncipe e Salvador, a fim de conceder a Israel o arrependimento e a remissão de pecados.”

Lucas 17.5; “Então, disseram os apóstolos ao Senhor; Aumenta-nos a fé.” Hebreus 12.2; “Olhando para Jesus, Autor e Consumador de nossa fé.” Colossenses 2.12; “Tendo sido sepultados, juntamente com ele, no batismo,

no qual igualmente fostes ressuscitados mediante a fé no poder de Deus que o ressuscitou dentre os mortos.”

1 Coríntios 12.9; “A outro, no mesmo Espírito, a fé.”João 3.3; “Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de

novo, não pode ver o reino de Deus.”Efésios 2.4-6; “Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande

amor com que nos amou, e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo - pela graça sois salvos - , e, juntamente com ele, nos ressuscitou, e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus.”

2 Timóteo 1.9; “que nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo nossas obras, mas conforme sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos.”

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Tiago 1.18: “Pois, segundo seu querer, ele nos gerou pela palavra da ver­dade.”

1 Coríntios 1.26-31: “Irmãos, reparai, pois, em vossa vocação; visto que não foram chamados muitos sábios segundo a came, nem muitos poderosos, nem muitos de nobre nascimento; pelo contrário. Deus escolheu as coisa lou­cas do mundo para envergonhar os sábios e escolheu as coisas fracas do mun­do para envergonhar as fortes; e Deus escolheu as coisas humildes do mimdo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são; a iim de que ninguém se vanglorie na presença de Deus. Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tomou da parte de Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção, para que, como está escrito: Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor.”

Estes testemunhos provam conclusivamente que a fé não é uma condição, e sim um fruto da eleição. Não é condição, porquanto ela é produzida pela eleição. O Senhor Jesus declara explicitamente que a fé é dom de Deus, e que, se Deus não a conceder, ninguém poderia crer Além do mais, Ele declara que os eleitos crerão nele. E a eles que Ele foi dado pelo Pai. Se todos os homens Lhe fossem dados pelo Pai, então, segundo Seu testemunho, todos os homens creriam nele. No entanto, nem todos os homens creem. A conclusão é que só crê nele quem foi eleito para crer.

Na célebre passagem no segundo capítulo de Efésios, as palavras “e isto não vem de vós, é dôm de Deus” são entendidas por alguns como se referindo à salvação - e que a salvação não vem de vós, é dom de Deus; outros as entendem especificamente como sendo a fé - e que a fé não vem de vós, é dom de Deus. As seguintes razões fomecidas por Charles Hodge em apoio do segundo ponto de vista parece-me ser mais convincente: “(1) Ela se ajusta melhor ao desígnio da passagem. O objetivo do apóstolo é mostrar a natureza graciosa da salvação. Isto se faz mais eficazmente afirmando: Somos não só salvos pela fé, em oposição às obras, mas vossa própria fé não vem de vós mesmos, é dom de Deus. (2) A outra interpretação faz a passagem tautológica. Dizer: ‘Sois salvos mediante a fé, não por vós mesmos; vossa salvação é dom de Deus; não vem de obras’, seria o mesmo que ir de um lado para o outro, sem qualquer progresso. Enquanto que dizer: ‘Sois salvos mediante a fé (e isso não vem de vós, é dom de Deus), não de obras’, não é repetitivo; a cláusula parentética em vez de ser redundante, faz bom sentido e intensifica grandemente a força da passagem. (3) Segundo esta interpretação, preserva-se a antítese entre fé e obras, tão comum nos escritos de Paulo. ‘Sois salvos mediante a fé, não mediante as obras, para que ninguém se glorie. ’ A cláusula média do versículo é, portanto, parentética, e não se refere à ideia principal, ‘sois salvos’, e sim à subordinada, ‘mediante a fé’, e se destina a mostrar quão inteiramente a salva­

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ção é de graça, posto que mesmo a fé, pela qual apreendemos a mercê ofere­cida, é dom de Deus. (4) A analogia da Escritura é em favor deste ponto de vista da passagem, conquanto em outros lugares a fé é representada como dom de Deus’.”

Dizer que a salvação é de graça, isto é, que ela é um livre dom de Deus, e então logo a seguir dizer que a salvação não vem de nós mesmos, é dom de Deus, certamente parece redundante. A dificuldade desaparece se tomarmos a intenção do apóstolo como sendo esta: a fé é dom de Deus. Mas, seja qual for o ponto de vista que se assuma desta passagem, outros testemunhos de tal modo afirmam expressamente ser a fé dom de Deus, que os escritores arminianos admitem o fato. João Wesley, que em sua nota sobre o texto supramencionado, diz: ""Isto se refere a toda a sentença precedente: que sois salvos mediante a fé no dom de Deus”, com a mesma explicitude, fala em seu sermão sobre o mesmo texto, intitulado A Salvação pela Fé: “Pois pela graça sois salvos mediante a fé; e isso não vem de vós. Nem vossa fé nem vossa salvação não vêm de vós mesmos. ‘E dom de Deus’; o dom gracioso e imere­cido, a fé mediante a qual somos salvos, bem como a salvação, a qual vem de seu próprio beneplácito, seu mero favor, anexa para esse fim.” Charles Wesley, em seu inusitado hino, começa: “Pai, eu estendo minhas mãoj para ti”, leva o pecador a rogar assim:

“Autor da fé, a ti elevo Meus exaustos e anelantes olhos;Oh! agora recebo aquele dom.Sem 0 qual minha alma morre.”

Outros escritores fazem o mesmo reconhecimento bíblico e devoto. Aqui, pois, o arminiano e o calvinista certamente falam o mesmo dialeto. Alguém presumiria que a lógica constrangeria ambos a arrazoarem assim: Se a fé é dom de Deus, então Ele a concederia porque Se propôs concedê-la. Como é um fato que Ele não a concede a todos, mas somente a alguns. Seu propósito era um propósito eletivo. Esta lógica é irresistível, e tudo indica que Fletcher admite sua força ao manter uma eleição incondicional para uma “salvação inicial”. A mesma lógica, contudo, impõe a posse de uma eleição incondicional para a salvação final. Porque, se alguém perdesse sua salvação inicial, e fosse restaurado e finalmente salvo, sua salvação final seria condicional àquela fé que é declaradamente dom de Deus. Ele não pode ser salvo inicial ou finalmen­te sem fé, e fé é um dom gratuito de Deus.

Ao admitir que a fé é dom de Deus, e que esta fé condiciona a salvação, o arminiano admite a graça eficaz e é logicamente obrigado a admitir a graça eletiva incondicional. Isto, porém, ele nega. Portanto, ele se vê compelido a

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conciliar sua doutrina de que a fé é dom de Deus com a de suas posições diretivas, a saber, que a vontade sem coação do pecador determina a questão de seu crer ou não crer em Cristo para a salvação. Vejamos como Whedon, em seus comentários sobre Efésios 2.8, tenta efetuar a difícil conciliação. “A fé”, diz ele, “de fato é energizada em nós pela graça que subjaz nosso período de experiência; porém aquela fé livremente exercida por nós, e vista por Deus, é a condição subjacente de nossa eleição no tempo; e prevista por Deus, é a con­dição subjacente em nossa etema eleição antes da fundação do mundo.” *

Esta, pois, é a explanação. A fé é distinguida como poder e exercício do poder Deus dá o poder para crer, porém o pecador mesmo deve realmente crer. A fé é uma potencialidade que pode ou não ser exercida. Por certo que aqui há alguma base em comum entre o arminiano e o calvinista. Este sustenta não mais que aquele que é preciso crer em Cristo para que se possa salvar-se. E o próprio pecador que tem de crer Mas ele argumenta que, ao outorgar ao pecador o princípio da fé. Deus também lhe determina que creia. O princípio nunca dormita como uma mera potencialidade - uma simples capacidade de crer Aqui a diferença entre as partes salta á vista. O calvinista argumenta que Deus dá ao pecador o crer; o arminiano, que Deus apenas lhe dá o poder de crer, e que o pecador é livre para usar ou não tal poder Em última análise, é sua própria vontade que deve determinar a questão se ele empregará ou não o poder e o realmente crer, e então está em sua própria vontade, como asseve­ram francamente Raymond, Whedon e James Strong, a qual determina a ques­tão da salvação pessoal. No caso de cada crente real em Cristo, surge aí um momento crítico e supremo, quando o poder de crer é conscientemente exerci­do. O arminiano mantém que naquele momento não é Deus quem, por Sua graça eficaz, determina que o pecador exerça fé, e sim o pecador que, pelo poder livre e eletivo, de sua própria vontade, determinada por uma influência supematural, determina que ele mesmo creia. Isto é óbvio, pois pela mesma livre eleição de sua vontade ele pode determinar crer ou não crer. Esta, junta­mente com a doutrina da Expiação Universal, é a posição-chave do sistema arminiano - Cartago deve ser destmída, ou o sistema permanece. Nesta dis­cussão, portanto, o ataque será feito persistente e reiteradamente, e de cada ponto cardeal, contra aquela fortaleza. Por isso não se faz nenhuma apologia por um reiterado retomo á consideração desta questão. Precisamente neste ponto, o argumento insistente é sobre a natureza da fé como um produto da influência divina e supematural. A dissociação entre fé como uma potencialidade e como uma energia real é inadmissível.

35. Dr. James Strong enfatiza a mesma distinção entre o poder para crer e seu exercício.

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Em primeiro lugar, não pode ser dissociada do claro ensino das Escrituras que tem sido evocado. O Senhor Jesus diz que todos os que o Pai Lhe deu viriam a Ele - isto é, creriam nele. Não é opcional para que aqueles assim dados pelo Pai ao Filho a fim de que sejam redimidos exerçam o poder de crer, quer queiram quer não. O plano da salvação, o dom do Pai, os compromissos do Filho, tudo isso requer o concreto exercício da fé. Como, de outro modo, poderia o Filho declarar que nenhum daqueles que Lhe foram dados se perde­ria? Não há sequer uma frágil ovelha ou um tenro cordeiro que se perca, quan­do com base no registro do livro da vida do Cordeiro Ele prestar conta do rebanho que Lhe fora confiado para ser salvo do pecado e de Satanás, da morte e do infemo. Lucas diz que creram todos os gentios em Ajitioquia que haviam sido ordenados para a vida etema. Com respeito a esta passagem, os doutores diferem; cada um tem seu próprio remédio e a consulta se resulta em nada! Bengel e Wesley tomam a palavra “ordenados” como uma referência a uma operação atual da graça mediante a pregação do evangelho. O primeiro diz que a ordenação deve ser assim explanada; “a presente operação da graça através do evangelho.”“ O segundo diz; “São Lucas não diz preordenados. Ele não está falando do que foi feito desde a etemidade, e sim do que era então feito, mediante a pregação do evangelho. Ele está descrevendo aquela ordena­ção, e somente aquela, que este era o tempo próprio de ouvi-lo [o evangelho]. Durante este sermão, os que creram, diz o apóstolo, aos quais Deus, então, deu 0 poder de crer. É como se ele quisesse dizer; ‘Creram, cujos corações o Se­nhor abriu’; como o expressa num lugar claramente paralelo, falando do mes­mo tipo de ordenação’. H á apenas duas observações que se faz necessário fazer concemente a esta interpretação; primeira, que, quando o historiador ins­pirado diz distintamente que os gentios mencionados realmente creram, a con­cessão de que isto foi efetuado pela operação da graça arrasa esta distinção enfre o poder e o exercício da fé; segunda, que, se for admitido que Deus decidiu determinar a estes gentios o exercício da fé -- e isso é admitido - , Ele teria proposto etemamente assim operar; e segue a eleição incondicional. Não admira que a mente metafísica de Whedon recuse aceitar este exfraordinário testemunho de Bengel e Wesley à doufrina calvinista.

O emdito doutor recém-mencionado dá uma interpretação que é perfeita­mente consistente com a distinção enfre o poder de crer e o crer concreto. É que estes gentios, é o que Lucas quer dizer, foram predispostos à vida etema e assim eles mesmos determinaram crer. A exposição é tão notável que será dada na íntegra; “Ordenados para a vida etema - pode-se fraduzir ‘dispostos para a vida etema’. Obviamente se refere à ávida disposição que acaba de ser

36. Prassentem grati® operationem per evangelium.37. Notes in loco.

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mencionada no coração de muitos destes gentios de aprender que a antiga profecia lhes proclama um Messias. Todos os que assim foram inclinados à vida etema ora oferecida se entregaram, pela fé, ao bendito Jesus. Raramente um texto tem sido tão violentamente arrancado de suas conexões com o con­texto, e empurrado para além de seu significado em prol de um propósito, como foi esta cláusula em apoio da doutrina da predestinação. Não há a mínima plausibiHdade na noção de que Lucas, nesta simples história, está se referindo a algum propósito etemo de predestinar estes homens á vida etema. A palavra aqui traduzida por ordenados usualmente significa colocados, posicionados, dispostos. Pode referir-se à posição material ou mental. É um verbo na forma passiva, uma forma que possui um significado ativo recíproco; isto é, amiúde significa uma ação realizada pelo ego de alguém sobre o ego de outro. Assim, em Romanos 9.22, ‘vasos de ira preparados para a destmição’, afirma-se cui­dadosamente, mesmo pelos predestinarianos, ser preparados por si mesmos. Aliás, a própria palavra grega aqui traduzida por ordenados é amiúde usada, composta de uma preposição, no próprio Novo Testamento, na forma passiva com um significado recíproco. Assim, Romanos 13.1, “Estejais sujeitos aos poderes superiores’, literalmente é ponde-vos sob os poderes superiores. As­sim também Romanos 8.7; 1 Coríntios 16.16; Tiago 4.7, bem como em muitos outros textos. O significado que damos é requerido pela antítese entre os ju­deus, no versículo 46, e os gentios. Aqueles eram indispostos para com a vida etema, e por isso não creram; estes eram predispostos para com a vida etema, e por isso creram. A fé permanente na alma era consequente na predisposição do coração e a predeterminação da vontade.” ® Com respeito a esta exposição, observo o seguinte;

Primeiro, o emdito comentarista não diz nada com respeito à fonte desta predisposição. Se ele quis dizer que ela é natural, a posição é pelagiana. Se, que ela era o produto da graça supematural, isto é, o dom do poder de crer, ele falaria inconsistentemente consigo mesmo, pois ele diz que “a fé permanente na alma era consequente da predisposição”. Uma fé consequente antecederia, como um estado, os atos de fé e seria o poder de crer - predispondo ao exer­cício da fé.

Segundo, a predisposição desses irmãos para receber o evangelho em sua simples determinação de crer em Cristo teria sido imia espantosa exceção aos fatos da observação universal. Certamente não há paralelo ao seu caso na história das missões modernas. Esses irmãos de Antioquia foram extremamen­te peculiares. A presunção derivada da experiência missionária é poderosa­mente contra a hipótese de Whedon da maravilhosa prontidão desses gentios

38. Comm. on Acts, xiii.48.

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de abraçar o evangelho. Dizer que a graça de Deus fez a exceção seria ocupar terreno calvinista. Pressupor uma influência miraculosa equivaleria a mesma coisa, já que o milagre teria sido da graça.

Terceiro, a afirmação de que esses pagãos possuíam um poder auto­determinante da vontade num estado de pecado e em relação às coisas espiri­tuais que envolvem a salvação da alma, caso a construção que Whedon faz em seu sistema teológico seja correta, não deixa lugar a dúvida de que neste as­pecto aquele sistema abarca como um de seus característicos distintivos um elemento comum aos pelagianos e semi-pelagianos. “Todos concordam”, diz John Owen, “que está absolutamente no poder da vontade do homem fazer ou não uso dela [graça], isto é, de efetuar ou produzir neles a totalidade desta graça comunicada no modo descrito; pois, apesar de algo ser assim operado em nós ou sobre nós, à vontade ainda é deixada variada, flexível e indeterminada.” ® Este fato deveria chamar a atenção do verdadeiro povo de Deus das comunidades arminianas. Evidentemente há uma crescente tendên­cia de dar mais importância do que Wesley fez à doutrina de que a vontade do pecador determina a questão da salvação prática. A doutrina é palpável e igual­mente oposta ao claro ensino da Palavra de Deus e da experiência dos que conhecem sua própria impotência natural e o poder da graça que converte. Pareceria que escritores evangélicos tais como Bengel e Wesley preferiram evitar o sorvedouro do ponto de vista de Whedon, ainda que corressem o risco de se chocarem contra a rocha do calvinista.

Outra interpretação desta passagem de Atos é a de Meyer'“’ Ele diz que esses gentios de Antioquia não foram ordenados - ordinati - e sim destinados- destinati - à vida etema; e que a destinação estava condicionada à previsão divina de que se tomariam crentes - credituros. Esta interpretação é passível a duas objeções. Primeira, a distinção entre uma ordenação etema e uma destinação etema poderia ter sido visível à “ótica aguçada” do astuto alemão, porém não aos olhos do senso comum. E uma distinção trivial. Segunda, se os gentios de Antioquia foram destinados por Deus, em consequência de Sua pre­visão de que creriam para a vida etema, cada um deles foi, naturalmente, salvo. A consequência refuta a interpretação para o arminiano que, de outro modo, teria sido naturalmente levado a adotá-la pela analogia de seu sistema. Ele aceitaria a destinação para a vida etema de todos os que, pela presciência divina, haviam de perseverar até o fim, porém não daqueles que, pela presciên­cia, haviam de aceitar pela fé uma salvação inicial, e é tudo o que o registro nos autoriza a manter concemente aos atos cônscios desses crentes gentílicos de Antioquia. Meyer é metade arminiano, um quarto calvinista, e o quarto restante

39. Works, vo l iii. p. 308, Goold’s Ed., 1852.40. Comm. on Acts.

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sui generis [ele mesmo]: arminiano, em que ele mantém a previsão de fé como sendo a condição do propósito divino de salvar; calvinista, em que o propósito divino de assegurar a salvação final aos que creem no primeiro caso; e meyerista, em que ele mantém que o propósito divino destina os crentes, porém não os ordena, à vida etema. Mas, que importa? Ele não é um escravo de um sistema dogmático; ele é um livre exegeta! Ele se dá a liberdade de fazer uma passa­gem da Escritura contradizer outra! A Escritura deve ser agrilhoada pela teolo­gia dogmática? Entrementes, os crentes comuns pensarão que a Bíblia, como seu Deus, é consistente consigo mesma. Toda ela é arminiana, e toda calvinista. A antiga pergunta permanecerá: Qual?

Estes testemunhos conflitantes prejudicam o testemunho de outros. O cla­ro significado do historiador inspirado é que Deus propôs que esses gentios atualmente cressem em Cristo e que através da fé fossem etemamente salvos.

Paulo, em Filipenses, declara que nos é dado crer em Cristo. De nada vale a evasiva de que ele fala dos que já são crentes. Pois se o contínuo exercício da fé é um dom divino, assim também é seu primeiro exercício. Ele diz, em Colossenses, que somos ressuscitados com Cristo através da fé que Deus ope­ra em nós. Se somos realmente ressuscitados com Cristo, então teríamos real­mente crido nele. A ressurreição e os meios são ambos divinamente operados em nós. Os apóstolos oraram para que Jesus aumentasse sua fé ~ tanto o princípio quanto seu fruto. Somente Aquele que podia aumentar ambos é que podia dar ambos. A.lguns creem, diz Paulo em 1 Coríntios, não por causa de qualquer diferença em predispor os dons, não porque sejam nobres e sábios e poderosos ou porque sejam alguma coisa, mas porque Deus efetivamente os chama, por Seu Espírito, para que possam crer. Mas, por que particularizar? A doutrina explicitamente enunciada, concemente à regeneração pela graça supematural, que cria de novo, que gera vida aos espiritualmente mortos, deixa bastante claro para que os cegos vejam e os surdos ouçam e os mudos confes­sem que a fé em Cristo, seja em princípio, seja em exercício, é um gracioso dom de Deus, segundo o etemo propósito de Sua misericordiosa vontade.

Em segundo lugar, a posição de que a fé é dom de Deus, meramente como um poder e não como um exercício do poder, tístá em desarmonia com os pontos de vista do próprio Wesley. Ele mantinha que Deus, ao dar a salvação - como um fato atual dá a fé. E uma indispensável condição da salvação graciosamente outorgada. Mas, se somos realmente salvos pela graça, segue- se que pela graça realmente cremos.

Em terceiro lugar, fé evangéhca que, como um poder, é confessada ser um dom divino implica a posse da vida espiritual - isto é, uma vida santa supematuralmente comunicada. Com o que nega isto não pode haver na ques­tão ora diante de nós nenhuma controvérsia: ele nega categoricamente as Es-

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crituras. Mas cada princípio de vida, seja natural ou espiritual, entra e vitaliza cada parte e faculdade do ser ao qual ele é inerente. Por virtude de uma neces­sidade espontânea, ele se expressaria na vontade tanto quanto em todas as demais faculdades. Dizer que alguém pode ter, e continua a desfrutar, da vida natural, e que pode, pela escolha de sua vontade, recusar exercer as funções espontâneas apropriadas a ela - respirar, comer, por exemplo - , seria falar de modo ininteligível. Certos atos especiais que pode resolver ou declinar a fazer, mas as funções principais ele não pode declinar de realizar De algum modo, ele expressaria o poder residente no princípio da vida. Dizer que compete à vontade resolver expressá-lo absolutamente é simplesmente fora de questão. De igual modo, aquele que possui vida espiritual deve dar-lhe expressão em algumas funções apropriadas a ela. Não está na capacidade da vontade supri­mir absolutamente sua manifestação. É impossível a suposição de que a vonta­de, como elemento da natureza renovada e santa, pudesse decidir não expres­sar as tendências espontâneas da vida espiritual. Essa vida flui na vontade e imprime nela a própria lei de sua espontaneidade. A vontade assim espiritual­mente vitalizada pode escolher entre atos santos, porém não escolheria realizar qualquer ato, seja qual for ele - isso é inconcebível. Uma vontade espiritual­mente viva expressaria por suas decisões, de alguma forma,, uma natureza espiritualmente viva, uma natureza consistindo da própria vontade, tanto quantoo intelecto e os sentimentos - eu diria, não pela compulsão de uma força exter­na, e sim pela santa espontaneidade residente em si mesma. O adulto, que nasceu do Espírito Santo, como certamente se volve, em obediência aos instin­tos de sua nova natureza, a Jesus Cristo para a salvação, e real e consciamente crê nele, como os recém-nascidos se volvem, em conformidade com seus ins­tintos naturais, â fonte de nutrição no peito de sua mãe. Ele não poderia por um ato da vontade recusar a fazer isto e continuar a viver espiritualmente, não mais que um homem poderia declinar de comer e manter sua vida corporal. Enfim, se o dom supematural do poder de crer em Cristo foi conferido a al­guém, e consequentemente possui um princípio espiritualmente vivo, ele quer, por uma “feliz necessidade” de ação espontânea, escolher realmente crer em Cristo. Ele não pode, como novo homem, escolher não crer Sua vontade possui uma afinidade eletiva com Cristo, a qual se expressaria pelo ato de fé nele. O elemento do pecado que ainda resta nele pode protestar e resistir, porém não pode impedir a ação da vontade renovada.

É verdade que há um hábito ou estado de fé no cristão que é distinguível dos atos ou exercícios especiais da fé, mas esse estado envolve aquiescência no plano de salvação e confiança em Cristo; e jamais se pode esquecer que tal homem não poderia, por uma decisão deliberada de sua vontade, recusar crer em seu Salvador

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A questão da ação auto-determinante da vontade com respeito ao exercí­cio atual da fé em Cristo surgirá de novo no curso da discussão. No momento é sufíciente haver estabelecido a posição de que a fé é resultado da eleição, e por isso não pode ser uma condição dela.

Terceiro, uma santa disposição e boas obras não são condições, e sim re­sultados da eleição.

Isaías 26.12: “SENHOR, concede-nos a paz, porque todas as nossas obras tu as fazes por nós.”

Atos 5.31: “Deus, porém, com sua destra, o exahou a Príncipe e Salvador, a fím de conceder a Israel o arrependimento e remissão de pecados.”

Romanos 8.29: “Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fím de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos.”

Romanos 9.11: “E ainda não eram os gêmeos nascidos, nem haviam prati­cado o bem ou o mal (para que o propósito de Deus, quanto à eleição, prevale­cesse, não por obras, mas por aquele que chama).”

Efésios 1.3,4: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de benção espiritual nas regiões celestiais em Cristo, assim como nos escolheu, nele, antes da íundação do mundo, para ser­mos santos e irrepreensíveis perante ele.”

Efésios 2.10: “Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas.”

Filipenses 2.12,13: “Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes, não só em minha presença, porém muito mais agora em minha ausência, desenvolvei vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo sua boa vontade.”

2 Tessalonicenses 2.13: “Entretanto, devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados pelo Senhor, porque vos escolheu desde o princípio para a salvação, pela santificação do Espírito e fé na verdade.”

2 Timóteo 1.9: “que nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo nossas obras, mas conforme sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos.”

1 Pedro 1.2: “eleitos segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e a aspersão do sangue de Jesus Cristo.”

A consideração dessas passagens nesta coletânea em que a presciência é conectada com a eleição é reservada até que os textos-prova diretos citados em favor da eleição condicional sejam examinados. As demais passagens são tão definidas em afirmar que a santa obediência é o finto e não a condição da

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eleição, que teriam que ser torcidas e forçadas a ensinar alguma outra coisa. Wesley e Whedon, a fim de escapar à força do testemunho no quinto capítulo de Atos, distinguem entre a doação do arrependimento e a doação do perdão.O perdão é um direto, mas, como o próprio homem deve arrepender-se, é o poder de arrepender-se que é dado. Whedon observa; “O arrependimento, sen­do um ato humano, dificilmente se pode dizer estrita e simplesmente que ele é dado, e por isso pareceria que o que está implícito é o privilégio ou poder de arrependimento.” Aqui não é só o Espírito Santo, mas até mesmo Meyer é contra ele. Ele diz; “Nem meramente o impulso e a ocasião dada... Contra este ponto de vista se pode insistir no anexo; ‘e perdão de pecados’, o que não é compatível com aquele mui livre entendimento de ‘dar’.” Eqüivale dizer, o dom do arrependimento e o do perdão permanecem em pé de igualdade. Um é dado do mesmo modo que o outro.

, Não se deve ignorar que há um sentido amplo e um estreito do termo arre­pendimento. No uso teológico, ele agora veio a ser sinônimo de penitência - pesar por e ódio ao pecado, e um sincero volver-se dele para Deus. No Novo Testamento, porém, ele geralmente é empregado num sentido amplo e genéri­co, equivalente a conversão, inclusive o novo nascimento, fé em Cristo e peni­tência. Este é 0 sentido em que Pedro, em seu sermão pentecostal, o usa, quando, em resposta à inquirição; “Varões irmãos, o que faremos?”, ele disse; “Arrependei-vos e sede batizados.” Somente assim pode sua resposta a esses inquiridores concemente ao caminho da salvação harmonizar-se com a diretriz mais específica do Senhor Jesus sob circunstâncias similares; “Esta é uma obra de Deus; que creiais naquele a quem enviou”; e de Paulo e Silas ao condenado carcereiro de Filipos; “Crê no Senhor Jesus Cristo, e serás salvo.” Apresentam a fé como o primeiro dever do pecador Pedro não podia haver querido apre­sentar a penitência como o primeiro dever; sua intenção era dizer; Convertei- vos - nascei de novo, crede em Cristo e apartai-vos de vossos pecados, com tristeza por eles, abraçai a Deus. À luz deste ponto de vista bíblico, o arrepen­dimento deve ser considerado como \mia dádiva de Deus - como uma mudan­ça operada no pecador pela graça supematuralmente comunicada. E como o que Deus faz no tempo, Ele teria proposto etemamente fazer, a conversão, como o abraçar a fé e a penitência, não pode ser recebida tanto como um efeito, como também a condição da eleição.

O testemunho em Efésios 1.4 é indisputável. Os arminianos se veem com­pelidos a evadi-lo. Por exemplo, Wesley diz sobre o texto; “Como Ele nos esco­lheu - ambos, judeus e gentios, a quem previu como crendo em Cristo.” Isto é, Ele nos escolheu porque previu que seriamos santos. Paulo, porém, diz justa­mente o oposto; Ele nos escolheu para que fôssemos santos. Tão clara é a afirmação de que a santidade é o efeito da eleição, que até mesmo Meyer e

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Elliott reconhecem que o infinitivo grego traduzido “para que fôssemos” é de intenção - a fim de que fôssemos santos. Efésios 2.10 é igualmente incontes­tável, mostrando como a eleição divina realiza a santidade. Deus, havendo nos elegido a fim de sermos santos, nos cria, como sua feitura, de novo em Cristo Jesus, a fim de praticarmos boas obras. Elliott insiste na força télica da última sentença. As duas passagens enfeixadas fazem a mente do Espírito tão clara como o dia ao humilde inquiridor, que a santa obediência é fhito, e não condi­ção, da eleição.

Quarto, perseverança até o fim em fé e santa obediência não é uma condi­ção, e sim o resultado da eleição.

Salmo 138.8: “O que a mim me concerne o SENHOR levará a bom termo; tua misericórdia, ó SENHOR, dura para sempre; não desampares as obras de tuas mãos.”

Salmo 89.19,20,28, 30-35: “Outrora, falaste em visão a teus santos e dis­seste: A um herói concedi o poder de socorrer; meio do povo, exaltei um esco­lhido. Encontrei Davi, meu servo; com meu santo óleo o ungi. Conservar-lhe-ei para sempre minha graça e, firme com ele, minha aliança. Se seus filhos des­prezarem minha lei e não andarem em meus juízos, se violarem meus preceitos e não guardarem meus mandamentos, então punirei com vara suas transgres­sões e com açoites, sua iniquidade. Mas jamais retirarei dele minha bondade, nem desmentirei minha fidelidade. Não violarei minha aliança, nem modificarei0 que meus lábios proferiram. Uma vez jurei por minha santidade (e serei eu falso a Davi?).”

Salmo 94.18: “Quando eu digo: resvala-me o pé, tua benignidade, SENHOR, me sustém.”

Isaías 49.15 e 54.8,10: “Acaso pode uma mulher esquecer-se do filho que ainda mama, de sorte que não se compadeça do filho de seu ventre? Mas ainda que esta viesse a se esquecer dele, eu, todavia, não me esquecerei de ti. Num ímpeto de indignação, escondi de ti minha face por um momento; mas com misericórdia etema me compadeço de ti, diz o SENHOR, teu Redentor. Porque os montes se retirarão, e os outeiros serão removidos; mas minha misericórdia não se apartará de ti, e a aliança de minha paz não será removida, diz o SE­NHOR, que se compadece de ti.”

Miquéias 7.20: “Mostrarás a Jacó a fidelidade e a Abraão, misericórdia, as quais juraste a nossos pais, desde os dias antigos.”

Mateus 25.34: “Vinde, benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo.”

Lucas 12.32: “Não temais, ó pequenino rebanho; porque vosso Pai se agra­dou em dar-vos seu reino.”

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João 6.37-40, 44-47: “Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora. Porque eu desci do céu, não para fazer minha própria vontade, e sim a vontade daquele que me enviou. E a vontade de quem me enviou é esta; que nenhum eu perca de todos os que me deu; pelo contrário, eu o ressuscitarei no último dia. De fato, a vontade de meu Pai é que todo homem que vir o Filho e nele crer tenha a vida etema; e eu o ressuscitarei no último dia. Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia. Está escrito nos profetas: E serão todos ensinados por Deus. Portanto, todo aquele que da parte do Pai tem ouvido e aprendido, esse vem a mim. Não que alguém tenha visto o Pai, salvo aquele que vem de Deus; este o tem visto. Em verdade, em verdade vos digo; quem crê em mim tem a vida etema.”

João 10.11-16,26-30: “Eu sou o bom pastor O bom pastor dá a vida pelas ovelhas. O mercenário, que não é pastor, a quem não pertencem as ovelhas, vê vir o lobo, abandona as ovelhas e foge; então, o lobo as arrebata e dispersa. O mercenário foge, porque é mercenário e não tem cuidado com as ovelhas. Eu sou 0 bom pastor; conheço minhas ovelhas, e elas me conhecem a mim. Assim como o Pai me conhece a mim e eu conheço o Pai; e dou minha vida pelas ovelhas. Ainda tenho outras ovelhas, não deste aprisco; a mim me convém conduzi-las; elas ouvirão minha voz; então, haverá um rebanho e um pastor Mas vós não credes, porque não sois de minhas ovelhas. Minhas ovelhas ou­vem minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida etema; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará de minha mão. Aquilo que meu Pai me deu é maior do que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar Eu e o Pai somos um.”

João 17.11: “Já não estou no mundo, mas eles continuam no mundo, ao passo que eu vou para junto de ti. Pai santo, guarda-os em teu nome, que me deste, para que eles sejam um, assim como nós.”

Atos 2.47: “Louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos.”

Romanos 5.8-10: “Mas Deus prova seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores. Logo, muito mais agora, sendo justificados por seu sangue, seremos por ele salvos da ira. Porque, se nós, quando inimigos, formos reconciliados com Deus mediante a morte de seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos por sua vida.”

Romanos 8.38,39: “Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra

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criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.”

1 Coríntios 1.4, 8: “Sempre dou graças a [meu] Deus a vosso respeito, a propósito de sua graça, que vos foi dada em Cristo Jesus... o qual também vos confirmará até o fím, para serdes irrepreensíveis no Dia de nosso Senhor Jesus Cristo.”

Efésios 2.4, 5; “Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do gran­de amor com que nos amou, e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo - pela graça sois salvos.”

Filipenses 1.3, 6: “Dou graças ao meu Deus por tudo que recordo de vós... Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até o Dia de Cristo Jesus.”

1 Tessalonicenses 5.23,24: “O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo; e vosso espírito, alma e corpo sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo. Fiel é o que vos chama, o qual também o fará.”

2 Timóteo 4.18: “O Senhor me livrará também de toda obra maligna e me levará salvo para seu reino celestial. A ele, glória pelos séculos dos séculos. Amém.”

Hebreus 13.5: “Porque ele tem dito: De maneira alguma te deixarei, nunca mais te abandonarei.”

1 Pedro 1.3-5: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo sua muita misericórdia, nos regenerou para imia vida esperança, me­diante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma herança incorruptível, sem mácula, imarcescível, reservada nos céus para vós outros que sois guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação prepa­rada para revelar-se no último tempo.”

Judas 1.24, 25: “Ora, àquele que é poderoso para vos guardar de tropeços e para vos apresentar com exultação, imaculados diante de sua glória, ao único Deus, nosso Salvador, mediante Jesus Cristo, Senhor nosso, glória, majestade, império e soberania, antes de todas as eras, e agora, e por todos os séculos. Amém.”

Faltar-nos-ia tempo para a formulação de uma análise particular destas passagens. Tomadas coletivamente, elas fornecem uma grande massa de pro­va de que Deus preservará Seu povo para a vida etema no céu; e que, ao preservá-los, isso se deve ao Seu propósito etemo. Seria bastante estabelecero ponto diante de nós se não fizessem mais - e certamente o fariam - do que provar que os crentes são escolhidos ou eleitos para a salvação. Nas Escritu-

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ras, a salvação algumas vezes inclui a regeneração, justificação, adoção, santificação e glorificação. Estas são as partes que a abarcam como um todo. Algumas vezes ela simplesmente significa glorificação - a posse da felicidade e glória celestiais como o resultado sumariado e a coroa de todo o esquema. Consideremos estes dois aspectos: a eleição para a salvação é eleição para a perseverança. A graça de Deus que opera como o fruto da eleição determina os meios e também o fim ou, melhor, todas as partes e o todo. Se, por exemplo, ela determinou a fé como um meio de uma justificação perdível, ela não deter­minaria a salvação. Mas aquele que crê será salvo. Que sorte de salvação é aquela que pudesse perder-se? Como Ele poderia salvar do infemo a quem finalmente se afunda nele? Aquele que é justificado é também glorificado. O princípio se deve à predestinação, e por ela se une o fim. Cada parte da salva­ção e a totalidade dela têm referência ao propósito eletivo de Deus.

As passagens que já foram citadas provam fartamente que a fé, as boas obras e a perseverança nas mesmas, até o fim, não são condições, e sim resul­tados da eleição. Ao predestinar etemamente a glorificação de Seu povo. Deus também predestinou os meios para a concretização desse fim; meios que Ele mesmo propôs empregá-los e determiná-los usar por Sua graça.

E a estes testemunhos agora se acresce uma afirmação explícita do fato de que a eleição é incondicional. Em Romanos 9.27 e 11.5,6, Paulo afirma: “Mas, relativamente a Israel, dele clama Isaías: Ainda que o número dos filhos de Israel seja como a areia do mar, o remanescente é que será salvo. Assim, pois, também agora, no tempo 4e hoje, sobrevive um remanescente segundo a elei­ção da graça. E, se é pela graça, já não é pelas obras; do contrário, a graça já não é graça.” A massa de Israel não é salva. Quem, pois, será salvo? Um remanescente. Como este é salvo? Segundo a eleição da graça. Portanto, não segundo uma eleição condicionada pela presciência de suas obras. Seria fútil dizer que a fé não é uma obra. Boas obras são obras, e somos informados que há uma condição da eleição conhecida de antemão. Nem vale dizer que estas boas obras previstas não são legais e meritórias, e sim evangélicas e graciosas, pois nega-se que são determinadas pela graça e, consequentemente, afirma-se que são determinadas pela vontade do homem. Portanto, são obras humanas; e Paulo remove todas as obras de todo gênero da razão da eleição. Essa razão é graça, tão-somente graça, a graça eletiva da soberana vontade de Deus. Graça e obras são contraditórias. Aquela ou estas originariam a eleição. Devemos escolher entre elas. Paulo ratifica a graça; Deus proíbe que ratifiquemos as obras! A impossibilidade de ajustar esta poderosa passagem ao esquema arminiano é evidenciada na exposição que Whedon faz do dilema do apóstolo: “Graça e obras, o apóstolo ora afirma, são uma contradição. Nossa fé é tão livre como nossas obras, e nossas obras, tão livres como nossa vontade de que

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possuiremos o pleno poder no dado caso de escolher ou recusar Se é de obras compensadoras, então já não é mais gratuitamente ou pela graça, de outro modo obra ou compensação já não é compensação ou obra. Cada uma exclui a outra.”'”

Os textos-prova que os arminianos aduzem em favor da doutrina da eleição condicional, e contra a incondicional, são de dois tipos; diretos e indiretos. Os indiretos são; primeiro, os que são citados em favor da expiação universal; segundo, os que são aduzidos em apoio da defectibilidade dos santos; e, tercei­ro, os que são alegados para asseverar a posse e exercício do livre-arbítrio pelos homens com respeito à salvação.

Os seguintes são os principais, se não os únicos textos-prova diretos os quais demandam exame particular;

Romanos 8.29, 30; “Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja 0 primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou.”

1 Pedro 1.2; “Eleitos segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e a aspersão do sangue de Jesus Cristo, graça e paz vos sejam multiplicadas.”

2 Tessalonicenses 2.13; “Entretanto, devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados pelo Senhor, porque Deus vos escolheu desde o princí­pio para a salvação, pela santificação do Espírito e fé na verdade.”

O argumento destas passagens é; primeiro, que o conhecimento antecipa­do, isto é, presciência, é representada como, na ordem do pensamento, prece­dendo a predestinação ou eleição; eleição segundo a presciência; segundo, so­mos informados que a eleição é condicionada à fé, santa obediência e perseve­rança na mesma.

Antes de tudo, ouçamos o que os lexicógrafos, e os comentaristas que não são calvinistas, têm a dizer sobre estes textos. As palavras, nas passagens de Romanos e 1 Pedro, as quais são de importância crítica, são “preordenou” - TTpoéyvco - e “presciência” - ttpóyvuolv ~, ambas da mesma raiz.

Schleusner diz; “(4) ut simplex ylvwokco, amo aliquem, alicui bene volo. Rom. viii. 29, oijç irpoéYvo) quos Deus ab ætemo amavit, seu, ad quos pertinent benigna illa voluntas divina (ïïpoGeoLç) cui homines adductionem ad religionem et felicitatem christianam debent.” Ele censura Koppius por uma interpretação diferente, e endossa sua própria por uma referência a diversas passagens da

41. Comm. on Rom.

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Escritura, enfatizando que na mesma epístola, onde Paulo diz que Deus não rejeitara Seu povo a quem de antemão conheceu - TrpoéYvcú - , e onde a palavra não pode ser tomada no sentido de simples presciência.

Com respeito ao substantivo, diz ele: “(2) per metonymiam causse pro effectu: consilium, decretum.” Neste sentido, ele diz que a palavra irpoYvwoLi; é usada duas vezes no Novo Testamento: Atos 2.23 e 1 Pedro 1.2. Na segunda passagem, “segundo a presciência de Deus Pai”, significa segundo o sapientíssimo e mui benigno conselho (consilio) de Deus pelo qual foram feitos cristãos {Christianis factis).'"

Cremer faz os termos “conhecer de antemão” e “presciência” equivalen­tes à auto-determinação de Deus de unir-Se em comunhão com os seres hu­manos. Esta auto-determinação corresponde à eleição, cuja diferença, contu­do, que se obtém entre elas é que a auto-determinação que é abstraída de objetos particulares é expressa na eleição que designa aqueles objetos. Diz ele: “‘Conhecer de antemão’, portanto, corresponde a ‘eleger antes da fundação do mundo’, que em Efésios 1.4 precede a “predestinado”, justamente como ‘conhecer de antemão’ em romanos 8.29. ‘Presciência’, contudo, inclui essen­cialmente a auto-determinação para esta comunhão da parte de Deus (Rm8.29, ‘com quem Deus antes entrara em comunhão’); enquanto que ‘eleição’ meramente expressa uma determinação dirigida aos objetos da comunhão (cf IPe 1.2, ‘eleitos segundo a presciência de Deus’.” O ponto de vista de Cremer é peculiar, porém rejeita a interpretação que faz a presciência, nestas passa­gens, equivalente a mera pré-cognição.

Sobre 1 Pedro 1.2, ele observa: ‘“Eleger segundo a presciência de Deus’ denota a comunhão preordenada entre Deus e os objetos de Seus conselhos salvíficos; a auto-determinação de Deus de entrar em comunhão com os obje­tos de Seus soberanos conselhos, precedente à realização dela.”

Neste mesmo capítulo de 1 Pedro, a palavra tem a função de preordenação (v. 20): “conhecido - [preordenado] irpo6Yvo)o|iéyoi) - , com efeito, antes da fundação do mundo”; sobre o quê Glassius, em seu. Philogice Sacrce, diz: “hoc est, setemo Dei decreto ordinatus in victinampro peccatis hominum offerendam.”

Refrear-me-ei de citar as opiniões de comentaristas com respeito a Roma­nos 8.29, pela razão de ambos, calvinistas e arminianos, diferirem entre si mes­mos quanto ao significado preciso da presciência mencionada naquele versículo e sua conexão com a predestinação da qual o apóstolo fala ah. Os pontos de vista de alguns, que não são calvinistas professos, sobre 1 Pedro 1.2, serão fornecidos.

O Dr Fronmuller, expositor das Epístolas de Pedro em Lange’s commentary, assim interprete o versículo: “‘Segundo a presciência de Deus’ deve ser conectado

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com ‘eleitos’; não denota mera presciência e pré-cognição, cujo objeto deveras não é mencionado, e sim tanto a distinção real como a decretação antecipada.” O Dr Mombert, o tradutor, adiciona isto de Grotius; “Conhecimento antecipado, aqui, não significa presciência, e sim decreto antecedente (antecedem decretum), como em Atos 2.23; o mesmo sentido como em Efésios 1.4.”

O D r Huther, continuador dos comentários de Meyer, observa sobre este versículo: “TrpÓYvtoaiç geralmente é traduzido pelos comentaristas como predestinaçãoy [Ele refere numa nota a Lyranus: preedestinatio; Erasmo: prgefinitio; Gerhard: irpóSeoLç juxta quam facta est electio; De Wette: pcuÀií aut TipocopLoiióç.] Isto, sem dúvida, é inexato, contudo se deve observar que no Novo Testamento irpÓYvtooLí; está sempre em tal conexão que mostra que ex­pressa uma ideia afim àquela de predestinação, porém sem a ideia de conhecer ou de reconhecer estar perdido. É a percepção de Deus por meio da qual o objeto é determinado, como aquilo que Ele percebe existir. C f Meyer sobre Romanos 8.29: “Significa estando Deus inteirado de Seu plano, em virtude do qual, antes que os objetos fossem destinados por Ele para a salvação. Ele sabe quem deve ser assim destinado por Ele.” Portanto, é incorreto entender a pala­vra como a denotar simplesmente conhecimento antecipado. [Numa nota, ele diz: “A palavra não tem esta significação no Novo Testamento.”] Isto leva a uma interpretação pelagiana, e é rebatida pela frase de Agostinho: “eligendos facit Deus, non invenit.”

Rosenmuller, sobre o texto, diz: “irpÓYvwoLç, decretum, consilium, ut Actor ii.23. Ad christianam igitur religionem perductos esse ait, ex decreto et consilio Dei Patris.” Ele se refere a Carpzov que toma a palavra como equivalente aTrpÓ06OLÇ. -

A opinião de Oshausen pode ser claramente coletada do que ele diz sobre Romanos 8.29: “Aqui, entretanto, não parece haver diferença entre irpoéYvco e TTpocópLoe, enquanto também em Atos 2.23, 1 Pedro 1.2, Romanos 11.2, TTpÓYvcooLç é usada diretamente para a vontade divina.”

Estas autoridades não são mencionadas como decisivas, mas para o propó­sito de mostrar que as provas de uma eleição condicionada à presciência, que são derivadas de Romanos 8.29 e 1 Pedro 1.2, são inteira e demasiadamente duvidosas para fazer oposição à massa de testemunho bíblico direto os quais têm sido aduzidos em favor da eleição incondicional.

Mas o apelo da parte das autoridades é perfeitamente evidente à luz de toda a estrutura destes textos de que a eleição não é condicionada à presciên­cia divina da fé, santa obediência e perseverança nas mesmas. Em Romanos8.29, os que são conhecidos de antemão são distintamente representados como predestinados a serem conformes a Cristo. O decreto predestinador efetua

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essa conformidade; consequentemente, não pode ser condicionado à conformi­dade como conhecimento antecipado. Além do mais, diz-se explicitamente que é Deus quem, em concordância com Seu propósito predestinador, chama a quem justifica e a quem glorifica. O pecador chama, justifica e glorifica a si mesmo? Porventura esses atos não são divinos? Não é Deus quem, no exercí­cio de Seu etemo propósito, assim salva o pecador?

Em 1 Pedro 1.2, lemos expressamente que os destinatários são os eleitos segundo a presciência de Deus o Pai para obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo. Toda a santa obediência, envolvendo a fé e a cônscia recepção dos beneficios que fluem da aplicação do sangue de Jesus, é atribuída ao pro­pósito eletivo de Deus como seu fim imediato. E aquilo para o quê as pessoas designadas são eleitas. Tampouco corresponderá dizer que se declara que a eleição é através da santificação do Espírito. Porventura se firmará que o pecador se santifica para a obediência e aspersão do sangue de Cristo? Isso seria asseverar que ele se santificou com vistas à sua santificação. E se porventura ainda se replicar que ele deva crer a fim de receber a santificação do Espírito, replica-se que, em primeiro lugar, é o ofício santifícador do Espírito outorgar a fé, como os arminianos admitem; e, em segundo lugar, somos infor­mados que a fé está inclusa na obediência para a qual os destinatários foram eleitos e a qual o poder santifícador do Espírito produz. De outro modo, a afír- mação seria: creiam a fím de serem santifícados a fím de crerem. Nenhuma crítica justa pode extrair tal significado das palavras inspiradas do apóstolo.

Na passagem de Pedro, Richard Watson faz este extraordinário comentá- rio:''^ “Aqui obediência não é o fim da eleição, e sim da santificação do Espírito; e ambas são enfeixadas com ‘a aspersão do sangue de Jesus’ (a qual, em todos os casos, é apreendida pela fé), como o meio através do qual nossa eleição é efetuada - ‘eleitos através da santificação do Espírito’ etc. Estes não podem, portanto, ser os fins de nossa eleição pessoal; pois, se somos eleitos ‘através’ daquela santificação do Espírito que produz obediência, não somos eleitos, sen­do profanos e desobedientes a fim de sermos santificados pelo Espírito para obedecermos. Esta é a obra do Espírito que produz fé obediente, e através de ambas somos ‘eleitos’ na igreja de Deus.”

Primeiro, nirai aspecto, isto é calvinismo tão bom quanto se poderia desejar Ele admite que é o Espírito quem produz fé obediente, por certo que não é a vontade determinante do pecador que a produz. O pecador crê, mas a graça do Espírito é que origina sua fé. Mas, como o Espírito é Deus, e tudo quanto Deus faz no tempo propôs etemamente fazer. Sua produção de fé no pecador foi etemamente proposta; ou, o que é a mesma coisa, o pecador foi etemamente

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eleito para crer. Segundo, Watson argumenta que, posto que alguém é eleito através da santificação do Espírito envolvendo fé e obediência, estas duas são meios e não fins da eleição. E precisamente assim; exceto que a santificação, envolvendo fé e obediência, não é o meio através do qual a eleição existe, mas através do qual ela opera. O calvinista não faz a santificação, que produz fé e obediência, um fim da eleição. O fim próximo é a salvação final do pecador, e 0 final é a glória da graça de Deus. A santificação é o meio escolhido para esse fim. Portanto, ele erra o alvo quando faz o calvinismo considerar a obediência como o fim da eleição; mas sua linguagem é também perfeitamente calvinista, pois assevera que os meios através dos quais a eleição entra em vigor são produzidos no pecador pela graça do Espírito, e naturalmente foram etema­mente ordenados.

Qualquer, pois, que seja a natureza da presciência mencionada nestes tex­tos, não pode ser a de fé e santidade como condições da eleição. Isso, ao menos, é evidente.

Evoca-se 2 Tessalonicenses 2.13 para provar que a eleição é condicionada à fé e santa obediência. Com respeito a isto, pode-se argumentar: primeiro, esta passagem põe “santificação” antes de “fé na verdade”. As palavras santificação do Espírito são às vezes usadas para significar toda a agência do Espírito em produzir religião experimental, partindo da regeneração, incluindo a operação de fé, penitência e a disposição de produzir boas obras, e terminando na glorificação. Se'o Espírito exerce esta influência renovadora e salvífica no pecador, isso se dá em consequência do etemo propósito de Deus de que Ele faria. O que quer que Deus faça no tempo, etemamente propôs fazer, e, como o Espírito é Deus, o que quer que o Espírito faça no tempo, foi etemamente proposto. A operação supematural do Espírito e a fé engendrada por Ele cons­tituem, segundo a afirmação de Paulo nesta passagem, os meios ordenados através dos quais o propósito eletivo de Deus efetua a salvação do pecador. Se, como é bem provável, a salvação que o apóstolo neste texto diz que Deus escolhe é a felicidade e glória finais, esse fim não é designado sem também a designação dos meios para sua obtenção; e tais meios são principalmente a operação do Espírito, renovando e santificando o pecador. Dizer que o pecador é 0 próprio originador de sua vida espiritual e suas fimções, e que ele, por seu arrependimento e fé, condiciona a obra do Espírito em sua alma, é assumir uma posição que é, respectivamente, antibíblica e irracional.

O que lucra o arminiano por insistir nas palavras “através da santificação do Espírito e fé na verdade”? Se ele quer dizer que aqui se assevera a causa material da eleição, então mantém que santificação e a fé são a causa, em razão da qual, com base na qual. Deus elege para a salvação. Ele, porém, recusa formalmente assumir tal ponto de vista. Se ele quer dizer que a santificação

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e a fé são a causa instrumental da eleição, então contradiz o decisivo testemu­nho da Escritura de que elas não são a causa instrumental, e sim os efeitos da eleição. Se ele quer dizer que a santificação e a fé são a causa instrumental da salvação, então ratifica exatamente o que o calvinista confessa.

Aqui, entretanto, há necessidade de uma importante distinção - entre a condição da eleição e as condições da salvação. Nem a obra de Cristo nem a obra do Espírito em qualquer sentido são uma causa da eleição, conquanto sejam, em importantes sentidos, causas da salvação. Cristo não foi a causa eficiente ou meritória ou instrumental da eleição. Ele não foi o fundamento da eleição - fundamentum electionis; porém é o fundamento da redenção - fundamentum redemptionis. Ele comprou a redenção por Sua completa obe­diência ao preceito e ã penalidade da lei divina, pela qual Ele satisfez ajustiça e introduziu a retidão etema; e por Sua intercessão sacerdotal Ele adquire a gra­ça salvífica do Espírito Santo, a qual, como Rei, Ele comunica. Sua obra foi assim uma causa instmmental e meritória da redenção. Não obstante, Ele foi eleito para o exercício desta solene obra pela soberana vontade do Pai. Assim não foi a obra do bendito Espírito uma causa da eleição, nem eficiente nem instmmental. Ao efetuar a renovação e santificação do pecador, Ele veio a ser a causa próxima eficiente pela qual o propósito eletívo - a vontade de Deus pela qual os eleitos são santificados - é executado, e, ao cunÿrir este ofício. Sua graça veio a ser uma causa divinamente designada da salvação. E assim se faz evidente a diferença entre a causa da eleição e a causa da salvação.

A graça e os deveres da alma renovada em nenhum sentido são causas eficientes ou meritórias. Em que sentido são causas instmmentais, é importante determinar. Fé em Cristo, como Salvador que justifica, é a causa instmmental da união com Ele. Isto é, é uma condição sem a qual a união atual, em contra­distinção à federal, com Ele não se concretizaria. Neste sentido, a fé é a única condição da salvação. Somente ela une consciamente o pecador a Cristo, e Cristo é salvação. Mas, com respeito à salvação fínal - felicidade e glória celestiais - , todas as graças do Espírito e todas as obras do homem cristão são causas instmmentais ou condições sem as quais aquele fim consumado não seria alcançado pelo adulto.

Ora, o ponto desta exposição dos meios de salvação é um argumento a fortiori necessariamente deduzível dele: que, se nem a obra de Cristo nem a obra do Espírito Santo é uma causa instmmental ou condição da eleição, muito menos podem a fé e a santa obediência do pecador ser tal causa ou condição. As condições da salvação são indispensáveis, porém em nenhum sentido são condições da eleição.

Segundo, o julgamento dos comentaristas imparciais é oposto ã interpreta-

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ção arminiana deste versículo. Auberlen e Riggenbach, na série de Lange, di­zem; “A preposição kv, etc., não pode pertencer a eílaTo, posto que propósito objetivo da livre graça não é condicionado pelo processo subjetivo em nós.” Elliott observa; “A preposição kv pode ser instrumental (Crisóstomo, Lüneman), mas, talvez seja mais naturalmente tomada em seu sentido usual como a deno­tar 0 estado espiritual em que o éíkaxo elç owxripLav foi realizado.” Webster e Wilkinson notam: “èv àj, seguindo eíÃ, indica que seu presente estado, caráter e qualificação para a bem-aventurança fiitura são o efeito da escolha de Deus, envolvida nela, como parte de Seu propósito original de graça para com eles. Assim, em 1 Pedro 1.1,2. Inclusive Rosenmuller diz com respeito à causa originadora da fé na verdade: “Deus ad salutem vos perduxit dum emendavit vos per doctrinam Christi perfectiorem, et effecit ut fidem haberetis religioni.”

Havendo considerado as provas bíbücas diretas aduzidas em apoio da dou­trina da eleição condicional, sigo em frente rumo ao exame da evidência indire­ta e inferencial fomecida pelas posições arminianas com respeito à universali­dade da expiação, a defectibilidade dos santos e o livre-arbítrio do homem na esfera espiritual. Mas, por várias razões, não me proponho a lançar-me nesse vasto oceano. Em primeiro lugar, as provas indiretas da eleição incondicional, que podem ser extraídas das doutrinas correlatas do sistema calvinista, não é minha intenção apresentá-lo, e isto justifica a conclusão de provas similares do lado arminiano. Em segundo lugar, algo como uma consideração adequada da­quela classe de provas levaria esta discussão para além dos limites que lhe foram designados. Em terceiro lugar, os tópicos que entram no escopo desse tipo de provas têm sido durante séculos compendiados em sistemas de teologia e fratados polêmicos, e seu tratamento aqui seria, em grande medida, apenas uma reafirmação de argumentos familiares. Não são peculiares á teologia evan­gélica arminiana, cujos proeminentes aspectos, como uma modificação dos remonsfrantes, são o principal propósito desta pesquisa examinar

Os elementos nos quais a doutrina da eleição pode ser analisada, havendo sido estabelecidos por um apelo direto à Palavra de Deus, iluminam o caminho para enfeixá-los numa afirmação compreensiva e definitiva:

A eleição é o etemo propósito ou decreto de Deus - incitada por Sua mera mercê para com o homem considerado como apostatado por sua própria culpa e miséria, fundada tão-somente no soberano beneplácito de Sua própria vonta­de, incondicionada por quaisquer qualidades, disposições ou atos da criatura, e envolvendo um amor peculiar de complacência para com seus objetos - condu­zir determinadas pessoas individuais à salvação etema, e todos os meios neces­sários para isso, para a glória de Sua graça.

Concluirei esta parte da discussão, sumariando os argumentos opostos à doutrina arminiana, enfatizando particularmente aqueles que se relacionam com

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a natureza condicional da eleição, como o principal ponto em debate entre as partes da controvérsia.

1. E antibíblica em que ela deixa de fazer Deus o único Autor da eleição. Pois enquanto ela representa Deus como a prover os meios pelos quais o peca­dor possa ser salvo, faz o pecador, por seu livre-arbítrio, determinar ele mesmo o uso salvífico desses meios. Portanto, na verdade é o pecador quem elege Deus, e não Deus quem elege o pecador. Sua eleição de Deus, como Salva­dor, condiciona a eleição que Deus faz dele como salvo.

2. Ela professa ensinar a eleição de indivíduos para a salvação, porém, na realidade, ela a nega. Pois ela afirma a eleição apenas sob a condição em que indivíduos podem ser salvos, caso queiram aquiescer-se a ela. Essa condição é fé em Cristo e perseverança na santidade até o fim. Mas, os indivíduos não são eleitos para empregarem esta condição; eles podem ou não empregá-la. Dizer que, se cumprem isso, são eleitos para a salvação, equivale afirmar uma elei­ção hipotética e contingente,ía qual não é nenhuma eleição. É uma contradição em termos.

3. E incorreta e inconsistente consigo mesma ao ensinar que a eleição se dá no tempo.

3.1. As Escrituras positivamente ensinam que a eleição é desde a eternidade.3.2. A eleição no tempo só poderia ser a execução temporal de um propó­

sito etemo. Uma eleição assim chamada atual corresponderia àquele propósito e 0 expressaria.

3.3. O propósito de Deus e Sua presciência são confundidos sem qualquer autoridade. O propósito de Deus é tido como sendo meramente Sua presciên­cia de uma eleição atual a ser executada no tempo, como condicionada à Sua presciência da aquiescência do homem com os termos de salvação. Mas o propósito envolve a vontade; a presciência, não. Identificá-los equivale a per­verter o significado aceito dos termos. Isto é ainda mais notável, porque o arminiano afirma que a presciência não causa nenhuma influência causal sobre os eventos.

3.4. A eleição concreta de Deus no tempo, como a única eleição expressi­va de Sua vontade, é prorrogada até que o pecador persevere em santidade até o fim da vida. Mas é igualmente contrário à Escritura e à razão manter que Deus aguarda os atos dos homens a fim de decidir sobre seus próprios atos. O que quer que Ele faça no tempo, teria etemamente planejado fazer. Ou então Deus, etemamente, quis eleger indivíduos, ou não é possível nenhuma eleição. O arminiano não tem resposta para isto; que Deus etemamente quis um ato concreto de eleição condicionada à Sua previsão da perseverança do pecador em santidade até o fim; pois, ao agir assim, ele negaria sua posição de que um

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etemo propósito de eleição nada mais era que mera presciência, sem envolver a vontade.

3.5. A doutrina é inconsistente consigo mesma. Ela afirma que a eleição é feita no tempo. Mas virtualmente também afirma que ela não pode ser no tempo, porquanto ela ensina que os homens só são eleitos concretamente quan­do houverem perseverado em santidade até o fim da vida. Então, só quando o tempo houver cessado é que a eleição entra em vigor. Portanto, afirma-se que a eleição se dá no tempo, e não se concretiza no tempo!

3.6. Os objetos desta eleição são homens mortos. Ela termina nos homens somente quando se escoarem as contingências da vida. Mas a Bíblia denomina de eleitos alguns homens vivos, e os arminianos admitem o fato.

3.7. A afirmação de que a eleição é no tempo equivale à afirmação de que no tempo o destino da pessoa eleita é fixado para a eternidade. De outro modo, sua eleição significa zero. Mas afirma-se também que sua eleição é condicio­nada à sua perseverança em santa obediência a t l e até o fim do tempo. Por conseguinte, seu destino não pode ser fixado no tempo. O destino dos eleitos é fixado no tempo, e não é fixado no tempo!

4. Ela está em desarmonia com a Escritura com respeito ao fim último da eleição. Ela admite que o fim próximo é a salvação; porém é logicamente obri­gada a negar que o fim último seja exclusivamente o louvor da graça de Deus. Porque, o louvor_é devido à graça pela provisão dos meios de salvação, e é devido aos próprios eleitos pela livre determinação de suas próprias vontades para empregarem tais meios. Deus não determina que o pecador faça uso dos meios; o próprio pecador é quem determina. Ele pode ser grato pela provisão dos meios, porém gratidão pela graça eletiva seria sem qualquer base. Sua fé, boas obras e perseverança o levam ao céu, porém estas não estão baseadas em ou devido à eleição; esta está condicionada àquelas. Ele não poderia since­ramente louvar a graça de Deus por conduzi-lo ao céu; só poderia louvá-la por propiciar-lhe os meios de chegar lá.

5. Ela nega o amor eletivo e salvífico de Deus, o que as Escrituras asseve­ram ricamente.

5.1. Ela confunde o amor de benevolência de Deus com o amor de com­placência.

5.2. Ela falha em distinguir entre a mercê de Deus para com uma raça apóstata considerada como fora de Cristo e o peculiar, intenso e inalienável amor de Deus para com aqueles a quem Ele considera como estando em Cristo.

5.3. Ela faz dos bodes os objetos do mesmo amor que as ovelhas dadas pelo Pai ao Filho que, por Sua morte, as redimiu e salvou.

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5.4. Ela faz o amor de Deus assegurar a salvação de nenhum de Seus filhos. Apenas lhes assegura uma salvação possível e contingente. Por isso é ele menor que o amor dos pais terrenos por seus filhos, pois estes salvariam seus filhos, caso o pudessem. Dizer que Deus não pode salvar todos os seus filhos seria uma heresia que se precipita na blasfêmia.

5.5. Ela faz mutável o amor de Deus para com Seu povo. Pois Ele não pode nutrir o mesmo amor para com eles quando cessam de ser Seu povo por apostatar dele.

5.6. Ela contradiz as asseverações da Palavra de Deus - que Seu fiel amor para com Seu Filho jamais permitirá que pereça aquele que se acha jungido na mesma aliança que Ele fez com o Filho, mesmo quando abandonam Seus cami­nhos e transgridem Seus estatutos; que nada os separará de Seu amor; que jamais os deixará nem os abandonará; que ainda que a mãe se esqueça do filho que mama, Ele jamais Se esquecerá deles, mas os salvará com eternas miseri­córdias.

6. Ela faz a eleição supérflua e inútil. Porquanto nega que a eleição seja para a fé e a santidade, e afirma que ela é condicionada á perseverança nelas até 0 fim - isto é, o fim da vida e a obtenção do céu. Segue-se, necessariamen­te, que, quando se prevê que o pecador consegue chegar no céu, então ele é eleito para obtê-lo. Onde está a utiHdade de tal eleição? Alguém se vê obrigado a aplicar-lhe a navalha de Occam - a lei da parcimônia, de que as causas não precisam ser desnecessariamente multiplicadas para um dado efeito. Se, atra­vés da assistência da graça e as livres determinações de sua própria vontade, um homem houver perseverado na santa obediência até o fim e houver alcan­çado a felicidade celestial, por que evocar uma causa para garantir o resultado que fora dela foi garantido? E inconcebível que Deus eleja seres humanos para que sejam salvos em consequência de pré-conhecer que são salvos; ou que sejam eleitos para serem salvos homens que Ele soube de antemão que, pela assistência da graça, se salvariam. Deus não faz nada em vão; porém esta doutrina o representa como a fazer algo fútil.

7. Ela confunde os elementos do plano de salvação.7.1. Confunde os jhitos da graça com os meios de graça. Fé, boas obras

e perseverança nas mesmas são frutos da graça - seus produtos, não seus meios ou condições. Os meios de graça são a Palavra, os Sacramentos e o Culto.

7.2. Ela limita arbitrariamente a salvação à felicidade celestial, quando tra­ta do destino que Deus dá aos homens; confunde glorificação - uma parte da salvação - com a salvação como um todo. A Escritura declara a regeneração, justificação, adoção e santificação como sendo tão essenciais quanto a glori­

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ficação. Eleição, segundo o arminianismo, é a glorificação; segundo a Escritu­ra, é para a salvação. E, no entanto, ela insiste na necessidade de experimen­tar-se uma salvação atual. Como esta inconsistência deva ser explanada pelos princípios arminianos, ao distinguir entre uma salvação inicial e perdível, de um lado, e uma salvação fínal, do outro? Daí alguns teólogos arminianos manterem uma dupla eleição: uma, incondicional, para uma salvação inicial e contingente; a outra, para uma salvação final. No entanto:

Primeiro, as Escrituras, incontestavelmente, representam a salvação como um grande e todo indiviso princípio na regeneração e justificação e completada na glorificação. É totalmente antibíblico cindi-la em duas partes: uma contin­gente e a outra, definida; uma inicial, e a outra, final.

Segundo, as Escrituras representam claramente a eleição de indivíduos para a salvação como sendo um só e indiviso propósito. É inteiramente antibíblico efetuar este cisma no propósito eletivo de Deus e fazer uma parte dela termi­nar numa salvação inicial e defectível, e a outra numa final e infalível. É preciso fazer escolha entre duas altemativas: ou não há nenhum propósito eletivo, ou um que não seja separável em partes condicionadas pela flutuante agência do homem.

Terceiro, uma salvação que pode ser perdida não é nenhuma salvação. Não há fiindamento bíblico para a doutrina de uma salvação inicial e incerta. Ela representa aquele que é salvo como etemamente salvo. Há duas grandes colunas que não podem ser dermbadas pelo pecado ou por Satanás, pela terra ou pelo infemo: estas são o imutável propósito de Deus e a vida indestmtível que a ahna justificada possui em Cristo. A quem Deus propôs salvar, Ele o salva para sempre; quem vive em Cristo, vive para sempre. De outro modo. Deus propôs salvar sem salvar, e justifica sem justificar Segundo o ponto de vista em pauta, um homem pode ser eleito para ser salvo temporariamente, o qual se perde finalmente - salvo no tempo, porém perdido na eternidade. E, como alguém que é temporariamente salvo pode apostatar reiteradas vezes - isto é, perder sua fé inteiramente - , ele pode ser eleito para diversas salvações temporárias, e finalmente perecer. E, além do mais, posto que tal homem pode morrer na fé, então ele tem de ser eleito para diversas salvações temporárias e uma salvação etema além daquelas. Seguramente, não é a eleição divina que está implícita, e sim a do próprio homem. Causa pouca surpresa que os douto­res evangélicos arminianos difiram entre si, alguns deles se referindo á eleição em parte a uma salvação inicial, e em parte a uma final. A real dificuldade é que ambos os partidos, nesta hostilidade familial, rejeitam a eleição divina, a qual, como o próprio Deus, é estável, e a substitui pela eleição do próprio homem, a qual, como o homem, é caracterizada por mudança.

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7.3. Sem qualquer justificativa, ela confunde vida etema com vida celestial. As Escrituras afirmam que aquele que tem o Filho tem a vida etema. A vida, como a salvação, é um grande todo, começando no novo nascimento e justifi­cação, se desenvolve em santificação e se consuma na glória. A eleição, se­gundo o arminianismo, é para a vida no céu; segundo a Escritura, é para a vida em Cristo. Viver em Cristo é viver para sempre. Há um segundo nascimento, mas a Bíblia em parte alguma fala de um terceiro nascimento. Aquele que é renascido, nasce uma vez por todas na família de Deus, filho do Pai, irmão do Filho e herdeiro da glória - co-herdeiro com Cristo, não para uma herança contingente e perecível, mas para uma herança incormptível, imaculada e que não fenece, reservada no céu para “aqueles que são guardados pelo poder de Deus”, pela fé na salvação.

7.4. Ela nega o que as Escrituras inquestionavelmente asseveram: a escra­vidão da vontade ao pecado e a Satanás do pecador não-regenerado. Porque, como mais adiante se mostrará, ela afirma o poder da vontade natural, como tal, de usar a graça comunicada a qual alega-se ser suficiente, porém não regeneradora.

7.5. Ela nega o que as Escrituras, nitidamente, ensinam: o ato do Espírito Santo de gerar vida na regeneração como a iniciar a experiência que o pecador tem da salvação. Porquanto faz o arrependimento preceder e ser a condição da regeneração, antibiblicamente considera a regeneração uma “obra”, na qual o pecador coopera ativamente com o Espírito, e assim ela é palpável e confes­samente sinergética."* .

7.6. Ela faz a certeza da salvação um solecismo e anula a certificação da salvação pelo testemunho do Espírito. Ambas significam a mesma coisa. Falar da certificação de estar salvo é, repito, um solecismo; pois eqüivale apenas a uma certificação de um adiamento e não fomece nenhuma garantia contra a condenação final. Esta não é a doutrina das Escrituras. Estas representam a certeza da salvação fínal como já alcançada. “Quem me dera fossem agora escritas minhas palavras”, exclamou Jó, o tipo e exemplar de uma fé sofredora, “Quem me dera fossem gravadas em livro! Que, com pena de ferro e com chumbo, para sempre fossem esculpidas na rocha!” (Jó 29.23, 24). O ardente fervor e profunda solenidade do exórdio redimem as “palavras” de toda e qual­quer interpretação racionalista, a qual as arrancaria de sua grande significação redentiva. Quais são as palavras infroduzidas com tanta magnificência? “Por­que eu sei que o meu Redentor vive e por fím se levantará sobre a terra. Depois, revestido este meu corpo de minha pele, em minha came verei a Deus. Vê-lo-ei por mim mesmo, meus olhos o verão, e não oufros; de saudade me

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desfalece o coração dentro em mim” (w . 25-27). “Ele redimirá Israel”, cantou 0 maestro da Igreja em seus cânticos de louvor, “de todas as suas iniquidades.” “Ainda que eu ande no meio de tribulação, me reavivarás; estenderás tua mão contra a ira de meus inimigos, e tua destra me salvará. O Senhor aperfeiçoará aquilo que concerne a mim; tua misericórdia, ó Senhor, dura para sempre; não abandonas as obras de tuas mãos.” “Pois sabemos”, clamou Paulo, o veterano guerreiro da cruz, “que se nossa casa terrena, deste tabernáculo, se desfizer, temos da parte de Deus um edifício, casa não feita por mãos, etema nos céus.” “Portanto” -- então? viveremos como refugo só porque estamos certos de um lar celestial? - “labutamos, quer presentes, quer ausentes, para que sejamos aceitos por ele.” “Ora”, argumenta o mesmo glorioso apóstolo, “nossa salva­ção está mais próxima do que quando cremos. A noite logo passa e o dia se aproxima; por isso desvencilhemo-nos das obras das trevas e revistamo-nos da armadura da luz.” De sua prisão romana, ele pronunciou esta linguagem de triunfante confiança: “Não me envergonbo, porquanto tenho crido e estou per­suadido de que ele é capaz de guardar aquilo que lhe tenho confiado até aquele dia” - o sacro depósito de meu corpo moribundo, e minha alma imortal com seu etemo peso de glória. Os crentes podem conhecer sua eleição: “Conhecendo, irmãos amados, vossa eleição de Deus.” E, conhecendo sua eleição, podem conhecer sua salvação final, pois ela é aquilo em que sua eleição termina. Mas, a doutrina arminiana ensina que as ovelhas de Cristo podem conhecê-lo, e Ele pode conhecê-las chamá-las pelo nome, e lhes assegura que nenhuma será arrancada de Suas mãos, e, no entanto, no fim ele poderá dizer-lhes: “Nunca vos conheci; apartai-vos de mim!”

8. O último ponto a ser discutido é que é inteiramente antibíbhco manter que a eleição é condicionada a quaisquer qualidades, disposições ou atos do homem.

8.1. Já vimos, à luz de numerosas passagens coligidas, que as Escrituras expressamente ensinam que a eleição é para a fé, boas obras e perseverança na fé e boas obras até o fim ~ que estas são os fhitos da eleição. A conclusão é irresistível: que elas não a condicionam. É verdade que Watson diz: “Não temos da parte das Escrituras tal doutrina de uma eleição de indivíduos para a fé.”'*'* Já se mostrou sobejamente, por citações diretas, que temos na Bíblia tal doutrina. As autoridades são opostas, mas a de Deus é de maior peso. Já foi corrigida a afirmação equivocada de Watson sobre a doutrina calvinista de que ela faz a obediência de fé o fim da eleição, e não meramente um meio através do qual ela efetua a salvação final; e já foi exibido seu fracasso no uso de 1 Pedro 1.2 contra o calvinismo - isto é, contra o próprio texto.

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8.2. A doutrina arminiana envolve o equívoco capital de fazer os atos de arrependimento e fé na esfera natural a condição da eleição. Os escritores arminianos afirmam que os homens, em parte, vivem num estado de graça, quando recebem assistência e cooperação, ou, como também a chamam, graça preveniente, a qual antecede a regeneração e, consequentemente, é apta, nes­se estado, a realizar atos graciosos.'*^ Mas, sem regatear suas palavras, a ques­tão real é se nessa condição o homem nasce de novo. Não, replicam; seu arrependimento e fé precedem e condicionam a regeneração. Assim diz expli­citamente Pope, Ralston e Raymond, e justamente essa era a doutrina de Wesley. Ora, se um homem não renasce do Espírito, simplesmente nasce segundo a came. Não importa que dons graciosos se suponham lhe são conferidos, ainda vive na condição natural em que nasceu de sua mãe. Ele ainda vive em seus pecados. E assim que entendo o ensino de Wesley.'*® Portanto, antes de renas­cer, ele se arrepende e crê. Segue-se, necessariamente, que pela fé ele aceita a salvação em sua condição natural, e visto que a fé é tida como sendo a condição inicial da eleição, seus atos na esfera natural condicionam a eleição. Dizer que a teologia arminiana mantenha que antes de o pecador renascer do Espírito Santo ele pode fazer aquilo que o prepara para Deus o eleger para a vida etema, pode parecer a alguns uma calúnia. Vejamos bem.

“É pela fé”, observa Wesley em seu sermão sobre a salvação pela fé, “que o que nasce de Deus não peca” etc. Em seu segundo sermão sobre a fé, em Hebreus 11.1, ele fala definidamente sobre o ponto; “A fé de um servo implica uma evidência divina do mundo invisível e etemo; sim, uma evidência do mundo espiritual, à medida que ele possa existir sem experiência viva. Quem quer que haja atingido isto, a fé de um servo, ‘teme a Deus e se abstém do mal’; ou, é expresso por Pedro, ‘teme a Deus e opera a retidão’. Em conseqüência disso, em certo grau (como o apóstolo observa), Ele o aceitou junto a Si’. Não obstan­te, ele deve ser exortado a não se deter aí; a não descansar até que haja atingi­do a adoção de filhos; até que o obedeça movido pelo amor, que é o privilégio de todos os filhos de Deus. Exorta-o a insistir por todos os meios possíveis, até que vá ‘de fé em fé’; da fé de um servo à fé de um filho, do espírito de escra­vidão ao temor até o espírito de amor infantil. Então ele terá ‘Cristo revelado em seu coração’, capacitando-o a testificar: ‘A vida que agora vivo na came, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se deu por mim. ’ A voz própria de um filho de Deus. Então ele será ‘nascido de Deus’.”

Watson diz: “Justificação, regeneração e adoção não são títulos distintos e diferentes, mas constituem um e o mesmo título, através do dom de Deus em

45. Pope, Comp. Chris. Tholo., voL ii. p. 390.46. Semons on The Righteosness of Faith and The Way to the Kindom.

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Cristo, para a herança celestial. São alcançados também pela mesma fé. So­mos ‘justificados pela fé’ e somos os ‘filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus’. ‘Mas tantos quantos o receberam, a esses ele deu o poder se serem filhos de Deus (designação que inclui reconciliação e adoção), sim, aqueles que creem em seu nome, os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus’, ou, em outras palavras, foram rege­nerados.”"*'' Watson confunde adoção com regeneração. A fé condiciona a ado­ção como faz a justificação; porém não lemos na Escritura que ela condiciona a regeneração. Está fora de questão que alguém possa condicionar seu próprio nascimento. Na passagem do primeiro capítulo de João, o poder de fazer-se filho de Deus é è^ouaía não ôúva(j,Lç; autoridade ou direito de se tomarem filhos, 0 que foi conferido àqueles que já nasceram de Deus e que, pela podero­sa operação do Espírito Santo, receberam a Cristo pela fé. A ordem é; primeiro, regeneração; segundo, fé, e fé para a justificação e adoção. Requerer fé para a regeneração é requerer uma função viva de mortos para a vida.

Pope é muito explícito. Diz ele; “O arrependimento procede da fé que pro­duz a salvação.”'*® “Fé como o instmmento de se apropriar da salvação é uma convicção divinamente operada no registro concemente a Cristo e confia em Sua pessoa como o Salvador pessoal; estas duas coisas são uma só. Deve-se distinguir, de um lado, do exercício geral da fé seguindo a evidência que é um dos primeiros elementos da natureza humana e da graça da fé que é um dos íhitos do Espírito regenerador”'*® Aqui, a fé que se apropria da salvação e é confiança em Cristo como Salvador pessoal, se distingue da fé como produzida pela regeneração. Ele diz mais; “A graça especial da iluminação e conversão, arrependimento e fé, o arminianismo mantém ser apenas preveniente, como vizinha da regeneração; mas como fluindo para a vida regenerada.” “

Ralston é igualmente explícito. Ele observa que os calvinistas indicam “a seguinte ordem; 1. Regeneração; 2. Fé; 3. Arrependimento [penitência]; 4. Conversão. Os arminianos pensam que as Escrituras apresentam uma ordem diferente sobre este tema. Afirmam que longe de o arrependimento e fé serem precedidos pela regeneração e fluindo dela, estes precedem e são condições da regeneração.” ' A ordem calvinista não teria contido a conversão como um elemento distinto. Ela, genericamente, é o novo nascimento, a fé e o arrependi­mento no estrito sentido de penitência e voltar-se do pecado para Deus. A ordem arminiana, sem dúvida, é dada acuradamente.

47. Theo. Inst., vol. ii. p. 267.48. Compendium Chris. TheoL, vol. ii. p. 384.49. lUd., vol. ii. p. 376.50. Ibid., vol. ii. p. 390.51. Elem. De Divin., p. 347.

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Raymond é ainda mais explícito. Falando do pecador que “desenvolve a graça comum dada a toda a humanidade”, diz; “Se ele dá ao Espírito livre curso, seu coração é de tal modo transformado de seu natural amor pelo peca­do, que lamenta por seu pecado e até certo ponto o odeia; ele é realmente penitente; ele sente santa dor pelo pecado; sua vontade é emancipada de sua natural servidão à incredulidade, e de tal modo é revigorado pela graça divina, que é apto a desenvolver um determinado propósito de emenda e de futura obediência; mais ainda, ele realmente desenvolve a fé salvífica. Mas, tudo isso não é o que os teólogos chamam regeneração. E antecedente à regeneração e constitui 0 estado mental no qual a regeneração é condicionada. A fé, a evidên­cia da justificação, e a regeneração são contemporâneas, inseparável da cons­ciência, mas na ordem do pensamento a fé vem primeiro, em segundo lugar a justificação e em terceiro a regeneração.”“

E assim se forneceram as provas de que a teologia arminiana envolve a posição de que os homens, na esfera natural, antes de serem regenerados, condicionam sua eleição para a salvação. Forque, como alguém que, no primei­ro caso, crê em Cristo pode perseverar na fé até o fim, é evidente que o condi­cionamento da eleição pode começar na esfera natural antecedendo ao novo nascimento. -

8.3. A doutrina arminiana envolve as seguintes posições antibíblicas com respeito à aplicação da redenção; o propósito de Deus não era aplicar salvi- ficamente a redenção, e sim permitir que os homens se valessem da redenção provida; a vontade do pecador, e não a de Deus, é o fator determinante na grande preocupação da salvação pessoal; o princípio no qual a salvação é apli­cada não é o da graça, e sim o querer humano; o homem se toma, neste respei­to, soberano, e Deus, dependente; a glória da salvação, como um todo, é divi­dida entre Deus e o homem; e, finalmente, o resultado lógico seria uma subver­são semipelagiana do esquema evangélico.

Primeiro, os teólogos arminianos, até onde eu sei, assumem que não houve nenhum propósito divino com respeito à aplicação da redenção. Mas se houve algum propósito teria sido ou eficiente ou permissivo. Os arminianos negam que ele fosse eficiente, isto é, que ele foi um propósito de aplicar eficazmente a salvação a indivíduos. Consequentemente, eles mantêm que ele foi permissivo. Mas, se é assim. Deus, simplesmente, determinou permitir que os homens se valessem da salvação que graciosamente proveu; o que equivale a isto; que Ele determinou permitir que os homens se salvassem sob a condição de que creri­am em Cristo e perseverariam na fé e santidade até o fun.

Ora, eu admito, com todos os calvinistas, a existência de alguns decretos

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permissivos, porém nego que este propósito no tocante à aplicação da reden­ção se encaixe sob tal denominação. O arminiano comete o tremendo erro de tratar o caso de Adão em seu estado de inocência, e o de pecador, como sendo um e o mesmo, em relação aos decretos divinos e à capacidade do agente moral. É verdade que Deus decretou permitir a Adão pecar, e é verdade que Adão tinha o poder de ficar em pé ou de cair; porém não é verdade ou que Deus simplesmente decretou permitir a seus descendentes pecaminosos que fossem salvos ou que tivessem o poder de escolher a santidade. Fosse o decre­to siinplesmente permissivo, nenhum pecador quereria ou poderia ser salvo. O homem morto necessita de algo mais que a permissão de viver; ele necessita de vida.

O calvinista infralapsariano - e este é o calvinista típico - admite que o decreto de permitir a queda, e o conhecimento antecipado da queda, são pres­supostos pelos decretos de eleição e reprovação. Mas é uma coisa totalmente diferente dizer, com o arminiano, que o decreto de permitir que os homens se recuperassem da queda, e o conhecimento antecipado de que eles se recupera­riam dela, condicionassen ou fossem pressupostos pelo decreto de elegê-los para serem salvos. Ao contrário, as Escrituras ensinam que, como os homens não podem recuperar-se das consequências da queda, Deus, de Sua mera mercê, elegeu alguns da massa culpada e desamparada, para que fossem recuperados e salvos, e, de acordo com aquele propósito, comunica a seus objetos a graça que sozinha os recupera e salva. De outro modo, todos eles teriam perecido totalmente.

Segundo, em refutação a esta alegação os teólogos arminianos replicam que sua doutrina é que os pecadores são salvos, se de fato forem salvos, pela graça. A graça pela qual se professa que os homens são salvos no primeiro caso, isto é, são capacitados a aceitar a oferta de salvação, é, quanto à ordem do tempo, chamada graça preveniente - graça que opera anteriormente à re­generação, ao menos à “plena regeneração”. “A manifestação da influência divina”, observa Pope, “a qual precede a plena vida regenerada não recebe nome especial na Escritura; mas é assim descrita para assegurar a designação usualmente dada a ela, a saber. Graça Preveniente.”“ Quanto à sua natureza e funções, ela é diversamente denominada graça assistente, cooperante, sufici­ente. Já se mostrou que, não obstante a comxmicação desta graça, a decisão que determina a questão da salvação prática é tida como sendo feita pela von­tade do pecador, não condicionada pela graça; que este é o ponto de vista expressamente mantido por escritores tais como Raymond, Whedon e Strong. Mas, conquanto possa-se alegar que tais doutores não representam os pontos

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de vista dos primeiros mestres da teologia evangélica arminiana e aqueles do corpo dos arminianos evangélicos, prosseguirei mostrando que esses hábeis escritores têm lançado mão da lógica de seu sistema e têm dado expressão à sua conclusão última.

Não adianta dizer que, porque a graça cooperante é dada a todos os ho­mens, os que são salvos não recuperam e salvam a si mesmos, mas são recu­perados e salvos pela graça. Porque, ou esta graça cooperante é o elemento controlador e determinante em produzir recuperação e salvação, ou não o é. Se ela é 0 elemento controlador e determinante, a posição arminiana é renunciada e a calvinista, admitida; posto que, nesse caso, os homens são salvos por uma influência invencível operando em concordância com o decreto eletivo. Se esta graça não for o elemento controlador e determinante, a vontade do homem é esse elemento. E então se segue que os homens recuperam e salvam a si próprios pela energia de suas próprias vontades. Mas isso é igualmente antibíbhco e contraria a profissão dos próprios arminianos de que os homens são salvos pela graça.

Caso se diga que, embora seja verdade que o fator final que determina a questão da recuperação e salvação seja a vontade do homem, porém, sem a graça assistente de Deus, ela não pode determinar a questão, e por isso os homens são salvos pela graça, responde-se que, sobre esta suposição, admite- se que a vontade do homem pode declinar da assistência da graça, ou pode aceitá-la - pode ou não cooperar com ela. Isso prova que a determinação final do caso é considerado como estando no poder da vontade, e se conclui que, em última instância, o homem salva a si próprio. É sua vontade que dá à graça assistente e cooperante alguma influência em prover recuperação e salvação.

Caso se diga que, nem a graça nem a vontade do homem é o elemento controlador e determinante, mas são fatores coordenados e co-iguais, se segui­ria: primeiro, que, como da natureza do caso são antagônicos entre si, resultaria um perfeito equilíbrio, e nenhuma ação seria possível. Entre a graça e a vonta­de do homem haveria como que um asno entre duas medidas igualmente atra­entes de capim. As duas forças são antagônicas, pois a graça tende à produção de santidade, e a vontade do homem natural, á produção de pecado. A conse­quência salta à vista. Segundo, caso a ação pudesse ser concretizada, necessa­riamente ela seria igualmente partilhada pela graça e pela vontade humana; e então se poderia dizer que o homem não é salvo por nenhuma delas. Não poderia ser salvo pela graça; não poderia ser salvo por si mesmo. Graça e vontade humana, como teriam igual participação na ação de salvar, teriam igual participação na glória da salvação. E assim o pecador salvo cantaria; A Deus e a mim mesmo seja a glória de minha salvação! O absurdo da consequência refuta a suposição.

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Além do mais, caso se diga que a vontade natural é “destituída do poder de cooperar com a influência divina, mas a cooperação com a graça é de gra­ça”, '* e desta forma se faria evidente que o pecador é salvo pela graça; repli­ca-se: primeiro, para que a cooperação e as influências cooperantes entre si sejam distintas uma da outra, e isto necessitaria da perspectiva de que a graça de um tipo ou num aspecto coopera com a graça de outro tipo ou doutro aspec­to. Mas a graça é uma só, e dividi-la assim em duas partes ou aspectos distintos é totalmente injustificável. A divisão é uma arbitrariedade adotada por alguém para justificar uma teoria. Segundo, a suposição representa a graça interior da vontade cooperando com a graça exterior dela. Mas, caso se admita que no primeiro caso a graça pode ser um estímulo à ação apresentada à vontade, todavia, quando a vontade, em alguma extensão, se apropria do estímulo, por essa apropriação o estímulo passa para a própria vontade e é assimilada em sua espontaneidade. Então, cessa de ser extema à vontade e se toma intema a ela. A agência motora da graça, pois, opera dentro da própria vontade, e a cooperação da graça com a graça seria a cooperação de um estímulo absorvi­do na vontade com o mesmo estímulo, considerado como ainda espontânea a ela e não absorvido. Terceiro, a graça cooperando com a graça seria uma combinação de influências possíveis, seria, para usar uma comparação familiar, uma parelha que seguramente seria capaz de atrair a vontade à ação. Mas não é isso; a vontade é o condutor e mantém as rédeas que controlam a poderosa combinação. Mesmo a cooperação da graça com a graça não pode determinar 0 curso da vontade. A despeito de sua influência unida, aquela soberana facul­dade determina seu próprio curso. Quarto, é ainda a própria vontade que deter­mina a cooperação e faz a cooperação decisiva. Isto é realmente o que está implícito. E a vontade que é o fator determinante na cooperação, como se faz evidente da posição de que a vontade pode declinar inteiramente de cooperar com a graça. A conclusão é que, em última análise, não é a graça, e sim a vontade, que é o elemento salvífico.

A tudo isso se pode replicar que não há nenhuma declaração da anomalia da graça cooperando com a graça, mas somente do fato de que a vontade é incitada pela própria graça a cooperar com a graça. A cooperação não é de graça com graça, e sim da vontade com a graça. Mas isso não abranda a dificuldade; porque, em primeiro lugar, deve-se admitir que é a vontade natural, como tal, que coopera com a graça; e como essa vontade é o fator decisivo, é ela que determina a questão da salvação; e nenhum pensador evangélico pode­ria deliberada e professamente assumir tal base. Em segundo lugar, a graça incitando a vontade de cooperar com a graça seria graça indiretamente através

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da vontade cooperando com a graça. O arminiano faria sua escolha entre duas altemativas, ambas sendo danosas; ou que a vontade, como natural, decide cooperar com a graça e assim determinar a questão da salvação, o que envolve heresia, ou que a graça coopera com a graça, o que envolve ridículo absurdo.

Se finalmente for dito que, embora a graça não seja graça determinante, ela é suficiente, isto é, suficiente para capacitar a vontade do pecador a deter­minar a questão de sua recuperação e salvação, responde-se:

Primeiro, graça suficiente seria necessariamente graça regeneradora. Por­que, graça que fosse suficiente para capacitar o pecador espiritualmente mí- e o arminiano evangélico reconhece que, por natureza, ele está esp ifig^ mente morto - a exercer a função de vida espiritual, crer em Cristo,^ pio, seria graça que dá vida. Mas graça que dá vida é graça reg<

Segundo, a graça regeneradora é, necessariamente, g i;áç\j):^^tível e determinante. Graça regeneradora produz o novo na^rnértCLVttiitguém pode resistir seu novo nascimento. “Não te admires ^ e ^ e ^ ü z é ^ l i e c quenasças de novo.” A graça regeneradora p ro d u z^àm \p à ifíd ^ para a vida espiritual, e ninguém pode resistir a suaprc^^a^ssu rre ição . “Se, pois, ressuscitastes com Cristo, buscai a§ ^ i^ a í^ Q e-á íto .” A graça regeneradora recria a alma, e ninguém pode reá^r^a^-s^^rópria criação. “Porque somos feitura dele, criados em Cristo Jesuk,tea^boas obras, as quais Deus já prepa­rou para que andássemos

Mas o arminiancí^tóEwqüé^ graça pode ser resistida, e alguns calvinistas vão longe demais em -^M ti^o mesmo, enquanto mantêm que ela não pode ser tão resistida 'm ^^sà^w ncida. Portanto, preferem usar os termos graça invencivel,;^m/}^m^rável. Ambas as partes estão equivocadas. A graça regençr^);^a!^ ^ ^a tu reza do caso, não pode ser, em qualquer grau, resistida.

. a distinção entre as operações comuns do Espírito, as quais Snação e sua graça regeneradora. Aquelas são resistíveis; estas não

O Espírito pode ser resistido, quando instmi o pecador em seu dever e o iove ao seu cumprimento. Nada é mais comum. Mas falar de resistir o poder

cnauor uo Espuiio e laiar sem quaiquer senxiuo. ASSim lamoem e raiar ae uma pena a resistir um fiiracão, ou de uma palha a uma catarata, ou de um montículo de areia a um mar tempestuoso. O pecador pode não querer de antemão que a graça regeneradora seja exercida sobre ele; porém é fiitil falar dele resistindo- a quando ela está em ação. O que pode resistir ao poder criador de Deus? Seu poder não é onipotente? Pode o poder finito resistir ao infinito que age infinita­mente? Ora, a graça regeneradora é poder criador Portanto, ela é irresistível. Não há sentido ou grau em que ela possa ser resistida.

E assim se mostrou que a graça suficiente necessariamente é graça

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irresistível e determinante. Denominar algum outro tipo de graça de sufíciente, para as necessidades de um pecador, implicaria contradição. Seria, como Pascal, em sua crítica da teologia dos jesuítas, sucintamente o expressa; “uma graça suficiente que não satisfaz.” Uma vez mais, a posição do arminiano sucumbe, e a calvinista se estabelece. Porque, graça irresistível e determinante só poderia ser recebida em consequência do decreto divino de comunicá-la. E, posto que somente alguns homens recebem essa graça - pois somente alguns são rege­nerados - , prova-se que o decreto de conferi-la é de caráter eletivo; isto é, um decreto pelo qual alguns foram eleitos para ser regenerados. Qualquer outra doutrina envolve a consequência de que os homens determinam que eles mes­mos causam sua própria nova criação, e por isso salvam a si próprios. Mas, como pode alguém preparar-se, para não falar determinar, sua própria criação, é algo que escapa ã inteligência apreender.

E óbvio, em vista do que já foi dito, que a questão real em debate entre calvinistas e arminianos, em relação à eleição, é esta; Deus decretou que salva­ria alguns homens e, consequentemente, que lhes daria graça para determinar suas vontades? Ou Deus decretou permitir aos homens, com a assistência de Sua graça, salvar a si mesmos e, consequentemente, que Ele quis deixar á suas próprias vontades determinar finalmente a questão de sua aquiescência à con­dição divinamente preordenada da salvação? Essa questão, inevitavelmente, se resume nestas simples perguntas; É Deus o agente determinante em realmente salvar o homem? C)u é o homem o agente determinante em salvar a si próprio? O agente determinante, digo; pois os arminianos afirmam que Deus proveu expiação através de Cristo, e dá aos homens a graça assistente e cooperante do Espírito Santo; e que, sem a expiação de Cristo e a graça do Espírito, nin­guém poderia ser salvo. Mas a diferença específica da doutrina arminiana, no que diz respeito a esta questão da aplicação da salvação, é que, em última análise, a vontade do homem deve ser concebida como o fator determinante. Portanto, honestamente tenho afirmado a questão em litígio, quanto a esta ma­téria, entre calvinistas e arminianos.

Mas, sendo esse o estado da questão, que aquele que adora o Deus infinito, conhecedor da culpa, da depravação e do desamparo do pecador, pode hesitar em decidir que, sejam quais forem as dificuldades especulativas atinentes a ela, a doutrina calvinista é que é consistente com os ensinos da Escritura e com os fatos da experiência humana?

Se Deus for o agente determinante na aplicação da salvação, segue-se que, á luz do fato, que somente alguns realmente são salvos, os quais Deus elegeu para que fossem salvos. E assim se prova a doutrina da eleição de indivíduos para a salvação.

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E se Deus é o agente determinante na aplicação da salvação, segue-se, à luz da consequência necessária, que a vontade do homem não é o agente determinante, que a eleição não é condicionada aos atos da vontade humana, e, portanto, não condicionada à fé e boas obras e perseverança nelas até o fim. Assim se estabelece a doutrina da eleição incondicional.

A conclusão de toda a matéria é que a salvação dos homens, do pecado e da miséria, deve ser atribuída não ás suas próprias vontades cooperando com a graça assistente, e sim ao propósito soberano e eletivo de Deus operando sobre suas vontades, mediante a graça eficaz. “Não é daquele que quer, nem daquele que corre, e sim de Deus mostrar misericórdia.”

A doutrina arminiana requer uma conclusão oposta a esta - a saber, que a salvação como praticamente aplicada deve ser, em última análise, atribuída à vontade do pecador, uma vez que é isso que determina que ele aquiesça nas graciosas influências do Espírito Santo. As seguintes consequências resultam logicamente;

Em primeiro lugar, o princípio sobre o qual, na aplicação da redenção, o pecador é salvo, não é a graça, e sim a energia da vontade humana. O princípio sobre o qual se provê a salvação é reconhecido como sendo a graça, embora mais adiante se verá que o arminianismo inclusive qualifica-seu anúncio desse princípio; mas o princípio último e determinante sobre o qual se aplica a salva­ção é, e. é por alguns, francamente, confessado ser, o querer humano.

Em segundo lugar, na matéria da aplicação da salvação, o homem é feito soberano em prover a salvação, mas, ao aplicá-la, sua vontade é condicionada pelos atos da vontade do homem. Não é Ele quem decide a questão da salva­ção prática, e sim o homem. Daí a decisão de sua vontade ser dependente da decisão da vontade soberana e auto-determinante do homem. Não vale dizer que o homem é dependente de Deus para a graça sem a qual ele não poderia apropriar-se da salvação. Isso poderia ser assim, mas, enquanto ele é depen­dente de Deus para a provisão da graça assistente, não é dependente dele para o uso dela. Nesse aspecto ele é confessamente independente de Deus. Ele origina a ação pelo poder auto-determinante e, portanto, auto-dependente de sua própria vontade.

Em terceiro lugar, a glória da salvação, como um todo, é dividida enfre Deus e o homem. Como é tão-somente Deus quem provê a salvação, toda a glória se deve a Ele pela provisão. Mas, como o homem é um co-eficiente com Deus em aplicar a salvação, na medida de sua eficiência, ele tem o direito à glória da aphcação. Como ele pode aceitar ou rejeitar a expiação, e pode usar ou declinar de usar a graça assistente, sua aceitação de uma e seu uso da oufra são seus próprios atos indeterminados e o crédito deles é todo seu. Ele tem

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feito um louvável emprego de seus poderes e oportunidades, e o louvor não pode ser-lhe justamente negado. E, como sua vontade natural, indeterminada pela influência divina, a qual decide usar a graça e apropriar-se da salvação, é sua vontade natural que partilha da glória com Deus! A isto se pode replicar que 0 arrependimento é uma confissão de pecado e miséria e fé da fraqueza e carência, e seria absurdo atribuir glória a um criminoso que pleiteia o perdão e uma humilde súplica por socorro. Isso seria procedente se a graça de Deus determinasse que o pecador se arrependa e exerça fé. Mas, se pela indeterminada energia de sua vontade, ele vence as dificuldades opostas pela came, o mundo e o diabo, e faz o sacrifício de si próprio a Cristo e Seu serviço, o louvor de sua conversão Lhe é devido. Conversão é algo glorioso. A glória pela conversão se deve a oufra fonte. Ou se deve à graça ou à vontade do pecador E não é efetuada pela graça, então não se deve a ela. Se, como se replica, é efetuada pela vontade, então a glória se deve à vontade. As orações de um piedoso arminiano nega isto; sua teologia o ratifica.

Em quarto lugar, a tendência é inevitável a uma subversão semi-pelagiana do esquema evangélico. A intenção não é discutir epítetos vexatórios, porém os interesses da verdade requerem que as tendências lógicas de um sistema se­jam salientadas. Desde o primeiro período da história da Igreja Cristã duas doufrinas, com respeito à experiência da salvação, têm estado em conflito enfre si e têm se digladiado pelo senhorio com variados resultados. Uma delas é que a graça efetua a salvação; a outra, que o livre-arbítrio a efetua. Em tomo destas duas doufrinas se desenvolveram dois sistemas conflitantes, os quais, em razão de seus principais representantes foram denominados agostinianismo e pelagianismo. Entre esses dois, adotando alguns e rejeitando alguns dos ele­mentos de cada um, surgiu outro sistema, o qual, em razão do fato de que a princípio lançou raízes em Marseilles, foi chamado massilianismo, e em razão do nome de seu principal expoente foi denominado cassianismo. No curso do tempo, ele recebeu o nome de semi-pelagianismo - um nome que notificou suficientemente a crença de que foi uma modificação do pelagianismo, e não do agostinianismo, justificado pela circunstância de que se originou como um protesto contra o último sistema. Sua doutrina característica foi a co-eficiência da graça e o livre-arbífrio em produzir a salvação individual. O arminianismo, em seu afastamento do calvinismo, que essencialmente é o mesmo agostinianismo, foi uma modificação do semi-pelagianismo como este fora do pelagianismo. Ele concorreu com o semi-pelagianismo em afirmar as doufrinas da eleição condicional, a expiação universal e a defectibilidade dos santos. Os princípios reguladores dos dois sistemas eram, portanto, os mesmos. Foram imbuídos com o mesmo gênio e espírito. De que valor, pois, eram suas diferen­ças? O semi-pelagianismo mantinha a existência de um grau de livre-arbífrio,

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em questões espirituais, na natureza do homem após a queda. O arminianismo mantém que o homem possui, antes da regeneração, um grau de livre-arbítrio; que, não obstante, não é um elemento da natureza, e sim um dom da graça em consequência da expiação de Cristo. O semi-pelagianismo ensinava que, por virtude de seu natural livre-arbítrio, o homem pode principiar sua conversão, e que então os auxíhos da graça são fornecidos para capacitá-lo a completá-la. O arminianismo ensina que a graça operante sobre o livre-arbítrio que ela confere o estimula a começar a conversão e então o assiste a completá-la. Parece, pois, haver certa diferença entre os sistemas com respeito aos primórdios da conversão, um mantendo que ela é iniciada pela vontade natural, e o outro, que é pela vontade natural, ajudada pela graça.

Mas, qual exatamente, segundo o arminianismo evangélico, é a significa­ção desta graça preveniente que opera sobre a vontade a induzi-la a buscar a conversão? A resposta a esta indagação será fomecida de dois escritores, um deles, do primeiro período do sistema, e o outro, do mais recente. “Admitindo”, diz João Wesley, “que todas as almas dos homens estejam por natureza mortas em pecado, isto não escusa a ninguém, visto que não há sequer um homem que esteja num estado de mera natureza; não há nenhum, a menos que haja apaga­do 0 Espírito, que seja totalmente destituído da graça de Deus. Nenhum homem vivo é inteiramente destituído do que vulgarmente se chama^consciência natu­ral’. Mas isto não é natural; é mais propriamente designado como sendo ‘graça preveniente’. Cada pessoa tem maior ou menor medida desta, a qual não espe­ra pelo chamado do homem. Cada um tem, mais cedo ou mais tarde, bons desejos, embora a generalidade dos homens os amesquinhe antes que possam deitar profiindas raízes, ou produzir qualquer firuto considerável. Cada um tem alguma medida daquela luz, algum tênue raio que, mais cedo ou mais tarde, mais ou menos, ilumina cada homem que vem ao mundo. E cada um, a menos que pertença a um pequeno número, cuja consciência é cauterizada como com ferro em brasa, sente mais ou menos intranquilidade quando age contrário á luz de sua própria consciência. De modo que ninguém peca porque não possua a graça, mas porque não usa a graça que possui.”^ “Alguém”, observa Miner Raymond, “que desenvolve a graça comum dada a toda a humanidade, e os privilégios especiais providencialmente seus, é iluminado quanto aos olhos de seu entendimento, ou quanto ao poder discriminativo da consciência, para que veja seus deveres e obrigações, a apreender seus pecados e sua pecaminosidade, e tomar-se plenamente persuadido de sua necessidade de um Salvador divino e sua inteira dependência da graça e mercê de Deus.” ®

55. Serm. on Working out our own Salvation.56. Syst. Theol., vol. ii. p. 348.

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Que diferença material há entre as duas posições? Caso se diga ser o semi-pelagiano, alguém aquiescendo com a luz da natureza e as advertências da consciência, começa a operar a conversão, e a graça o assistirá. Caso se diga ser o arminiano evangélico, então alguém desenvolve a graça preveniente, isto é, a luz da consciência natural, por mais que a graça lhe seja concedida a assisti-lo. O que é que tem de ser melhorado? A luz da consciência natural, responde o semi-pelagiano; a luz da consciência natural que é a graça preveniente, replica o arminiano. Seria essa diferença mais que nominal? O que causa o progresso? A vontade natural, diz o semi-pelagiano; a vontade natural, também dirá o arminiano. Pois seria ou a vontade natural ou a vontade renovada pelo Espírito Santo. Não pode ser a última, pois, confessadamente, o homem ainda não está renovado. Portanto, seria a primeira. Mas, insiste o anniniano, a vontade é assistida pela graça. Sim, mas, como a vontade pode declinar da assistência, ela é a senhora da situação. Porque, se declinar, como a graça não pode declinar da assistência da graça, é a vontade natural que a declina; e assim, caso ela aceite a assistência, seria a mesma vontade que aceita. Mas, replica ainda o arminiano: a vontade é capacitada pela graça. Aqui se introduz uma objeção. Ele não está autorizado a usar íi palavra capacitado. Porque, como ele admite que o pecador, em sua condição natural, está espiritu­almente morto, a graça que capacita seria graça que gera vida ou regeneradora e determinante; e agora, sem entrar na questão de que sorte de graça é ou não capacitante, basta dfzer que ela é excluída pela suposição de que o pecador ainda não é regenerado. É evidente que os dois sistemas são muito próximos com respeito à condição do pecador previamente despertado para sua rege­neração.

Mas o teste crucial é a doutrina da regeneração. O sistema semi-pelagiano é definidamente sinergista; ele ratifica a cooperação e co-eficiência da graça e a vontade humana na mudança da conversão incluindo a regeneração. Ele nega que a regeneração é um ato instantâneo exclusivamente de Deus, e man­tém que a conversão que culmina na regeneração é obra conjunta de Deus e do homem. O sistema luterano mais recente é também sinergista, porém até que ponto? O próprio Lutero não era sinergista. Ele foi mais longe que Agosti­nho e que Calvino em asseverar a eficiência exclusiva de Deus, como alguém será convencido ao aludir ao seu livro Escravidão da Vontade. Mas a doutrina luterana se afastou dos pontos de vista do grande Reformador e, absorvendo gradualmente os de Melanchthon em seus últimos discursos, mais tarde veio a ser, sob a influência de homens tais como Gerhard, definitivamente sinergista. Seu sinergismo, contudo, não é estritamente cooperação; é, da parte do ho­mem, não resistência e consentimento passivo. Se alguém não resiste à Pala­vra e ao Espírito, Deus o regenera. Sua não-resistência, na verdade, são condi-

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ções da regeneração, mas a vontade não é um ativo co-efïeiente. Esta alusão é feita à doutrina luterana a fim de obter, por comparação, uma clara concepção do arminiano. De um lado, a doutrina arminiana é distinta da semi-pelagiana num duplo sentido: negando o que o semi-pelagiano afirma, a saber, que o ho­mem à parte da graça inicia a conversão, e por manter que a regeneração, embora condicionada pelo arrependimento, a fé e a justificação, é realizada por Deus mesmo. Ela concorda com a semi-pelagiana em fazer da vontade huma­na um ativo co-eficiente na conversão antes da regeneração e o fator deter­minante em apresentar a condição sob a qual se efetua a regeneração. E distin­ta da doutrina luterana por negar que a mera não-assistência é a condição da regeneração, e em manter que a cooperação positiva da vontade com a graça no arrependimento e fé é essa condição. Ela concorda com a luterana em manter que um estado da vontade do pecador, determinado por ele mesmo, é uma condição precedente ao ato regenerador. A doutrina evangélica arminiana, portanto, ocupa uma posição entre a luterana e a semi-pelagiana, com mais afinidade com a segunda e mais forte tendência para ela. Isto é exibido pelo desenvolvimento da teologia evangélica arminiana. Os remonstrantes declina­ram para o semi-pelagianismo quando recuaram de Armínio, e assim os arminianos evangélicos tendem cada vez mais para ela quando o intervalo se alarga entre eles e Wesley. ~

Pode-se observar, de passagem, que esta recessão da teologia evangélica arminiana de sua primeira posição é aparente em conexão com outras fases da doutrina do que imediatamente sob consideração. Wesley e Watson mantêm que a raça sofre a penalidade em consequência do pecado de Adão. Raymond denuncia “a aversão pela doutrina da obrigação herdada à punição”. Por meio de Wesley e Watson, a doutrina da depravação total foi mais forte e irres- tritamente asseverada do que é agora. Wesley admitiu a imputação da justiça de Cristo. A negação dela teve início com Watson, e é agora enfaticamente rejeitada. Mas é com respeito à questão suprema em pauta da inteira depen­dência do pobre, culpado, miserável e imperfeito pecador sobre a graça de Deus para a conversão que esta decadente tendência veio a ser tão conspícua quanto é lamentável para todo amante da verdade evangélica. O venerável João Wesley falhou em não afirmar esta dependência em termos fortes e ine­quívocos. Onde se achará uma afirmação dele sobre a supremacia da vontade do pecador na grande preocupação da salvação pessoal? Agora, porém, ouvi­mos ousadamente e sem rodeios, declarado por teólogos eruditos: “que o ho­mem determina a questão de sua salvação.” Estas estranhas palavras apelam para o ouvido como as notas de uma campainha numa noite morta. Significam a segura descida a um nível mais baixo da doutrina do que a dos primeiros arminianos evangélicos. Aqueles homens foram impedidos por sua profimda

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experiência da graça de usar tal linguagem. Mas, ah! semearam a semente que tem brotado e agora está gerando os fiutos do semi-pelagianismo. Ora, pode- se perguntar, o que há de tão mal nisso? E se as tendências lógicas do sistema estiverem na direção do semi-pelagianismo? A essa pergunta, se responde; Tiago Armínio não advogou, como fez Limborch depois dele, essa teologia; João Wesley teria ido à estaca antes de haver confessado sua aprovação dela; é um ponto pelo qual os jesuítas causam controvérsia, e contra o qual os romanistas piedosos têm se digladiado; em alguns aspectos, ele é menos orto­doxo do que o de Trento; homens tais como Prosper, Hilário e Fulgêncio trata­ram dele como essencialmente pelagiano, e os centuriões de Magdeburg mais tarde fizeram o mesmo; em suma, ele nega a supremacia da graça de Deus e a reduz á subordinação á vontade humana, e por isso é uma subversão do esque­ma evangélico. Tenho cantado e orado e pregado em comípanhia de arminianos evangélicos, e tenho estado com eles em preciosas ocasiões de graça vivificante; alguns deles estão entre meus mais carinhosos amigos, e alguns tenho visto cruzar o Jordão da morte cujos calçados eu não teria carregado; mas se pudes­se ter o ouvido de meus irmãos evangélicos arminianos, chamaria sua atenção para aquelas agourentas palavras proclamadas dos lugares altos; “O homem determina a questão de sua salvação.” Elas expressam o resultado lógico de seus princípios teológicos? Se esse é o caso, não é o momento de sujeitar aqueles princípios a um novo exame?

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S e ç ã o 2

D o u t r in a d a r e p r o v a ç ã o e x p r e s s a e pr o v a d a

A s seguintes são as afirmações da Confissão de Fé Westminster, as quais seocupam, indireta ou diretamente, da doutrina da Reprovação:

“Desde toda a eternidade e pelo mui sábio e santo conselho de sua própria vontade. Deus ordenou livre e inalteravelmente tudo quanto acontece, po­rém de modo que nem Deus é o autor do pecado, nem violentada é a vontade da criatura, nem é tirada a liberdade ou a contingência das causas secundárias antes estabelecidas.”“Pelo decreto de Deus e para a manifestação de sua glória, alguns homens e alguns anjos são predestinados para a vida etema e outros preordenados para a morte^tema.”“Esses homens e esses anjos, assim predestinados e preordenados, são particular e imutavelmente designados; seu número é tão certo e definido, que não pode ser nem aumentado nem diminuído.”“Segundo o inescmtável conselho de sua própria vontade pela qual ele con­cede ou recusa misericórdia, como Uie apraz, para a glória de seu soberano poder sobre suas criaturas, para louvor de sua gloriosa justiça, o resto dos homens foi Deus servido não contemplar e ordená-los para a desonra e ira por causa de seus pecados.”“Posto que, em relação á presciência e ao decreto de Deus, que é a causa primária, todas as coisas acontecem imutável e infalivelmente, contudo, pela mesma providência. Deus ordena que elas sucedam, necessária, livre ou contingentemente, conforme a natmeza das causas secundárias.”“A onipotência, a sabedoria inescratável e a bondade infinita de Deus, de tal maneira se manifestam em sua providência, que esta se estende até a primeira queda e a todos os outros pecados dos anjos e dos homens, e isto não por uma mera permissão, mas por uma permissão tal que, para seus próprios e santos desígnios, sábia e poderosamente os limita, regula e go-

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verna numa múltipla dispensação; mas essa permissão é tal que a pecaminosidade dessas transgressões procede tão-somente da criatura, e não de Deus, que, sendo santíssimo, não pode ser o autor do pecado e nem pode aprová-lo.”“Quanto àqueles homens malvados e ímpios que Deus, como justo juiz, cega e endurece em razão de pecados anteriores, ele não só lhes recusa a graça pela qual poderiam ser iluminados em seus entendimentos e movidos em seus corações, mas às vezes tira os dons que já possuíam, e os expõe a objetos que, por sua corrupção, tomam ocasiões de pecado; além disso, os emprega às suas próprias paixões, tentações do mundo e ao poder de Sata­nás; assim, acontece que eles se endurecem sob as influências dos meios que Deus emprega para o abrandamento dos outros.”“Nossos primeiros pais, seduzidos pela astúcia e tentação de Satanás, pe­caram ao comerem o fhito proibido. Segundo seu sábio e santo conselho, foi Deus servido permitir este pecado deles, havendo determinado ordená- lo para sua própria glória.”“Sendo eles o tronco de toda a humanidade, o delito de seus pecados foi imputado a seus filhos; e a mesma morte em pecado, bem como sua natu­reza corrompida, foram transmitidas a toda sua posteridade, que deles pro­cede por geração ordinária.” ^“A primeira aliança feita com o homem era uma aliança de obras; por meio dela a Adão se prometeu vida, e nele à sua posteridade, sob a condição de perfeita e pessoal obediência.”“O homem, por sua queda, se fez incapaz para a vida por meio dessa alian­ça etc.”“Deus dotou a vontade do homem com aquela liberdade natural, que não é forçada, nem por qualquer necessidade absoluta da natureza é determina­da ao bem ou ao mal.”“O homem, em seu estado de inocência, tinha a hberdade e poder a querer e fazer aquilo que era bom e agradável a Deus; porém mutável, de modo que pudesse cair dele.”’“Todos aqueles a quem Deus predestinou para a vida, e somente esses, Uie aprouve, em seu tempo designado e aceito, eficazmente chamar por sua Palavra e Espírito, daquele estado de pecado e morte, em que vivem por natureza, à graça da salvação por Jesus Cristo etc. Os outros, não eleitos.

1. Estas afirmações no tocante ao primeiro pecado foram citadas porque exibem a doutrina calvinista, a saber, que a vontade do homem, a princípio, era livre, não constrangida por uma força extrínseca ou intrínseca a pecar; que o homem tinha pleno poder de permanecer; e, portanto, que o réprobo não foi criado para pecar e ser condenado, nem precisa de Deus para pecar.

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embora sejam chamados pelo ministério da Palavra, e possam ter algumas operações comuns do Espírito, contudo jamais vêm a Cristo verdadeira­mente, e por isso não podem ser salvos.”

O Catecismo Maior Westminster, após declarar a doutrina da eleição, diz:

“E também, segundo seu soberano poder, e o imutável conselho de sua vontade (pelo qual ele estende ou retrai favor como bem lhe apraz), ele [Deus] passou por alto, e preordenou o resto à desonra e ira, para que, por seu pecado, fosse afligido, para o louvor da glória de sua justiça.”

As seguintes afirmações são extraídas da Decisão do Sínodo de Dort. “Conquanto todos os homens pecaram em Adão, e vieram a ser culpados de maldição e de morte etema. Deus não teria feito injustiça a nenhum homem, se lhe aprouvesse deixar toda a humanidade em pecado e sob a maldição, e condená-los por seu pecado.”“A causa ou falha desta incredulidade, como de todos os demais pecados, de modo algum está em Deus, e sim no homem. Mas a fé em Jesus Cristo, e a salvação por meio dele, são graciosos dons de Deus.”“Mas, enquanto que, no processo do tempo. Deus outorga fé a alguns, e não a outros, isso procede de seu etemo decreto. Porque, desde o princípio do mundo Deus conhece todas as suas obras (At 15.18; Ef 1.11). Em con­formidade com esse decreto, ele graciosamente abranda os corações dos eleitos, por mais que sejam endurecidos; e, no tocante àqueles que não são eleitos, ele, com justo juízo, os entrega à sua malícia e dureza. E especial­mente aqui se nos descobre a profianda, e tanto misericordiosa quanto justa diferença entre os homens, igualmente perdidos; isto é, o decreto da elei­ção e reprovação, revelado na Palavra de Deus. Ainda que os homens perversos, impuros e instáveis o deturpem, para sua própria perdição, ele dá um inexprimível conforto para as pessoas santas e tementes a Deus.” “A Escritura Sagrada mostra e recomenda a nós esta graça etema e ime­recida sobre nossa eleição, especialmente quando, além disso, testifica que nem todos os homens são eleitos; alguns, pois, são preteridos na eleição etema de Deus. De acordo com seu soberano, justo, irrepreensível e imu­tável bom propósito. Deus decidiu deixá-los na miséria comum em que se lançaram por sua própria culpa, não lhes concedendo a fé salvadora e a graça da conversão. Para mostrar sua justiça, decidiu deixá-los em seus próprios caminhos e debaixo de seu justo julgamento e, finalmente, condená- los e puni-los etemamente, não apenas por causa de sua incredulidade, mas também por todos os seus pecados, para mostrar sua justiça. Este é o decreto da reprovação, o qual não toma Deus o autor do pecado (tal pen-

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sarnento é blasfemo!), mas o declara o temível, irrepreensível e justo Juiz e Vingador do pecado.”

A Confissão Francesa:

“Aos demais [Deus] deixou naquela cormpção e condenação, em quem ele pudesse manifestar, como o fez, sua justiça, condenando-os justamente em seu tempo, como também declara as riquezas de sua mercê nos de­mais. Pois alguns não são melhores que os outros, até aquele tempo em queo Senhor mostrar a diferença, segundo aquele imutável conselho, o que ele decretou em Cristo Jesus antes da criação do mundo.”

A Confissão Belga:

“Cremos que Deus (depois que toda a progénie de Adão foi precipitada de ponta cabeça na perdição e destmição através da culpa do primeiro ho­mem) declarou e se mostrou ser tal como na verdade é, a saber, tanto misericordioso como justo... justo, em deixar os outros naquela sua queda e perdição, na qual se precipitaram de ponta cabeça.”

Formula Consensus Helvetia:

“Deveras com tal sabedoria Deus determinou magnificar sua glória, que decretou primeiro criar o homem com integridade, então permitir sua queda e, finalmente, apiedar-se de alguns dentre os caídos e assim elegê-los, po­rém deixando os outros na massa cormpta e, por fim, devotá-los à destmi­ção etema.”

A Confissão Irlandesa (Episcopal):

“Deus, desde toda etemidade, por seu imutável conselho, ordenou tudo quanto viesse a acontecer; todavia, de tal modo que nenhuma violência se oferece às vontades das criaturas racionais, nem a liberdade nem a contin­gência das causas secundárias são eUminadas, mas, ao contrário, estabelecidas.”“Pelo mesmo conselho etemo. Deus predestinou alguns para a vida e re­provou outros para a morte; em ambos há um número definido, conhecido somente de Deus, o qual não pode ser aumentado nem dhninuído.”

Estas declarações da doutrina da reprovação, nas formulações calvinistas, podem ser sumariadas na seguinte definição:

Reprovação é o etemo propósito de Deus, pressupondo seu conhecimento antecipado da queda do gênero humano no pecado através de sua própria fa­

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lha, e baseado no soberano beneplácito de sua própria vontade, não eleger para a salvação certos homens individuais - isto é, passá-los por alto e mantê-los sob condenação por seus pecados - para a glória de sua justiça.

As provas bíblicas são as seguintes:

1. Os testemunhos que foram evocados em comprovação da doutrina da eleição também estabelecem os da reprovação; porque, se Deus elegeu para a salvação alguns dentre a humanidade, segue-se, como uma inferência neces­sária, que Ele não elegeu os demais, mas propôs mantê-los sob condenação por seus pecados.

2. Deus não criou os homens a fim de que eles pecassem e fossem conde­nados e assim glorificasse Sua justiça; pois Ele não é o Autor do pecado, mas o homem, em primeira instância, pecou e caiu pela livre e evitável decisão de sua própria vontade.

Gênesis 1.26, 27, 31: “Também disse Deus: façamos o homem à nossa imagem, conforme nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra. Criou Deus, pois, o homem á sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.”

Gênesis 5.1: “No dia em que Deus criou o homem, á semelhança de Deuso fez.”

1 Coríntios 11.7: “Porque, na verdade, o homem não deve cobrir a cabeça, por ser ele imagem e glória de Deus.”

2 Coríntios 3.18: “E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, em sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito.”

Efésios 4.24: “E vos revistais do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade.”

Colossenses 3.10: “E vos revestistes do novo homem que se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou.”

Tiago 3.9: “Com ela, bendizemos ao Senhor e Pai; também, com ela, amal­diçoamos os homens, feitos á semelhança de Deus.”

Eclesiastes 7.29: “Eis o que tão-somente achei: que Deus fez o homem reto, mas ele se meteu em muitas astúcias.”

Salmo 99.8: “Foste para eles Deus perdoador, ainda que tomando vingança de seus feitos.” '

Atos 17.26: “De um só fez toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra.”

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Romanos 1.20,21; “Porque os atributos invisíveis de Deus, assim seu etemo poder, como também sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são indesculpáveis; porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tomaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato.”

Romanos 5.12,17-19; “Porquanto, assim por um só homem entrou o peca­do no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram. Se, pela ofensa de um e por meio de um só, reinou a morte, muito mais os que recebem a abimdância da graça e o dom da justiça reinarão em vida por meio de um só, a saber, Jesus Cristo. Pois assim como, por uma só ofensa, veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também, por um só ato de justiça, veio a graça sobre todos os homens, para a justificação que dá vida. Porque, como, pela desobediência de um só homem, muitos se tomaram pecadores, assim também, por meio da obediência de um só, muitos se tomarão justos.”

Gênesis 3.12,17: “Então, disse o homem: A mulher que me deste por espo­sa, ela me deu da árvore, e eu comi. E a Adão disse: Visto que atendeste a voz de tua mulher e comeste da árvore que eu te ordenara não comesses, maldita é a terra por tua causa.”

Tiago 1.13-17: “Ninguém, ao ser tentado, diga: Sou tentado por Deus; por­que Deus não pode ser tentado pelo mal e ele mesmo a ninguém tenta. Ao contrário, cada um é tentado por sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte. Não vos enganeis, meus amados irmãos. Toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança.”

1 João 2.16: “Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da came, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não procede do Pai, mas pro­cede do mundo.”

Oséias 13.9: “Tua míiia, ó Israel, vem de ti, e só de mim, teu socorro.”3. Anexam-se alguns testemunhos do terrível fato da reprovação dos ímpios.Êxodo 7.3,4; 9.12,16: “Eu, porém, endurecerei o coração de Faraó e mul­

tiplicarei na terra do Egito meus sinais e minhas maravilhas. Faraó não vos ouvirá; e eu porei a mão sobre o Egito e farei sair minhas hostes, meu povo, os filhos de Israel, da terra do Egito, com grandes manifestações de julgamento. O SENHOR, porém, endureceu o coração de Faraó, e este não os ouviu, como o SENHOR havia dito a Moisés. Mas, deveras, para isso te hei mantido, a fim de mostrar-te meu poder, e para que seja meu nome anunciado em toda a terra.”

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Deuteronômio 29.4: “O SENHOR, porém, não vos deu coração para en­tender, nem olhos para ver, nem ouvidos para ouvir, até o dia de hoje.”

Deuteronômio 32.35: “A mim me pertence a vingança, a retribuição, a seu tempo, quando resvalar seu pé; porque o dia de sua calamidade está próximo, e seu destino se apressa em chegar.”

Provérbios 16.4: “O SENHOR fez todas as coisas para determinados fins e até o perverso para o dia da calamidade.”

Isaías 6.9, 10: “Então disse ele: Vai e dize a este povo: Ouvi, ouvi e não entendais; vede, vede, mas não percebais. Toma insensível o coração deste povo, endurece-lhe os ouvidos e fecha-lhe os olhos, para que não venha ele a ver com os oUios, a ouvir com os ouvidos e a entender com o coração, e se converta, e seja salvo.”

Isaías 29.10: “Porque o SENHOR derramou sobre vós o espírito de pro­fundo sono, e fechou vossos olhos, que são os profetas, e vendou vossa cabeça, que são os videntes.”

Isaías 30.33: “Porque há muito está preparada a fogueira, preparada para o rei; a pira é profunda e larga, com fogo e lenha em abundância; o assopro do SENHOR, como torrente de enxofre, a acenderá.”

Isaías 60.2: “Porque eis que as trevas cobrem a terra, e a escuridão, os povos; mas sobre ti aparece resplendente o SENHOR, e sua glória se vê sobre ti,”

Malaquias 1.2-5: “Eu vos tenho amado, diz o SENHOR; mas vós dizeis: Em que nos tens amado? Não foi Esaú irmão de Jacó? - disse o SENHOR; todavia, eu amei a Jacó, porém aborreci a Esaú; e fiz de seus montes uma assolação e dei sua herança aos chacais do deserto. Se Edom diz: Fomos destmídos, porém tomaremos a edificar as minas, então, diz o SENHOR dos Exércitos: Eles edificarão, mas eu destmirei; e Edom será chamada Terra-De- Perversidade e Povo-Contra-Quem-o-SENHOR-Está-Irado-Para-Sempre. Vossos olhos o verão, e vós direis: Grande é o SENHOR também fora dos limites de Israel.”

Mateus 11.25, 26: “Por aquele tempo, exclamou Jesus: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e enten­didos e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado.”

Mateus 13.13, 14: “Por isso, lhes falo por parábolas; porque, vendo, não veem; e, ouvindo, não ouvem, nem entendem. De sorte que neles se cumpre a profecia de Isaías: Ouvireis com os ouvidos e de nenhum modo entendereis; vereis com os olhos e de nenhum modo percebereis.”

Mateus 15.13: “Ele, porém, respondeu: Toda planta que meu Pai celestial não plantou será arrancada.”

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Marcos 4.11,12; “Ele lhes respondeu; A vós outros vos é dado conhecer o mistério do reino de Deus; mas, aos de fora, tudo se ensina por meio de parábo­las, para que, vendo, vejam e não percebam; e, ouvindo, ouçam e não enten­dam; para que não venham a converter-se, e haja perdão para eles.”

Lucas 4.25-28; “Na verdade, vos digo que muitas viúvas havia em Israel no tempo de Elias, quando o céu se fechou por três anos e seis meses, reinando grande fome em toda a terra; e a nenhuma delas foi Elias enviado, senão a uma viúva de Sarepta de Sidom. Havia também muitos leprosos em Israel nos dias do profeta Eliseu, e nenhum deles foi purificado, senão Naamã, o sírio. Todos na sinagoga, ouvindo estas coisas, se encheram de ira.”

João 10.26; “Mas vós não credes, porque não sois de minhas ovelhas.”João 12.37-40; “E, embora houvesse feito tantos sinais em sua presença,

não creram nele, para se cumprir a palavra do profeta Isaías, que diz; Senhor, quem creu em nossa pregação? E a quem foi revelado o braço do Senhor? Por isso, não podiam crer, porque Isaías disse ainda; Cegou-lhes os olhos e endure­ceu-lhes o coração, para que não vejam com os oUios, nem entendam com o coração, e se convertam, e sejam por mim curados.”

João 17.9; “É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus.”

Atos 28.25,26; “E, havendo discordância entre eles, despediram-se, dizen­do Paulo estas palavras; Bem falou o Espírito Santo a vossos pais, por intermé­dio do profeta Isaías, quando disse; Vai a este povo e dize-lhe; De ouvido, ouvireis e não entendereis; vendo, vereis e não percebereis.”

Romanos 9.13; “Como está escrito; Amei a Jacó, porém me aborreci de Esaú.”

Romanos 9.17, 18,21, 22; “Porque a Escritura diz a Faraó; Para isto mes­mo te levantei, para mostrar em tí meu poder e para que meu nome seja anun­ciado por toda a terra. Logo, tem ele misericórdia de quem quer e também endurece a quem lhe apraz. Ou não tem o oleiro direito sobre a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e outro, para desonra? Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar sua ira e dar a conhecer seu poder, suportou com muita longanimidade os vãos de ira, preparados para a perdição?”

Romanos 11.7-10; “Que diremos, pois? O que Israel busca, isto não conse­guiu; mas a eleição o alcançou; e os mais foram endurecidos, como está escri­to; Deus lhes deu espírito de entorpecimento, olhos para não ver e ouvidos para não ouvir, até o dia de hoje. E diz a Davi; Tome-se-lhes a mesa em laço e armadilha, em tropeço e punição; escureçam-se-lhes os olhos, para que não vejam, e fiquem para sempre encurvadas suas costas.”

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2 Timóteo 2.17-20: “Além disso, a linguagem deles corrói como câncer; entre os quais se incluem Himeneu e Fileto. Estes se desviaram da verdade, asseverando que a ressurreição já se realizou, e está pervertendo a fé a alguns. Entretanto, o firme fundamento de Deus permanece, tendo este selo: O Senhor conhece os que lhe pertencem. E mais: Aparte-se da injustiça todo aquele que professa o nome do Senhor. Ora, numa casa grande não há somente utensílios de ouro e de prata; há também de madeira e de barro. Alguns, para honra; outros, porém, para desonra.”

1 Tessalonicenses 5.9: “Porque Deus não nos destinou para a ira, mas para alcançar a salvação mediante nosso Senhor Jesus Cristo.” (A implicação ne­cessária é que Deus designou alguns para a ira.)

1 Pedro 2.8: “Pedra de tropeço e rocha de ofensa. São estes os que trope­çam na palavra, sendo desobedientes, para o que também foram postos.”

2 Pedro 2.3: “Também, movidos por avareza, farão comércio de vós, com palavras fictícias; para eles o juízo lavrado há longo tempo não tarda, e sua destruição não dorme.”

Judas 4: “Pois certos indivíduos se introduziram com dissimulação, os quais, desde muito, foram antecipadamente pronunciados para esta condenação, ho­mens ímpios, que transformam em libertinagem a graça de nosso Deus e ne­gam nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo.”

Essas são as provas da doutrina da reprovação que são derivadas da Pala­vra de Deus, e são sóHdas demais para que sejam abaladas pelos apelos ao sentimento humano, ou mesmo á razão hiraiana. Admite-se que o principal peso do argumento consiste na evidência bíblica em favor da eleição incondici­onal. Isso, sendo provado, a reprovação não pode ser negada. As duas doutri­nas permanecerão ou cairão juntas. São lados opostos da mesma verdade - dois hemisférios do mesmo globo: um brilhando com a luz do amor divino e da beleza da santidade; o outro, escuro, com a carranca judicial de Deus e a terrí­vel deformidade do pecado. Mas, muito embora isso seja verdade, a evidência adicional fomecida pelo testemunho direto das Escrituras que têm sido citadas é também conclusivo. Algumas das passagens citadas têm sido, naturalmente, contestadas de modo enérgico. As mais proeminentes são 1 Pedro 2.8 e Judas 4. Mas deve-se admitir que na primeira passagem, a palavra traduzida por “designados” (ètéOriaav) tem em si a função de propósito; e enquanto a mesma coisa não é tão evidentemente procedente no tocante á palavra na última pas­sagem traduzida por “antecipadamente pronunciados” (irpoYeYpK|i|iévoL), con­tudo o mesmo sentido é substancialmente comunicado. Porque, se essa dispu­tada palavra for literalmente traduzida por “antes escrito”, teria de se confes­sar que a designação de antemão escrita desses homens ímpios á condenação

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foi apenas uma revelação do propósito judicial de Deus. De nada valerá dizer que só se expressa a presciência de Deus quanto ao destino desses homens perversos, pois a razão óbvia de que ninguém pode ser condenado a menos que Deus o condene, e que, necessariamente, envolve um propósito etemo, a me­nos que se possa manter o despropositado motivo do propósito de Deus de condenar, como sua real sentença de condenação, não tem existência até que o crime merecedor de condenação haja sido cometido. Além do mais, represen­tar o calvinista como mantendo que Deus condena homens a pecar, bem como à condenação por seu pecado, e para tal condenação, é entendê-lo muito mal.

Não se julga necessário desenvolver demais as provas da doutrina, particu­larmente quando ela vier a ser considerada em conexão com as objeções que mais adiante serão examinadas. Umas poucas palavras são acrescidas, expon­do a natureza da doutrina e guardando-a contra interpretação equivocada.

A doutrina calvinista não é que Deus decretou fazer homens pecadores. “Nossos Padrões”, diz o Dr. Thomwell, o último hábil professor de teologia sistemática num dos seminários da Igreja Presbiteriana do Sul, “não propiciam uma sorte de refúgio para o erro hopkinsiano, de que o decreto da reprovação consiste em Deus haver determinado um número definido, dentre a humanida­de, para a condenação etema, e que a agência divina é tão j)ositivamente em­pregada nas más volições e ações dos homens quanto nas boas.” Na etemida- de. Deus concebeu a raça humana como caída em pecado por sua livre e evitável auto-decisão. Assim, concebendo-a, Ele decretou judicialmente con­denar toda a raça por seu pecado. Já vimos que o ensino da Escritura é que de Sua mera mercê, e conforme o beneplácito de Sua soberana vontade, Ele de­cretou salvar alguns dentre a massa apostatada e pecaminosa que foi assim contemplada como justamente condenada. Essa é a eleição. O resto, conse­quentemente, não foi eleito para ser salvo, mas foi passado por alto e ordenado que permanecesse sob justa condenação. Essa é a reprovação. Há dois ele­mentos que ela envolve; primeiro, imi ato soberano de Deus, pelo qual foram, em Seu propósito, passados por alto e deixados na condição em que foram considerados como se posicionando. Isso é chamado preterição. Em segundo lugar, há um ato judicial de Deus, pelo qual foram, em Seu propósito, ordenados a persistirem sob a sentença da lei transgredida e a sofrerem punição por seu pecado. Isso é chamado condenação. O decano William Cunningham, o últi­mo eminente professor de teologia histórica na Igreja Livre da Escócia, qüe, como um teólogo comparativo da primeira eminência, deveria saber sobeja­mente acerca do que estava falando, assim explica claramente a doutrina; “Ao declarar e discutir a questão com respeito à reprovação, os calvinistas são

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cuidadosos em distinguir entre os dois diferentes atos previamente referidos, decretado ou resolvido por Deus desde a etemidade, e executado por Ele no tempo - um negativo e o outro, positivo - , um soberano e o outro, judicial. O primeiro, ao qual chamam não-eleição, preterição, ou passar por alto, é sim­plesmente decretar deixar - e, em consequência, deixando - os homens em seu estado de pecado; subtrair deles ou abster-Se de Uies conferir aquelas influências especiais, supematurais e graciosas, as quais são necessárias para capacitá-los a se arrependerem e crerem; de modo que o resultado é que eles persistem em seu pecado, com a culpa de sua transgressão pendente sobre sua cabeça. O segundo - o positivo e judicial - ato é mais propriamente aquele que é chamado, em nossa Confissão, ‘morte preordenada e etema’, e “ordenando os que foram passados por alto à desonra e ira por seu pecado’. Deus não ordena ninguém à ira ou punição, exceto em razão de seu pecado, e não faz nenhum decreto para subjugá-los á punição que não seja fundada em e tenha referência ao seu pecado, como uma coisa certa e contemplada. Mas o primei­ro ou negativo ato de preterição, ou o passar por alto, não se funda em seu pecado, e perseverança nele, como previsto.”^

Este é o decretum horribile - uma expressão de Calvino concemente ao qual têm emanado infindáveis mudanças. E um decreto não horrível no sentido de ser demasiadamente mim para ser crido, mas de ser terrível para os perver­sos e maus, até mesmo para os pios. De fato ele é apropriado para amedrontar o coração mais resoluto e empalidecer o rosto mais ousado. Ele revela mais fortemente do que qualquer outro, exceto a cmz na qual Jesus derramou Seu sangue e morreu, a infinita aversão de Deus pelo pecado - o oposto de Sua natureza, a ameaça de Seu govemo, a dinamite do universo. E basta para en­cher-nos de horror pelo pecado saber que, mesmo a infinita mercê não resga­tou um dos anjos caídos de sua condenação, e somente algims dentre nossa raça culpada e arminada da condenação etema que é devidamente sua.

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S e ç ã o 5

R e s p o n d id a s o b je ç õ e s p r o v e n ie n t e s

DOS ATRIBUTOS MORAIS DE D eUS

O bservações pr elim in a r es

Agora sigo em frente analisando as objeções que são alegadas contra as dou­trinas calvinistas da eleição e reprovação. Derivam-se principalmente de duas fontes - os atributos morais de Deus e a agência moral do homem. Antes de examinarmos especificamente estas objeções, umas poucas coisas devem ser confrontadas.

Primeiro, a questão dos decretos divinos em relação aos eternos destinos dos homens é uma que, como oriunda da revelação supematural que Deus faz de Sua vontade em Sua Palavra, deve ser estabelecida por Sua autoridade. A razão, em sua integridade original - razão correta, que era parte da primeira revelação que Deus fizera de Si ao homem - , esta capacitada de falar concer­nente ao plano geral do govemo divino, e deduzir inferências dela com respeito ao etemo propósito de Deus como então manifestado. No entanto, ocorreu o pecado; e a questão de uma possível reparação de seus resultados retributivos da razão poderia não ter como determinar Sobre essa questão, só uma nova e supematural revelação poderia lançar alguma luz fidedigna. Isto teria sido jus­tificável houvera a própria razão retido sua pureza original. Todavia, ela não a possui. A faculdade que presume assentar em juízo acerca do terrível problema do peado, e sua relação com o govemo divino, em si mesma foi seriamente afetada pela revolução moral que ocorreu. Por isso ela é duplamente incompe­tente para assumir as fiinções de juiz.

De fato, a razão circunstanciada, como ora se vê, tem um legítimo ofício a exercer no julgamento das reivindicações de uma revelação que professa vir de Deus. Mas esse ofício preliminar, uma vez realizado, e a conclusão, uma vez alcançada, que a Bíblia é uma revelação de Deus, o dever da razão se submete à autoridade divina envolvida naquela expressão de Sua vontade. Daí um gran­

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de cânone protestante ser que a Bíblia é a única regra completa e final de fé e prática. Ela sozinha, em questões espirituais, nos ensina infalivelmente no que devemos crer e o que devemos fazer.

Mas, como esta regra suprema tem de ser interpretada, outro grande cânone, coordenado com o primeiro, é que o Espírito Santo, falando nas Escrituras, é o supremo Juiz das controvérsias em religião. A regra suprema são as Escrituras; o Juiz supremo do significado da regra é o Espírito Santo falando nas Escrituras - esta é a divisa do protestantismo.

Ora, na controvérsia entre calvinistas e arminianos no tocante aos decretos de Deus em relação aos destinos dos homens, ambas as partes admitem os cânones que já foram notados. É óbvio, pois, que ambas as partes em questão se acham sob a obrigação não de julgar as Escrituras infalíveis pela razão falível - não subordinar a regra suprema a uma inferior, e o Juiz supremo a um inferior. Os apelos do tribunal da razão são competentes; porém o tribunal de recurso final, do qual nenhum apelo pode resistir, são as Escrituras iluminadas e interpretadas pelo Espírito Santo. Isto é reconhecido de ambos os lados.

O argumento, pois, está fundado na Escritura, e pode-se reivindicar impar­cialmente que as doutrinas da eleição e reprovação têm, na condução desta discussão, repousado nas provas bíblicas. Se esse é o caso, contra elas [as provas] podem ser validamente dirigidas objeções não meramente racionais.

Segundo, merece notar-se o fato de que, no prosseguimento desta con­trovérsia, escritores arminianos têm fundamentado seus argumentos principal­mente em considerações racionais, e não nos testemunhos diretos da Escritura. Quando o calvinista mostra, com base nas declarações expressas da divina Palavra, que desde a eternidade Deus elegeu alguns dentre a raça humana para a salvação, o arminiano é incapaz de mencionar esses argumentos positi­vos como prova de que Ele não o fez. Seus argumentos são extraídos, em regra, dos princípios gerais anunciados nas Escrituras, e dos que, presumem, constituem as intuições fundamentais da mente humana. Ora, é evidente que esta sorte de raciocínio, em relação às doutrinas de um caráter meramente supematural, não pode ser de igual valor com apelos diretos às enunciações explícitas da Escritura. A ignorância e o mau coração do incrédulo são fontes prolíficas de erro com respeito às misteriosas verdades de uma revelação supematural.

Em primeiro lugar, somos ignorantes sobre a natureza de Deus como é em si mesma, bem como sobre o vasto e incompreensível esquema de Seu govemo moral como um todo. A analogia de nossa própria natureza, e a limitada obser­vação a que podemos alcançar dos procedimentos da providência divina, são guias totalmente insuficientes para a compreensão de tais verdades supematurais como a eleição e a condenação de seres humanos.

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Em segundo lugar, nossa ignorância manifesta-se com frequência em inferências errôneas de princípios admitidos. É óbvio que o perigo oriundo des­ta fonte é muito maior quando deduzimos nossas inferências das afirmações gerais do que quando as extraímos de declarações definidas feitas da enunciação professada ou elucidação de verdades particulares.

Em terceiro lugar, um coração mau e incrédulo nos inclina à recusa de nos submetermos à autoridade de Deus, e de rejeitarmos doutrinas que são clara­mente reveladas. Destes perigos os mestres de religião, nos dias de nosso Sal­vador, forneceram ilustrativos exemplos. Tendemos a aceitar a tradição, opini­ões precedentes e difundidas, e os juízos aparentemente instintivos da razão, em vez das afirmações autorizadas, cujas milagrosas credenciais provam que elas vêm diretamente de Deus mesmo. O dócil e confiante temperamento das criancinhas nos assenta bem no trato com os oráculos de Deus.

Em quarto lugar, sob a operação das mesmas causas, os homéns são pro­pensos a reivindicar para a razão natural a prerrogativa de juízo fmal sobre o conteúdo da revelação supematural. Apelam para os juízos intuitivos de suas almas como uma lei mais elevada - superior à própria Bíblia. O perigo de equívoco justamente aqui é grande e iminente. A BíbHa não contradiz qualquer verdadeira intuição, intelectual ou moral, de nosso ser. Ela deve harmonizar-se com nossas leis fiindamentais da crença e nossas leis fiindamentais da retidão, pois seu Autor é também delas. Quando um conflito parece emergir entre ela e elas, devemos assegurar-nos de que temos confundido falsas leis com as ver­dadeiras, abraçado uma nuvem por divindade. Há o risco de grave disparate quando levamos a Bíblia ao tribunal de nossas intuições.

Terceiro, os escritores arminianos cultivam o hábito de insistir em maior extensão sobre as dificuldades da reprovação do que sobre as da eleição. A reprovação, insistem eles, é apenas uma inferência da eleição, e ao desaprova­rem a conseqüência alegam que desaprovam aquilo do que ela se deriva. Este foi o curso seguido pelos doutores remonstrantes no Sínodo de Dort, e quando aquele Sínodo lhes fizeram objeção como sendo ilegítimos, se queixaram da decisão como um agravo. Por certo que isto é injusto. A doutrina da eleição é muito mais defmida, plena e claramente enunciada na Escritura do que o pri­meiro e principal tópico da discussão. Os arminianos, além disso, ignoram o fato de que os calvinistas não mantêm a reprovação meramente como sendo uma inferência da eleição. Insistem que ela é também endossada pelos teste­munhos independentes da Escritura. Ela é necessária para uma total apreensão do estado da controvérsia de que se dev& chamar a atenção para este método de procedimento da parte dos anticalvinistas.

Quarto, deve-se notar, à vista do fato, que os anticalvinistas conduzem seu argumento principalmente opondo objeções à posição calvinista, dizendo que

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“meras objeções constituem um melhor, porém negativo, testemunho, o qual não pode destruir a evidência positiva”. O mesmo curso de argumentação, se bem sucedido, finstraria nossa convicção em algum dos maiores e mais essen­ciais artigos do esquema cristão. Se a evidência positiva da Escritura deva ser sacrificada às objeções e dificuldades suscitadas pela razão natural, ou aos sentimentos naturais, nada nos seria deixado senão os ossos secos da Religião Natural, e mesmo estes o ateísmo não permitiria que descansem em paz.

Não se pretende afirmar que os arminianos não oferecem testemunho so­bre este tema, o qual é professamente extraído da Escritura. Mas as provas diretas, como já se mostrou, são, como provas, insignificantes tanto em peso quanto em número; sendo por demais conveniente e adequadamente disputáveis para serem evocadas do lado calvinista, e opostas, como são, por uma esmaga­dora massa de provas diretas em favor das doutrinas em questão. A quantidade de evidência direta e positiva é sem dúvida contra o arminiano. Ele fomece, é verdade, abundância de prova direta, derivada, à guisa de inferência, das doutri­nas concebidas como sendo inconsistentes com as da eleição e reprovação. Em vista deste suposto conflito de doutrinas, vale a pena haver exibido na parte pré­via desta discussão as provas diretas e positivas propiciadas pelas Escrituras das doutrinas da eleição e reprovação. Se o arminiano fosse apto a coletar um igual corpo de tais provas em favor das doutrinas de que Deus eficientemente quer a salvação de todo homem individualmente, e da doutrina de que Ele deu Seu Filho para morrer a fim de que cada homem individuahnenteyòsse salvo, o resultado certamente seria que a Bíblia se contradiria, e, consequentemente, j á não há mais necessidade de questionar acerca do que ela ensina. Mas, se as provas diretas do arminiano equivalem nada mais que o estabelecimento das doutrinas de que Deus, em algum sentido, quer a salvação de todos os homens, e que, em algum senti­do, Ele deu Seu Filho para morrer por todos os homens, isso não apresenta ne­nhuma contradição; e o sentido em que se devem tomar as afirmações de que Deus quer a salvação de todos os homens, e que Ele deu Seu Filho para morrer por todos os homens, se harmonizaria com as doutrinas que são positiva e inquestionavelmente asseveradas na divina Palavra. As afirmações duvidosas seriam concihadas com as sem ambiguidade. Seriam vestidas pelo lado direito.

Quinto, é injustificável que nós, limitadas como são nossas faculdades, e pecaminosas como são nossas naturezas, especulemos quanto ao que Deus deve fazer ou faria em consistência com Seu caráter. Convém-nos antes ouvir com reverência o que, em Sua Palavra, Ele diz haver feito ou quer fazer. Pres­sionados pela necessidade do testemunho direto e positivo da Escritura, o qual está faltando no argumento usual proveniente do caráter de Deus contra a doutrina calvinista, alguns eminentes escritores anticalvinistas, tais como Copleston e Whately, virtualmente abandonaram essa linha de prova.

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Havendo chamado a atenção para essas considerações que jazem no pró­prio limiar da questão ora diante de nós, passo ao exame de objeções especiais às doutrinas calvinistas da eleição e reprovação; e a primeira classe que encon­tramos se deriva dos atributos morais de Deus.

O b je ç ã o p r o v e n ie n t e d a justiça d iv in a

Objeta-se que essas doutrinas são inconsistentes com a justiça de Deus.É importante observar que esta objeção derivada da justiça divina não é

dirigida principalmente contra o decreto de eleger alguns dentre a raça humana para a salvação. Como é isso? O que a justiça tem a ver com a eleição, a qual é confessamente o resultado da graça? É verdade que a doutrina calvinista da eleição é acusada de imputar parcialidade a Deus ao fazer distinção entre os membros da raça, a ponto de salvar alguns e deixar outros perecerem. Mas a objeção é assacada principalmente contra o decreto de reprovar alguns dentre a raça humana. É especialmente este decreto que se declara estar em conflito com a justiça. Ora, evoquemos à memória a afirmação da doutrina calvinista da reprovação. Significa que Deus decretou soberanamente passar por alto - isto é, não eleger para a salvação - alguns dentre a massa culpada e condena­da da humanidade, e de judicialmente mantê-los sob a condenação que, por seu pecado, foram concebidos na mente divina como havendo merecido. Essa é a doutrina calvinista. Porventura é contra esta doutrina que a objeção provenien­te da justiça se dirige? Claro que não! Qual, pois, é a doutrina, como afirmam os escritores arminianos, contra a qual a objeção é gravada? Ouçamos um daque­les que nos dias atuais mantêm aposição de um teólogo representativo. Diz ele;

“Por eleição incondicional, os doutores desta classe [calvinistas] entendem uma eleição de pessoas para a vida etema sem levar em conta sua fé ou obe­diência, aquelas qualidades nelas sendo supostamente necessárias como con­sequências de sua eleição; por reprovação incondicional, a contraparte da dou­trina supra, está implícita a não-eleição ou rejeição de certas pessoas da salva­ção etema; seguindo esta rejeição a incredulidade e desobediência como con­sequências necessárias.’”

Sejam estas afirmações comparadas. O calvinista afirma que Deus Se de­para com os homens já desobedientes e condenados, e deixa alguns deles na condição de desobediência e condenação à qual, por seu próprio ato inevitável, haviam se reduzido. O arminiano apresenta o calvinista como a dizer que Deus decretou rejeitar alguns dentre a humanidade no tocante à salvação etema, e sua desobediência segue como uma consequência necessária. Equivale dizer; se a linguagem significa algo, o decreto divino de reprovação causa a desobe-

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diência de alguns homens, e então os destina à punição etema por tal desobedi­ência. Mas quem negaria ser isso injusto? Não é essa a doutrina que o calvinista ensina. Nenhuma seção do corpo calvinista o ensina. Tampouco os símbolos calvinistas. Muito menos os teólogos infralapsarianos; e estes constituem a vasta maioria dos calvinistas. Os símbolos e estes teólogos, igualmente, man­têm que o homem foi criado reto, à imagem de Deus, dotado com ampla capa­cidade de não pecar, e que, portanto, ele caiu por sua própria livre autodecisão. Inclusive os teólogos infralapsarianos não ensinam ineptamente a doutrina aqui imputada aos calvinistas. A uma só voz, afirmam que Deus decretou reprovar alguns denfre a humanidade “por seu pecado”. Mas, caso se diga que eles, ao assumirem esta posição, são culpados de inconsistência, deve-se lembrar que o corpo dos calvinistas, sendo infralapsariano, não é passível da mesma acusa­ção. Portanto, não é a doutrina calvinista da reprovação que é passível da crítica de ser incongmente com ajustiça de Deus, e sim aquela confra a qual os calvinistas se uniriam aos arminianos em condenar. A seta erra o alvo, e por uma boa razão; ela foi apontada para outro [alvo]. Este é o primeiro e crasso erro na afirmação arminiana sobre a posição calvinista. Ele é representado como se Deus decretasse causar o primeiro pecado do homem e então decre­tasse condenar alguns denfre a raça apóstata à destmição por havê-lo come­tido. A afirmação genuína é que Deus decretou permitir o pecado, e então decretou manter alguns denfre a raça sob a condenação que Ele intuiu de antemão que eles, por sua própria culpa, incorreriam.

O segundo erro crasso na afirmação arminiana quanto à posição calvinista é que os decretos da eleição e reprovação são representados como sendo igual­mente incondicionais. Dizem que eles correspondem neste aspecto. Esta re­presentação só é parcialmente correta; e o quanto é correta, e o quanto é incorreta, é importante observar. Admite-se que ambos os decretos, de eleição e reprovação, são condicionados à presciência divina da Queda; equivale dizer, a presciência da Queda é, na ordem do pensamento, pressuposta por cada um desses decretos. Esta é a doutrina das confissões calvinistas, e inclusive do próprio Calvino.^ Mas a questão ora diante de nós é se a presciência divina dos atos especiais dos homens, praticados depois da Queda, condicionou esses de­cretos. Já se mosfrou que neste respeito o decreto da eleição é incondicional. Ele não é condicionado pela presciência divina de fé, boas obras e perseveran­ça dos indivíduos a quem Deus quer salvar. Sendo a questão, se o decreto de reprovação é também incondicional, é preciso assumir uma distinção. A preterição - o passar por alto - de alguns da massa apóstata, e deixando-os em seu pecado e mina, é incondicional. Ela não é condicionada pela presciência divina dos pecados especiais deles, tomando-os ainda mais merecedores do

2. Comentário sobre Romanos, 9.11; I Pedro 1.20.

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que aqueles a quem aprouve a Deus eleger. Até esse ponto, a reprovação é incondicional. Neste aspecto, ela é, como a eleição, baseada no beneplácito da soberana vontade de Deus. Mas a condenação judicial - a permanência sob a sentença da lei quebrada - do não-eleito é condicional. Ela é condicionada pela presciência divina do primeiro pecado e de todas as transgressões atuais, os pecados especiais que emanam do princípio da corrupção original. Neste as­pecto, e até este ponto, os decretos de eleição e reprovação são diferentes, sendo um incondicional e o outro, condicional. Dizer, pois, que são inteiramente parecidos por serem ambos incondicionais é entender mal a posição calvinista. Esta exposição é endossada pela seguinte afirmação do decano Cuimingham: “O segundo ato judicial - o positivo - e mais propriamente aquele que é chama­do, em nossa Confissão, ‘preordenando à morte etema’ e ‘ordenando os que foram passados por alto à desonra e ira por seu pecado’. Deus a ninguém ordena à ira ou punição, exceto em virtude de seu pecado, e nenhum decreto os faz sujeitos ã punição que não esteja fundada em e tenha referência ao seu pecado, como uma coisa certa e contemplada. Mas o primeiro ato, ou negativo, de preterição, ou de passar por alto, não é fundado em seu pecado e perseve­rança nele como previsto.” .

O terceiro erro crasso na afirmação arminiana da posição calvinista é que os decretos de eleição e reprovação estão em pé de igualdade por serem eles as causas das quais os atos humanos procedem como efeitos; sendo o primeiro a causa de atos santos naqueles que hão de ser salvos, e o segundo, de atos pecaminosos naqueles que hão de permanecer perdidos. Depois do que já ficou expresso, pouco é necessário insistir sobre a defectibilidade desta afirmação. Um pecador é destituído de qualquer princípio de santidade do qual pudessem emanar atos santos. A eficiência da graça é necessária para a produção de santidade em seu caso. Mas o princípio de depravação na natureza de um pecador em si mesmo é causa de atos pecaminosos. Portanto, a menos que a doutrina calvinista pudesse ser honestamente acusada de ensinar que Deus causa o princípio pecaminoso, ela não pode ser tida como a ensinar que Ele causa os atos pecaminosos os quais ele naturalmente produz. Ao contrário disso, ela mantém que o princípio do pecado na natureza do homem é auto- originado. Suas consequências são obviamente referidas à mesma origem; afir­ma-se que todo pecado, original e atual, é causado pelo próprio homem. Não se pode dizer que Deus, ao reprovar o pecador por seus pecados, é a causa de seus pecados.

Mas se replicará que a dificuldade não é inteiramente removida; pois a reprovação pressupõe que Deus subtrai do pecador a eficiência da graça tão-

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somente pela qual ele poderia produzir atos santos, e assim é representado como a causar a ausência daqueles atos e o cometimento dos pecaminosos. A réplica é óbvia: nega-se a afirmação de uma correspondência entre os dois decretos com respeito à eficiência causal a operar no pecador. A única simila­ridade restante é aquela entre a eleição como a causar direta e positivamente atos santos, e a reprovação como a ocasionar indireta e negativamente atos pecaminosos. Isto equivale a uma renúncia da analogia ratificada a predominar entre elas e a confirmação de uma acusação separada contra a justiça da reprovação; a saber, que Deus é injusto em subtrair de alguns pecadores a graça eficiente a qual se diz que Ele comunica a outros. Mas, se todos os homens são pecadores por sua própria e livre autodecisão e, portanto, por sua própria culpa, não haveria qualquer injustiça em Deus haver subtraído Sua gra­ça de todos. Por conseguinte, não poderia haver qualquer injustiça se de alguns ela foi subtraída. O que é verdadeiro de todos, deve ser verdadeiro de alguns. Este ponto receberá mais consideração durante o avanço desta discussão.

E óbvio, à vista do que se disse, que a implicação contida na afirmação arminiana supracitada de que a doutrina calvinista da reprovação está longe de ser correta - a saber, que Deus, por virtude desse decreto, causa os pecados dos não-eleitos da mesma forma que, por virtude do decreto da eleição, Ele causa a fé e as boas obras dos leitos. No decreto da eleição, Ele ordena os homens à salvação, não por causa da obediência destes, e sim movido por Sua mera mercê, segundo o conselho de Sua soberana vontade; enquanto que, no decreto da reprovação, Ele judicialmente, isto é, em concordância com o re­querimento de Sua justiça, ordena os homens à punição por causa da desobedi­ência dos que elegem a si próprios.

Uma vez sendo a doutrina calvinista assim eximida de sua falsa concepção e falsa afirmação, estamos preparados para expressar concretamente a ques­tão. Por exemplo, foi Deus justo em decretar na eternidade punir os transgressores de Sua lei, por voluntariamente a haver violado? Sendo esta a questão real, que resposta, senão uma, se pode dar a ela? Porventura Deus, o justo Govemante do mundo, não tem o direito de exercer Sua justiça sobre pecadores voluntários? E se Ele o possui, foi Ele injusto em decretar na eterni­dade exercer Sua justiça sobre eles? O argumento não é contra aqueles que negam a existência em Deus de justiça retributiva, e sim contra aqueles que a admitem e justificam seu exercício sobre os ímpios. Como, pois, podem eles declarar uma doutrina como sendo inconsistente com ajustiça divina, a qual afirma que Deus decretou reprovar homens por seu pecado? Bem que se pode indagar com Paulo: “É Deus injusto por tomar vingança?” É o Juiz de toda a terra injusto por infligir punição sobre os que temerária e indesculpavelmente se revoltam contra Seu govemo e são violadores de Sua lei? É evidente que

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esta não pode ser a doutrina contra a qual se impõe a objeção em apreço. O arminiano não pode atacar consistentemente esta doutrina, pois como o calvinista ele admite a justiça de Deus em punir os pecadores voluntários. A doutrina contra a qual ela [a objeção] é assacada é que Deus de tal modo decretou o pecado do homem, que este, em consequência de Seu decreto, se tomou ne­cessário e inevitável, e então decretou punir o homem pelo que ele não podia evitar. Mas, como já se mostrou, essa não é a doutrina mantida pelo grande corpo calvinista ou afirmada nos símbolos calvinistas.

Uma forma especial da objeção extraída da justiça divina contra as doutri­nas calvinistas da eleição e reprovação é que estas atribuem parcialidade a Deus, em que Ele é representado como a fazer discriminação entre os que se encontram no mesmo estado: decretando salvar alguns e reprovar outros, A objeção, nesta forma, ao menos é relevante, pois o calvinista admite a discrimi­nação alegada; porém nega que a discriminação envolva parcialidade, no sen­tido de injustiça. Se há injustiça, ou seria quanto ao govemo divino, ou quanto aos eleitos, ou quanto aos réprobos. Não pode ser quanto ao govemo divino, pois os eleitos são salvos através do mérito de Cristo, seu glorioso Substituto, que em seu lugar veio a ser a perfeita satisfação à-justiça divina por seus pecados. Não pode ser quanto aos eleitos, pois é impossível que a salvação lhes inflija injustiça. Não pode ser quanto aos réprobos, pois não tinham nenhuma sorte de direito ao favor divino que foi recusado. Não possuíam nenhum direito do qual fossem defraudados. O único merecimento que tiveram foi a punição por seus pecados. Onde, pois, está a injustiça que Uies foi infligida? Houve discriminação, porém foi entre os que eram todos igualmente merecedores do mal; e, seguramente. Deus tinha o direito de isentar alguns de sua merecida punição e manter outros sob sua aplicação. Seguramente, Ele tinha o direito de exercer Sua mercê para com alguns e Sua justiça, para com outros.

Pode-se dizer, com algum matiz de plausibiUdade, que Deus não foi bom em salvar alguns e deixar outros perecerem; porém alegar que Ele foi injusto, isso vai além de toda compreensão. Perceba-se claramente que ninguém tinha, ao menos, qualquer direito à consideração divina, e a obj eção de injusta parcialida­de imediatamente se evapora. Perceba-se que todos traziam sobre si mesmos o pecado e a condenação por sua própria decisão, livre e destituída de necessi­dade, e deve-se admitir que a glorificação de Sua mercê na salvação de alguns, e de Sua justiça na punição de outros, eram fins dignos de Deus. Todos eles eram como criminosos e prisioneiros nas mãos da justiça. A Deus, como o supremo Soberano, aprouve exercer clemência para com alguns deles, e, como o supremo Juiz, continua a exercer justiça sobre outros, para o propósito de glorificar a ambas. Sua graça e Sua justiça, aos olhos do universo. A execução da justiça sobre os criminosos é sempre terrível; nunca pode ser injusta. Não o

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temperamento, e sim aquele escrupuloso sentimentalismo, ou aquela capciosa insubordinação às justas medidas de govemo, pode detectar injustiça em tal procedimento. Alguém deveria presumir que, em vez de fazer objeção ajustiça de Deus na punição de seus parceiros de crime, aquele que foi dispensado, por imerecido favor, de sua merecida participação na condenação daqueles gasta­ria tempo e a etemidade em gratos reconhecimentos dessa graça. Que os ho­mens perversos façam objeção à justiça de sua própria punição, não é matéria de surpresa; que os homens pios façam objeção à justiça de Deus em punir os perversos, mesmo quando Ele pudesse salvá-los, é um fato que só pode ser avaliado com base numa errônea aplicação de um princípio verdadeiro, como um padrão de julgamento no processo. Os arminianos e outros anticalvinistas fazem objeção à doutrina calvinista da reprovação porque insistem que ela envolve esta monstmosa pretensão: que Deus, judicialmente, condena à puni­ção etema aqueles cujo pecado era inevitável e por isso não era culpa propria­mente sua. Deus é representado como a magnificar Sua justiça na punição do inocente. Como corroboram esta objeção?

Estabelecem como um princípio fundamental que a capacidade é sempre a condição e a medida da obrigação. De ninguém se pode requerer, sob quaisquer circunstâncias, que faça o que é incapaz de fazer. A capacidade de fazer deve ser igual ao dever demandado. Este princípio, em si verdadeiro, não se aplica universalmente, e, consequentemente, em alguns casos é erronea­mente aplicado. Ele se aplica ao homem em sua atual condição apóstata e pecaminosa, tanto quanto ao homem em seu estado original sem queda e sem pecado. O calvinista mantém que os homens agora estão, em consequência da Queda, e como não-regenerados, numa condição de incapacidade espiritual. Não são capazes de fomecer obediência aceitável à lei moral, e são igualmente incapazes de aquiescer nos requerimentos do evangelho. Ora, por que via vie­ram a ser assim inaptos? Se por sua própria falha, sua inabilidade é o íxuto de pecado inevitável, e, portanto, é em si mesma pecado. Mas, contende o araiiniano, 0 calvinista sustenta que já nasceram assim inaptos; e se isso é assim, então a inabilidade não foi contraída por alguma falha de sua parte. Ela é congênita e constitucional. Condená-los por não fazerem o que uma inabilidade assim deri­vada os desqualifica para fazerem é nitidamente injusto. Ela se assemelha a um admirável cadáver, por uma morte que o homem vivo não pode evitar. Este é o ponto cardinal na questão ora em litígio, e a ela se deve devotar especial atenção.

1. Ao calvinista infralapsariano - e este é o genuíno calvinista - não se incumbe de endossar nenhum partido na contenda entre o arminiano e o supralapsariano. Ele é um espectador interessado, exceto quando sua própria posição corre o risco de assalto. Quando a batalha avança, ele grita: Desista, arminiano! Branda o poderoso princípio de que Deus não é o autor do pecado;

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que, na primeira instância - a instância do homem na inocência - , a capacidade é a condição e medida da obrigação. Novamente grita; Desista, supralapsariano! Branda o poderoso princípio de que na segunda instância - a instância do ho­mem em seu atual estado apóstata - a capacidade não é a condição e medida da obrigação; que a atual capacidade do homem é seu próprio pecado e crime, pelos quais Deus justamente o condena à punição. Que, na origem da raça humana em inocência, a capacidade condicionou e mediu a obrigação, não é um dogma distintivo do arminianismo; é a doutrina da verdadeira Igreja Univer­sal. Que, na atual condição apóstata da raça, a incapacidade não pode e nem desobriga os homens de sua obrigação, como súditos do govemo de Deus, a render obediência a todos os Seus requerimentos, quer legais, quer evangélicas - este não é um dogma peculiar do supralapsarianismo; é também a doutrina da verdadeira Igreja Universal. O arminiano adere à fé daquela Igreja, no que conceme ao homem em sua inocência, e se aparta dela, no que conceme ao homem em seu estado apóstata e não-regenerado. O supralapsariano se afasta dela no tocante ao homem na inocência e a divide no tocante ao homem apostatado e não-regenerado. Ambos estão certos e ambos estão errados. O calvinista mantém a fé da verdadeira Igreja em sua integridade.

2. A dificuldade de conciliar capacidade congênita com a justiça de Deus em condenar os homens à punição perturba o arminiano evangélico tanto quan­to 0 calvinista. O primeiro mantém que os homens nascem sob culpa e em depravação. Por-conseguinte, ele manteria, e de fato mantém, que nascem numa condição de incapacidade espiritual.'* É verdade que Pope fala de uma natureza humana “não individualizada” que antes do nascimento dos indivíduos é, em virtude da expiação de Cristo, isenta da culpa do pecado de Adão e dotada com uma medida de vida espiritual, e implica que não foi por esta provi­são redentiva que os indivíduos nasceriam espiritualmente mortos. Em outras ocasiões, porém, ele fala no mesmo dialeto de seus irmãos e admite a doutrina evangélica de que os homens nascem nessa condição. A questão, pois, é como o arminiano harmoniza este fato com seu princípio fundamental de que a capa­cidade condiciona a obrigação e a justiça de Deus em punir os homens pela desobediência aos Seus requerimentos. Desta forma, ele mantém que junta­mente com 0 decreto de permitir a queda havia, pela presciência de que ela ocorreria, o decreto de prover redenção de suas consequências para toda a humanidade. Por conseguinte, o mérito da expiação universal oferecida por Cristo assegurou a todos os homens a remoção, na infância, da culpa do peca­do de Adão. E, além do mais, ele mantém que a cada homem se comunica um

4. Artigos de M. E. Church, vü, viii; Wesley, Serms. On Orig. Sin, New Birth; Treatise on Orig. Sin,, et passim', Watson, Theo. Inst., vol. ii, p. 49; Pope, Comp. Christ. Theol., vol. ii, p. 80; Ralston, Elem. Div., p. 141; Raymond, Syst. Theol., vol. ii, p. 83.

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grau de vida espiritual, ou, como algumas vezes se expressa, uma parte da morte espiritual é removida, e assim se restaura uma medida de livre-arbítrio; os homens são dotados com suficiente capacidade de aquiescer aos requeri­mentos divinos.

2.1. A primeira destas posições - a saber, que a culpa de Adão é, em virtude da expiação, removida de cada criancinha, é oposta por insuperáveis dificuldades.

Primeiro, a presunção fundamental de que a expiação foi oferecida por cada homem individualmente não pode ser provada com base nas Escrituras. Estas ensinam que Cristo morreu por aqueles, dentre todas as nações e clas­ses, que Lhe foram, na etema aliança, dados pelo Pai a fim de que fossem redimidos. Mas, como o arminiano não dará nenhuma importância a esta afir­mação, em favor deste argumento, presuma-se que, em virtude da expiação, a culpa do pecado de Adão seja removida de cada criancinha. O que se segue disto? Como criancinha, ela não tem, ex hypothesi, nenhuma culpa derivada de Adão. Essa culpa é removida. Neste aspecto, pois, ela é inocente. Mas, como uma criancinha não pode contrair culpa por transgressão consciente, ela é tam­bém, nesse respeito, inocente. Não havendo outra fonte de culpa, ela é inteira­mente inocente. O arminiano evangélico estaria preparado para assumir a base pelagiana de que as criancinhas são totalmente inocentes? Além^do mais, ele mantém que as criancinhas são totalmente depravadas em consequência do pecado original residente nelas como um princípio. Ele não declara que isso foi removido por virtude da expiação. Temos, pois, um ser totalmente inocente e totalmente depravado a um e mesmo tempo. O arminiano evangélico defende­rá esse paradoxo? Mais ainda, caso se diga que a depravação total seja o resultado de desenvolvimento, e, consequentemente, seja atributo somente do adulto, surge a questão como uma depravação parcial, que é o princípio do desenvolvimento, pode harmonizar-se com a inteira inocência. A dificuldade difere da outra meramente em grau. Caso se afirme que a criancinha é, res­pectivamente, inocente e inteiramente impoluta, evita-se a dificuldade, porém outras igualmente grandes a substituirão. Pois tal posição contradiria os ex­pressos ensinos de seu sistema e reduziria sua doutrina a um pelagianismo nocivo. E, além do mais, seria impossível explicar a origem, o ponto inicial do desenvolvimento da depravação. Não havendo culpa e nenhuma depravação na criancinha, ela começa a vida inocente e pura, respectivamente. Como, pois, começa sua depravação? Cada indivíduo cai como caiu Adão? E há tantas falhas quantos indivíduos existem? É possível admitir tais absurdos? “Não as­sumimos”, diz Pope, “uma segunda queda pessoal no caso de cada indivíduo alcançar a crise da responsabihdade.” Bem, então cada indivíduo começaria a

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existência depravada e por isso não pode ser inocente. Mas, se possui culpa, então é a culpa de Adão que é imputada, pois ele não pode contrair, como uma criancinha, a culpa de transgressão pessoal e consciente.

Há dois métodos pelos quais o arminiano pode ser convencido de evadir-se da força desta dificuldade. Ele pode negar que a depravação é pecado. Ele pode dizer: Admito a depravação congênita da criancinha, porém, como não admito que a depravação seja da natureza de pecado, não me exponho à pres­são desta dificuldade. A inocência pode não harmonizar-se com o pecado, mas pode com a depravação. Então, suponha-se que esta extraordinária hipótese fosse dissipada em razão de uma ideal inteireza do argumento, ouçamos o re­cente escritor, C. W. Miller. Seguindo expressamente Limborch em sua discus­são do Pecado Original, ele afirma: “Mostra-se que a ‘inclinação para pecar’, a qual é parte da terrível herança recebida de Adão, ‘não é pecado propriamen­te assim chamado’. Este é um ponto importante.” “A verdade fundamental é aqui afirmada ‘que não há nenhuma corrupção nas crianças que seja verdadei­ra e propriamente pecado’. Isto corta a principal raiz do agostinianismo, cujo principal postulado é que as criancinhas herdam de Adão uma corrupção moral que é da natureza do pecado, e merecem morte etema.” Falando meramente por si mesmo, ele avança mais: “A confusão de pensamento no agostinianismo consiste em confundir pecado com depravação. Estes dois não são o mesmo, nem possuem qualquer conexão necessária.” É verdade que o homem ‘como nascido após a Queda possui, mesmo antes de qualquer ato volitivo propria­mente seu, uma natureza caída’. Mas, que esta ‘natureza caída’ seja um ‘esta­do pecaminoso’, ‘mal injusto, mal moral, pecado, pecaminosidade’ [sendo a linguagem citada extraída de Whedon sobre a Vontade] é um total absurdo. Uma ‘natureza ou estado pecaminoso’ só pode ser produzido por pecado real.”®

Em primeiro lugar, esta hipótese é extraordinariamente paradoxal. Ela viola o significado dos termos e o usus loquendi da Cristandade, inclusive as própri­as corporações evangélicas arminianas. Em segundo lugar, ela despe uma con­fessa inclinação para pecar de toda qualidade pecaminosa. Em terceiro lugar, ela nega a pecaminosidade do intenso egoísmo que se manifesta nas crianças, mesmo antes que possam inteligentemente apreciar sua relação com a lei mo­ral. Em quarto lugar, ela coloca cada criancinha na pecaminosa condição de Adão, antes que ele caísse, e até a essa extensão é palpavelmente pelagiana; e, em quinto lugar, ela faz da alusão teológica e eclesiástica à queda um desditoso solecismo, posto que haveria tantas quedas separadas de inocência em pecado como tem havido, há e haverá, seres humanos sobre a terra. É possível que alguém aqui se detenha e note, neste conspícuo caso, a tendência da especula-

6. The Conflict o f Centuries, pp. 115, 116, 208: Nashville, South. Meth. Pub. House, 1884.

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ção arminiana contemporânea para o semi-pelagianismo de Cassio e Limborch. De fato, Miller não hesita em confessar ser um teólogo daquela escola. Não requer nenhum argumento para mostrar que, se o arminianismo evangélico assumisse aquele tipo teológico, terá renunciado à liderança de Wesley, Fletcher e Watson; não obstante a ardorosa tentativa de Miller de evidenciar o con­trário.

Há outro método aparentemente mais promissor pelo qual se pode fazer uma tentativa de amainar a dificuldade criada pela alegada co-existência na criancinha de corrupção com a íntegra inocência. Insistir-se-á que a mesma dificuldade se obtém no caso do adulto que é realmente justificado mediante a fé. Toda a sua culpa é removida pelo ato justificador, porém, mesmo assim, o princípio de corrupção permanece e, sem dúvida, se dirá que sobre este fato o calvinista põe ênfase especial, Mas:

A remoção da culpa e a regeneração são inseparavelmente relacionadas entre si. Se uma ocorre, então deve ocorrer a outra. Isto é admitido pelo próprio arminiano. Aqui não se suscita nenhuma dúvida com respeito à ordem em que ocupam - isto é, se a regeneração precede a justificação, ou o contrário. Tampouco aqui se lança dúvida se ocorrem sincronicamente, ou podem ser separadas por um intervalo de tempo. O que se alega é que, onde uma dessas grandes mudanças se concretiza, a outra ocorrerá, com certeza, em algum momento. No plano divino de salvação, nunca são dissociadas. Como o calvinista diria: aquele que foi regenerado será justificado, e como o arminiano o expres­saria: aquele que foi justificado será regenerado. Nenhum adulto é tido como ou meramente regenerado ou meramente justificado, meramente renovado ou meramente absolvido da culpa. Não há, no caso do crente justificado, a simples co-existência de depravação com a remoção de culpa. O arminiano concede esta inseparável relação de justificação e regeneração com referência às cri­ancinhas que morrem na infância. Não se pode admitir nenhum ser humano entrando no céu culpado e não-regenerado. Mas o peso da dificuldade jaz no caso da criança não-regenerada que vive até a idade adulta. Ela, segundo a suposição, é absolvida da culpa de Adão e, no entanto, não é regenerada. Em seu caso há uma simples e não modificada co-existência de inocência e depra­vação, e, consequentemente, a analogia entre esta e aquela das falhas do cren­te justificado.

Caso se depare com esta dificuldade especial, e for dito que não só todas as criancinhas são justificadas da culpa do pecado de Adão, mas que todas as criancinhas são regeneradas, a répüca é que a doutrina arminiana, longe de ensinar a regeneração de todas as criancinhas, ensina o contrário; e, mais ain­da, não pode ser verdadeiro que cada pagão seja regenerado na infância.

Merece também detida observação que, enquanto a depravação continua a

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existir no crente justificado, sua operação é, em dois aspectos, mui seriamente modificada. (1) Ela não mais reina. Já não é o princípio dominante. A graça é que reina. Mas, na criancinha não-regenerada e incapaz de, consciamente, exercer fé em Cristo, a depravação é o princípio reinante, e na atividade de seu crescimento até a maturidade desenvolverá como tal até que ocorra a regene­ração e se exerça fé para a justificação. (2) No crente justificado, a deprava­ção é refreada, seu desenvolvimento obstruído pelo princípio de santidade; e este princípio, como aumenta em energia, contribui mais e mais para a destrui­ção da corrupção. Como isto não pode ser verdadeiro no tocante à criancinha não-regenerada, é óbvio que os casos não são análogos.

Outra diferença específica entre os dois casos jaz no fato de que, anterior­mente à justificação, cada crente tem cometido pecados conscientes e desen­volvido, por sua agência voluntária, o princípio da depravação. Enquanto ele é absolvido da culpa, no que diz respeito á justiça dominante de Deus, e as conse­quências retributivas do pecado estão envolvidas, ele é consistente com a justi­ça patema de que o princípio de cormpção, restringido pela graça, permanece­ria em seu mundo interior. Intrinsecamente, isto é, considerado não como em Cristo, mas em si mesmo, ele merece comer algum _dos frutos de sua própria ação, e, experimentalmente, sentir a amargura do pecado. Esta vindicação da co-existência da depravação com a justificação não se aplicará às circunstân­cias de uma criancinha que, segundo a suposição, foi justificada da culpa sem haver cometido gualquer pecado consciente.

Além do mais, não deve escapar à observação que a depravação que con­tinua no crente justificado é de tal modo dominada pelo govemo da graça de Deus, que garante os fins de uma disciplina saudável. Ora, é passível de dúvida se alguma criancinha seja, como tal, suscetível de domínio disciplinar; mas, mesmo que tal hipótese fosse admissível em relação às criancinhas que mor­rem na infância, não se pode provar que a depravação é subjugada a ponto de promover os fins de uma disciplina saudável nos casos de criancinhas que não morrem na infância, porém vivem até a idade adulta e morrem visivelmente em seus pecados.

Estas considerações são suficientes para mostrar que a objeção apresenta­da contra a doutrina arminiana da absolvição de cada criança da culpa do peca­do de Adão, que ela envolve a co-existência de inteira inocência e depravação, não pode ser satisfeita por um apelo ao caso do crente justificado.

Segundo, o ponto de vista de que a culpa de Adão foi removida de cada criancinha não pode harmonizar-se com a existência da depravação, seja con­siderada do ponto de vista de sua origem, ou de seus resultados. Wesley e Watson admitem ser ela penal em sua origem. Mas, se é assim, como a culpa do pecado de Adão é removida da criancinha por virtude da expiação, a depra-

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vação que procede de suas consequências penais deve ser também removida. Entretanto, inconsistentemente se mantém que, enquanto a causa seja destruída, 0 efeito permanece. Que a depravação seja contemplada com referência aos seus resultados. Deve-se admitir que são penais. Todo aquele que comete pe­cado é digno de punição. Este merecimento de punição deve ser refreado pela provisão de expiação vicária, ou aplicação penal deve seguir como sua con­sequência. No caso da criancinha, que vive até a maturidade, a depravação, admite-se, resulta em conscientes atos de pecado. Antes de ser justificada pela fé, esses pecados merecem punição. Apesar da alegada remoção da culpa de Adão da criancinha, ela incorre em condenação quando comete pecados pes­soais; e este é o resultado natural da existência nela do princípio de corrupção. Como esta descoberta de incorrer em punição é conciliável com a remoção da culpa de Adão? Somente de uma maneira concebível: incorrendo em pecado por seu próprio ato evitável. Mas tal queda é negada com respeito a cada indivíduo, como já vimos numa citação de Pope. E tal queda, como foi a de Adão quando, pela primeira vez contraiu culpa, está fora de questão, posto que nosso primeiro pai não tinha, antes de seu primeiro ato de pecado, nenhum princípio de depravação, e a criancinha confessadamente tem. Caso se alegue que a graça suficiente é dada para tomar evitável o primeiro ato pecaminoso e sua consequente queda, se seguiria que cada indivíduo falhacomo se deu com Adão; e isso é negado. E evidente que a presença do princípio de cormpção na criancinha não-regenerada, que é tida como isentada das consequências penais do pecado de Adão e, no entanto, não é culpada de transgressão consciente, é um fato que provaria impertinente ao arminiano evangélico.’

7. Pode-se alegar que a mesma redução se aplica absurdamente ao elemento calvinista da Teologia Federal, de que os eleitos são, em consequência de sua justificação virtual e representativa em Cristo, sua Cabeça Pactuai, os absolveu de sua condenação virtual ou representativa, em Adão, sua cabeça no primeiro pacto. Como se pode conceber ser, na infância, ao mesmo tempo isenta de culpa e total­mente depravada? A resposta é que, embora sejam vírtz/a/mente justificados, realmente são condena­dos. Não há contradição entre justificação virtual e condenação real. No caso dos eleitos que chegam à idade adulta, sua condenação real, em Adão, continua até que exerçam fé em Cristo e sejam realmente justificados. Sua condenação real e sua depravação continuam em concorrência até então. No caso de criancinhas, que morrem na infância, a regeneração implanta o princípio de santidade que contém a semente da fé; e não é impossível, é provável, que lhes aplique, a despeito do fato de que não podem exercer fé, o sangue da expiação e realmente as justifica. Em seu caso, toda culpa e toda depravação são igualmente removidas na morte pela soberana graça, e no céu expressarão sua cônscia aceitação do plano pelo que foram salvos. No caso dos eleitos, que são regenerados na infância e podem viver até a idade adulta antes de exercerem fé em Cristo e serem realmente justificados, três elementos ainda então lhes são co-existentes: condenação real, o princípio de santidade e o princípio de depravação. Nada há de estranho nesta suposição, da co-existência neles dos princípios de santida­de e depravação, posto que a mesma co-existência permanece após a justificação real; sendo a diferença que até aquela mudança reina a depravação, e, depois, a santidade. A teologia arminiana, que nada sabe da distinção entre justificação virtoal ou representativa e a real, conquanto ela rejeita o princípio da representação, estritamente considerada, que necessita daquela distinção, labuta sob

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Terceiro, se a culpa de Adão é removida de toda criancinha, o arminiano tem de explicar a morte espiritual como ainda permanecendo nela. Morte espi­ritual é tida por ele como sendo uma consequência da culpa de Adão legada à sua posteridade. Ora, se a causa for removida, o efeito a acompanharia. Mas, confessamente, o efeito não a acompanha. Por isso, deve inferir-se que a cau­sa ainda opera para o produzir. Se então todas as criancinhas vivem mmia condição de morte espiritual, não pode ser verdade que a culpa de Adão já foi removida delas. Não equivale dizer, em resposta a isto, que um grau de vida espiritual lhes seja comunicado. Porque, sob essa suposição, algum grau de morte espiritual permanece, como se faz evidente da forma como a afirmação de Wesley é apresentada por Watson - a saber, uma porção de morte espiritual é removida. Então, a porção que não é removida permanece. Mas a parte continua sem explicação; e só poderia ser explicada com base no fato de que, ao menos uma parte da culpa de Adão, que é sua causa, permanece.

Quarto, a justificação real é cindida em duas por esta hipótese, ambas no tocante à mesma coisa, e no tocante ao tempo em que ela ocorre. Pois somos informados que toda criancinha é justificada, no que diz respeito à culpa de Adão. Quando chega à idade adulta, ela é exortada a buscar a justifícação pela fé. Se a recebe, isso se dá somente em parte. Porque, como na infância ela foi realmente justificada da culpa de Adão, ela só pode, como adulta, ser justificada da culpa de seus próprios pecados conscientes. As Escrituras, porém, não fa­zem tal divisão. Elas ensinam que a justifícação real é uma só, havendo refe­rência tanto à culpa derivada de Adão como àquela contraída por transgres­sões pessoais. _

Quinto, a teologia evangélica arminiana é em si mesma inconsistente com respeito à analogia que ela ratifica entre os efeitos do pecado de Adão e a justiça de Cristo. Em primeiro lugar, ela admite que o pecado de Adão acarre­tou a morte espiritual a seus descendentes. Mas, como ela declara que a culpa de Adão é inteiramente removida de sua posteridade por virtude da expiação, ela deve ser consistente em manter que todo o efeito daquela culpa é removido. Isso envolveria a total remoção da morte espirituaL Ao contrário, ela só conce­de a remoção de uma porção da morte espiritual. O beneficio da Expiação não se rivaUza com o dano da Queda. A vida conferida não é igual à morte infligida. A analogia se decompõe. Em segundo lugar, ela admite que a condenação acarretada pelo pecado de Adão a toda a raça era real, não possível. Como ela disputa por um efeito análogo, mutatis mutandis, da justiça de Cristo sobre toda a raça, a justificação de toda a raça deve ser real, não possível. Mas só em

todas as dificuldades que já foram mencionadas. Ela mantém a absolvição da criancinha de toda a condenação, em todo sentido, e, no entanto, mantém a presença nela de depravação - a co-existência de inocência absoluta e o principio de corrupção.

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parte se diz ser ela real; somente as criancinhas experimentam uma justifica­ção real e a culpa de Adão. A justificação das criancinhas que vivem até a idade adulta é meramente possível. Ela é condicionada a uma fé que nunca pode ser exercida. A justificação outorgada por Cristo não se rivaliza ã conde­nação acarretada por Adão. Em terceiro lugar, ela admite que a ruína resultan­te do pecado de Adão era real, não uma ruína possível. A raça está “perdida e arruinada pela Queda”. Assim a salvação resultante da justiça de Cristo seria uma salvação real, não possível. Mas a analogia faUia. Somos informados que a salvação possível, conquistada por Cristo, não se rivaliza com a ruína real infligida por Adão; em Adão todos morrem; em Cristo todos podem viver. Re­almente, miríades não vivem. Porque, restringir o termo vida à ressurreição do corpo, e dizer que os ímpios ressuscitarão para a vida em Cristo, é interpretar mal as gloriosas palavras de Paulo e destruir sua grande significação.

2.2. E preciso considerar a posição seguinte, a saber, que, por virtude da expiação de Cristo, Deus deu a cada homem um grau de vida espiritual envol­vendo a restauração de uma medida do livre-arbítrio, de modo que cada ho­mem é dotado com suficiente capacidade de aquiescer com os requerimentos divinos. Ora, ou ela afirme que esta infusão de certo grau de vida espiritual é a regeneração, ou que não é.

Se ela afirma que é a regeneração, a réplica é óbvia. E verdade que escri­tores arminianos não fazem esta suposição, e por isso pareceria desnecessário ser considerada aqui. Mas, se houver uma comunicação de vida espiritual àqueles que são admitidos comp estando espiritualmente mortos, ela seria a regenera­ção, ainda quando os arminianos neguem que seja. A consideração da hipótese é, portanto, requerida, com base na necessidade do caso. Ora;

Em primeiro lugar, os arminianos são inconsistentes consigo mesmos com respeito a este tema. Se cada homem que, por natureza está espiritualmente morto, é pela graça espiritualmente vivificado, se manifesta perfeitamente que cada homem na infância renasce. Pois o novo nascimento é precisamente a mudança na qual um princípio de vida espiritual é supematuralmente introduzi­do na alma do pecador. Assumir qualquer outra base é contradizer as Escritu­ras. Eles representam a mudança como uma na qual o pecador espiritualmente morto é vivificado, se a infiisão de um grau de vida espiritual não vivifica a alma, a linguagem não tem sentido. Cada homem, pois, é na infância renascido. Mas os arminianos evangélicos e os professores evangélicos arminianos im­põem nos adultos a necessidade de renascer. Por que pregar a necessidade do renascimento aos que já renasceram? Como, com consistência, se pode dizer; Você é regenerado, porém tem de ser regenerado?

Em segundo lugar, se a comunicação de um grau de vida espiritual for regeneração, como o propósito de sua concessão, segundo a teologia arminiana.

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é que a vontade do pecador pode ser assistida em determinar a questão da conversão, a graça regeneradora do Espírito Santo é reduzida a subordinação ã vontade natural; ela vem a ser ministra a incitar aquela vontade de assumir a ação salvífica. Seguramente, isso não é possível. Caso se replique que é a graça regeneradora que determina a vontade, renuncia-se um dos elementos diferenciadores do sistema arminiano, e até certo ponto o calvinista o adota.

Em terceiro lugar, ou se mantém que este grau de vida espiritual continua, ou que não continua, no pecador até o momento de ele crer em Cristo. Se continua nele através de todas as mudanças até que ele creia, quanto mais depois que ele houver alcançado a idade adulta, como é possível que ele não prove ser mais bem-sucedido como um assistente da vontade? Poderia algo mostrar mais claramente a inferioridade e subserviência à vontade natural da graça regeneradora de Deus do que tal hipótese? Se tal grau não continua até o ato de crer em Cristo, mas pode ser perdido através da obstinada resistência da vontade do pecador, ele pode ser outra vez comunicado, e assim sucessiva­mente? E a série de infusões mantida até que resulte a impenitência final e o fiacasso de sua missão permaneça confessado, ou até que a soberana vontade do pecador se digne aquiescer em suas solicitações? E o-pecador, antes de crer em Cristo, renasce um número indefinido de vezes? Há muitos nascimentos espirituais antes que o segundo nascimento ao qual o pecador não-convertido é exortado a buscar em oração e se esforçar por ele?

Caso se conteste - e é contestado por escritores arminianos - que a infii- são de um grau de vida espiritual em cada pessoa não é a regeneração, eis a resposta: com base na natureza do caso, seria. Aquele que está morto não possui nenhum grau de vida; aquele que possui um grau de vida não está morto. A suposição do menor grau de vida destrói a suposição da morte. Se, pois, o menor grau de vida espiritual for infiiso em cada homem, segue-se que cada um é espiritualmente vivo. Negar isto é afirmar que um homem pode estar espiritualmente morto e espiritualmente vivo a um e mesmo tempo. Mas se, em consequência da infixsão de um grau de vida espiritual em cada homem, cada um é espiritualmente vivo, então cada um é regenerado. Cada pagão, na infân­cia, é regenerado. Porque, é o próprio ofício da regeneração comunicar vida espiritual ao pecador espiritualmente morto. Todos os teólogos evangélicos, inclusive os arminianos, admitem que a regeneração, estritamente falando, é um ato de Deus em consequência do qual um pecador renasce. Se, pois, ele não pode estar espiritualmente vivo antes de espiritualmente nascer, ou, o que é o mesmo, renascer, ele não pode estar espiritualmente vivo antes de ser rege­nerado; como não pode começar a viver espiritualmente antes de seu renascimento, ele não pode começar a viver espiritualmente antes de sua rege­neração. Sobre este ponto, não carecemos de nenhuma prova mais clara do

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que a fomecida pelo próprio Wesley. “Antes”, diz ele, “que uma criança nasça no mundo, ela tem olhos, porém não vê; tem ouvidos, porém não ouve. Ela tem um uso mui imperfeito de qualquer outra faculdade. Ela não tem conhecimento de nenhuma das coisas do mundo, ou qualquer entendimento natural. A esse modo de existência que ela então possui nem mesmo damos o nome de vida. Portanto, somente quando um homem nasce é que dizemos que ele começa a viver.”

Ele, pois, aplica a feliz ilustração ao caso de um homem “num mero estado natural, antes de nascer de Deus”.* Este testemunho é verdadeiro. Ser espiri­tualmente vivo é nascer de novo. Mas, como nascer de novo é ser regenerado, ser espiritualmente vivo é ser regenerado. Alguém, portanto, falha em ver como o arminiano evangélico pode consistentemente negar que, segundo sua doutri­na, cada homem é na infância regenerado. Há apenas um modo concebível como se pode buscar que esta dificuldade seja evitável. Ele pode negar que alguém que tenha um grau de vida espiritual seja espiritualmente vivo; e basta dizer de tal posição que sua afirmação é sua refutação. Mas se chegar a isto, dizer que cada homem é regenerado na infância, a doutrina excederia em ex­travagância daquela da regeneração batismal; e, contudo, por uma feliz incon­sistência, o arminiano evangélico rejeita completamente aquela doutrina. As surpresas nunca cessam.

Alguém pode continuar a acumular obstáculos na vereda deste notável dogma, dizendo que Deus dá um grau ou semente de vida espiritual a cada pessoa; porém muito se dirá agora com respeito a isto, quando eqüivale o mes­mo que a doutrina da “graça suficiente”, a qual já foi parcialmente considerada, e será ainda mais particularmente examinada quando a objeção á doutrina calvinista da bondade divina passar a ser discutida. Já se mostrou que o arminiano tenta em vão escapar à dificuldade que já se alegou descansar sobre ele tanto quanto sobre o calvinista - a saber, a conciliação da capacidade espiritual em que os homens nascem com a justiça de Deus em puni-los pelo pecado.

2.3. A solução calvinista desta grande difículdade, desde os dias de Agos­tinho até nosso tempo, é que a inabilidade espiritual dos homens não é original, e sim penal. Não é original, pois Deus conferiu ao homem, na criação, ampla capacidade para aquiescer a todos os Seus requerimentos. Não há inserido em sua natureza qualquer mau princípio do qual o pecado pudesse desenvolver-se, nem qualquer fraqueza ou imperfeição que, na ausência da graça determinante, uma queda fosse necessária. E verdade que ele era passível à queda em conseqüência da mutabilidade da vontade, mas, ao mesmo tempo, ele era apto a perseverar. Quando, pois, ele pecou, a falha estava totalmente em si próprio.

8. Serm. Gn the New Birth.

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Ele não podia ter a culpa em sua constituição natural, e assim, por implicação, em seu Autor divino. Desnecessária e injustifícadamente, ele se revoltou con­tra o govemo paterno e beneficente de Deus, e, consequentemente, se sujeitou ajusta sentença de uma lei violada. Ao pecar, ele audaciosa, deliberada e es­pontaneamente lançou de si a capacidade espiritual com que fora ricamente dotado. Ele, por seu próprio ato, se despiu daquela capacidade. Sua subsequente incapacidade de amar a Deus e de obedecer à Sua lei era uma parte necessária de sua punição. Porque, a maldição judicial do govemo divino, e a ruptura do vínculo espiritual que o unia a Deus como a fonte de santidade e força, certa­mente envolviam a subtração da graça e a perda da capacidade. A justiça original foi confiscada. Numa palavra, sua incapacidade era penal.

Ora, quando nosso primeiro pai pecou, ele agiu não só por si próprio, mas também por sua posteridade. Ele fora designado por Deus sua cabeça federal e representativa. Por conseguinte, enquanto o ato dele de pecar não era deles cônscia e subjetivamente, pois no momento de seu cometimento ainda não ti­nham existência cônscia, este era deles federal, legal e representativamente. As consequências judiciais de seu primeiro pecado acarretaram também a eles. “Pecaram nele e caíram com ele em sua primeira transgressão.” Foram con­denados na condenação dele; e nele perderam sua capacidade espiritual. A capacidade espiritual que era parte da punição dele é umaparte da deles. Como a incapacidade que ele trouxe sobre si não o desobrigou, nem poderia desobri­gar, do dever de obedecer a Deus, assim nem eles escaparam do mesmo dever. A incapacidade espiritual da raça, como foi autocontraída por um evitável ato de rebelião contra Deus, não os pode isentar da punição que é justamente devida ao pecado deles. E é justo que Deus os puna no tempo, Lhe era justo decretar a punição na etemidade. Equivale dizer que o decreto da reprovação é consistente com a justiça.

2.4. Conseguimos agora alcançar o último ponto nesta regressão. Retroce­demos a Adão e à responsabilidade da raça por seu primeiro pecado. Aqui a diferença entre a doutrina calvinista e a arminiana parece ser enfraquecida, e é como se houvesse entre elas uma aproximação. Pois concordam em afirmar a responsabilidade da humanidade pelo primeiro pecado do primeiro homem, embora difiram quanto ao modo como essa responsabilidade é realizada; o arminiano se contentando em manter a relação patema como sua base; o calvinista se contentando que, acima e além da relação patema, havia a relação estritamente legal e representativa da qual a responsabilidade da raça se deri­va. Para ambas as partes surge a questão justamente aqui - e é uma do mais profimdo interesse e importância - era justo que a raça humana fosse mantida responsável pelo primeiro pecado de Adão, seu progenitor, de modo que as consequências judiciais daquele pecado lhes fossem acarretadas?

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Aqui não há necessidade de discutir a questão, como de fato uma só, se Deus entrou em aliança com Adão a qual implicava sua posteridade em sua responsabilidade. O fato de tal aliança, o fato de que houve alguma sorte de constituição federal em relação a Adão e sua posteridade, os arminianos evan­gélicos o admitem. Admitem que o relato dado em Gênesis da transação no Jardim do Éden não é alegórico, e sim literal, não místico, e sim histórico. Man­têm que a universalidade do sofrimento e morte corporais, e do pecado operan­do com a função de uma lei todo-abrangente desde o momento em que as faculdades hximanas começam a expandir-se, prova conclusivamente que, de algum modo, a culpa e a depravação são herdadas do ancesfral primitivo da raça, e não são originadas pelos atos cônscios de cada indivíduo. Cada homem, ao nascer, é o herdefro da culpa e corrupção. Como, pois, o fato de uma cons­tituição federal de algum tipo, e da responsabilidade, em algum sentido, de to­dos os homens como partes dela em seu primeiro pai, é mantido pelos arminianos evangélicos juntamente com quase toda a igreja nominal, não é requisito para reforçar as provas dela as quais são desafiadas pelos arminianos e socinianos, racionalistas e céticos. Isso será assumido.

Mas as questões, qual era a natureza da aliança, em que sentido Adão era a cabeça e representante de sua posteridade, como a constituição federal afeta nossas concepções da justiça de Deus em Seus tratos com^ã raça humana - estas questões são vitais ao argumento a ser considerado. O arminiano evan­gélico responsabiliza a doutrina calvinista de afribuir injustiça a Deus. Mas, como ele, juntamente com o calvinista, admite a culpa e corrupção hereditárias da humanidade, em consequência das quais, a despeito dos auxílios da graça que ele alega lhe são fornecidas, inumeráveis multidões atualmente perecem, é incumbência sua, tanto quanto do calvinista, vindicar ajustiça divina em vista desses fatos misteriosos, porém inegáveis. Isto ele se esforça em cumprir de duas maneiras;

(1 )0 primeiro deles é que Deus, juntamente com o decreto de permitir a queda do primeiro homem e de sua posteridade como implicada em sua respon­sabilidade, e Sua presciência de que a queda assim permitida se concretizaria, também decretou prover uma redenção que se equiparasse ao mal previsto em toda sua extensão. Alega-se que a aparente injustiça de manter-se a raça en­volvida nas consequências do primeiro pecado e queda do primeiro pai é alivi­ada pela provisão redentiva. Já se discutiu o propósito alegado desta redenção provida à raça, em absolver a cada um da imputação da culpa adâmica, e restaurar a cada um deles uma semente de vida espiritual e uma competente medida de livre-arbífrio, assim propiciando a todos uma provação imparcial, removendo deles a incapacidade espiritual e tomando-lhes possível valerem-se da salvação granjeada por Cristo. O ponto ora em consideração é a alegação

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da teologia evangélica arminiana de que sem a decretação de tal provisão de redenção, acompanhando a queda da raça em Adão e destinada a contrapor aos seus desastrosos resultados, a justiça de Deus não poderia ser vindicada; senão que, em contrapartida, o fato daquela provisão supre a desejada vindicação.

É difícil, se não impraticável, determinar as doutrinas católicas do sistema evangélico arminiano. Um teólogo ensina uma doutrina que outro ou nega ou modifíca; e não há um padrão reconhecido e comum pelo qual essas diferenças pudessem ser julgadas. Com respeito às posições recém-mencionadas, por exemplo, alguns afirmam que o propósito de permitir a queda com a decorrên­cia de suas consequências sobre toda a humanidade, e o propósito de prover redenção como um antídoto, foram simultâneos. O propósito de redimir não foi condicionado pelo propósito de permitir a queda, nem foi pressuposto pelo pro­pósito no tocante à queda. Devem ser concebidos como simultâneos, não um pressupondo o outro. Com referência a este ponto de vista, é suficiente dizer que ele nem é concebível nem crível. Somos obrigados a pensar em um propó­sito como a pressupor o outro, não na ordem do tempo - pois tal ordem é inaplicável aos eternos propósitos de Deus e sim na ordem da natureza ou do pensamento. Como poderia a concepção da redenção existir sem a pressuposi­ção de seres a serem redimidos? E como se poderia obter a concepção de tais seres sem a pressuposição de uma queda em pecado e miséria?

Reiterando, tem-se mantido, com mais base na razão, que o propósito da redenção, na ordem do pensamento, precedeu e condicionou o propósito de per­mitir a queda e, de fato, todos os demais propósitos, inclusive o de criar. Mas:

Em primeiro lugar, este ponto de vista é inconsistente com a afirmação usual no esquema arminiano da ordem dos propósitos divinos - a saber, o pro­pósito de criar; o propósito de permitir a queda; o propósito de redimir; o propó­sito de chamar; o propósito de eleger.

Em segundo lugar, isso não conta com nenhum suporte claro da Escritura. Tem-se presumido ser isto requerido por passagens tais como Colossenses 1.16, onde se declara que todas as coisas foram criadas, não só por Cristo, mas para Ele. Esta afirmação, entretanto, não implica necessariamente que todas as coisas foram criadas pelo Filho de Deus e para Ele, em Sua fimção de Redentor. E a não ser que se possa provar ser esse o significado da passagem, 0 ponto de vista em questão não é substanciado por este. Sem dúvida, o mundo foi feito para a glória do etemo Filho de Deus, mas, por um pouco isso parece ser contrário: esse fim poderia ter sido assegurado, não houvesse o pecado ocorrido, e, consequentemente, não houvesse nenhuma redenção. E correto dizer que a criação veio a ser, por decreto divino, um magnificente teatro para a exibição da transcendente glória da redenção; mas isso é bem diferente de dizer que a criação foi decretada a fim de ser o teatro da redenção.

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Em terceiro lugar, este esquema dos decretos divinos é passível de alguma das dificuldades, metafísicas e morais, às quais se expõe a do supralapsariano. Um decreto de redimir meramente coisas criáveis, ou mesmo de seres criados, porém, não apostatados, é inconcebível, se não autocontraditório; e se o decre­to de redenção, na ordem do pensamento, precedeu os decretos de criar e permitir a queda, criação e queda foram meios necessários à concretização do fim redentivo. Isso contraditaria a doutrina de uma simples permissão da que­da; e, além do mais, visto que uma grande porção da raça humana, segundo a admissão dos arminianos, não é realmente salva, o fim contemplado pelo de­creto de redenção, até certo ponto, falharia em ser alcançado e a vontade divina seria derrotada.

Este ponto de vista tem também dificuldades peculiares a si. Porque, como a presciência de uma queda permitida não poderia, na ordem do pensamento, haver precedido o decreto de criar, visto que não se poderia permitir que seres meramente possíveis realmente caíssem, e é impossível ver como a certeza de que tais seres realmente caídos pudessem ser conhecidos antecipadamente, o decreto de redimir não teria tido objetos redimíveis sobre os quais determinar, e por isso é inconcebível. E ainda mais, caso se contenda que tal decreto era possível, segue-se que, como ele falha, em sua execução, em assegurar a re­denção final de todos, e realmente resulta somente na de alguns dentre a raça humana, ele estaria sujeito à mesma objeção que os arminianos lançam contra 0 decreto calvinista da eleição.

Mas, qualquer que seja a relação que os arminianos evangélicos asseve­rem do propósito de permitir a queda e o propósito de redimir, se um procede do outro, ou são absolutamente simultâneos, a dificuldade que buscam evitar, fa­zendo 0 decreto de redimir uma complementação do decreto de permitir a queda, ainda os perseguirá. Não vindicam por esse meio ajustiça de Deus em implicar a raça nas responsabilidades que acompanham o pecado de Adão. Recordemos bem que se deve manter que teria sido injusto em Deus tratar a raça como responsável pelo pecado de Adão, não houvera Ele proposto fazer provisão de redenção de suas consequências.

Primeiro, merece observar que os arminianos evangélicos costumam enfatizar a analogia entre os sofrimentos dos homens pelo pecado de Adão e os sofrimentos das crianças pelos pecados de seus pais. Ora, ou é justo, ou é injusto, que os filhos sofram pelos pecados de seus pais. Caso se diga ser injusto, então, se a analogia é válida, é justo que os filhos de Adão sofram pelos pecados dele. Caso se diga ser injusto, então a providência ordinária de Deus é acusada de injustiça; pois é um fato que os filhos sofrem pelos pecados de seus pais. Ambas as altemativas são prejudiciais ao ponto de vista arminiano. Ob­serve-se que este argumento é dirigido às concessões dos arminianos. Consi-

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dero como enganosa a analogia que defendem, e o argumento baseado nela é inconclusivo.

Segundo, se a implicação da raça nas consequências do pecado de Adão fosse injusta à parte do propósito de redenção, se seguiria que a prevenção da injustiça seria concebida como havendo sido a demanda de justiça, e não um livre ditame da graça. Uma medida pela qual a injustiça é prevenida ou removi­da não pode, sem abuso de linguagem, denominar-se um fruto da graça. É um produto da justiça. E assim a graça de Deus já não é graça. A redenção dos pecadores das consequências da queda é requerida pela justiça. O pecador, portanto, em vez de enaltecer a graça divina, celebraria a justiça divina; em vez de gritar, graça! graça!, ele gritaria, justiça! justiça! A verdade é que a consti­tuição das coisas pela qual a interposição da justiça divina é requerida para prevenir ou remover os efeitos da injustiça divina é, da natureza do caso, tão inconcebível quanto impossível. O único alívio que o arminiano tem da pressão desta dificuldade estaria em negar que os homens, em qualquer sentido, sofrem em razão do pecado de Adão, e isso o lançaria em colisão com a doufrina da Escritura, os fatos da experiência e os resultados da observação.

Terceiro, se, à parte da provisão da redenção, a constituição pela qual a raça foi envolvida nas consequências do pecado de Adão teria sido intrinseca­mente injusta, a provisão redentiva que a acompanha não poderia aliviar a in­justiça infrínseca. Ela seria inerente à própria natureza de tal constituição. A redenção provida poderia livrar os homens de seus maus resultados, porém não poderia livrar Deus da acusação de haver instituído um arranjo em si mesmo injusto. Aliviaria o desastre, porém deixaria o erro original intocado. A conse­quência da injustiça seria removida, porém a injustiça persistiria. Nenhum fato pode ser desfeito. Afirmando o caso por outro prisma: se uma constituição federal, pela qual os descendentes de Adão se tomassem responsáveis pelo pecado dele, teria sido em si mesma injusta, cuja coordenação de um propósito redentivo não poderia cancelar a injustiça, pois tal propósito só poderia ter efei­to após 0 erro haver sido infligido. Os homens teriam sido suficientes antes que pudessem ser realmente redimidos. Se não, do quê seriam redimidos? O sofii- mento, por conseguinte, enquanto dura, seria concebido como havendo sido injustamente imposto.

Quarto, se a intenção fosse, a fim de evitar injustiça, que a provisão da redenção livraria os homens dos sofrimentos acarretados a eles pela queda de Adão, então ela era necessária a fim de alcançar o fim contemplado: que todos esses sofiimentos seriam removidos. Porque, se alguma parte deles permane­cesse, em grande medida a injustiça não seria reparada. E esta dificuldade pesa especialmente sobre os que mantêm que tais sofrimentos são penais. Caso se replique, como se deve replicar, que a provisão redentiva não foi designada

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a operar ipso facto na remoção do sofrimento, mas que tal remoção é condici­onada à aceitação da oferta da redenção, e que aos homens se dá capacidade de aceitar a oferta, a dificuldade não é desfeita. Porque, em primeiro lugar, as criancinhas não podem aceitar a oferta; contudo sofrem. A injustiça não é re­movida delas. Seria ocioso dizer que sofrem de forma disciplinar, porque, como criancinhas, não são suscetíveis à disciplina. Não podem perceber os fins do sofrimento. E, mais, sofrimento disciphnar pressupõe pena. Não pode ser im­posto justamente sobre seres que não eram, em primeira instância, ou culpados cônscia ou supostamente. Em segundo lugar, a remoção da injustiça infligida aos adultos não pode, consistentemente com a justiça, ser condicionada à sua aceitação voluntária de uma oferta para removê-la. Ajustiça requer a anulação incondicional da injustiça que foi feita. Esta dificuldade toma tudo ainda mais agravado quando se considera que a aceitação da redentora provisão é oposta pela natural cormpta derivada da queda. Ou Deus pode ou não pode remover as consequências da queda. Se pode e não o faz, Ele perpetua a injustiça que se supõe haver Ele infligido. Se não pode, como a provisão da redenção veio a ser concebida em Sua mente, a qual se calcula abrandaria a injustiça intrínseca da constituição federal? Ao planejá-la, Ele teria conhecido que não poderia tomá- la eficaz para abrandar a injustiça. Caso se diga que Ele não pode, em concor­dância com a natureza que Ele outorgou ao homem, age inconsistentemente com 0 livre-arbítrio do homem, a resposta é que, quando determinou prover redenção, Ele teria previsto aquela limitação em sua aplicabíHdade como remé­dio, e, portanto, Sua inabilidade de remover plenamente a injustiça inerente da constituição federal. Em terceiro lugar, mesmo a oferta de redenção não é feita concretamente a cada homem. Alguns não recebem a oportunidade de aceitá- la. Miríades denfre os pagãos nunca ouviram falar dela. Como, pois, a provisão da redenção remove a injustiça envolvida nos sofrimentos produzidos neles pela queda? Caso se alegue que a expiação de Cristo indiretamente os benefi­cia, sem seu conhecimento dela, a resposta é óbvia; que seus sofrimentos con­tinuam. Não são beneficiados até o ponto de sua remoção. Nem se pode alegar que, como adultos em terras cristãs, jungem seus soínmentos a si próprios por rejeitarem o remédio oferecido. Pois como podem rejeitar um remédio que nunca lhes foi receitado? Dizer que têm algum conhecimento do evangelho afravés da fradição da era patriarcal, ou de alguma oufra, é apenas tergiversar com um tema solene. Caso finalmente se diga que os pagãos, em relação ao esquema evangélico, se encontram numa situação similar àquelas das crianci­nhas, isto não corresponderá, pois já vimos que os sofiimentos das criancinhas não podem ser ajustados à teoria de que a provisão da redenção refreou a injustiça infrínseca da constituição adâmica.

Sob a convicção de que esta é uma das posições-chave do esquema evangé-

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lico arminiano, tenho assim criticado com certa minudência aquele ponto de vista de que o propósito divino de prover redenção à humanidade, que era coordenado com a constituição que os implica nas consequências judiciais do pecado de seu primeiro pai, preveniu a injustiça de outro modo onerosa naquela constituição.

(2) O segundo modo em que os arminianos evangélicos tentam vindicar a justiça de Deus em vista da culpa e corrupção hereditárias de todos os homens, pode ser encontrado em sua doutrina concemente à natureza da relação sus­tentada pelo primeiro homem para com a raça. Essa doutrina diz que Deus fez uma aliança com Adão como a cabeça patema representando sua posteridade, em virtude da qual eles, subjazendo em seus lombos, são justamente sujeitados às consequências de seu pecado. Estavam nele como os filhos estão num pai; um com ele por causa, e simplesmente por causa, da relação patema e filial. Como assim estavam - fazendo uso das palavras de Wesley - “contidos em Adão”, seguiu-se que, quando ele pecou, as consequências de seu ato fatal foram merecidas por eles. Em apoio deste ponto de vista, apelam para a analo­gia da providência. Os filhos, sem sua agência consciente, estão envolvidos nas desastrosas consequências dos pecados de seus pais. Sofi-em porque seus pais eram criminosos; e apelar, com base na injustiça, para-a primeira constituição através da qual todos os homens experimentam os danos resultantes da queda de seu primeiro pai no pecado é impugnar a justiça de Deus em Seus trados ordinários e reconhecidos com os homens.

E verdade quê alguns teólogos arminianos afirmam que Adão era “uma pessoa púbhca e um representante legal”; e que essa linguagem tomada em si mesma implicaria não levarem em conta que ele fora simplesmente uma cabe­ça patema. No entanto, duas considerações mostram claramente que, não obs­tante estes termos pelos quais parecem qualificar a liderança meramente pa­tema do primeiro homem, o que eles realmente mantêm é apenas uma lideran­ça patema. A primeira é sua indisposição de admitir que a raça teve uma pro­vação própria em Adão que terminou em sua queda nO pecado. A segunda é sua negação de que a posteridade de Adão, em qualquer sentido, cometeu seu primeiro pecado e é por essa razão culpável com sua culpa. Estes fatos provam que eles não sustentam, mas, ao contrário negam, o caráter estritamente repre­sentativo do primeiro homem. Porque, se ele fora não apenas uma cabeça patema e um curador, mas, acima e além dela, um representante legal da raça, teriam tido sua provação nele e, em concordância com o princípio essencial de representação, seria considerado como havendo realizado legal e constmtiva- mente seu ato de cometer o primeiro pecado e como sendo por isso responsá­vel pela culpa deles. Obteremos uma concepção precisa da doutrina evangéli­ca arminiana concemente à liderança de Adão, comparando-a com a calvinista. O anniniano evangélico mantém que, quando Deus criou Adão como cabeça

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patema, no mesmo ato e em virtude dele, Ele o criou como cabeça federal. Ao vir a ser o primeiro pai, necessariamente, se tomou o representante da humani­dade. Só quando ele veio a ser, e porque veio, a ser pai, é que se tomou repre­sentante. O calvinista mantém que, após Deus haver criado Adão como cabe­ça patema, por livre determinação de Sua vontade, o designou cabeça federal e representante legal, e então entrou com ele em aliança de vida, retendo a justificação para si e sua posteridade como seus constituintes sob sua perfeita obediência durante um limitado tempo de prova. Num caso, ele foi criado cabe­ça federal porque foi criado cabeça patema, a relação representativa não sen­do mais do que estar envolvido na patema. No outro, ele não foi criado cabeça federal e representativa, mas, por um ato livre do qual seu Criador poderia haver se abstido, foi designado e constituído o portador daquele ofício transcen­dentemente confiável. É óbvio que, segundo a teologia evangélica arminiana, em nenhum outro sentido foi Adão a cabeça federal e o representante legal, senão como a cabeça patema da raça humana. A relação que sustinha era a de mero senhorio patemo com tais responsabilidades e consequências como ela naturalmente envolve. Por conseguinte, tentarei mostrar que tal relação não suportará a força que lhe impuseram.

Primeiro, os próprios teólogos evangélicos arminianos, como já vimos, re­conhecem explicitamente o fato de que a visitação sobre a raça das amargas consequências do pecado de Adão, meramente em virtude de sua relação com ele como cabeça patema, não pode ser conciliada com nossas concepções de justiça divina. Considerada em si mesma, tal constituição teria sido injusta. Para que fosse adotado comò parte do esquema divino de govemo, era necessário que sua injustiça intrínseca fosse destmída por uma conexão extrínseca com um propósito de redenção, em consequência da qual o dano feito pela queda fosse amplamente reparado. Tomada em si mesma, pois, a liderança patema de Adão, como de antemão se sabia resultar na queda da raça, é confessada pelos próprios evangélicos arminianos como sendo impossível de se harmonizar com ajustiça. Mas, como nestas observações já se mostrou, sua conexão com o propósito redentor não abranda esta dificuldade. Ela não é vindicada da acu­sação de injustiça inerente por sua associação com o propósito de Deus de prover redenção. Se, pois, segundo a admissão de seus advogados, a constitui­ção pela qual Adão foi feito a cabeça patema da raça foi intrinsecamente injus­ta, é impossível, por um apelo a ela, estabelecer ajustiça de Deus em infligir- lhes os resultados do pecado dele. A dificuldade oriunda de nossa intuição de justiça, em vez de sanada, é agravada. Um procedimento confessado de haver sido injusto é vindicado por uma constituição injusta na qual ele se originou. Sendo os próprios arminianos juizes, a mera liderança patema de Adão não suportará o peso que lhe é imposto.

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Segundo, uma das curiosas inconsistências dos doutores evangélicos arminianos é que, havendo reconhecido a injustiça da constituição que envolve a raça na responsabilidade pelo pecado de Adão, sua cabeça patema, concebi­da à parte do propósito de Deus de redimi-los, procedem ilustrando a justiça daquela constituição pela citação do caso análogo da relação patema ordinária e suas consequências sobre os filhos. Afirmam que ela é a um e ao mesmo tempo intrinsecamente injusta e intrinsecamente justa. Os mais equilibrados expoentes do sistema evangélico arminiano mantêm que os so&imentos acar­retados à posteridade de Adão, por seu pecado, em sua natureza são penais. Não são meras calamidades; são punições. Morte temporal, morte espiritual, possibilidade de morte etema - estes, afirmam com razão, não devem ser con­siderados como simplesmente nosso infortúnio. São, em algum sentido, os re­sultados de nossa própria falha - de algum modo, os merecemos. As declara­ções de cunho pelagiano de escritores tais como Miner Raymond, que repelem este ponto de vista, não podem, por uma cândida crítica, ser consideradas como representativas do arminianismo evangélico mesmo em sua atual atitude. Se o são, então é o sistema de Wesley, Fletcher e Watson; o destes está muito longe daquele sistema. -

Ora, é um princípio fundamental do govemo moral de Deus que ninguém, senão o culpado, deve ser tido como passível de punição. Antes que alguém possa ser justamente punido deve-se provar que o mesmo não cometeu ne­nhum ato injusto, ou é o autor culpável de alguma disposição errônea inerente nele. Antes que o mesmo possa participar da punição de outro, teria antes que participar da culpa do outro; em algum sentido, deve ser justamente tido como particeps criminis. Este é um princípio da lei humana, e nesse sentido ele reflete o divino. Em que sentido, pois, os filhos agora são participantes dos atos de seus pais? São pessoas diferentes deles, e por isso sua personahdade não pode ser considerada como que imergida na de seus pais. Os atos em razão dos quais sofrem poderiam ter sido cometidos antes que nascessem. Por isso não podem haver-se associado conscientemente à sua realização. Seus pais não são, estritamente falando, seus representantes legais, de modo que seus atos, embora não sejam conscientes e subjetivos, contudo seriam os atos legais, re­presentativos e supostos de seus filhos. Estas suposições exaurem as possibili­dades do caso, e como nenhuma delas é procedente, segue-se que os filhos não participam da culpa de seus pais, e por isso não podem ser justamente punidos por ela. Sofrem em razão dos malfeitos de seus pais. Esse fato é anunciado no Decálogo e fartamente estabelecido pelo curso ordinário da providência; e à vista dele as responsabilidades dos pais são vistas como sendo nada menos que tremendas. Mas tais sofrimentos não constituem punições; são calamidades, exceto em casos nos quais os filhos imitam a perversidade de seus pais, e

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assim, por seus próprios atos, cônscios e voluntários, fazem da culpa dos pais suas próprias culpas. Quando incorrem em culpa, merecem a punição. Até então, seus sofrimentos não são penais. Os sofrimentos de uma criancinha, em seu berço, não podem ser considerados como aplicações penais pelos pecados de seus pais imediatos.

Esta importante distinção entre punição e calamidade é distintamente asseverada por Deus mesmo em Sua Palavra. Ele ordenou a Moisés que incor­porasse esta provisão em seu código; “Os pais não serão mortos em lugar dos filhos, nem os filhos em lugar de seus pais; cada qual será morto por seu peca­do” (Dt 24.16). Por conseguinte, somos informados que, quando Amazias, filho de Josias, rei de Judá subiu ao trono, ele fez morrer os que haviam assassinado seu pai, porém, lembrando-se da lei divina, não infligiu sobre seus filhos a mes­ma condenação. O registro é como segue: “Uma vez confirmado o reino em sua mão, matou seus servos que haviam assassinado o rei, seu pai. Porém, os filhos dos assassinos não matou, segundo está escrito no livro da lei de Moisés, no qual o SENHOR deu ordem, dizendo: Os pais não serão mortos por causa dos filhos, nem os filhos por causa dos pais; cada qual será morto por seu próprio pecado” (2Rs 14.5,6). O mesmo princípio de procedimento é ratificado no capítulo 18 de Ezequiel: “Que tendes vós, vós que, acerca da terra de Israel, proferis este provérbio, dizendo: Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos é que se embotaram. Tão certo como eu vivo, diz o SENHOR Deus, jamais direis este provérbio em Israel. Eis que todas as almas são minhas; como a alma do pai, também a alma do filho é minha; a alma que pecar, essa morrerá” (w. 2-4). Se um homem justo, prossegue o Senhor pela boca do profeta, gera um filho que pratica perversidade, o filho levará sua própria iniqüidade; seguramente morrerá. Se um homem perverso tiver um filho que age de modo justo, ele não levará a iniqüidade de seu pai; seguramente viverá. “Dizeis: O caminho do Senhor não é reto. Ouvi agora, ó casa de Israel; Meu caminho não é reto? Porventura não são vossos caminhos perversos?” Aqui se assevera a equidade da administração divina, porque ela procede do princípio de que cada homem é premiado ou punido por sua própria conduta. Ninguém sofi e penalidade por causa dos pecados de seus pais. Seus dentes não são embotados porque seu pai comeu uvas verdes, mas são embotados porque ele mesmo comeu uvas verdes.

A conclusão deste argumento é que, se é um princípio do govemo divino de que os filhos não são tratados retributiva e punitivamente pelos pecados de seus pais, segue-se que os filhos de Adão não poderiam ser justamente punidos pelo pecado dele, sob a suposição de que ele era meramente sua cabeça pater­na. Ou então desistiríamos da alegada analogia entre a relação de Adão com sua posteridade e a relação dos pais ordinários com seus filhos, ou, mantendo

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tal analogia, acusaríamos a Deus de injusto afastamento dos princípios de Seu govemo moral, em punir os filhos de Adão, pelo pecado de alguém que foi simplesmente uma cabeça patema. Ninguém que tema a Deus pode hesitar na escolha entre estas altemativas. Ele se vê forçado a concluir que, como os filhos de Adão são punidos pelo pecado dele, então ele não poderia ter sido meramente uma cabeça patema. Ele teria mantido para com eles outra relação bem diferente. Naturalmente, este argumento não teria nenhuma força ante aquele que adere à analogia e ao mesmo tempo nega o caráter penal dos sofii- mentos herdados dos homens. Mas, como o arminiano evangélico da antiga escola não é pelagiano, este exerce uma poderosa tendência sobre sua posição.

Entenda-se distintamente que, ao contender contra o ponto de vista de que os filhos são tratados punitivamente pelos pecados de seus pais, não se preten­de dizer que seus sofrimentos, em nenhum sentido, são penais. Não é concebí­vel que, sob um govemo perfeitamente justo, algum agente moral pudesse so­frer a menos que seu sofrimento seja no primeiro caso, em algum sentido, penal. Os homens não são punidos pelos pecados de seus pais imediatos, por mais que se sofra por eles; mas são punidos pelo pecado de Adão, e daí a conclusão ser que ele teria sido mais que mero pai. Quanto àqueles escritores arminianos que ousadamente assumem a infiel posição de que ninguém é puni­do pelo pecado de Adão, é suficiente insistir na pergunta; Como, pois, sob o govemo de um Deus justo, os homens nascem absolutamente para sofrer? Como sucede que-as criancinhas sofram? Ainda quando se assuma que aque­las criancinhas que são regeneradas e morrem na infância são, de alguma ma­neira inexplicável, disciplinadas, por meio do sofrimento, para a glória, o que vem a ser no caso dos que vivem até a idade adulta e morrem sem a regenera­ção, sofrem na infância, sofrem na idade adulta e sofrem no infemo para todo 0 sempre? Porventura seus sofrimentos na infância eram de caráter discipli­nar? Dizer que o sofrimento é natural, isto é, que é o resultado legítimo de uma constituição original e natural, é o mesmo que impugnar da mesma forma a justiça e a benevolência de Deus. Os sofnmentos de todos os homens parti­lham de um caráter penal até que sejam, pela graça, feitos filhos espirituais de Deus e justificados mediante os méritos do Substituto expiatório dos pecado­res. A punição, pois, se converte em disciplina - o Juiz cede caminho ao Pai. Mas, como o argumento não é dirigido aos pelagianos e céticos, e sim aos que professam ser evangélicos, já não há necessidade de dizer algo mais sobre este ponto particular.

Terceiro, a teoria de que Adão foi simplesmente cabeça patema da huma­nidade, só responsável pelas consequências que dizem respeito àqueles que têm relação com ela, faz-se necessário afirmar que a culpa e cormpção se derivaram dele para eles por propagação afravés do canal genitivo. O princípio

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de derivação é que igual gera igual. Há dificuldades insuperáveis no caminho dessa doutrina. Em primeiro lugar, é impossível provar que a culpa legal e qua­lidades morais são transmitidas por propagação de pai para filho. A teoria en­volve a doutrina que não é suscetível de prova. Por conseguinte, é inadequada por conta da relação entre a culpabilidade legal e o estado moral dos descen­dentes de Adão, de um lado, e seu ato pecaminoso, do outro. Em segundo lugar, caso se admita a suposição da propagação, não se pode fomecer nenhuma prova de sua equidade. Em que ela se fundou? Por que Adão propagou uma progénie culposa e cormpta? Porventura os dentes de seus filhos foram embo­tados só porque ele, como seu pai, comeu uvas verdes? A alma que pecar, essa morrerá. Mas, segundo os arminianos, as criancinhas não poderiam haver co­metido o ato pecaminoso de Adão, e não podem haver pecado conscientemen­te. Todavia, admite-se que nascem, por virtude de sua relação com seu primei­ro pai, culpadas e depravadas, e concretamente sofrem e morrem. Seus dentes são embotados, porém não comeram uvas verdes. Em terceiro lugar, se a teo­ria da propagação for verdadeira, como vem a suceder que os pecados de Adão não acarretem maléficas consequências à sua posteridade? Admite-se que são afetados só por seu primeiro pecado. Como se explicaria tal limitação? Com Tomás de Aquino se diria que somente o primeiro pecado corrompe a natureza, e, ao contrário, todos os subsequentes pecados-de Adão e de toda sua posteridade, somente a pessoa? Isto seria um apelo à teoria da Identidade Numérica da natureza em Adão e seus descendentes, e tal teoria o arminiano evangélico rejeita; e, além disso, ele admite a responsabilidade pessoal dos homens pela queda de Adão. Portanto, essa explanação não responderá. Dir- se-ia que, embora a natureza caída seja propagada e sem a ação divina especi­al a abrandar as consequências de outros pecados de Adão, e não o primeiro, aprouve a Deus limitar a imputação da culpa ao primeiro pecado? A resposta seria que a suposição, sobre a mera teoria da propagação, é inadmissível. Por­que, onde quer que haja pecado, ele envolve culpa, e a não imputação da culpa, sob um govemo justo, seria impossível sem se fazer expiação por ele após haver sido cometido. Sobre esta teoria, seria tão ilegítimo presumir a não impu­tação da culpa de outros pecados, do que o primeiro à culpa propagada e à natureza cormpta, quanto presumir a não imputação da culpa de outros peca­dos do que seu primeiro a Adão pessoalmente. Dir-se-ia que a limitação da culpa imputada ao primeiro pecado deva referir-se á constituição federal? A resposta seria que a explanação seria emprestada da teoria da representação estritamente legal, diferente da e super-adicionada à representação patema, o que é rejeitado pelo arminiano evangélico. Portanto, para ele este apelo seria incompetente. Em quarto lugar, se a teoria da propagação fosse verdadeira, se

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seguiria que Adão, quando regenerado, teria gerado filhos regenerados. Mas tal posição não é mantida nem mesmo por seus advogados. Se para remover esta dificuldade se tome a base de que a natureza é propagada segundo o tipo original e que é pecaminoso, a resposta é, como sugerida por Thomwell, que o tipo original, isto é, no primeiro caso, era santo, e uma natureza santa deve por isso ser propagada.

Quarto, a teoria da mera supremacia patema de Adão não pode ajustar-se bem à analogia, claramente ensinada na Escritura, entre o primeiro Adão e o segundo. Declara-se que o primeiro era uma figura ou tipo do segundo. “Não que ele fosse”, observa John Owen de modo profundo, “um tipo instituído, ordenado somente para tal fim e propósito, mas somente no que era, e no que fizera, com o que seguiu daí, ela foi uma semelhança entre ele e Jesus Cris­to.”'“ O significado é que o princípio sobre o qual o primeiro Adão se relaciona­va com sua posteridade é o mesmo que o baseado na relação do segundo com sua semente - ambos agiam em concordância com o princípio da representa­ção. Como a condenação passou para a posteridade de Adão em razão de sua desobediência, assim a justificação passou para a posteridade de Cristo em razão de Sua obediência. Isto é óbvio e adínitido por ambas as partes a esta questão. Ora, se a condenação sobreveio à semente de Adão porque ele, como seu pai, pecou, se seguiria que a justificação sobreveio à semente de Cristo porque Ele, como seu pai, obedeceu. O princípio seria o mesmo em ambos os casos, ou a analogia é destmída. Foi a supremacia patema que, no caso de Adão, serviu de base para a justiça da condenação? Assim seria a supremacia patema que, no caso de Cristo, serviu de base para a justiça da justificação. Mas, nem o calvinista nem o arminiano assumem esse ponto de vista da justifi­cação. Ambos mantêm que, enquanto é verdade que o povo de Cristo nasce dele por meio de Seu Espírito, e assim a santidade üies é comunicada, também é verdade que a justificação se deriva dele de outro modo. Ele não assegurou a justificação como uma mera cabeça patema, e sim como um representante e substituto na lei. Mas se Cristo era, estritamente falando, um representante legal, e não meramente uma cabeça patema, assim Adão teria sido, ou a analo­gia entre eles cai por terra.

Além do mais, caso se contenda - como faz Watson - que, como Adão era uma cabeça patema, assim Cristo é a cabeça espiritual - como o primeiro foi um pai natural, assim o segundo é um pai espiritual, se seguiria da analogia que a justificação só pode fluir de Cristo para Seus filhos espirituais. E como os arminianos evangélicos afirmam que nem todos os homens são regenerados, e, portanto, filhos espirituais de Cristo, a justificação não poderia ser assegurada a

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todos os homens. E assim são reduzidos a autocontradição. Se negam que todos os homens são filhos espirituais de Cristo, negam que a justificação foi assegurada a todos os homens, e assim admitem a doutrina calvinista da expi­ação particular. Se afirmam que todos os homens são filhos espirituais de Cris­to, precisamente como todos os homens são naturalmente filhos de Adão, ne­gam sua própria doutrina da necessidade de novo nascimento, sua própria ad­missão de que todos os homens realmente não são renascidos, bem como o indubitável testemunho da Escritura. Dizer que os pagãos são todos eles rege­nerados é confiindir a Bíblia e também o próprio fato. É óbvio que a doutrina arminiana da supremacia patema de Adão não se harmonizará com os fatos, no caso de Cristo, e por isso não pode ajustar-se ao relato bíblico da analogia entre o primeiro e o segundo Adão.

Quinto, a consideração decisiva é que, na teoria evangélica arminiana, nem Adão e nem seus descendentes poderiam jamais ter sido justificados. Aqui não se pretende negar que, se a Deus aprouvesse fazer aliança com Adão como um indivíduo, à parte de uma relação representativa com sua posteridade, na qual Ele lhe prometeu vida, sob a condição de perfeita obediência, por um tempo limitado de prova, ele poderia ter alcançado a justificação. Nem é im­possível presumir que Deus poderia, caso Lhe aprouvesse, haver feito uma aliança similar com cada indivíduo de sua posteridade, em €ujo caso cada um teria permanecido firme e teria tido a oportunidade de assegurar a justificação. Em nenhuma dessas suposições, o princípio de representação teria sido exclu­ído, e empregado o da provação individual. A Deus não aprouve adotar este método de tratar com Adão e seus descendentes. Ele ajuntou todos os indivídu­os da raça para a unidade no primeiro homem designado como sua cabeça federal e representante legal, os envolveu com ele numa provação comum e prometeu a ele e a eles, nele, a justificação sob a condição de sua perfeita obediência por um período específico e definido. Caso Ele presumisse que ne­nhum desses métodos de procedimento fosse empregado em relação ao pri­meiro homem e seus descendentes, se concederia a impossibilidade de justifi­cação. Se um arranjo pactuai especial não limitasse o tempo de obediência, a mera demanda, não modificada, da mera lei teria entrado èm vigor. Necessari­amente teria resultado a consequência de que nenhum ponto, na infindável existência do sujeito da lei poderia haver alcançado em que ele pudesse haver comparecido diante de Deus, dizendo: Eu consumei a obediência que me foi assinalada, e rogo por meu galardão. A resposta a tal reivindicação, fosse ela pressuposta, inevitavelmente seria: Tens ainda diante de ti uma imortalidade provinda da obediência, com a possibilidade de queda. Nenhuma justificação, no sentido próprio e bíblico do termo, pode ser concebida como possível, exceto sobre a base de uma completa obediência; e como nenhuma obediência pode

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ser completada a menos que haja uma limitação definida do tempo em que ela deva ser oferecida, tuna teoria que desobriga do relato tal limitação falha em fazer provisão para a possibilidade da justificação. Ora, a teoria evangélica arminiana é aberta a esta objeção fatal. Ela não faz menção de uma limitação do tempo de obediência mesmo com respeito a Adão pessoalmente considera­do, e nega que seus descendentes tivessem nele uma provação legal. Suponha- se, pois - e a suposição é legitimada pela doutrina de uma mera permissão da queda que Adão houvesse permanecido em integridade e houvesse perma­necido em integridade até agora, como ele poderia haver sido justificado? Obe­diência perpétua com sua contingência acompanhante de queda seria seu de­ver ainda como era seu dever a princípio. Naturalmente, também não haveria a justificação de sua posteridade numa cabeça não justificada. Dizer que sua retidão, embora incompleta e defectível, poderia ser-lhes imputada, ou mani­festar-se para seu benefício, estaria muito longe de dizer que seriam justifica­dos por sua conta. Como isso não poderia ser a base de sua justificação, nem poderia ser da deles.

Esta consideração é especialmente iluminada pela luz da analogia bíblica entre Cristo e Adão. O tempo da obediência de Cristo foi limitado. Ele declarou que tinha doze horas para caminhar e nelas faria as obras daquele que o envi­ara, enquanto fosse dia; a noite estava chegando, quando ninguém poderia tra­balhar. Por conseguinte, quando Ele completou Sua obediência, exclamou triun­fantemente em meio às agonias da morte: “Está consumado!” Portanto, Ele não só foi justificado da culpa oriunda das iniquidades de seu povo, a qual voluntariamente assumiu e as imputou a Si e as levou sobre Si, mas Sua justiça consumada pôde ser imputada a Sua semente e de constituir a base da justifi­cação deles. E demasiadamente óbvio a urgente necessidade de que, se o caso de Adão foi paralelo ao de Cristo, o tempo de sua obediência probatória teria sido limitado para condicionar a possibilidade de sua justificação e a de sua semente. A teoria evangélica arminiana não contém tal elemento, e por isso sucumbe notavelmente.

As formas nas quais os teólogos evangélicos arminianos tentam vindicar a justiça de Deus na constituição por virtude da qual as consequências do primei­ro pecado de Adão recaem sobre sua raça têm sido assim sujeitadas a exame e sua insuficiência tem-se exibido.

No momento, a questão é: Qual, segundo a concepção calvinista, é o méto­do bíblico de conciliar a implicação da raça nas consequências do primeiro pecado de Adão com ajustiça de Deus? E tenha-se em mente que esta questão é subordinada à última que está sob consideração - a saber, se as doutrinas calvinistas da eleição e reprovação são, como alegam, inconsistentes com a justiça divina.

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Ambas as partes, para a questão ora em pauta, admitem a existência de uma aliança adâmica: concede-se alguma sorte de transação federal. A doutri­na calvinista envolve estes elementos: que, sob a aliança das obras. Deus de­signou Adão como representante legal de sua posteridade; que, na lei, ele e eles eram unos; que os atos dele eram legal e representativamente atos deles, sob o princípio de que o que alguém faz por meio de um representante ele mesmo o faz; que a justificação, isto é, a confirmação em santidade e felicidade, foi prometida a Adão e à sua posteridade sob a condição de sua perfeita obediên­cia por um tempo limitado, e a morte foi ameaçada no caso de desobediência; e que, como consequência de tudo, esta humanidade teve em Adão sua prova­ção legal, de modo que, se ele permanecesse de pé, e fosse justificado, eles teriam permanecido e justificado nele, e, como ele caiu e foi condenado, tam­bém caíram nele e foram condenados. Em apoio desta doutrina, submetem-se as seguintes considerações:

Primeira, uma vez que os arminianos evangélicos admitem o fato de uma aliança com Adão, a qual incluía sua posteridade, de modo que fossem envolvi­dos nas consequências pertinentes ao seu primeiro pecado, segue-se que, como já se mostrou, se a supremacia patema implicasse apenas responsabilidades federais, como bem se sabe que contém, natural e necessariamente não teria, e nem poderia ter, consistentemente com a justiça a relação entre o primeiro homem e seus descendentes, a qual fosse a base de sua condenação judicial e sofiimentos penais, tal relação teria sido uma só subsistindo entre ele, como representante estritamente legal e eles como seus constituintes legais. Somen­te esta é a outra altemativa possivelmente admissível. O princípio federal con­cedido exclui a teoria de uma identidade numérica entre Adão e sua posterida­de. Sobre tal teoria, uma relação federal teria sido supérflua. Como cada ho­mem que veio à existência individual seria responsável, não pelo pecado de Adão imputado a ele, e sim por um pecado subjetivamente e, portanto, estrita e propriamente seu. Isto equivaleria finstrar o paralelismo asseverado por Paulo entre Adão e Cristo. Como a identidade numérica se baseia na natureza, a analogia demandaria a identidade de todos os homens com Cristo, tanto quanto com Adão. A natureza humana obedecida em Cristo como desobedecida em Adão. Como o pecado da natureza lhe é imputado, de um lado, assim do outro seria sua justiça. Como todos os homens são assim justamente condenados, assim todos os homens com igual justiça seriam justificados. Mas é absurdo dizer que a natureza humana, isto é, todos os homens, operou subjetivamente justiça em Cristo; e seria quase tão absurdo dizer que sua semente lhe obede­ceu subjetivamente. É óbvio que a justiça de Cristo é imputada sobre um prin­cípio totalmente diferente. Assim, para manter a analogia, seria o pecado de Adão. É evidente que a teoria da identidade numérica é inconsistente com o

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princípio federal. O mesmo procede quanto à hipótese de uma existência ante­rior à criação do mundo da qual cada ser humano caiu de um estado de santida­de por seu próprio pecado individual. Se adotarmos a suposição de uma aliança entre Deus e Adão, seria como se nos confinássemos a uma eleição entre a doutrina da supremacia patema e a da estrita representação legal.

Segunda, a analogia entre Cristo e Adão prova que nosso primeiro pai teria sido o representante legal de sua semente. A relação que ele sustinha com sua posteridade, fundamentando a implicação deles no ato dele, teria sido, quanto ao princípio envolvido, como aquele que Cristo mantém com Sua semente; de outro modo, a analogia seria destruída. Ora, porventura Cristo foi um represen­tante legal de Seu povo?

Os animais que eram sacrificados sob a antiga dispensação foram substitu­tos legais pelas pessoas culpadas por quem eram oferecidos, isto é, representa­vam legalmente os adoradores que os apresentavam. Tipificavam Cristo o Cor­deiro de Deus que foi oferecido em sacrifício para satisfazer a justiça divina pelos pecadores. Certamente é a relação representativa e patema que aqui está em pauta. Em Gálatas, Paulo declara: “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar”-(3.13). Em2 Coríntios, ele enuncia a mesma grande verdade da substituição legal: “Aquele que não co­nheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justi­ça de Deus” (5.21). Pedro expressa claramente o mesmo fato: “Carregando ele mesmo emrseu corpo, sobre o madeiro, nossos pecados, para que nós, mortos para os pecados, vivamos para a justiça; por suas chagas fostes sara­dos” (IPe 2.24). É desnecessário insistir na consideração de que estas afirma­ções apostólicas não poderiam ter sido verdadeiras quanto a Cristo como cabe­ça patema, porém são verdadeiras quanto a Ele como representante legal. Deveras se admite que elas são válidas quanto a Ele como representante legal. Em Gálatas, Paulo afirma: “Estou cmcificado com Cristo” (2.19). O principal sentido em que estas palavras devam ser tomadas é o representativo. Ele dis­cursa, naquela passagem, a doutrina da justificação, e não da santificação. Daí ele não poderia simplesmente dizer “Nego-me a mim mesmo juntamente com Cristo”. E verdade que aquele que já morreu federal e representativamen­te com Cristo quanto à culpa do pecado também viverá com Ele quanto a morrer mais e mais para o poder deste, e Paulo assevera essa verdade; mas, nas palavras citadas, se consideradas como tendo conexão com o que são usadas, então o apóstolo faz referência à relação representativa. Em 2 Coríntios, o mesmo apóstolo diz: “Pois o amor de Cristo nos constrange, julgando nós isto: um morreu por todos; logo, todos morreram” (5.14). Pois essa é a verdadeira e ora geralmente admitida tradução das palavras: “então todos foram mortos”. Como poderiam todos morrer em um só a não ser representativamente? Miriades

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de crentes morreram e miríades não nasceram até depois de Cristo haver morrido. O grande fato aqui afirmado é que a morte de um representante é legal e construtivamente a morte daqueles a quem Ele representava. Portanto, os que assim morreram com Cristo morreram sob a sentença de uma lei condenatória, isto é, morreram judicialmente, e assim não podem justamente morrer outra vez dessa maneira; e, havendo assim morrido, as dificuldades legais que jaziam na vereda da aceitável obediência a Deus são removidas, e os motivos para uma vida de santidade são impressivamente aplicados. Paulo diz outra vez: “Se ressuscitastes com Cristo” (Cl 3.1). Se os crentes morreram representativamente com Cristo, com Ele ressuscitaram representativamente. Há também uma ressurreição espiritual, mas houve uma federal, como haverá uma corporal. E se morreram e ressuscitaram representativamente com Ele, com Ele foram representativamente justificados, quando Deus, o Pai, ressusci­tando-o dentre os mortos, com base na justiça distributiva, o absolveu de toda culpa imputada, formalmente aprovou Sua justiça e publicou ao universo Seu merecimento do galardão estipulado pela aliança - a vida etema de Sua semente.

Mas se Cristo era o representante legal de Sua semente, assim Adão teria sido da sua. A passagem que estabelece isso se encontra no capítulo 5 de Romanos, do versículo 12 até o final. Ali a relação da desobediência de Adão para a condenação e a morte de sua posteridade é declarada ser análoga àque­la da obediência de Cristo para a justificação e vida de Sua semente. Cristo, porém, em obediência redentiva à lei divina agiu como representante legal; assim, consequentemente, fez Adão, ao cometer seu ato de desobediência. Segue-se que, se Adão permanecesse íntegro durante seu tempo de prova e fosse justificado, toda sua posteridade teria sido, representativamente, justificada nele - isto é, pela sentença divina teria sido ordenada para a confirmação em santidade e felicidade. Nesse caso, sua justiça teria sido imputada a seus des­cendentes, justamente como a justiça de Cristo é agora imputada a Seu povo. O nascimento natural teria designado as partes sobre as quais seu mérito teria terminado, como agora o nascimento espiritual indica as partes sobre as quais o mérito de Cristo entra em vigor. Adão, porém, caiu, e sua culpa é imputada a sua semente. Em vez de obterem a justificação nele, caíram com ele em con­denação. Nestes aspectos, os casos do primeiro e do segundo Adão são para­lelos. É 0 princípio da estrita representação federal que qualifica o caráter de cada caso.

Terceiro, se estamos absolutamente qualificados, no tocante a esta maté­ria, a apelar para o curso ordinário da providência e o govemo geral dos ho­mens, devemos recorrer não à relação patema, e sim a representativa. Nunca julgamos que uma criança, estritamente falando, bem merece ou mal merece em decorrência dos atos de seu pai. Se seu pai tem perpetrado um crime, muito

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embora sintamos que seu filho sofre justamente em consequência dele, não o pronunciamos culpável. Como em nenhum sentido ele praticou o ato, também em nenhum sentido é digno de censura. Se porventura alguém cometeu homi­cídio, fransfere vergonha e difamação a seu filho, quem diria que este fosse culpado do crime de seu pai? Se o fosse, então mereceria ser enforcado. Toda­via, esse não é o critério nem o costume da humanidade. Mas, se alguém for o representante, o procurador, o agente de oufro, o caso é diferente. Há uma identidade legal entre os dois, de modo que os atos de um são, por afinidade, os atos do outro. Esse é o critério geral dos homens. Se há alguma força nessas considerações, devem continuar mostrando que os filhos de Adão não são cul­pados porque, como seu pai, eles pecaram; mas se ele fosse seu agente e seu representante legal, devem ser considerados como dignos de censura pelo pe­cado dele. Agiram nele, não cônscia e subjetivamente, mas federal, legal e representativamente.

Pode-se objetar a esta representação da grande e criticamente importante doufrina do pecado herdado, de qüe a relação patema é rejeitada em razão de e fratada como se não possuísse nenhuma importância. A isto se replica: em primeiro lugar, admite-se que a relação patema como envolvendo a união natu­ral entre Adão e seus descendentes se fimda na propagação da raça como uma espécie, com todas as suas qualidades essenciais e inseparáveis. A questão, contudo, é diferente se a fransmissão de qualidades não essenciais e separá­veis for explicada em concordância com esta lei. O que está em pauta é que, mesmo que isso fosse concedido, a propagação de tais qualidades - a do peca­do, por exemplo - demandaria uma solução antecedente no princípio de justiça. Por que o pecado seria transmitido de pai para filho, acarretando consequênci­as penais, é uma questão que não pode ser legitimamente respondida simples­mente apelando para uma mera constituição natural. A deformidade seria um infortúnio, e não um crime. A naturalidade do pecado quando muito destmiria seu aspecto punível como o de um corpo disforme. A relação representativa deve ser evocada em razão do caráter legal de propagação, ainda quando se admita que a propagação seja o canal da fransmissão do pecado. Toda a difi­culdade é evitada pela transferência do caráter hereditário do pecado para a grande lei da representação federal. Em segundo lugar, admite-se que a rela­ção patema fundada na propriedade da super-adicionada relação representati­va. Era justo que aquele que foi designado o curador e representante legal da humanidade, assistido pelas imensuráveis responsabilidades abarcadas nesse oficio, fosse seu primeiro pai, detentor de todos os temos afetos que tal relação sustentava. E era justo que Adão, como pai, fosse o representante, conquanto o laço de sangue, o vínculo de raça, fomeceu o princípio sobre o qual ele e toda sua descendência, individualmente, fossem reunidos numa unidade legal. A

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afirmação do caso que ora é mantido nesta discussão é precisamente este: a relação patema serviu de base para a propriedade da relação representativa, e a relação representativa serviu de base para a imputação de culpa.

Pode-se objetar ainda que a doutrina aqui ratificada é excêntrica, pela ra­zão de que o termo representante e seus cognatos não se encontram nem nas Escrituras nem nos Padrões de Westminster. Esta objeção não pode ser ofere­cida por aqueles doutores da escola evangélica arminiana que empregam a fi^aseologia ora em disputa. Se ela fosse apresentada por outros daquela escola, a resposta é que há termos de articulada importância usados por eles mesmos que não se encontram nas Escrituras; por exemplo. Trindade, Graça Suficiente e Expiação Universal. A objeção, portanto, como um argumento provaria de­mais e, consequentemente, seria sem validade. Se a objeção fosse alegada por alguém pertencente à escola do calvinismo, a réplica seria: em primeiro lugar, há termos empregados por calvinistas que não se encontram nas Escrituras; por exemplo. Satisfação à Justiça Divina, Justiça de Cristo, Justiça de Cristo Imputada, Obediência Vicária de Cristo, Expiação Particular, ou Definida, ou Limitada, Vocação Eficaz e Perseverança dos Santos. As doutrinas significadas por esses termos, porventura não se encontram nas Escrituras? Se não, o calvinismo seria levado pelos ventos. Em segundo lugar, o fato de que o termo representante, como aplicado a Adão, não se encontra nos Padrões de Westminster, de modo algum prova que a doutrina de seu caráter representati­vo não esteja contida neles. Declara-se expressamente que ele foi uma “pes­soa pública” no mesmo sentido em que se diz que Cristo é imia “pessoa públi­ca”. O Catecismo Maior reza assim: “O pacto, sendo feito com Adão, como um representante legal, não para si somente, mas para toda sua posteridade, todo o gênero humano, descendendo dele por geração ordinária, pecou nele e caiu com ele naquela primeira transgressão.”" Falando de Cristo, o mesmo formulário reza: “Tudo isso fez ele em sua capacidade representativa [como pessoa pública], como Cabeça de sua Igreja.” ' Isto significa que Cristo foi um representante? O que o calvinista deve negar? Da mesma forma, deve-se ad­mitir que os doutores de Westminster tinham Adão como um representante. A isto se deve adicionar que os termos Expiação Particular e seus sinônimos não se encontram nos Padrões de Westminster. Porventura a doutrina não está ali? E merece observação que o termo representante não era do uso comum no tempo em que a Assembleia se reunia, e daí, provavelmente, sua ausência dos formulários compostos por ela. Mas ele foi suficientemente usado pelos douto­res do período para mostrar que consideravam Adão como um representante. “O pecado de Adão”, observa o Dr. John Owen, “foi e é imputado a toda sua

11. Questão 22.12. Questão 52.

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posteridade. E a base disso é que todos nós estávamos na mesma aliança com aquele que era nossa cabeça e representante nela.”' “Adão”, diz Thomas Watson, “sendo uma pessoa representativa, permanecendo firme, permanece­ríamos firmes; e caindo, cairíamos.”*'*

Por fim, passamos agora à questão: A constituição federal, envolvendo a aplicação do princípio de representação legal para Adão e sua posteridade, e implicando-os nas consequências judiciais de seu primeiro pecado, era incon­sistente com a justiça de Deus?

Podem-se formular as seguintes perguntas: Por que, se já se provou que as doutrinas da eleição e reprovação foram reveladas nas Escrituras, deva-se considerar a inquirição com respeito à sua consistência ou inconsistência com as perfeições de Deus? E por que, se a doutrina da representação federal nos é também enunciada na mesma autoridade sacra, deva-se tentar mostrar que ela não é inconsistente com a justiça divina? Tudo o que Deus, em Sua santa Palavra, declara haver feito ou faria, necessariamente, é consistente com Seu caráter; por conseguinte, tais raciocínios são gratuitos e mais adequados a cau­sar dano do que o bem. Temos a importante opinião de Haldane, em seu admi­rável comentário sobre a Epístola aos Romanos, contra-esta sorte de argumen­to em relação ao tema ora em pauta. Isto, de bom grado se admite, é eminen­temente verdadeiro e sábio, sob a suposição de que se tem provado, além de qualquer dúvida racional, que uma doutrina se acha revelada nas Escrituras. A posição da dogmática racionalista do tipo wolfiano é totalmente insustentável, a saber, que as doutrinas concedidas como parte de uma revelação supematural necessitam de ser fortificadas por demonstração racional. Basta dizer que são introduzidas com a indisputável autoridade do prefácio: “Assim diz o Senhor.” No entanto, merece consideração que a questão real com frequência é, como neste caso particular, se as doutrinas alegadas como sendo reveladas nas Es­crituras realmente são assim reveladas. Havendo certa diferença entre ho­mens piedosos e reverentes em sua interpretação das passagens aduzidas como provas, considerações morais e racionais, extraídas dos ensinamentos da Es­critura e das leis fundamentais da crença da mente humana, são introduzidas, de um lado ou do outro, para fortalecer ou enfi^uecer, não as afirmações divinas, e sim a alegada evidência de que as doutrinas em questão se derivam da palavra inspirada. É por esta razão que se permitiu à presente discussão a extensão que ela assumiu; e caso uma mente piedosa receba algum alívio, ainda que pouco, das dúvidas quanto á autoridade divina das doutrinas que esta defende dos ataques, não será totalmente em vão.

13. Works, Goold’s Ed., vol. 5, On Justification, p. 169.14. Select Works, Robert Carter and Brothers, p. 98.

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1. Se Deus estabeleceu a constituição federal pela qual Adão foi designado 0 representante legal da raça, isso deve ser tido como justo; pois tudo quanto Deus faz é necessariamente justo. Este princípio foi afirmado pelo ilustre patri­arca quando pleiteava em prol de Sodoma: “Não fará justiça o Juiz de toda a terra?” (Gn 18.25). O mesmo grande princípio é asseverado por Paulo no ter­ceiro capítulo de Romanos, quando responde a objeções contra a justificação gratuita, e no nono capítulo, quando responde a cavilações contra a predestinação soberana. Mas as Escrituras revelam o fato da constituição federal como uma das designações divinas. Portanto, ela não era inconsistente com a justiça de Deus.

2. Não é difícil de provar que a constituição federal, envolvendo o princípio da representação federal, era benevolente. As limitações assinaladas por uma livre determinação da vontade divina a uma provação meramente legal - a limitação da provação de todo aquele a quem se fomeceu ampla e ricamente tudo para vencer a prova, aquele que, da natureza do caso, era suscetível de responsabilidades, as quais em sua plenitude ninguém mais pudesse alcançar; a limitação do tempo de obediência que condicionava a fácil obtenção da santida­de imortal e benção para cada indivíduo da raça; e, talvez, a limitação do campo de tentação - tais limitações sobre a prova da humanidade, a qual, de outro modo, sob a nua economia da lei fosse perpétua para cada indivíduo e prefigurada para sempre pela terrível contingência de uma queda, certamente eram os pro­dutos de benevolência. Mas tal constituição não teria sido benevolente fosse ela injusta. Injustiça feita às criaturas sob seu poder não poderia estar em har­monia com a bondade de seu Criador. Não vale afirmar que a um e ao mesmo tempo Ele agisse para com a raça humana com benevolência e inconsistente­mente com a justiça. Em contrapartida, se o arranjo representativo fosse incon­sistente com a justiça, ele não poderia ter sido consistente com a benevolência. Necessariamente, os atributos de Deus seriam perfeitamente harmoniosos en­tre si tanto em sua natureza intrínseca quanto em seu exercício concreto. Se, pois, a economia federal fosse benevolente, ela não teria sido inconsistente com a justiça.

3. Pode-se alegar que ela era arbitrária e, portanto, não baseada na justiça. A isto se replica que, caso se possa mostrar que ela fora ditada pela sabedoria e benevolência, então não se pode provar haver sido arbitrária; pois o que é arbitrário é libertino e não se fiinda em nenhuma razão suficiente. Não se pode evidenciar que a ordenação federal foi o resultado da mera vontade de Deus procedendo sem qualquer respeito pelas considerações racionais. Portanto, não se pode provar haver sido inconsistente com a justiça porque ela fosse arbitrária.

4. Houve a tentativa de convencê-la de incompatibilidade com a justiça, porque a humanidade que, alegar-se, foi representada em Adão e vinculada por

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seu ato, não tinha voz, nem sufrágio, na adoção daquela medida de govemo pela qual o princípio de representação foi aplicado a seu caso; ele lhes foi imposto sem sua escolha, e, no entanto, seus destinos atemos poderiam ter sido decididos por ele. Mas:

Primeiro, não se pode provar, ainda que isto seja verdadeiro, que a aplica­ção do princípio de representação para com a raça, por seu divino Criador e Govemante, era intrinsecamente injusta. Somos juizes incompetentes de todo o caso. Deus é infinitamente mais sábio do que nós. Seria supremamente teme­rário e arrogante de nossa parte tentar decidir sobre qual princípio Ele escolhe­ra conduzir Seu govemo moral. Ao menos se pode presumir que Ele viu que seria tão justo aos homens tratar com eles reunidos em unidade moral na pes­soa de um representante plenamente qualificado, quanto tratar com cada indi­víduo como responsável somente por sua própria agência subjetiva e cônscia. Não importa dizer que, quando Deus constituiu o primeiro homem o represen­tante de sua raça. Ele sabia antecipadamente que ele cairia e arrastaria consigo seus descendentes a uma comum mina; pois se tal medida não fosse adotada. Deus poderia ter previsto que cada indivíduo da raça cairia por si mesmo, e nesse caso as vantagens da relação representativa estariam ausentes. De modo que, afinal, se chegaria a isto: Por que Deus criou o homem se Ele de modo algum soubesse de antemão que ele pecaria? E como ã limitada inteligência humana ainda nunca se fomeceu uma resposta a essa indagação, assim tam­bém nunca se dará àquela na presente esfera do pensamento. Basta saber que foi Deus quem fez isso. Tudo o que importa saber é que Ele é justo, sábio e íntegro.

Segundo, Deus é infinitamente benevolente. Portanto, a aplicação à raça do princípio da representação era consistente com a benevolência. Ele foi apli­cado ao homem enquanto inocente. Não foi uma aplicação judicial. Não havia razão proveniente da relação do homem com Deus que pudesse haver ocasio­nado asperezaou rigor da parte de seu Criador. Se Ele amou o homem em sua criação, é impossível conceber que Ele houvesse escolhido algum procedimen­to que tivesse prejudicado Seus interesses ou dirigido duramente seu destino. Aliás, é impossível dizer, sem blasfêmia, que Deus pudesse tratar iniquamente alguma de suas criaturas.

Terceiro, tomar como certo que a aplicação à raça do princípio representa­tivo teria sido injusto, porquanto não tinham nenhum sulrágio em sua adoção, é manter que os súditos do govemo de Deus têm o direito de tomar parte em sua administração. Isto equivale a forçar absurdamente a analogia do govemo hu­mano. O povo não é soberano na administração divina. Em nenhum sentido são feitores no govemo. Eles não elegem o govemante. Se não o fossem, seriam qualificados a eleger a Deus, antes que Ele pudesse ter o direito de govemá-

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los. O direito de Deus de governar é absoluto e reside nele mesmo. Ele cria os súditos de Seu govemo, e, portanto, é respectivamente para suas próprias pes­soas como também para os interesses da propriedade do govemador. Ele lhes deve. Ele é um mero autocrata. E o govemo de uma vontade única seria um govemo muito melhor, se esse for perfeito - se for absolutamente livre do próprio elemento de erro, injustiça e equívoco. Portanto, a raça poderia, da natureza do caso, não ter direito de exercer sufrágio com referência a qualquer aspecto do govemo divino, a menos que a Deus mesmo aprouvesse, com infi­nita condescendência, conferir tal direito. No momento não vamos considerar se isso era possível. Certamente não era um fato, e essa consideração é sufici­ente para determinar a questão em pauta. A raça poderia não possuir o direito de sufrágio, e, consequentemente, não poderia ter havido nenhuma violação de seus direitos por meio de uma aplicação a eles do princípio representativo.

Quarto, o mesmo curso de raciocínio é pertinente à objeção de que a raça não teve sufrágio na seleção da pessoa que a representasse ~ a raça não teve nenhuma voz na designação de Adão para aquele oficio responsável. Mas as seguintes considerações podem ser aduzidas a este ponto:

Em primeiro lugar. Deus era mais bem qualificado para ajuizar-Se da ques­tão: quem seria o representante do que toda a raça human^poderia ter sido, na suposição de que, pela antecipação de sua existência material, pelo onipotente poder de Deus, se concentraram numa gigantesca massa no jardim do Éden. Ele é infinitamente sábio e infinitamente benevolente.

Em segundo lugar, é óbvio que, na suposição da aplicação do princípio re­presentativo, Adão foi adaptado para ser o representante. Ele foi criado na plena maturidade de seus poderes, no corpo e na alma, respectivamente. Fosse algum outro homem designado futuro representante, teria sido designado a agir ou em sua infância ou em sua idade adulta. Se na infância, a loucura da desig­nação teria sido transparente. Se na idade adulta, que garantia teria havido de que ele não pecaria antes de atingir a maturidade? A loucura de tal designação teria sido igualmente manifesta.

Além do mais, Adão foi o primeiro homem, o pai de toda a raça. Quem, pois, poderia ter sido tão apropriado que viesse a ser o tutor de toda a raça? A relação patema que ele sustinha com cada homem fundava-se na propriedade de sua relação federal e representativa com cada homem. Como poderia al­guém mais na linha de descendente ter representado os que procederam dele? A menos que, aliás, suponhamos que a eleição terminasse no homem em seu estado de inocência. Mas não foi assim. Esta última suposição é mencionada pela razão de que, de alguma forma, soubéssemos que os anjos eleitos em algum sentido foram representados por Cristo. Nesse caso, como sua existên­cia teria pré-datado Sua encamação. Seus méritos teriam sido refletidos em

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sua estabilidade; ou, melhor, sua estabilidade teria sido fundada em Sua futura obediência. Assim, bem sabemos, se deu realmente com os santos vetero- testamentários.

Demais, merece consideração o seguinte: as responsabilidades que pesa­vam sobre o primeiro homem, na suposição de que ele era um representante, necessariamente teriam sido maiores do que aquelas que poderiam concentrar- se em qualquer um de seus descendentes. Com nenhum outro homem poderia toda a raça haver mantido a relação de posteridade. Somente ele poderia sentir que toda a humanidade se destinara a ser sua progénie. As responsabilidades do pai de toda a raça só poderiam repousar sobre ele; e se ele não pudesse cumprir adequadamente as funções de representante sob um fardo tão pesado de responsabilidades, é indubitável que nenhum outro de seus descendentes o poderia.

5. Se o princípio de representação for descartado sob a alegada base de sua injustiça, segue-se que sob nenhuma circunstância ele poderia ser admiti­do. Injusto em um caso, seria injusto em todos. A representação dos pecadores por Cristo seria, consequentemente, rejeitada como injusta. E então, na suposi­ção do pecado de toda a raça de indivíduos, a mais remota esperança de sua salvação seria excluída. Pois é evidente que nenhum transgressor da lei divina poderia ele mesmo livrar-se de sua penalidade; e é igualmente óbvio que nin­guém, labutando sob as incapacidades espirituais incorridas pelo pecado pode­ria recuperar-se de sua influência. Mas, se fosse impossível, pelo pecador, des­vencilhar-se das desastrosas consequências de seu pecado, e o princípio de representação, envolvendo substituição, fosse inadmissível, cada pecador su­cumbiria sem esperança sob a pressão de sua condenação. Há apenas duas suposições que poderiam fomecer um raio de esperança - ou que o pecador pudesse livrar-se a si mesmo, ou que pudesse ser libertado por um substituto - e ambas são excluídas. A hipótese pelagiana, aqui, está fora de consideração como não possuindo nenhuma sombra de apoio, seja nas Escrituras, seja nos princípios da razão. “Sem derramamento de sangue não há remissão.” Expia­ção ou morte etema: estas são as únicas altemativas para os transgressores de uma lei infinita. A este raciocínio se podem oferecer diversas objeções.

Antes de tudo, pode-se objetar que a representação que Deus conheceu de antemão resultaria numa queda em pecado, e a representação que se destinava a recuperar os homens dos desastrosos efeitos de uma queda está num dife­rente ponto em relação á justiça e igualmente em relação à benevolência. Mas aqueles que insistem nesta objeção esquecem que o homem, na criação, foi dotado com a liberdade da vontade e com força amplamente suficiente para refrear-se de pecar e permanecer em santidade. A objeção pode ser relevante se a natureza do homem, como resultou da mão criadora de Deus, implicasse a

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necessidade de uma queda. Mas isso é contrário ao fato. Se, pois, o represen­tante liouvesse mantido firme sua posição, sua posteridade teria facilmente conquistado a confirmação em santidade e felicidade.

Essas objeções ignoram também a importante consideração de que as con­firmadas santidade e felicidade da raça dependiam de uma obediência de seu representante a qual estava limitada quanto ao tempo. Houvera ele mantido sua integridade durante o período especificado, designado na aliança de Deus, estas inestimáveis bênçãos teriam sido asseguradas para si mesmo e para a sua posteridade.

Em contrapartida, não houvera existido a superadição de uma aliança à mera dispensação da lei, não poderia ter havido, da natureza do caso, nenhuma justificação possível nem para si nem para qualquer membro de sua raça. A demanda da lei não modificada por um arranjo pactuai teria sido para a perpé­tua obediência como a condição de vida contínua. O requerimento teria sido; Obedecei! E, enquanto obedecerdes, vivereis; se desobedecerdes, morrereis. O período jamais poderia ter sido atingido quando o sujeito, sob a alegação de obediência consumada, fosse autorizado a esperar a confirmação de suas rela­ções com Deus. A contingência de uma queda teria continuado paralelamente com sua existência imortal.

Pode-se contestar que, enquanto isto é procedente com respeito à necessi­dade de uma aliança para fins de justificação, não era necessário que o aspecto da representação fosse incorporado na constituição federal. Poderia aprazer a Deus ter entrado numa afiança separada com cada indivíduo envolvendo tal limitação no tempo de obediência como a tomar possível a justificação de cada homem. Mas, tudo quanto se pode imaginar da possibilidade de tal arranjo, há duas coisas que claramente mostram que este não é um fato, e por isso é ocioso suscitar a questão. Em primeiro lugar, a universalidade do pecado origi­nal prova que cada membro da raça estava implícita na responsabilidade do primeiro pecado de Adão, e que a complexidade de sua história moral se deri­vou dele. Não poderia ter havido uma aliança separada com cada indivíduo. Em segundo lugar, a Epístola aos Romanos estabelece a questão. Ela ensina que 0 caráter representativo de Adão era análogo ao de Cristo.

É evidente, do que já foi dito, que a humanidade, em seu primeiro progenitor e representante legal, teve uma justa chance de atingir, sob fáceis condições, a confirmada vida de santidade e benção, o que os teria colocado para sempre além da possibilidade de queda.

Segundo, pode-se objetar que, não fora adotado o princípio de representa­ção, e cada indivíduo da raça não fora colocado sobre seu próprio pé em rela­ção á lei divina, muitos poderiam ter permanecido firmes ~ mais do que real­

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mente são salvos pela expiação de Cristo. Não é difícil de mostrar que esta é uma suposição brutal.

Em primeiro lugar, o precedente dos anjos apostatados é contra isto. Temos razão de crer que o princípio da representação não se aplicava neste caso. Cada um estava de pé para a obediência individual. Mas todos eles caíram. Se anjos caíram, por que não os homens? E merece séria reflexão que, havendo caído, permanecem assim. O princípio sobre o qual permaneceram original­mente relacionados com Deus parece que foi retido por ele na aplicação ao caso deles. Nenhuma cabeça e representação federal, até onde o sabemos, lhes foram designadas em sua queda e condição arruinada. Não temos pleno conhecimento disto, mas estes fatos são sugestivos.

Em segundo lugar, o precedente de Adão é contra a suposição. Com todas as incalculáveis responsabilidades postas sobre si, ele caiu. Em toda a maturi­dade de suas gloriosas faculdades e dotes, ele caiu. Que sombra de probabili­dade há que meros filhos tenham sido hábeis para resistir os resultados daquele mestre de tentação que tão irresistivelmente os seduziu? Pois os descendentes de Adão não teriam nascido como ele foi criado. E mais que provável que, se cada um fosse mantido em sua própria posição individual, cada um deles teria caído.

Em terceiro lugar, cada descendente de Adão teria tido a influência de seu mau exemplo imposta sobre si. O princípio de imitação é forte, e teria corrobo­rado a tentação do Diabo. Acrescido a esta influência do primeiro homem teria havido a de cada queda sucessiva em pecado, uma influência reunindo novo acréscimo e força aumentada enquanto as gerações de homens se multiplicas­sem em número.

6. Pode-se objetar que, enquanto é consistente com a justiça que a justiça de outro seja imputada, não é consistente com aquele atributo de que a culpa de outro seja imputada; a justiça requer que somente a culpa do próprio pecado cônscio de alguém lhe seja imputada. Se isto procede, se seguiria que a culpa do primeiro pecado de Adão não poderia, consistentemente com a justiça, ser imputada ã sua posteridade;

Temos aqui a afirmação de um princípio ou lei geral - o da impossibilidade sob um govemo justo da imputação da culpa de outrem a um cônscia e subjeti­vamente inocente. Um claro exemplo em contrário destmiria esta pretensa generalização, negando a presumida impossibilidade. Tal caso, e é um mui emi­nente, temos em Cristo. Naturalmente se admite de todos os lados que Ele foi subjetiva e consciamente sem pecado. Ele era santo, inocente, impoluto e sepa­rado dos pecadores. Entretanto, é um fato que Ele sofreu, é sofreu até a morte, inclusive uma morte maldita na cmz. Ora, no caso só existem três suposições

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concebíveis: ou Ele sofreu sem que Lhe fosse imputada qualquer culpa; ou Ele sofreu em consequência da imputação de Sua própria culpa; ou Ele sofreu em consequência da imputação da culpa de outrem. Dizer que Ele sofreu sem a imputação de qualquer culpa equivale impugnar a justiça do govemo divino; pois se há algum princípio de govemo que seja axiomático é que nenhum sofri­mento pode ser justamente infligido a uma pessoa inteiramente inocente. Dizer que Ele sofreu em consequência da imputação de Sua própria culpa equivale igualmente a blasfemar e subverter os fundamentos da salvação humana. Res­ta que Ele sofresse em consequência da imputação da culpa de outros.

As partes envolvidas nesta confrovérsia admitem que os sofrimentos de Cristo eram de caráter penal. Como Ele não poderia ter sido punido por nada, ou por Sua própria culpa, segue-se necessariamente que Ele foi punido pela culpa de oufros a Ele imputada.

Este fato tão vital para o perdão e a salvação dos pecadores é exphcita- mente afirmado nas Escrituras. Estas declaram que a culpa humana foi impu­tada a Cristo. “Arão fará chegar o bode sobre o qual cair a sorte para o SE­NHOR e 0 oferecerá por oferta pelo pecado. Mas o bode sobre que cair a sorte para bode emissário será apresentado vivo perante o SENHOR, para fazer expiação por meio dele e o enviará ao deserto como bode emissário. Depois imolará o bode da oferta pelo pecado, que será para o povo, e frará seu sangue para dentro do véu; e fará com seu sangue o que fez com o sangue do novilho; o aspergirá no propiciatório e também diante dele. Assim, fará expia­ção pelo santuário por causa da impureza dos filhos de Israel, e de suas trans­gressões, e de todos os seus pecados. Da mesma sorte, fará pela tenda da congregação, que está com eles no meio de suas impurezas” (Lv 16.9, 10, 15, 16). “Esconde o rosto de meus pecados” (SI 51.9). “Mas ele foi traspassado por nossas fransgressões e moído por nossas iniquidades; o castigo que nos fraz a paz estava sobre ele, e por suas pisaduras fomos sarados. Todos nós andáva­mos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo caminho, mas o SENHOR fez cair sobre ele a iniquidade de nós todos” (Is 53.5, 6). “Aquele que não conheceu, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus” (2Co 5.21). “Carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, nossos pecados, para que nós, mortos para os pecados, vivamos para a justiça; por suas chagas, fostes sarados” (IPe 2.24). “Assim também Cristo, tendo-se oferecido uma vez para sempre para tirar os pecados de muitos” (Hb 9.28).

Mas, caso se admita que as Escrituras ensinam a imputação a Cristo da culpa de Seu povo, se alegará que Ele consentiu com esta imputação, enquanto os descendentes de Adão não consentiram com a imputação a eles de sua culpa. A presença de consenso em um caso, e sua ausência no oufro, os faz tão diferentes, que desfrói a analogia entre eles. A isto se pode replicar:

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Primeiro, se é imi princípio de todo govemo moral, incluindo o divino, que não se pode imputar culpa onde não exista pecado cônscio, não se pode presu­mir que o Deus infinitamente justo, representando a Trindade, pudesse haver infi^ingido tal princípio, imputando culpa a Seu Filho imaculado. É inconcebível que ou 0 Pai ou o FiUio pudesse haver consentido com uma medida que envol­vesse 0 sacrifício de um princípio afírmado como sendo fimdamental para um govemo justo. Tal consentimento com um procedimento tão transcendente­mente maravilhoso e terrível como a imputação da culpa de outros ao Filho de Deus, visto como encamado, só pode ser concebido por nós como possível sobre a base de que ele era consistente com as perfeições divinas e foi justifi­cado pelos fíns infínitamente gloriosos que foram designados para ser protegidos.

Segundo, é difícil evitar a impressão de que os que apresentam o ponto de vista em pauta confundem duas coisas que são inteiramente distintas. Uma coisa é imputar a culpa de pecado cônscio, quando não se haja cometido ne­nhum pecado cônscio; e outra totalmente diferente é imputar a culpa do pecado cônscio de outro. No primeiro caso, o princípio de justiça seria fíagrantemente violado, pois a imputação não estaria em concordância com o fato. Isso seria inverídico e, portanto, injusto. Mas a mesma difículdade não existe no segundo caso. Imputar a alguém a culpa do pecado cônscio de outro não envolve neces­sariamente uma inconsistência com o fato, e por isso não confíita necessaria­mente com a verdade. Enquanto, pois, teria sido impossível para Deus o Pai imputar a Seu Filho encamado a culpa de pecado cônscio e subjetivo, posto que Ele era santo, inocente, impoluto e separado dos pecadores, e igualmente im­possível para Deus imputar a culpa do pecado cônscio e subjetivo aos descen­dentes de Deus pela impHcação em sua queda, posto que, quando ele caiu, eles não tinham ainda uma existência cônscia, tampouco é impossível e incrível que Deus o Pai houvesse determinado introduzir em Seu govemo moral um princí­pio de representação em concordância com o qual, seja para a glória divina, seja para a salvação dos pecadores, Ele chamou Seu Filho para assumir a culpa do homem caído, nem é impossível ou incrível que, ao tratar com a raça huma­na, Deus, procedendo, sobre o mesmo princípio, em designar Adão como sua cabeça federal, houvesse ordenado a imputação a eles de sua justiça, se ele permanecesse fírme, e de sua culpa, se ele caísse. Em ambos os casos, o de Cristo e 0 da posteridade de Adão, a imputação não é de culpa cônscia e sub­jetiva, e sim de culpa constmtiva, legal e representativa.

Terceiro, não se deve ignorar a distinção entre o consentimento de um em ser representante de outros e o consentimento de constituintes em serem re­presentados. O primeiro foi o caso de Cristo. Seu livre consentimento à desig­nação do Pai pelo qual Ele Se tomou o representante de pecadores, envolvendo a imputação a Ele de sua culpa, é pressuposto na formação da aliança de

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redenção. A mesma coisa é em parte válida no caso de Adão. Ele foi, por um livre ato da vontade de Deus, designado o representante de sua posteridade. E verdade que esta designação não poderia ter sido declinada por Adão, mas é também verdade que, como graciosamente lhe foi admitido ser uma parte na aliança com Deus, estava pressuposto seu livre e espontâneo consentimento à ordenação divina. Caso, pois, se admita que o cordial consentimento de um representante à constituição sob a qual se pressuponha sua designação, não se seguirá que o livre e cônscio consentimento dos constituintes deva ser igualmente pressuposto. Esse não foi o fato com respeito aos constituintes de Cristo. Estes não consentiram, nem podiam, no primeiro caso com a designação dele como seu representante. O mesmo é verdade dos constituintes de Adão que, no primeiro caso, não consentiram nem podiam consentir consciamente com seu represen­tante. A analogia, pois, pode ser considerada como, em algum grau, mantendo entre Cristo, como a consentir em ser representante e Adão como a consentir em manter uma relação similar; mas isso é muito pouco para se obter entre Cristo como representante e os constituintes de Adão como representados.

Quarto, outra distinção merece nota, a saber, entre a derivação de respon­sabilidade acima dos constituintes para com uma cabeça e representante fede­ral, de um lado, e, do outro, a derivação de responsabilidade abaixo de uma cabeça e representante federal para com os constituintes. Os casos não são perfeitamente análogos. Portanto, não se pode legitimamente dizer que, porque o Filho de Deus consentiu na imputação da culpa de seus constituintes para com Ele, era requisito que os constituintes de Adão consentissem na imputação de sua culpa para com eles. Se o consentimento foi necessário num caso, em consequência desse fato não se provaria que fosse necessário no outro.

Merece consideração que, na suposição da designação do Filho de Deus como a cabeça e representante federal de uma contingência pecaminosa, esta­va na natureza das coisas necessárias para Ele assumir a culpa deles, e para Deus o Pai Lha imputar judicialmente. A culpa deles não foi contemplada nos conselhos da Deidade como contingente em qualquer sentido, e sim como um fato; equivale dizer, não era contingente em qualquer sentido, fossem ou não culpados. Eles são vistos como caídos. Mas o caso era, em algum grau, dife­rente com respeito á relação entre Adão e sua posteridade. Não havia, ante­riormente à sua queda, nenhuma necessidade intrínseca que sua culpa lhes fosse imputada, porque não havia tal necessidade que pecassem e contraíssem culpa. Ele poderia ter permanecido firme, e então sua justiça lhes teria sido imputada; em tal suposição, seu consentimento, segundo a admissão dos objetantes, não teria sido necessário. Pois admite-se que uma justiça vicária pode ser imputada, ao menos é imputável, sem o consentimento prévio daque­les a quem tal imputação é designada a vigorar.

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Dir-se-á, na forma de réplica, que, uma vez admitido que não houve neces­sidade intrínseca de Adão cair e que sua culpa fosse imputada, todavia Deus conhecia de antemão que esse seria o resultado atual de uma aliança com ele; por conseguinte, a dificuldade não é removida. Replico que não se adotou ne­nhum arranjo federal e representativo, e todos os homens foram tratados com severidade, cada um por sua vez, Deus poderia haver conhecido de antemão que, como os anjos apóstatas, todos teriam se degenerado da santidade. De­mandar-se que, antes que tal arranjo pudesse ter sido justificado, o consenti­mento com ele, de cada ser humano, teria sido assegurado? Quem alegaria tal coisa? Por que, pois, não poderia a constituição federal ter sido adotada, sem o consenso da humanidade, mesmo quando fosse divinamente previsto que real­mente resultaria na queda? Visualizando a questão da pouca visão das conse­quências, devemos admitir que já não tem surgido prejuízo da aplicação do princípio representativo sem o consentimento da humanidade, como nada daí teria resultado se ele não fosse introduzido e os homens, sem seu consentimen­to, fossem tratados como individualmente responsáveis.

Deve-se observar ainda outra vez que não fora adotada a economia repre­sentativa, e cada membro da raça houvera caído por seu próprio pecado côns­cio, a ruína de todos teria sido irrecuperável. Pois é indubitável que nenhirai ser humano caído poderia salvar-se. E caso se diga que ao menos a justiça de Deus em punir cada homem somente por seu próprio pecado cônscio teria sido aparente, facilmente se responde que o exercício da misericórdia em salvar os homens também teria sido interditado. Se fora preferível que a justiça se mani­festasse na condenação de todos, ou a misericórdia na salvação de alguns, se poderia deixar aos próprios objetantes determinar.

Quinto, há ainda outra distinção que requer ênfase. É aquela que existe entre o infinito Filho de Deus, como essencialmente idêntico e em poder e glória igual ao Pai etemo, de um lado, e os súditos finitos e humanos do govemo divino, do outro. Antecedentemente ao seu próprio livre ato, pelo qual Ele se subordinou como Mediador à vontade de Seu Pai, o Filho de Deus não era um súdito da lei; Ele não era criatura, obrigada pelas próprias condições da relação de ser criado aquiescer com os requerimentos do govemo divino. Ele era, com o Pai, a fonte e administrador do domínio divino. Daí ser óbvio que, a fim de vir a ser o representante e fiador dos seres pecaminosos (fato espantoso!) com o fim em vista de assegurar o perdão e a salvação deles, existiria seu próprio livre consentimento com esse procedimento. Sem ele, não é concebível que a miste­riosa economia pela qual Ele veio a ser o Vigário sofredor e morto, o substituto sacerdotal dos pecadores teria sido levada á execução. Ele teria voluntaria­mente consentido em assumir a culpa de pecadores e ser considerado e fratado como culpado de punição, a fim de que a imputação judicial de culpa a Ele, por

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Deus o Pai, como o representante da Deidade na transação solene. Isto já foi mostrado com bastante clareza por John Owen, Horsley, Robert Hall e James Thomwell. Mas seria extravagante usar o caso do Filho de Deus como sendo análogo ao de meras criaturas do poder divino e súditas da lei divina. O que é e seria verdadeiro a respeito dele, de modo algum é necessariamente aplicável a Ele. Se seu consentimento ao emprego do princípio representativo, naquela aplicação a Ele que envolve a imputação a Ele da culpa de outros, era indispen­sável, não se segue que a aplicação do mesmo princípio de govemo a meras criaturas e súditas, resultando em sua implicação na culpa de outros, teria sido condicionado somente á sua livre e cônscia concorrência. Eqüivaleria a isto: que teria sido impossível, porquanto injusto, que Deus houvesse introduzido o caráter representativo em seu govemo moral, no que diz respeito à designação de uma criatura como representante. A razão é óbvia. A designação de tal representante, sendo necessariamente fundada no etemo propósito de Deus, seria, da natureza do caso, prospectiva em seu caráter - anteciparia a existên­cia cônscia daqueles por quem o representante pretendia agir, e, portanto, caso fosse feito, se faria sem seu consentimento cônscio. Os que insistirem na obje­ção em pauta, porventura manterão o ponto de vista de que o Deus infinito foi impedido de empregar o princípio de representação no govemo moral de suas criaturas?

Esta objeção, cuja gravidade não se nega, tem sido assim sujeitada a um exame imparcial, e as razões apresentadas contra sua relevância podem ser reivindicadas sem arrogância, ao menos são suficientes para mostrar que as dificuldades que ela gera são mais formidáveis do que as inerentes à doutrina contra a qual ela é dirigida.

7. Numa disputa entre as claras afirmações da Escritura e uma alegada intuição fundamental, a prova da realidade dessa intuição e da legitimidade de sua aplicação ao caso em mãos deve ser tal que a coloque além de qualquer suspeita. Ela não seria duvidosa. Admite-se que nossas leis fundamentais de fé e nossos princípios fundamentais de retidão são padrões aos quais, em alguma medida, as reivindicações de uma professa revelação de Deus devem ser apresentadas e pelos quais devem ser testadas. Em alguma medida, repito, eles estão mui longe de ser os únicos padrões de julgamento. Entram como apenas um elemento no critério de julgamento. Mas não deve ser uma lei espúria ou mesmo duvidosa, a qual é assim instalada num padrão pelo qual uma revelação alegada supematural deve ser tratada. Então se aplique esta regra á suposta intuição de justiça, a qual é interposta em oposição á doutrina da representação federal como enunciada nas Escrituras. O argumento precedente, mesmo que seja considerado defectivo em questão conclusiva, ao mesmo tempo vale mos­trar que a alegada intuição de justiça, em sua aplicação como um padrão de

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julgamento àquela doutrina da representação federal como empregada na his­tória de nossa raça, não está além de impugnação. Ele mesmo está em proces­so e por isso falha em ser um argumento inequívoco. Por certo que não é suficientemente claro para basear a rejeição das Escrituras como o testemu­nho professo de Deus.

Façamos agora uma breve revista do argumento. O calvinista mantém que Deus foi justo em decretar reprovar os que, por seu próprio pecado desneces­sário, atraiu sobre si uma condição de culpa e condenação. A isto se objeta que já nascem num estado de pecado e incapacidade espiritual. Como nascem pe­cadores, não se pode mostrar que são puníveis por seu pecado. Este é congê­nito e constitucional. Como nascem incapazes, pelo pecado, de obedecer aos requerimentos de Deus, quer legais, quer evangélicos, não são puníveis por desobediência, conquanto a capacidade condiciona a obrigação. Como esta dificuldade pressiona igualmente o arminiano e o calvinista, cada um a resolve a seu próprio môdo. O arminiano afirma que os homens são responsáveis pelo pecado original ou de nascença, porque estavam seminalmente contidos em Adão como seu primeiro pai, o qual diferiu de outros pais somente nisto: que ele sustinha uma relação pública com toda a raça, o que não era possível a nenhum outro pai; e porque esta relação de supremacia patema, prevista como resul­tando em pecado e numa queda, foi modificada por um propósito de redenção que lhe estava coordenada. Além do mais, por virtude de uma expiação univer­sal, a culpa do pecado de Adão não é imputada, e pela graça a inabilidade é removida. Desta forma, o arminiano tenta vindicar a justiça divina, em conexão com uma constituição que envolveu a raça em pecado e inabilidade congênitos. Já tentei mostrar que este modo de sanar a gigantesca difículdade é insuficien­te e insatisfatório, quer testado pela Escritura, quer pela razão.

O calvinista sana a dificuldade, mostrando que, na relação de supremacia patema sustentada por Adão à sua raça, a graça de Deus acrescentou aquela da representação federal e legal. A raça teve sua primeira provação nele. Eram legal, e representativamente, um com ele, de modo que seu ato de pecar foi, considerado não cônscia e subjetivamente, e sim legal e representativamente, o pecado deles, e, nesse sentido, o pecado deles real, atual, pessoal e indivi­dualmente. Eles pecaram nele. Por conseguinte, a culpa daquele pecado lhes era justamente imputável como sendo sua própria culpa. Era culpa de outro, conquanto não o contraíram cônscia e subjetivamente. Neste sentido, ela era a culpa do pecado de outro - peccatum alienum - , e se tomou deles somente por imputação, justamente como, neste sentido, o mérito da justiça de Cristo é o mérito da justiça de outro -justitia aliena e vem a ser de seu povo por imputação. Mas, como contraíram a culpa de Adão por agirem legal e repre­sentativamente nele, nesse sentido a culpa foi autocontraída, e assim não se

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infringe a grande máxima, “a alma que pecar, essa morrerá”. Que os descen­dentes de Adão nasceriam, se porventura nascerem, em pecado e inabilidade espiritual, a ponto de serem excluídos, é requerido pela justiça. Nele, eles con- fraíram culpa, e pelo ato deles se despojaram daquela capacidade espiritual que era dote natural. Uma vez provados o fato e ajustiça da constituição federal, envolvendo a aplicação do princípio da representação legal à raça de Adão, segue-se a conclusão de que, como a humanidade trouxe sobre si, numa condi­ção de condenação, por sua própria culpa. Deus é justo em manter em alguns deles aquela condenação que justamente contraíram.

Tenho insistido em alguma extensão com estes pontos de vista, porque me sinto compelido a considerar o grande princípio da Representação Federal, afra­vés da qual a soberana graça de Deus a princípio fratou com o homem, e frata com ele agora, como um dos princípios-chave do sistema calvinista. Se esse princípio for arrancado dele, o sistema é desintegrado. Crendo que ele está impresso em toda a Palavra de Deus, e ilustrado em parte por cada esquema do govemo livre e representativo enfre os homens, sinto-me satisfeito que sua importância não pode ser exagerada.

Formulo a seguinte pergunta: Qual é a postura da doutrina calvinista no tocante ao decreto da eleição e reprovação, no caso das criancinhas que mor­rem na infância? Respondo ã pergunta com relutância, porque ela, com muita frequência, tem sido causa de um tema de declaração fririosa em vez de inqui­rição sóbria. Aos que gostam de argumentar e não de denunciar estaníos pron­tos a dar uma resposta. Tem havido bem poucos calvinistas que assumem a posição de que algumas criancinhas, ao morrerem na infância, são excluídas da salvação, tão poucos são eles que não exercem nenhuma influência no sistema calvinista. A grande maioria se divide em duas classes: os que afirmam a salva­ção de todas as criancinhas que morrem na infância - e em nossos dias é bem provável que esta classe seja a mais numerosa; e os que afirmam a salvação infalível de todas as criancinhas que morrem na infância, se são filhas de pais crentes, e se contentam em manter, em referência às demais criancinhas que morrem na infância, a forte probabilidade de sua salvação. A primeira classe, consequentemente, afirma a eleição defmida de todas as criancinhas que mor­rem na infância, a reprovação de nenhuma delas; a última classe afirma a eleição definida de todas as criancinhas que morrem na infância, se são filhas de pais crentes, e mantém a provável eleição das demais que morrem na infân­cia. Nenhuma classe afirma a reprovação definida ou provável de quaisquer criancinhas que morrem na infância. A questão, portanto, da justiça de sua reprovação é sem fundamento, posto que nem a certeza nem a probabilidade de sua reprovação são asseveradas por qualquer classe de calvinistas.

Mas, a Confissão Westminster porventura não afirma que somente as cri­

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ancinhas eleitas são salvas? Não, ela não o faz. AH não se usa o termo qualificador somente. Eis as palavras; “As criancinhas eleitas, que morrem na infância, são regeneradas e salvas por Cristo mediante o Espírito que opera quando e onde e como Uie apraz. Assim também todas as demais pessoas eleitas, que são inca­pazes de ser interiormente chamadas pelo ministério da Palavra.” Os formuladores da Confissão evidentemente queriam significar que, como ne­nhum ser humano pode ser salvo exceto em consequência da eleição, nenhuma criancinha, morrendo na infância, pode ser salva, exceto em consequência da eleição. Se todas as criancinhas que morrem na infância são salvas, é porque todas elas são eleitas, e a isto nenhum arminiano evangélico pode consistente­mente objetar, posto que ele mantém que todos os que são salvos são eleitos. Mas a questão se todas as criancinhas, que morrem na infância, são eleitas, e, portanto, são salvas, é uma que a Confissão não tentou decidir. Como esta não é uma questão concemente à qual as Escrituras falam definidamente, ela foi sabiamente deixada onde elas a puseram.

Caso se diga que a justiça requer a salvação de todas as criancinhas que morrem na infância, os calvinistas o negam unanimemente. Pois não se pode requerer a salvação de nenhum pecador pela justiça, e as criancinhas são pe­cadoras. Caso se mantenha que todas as criancinhas que morrem na infância são salvas pela mercê de Deus, aplicando-lhes o sangue justificador de Cristo e comunicando a graça regeneradora do Espírito, falando por mim mesmo, não o nego. Creio ser provável e espero que seja assim. Mas não estou preparado para ir além disso, e dogmaticamente não afirmo o que as Escrituras não reve­lam claramente. A Palavra de Deus, e não o sentimento humano, é nossa regra de fé. Quando ela fala, então falemos; quando guarda silêncio, mantenhamos nossa paz.

Pode-se objetar aos pontos de vista precedentes, dizendo que o principal peso da condenação divina dos pecadores é representado como lhes imposto em consequência de sua queda em Adão e sua posse do princípio do pecado original; enquanto que as acusações da Escritura são principalmente dirigidas contra as transgressões atuais. Admite-se que as censuras, protestos e adver­tências têm referência principalmente às disposições e transgressões atuais dos perversos, porém não se pode ignorar que essas perversidades atuais te­nham suas raízes no princípio do pecado que é congênito nos homens. Elas o desenvolvem e expressam. Portanto, somos compelidos, em última análise, a referir a base da culpabilidade e condenação ao pecado original. Se este não era digno de culpa e condenável, mas era parte da constituição original do homem por cuja existência ele não foi responsável, seria vão buscar nas dispo­sições e pecados atuais, expressando uma natureza que ele não tinha em seu poder produzir, mas simplesmente recebeu uma legítima base de reprovação.

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Os homens, cônscia e espontaneamente, cometem pecados atuais, e a conde­nação divina desses pecados é reforçada pelas decisões da consciência, mas a raiz é a privação inata da justiça original e o princípio inato da impiedade. E esta condição da raça em sua origem não pode ser ajustada às nossas concepções de justiça, exceto na suposição de culpa pré-natal. A Escritura confirma esta suposição. Portanto, a solução última da questão alegada pela intuição da justi­ça pode ser encontrada na representação legal da raça por seu progenitor pri­mitivo sob a aliança das obras. O caso não é solucionado pela hipótese arminiana de uma graciosa restauração da capacidade a toda a raça. Pois ou essa supos­ta restauração da capacidade implica ou não a regeneração de toda a raça. Se a resposta é sim, a suposição é explodida pelos fatos: toda a raça não é regene­rada. Se a resposta é não, a capacidade comunicada não é suficiente para vencer o princípio do pecado original, e a dificuldade volta com toda sua força. Inevitavelmente, temos de ir de volta ao Éden.

Se alguém ainda fizer objeção aos decretos da eleição e reprovação como injustos, lhe devolvemos a resposta do apóstolo inspirado: “Quem és tu, ó ho­mem, para discutires com Deus?” Porventura Deus não tem o direito de tratar os pecadores como bem queira? Porventura não tem o direito de glorificar sua graça na salvação de alguns dentre a massa merecedora do mal e glorificar sua justiça na destruição de outros? Quem é esse caco de barro que questiona a infinita soberania e justiça? Que ele discuta com seus iguais - cacos de barro!

O b je ç ã o p r o v e n ie n t e d a b o n d a d e d iv in a

A próxima objeção às doutrinas calvinistas da eleição e reprovação, a qual será avaliada, se deriva da bondade divina. Alega-se que o amor de Deus se estende a cada ser humano,'^ que suas temas misericórdias pairam sobre todas as suas obras; que seria uma impugnação de sua bondade dizer que Ele elegeu alguns dentre a humanidade para serem salvos e ordenou outros para que pere­çam; que, sabendo que sua graça eficaz é necessária para a salvação de al­guém, Ele decretou comunicá-la a alguns e subtraí-la a outros não piores que aqueles.

Alguns escritores calvinistas, respondendo a esta objeção, recorrem à dis­tinção entre o amor de Deus de benevolência e seu amor de complacência. Admitem, o que as Escrituras claramente ensinam, que Deus exerce seu amor de benevolência para com todos os homens, não importa qual seja seu caráter moral. Os dons comuns de sua providência, os quais são conferidos, sem distin­ção, a justos e injustos, são suficientes para evidenciar este fato. “Eu, porém, vos digo”, é a persuasão de Cristo em seu Sermão do Monte, “amai vossos

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inimigos, e orai por aqueles que vos perseguem; para que vos tomeis filhos de vosso Pai celeste, porque ele faz nascer seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos” (Mt 5.44,45). Mas este imerecido amor de benevolên­cia que Deus exerce para com todos os homens não deve ser confundido com o amor de complacência com que Ele considera seu povo eleito - um amor peculiar que é indicado em passagens como esta: “De longe se me deixou ver o SENHOR, dizendo: Com amor etemo eu te amei; por isso, com benignidade te atraí” (Jr 31.3). Caso se argumente que Deus amou a toda a humanidade com o amor de complacência. Sua recusa em salvar a todos apresentaria uma difículdade que não poderia ser explanada. Mas o fato de que Ele considera alguns com o mero amor de benevolência não é desassistido de difículdade. A aplicação das punições, requeridas pela justiça, sobre os objetos em quem ter­mina o amor de benevolência é um fato fartamente asseverado na Escritura e constantemente ilustrado pela experiência e observação. A conclusão é que o decreto da reprovação não é inconsistente com o amor de Deus para com os homens, ou, o que equivale dizer a mesma coisa, com a bondade divina.

Confesso minha incapacidade de me valer desta distinção bíblica e do ar­gumento baseado nela em resposta à objeção em pauta. Havendo a raça hu­mana sido concebida na mente etema - assim devemos fxaseá-lo em nosso dialeto humano como caída, por sua própria falha, em pecado, a justiça de­mandava a punição de toda a raça. Não se podia requer menos que isso. Em contrapartida, a misericórdia, que é apenas a benevolência de Deus contem­plando a situação do indigno e miserável, buscou, podemos bem presumir, a salvação de toda a raça. Estes atributos divinos, co-existindo no Ser divino, ainda que diferindo em sua natureza intrínseca, são perfeitamente harmonio­sos. Mas, somos obrigados a admitir que o exercício de um pode coibir o exer­cício do outro. Se a misericórdia não coibisse o exercício da justiça, toda a raça humana estaria na mesma situação dos anjos apóstatas. Ninguém seria salvo. Se a justiça não coibisse o exercício da misericórdia, toda a raça humana seria salva. Ninguém se perderia. Provavelmente foi assim que se deu no estabele­cimento divino da questão que tange à salvação de um mundo culpado. Aprouve a Deus, no exercício de sua soberana vontade, com base numa competente mediação e substituição, salvar alguns dentre a raça apostatada e mui longe de aquiescer com a reivindicação de justiça a ponto de determinar deixar outros em suas mãos. Mas, ao contemplar a massa pecaminosa. Deus não podia ter percebido em alguns deles quaisquer relações ou qualidades próprias a trazer à tona o amor de complacência. Os padrões de Westminster rezam que “de seu mero amor” Ele determinou salvar alguns; mas, da natureza do caso, esse amor não poderia ter sido a princípio o amor de complacência. Teria sido o amor de benevolência. Havendo, por rrai ato de soberana vontade, decretado

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eleger alguns da raça à salvação, e havendo, consequentemente, lhes designa­do um Redentor, Ele os amou com um amor peculiar de complacência. O amor de complacência não foi o motivo, e sim o fruto, do decreto eletivo. Tomo isto como sendo a doutrina daqueles teólogos. De Moor, por exemplo, que manti­nham que Cristo não era “o fundamento da eleição”.

Se estes pontos de vista estão certos, se verá que, ao considerar a relação dos decretos da eleição e reprovação com a bondade de Deus, a questão é simplesmente com respeito ao amor de benevolência. Representar Deus como havendo agido inconsistentemente com seu amor de benevolência para com toda a raça humana, eqüivale dizer que, concebendo-os como estando todos precisamente na mesma condição, Ele decretou salvar alguns e comunicar- lhes a graça eficaz para tal fún, e punir outros e, portanto, subtrair deles tal graça? Sendo isto considerado como o estado da questão, o negativo será ago­ra mantido. Mas é preciso notar que o calvinista não é obrigado a mostrar que 0 decreto de reprovar os perversos era o produto de benevolência. Basta pro­var que ele não é inconsistente com a benevolência. Não é o calvinista, e sim a escola da influência moral, que é responsável pela maravilhosa descoberta de que todo sofrimento é o fruto do amor. Não é o calvinista que infrepidamente contende que é o amor que quebra o pescoço do criminoso na terra e o envia a uma punição mais remota no infemo. Sua referência é ao sofrimento penal, não apenas para amar ajustiça, e tudo isso está a seu cargo, em conexão com esta questão, mosfrar que as medidas da justiça não são inconsistentes com os re­querimentos da benevolência.

1. Nas observações precedentes, além da citação de evidência que as dou­trinas calvinistas em discussão são apresentadas na Escritura, se fez a tentati­va de mostrar que elas são não só não inconsistentes, mas positivamente con­sistentes com ajustiça divina, em resposta à objeção de que não podem ser conciliadas com aquele afributo. Se aquele argumento fosse conclusivo, exer­ceria uma influência confroladora sobre a presente questão. Já se observou que 0 agir de um afributo divino pode coibir e modificar o de outro. Em tal caso, a sabedoria divina decide a que extensão o exercício de um limitaria o de oufro. Mas, supondo que um atributo fosse realmente exercido, é impossível conceber que tal exercício possa ser inconsistente com a natureza de qualquer outro atributo. A exibição das energias divinas seria autoconsistente e consistente com cada perfeição divina. Se, pois, a reprovação de uma parte da raça peca­minosa do homem foi justa, não poderia ter sido inconsistente com a bondade divina. De oufro modo, um afributo teria sido exercido a expensas de outro, e haveria uma colisão entre as perfeições infinitas de Deus; e tal suposição é impossível.

Pelo pouco que sabemos, a bondade divina poderia ter sugerido a salvação

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dos anjos apóstatas, de alguns ou de todos eles. Mas, na suposição de que tal foi o caso, a determinação de mantê-los sob punição, e a execução atual da­quele propósito, certamente era consistente com a bondade de Deus. Mas, se a bondade sugeriu ou não a salvação, é um fato de que sua reprovação foi decre­tada, e foi levada à concretização. Tal procedimento era consistente com a bondade divina? Todo aquele que reverencia a Deus assume tal postura? Mas, se não, por que a reprovação de seres humanos, que por sua culpa caíram em pecado, seria julgada inconsistente com a bondade? Se a reprovação de todos os anjos apóstatas era consistente com a bondade, por que não a reprovação de alguns homens apóstatas?

Pode-se dizer que estas duas classes de seres foram tão diferentemente circunstanciadas que argumentar com base no caso de uma é legítimo para o da outra. Mas tudo o que é necessário mostrar, a fim de introduzir os dois casos no escopo deste argumento, é que ambas as classes de seres caíram por sua própria culpa, e que, portanto, sua punição era justa. Isto, ao menos, o arminiano não pode negar; e a asseveração de outros anticalvinistas, ao contrário, tem sido respondida e reprovada pelo argumento precedente.

Pode-se alegar ser possível que a bondade não'efetuou a salvação dos anjos apóstatas porque isso era consistentemente impossível com a justiça; mas que, como é um fato que a bondade propôs, consistentemente com a justi­ça, a salvação de alguns seres humanos, ela não podia deixar de conferir a todos o mesmo Bem. Pois o calvinista admite que a satisfação rendida por Cristo à justiça fomeceu uma base suficiente para a salvação de todos os ho­mens sem o comprometimento daquele atributo. Aisto se pode rephcar; primei­ro, o que a bondade podia ou não haver efetuado consistentemente com a justiça com respeito à salvação dos anjos apóstatas, de modo algum temos de determinar. Afirmamos como matéria de ignorância. Nossas promessas seriam hipóteses e todo o argumento, hipotético. Consequentemente, de nada vale. Segundo, admite-se que a bondade de Deus, pelo pouco que sabemos, poderia, consistentemente com a justiça, ter realizado a salvação de todos os homens. Mas, se sua determinação de não salvar a todos os homens foi consistente com a justiça, como se tem mostrado, então aquela determinação não era consisten­te com a bondade. Aqui, o arminiano objetará que não houve nenhuma determi­nação de não salvar a todos os homens, mas que a bondade divina contemplou a salvação de todos. Vejamos. Ou ele manteria que a bondade de Deus poderia ter efetuado a salvação de todos os homens, ou que ela não poderia fazê-lo. Se ele afirmar que poderia, então como admite que todos os homens não são sal­vos, então deve também admitir que Deus não salvou a todos os homens, muito embora pudesse havê-lo feito. E então a dificuldade de conciliar a destmição de alguns com a bondade divina o põe em pé de igualdade com o calvinista. Se

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ele afirma que a bondade divina não poderia efetuar a salvação de todos os homens, então se vê confi-ontado por estas dificuldades: a dificuldade de que a vontade do homem efetua o que a bondade de Deus não poderia; porque, se a bondade divina não pudesse efetuar a salvação de todos os homens, pela mes­ma razão, seja qual for, não poderia efetuar a salvação de ninguém. No entanto, alguns são salvos. Segue-se que eles realizam por si mesmos o que a bondade de Deus não poderia fazer por eles! Outra dificuldade é que Deus permitiu que 0 homem caísse em pecado com a presciência de que Sua bondade não poderia efetuar a salvação deste, e que alguns homens não quereriam salvar a si mes­mos, mas finalmente pereceriam. Como o arminiano poderia conciliar a per­missão da queda com a bondade divina? Ele poderia, admite-se, tentar conciliá- la com ajustiça com base na presciência de que a possibilidade de salvação de todos os homens seria assegurada, e a salvação seria oferecida a todos. Mas ele não poderia, com base em seus princípios, harmonizá-la com a bondade. Outra dificuldade é que os que, cônscios, pela força do pecado, de sua incapa­cidade de aceitar a salvação oferecida, oram a Deus para que os capacite a fazê-lo, orariam inutilmente e sem qualquer esperança, porque, se a oração fosse respondida e Deus outorgasse o desejado socorro, isso contraditaria a suposição de que a bondade de Deus não pode salvar os homens. E assim, como nem Deus poderia salvá-los, nem eles mesmos poderiam salvar-se, ne­cessariamente se acham perdidos. E isto Deus teria conhecido de antemão. O que é feito da concepção arminiana da bondade divina? Isso seria suficiente com respeito a este dilema fatal, muito embora possa ser insistido. Se o arminiano declara que Deus pode salvar os homens e não quer salvar alguns, então, no tocante á dificuldade sugerida pela bondade, ele se encontra no mesmo barco com o calvinista. Se ele declara que Deus não pode salvar os homens, ele se afunda num deserto de absurdos e autocontradições.

2. A finidade de nosso ser e a consequente limitação de nossas faculdades, o fato de que somos pecaminosos vermes do pó, nascidos ontem e esmagados como traça, nos levaria a ser modestos e cautelosos em pronunciar sobre a questão, o que é requerido pelas infinitas perfeições de Deus e os infindáveis interesses do universo. Ocupando, como fazemos, tão pequeno espaço naquele vasto esquema do govemo moral que em seu escopo abarca todas as ordens existentes, em toda a imortalidade de seu desenvolvimento, o que podemos saber das exigências de tal sistema, exceto o quanto o sapientíssimo e poderosíssimo Govemante Se aprazesse informar-nos nas comunicações de Sua vontade? Agora sabemos, porque Ele nos certificou do fato de que os anjos que não guardaram seu primeiro estado, mas se rebelaram contra Seu govemo, não têm sido salvos das consequências retributivas de sua queda. Para nós, o caso é profundamente misterioso, em vista do fato de que a redenção foi provi-

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da para seres humanos apostatados. Mas, por mais misterioso que seja, ele é um fato revelado. Que homem há, pois, que professa reverência pelo Supremo Govemante do universo, se aventuraria a assentar em juízo sobre o caso, e afirmar que a medida que consignou a toda a raça de anjos apostatados ao infemo era inconsistente com a bondade divina? Porventura Ele não fechará a boca dele com Sua mão, lançará sua boca no pó diante da Majestade nas alturas, e humildemente confessará que neste terrível procedimento Ele agiu também em consistência com Sua justiça e Sua bondade? Que outro curso poderia tal homem tomar? Como poderia ele pronunciar um julgamento adver­so? Que base poderia existir para este? Estaria ele bem consciente de que Deus pode determinar o que Suas infinitas perfeições demandam - Sua infinita justiça que não se harmoniza com os violadores de Sua lei. Sua infinita santida­de que não tolerará o mínimo grau de pecado, mas, flamejante com insuportá­vel fulgor diante dos quembins e serafins, os humilha a se prostrarem em ado­ração? Porventura tem ele a consciência de que Deus pode reter os inatingí­veis e todo-abrangentes princípios de Seu govemo moral e dizer como devem ou não ser aplicados? Porventura tem ele o amor de Deus por todas as criatu­ras de Sua mão e os súditos de Seu infinito domínio, para que possa julgar quais medidas são necessárias ou apropriadas para a promoção de Seus interesses? Não! Todos os santos, enquanto adoram a justiça de Deus na reprovação dos anjos culpados, confessam também a consistência daquele terrível fato com a bondade de Deus.

As mesmas considerações nos levariam a coibir-nos de questionar a bon­dade de Deus em reprovar os homens culpados. Somos ignorantes do caso como um todo, e nossa atitude deveria ser a de adorativa submissão. Que diferença essencial há entre o caso dos anjos apóstatas e o dos homens apóstatas? Não existe nenhuma, se for um fato que ambas as classes de seres caíram por sua própria culpa. Fez-se provisão para a salvação de alguns dentre a raça caída dos homens e eficazmente aplicada a esse fim, enquanto outros são dei­xados nas mãos da justiça, não pode constituir tal diferença. Porventura Deus não tinha o direito de exibir Sua mercê para com alguns, e continuar a operação de Sua justiça sobre outros? E se é um fato que Ele fez isso, por que Sua reprovação de alguns homens culpados é considerada mais inconsistente com a bondade do que Sua reprovação de todos os anjos culpados?

Pode-se dizer que há uma diferença entre os dois casos, criada pelos dife­rentes modos em que as duas classes de seres vieram a pecar. Pois cada anjo, ocupando sua própria posição, caiu por seu próprio e cônscio pecado, enquanto os homens são mantidos responsáveis pelo pecado de uma cabeça federal. Mas, em primeiro lugar, sabemos pouco demais da gênesis do pecado angelical para dogmatizar sobre ele. Em segundo lugar, sabemos que ambos, anjos e

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homens, eram estagiários, que eram dotados com suficiente capacidade de obedecer à lei divina e que sua desobediência e queda eram inescusáveis e condenáveis. E, em terceiro lugar, esta exceção à similaridade entre os dois casos é incompetente ao arminiano, o qual admite a responsabilidade da raça humana pelo pecado de seu líder máximo.

Dir-se-á ainda que todos os homens poderiam haver sido salvos consisten­temente com ajustiça, posto que Cristo fez perfeita satisfação á justiça. Como esta não opunha obstáculo á salvação de todos, por que a bondade não a efe­tuou? Como pode a recusa de realizá-la, sob tais condições, ser conciliada com a bondade? Uma vez mais somos obrigados, se reverentes e sóbrios, a ter em mente nossa ignorância. Como podemos estar perfeitamente certos de que as perfeições de Deus e os interesses de Seu govemo moral não o requeriam, não obstante a desobrigação da lei da parte de alguns dos transgressores originais, através de uma comutação das partes e a substituição de Cristo que assume seu lugar, que alguns deles seriam deixados sob a operação da justiça? Como podemos determinar que isto não era também beneficente como justa medida de deter, por tão terrível exemplo, outros súditos do govemo divino de cederem à tentação de se revoltarem na esperança de experimentar perdão fácil medi­ante interposição vicária? Não me aventuro asseverar que estas coisas são assim, mas, se são possíveis, tal consideração é suficiente para prevenir nosso arquivamento de uma objeção à reprovação divina de alguns pecadores huma­nos, porque julgamos que, se Sua bondade salva alguns dentre a humanidade consistentemente com ajustiça, então deveria salvar a todos.

Merece nota que, no-caso dos anjos apóstatas, contemplamos a severidade de Deus destemperada pela bondade para com eles, mas, no caso dos homens, contemplamos Sua bondade e severidade; àqueles que são salvos, bondade; mas àqueles que são perdidos, severidade. Há também, no caso dos anjos, o exercício direto da justiça consistentemente com a bondade, e no caso humano 0 exercício direto da bondade consistentemente com a justiça. No primeiro, todos são punidos pela justiça, concorrendo com a bondade; no segundo, so­mente alguns são punidos pela justiça, concorrendo com a bondade, enquanto alguns são positivamente salvos pela bondade, concorrendo com ajustiça. Ma­nifestamente, enquanto há igual justiça em ambos os casos, há mais de bonda­de no caso humano; e éramos forasteiros na raça humana como somos na angélica; e, se avaliássemos ambos os casos como avaliamos o dos anjos apóstatas, tal, sem dúvida, seria nosso juízo imparcial.

3 .0 arminiano que faz objeção às doutrinas calvinistas da eleição e repro­vação com base em sua inconsistência com a bondade divina deveria refletir que sua própria doutrina necessita de ser defendida contra a mesma objeção. Sua doutrina é que Deus proveu redenção para toda a raça humana, que Cristo,

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como seu substituto, ofereceu expiação por cada membro individual dela, e que o efeito desta redentiva provisão, operando através de uma expiação universal, era assegurar, não a salvação definida de alguém, mas a salvação possível - a salvabilidade - de cada homem. Agora não se pretende discutir a correção desta doutrina, e sim suscitar a dúvida se é possível demonstrar sua consistên­cia com a bondade divina; se ela é isenta da acusação de inconsistência com aquele atributo que seus advogados impõem à doutrina calvinista.

Primeiro, já foi evidenciado que os teólogos arminianos admitem que a cons­tituição pela qual a raça foi tida como responsável pelo pecado de Adão, consi­derado em si mesmo, à parte de um propósito de redenção que a acompanhava, teria sido injusta. Não se requer argumento formal para provar que se encon­tram sob a necessidade de admitir também que, por razões similares, essa cons­tituição, considerada em si mesma, separadamente do propósito de redenção que a acompanhava, teria sido cruel. Mas se, como já se mostrou claramente, uma provisão de redenção que se destinava a libertar os homens dos desastro­sos resultados de antemão conhecidos como oriundos daquela constituição não pudesse atenuá-la da culpa de injustiça intrínseca, então nem poderia desvencilhá-la de crueldade intrínseca. Ora, isto necessariamente teria sido verdadeiro, mesmo que a provisão redentiva fizesse a salvação de cada ho­mem absolutamente certa. O esquema arminiano está embaraçado com esta dificuldade já desde seu ponto de partida. Mas isto não é tudo; a dificuldade é grandemente intensificada pela posição de que a provisão de redenção não pretendia assegurar a salvação definida de cada homem das consequências da queda. Ela simplesmente se destinava a tomá-la possível. Assegurava a possi­bilidade de livramento dos efeitos da cmeldade que Uie foi feita na constituição adâmica. Alega-se, porém, que a culpa é dos próprios homens se não se valem do livramento propiciado a eles. Sim, mas até que a oferta realmente seja feita, suportam a cmeldade que lhes é feita. E ainda pior: sua recusa da salvação oferecida - e muitos a recusam - é instigada pelo cormpto princípio que pela cmeldade derivaram de uma conexão com Adão com a qual “haviam consen­tido”. Ante estas considerações, não fica evidente que o arminiano tem uma difícil tarefa quando empreende exibir a consistência de sua doutrina com a bondade divina - bastante difícil, ao menos, para fazê-lo menos pronto a assacar contra a doutrina calvinista a acusação de inconsistência com a benevolência de Deus?

Segundo, o caso dos pagãos é uma pedra de tropeço para o esquema arminiano. Segundo esse esquema, a provisão de redenção foi feita para toda a humanidade, a morte expiatória de Cristo se destinou a conferir benefícios salvíficos a todos sem distinção. A discriminação entre os indivíduos não seria consistente com a bondade divina. O amor de Deus era universal, se destinava

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à alma de cada ser humano. Daí Cristo haver morrido por cada indivíduo da raça - isto é, Ele morreu por cada homem a fim de tomar possível a salvação de cada um. Por conseguinte, a oferta de salvação há de estender-se a cada um, com o fim de dar-lhe a oportunidade de aceitá-la; sendo sua própria livre aceitação dela a condição divinamente designada de sua possível salvação tor­nar-se para ele uma salvação atual. Para este fim, a graça do Espírito Santo, adquirida para toda a raça pelos méritos de Cristo, é dada a cada um, colabo­rando com ele na aceitação da oferta, inclinando sua vontade para valer-se dela e assim determinando a questão de sua salvação.

A primeira vista, era como se a benevolência de Deus fosse altamente exemplificada neste esquema, o qual inclui em seu amplo e generoso escopo cada indivíduo de nossa apostatada e desamparada raça; especialmente quan­do é contrastado com o esquema mais estreito e mais sucinto do calvinista, o qual, embora não assevere uma salvação meramente possível, e sim infalível, confirma seus benefícios aos eleitos. Mas uma formidável dificuldade emana e se opõe a este critério. Os pagãos - o que será deles? Sua salvação foi feita possível pela provisão redentiva. Cristo morreu para tomar possível sua salva­ção. As bênçãos que Ele adquiriu com Seu sangue se destinaram à alma de cada homem, e, portanto, se lhes destinavam. Ora, como veio a suceder que a bondade se manifestasse tão extraordinariamente em fazer¥sta provisão para sua salvação, não os informa que foi feita? E-lhes possível agora ser partici­pantes dela e sejam salvos - comam do abundante pão, bebam da água viva e sorvam o refrescante vinho. Mas os pagãos nada sabem disso. Sua designação- sua definição - é que são ignorantes do evangelho. Ninguém que conheça o evangelho, por mais imperfeitamente que seja, pode com propriedade ser deno­minado pagão. No entanto, há milhões de pagãos, esfritamente assim chama­dos. Deve-se responder à pergunta: Onde, no que diz respeito a eles, está a bondade em fazer provisão redentiva? Mas ela foi feita por eles. Bem, que valor isso tem para eles, a menos qUe conheçam tal fato? Onde está a bondade em ocultar de alguns dos beneficiários da provisão redentiva o fato de que ela foi feita por eles? A provisão foi feita por todos, mas somente uns poucos, comparativamente, têm conhecimento dela. Por que a bondade que encheu o celeiro e abriu suas portas não convida a todos os famintos a virem e a partici­parem? Por que os convites se estendem somente a alguns? Seguramente, é difícil conciliar este espantoso fato com a bondade.

É fiitil replicar que o convite é estendido a todos. Como, perguntamos, é ele estendido? Caso a resposta seja: na Bíblia, sim, replicamos, mas os pagãos nada conhecem da Bíblia. O convite está no ingresso, mas esse ingresso não é enviado aos pagãos. Caso ele já tenha sido estendido, por que enviar missioná­rios estrangeiros, com grande sacrifício de si mesmos e pesados ônus á igreja.

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a fim de que lhes seja comimieado? Não fazem a primeira oferta do evangelho aos pagãos contemporâneos? Não, o convite não foi estendido a todos eles, embora se afirme que a provisão foi feita para todos. Reitera-se a indagação: como isto pode conciliar-se com a bondade? Estivesse alguém disposto a imitar o exemplo de alguns objetantes arminianos ao esquema calvinista, seria fácil pintar dolorosos quadros retóricos, a fim de agravar a força desta dificuldade. Mas o propósito é argumentar, e não declamar!

Seria igualmente fútil dizer que os pagãos podem conhecer a provisão redentiva feita a eles, se quisessem. Pois a questão é como poderiam querer tomar conhecimento dela. Se eles não possuem informação de sua existência, como poderiam aspirar seu conhecimento? Dir-se-á que os meios de intercomunicação entre as diferentes partes do mundo são tão imensos, que o conhecimento do esquema evangélico lhes é acessível? A resposta pronta é: Como isso afetaria os pagãos que viveram nos séculos anteriores à era cristã, para não falar das inumeráveis miríades que a precederam no tempo? Eles não possuíam o beneficio desta moderna intercomunicação entre as raças. Tome-se, porém, o caso dos pagãos contemporâneos, e não se pode esquecer que, se o conhecimen­to do plano evangélico lhes fosse acessível, na suposição de que fariam todos os esforços para adquiri-lo, não têm disposição de buscá-lo. Um dos resultados da familiaridade com o evangelho é que a disposição de conhecê-lo é engendrada. Ainda quando ele se faça conhecido, vastos números de pagãos atualmente o rejeitam. Que lugar, pois, há para manter-se que poderiam ter conhecimento da provisão de redenção feita para eles, se quisessem? Suas corruptas naturezas impossibilitam sua disposição de adquirirem o conhecimento. O evangelho lhes seria enviado, nem assim o ouviriam; ouvindo-ò, nem assim creriam; crendo, ainda assim pereceriam. Esse é o argumento de Paulo (Rm 10). Como, pois, pode a providência que falha em famiharizar os pagãos com a provisão redentiva feita para eles harmonizar-se, no esquema arminiano, com a bondade?

Além do mais, um elemento cardinal do sistema arminiano é que a experi­ência concreta da salvação depende da voluntária aceitação dele. Os homens não seriam constrangidos pela graça eficaz a aceitá-la. A graça não pode fazê- los querer. Também seu poder de determinar é inaüenável. Não possuíssem o poder de autodeterminação em referência à questão de aceitar a oferta de salvação, cessariam de ser homens. Se convertidos pela graça eficaz, não se­riam homens convertidos, e sim máquinas convertidas. Os homens, por mais assistidos que sejam pela graça, por fim, por uma escolha de suas próprias vontades, que poderiam rejeitá-la, aceitam a oferta de salvação. Caso não se conceda ser este um elemento do sistema arminiano, então se nega seu princi­pal aspecto diferenciador. Sem ele, sua existência distintiva, como um sistema coerente, cessaria.

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Sendo este o caso, como se harmonizaria com a bondade, que a oportuni­dade de preencher a condição da qual depende a experiência de salvação, não é dada a alguns daqueles para quem a redenção foi providenciada? Sendo necessário para sua participação de suas bênçãos que eles, no livre exercício de suas próprias vontades, aceitem a oferta delas, como isso se harmoniza com a bondade de que a oferta não se estende a eles? Se não Uies for estendida, não podem aceitá-la; se não a aceitam, não podem ser salvos. Mas é um fato inegá­vel que a oferta no passado, nem agora, se estende às miríades de pagãos no mxmdo. A dificuldade é insuperável.

Para evitar tal dificuldade, pode-se dizer que os pagãos que não conhecem o evangelho não podem ser salvos através dos benefícios da expiação que indiretamente lhes é aplicada. Mas esta suposição está em franca contradição com o elemento fundamental do esquema arminiano há pouco sinalizado - a saber, que os homens aceitem livremente a oferta de salvação a fim de experi­mentarem seus benefícios. Ambas as coisas não podem ser verdadeiras. Que alternativa se escolherá? Se a primeira, sacrifica-se a integridade do sistema arminiano; se a segunda, declara-se impossível a salvação dos pagãos; e a dificuldade sugerida pela bondade reaparece e se mostra formidável com toda sua força.

Reiterando, deve-se manter que esta aplicação indireta da provisão redentiva aos pagãos deve ser tida como ou não salvífica, ou salvífica. Caso se afirme que ela não é salvífica, qual seria seu valor? Que benefício real ela conferiria? Não pudesse ser uma medida de bondade, certamente nem de bondade salvífica. Caso se diga ser ela salvífica, suscitar-se-ia a pergunta: como é ela salvífica? Aquilo que leva à salvação levaria à santidade. Dir-se-á que esta aplicação indireta dos benefícios da redenção contribui para a santidade dos pagãos? Os fatos contradizem uma hipótese tão selvagem. O que se consegue? Não a fé em Cristo, nem o arrependimento pelo pecado, nem o viver piedoso. O que, então? Os pagãos, são levados ao céu e feitos participantes de sua santa comu­nhão e empreendimentos sem qualquer preparação espiritual para tal mudan­ça? Seguramente, não. Pareceria, pois, que não se lhes confere nenhum bene­fício salvífico mediante esta fantasiosa aplicação da redenção indiretamente ao caso deles. A verdade é que a suposição é extravagante demais para ser seri­amente sustentada, ou merecer refutação séria. Ainda não descobrimos a bon­dade que se manifesta aos pagãos através da provisão de redenção. Mas, siga­mos em frente na busca.

Pode-se dizer que, como as criancinhas inconscientemente recebem os benefícios da expiação e da graça regeneradora do Espírito Santo, sendo elas incapazes de entender a verdade ou apreender a oferta do evangelho, outro tanto se pode dizer dos pagãos. Mas, saibamos que os pagãos estão implícitos.

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O evangelho visa às criancinhas pagãs que morrem na infância? Isso ninguém nega. Mas a questão não é essa. A questão é com respeito aos pagãos adultos. Se eles se encaixam na categoria das criancinhas salvas, então devem ser tratados como as criancinhas salvas são tratadas. Devem ser purgados da cul­pa do pecado original e regenerados pela graça do Espírito, e isso deve ser feito por eles sem sua consciência das influências exercidas sobre eles, ou a mudan­ça do estado e caráter afetados, e sem sua ativa concorrência com a obra do Espírito. É assim que Deus trata os pecadores adultos, os pecadores plenamen­te desenvolvidos e ferrenhamente perversos? E assim que Ele, soberanamente, os salva sem qualquer ação de suas próprias vontades? E assim que os arminianos glorifícam a graça soberana? De fato os que assumem esta posição são contra Calvino em sua manutenção da salvação incondicional. Tampouco esta é a pior posição. Estas pessoas que, como os pecadores infantes, são justificadas e regeneradas vivem como pecadores adultos, perpetrando crimes que são o clímax da perversidade, substituindo o Deus vivo pelos ídolos, não cientes de que renasceram para o reino da graça e justificados pelo sangue de Cristo, ou que já se prescreveram destas bênçãos inestimáveis! E são estas as pessoas a quem, como crianças que morrem na infância, se aplica indiretamente a provi­são de redenção!

Para reflitar esta formidável difículdade proveniente da consideração de que a bondade que fez uma provisão de redenção para todos os homens não publicou 0 fato alodos, tem sido mantida que os pagãos realmente têm acesso a algum conhecimento do evangelho; porquanto vivem sob a dispensação patri­arcal e possuem alguma familiaridade tradicional com a primeira promessa de redenção feita ao homem que era seu elemento característico. Não fora este ponto de vista seriamente advogado por teólogo eminente,'® se poderia julgar uma sombra exorcizada meramente por amor do argumento. Umas poucas observações serão feitas com referência ao mesmo.

Em primeiro lugar, cada dispensação do evangelho, exceto a fínal, é, da natureza do caso, confínadapor limites defínidos. Quando, no desenvolvimento do plano divino, houver concretizado seu fim, ela expira por sua própria limita­ção. Dá lugar a outra para a qual preparou o caminho; outra, numa medida expandida dela por uma expansão de seus princípios, mas também especifica­mente separada dela por novas revelações supematurais e novos fatos e ele­mentos. Quando a nova começa, a antiga se desvanece - cessa, na qualidade de dispensação, de existir. Cada dispensação do evangelho deve ser considera­da como uma forma especial de administração da aliança da graça. Há uma essência que é comum a todas as dispensações. Ela constitui provisões salvífícas

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da aliança. Este aspecto essencial passa de uma dispensação para a outra. Ela constitui imia quantidade fixa e invariável. Mas há também aspectos específi­cos que, como peculiares a cada dispensação, são acidentais e temporários. São estes que dão a cada mn sua forma. Quando cessam, a dispensação como tal cessa. Sua lei distintiva já não é mais operativa. A aliança, quanto às suas provisões essenciais, é permanente, porém a forma especial de sua administra­ção é ab-rogada, e outra assume seu lugar. Este é o argumento do escritor da Epístola aos Hebreus, no sétimo e oitavo capítulos. “Se, portanto, a perfeição houvera sido mediante o sacerdócio levítico (pois nele baseado o povo recebeu a lei), que necessidade haveria ainda de que se levantasse outro sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque, e que não fosse contado segundo a ordem de Arão? Pois, quando se muda de sacerdócio, necessariamente há também mudança de lei” (7.11, 12). “Porque, se aquela primeira aliança tivesse sido sem defeito, de maneira alguma estaria sendo buscado lugar para uma segun­da. E, de fato, repreendendo-os, diz: Eis aí vêm dias, diz o Senhor, e firmarei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá. Quando ele diz Nova, toma antiquada a primeira. Õra, aquilo que se toma antiquado e envelhecido está prestes a desaparecer” (8.7, 13). O significado não poderia ser que a aliança da graça quanto aos seus aspectos essenciais estivesse para desapare­cer, mas a forma especial em que ela fora recenteniènte administrada - a dispensação mosaica. Por ser decadente e envelhecida, estava para desaparecer.

Se o judeu hoje reclama, porque ele possui o conhecimento da dispensação mosaica, porque está ele vivendo debaixo dela como uma em operação atual, o cristão replicaria que ele comete um grave equívoco: aquela dispensação, haven­do cumprido seu ofício típico e temporário, já passou e deu lugar à dispensação cristã. O argumento é a fortiori com respeito à dispensação patriarcal. Aquela, mil anos antes, cedeu espaço à mosaica, como esta agora cedeu lugar à cristã. Mediando o tempo de sua ab-rogação e o atual, interveio toda uma dispensação e parte da história de outra. Como uma dispensação ela morreu, já faz muito tempo. Dizer, pois, que os pagãos vivem sob ela é afirmar, em face dos fatos e igualmente sob inspirado testemunho, sua presente existência e operação.

Mas, pode-se questionar que um conhecimento da primeira promessa pode sobreviver à dispensação que a continha. Se por isto está implícito imi conheci­mento de que houve tal promessa, quem negaria a proposição? Os cristãos sabem que uma vez existiu tal promessa, mas sabem também que uma vez existiu a dispensação que a continha. Qual é o valor de tal conhecimento histó­rico para os pagãos, mesmo quando se suponha que a possuem? Ela poderia contribuir para sua salvação? Mas a promessa, como tal, não mais existe. Ela já se cumpriu, e por isso necessariamente expirou. Como pode haver uma pro­messa do que já passou? Dizer, pois, que os pagãos podem ser salvos através

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de um conhecimento da primeira promessa, eqüivale dizer que podem ser sal­vos através de um conhecimento de nada. Se eles creem que a promessa ainda existe, então creem numa ilusão. Porventura isso poderia salvá-los?

Assim foi com os sacrifícios de animais. Eram promessas típicas da morte expiatória de Cristo. Os quais, uma vez cumpridos, necessariamente cessaram. Mantê-los ainda eqüivale a negar o fato pretérito da morte de Cristo, e isso seria anticristão. Mantê-los na ignorância do testemunho de que Cristo já mor­reu, eqüivale a manter ritos sem sentidos e inócuos, os quais já não podem ser tipos, e por isso já não têm o direito de existir. O pagão, consequentemente, não pode ser levado, através dos sacrifícios de animais, a um conhecimento salvífico da redenção. Nenhum conhecimento da dispensação patriarcal e da primeira promessa anunciada por ela, a qual o pagão porventura imagine possuir, pode­ria ser meio de salvação.

Em segundo lugar, não se pode presumir que eles retêm tal conhecimento em grau sufíciente para tomá-lo salvífíco. Multidões de pagãos receberam um conhecimento do evangelho através da pregação dos apóstolos, de seus cola­boradores contemporâneos e dos evangelistas que os sucederam. Eles, porém, 0 perderam. Que razão há para pressupor-se que eles retêm um conhecimento dos elementos indistintos da dispensação patriarcal, quando já esqueceram as provisões mais claras dos gloriosos fatos da cristã? Seria absolutamente prová­vel que as tradições provindas de um período venerável pela idade sobreviveri­am àquelas provindas de um mais recente?

Mas, por que insistir sobre esta questão? Alguém não consegue evitar a consciência de que, ao discuti-la, está agindo inútil e absurdamente. Os fatos provam que os pagãos não possuem tal conhecimento da primeira promessa evangélica como se alega. Nenhum missionário se depara com ele. Dizer que ele existe, não passa de mero sonho. E a convicção de que ele não existe fomece base àqueles labores missionários que as entidades arminianas dão prosseguimento, em tão grande consumo de homens e meios, entre as tribos pagãs da terra. Dizer que esses nobres esforços encontram razão suficiente na necessidade que os pagãos têm de luz mais clara do que a que já possuem, eqüivaleria ameaçá-los de extinção. Podemos, seguramente, opor a obra práti­ca das missões estrangeiras a todas as hipóteses que assumem que os pagãos possuem algum conhecimento, não importa qual seja, das provisões do evangelho.

Concluamos este argumento particular; se os pagãos não têm sido informa­dos daquela provisão de redenção que, declara-se, foi feita para toda a huma­nidade e, consequentemente, para eles, como um fato tão espantoso pode con­ciliar-se com a bondade divina? O arminiano, que se depara com esta gigantes­ca dificuldade, faria bem se refreando de fazer objeção à doutrina calvinista de que ela é consistente com a bondade de Deus. Suas próprias mãos estão cheias.

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Terceiro, é impossível provar que um esquema que faz provisão para a salvação possível de todos os homens demonstre mais claramente a divina bondade do que uma que assegura a salvação definida de alguns homens. As palavras expiação oferecida por todos os homens, expiação universal. Cristo morreu para salvar a todos os homens, Cristo morreu pela alma de cada ho­mem - tais palavras são mui atraentes. Parecem transpirar uma filantropia que é digna de Deus. Mas, não nos deixemos impressionar pela beleza ou pompa de meras frases. Qual é o exato sentido da linguagem? É elíptica e, subentende- se, tern de ser preenchida. O significado é que a expiação foi oferecida por todos os homens, que Cristo morreu por todos os homens meramente para fazer possível a salvação de todos os homens. Portanto, o significado não é o que a linguagem parece implicar - ou, sej a, que se ofereceu expiação por todos os homens para assegurar sua salvação; que Cristo morreu para salvar a todos os homens. Isso é explicitamente negado. Isso constitui a heresia do universalismo. Note-se bem - chama-se a atenção para isto - que, no esquema arminiano, todo o resultado da expiação, da morte de Cristo, da missão do Espírito Santo é a salvabilidade de todos os homens - a possível salvação de todos. Dissipe-se a magia destas encantadoras palavras, e isso é absolutamen­te tudo 0 que elas significam.

Mas, sigamos em frente. O que precisamente está implícito pela possível salvação de todos os homens? Não pode significar a provável salvação de todos os homens. Se pudesse, então se teria usado a palavra provável, mas os fatos teriam contraditado a teoria. Nem mesmo o arminiano asseveraria a pro­vável salvação de todos os homens, em conseqüência da expiação. Então só é possível uma salvação que é planejada. Ora, o que faz possível a salvação de todos os homens? Admite-se que todos os obstáculos no caminho do retomo de qualquer pecador para Deus são, da parte de Deus, removidos. O calvinista admite isso em pé de igualdade com o arminiano. Onde, pois, jaz a diferença? O que 0 arminiano quer dizer por uma salvação possível a todos? Ele significa uma salvação que pode ser assegurada, se a vontade humana consente em recebê-la. Para dar este consentimento, ela é persuadida pela graça. Mas não é constrangida pela graça a dá-lo. Ela mantém em seu poder a decisão da questão. Ela pode aceitar a salvação oferecida; porém pode não aceitar. A coisa toda é contingente à ação da vontade do pecador. Isto é o que faz possí­vel a salvação de todos os homens; e, inevitavelmente, segue-se que a destmi- ção de todos os homens é também possível.

Com o auxílio divino, provarei presentemente que uma salvação possível, contingente á ação da vontade do pecador, realmente é uma salvação impossí­vel. Mas, concedendo agora, em prol do argumento, que haja tal coisa como uma salvação meramente possível de todos os homens, reitera-se, não se pode

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mostrar que ela exiba a beneficência de Deus com muito mais clareza do que a salvação defmida de alguns homens. No esquema calvinista, se faz provisão para a certeza absoluta da salvação de incontáveis multidões da raça; no arminiano, não se faz provisão para a certeza da salvação de nenhum ser hu­mano. Admita-se, porém, que, embora não se faça provisão, contudo, de algu­ma maneira, o resultado final de fato provará ser a salvação certa de incontáveis multidões. Como o arminiano pode mostrar que tais multidões excederão em número àquelas que são salvas no esquema calvinista? Ele não o fará. As faculdades humanas não possuem dados nos quais possam instituir tal equa­ção. Mas até que se mostre, é impossível ver como seu esquema exiba mais magistralmente a bondade salvífica de Deus do que o do calvinista. Uma coisa é clara: segundo a doutrina calvinista, os que são salvos louvarão a bondade de Deus por havê-los salvado; e, segundo o arminiano, louvarão Sua bondade por haver tomado possível que eles fossem salvos. Qual seria o tributo diretor à benevolência divina, pode-se deixar ao senso comum julgar.

O arminiano, contudo, se candidamente admitir que seu esquema labora sob as dificuldades que já foram mencionadas, ainda replicará que ele tem, com respeito à bondade, esta vantagem sobre o calvinista: .que faz possível a salva­ção daqueles cuja salvação o esquema calvinista faz impossível. Ele alega que, enquanto o esquema calvinista faz indubitável a salvação de alguns, ele faz igualmente indubitável a destmição de alguns. Um esquema abre a porta da esperança a todos; o outro a fecha contra alguns. Afirma-se que não se pode mostrar que isto se harmoniza com a bondade de Deus. Não se tenciona negar que esta é uma dificuldade que o esquema calvinista é obrigado a suportar. Seus adeptos são suficientemente cônscios do terrível mistério que cerca este tema e das limitações em suas faculdades de detê-los de arrogantemente rei­vindicar compreensão de todo o caso. A dificuldade é esta: Se Deus pode, com base no mérito todo-suficiente de Cristo, salvar os que atualmente perecem, por que Sua bondade não o induz a salvá-los? Por que, se Ele bem sabe que, sem sua graça eficaz, certamente perecerão, contudo subtrai deles essa graça, e assim sela a certeza de sua destmição? O calvinista só declara sua capacida­de de responder a estas questões solenes à luz das palavras de nosso bendito Senhor: “Sim, ó Pai, assim foi do teu agrado.”

O arminiano, porém, professando decidir como a Deidade procederia em relação aos pecadores, usaria esta admitida difículdade para o propósito de mostrar que o calvinista imputa malignidade a Deus, é justo e é requisito provar que ele não tem o direito de impor esta objeção - que sua incumbência é buscar suas próprias defesas. E se em troca ele se vir pressionado por uma dificuldade ainda maior?

Em primeiro lugar, o arminiano evangélico admite que Deus conhecia per-

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feita e antecipadamente tudo o que viria acontecer. Por conseguinte, ele admite que Deus conhecia de antemão quais e quantos seres humanos finalmente pereceriam. Também admitiria que Deus sabe de antemão que Ele os julgará no último dia, e que o que Deus conhece de antemão o que fará naquele dia isso teria eternamente proposto fazer. A condenação final, portanto, de um número definido de pessoas é absolutamente certo. A questão agora não é se Deus o faz certo. Não larguemos o fio da meada. O que se assevera, o arminiano admitiria ser indubitável. Ora, isto é muito diferente de dizer que Deus sabia etemamente todos os homens pereceriam, a menos que Ele Se interpusesse a salvá-los. Pois Ele conhecia antecipadamente Seu propósito de fazer tal interposição em favor de alguns da raça, e assim conhecia antecipadamente a absoluta certeza de sua salvação final. O caso diante de nós não é que Deus sabia que os que realmente perecessem, pereceriam, a menos que Se interpu­sesse a salvá-los. E que Ele sabia que finalmente pereceriam. Mas se isto for admitido - que Deus sabia de antemão, com certeza, que alguns seres huma­nos seriam, naquele último dia, destinados por Ele á destruição, então sua des­truição é certa. Ora, anseia-nos saber como uma provisão de redenção que tomou possível sua salvação poderia exercer algum efeito sobre seu destino. Sua destmição é no conhecimento de Deus infalível. Como pode a possibilida­de de sua salvação mudar essa certeza? Por certo que não pode. Onde, pois, está a bondade para com eles da provisão redentiva? E impossível de perceber.

Além do mais, como pode a salvação ser possível aos que estão certos de estar perdidos? Como pode ser possível sua salvação, se sua destmição é cer­ta? Há apenas uma resposta concebível: é que, embora Deus conhecesse de antemão que se perderiam, também conhecia de antemão que poderiam ser salvos. Equivale dizer que havia uma impossibilidade extrínseca de sua salva­ção gerada pela infalível presciência de Deus, mas uma possibilidade intrínseca de sua salvação provir de sua capacidade de se valerem da provisão da reden­ção. Pode-se alegar que seu caso é semelhante ao de Adão no estado de ino­cência. Deus sabia que ele cairia, mas também sabia que poderia permanecer firme. Isto nos conduz ao próximo ponto, e isso nos levará de volta a uma das dificuldades fiindamentais do esquema arminiano.

Em segimdo lugar, uma salvação possível seria para um pecador uma sal­vação impossível. Mera salvabilidade seria para ele inevitável destmição. Ad- mitir-se-á, sem argimiento, que uma salvação possível não é, em si mesma, uma salvação real. Aquilo que pode ser não é aquilo que é. Antes que uma salvação possível se tome uma salvação real é preciso que se faça algo - para que uma condição se concretize, ela depende de sua transmutação da possibi­lidade para a realidade. A questão é: Que coisa é esta que precisa ser feita - que condição é esta que tem de ser cumprida antes que a salvação se tome um

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fato para o pecador? O arminiano responde: Arrependimento e fé da parte do pecador. Ele tem de consentir em converter-se de suas iniquidades e aceitar a Cristo como seu Salvador. A questão avança mais: Por qual agência o pecador cumpre esta condição - por qual poder ele se arrepende, crê e então aceita a salvação? A resposta a esta questão, seja qual for ela, indicaria a agência, o poder, que determina o arrepender-se do pecador, seu crer e então seu aceitar a salvação. Não basta indicar uma agência, um poder que, por mais potente seja ele, é meramente um auxiliar da causa determinante. É a própria causa determinante que deve ser dada como a resposta ã questão. Ela tem de ser um fator que dá, por virtude de sua própria energia, a decisão final - uma causa eficiente que, por sua própria causalidade inerente, faz de uma salvação possí­vel um fato concreto e experimental. Qual é este agente causal que é o sobera­no árbitro do destino humano? O arminiano responde a esta última indagação da série: É a vontade do pecador. É a vontade do pecador que, em último recurso, determina a questão se uma salvação possível virá a ser uma salvação real. Isto já foi suficientemente evidenciado nas observações precedentes. Mas, que necessidade há de mais argumento para provar o que qualquer um, mesmo superficialmente familiarizado com a teologia arminiana, sabe o que ela man­tém? Aliás, este é um dos fatores distintivos e vitais daquela teologia que a distinguem da teologia calvinista. O calvinista mantém que a graça eficaz e irresistível de Deus aplica a salvação ao pecador; o arminiano, que a graça de Deus, embora comunicada a cada pessoa, é ineficaz e resistível, e que a vonta­de do pecador a usa meramente como uma influência assistente a determinar o resultado final da aceitação de uma salvação possível e então a toma real. A graça não determina a vontade; a vontade “desenvolve” a graça e determina a si própria. A graça é a criada; a vontade do pecador é a senhora. Suponhamos que, com respeito ã questão se a salvação será aceita, há um perfeito equilíbrio entre os movimentos da graça e as inclinações contrárias da vontade do peca­dor. Uma influência superficialmente acrescida destmirá o equilíbrio. Este pro­cederá da graça ou da vontade do pecador? Se daquela, a graça determina a questão e a doutrina calvinista é admitida. Mas isso o arminiano nega. Então seria da vontade do pecador; e, por mais leve e inconsiderada esta influência da vontade seja acrescida, ela determina o resultado. É como a pena que pousa sobre um dos dois pratos da balança plenamente nivelados e gira a viga.

Demais, esta vontade do pecador que desempenha o importante ofício de determinar a questão da salvação é sua vontade natural. Ela não pode ser uma vontade graciosa, isto é, uma vontade renovada pela graça; pois se o fosse, o pecador já estaria numa condição salva. Mas a questão é: Ele consentirá em ser salvol Ora, se a vontade de uma pessoa ainda não se encontra numa

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condição salva, então a vontade de uma pessoa ainda está numa condição não- salva. Ela é a vontade de uma pessoa incrédula e não-salva, isto é, um homem natural e, consequentemente, seria uma vontade natural. Então é esta vontade natural que finalmente determina a questão se uma salvação possível virá a ser uma salvação real. Seu elevado oficio é estabelecer a questão da salvação prática. Nesta solene transação, como em todas as demais, ela tem uma auto­nomia irrefutável. Nem mesmo na transição crítica do reino de Satanás para o reino do querido Filho de Deus se pode refutar o exercício de sua sacra e inalienável prerrogativa de escolha contrária. No momento supremo da deter­minação final da alma, “porque viver ou morrer é Cristo”, a determinação pode ser de outro modo. A vontade será iluminada, movida e assistida pela graça, porém não controlada e determinada por ela. Até o último momento, ela tem o poder de resistir a graça, e de resisti-la com sucesso. Para ela - uso a lingua­gem com relutância e escrúpulo - , o bendito Espírito de Deus é representado como a manter a atitude do orador persuasivo da graça. Ele argumenta, alega, protesta, adverte, suplica á vontade do pecador na comovente linguagem do Calvário e a alarma com os trovões do juízo - porém não faz mais que isso. Ele não pode, sem intrometer-Se em sua soberania, renovar e recriar e determinar Sua vontade. Isto não é uma interpretação equivocada, sem exagero, da posi­ção arminiana. É justamente por isso que ele contende. É por isso que ele deveria contender. E uma das dobradiças em tomo das quais seu sistema geria. Remova-a, e o sistema gira em falso e gravita para uma queda inevitável.

Ora, isto é tão palpavelmente oposto á Escritura e aos fatos da experiência, que os arminianos evangélicos tentam modificá-lo com o intuito de aliviá-lo da acusação de ser pelagianismo absoluto. Que a tentativa é malograda, já se mostrou. É totalmente fútil dizer que a graça dá capacidade ao pecador sufi­ciente para a formação daquela volição final que decide a questão da salvação pessoal. Veja-se bem: porventura eles têm em vista por esta capacidade a graça regeneradora? Se a resposta é sim, como a graça regeneradora determi­na inquestionavelmente a vontade do pecador, eles desistem de sua posição e adotam a calvinista? Não! Afirmam que não o fazem porque a posição calvinista é passível de duas objeções insuperáveis; primeira, que ela limita a graça eficaz aos eleitos, negando-a a outros; segunda, que a graça eficaz e determinante contradiria as leis pelas quais a vontade humana é govemada. Então se replica: não obstante esta capacidade comunicada, a vontade natural é o fator que determina a relação atual da alma com a salvação. A admissão de uma capaci­dade graciosa, portanto, não abranda a dificuldade. Ela não é uma influência eficaz e determinante; é simplesmente persuasão. A vontade natural pode ce­der a ela ou resisti-la. É uma influência vencível.

Ora, sendo este o estado real do caso, segundo o esquema arminiano, é

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perfeitamente manifesto que nenhum pecador poderia ser salvo. Isto não de­manda nenhum argumento. É simplesmente fora de questão que o pecador no exercício de sua vontade natural pode arrepender-se, crer em Cristo e então tomar real uma salvação possível. Vê-se claramente que, no estabelecimento final da questão da reUgião pessoal, a doutrina arminiana é que a vontade não decide quando determinada pela graça de Deus, e sim por seu próprio poder inerente autodeterminante, e a inferência, caso se dê algum crédito às afirma­ções da Escritura, nos é imposto que ela faz impossível a salvação do pecador. Uma salvação, cuja apropriação depende da vontade natural do pecador, não é nenhuma salvação; e a posição arminiana é que a apropriação da salvação de­pende da vontade natural do pecador. O estupendo paradoxo assim se mostra verdadeiro - que uma salvação meramente possível é uma salvação impossível.

Se em resposta a este argumento o arminiano disser que ele não mantém que a vontade meramente natural, que é cormpta, é o agente determinante final, mas que a vontade faz a decisão final por razão de alguma virtude que a caracterize, a réplica é óbvia: primeiro, esta virtude deve ser ou inerente na vontade natural do pecador, ou é comunicada pela graça. Se é inerente na vontade natural, admite-se que ela é a própria vontade natural, através de um poder residente nela, o qual determina desenvolver a graça comunicada e a salvação apropriada; e isso confirmaria a acusação de que o arminiano faz a decisão final de aceitar a salvação depender da vontade natural, o que seria tomar impossível a salvação. Se esta virtude na vontade é que determina fazer a decisão final ser comunicada pela graça, ela é uma parte da capacidade graciosa comunicada ao pecador; e então teríamos uma parte desta graciosa capacidade comunicada desenvolver outra parte - isto é, capacidade graciosa desenvolvendo capacidade graciosa. Ora, isto seria absurdo em qualquer outra suposição de que a graça é o agente determinante, e tal suposição o arminiano rejeita. Para afirmar o caso sucintamente, ou esta virtude na vontade, que é o elemento controlador, é graça ou não é. Se é graça, então essa graça é o elemento determinante, e admite-se a doutrina calvinista. Se não é graça, então a vontade, por seu próprio poder, é o elemento determinante, e isso é impossível- é impossível pela vontade natural, que em si mesma é pecaminosa e necessi­ta de ser renovada, para determinar a questão da salvação prática.

Ponhamos a matéria num prisma diferente. Haveria alguma virtude no ho­mem natural a levá-lo a desenvolver a graça - para usar a capacidade gracio­sa. Ora, donde provém esta virtude? Seria ou de Deus, ou de si mesma. Se de Deus, então a causa que determina a questão da aceitação da salvação proce­de de Deus, e admite-se a doutrina calvinista. Se de si mesma, então é a vonta­de natural que usa a capacidade graciosa e determina a apropriação da salva­ção; e isso é impossível.

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Além do mais, o arminiano deve admitir ou que a vontade faz a decisão final em consequência de alguma virtude nela, ou que a faz sem qualquer virtu­de. Se em consequência de alguma virtude, então como essa virtude é distinta da graça que ela usa, é meramente natural, e afirma-se que a vontade natural é bastante virtuosa para decidir a questão todo-importante da salvação; o que é contrário à doutrina mantida pelos arminianos evangélicos de que o homem natural é depravado e destituído de virtude salvífica. Se a vontade faz a decisão final sem qualquer virtude, então a vontade natural, como pecaminosa, desen­volve a graça para a salvação da alma, o que é absurdo e impossível. O arminiano se omite em admitir que é a vontade natural do pecador que desenvolve a graça e determina a questão da salvação pessoal, e admite que tal posição faz a salvação impossível.

Há outro modo de mostrar que, segundo os princípios distintivos do sistema arminiano, a salvação é impossível. As Escrituras inquestionavelmente ensi­nam que a salvação é por graça: “Pela graça sois salvos” (Ef 2.8). Não só isso, mas com igual clareza ensinam que ninguém pode ser salvo exceto pela graça; que nenhum pecador pode salvar-se: “Não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo, que ele derramou sobre nós ricamente, por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador, a fim de que, justificados por graça, nos tome­mos seus herdeiros, segundo a esperança da vida etema” (Tt 3.5-7). Não há necessidade de argumentar este ponto, posto que ele é admitido tanto pelos arminianos evangélicos como pelos calvinistas. Sua doutrina comum é que ne­nhum pecador pode salvar a si próprio. Se sua salvação dependesse de ele mesmo se salvar, ela seria impossível. Mas as doutrinas distintivas do arminianismo - as doutrinas que o distinguem do calvinismo - tomam indispen­sável a inferência de que o pecador salva a si próprio. Esta inferência é ilegíti­ma, protesta o arminiano, porquanto ele mantém que não houvera Cristo morrido para tomar a salvação possível, e não fora o Espírito Santo comunicado para induzir o pecador a abraçá-la, ninguém poderia ser salvo. Isto, contudo, não é prova da ilegitimidade da inferência de sua doutrina de que o pecador é, além de tudo, seu próprio salvador. Aprova da legitimidade da inferência é estabele­cida desta maneira: segundo o arminianismo, a graça suficiente é comunicada a todos os homens. Cada pessoa tem, consequentemente, capacidade suficiente para arrepender-se, crer e abraçar a salvação. Portanto, esta graça ou capaci­dade suficiente é comum a todos os homens. Mas que ela não determina que todos os homens hão de ser salvos é provado pelo fato de que alguns não são salvos. Isto o arminiano mantém. Ora, o que faz a diferença entre os salvos e os não-salvos? Por que um é salvo e o outro não o é? A resposta a estas questões é de importância crítica, e ela tem de ser dada. Que resposta o

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arminiano revida? Esta; A razão é que uma pessoa determina desenvolver a graça comum e a outra, não. Ele não pode manter que a graça faz a diferença, pois esta é a possessão comum de ambas. A diferença específica de seus casos são as respectivas determ inações de suas próprias vontades, indeterminadas pela graça. Aquele, pois, que determina usar o dom comum não pode ser salvo por ele, e sim por sua determinação de usá-lo. Se não é isso que o salva, e sim a própria graça, então aquele tem a graça seria salvo por ela da mesma forma que o outro. Não! Não é a graça que o salva, e sim o uso que ele faz da graça. E, como ele poderia determinar não fazer uso dela, manifesta- se que ele é salvo pelo exercício de sua própria vontade; em outras palavras, que ele salva a si próprio. O fator salvífico é sua vontade; ele é seu próprio salvador. Isso se toma ainda mais claro quando se elabora a pergunta: Por que outro não é salvo, mas arminado? Ele tinha a mesma graça suficiente que aquele que é salvo. Dir-se-á que sua própria determinação de não usá-la é a causa de sua mina - portanto, ele mesmo se armína. Da mesma forma, preci­samente a determinação da pessoa salva, de fazer uso dela, é a causa de sua salvação - portanto, ela salva a si própria. Conceda-se que ela não poderia ser salva sem a graça; todavia, a graça apenas toma passível sua salvação. Ela deve tomar a graça um fato; e, além de controvérsia, aquele que faz sua salva­ção um fato concretiza sua salvação. Ele salva a si próprio.

Este raciocínio evidencia conclusivamente ser ele uma conseqüência ne­cessária das doutrinas distintivas do arminianismo, de que os pecadores não são salvos pela graça, e sim por eles mesmos, no uso da graça; e, como essa posição contradiz os mais claros ensinamentos da Escritura, o sistema que lan­ça mão dele toma a salvação impossível.

A tudo isso se replicará que a capacidade conferida pela graça abarca a própria vontade, e a capacita, embora não a determine, a fazer a decisão fínal e salvífíca. Mas isso de modo algum favorece a questão. Admita-se que a vontade seja capacitada pela graça para decidir; se ela não for determinada por esta a tomar decisão, então se segue que há algo na vontade diferente da capacidade graciosa, o qual usa essa capacidade para determinar o resultado. Qual é esse elemento diferente? Não pode ser um poder gracioso. Admitir isso seria contradizer a suposição e desistir da questão; pois nesse caso seria a graça a determinar a decisão. O que pode ser aquilo que difere da capacidade graciosa conferida e o uso dela, senão o poder natural da vontade do pecador? Mas sua vontade, à parte da graça, é pecaminosa e, portanto, impotente. Isso o arminiano admite. Como, pois, ela determina usar essa graça? Como ela pode determinar o uso dessa graça? Acima e além do poder capacitante aí se postula um poder determinante. O poder capacitante é a graça; acima e além dela está o poder determinante da vontade pecaminosa. A coisa é inconcebível. O peca­

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do não pode usar a graça; a incapacidade não pode usar a capacidade; o morto não pode determinar o uso da vida. Dizer, pois, que a graça é infusa na própria vontade a capacitá-la para formar a volição final, a qual faz real uma salvação possível, não remove a dificuldade. Se ela não determina a vontade, esta mes­ma se determina. A própria essência dessa autodeterminação é usar ou não a graça capacitante, e, portanto, seria algo diferente dessa graça. A determina­ção não é da graça, e sim da natureza. Reiterando, atinge-se a impossibilidade de salvação. Uma doutrina que designa à graça uma mera influência capacitante, e lhe nega um poder determinante, faz impossível a salvação de um pecador. Dizer a um pecador: Faça uso da força natural de sua vontade em determinar valer-se da graça seria dizer-lhe: Você pode ser salvo. Pois se ele respondesse lá das profundezas de sua consciência, em resposta gemeria: Ah! eu não pos­suo tal força!

A verdade é que um meticuloso exame da antropologia do arminiano exibe o fato de que, em última análise, ela não é essencialmente diferente daquela do sociniano e do pelagiano. De bom grado se admite que a soteriologia arminiana é diferente da sociniana e pelagiana. Pois o primeiro professamente afirma que a expiação de Cristo era vicária e que ela fez uma perfeita satisfação à justiça retributiva de Deus. Mas, segundo ele, a expiação não assegurou a salvação como um resultado certo a nenhum dos seres humanos; e quando enfrenta a questão como o pecador se vale praticamente da salvação apenas feita possí­vel a todos, 0 arminiano responde, dizendo que o pecador, no exercício de seu próprio poder autodeterminante, o qual de sua própria natureza é contingente em seu exercício, faz a salvação propriamente sua. A conexão enfre a alma e a redenção é efetuada por sua própria decisão, na formação da qual ele é côns­cio de que pode agir de outra maneira - que ele pode fazer uma escolha contrá­ria. Não há diferença real enfre esta posição e a do sociniano e pelagiano. O arminiano professa dar mais importância do que eles ã influência da graça supematural, mas, em último recurso, como eles, ele faz o poder natural da vontade do pecador a causa determinante da salvação pessoal. Portanto, cada consideração que serve para mosfrar a impossibíHdade de salvação no esque­ma anfropológico do socinianismo e pelagianismo conduz á conclusão de que a mesma consequência é reforçada pelo do arminianismo. Em ambos os esque­mas é a natureza, e não a graça, que realmente salva.

Ainda mais, as doutrinas distintivas do arminianismo não só fazem a salva­ção impossível pela negação de que ela é por graça, mas também implicando que ela é por obras. Não que se pretenda dizer que os arminianos afirmem isto em palavras claras e diretas. Ao confrário, tentam mosfrar que seu esquema não é passível desta acusação. Temos, contudo, que discutir seu sistema e as consequências lógicas que ele envolve. A questão é: os dogmas peculiares do

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sistema arminiano requerem a inferência de que a salvação é por obras? Ten­tarei provar que é isso mesmo que eles fazem.

Deve-se admitir que um sistema, em cujas doutrinas distintivas é que os pecadores estão num estado de provação legal, ratifica a salvação por meio de obras. A essência de uma provação legal é que se requer do súdito do govemo moral que ele renda obediência pessoal à lei a fim de que possa ser justificado. De todos os lados se admite que a provação de Adão era desse mesmo caráten Dele se requereu que produzisse obediência legal. Houvera sido produzida, teria sido sua obediência pessoal. Não faz diferença que ele fosse capacitado a rendê-la pela graça suficiente. Uma justiça não recebe seu domínio da fonte em que se origina, e sim de sua natureza e do fim a que contempla. Houvera Adão permanecido firme, teria sido capacitado pela graça a produzir obediên­cia, mas esta teria sido sua própria obediência, e teria assegurado a justificação por conta própria.

Ora, não se negará que os doutores arminianos asseverem que os homens vivem agora num estado de provação. Seria desnecessário aduzir prova disto. Insistem que, em consequência da expiação oferecida por Cristo pela graça, todos os homens se tomam estagiários. Uma chance-lhes é dada para se asse- gxu^arem da salvação. A única questão é se a provação que os arminianos afir­mam para os pecadores é uma provação legal. Que ela é legal, pode-se provar por suas próprias afirmações. Se tomam por garantido que a obediência aos requerimentos divinos pode ser feita pela capacidade conferida pela graça, e, portanto, a provação não é legal, a resposta óbvia é: Adão foi capacitado pela graça a render a obediência requerida dele; mas, a despeito desse fato, sua provação era legal. Que os homens agora possuem a graça que os capacita a renderem obediência não pode desaprovar o caráter legal de sua provação.

O argumento se ramificou em detalhes, porém não se afastou da coisa a ser provada, a saber, uma salvação possível é uma salvação impossível. Todas as consequências que têm sido retratadas como a prejudicar a teoria arminiana de uma salvação meramente possível fluem logicamente da posição fundamen­tal de que ao homem se dá a capacidade suficiente para fazer real a si mesmo tal salvação meramente possível. Será apresentada mais uma consideração, e essa vai direto à raiz da questão. E que esta capacidade que se afirma ser suficiente para capacitar a cada um a tomar real uma salvação possível em si mesma é, segundo a demonstração arminiana, uma mera impossibilidade. Isto pode ser considerado como sendo uma afirmação extraordinária, porém é sus­cetível de prova tão rápida quanto clara. O arminiano evangélico não só admite o fato, mas o defende: que cada um, em sua condição natural e apóstata, está espiritualmente morto - está morto em delitos e pecados. O problema a resol­ver é: como pode este homem espiritualmente morto fazer de sua salvação

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possível uma salvação real? Não pode ser feito pela comunicação a ele da graça eficaz e determinante, pois admitir tal coisa seria renunciar à doutrina de uma salvação possível e aceitar a de uma salvação decretada e definida. Nem seria feito pela graça regeneradora, pois duas dificuldades se opõem a esta suposição: primeiro, esta graça regeneradora seria necessariamente graça efi­caz e determinante; segundo, na verdade não se pode manter que cada um é regenerado. Portanto, um grau de graça que é destituído de graça regeneradora seria conferido a cada homem. O que é isso? Graça suficiente - ou seja, um grau de graça comunicando habilidade suficiente para capacitar a cada um a tomar possível uma salvação real e propriamente sua. Ora, o argumento é sucinto: um grau de graça que não regenera seria um grau de graça que não outorgaria vida ao pecador espiritualmente morto. Se ele infundisse vida espiri­tual, naturalmente seria graça regeneradora; porém nega-se ser esta uma gra­ça regeneradora. Nenhuma outra graça seria suficiente para o pecador morto, senão a graça regeneradora ou geradora de vida. Como poderia a graça capa­citar o pecador morto a exercer funções vitais - arrepender-se, crer em Cristo, abraçar a salvação - sem que antes lhe dê vida? Numa palavra, graça suficien­te que não é graça regeneradora é uma palpável impossibilidade. Uma habilida­de suficiente para capacitar o pecador morto a exercer funções vitais, porém não suficiente para fazê-lo viver, é uma impossibilidade. O^rminiano, portanto, é forçado a fazer uma escolha entre duas altemativas: ou ele confessa que a graça suficiente é a graça regeneradora, e então abandona sua doutrina, ou mantém que a graça é suficiente para um pecador morto que não o faz viver, e então assevera uma impossibilidade.

Caso o arminiano replique que as flinções que a graça suficiente capacita o pecador a exercer não são funções da vida espiritual, segue-se: primeiro, que ele contradiz sua própria posição de que a graça comunica um grau de vida espiritual a cada ser humano; e, segundo, que ele mantém que uma pessoa espiritualmente morta exerce funções que a fazem viver, o que é infinitamente absurdo.

Se, finalmente, ele replica que a graça suficiente é vivificante e, portanto, graça regeneradora, mas que não é eficaz, e não determina o fato da salvação do pecador, a réplica é óbvia: nenhum pecador espiritualmente morto pode ser restaurado à vida, exceto pela união com Jesus Cristo, a fonte da vida espiritu­al. Negar essa posição é negar o Cristianismo. Mas, se isso for admitido, como a união com Cristo determina a atual salvação do pecador, a graça suficiente que dá vida determina a questão da atual salvação. A graça suficiente dá vida pela união do pecador a Cristo, e união com Cristo é salvação. A graça sufici­ente que é concedida como sendo regeneradora é, portanto, necessariamente graça eficaz e determinante.

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Estamos agora preparados a avaliar a força da analogia que, sob um tópico precedente, supôs-se que o arminiano poderia alegar entre o caso do pecador e o de Adão. Nosso primeiro pai tinha graça suficiente, mas ela não era graça eficaz. Ela não determinou sua estabilidade. Ela lhe tomou possível permane­cer firme, porém não destmiu a possibilidade de sua queda. Ele tinha capacida­de suficiente pra realizar atos santos; não obstante, era possível que ele viesse a pecar. De igual modo, pode-se dizer que o pecador, em sua condição natural, tpm a graça snfíriente, nnrém nãn a frrac.a e f i r a z F .la lhe toma n o s s ív e l a c e ita r

a salvação, porém não destrói a possibilidade de ele a rejeitar. Ele tem c a p ^ - dade suficiente para arrepender-se e crer; no entanto, a despeito disto, ele continuar impenitente e não crer. O

Admito o fato de que Adão tinha a graça suficiente a capaci^W^OTTiá^- necer em santidade, e que lhe era possível ou permanecer ou ^r>^)oréai nego que haja qualquer analogia real entre seu caso e o do neca^ff^^^generado . Ela sucumbe num ponto da mais vital consequênciar^ tó^)«^ é a presença ou ausência de vida espiritual. Adão, em seu es t^< ^è tinha a posseda vida espiritual - espiritualmente, ele era cÓHSidis^o totalmente vivo. Ali não lhe foi comunicado - para usar uma/fíSs^^Egmiana - “um grau de vida espiritual”. A vida reinava em tod^^lsuas/acuidades. Não havia nenhum elemento de morte espiritual em sek s ^ ^ e devesse ser resistido e o qual, por sua vez, fizesse oposição às velições^v ida espiritual. Ora, suponha-se ainda, com o arminiano, queum _g™ ^)vida espiritual fosse dado ao pecador espiri­tualmente morto, e,\Mêissmamente, se conclua que há um grau de morte espiritual q u ^ i^ d í^ ^ ^ ^ n e ç a nele. Que analogia concebível poderia existir entre um sertóímXXs^itualme vivo e uma parte viva e outra parte espiri- tualmenteffltonaX^e relação comum com a graça poderia ser predicada de- 1^? p«^sível conceber que a graça que seria suficiente para um ho-

4ente vivo também fosse sufíciente para um homem parcialmente > Tome-se, pois, a concepção arminiana do caso do pecador em sua

lição natural, e é óbvio que não há analogia real entre ela e a de Adão em seu estado de inocência.

Mas já se mostrou ser impossível a comunicação, pela graça, de um grau de vida espiritual ao pecador que não envolva sua regeneração. Seja qual for a graça e a capacidade que o arminiano porventura reivindique para o pecador, se não foi a graça regeneradora, se não a vivificação em Jesus Cristo, então nenhuma vida é comunicada por ela. O pecador continua morto em delitos e pecados. A graça comunicada pode instraí-lo, porém não o levanta dentre os mortos - é didática, porém não é vivificante. E a persuasão de oratória, não a energia de vida. Opera nas faculdades naturais e vem a ser um motivo para a vontade natural. Mas, é precisamente a vontade natural, impregnada pela mor-

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te espiritual, que deve decidir se quer ou não apropriar-se dos induzimentos espirituais e tomá-los seus. Numa palavra, um homem morto deve determinar se quer ou não ceder à persuasão para viver.

A teoria arminiana desafia a compreensão. Manter que os pecadores não estão espiritualmente mortos é aceitar a heresia pelagiana e sociniana de que o homem natural é capaz de fazer obras salvíficas. Isto o arminiano evangélico nega. Ele admite que o pecador está espiritualmente morto, e que em sua pró­pria força ele não pode fazer nenhuma obra salvífica. O que então faz a graça realizar pelo pecador, pelo próprio pecador? A hipótese apresentada em res­posta a esta questão é um emaranhado de enigmas que nenhuma engenhosidade pode desemaranhar. Primeiro, o pecador está espiritualmente morto. Então, “lhe é imputado um grau de vida espiritual” a capacitá-lo a exercer as fiinções espiritualmente vivas. E então - alguém naturalmente inferiria - o pecador está agora espiritualmente vivo: ele éregenerado, ele renasceu. Não, diz o arminiano, apenas “uma porção de morte espiritual é dele removida”;'* ele ainda não é regenerado. O que, pois, pode ser a graça suficiente senão o grau de vida espiritual que é comunicado ao pecador? Mas esta graça - este grau de vida espiritual - ele tem de desenvolver. Ele pode fazer isso ou pode recusar fazê- lo. Se ele o desenvolve, segue-se que, como espiritualmente morto, ele desen­volve a vida espiritual, e que contradição poderia ser maiorijue esta? Caso se negue isto, supor-se-ia que, como espiritualmente vivo ele desenvolve esta gra­ça - esta vida espiritual - , e então se seguiria que, como ele pode resisti-la, então, como espiritualmente vivo, ele resiste ávida espiritual, o que é absurdo. Que outra suposição se pode conceber, a menos que seja esta: que ele age ao mesmo tempo como igualmente morto e vivo - que morte e vida cooperam em produzir resultados salvíficos, ou em declinar de produzi-los. Mas isso é tão absurdo que nenhuma mente inteligente o toleraria. Dir-se-á que, se ele desen­volve a vida espiritual, então está espiritualmente vivo; e se a resiste, então ele o faz como espiritualmente morto? Isso pressuporia que, no caso de resistência bem sucedida, a morte espiritual é forte demais para a vida espiritual e a vence. Como, pois, se poderia dizer que a vida vencida seja suficiente, ou a graça insuficiente para ser graça suficiente? A vida espiritual comunicada é incapaz de vencer a morte espiritual ainda existente, e, no entanto, ela confere capaci­dade suficiente ao pecador. A hipótese arminiana é suscetível de nenhuma ou­tra constmção imparcial senão esta; que o pecador, como espiritualmente mor­to, desenvolve o grau de vida que lhe é dado pela graça; que, como impenitente e incrédulo, ele, pelo exercício de sua vontade natural, usa a capacidade comunicada para arrepender-se e crer. Tal capacidade não é absolutamente capacidade nenhuma; pois não há poder que poderia fazer uso dela. É como

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dar uma muleta a um homem que a põe nas costas de imi morto, ou como pôr uma garrafa de agua vitce no caixão de um cadáver

Ponhamos o caso em outra forma: o arminiano mantém que o pecador está espiritualmente morto e, consequentemente, incapaz de fazer algo para salvar- se. Mas um grau de vida espiritual lhe é comunicado a capacitá-lo a abraçar a salvação que lhe é oferecida. Segue-se que agora o pecador não está totalmen­te morto nem totalmente vivo; em parte ele está morto e em parte, vivo. Agora, primeiramente, ou sua parte morta usa sua parte viva; ou, segundo, sua parte viva usa sua parte morta; ou, terceiro, sua parte viva usa a si mesma e sua parte morta usa a si mesma; ou, quarto, sua parte viva usa ambas as partes: a viva e a morta; ou, quinto, a parte viva e a morta cooperam entre si. A primeira suposição é inconcebível; pois a morte não pode usar a vida. A segunda supo­sição violenta a doutrina arminiana de que é a vida que deve ser usada, não a vida que usa a morte; e, além do mais, como é possível a vida usar a morte na realização das funções salvíficas? A terceira suposição envolve a ação concor­rente, porém contraditória, de vida e morte, nenhuma sendo dominante, de modo que o pecador sempre permanece em parte vivo e em parte morto. Não se alcança nenhuma salvação. A quarta suposição envolve a influência causal e determinante da vida comunicada pela graça, e, portanto, o abandono da doutri­na arminiana e a adoção da doutrina calvinista; pois a totalidade do homem deve ser governada pela graça vivificante. A quinta suposição é impossível; porquanto é impossível que a vida e a morte possam cooperar para garantir a salvação.

Que o relato da condição do pecador não-convertido seja visualizado em cada ângulo concebível e se faça evidente que não há analogia entre ela e a da inocência de Adão. A graça ou capacidade suficiente dos dois casos é inteira­mente diferente. Num caso, há total vida espiritual; no outro, a vida espiritual é parcial, e a morte espiritual é também parcial. Não podem ser reduzidos á unidade, nem ainda podem, semelhantemente, ser predicados delas. A justifica­ção era possível a Adão, porque, como um ser totalmente vivo, ele tinha capa­cidade suficiente para assegurar-se dela; a salvação, porém, segundo a suposi­ção arminiana, é impossível ao pecador, porque, como um ser parcialmente morto, ele não tem capacidade suficiente para abraçá-la. Já se mostrou conclu­sivamente que a graça, para conferir capacidade ao espiritualmente morto, não pode ser algo menos que graça regeneradora; e a concessão disso ao pecador, previamente ao seu arrependimento e fé, o arminiano nega. Um apelo á capa­cidade de Adão, a fim de endossar a hipótese da capacidade suficiente do pecador não-regenerado, não pode valer para redimir tal hipótese da acusação de fazer impossível uma salvação meramente possível.

Volvamo-nos agora, por um momento, ao argumento empregado sob o tópi-

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CO precedente. Argumentou-se que a presciência de Deus, como admitida pelo arminiano, de que um número definido de seres humanos será condenado no último dia, envolve a absoluta certeza de sua condenação, e que o que Deus fizer naquele dia Ele teria etemamente proposto fazer. Como, indagou-se, pode o arminiano mostrar que esta certeza da destmição de alguns homens é consis­tente com a possibilidade de sua salvação? Pressupôs-se que em sua tentativa de mostrar isso ele poderia afirmar que, embora a presciência divina criasse uma impossibilidade extrínseca de sua salvação - isto é, uma impossibilidade apreendida na mente divina, contudo há uma possibilidade intrínseca de sua salvação - isto é, uma possibilidade proveniente de suas próprias relações com o esquema da redenção e sua capacidade de valer-se delas. Em suma, ele poderia afirmar que, embora Deus saiba de antemão que alguns homens se perderão. Ele também sabe de antemão que esses mesmos homens serão sal­vos; e, para corroborar tal ponto de vista, ele poderia apelar para a analogia do caso de Adão, a certeza de cuja queda Deus conheceu de antemão, porém a possibilidade de cuja estabilidade, no que diz respeito à sua capacidade intrínse­ca, Ele também conheceu de antemão. Agora já se provou que não há nenhu­ma analogia entre a capacidade suficiente de Adão e aquela que o arminiano vãmente arroga para o pecador não-regenerado; e que, ao contrário, nos pró­prios princípios arminianos, o pecador não-regenerado é dotado com nenhuma capacidade suficiente de apropriar-se de uma salvação meramente possível. Portanto, em tais princípios, ao mesmo tempo que Deus pré-conhece a certeza da destmição de alguns homens. Ele também pré-conhece a impossibilidade intrínseca de sua salvação. O arminiano, consequentemente, tem o caso dos finalmente perdidos para harmonizar-se com a bondade divina, tanto quanto o calvinista, e é logicamente restringido de atacar a doutrina calvinista por causa de sua alegada inconsistência com aquele atributo. De fato, a acusação retro­cede com redobrada força contra ele mesmo, pois enquanto a doutrina calvinista provê a salvação definida de alguns homens, sua doutrina faz impossível a salvação de qualquer homem. Um esquema que professa fazer possível a sal­vação de cada homem, mas que realmente faz impossível a salvação de qual­quer homem, não pode gloriar-se de ser peculiarmente consistente com a bon­dade de Deus.

O arminiano impugna a doutrina da eleição incondicional por representar Deus como pior que o diabo, mais falso, mais crael, mais injusto.’’ Não se tem feito nenhuma apelação á recriminação retórica; porém se tem provado, me­diante argumento de sangue-fiio, que os princípios distintivos do arminianismo, em fazer a apUcação da redenção dependente do poder autodeterminante da vontade de um homem morto, fazem a salvação real de qualquer pecador uma

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mera impossibilidade. Como tal esquema engrandece a bondade de Deus, só pode ser concebido por aqueles que são aptos em compreender como um ho­mem morto pode usar os meios de vida. O amor do Pai, ao dar Seu Filho, o amor do Filho, ao obedecer, sofrer, morrer pela salvação dos pecadores, a mis­são do Espírito etemo, de aplicar uma salvação adquirida por meio de sangue - toda essa infinita riqueza de meios depende, para eficácia, da decisão da vonta­de de um pecador, decisão essa que, sem a graça regeneradora e determinante, seria, em concordância com a lei do pecado e da morte, inevitavelmente rever­tida confra seu emprego.

Sem dúvida, a proposição terá sido considerada como extraordinária, mas é agora reiterada como uma conclusão estabelecida por meio de argumento: que uma salvação meramente possível, tal como o esquema arminiano enuncia, é para um pecador uma salvação impossível. Quando o argumento for convenci­do de inconclusividade, pode ser o momento de recorrer às armas do vencido - palavras fortes e esmagadoras.

A objeção confra as doufrinas calvinistas da eleição e reprovação, de que são inconsistentes com a bondade de Deus, acaba de ser examinada, e já se mosfrou, antes de tudo, que ela é inaplicável, e, segundo, que o arminiano não é homem para revertê-la.

O b je ç ã o p r o v e n ie n t e d a sabedoria d iv in a

A objeção seguinte, a ser considerada, se deriva da sabedoria de Deus. Ela pode ser afirmada nas palavras de Richard Watson: “A doutrina da eleição para a vida etema de um definido e determinado número de seres humanos, envolvendo, como necessariamente faz, a doutrina da absoluta e incondicional reprovação de todo o resto da humanidade, não pode, podemos afirmar confi­antemente, ser conciliada com a sabedoria de Deus; pois trazer à existência um vasto número de criaturas inteligentes sob a necessidade de pecar, e de ser etemamente perdidas, não ensina ao mundo nenhuma lição moral; e ainda con- fradiz todas aquelas noções de sabedoria nos fins e processos do govemo o qual somos ensinados a buscar, não só da {sic) razão natural, mas também das Escrituras.” ®

Após o que foi dito em exposição da doutrina calvinista, não se pode deixar de observar que há aqui uma positiva falsa interpretação daquela doutrina; e isso em dois aspectos. Primeiro, quando o decreto de reprovação é representa­do como “absoluto e incondicional”, isso implica que ele, não menos eficazmen­te, determina o pecado e destmição de alguns homens, como o decreto da eleição faz a santidade e a salvação de outros. Já se mosfrou que mesmo os

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supralapsarianos não professam manter tal ponto de vista, e que ele é expres­samente negado nas confissões calvinistas, e pelos infralapsarianos, os quais constituem a vasta maioria do corpo calvinista. Segundo, incorreta é a afirma­ção de que a doutrina calvinista mantém que Deus trouxe à existência um vasto número de criaturas inteligentes sob a necessidade de pecar e de ser etema­mente perdidas. O ensino comum das igrejas calvinistas, como incorporado em suas confissões e catecismos, é que Adão poderia ter permanecido na inocên­cia e assegurado a justificação para si e para sua posteridade, que era repre­sentada por ele sob a aliança das obras. E, embora alguns teólogos calvinistas tenham advogado o necessitarianismo, seria impossível mostrar que este te­nha sido ensinado nos Símbolos Calvinistas. Tampouco o corpo dos doutores calvinistas tem afirmado o ponto de vista de que, em primeira instância, o ho­mem estava sob alguma necessidade de pecar. A doutrina que, na citação pre­cedente, é pronunciada como sendo inconsistente com a sabedoria divina não é doutrina calvinista, e por isso não me sinto vocacionado a isentá-la de exceções. Deixando o necessitariam responder por sua própria posição, me proponho mostrar sucintamente, antes de tudo, que a doutrina calvinista não é inconsistente com a sabedoria de Deus, e, segundo, que a doutrina arminiana o é.

A sabedoria de Deus é aquele atributo pelo qual Ele seleciona fins e adota meios adequados e mais eficazes para assegurá-los. Ora, segundo a doutrina calvinista. Deus, ao tratar com a raça de pecadores humanos, propôs a Si mes­mo estes fins; a glorificação de Sua graça na salvação de alguns e a glorifica­ção de Sua justiça na punição de outros. A fim de assegurar o primeiro destes fins, Ele determinou eleger alguns dentre a massa de homens apóstatas, cor- mptos e merecedores do infemo, para que fossem etemamente salvos; e, em conformidade com esse propósito, deu Seu Filho para obedecer à Sua lei viola­da em Sua vida e morte como Seu Substituto, e assim fazer perfeita satisfação ajustiça por seus pecados; e então lhes comunica Seu Espírito a fim de uni-los à Sua Cabeça federal, determinar-lhes santa obediência e fazer com que per­severem até que alcancem a felicidade celestial. Que meios mais apropriados e mais eficazes se podem imaginar do que estes para assegurar-se o fim propos­t o - a saber, a glorificação da graça divina na salvação de pecadores? Há uma adaptação precisa do meio ao fim, e nenhuma contingência possível com res­peito ao resultado. Onde está a inconsistência com a sabedoria divina neste procedimento? Porventura ela não ilustra esse atributo?

A fim de assegxu-ar o segundo desses fins, a saber, a glorificação de Sua justiça na punição de pecadores, Deus determinou deixar alguns dentre a mas­sa apóstata, cormpta e merecedora do infemo sob a justa sentença de Sua lei violada, e os ordenou a continuarem sob a condenação que bem mereciam por seu pecado. A questão agora não é se esse fim era digno de Deus. Ela já foi

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discutida. Mas, pressupondo que Ele havia proposto a Si tal fim, não se pode negar que o meio era exatamente apropriado para assegurá-lo. Longe de haver ausência de sabedoria neste procedimento, fomece-se uma clara exemplificação dela.

Mas, tomemos a concepção de Watson da sabedoria divina. O ofício que ele sinaliza como exercido por ela é ensinar ao mundo lições morais. A opera­ção dos decretos que os calvinistas atribuem a Deus é inconsistente com a sabedoria, afírma ele, porque ela não ensina ao mundo lição moral. Seguramen­te, a outorga da benção imerecida e transcendente da vida etema a alguns pecadores dentre a raça humana, enquanto outros são deixados a perecer, é adequada para imprimir em seus recipientes uma lição de gratidão a qual ja­mais esqueçam ao longo das eras eternas. A determinação de infíigir condigna punição sobre alguns membros da raça culpada é adaptada a ensinar ao mundo o terrível mal do pecado e o pavor de cair nas mãos do Deus vivo. Não é a retenção de alguns pecadores nas mãos da justiça vindicativa, enquanto outros são isentados pela obediência de um substituto, também adequada para deter todos os seres inteligentes de cederem à tentação de revoltar-se contra o go­vemo de Deus? Se a consistência com a sabedoria de quaisquer medidas deva ser deduzida de sua idoneidade de comunicar valiosas lições morais, os decre­tos de eleição e reprovação, como representados pelos calvinistas, devem ser pronunciados eminentemente consistentes com aquele atributo.

Na passagem que acaba de ser citada declara-se também que os decretos de eleição e reprovação, como concebidos pelos calvinistas, contraditariam, em sua execução, os fíns de um govemo sábio, até onde podem ser certificados à luz da razão e da Escritura. Testemos a alegação. Os fins que comumente se atribuem a um govemo sábio são: primeiro, avindicação da justiça; segundo, a prevenção do crime e a consequente proteção da sociedade; e, terceiro, a re­forma dos ofensores. A execução do decreto de reprovação sobre os inescusáveis violadores da lei divina certamente vindica a justiça de Deus. Por­tanto, ela é adaptada a assegurar o primeiro fim de um govemo sábio. A execu­ção dos decretos de eleição e reprovação tende ã prevenção do pecado - a da eleição, engendrando e mantendo em seus objetos o amor da santidade e o ódio da perversidade; a da reprovação, por infiindir o medo pelo pecado em todos os espectadores de sua merecida e terrível punição. A execução destes decretos é, consequentemente, adaptada a promover o segundo fim de um govemo sábio.

Seria loucura asseverar que o terceiro fim - a saber, a reforma dos ofensores- seja sempre obtido por um govemo sábio. Em alguns casos é, em outros, não. A célere execução de um homicídio não pode ser considerada uma medida que vise á sua reforma, a menos que destmir sua vida seja considerado um meio de um viver melhor; e remetê-lo ao mundo pode ser contemplado como a qualificá-

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lo para o desempenho de seus deveres no mundo. O decreto da eleição propõe a reforma dos ofensores e lha assegura, e por isso promove o terceiro fim de um govemo sábio. O decreto da reprovação não contempla esse fim mais do que a sentença da lei humana que sentencia um crime flagrante à execução sumária. E merece solene consideração que cada pecado contra Deus merece a pronta execução da alma e do corpo. Quem, dentre os ortodoxos, assumiria que a prisão dos anjos apóstatas no infemo foi uma medida reformatória? Se, pois. Deus inflige a mesma condenação a alguns pecadores humanos, é óbvio que Ele não poderia contemplar sua reforma como um fim. Nada se tem dito para evidenciar a injustificabilidade da alegação de que a execução dos decre­tos de eleição e reprovação, como concebidos pelos calvinistas, contradiria os fins que um sábio govemo propõe alcançar.

Em seguida, inquiramos se a concepção arminiana do plano de salvação não é inconsistente com a sabedoria. Em razão da fraseologia inexata e confu­sa da teologia arminiana, em suas afirmações concernentes ao plano de reden­ção, nos vemos forçados por uma discussão meticulosa da questão em pauta a fazer duas suposições. Ou e a doutrina arminiana de que Deus propôs como um fim a salvação de toda a raça, ou é a que Ele propôs como um fim a salvabilidade de toda a raça.

Tomemos a primeira suposição - a saber, que o fim que Deus propôs ga­rantir era a salvação de toda a raça. Somos justificados em fazer esta suposi­ção porque os arminianos afirmam constante e veementemente que Cristo morreu para salvar todos os homens, e porque denunciam qualquer outra dou­trina como totalmente antibíblica e como a desonrar o caráter do Deus bendito. Deve-se admitir que, se o fim proposto para ser concretizado foi a salvação de todos os homens, teria sido um caracterizado pela sabedoria infinita. Nenhuma objeção se alega agora contra a possível consistência de tal fim com a sabedo­ria divina. Assumindo, porém, que tal foi o fim selecionado, necessariamente surge a pergunta: São os meios, os quais o arminiano mantém haver sido adotados, apropriados para assegurar sua concretização? Se não, a sabedoria do plano fracassa na seleção dos meios. Quais, pois, são os meios que, segundo a afirmação arminiana, foram selecionados para a consecução do fim? A expi­ação de Cristo oferecida pelos pecados de cada ser humano, a graça do Espíri­to Santo comunicada a cada um a capacitá-lo a valer-se do mérito de Cristo e a ação indeterminada e autodeterminante da vontade do pecador em desenvol­ver a capacidade conferida pela graça e abraçar a salvação oferecida. Ora, segundo a doutrina arminiana, a obtenção do fim, a saber, a salvação de todos os homens, é, da natureza do caso, contingente - isto é, pode ou não concreti­zar-se; porque, ela é condicionada á ação indeterminada e contingente da von­tade de cada um. Portanto, deve-se admitir, pelo próprio arminiano, que não

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poderia haver, da própria natureza dos meios empregados, nenhuma certeza quanto à obtenção do fim proposto. E os fatos provam sobejamente que isto é procedente; pois todos os homens realmente não são salvos. O arminiano não é universahsta, porém admite este fato - que alguns homens se perdem. A ques­tão é como ele pode vindicar a sabedoria empregada na seleção dos meios que falham em materializar o fim proposto? O fim é a salvação da raça. Ele falha. Por quê? Porque os meios adotados são inadequados para assegurá-la. Portan­to, não poderia haver nenhuma sabedoria na seleção dos meios.

Tomemos a segunda suposição. O arminiano pode protestar que ele não representa o fim como sendo a salvação real de todos os homens, e sim sua possível salvação - não sua salvação, e sim sua salvabilidade. Somos, pois, autorizados a dizer-lhe: se esse é seu ponto de vista, em nome da consistência se requer de você que mude sua fi^aseologia. Em vez de dizer o que não quer dizer - a saber, que Cristo morreu para a salvação de todos os homens, diga o que quer dizer ~ isto é, que Cristo morreu pela salvabilidade de todos os homens. Em vez de dizer o que não quer dizer - que os homens são salvos pela graça, diga o que quer dizer - que os homens se salvam pela graça desenvolvi­da [por eles]. Em vez de dizer o que não quer dizer - que os homens, por crerem em Cristo, desfrutam a salvação na presente vida, diga o que quer dizer- que os homens desfrutam a salvabilidade na presente vida, e podem des­frutar a salvação na vida futura. Harmonize seus termos com sua doutrina, para que os homens entendam precisamente o que ela é, e não mais sejam enganados pela “impostura de palavras”.

Suponha-se, porém, que o fim que o arminiano atribui a Deus é a salvação possível de todos os homens; e a doutrina é impugnável porque ela não atribui ao esquema divino da redenção nenhum elemento de sabedoria. Não haveria sabedoria na seleção do fim; pois uma salvação possível não é salvação, não pode ser nenhuma salvação. A menos que Deus faça certa a salvação dos mortos, jazeriam mortos para todo o sempre. Uma possível salvação dos mor­tos à parte de sua salvação real, pelo poder de Deus imediata e miraculosamente exercido sobre eles, é uma salvação impossível. É a salvação possível dos espiritualmente mortos um fim a ser atribuído à sabedoria divina? Poderia não haver sabedoria na seleção dos meios. Não há sabedoria na adoção de meios para assegurar um fim impossível. Pior que isso, não pode haver sabedoria na seleção de meios que, em si mesmos, são impossíveis de ser empregados. Em último recurso, os meios pelos quais, segundo o arminiano, uma salvação possí­vel se toma real é a autodeterminação de uma vontade não-regenerada pela graça de Deus - equivale dizer que os meios pelos quais um homem morto deve ser salvo da morte é o exercício autodeterminado da vontade do homem morto. Em suma, não pode haver sabedoria na seleção de um fim de obtenção

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impossível e a adoção de meios de emprego impossível. Tal é o esquema da salvabilidade que, sob o justo título de esquema de salvação, a teologia arminiana eloquentemente atribui ao íhito de sabedoria infinita! A prova de que uma sal­vação meramente possível é imia salvação impossível tem sido, em parte, fomecida nas observações precedentes: uma apresentação ulterior dela pode ser feita num estágio subsequente da discussão.

O b je ç ã o p r o v e n ie n t e d a veracidade d iv in a

A objeção seguinte, a qual requer ponderação, é que as doutrinas calvinistas de eleição e reprovação são inconsistentes com a veracidade de Deus.

Esta objeção é apresentada de diversas formas:

Primeiro, que estas doutrinas são inconsistentes com aquelas passagens da Escritura que declaram o amor de Deus por toda a humanidade, e a conse­quência desse amor implica uma expiação universal.

Segundo, que elas são inconsistentes com a afirmação bíblica de que Deus quer que todos os homens sejam salvos.

Terceiro, que são inconsistentes com a ordem de Deus de que todos os homens se arrependam e creiam no evangelho, e com a oferta universal da salvação.

A primeira e a segunda destas formas especiais da objeção não serão ana­lisadas neste lugar. A matéria da Extensão da Expiação, ou a questão Por quem Cristo Morreu, em geral é avaliada sob um tópico especial. Ela constituiu um dos pontos discutidos entre os remonstrantes e os defensores do Sínodo de Dort. A questão da vontade de Deus no tocante à salvação de todos os homens é cognata àquela recém-notada e propriamente deixa de ser examinada, ao menos em parte, em conexão com ela. Aqui, porém, pode-se observar que, se a doutrina da eleição já foi, na parte precedente desta discussão, provada ser bíbhca, já se provou também que Cristo morreu para a salvação somente dos eleitos; e que Deus eficazmente quer somente a salvação deles. Estas doutri­nas permanecem de pé ou caem juntas. Assumindo, pois, que a doutrina da eleição e sua expiação necessariamente consequente e particular, o calvinista se vê obrigado a enfrentar a objeção de que são inconsistentes com a sinceri­dade de Deus em ordenar que todos os homens, em todo lugar, se arrependam e creiam no evangelho e em estender uma oferta universal de salvação. E a esta forma de objeção que se propõe examinar nesta seção.

Há duas questões envolvidas nela que, embora relacionadas entre si, são suficientemente distintas para justificar sua avaliação separada.

Vejamos a primeira: Como podem as doutrinas da eleição e reprovação

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conciliar-se com a ordem de Deus que todos os homens se arrependam e crei­am no evangelho? Porventura Deus não é representado como sendo insincero ao ordenar que se arrependam e creiam àqueles a quem não elegeu para serem salvos e de quem Ele subtrai Sua graça salvífica? Em suma, como pode a sinceridade de Deus ser vindicada à vista da alegação de que Ele ordena que se arrependam e creiam àqueles a quem decretara reprovar e que, portanto. Ele sabia de antemão que não poderiam obedecer à ordem? O calvinista tem de encarar esta questão. Mas, removamos a matéria irrelevante, de modo que o resultado preciso seja distintamente apreendido. O arminiano põe a dificulda­de nestes termos: Deus, segundo o calvinista, preordenou o pecado, tomou-o necessário, e também [preordenou] a incapacidade espiritual dos homens; Ele não lhes dá a graça de aliviá-los de sua incapacidade; e, no entanto, lhes ordena fazer o que não podem fazer, em consequência de que Sua própria agência os obrigou. Como, pois, pode a sinceridade de Deus ser vindicada? Mas este não é o verdadeiro estado da questão. Seria, se o calvinismo fosse necessitarianismo; e nunca consegui perceber como o necessitariano poderia, com sucesso, re­solver a dificuldade. O calvinismo, porém, como já se mostrou, não é necessitarianismo. Enquanto ele mantém a posição de que os homens, em sua atual condição, são espiritualmente incapazes, e, à parte da graça regeneradora de Deus, estão sob uma fatal necessidade de pecar^' - não de cometer este ou aquele pecado particular, e sim de pecar ele não mantém que, em primeira instância, tal necessidade existiu. Ao contrário, ele ensina que a vontade do homem “não foi forçada, nem por qualquer necessidade absoluta da natureza determinada ao bem ou ao mal”; que, enquanto o homem em seu estado de inocência era passível de cair em razão da mutabilidade de sua vontade, ele era também capaz de permanecer firme, e poderia, aquiescendo com a condição da aliança das obras, haver assegurado a justificação. Então, segundo o calvinismo. Deus não deu origem, nem necessitou do pecado do homem e da consequente inabilidade. A maneira como o anniniano costuma formatar a ob­jeção é, consequentemente, irrelevante e injustificável. Portanto, o calvinista não é obrigado a resolvê-la. Ela não lhe é aplicável. Ele não é o cavaleiro errante que, valentemente, decide enfrentar as batalhas de oufros, mas fica satisfeito com a oportunidade conferida ao seu valor e às suas armas em defe­sa de sua própria posição. A objeção que ele se vê imparcialmente engajado a responder é aquela que já foi expressa: porventura ele representa o Deus da verdade como sendo insincero, ordenando que se arrependam e creiam àque­les a quem Ele decretou reprovar por seu próprio pecado, sem qualquer neces­sidade, e quem, de antemão, bem sabe que não pode obedecer à ordem?

21. Esta distinção é assinalada por Owen.

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Admite-se que Deus ordena que todos os homens, em todos os lugares, se arrependam e creiam no evangelho, entretanto com esta limitação; que todos os homens em foco são aqueles que têm a Palavra de Deus. Pois, como pode­ria os homens ser mandados, se não possuem conhecimento da ordem? Tente­mos agora entender exatamente o que o arminiano quer dizer por esta objeção. Sua intenção é tomar como certo que tudo quanto Deus ordena que os homens façam, eficazmente decretou que fizessem? Pode-se presumir que esta seja sua intenção, a partir do fato de que ele argumenta com extrema veemência que Deus quer a salvação de todos os homens. O que mais pode estar implícito por esta posição, senão que Deus quer decretivamente a salvação de todos os homens? Se é isto que ele tem em mente, então se vê compelido a manter que a vontade decretiva de Deus é fi^strada em inumeráveis casos, posto que ele admite o fato de que muitos seres humanos recusam obedecer ao mando de arrepender-se e crer. Consequentemente, ele se cala ante a concessão de que há uma discrepância entre o mando de Deus e Sua vontade decretiva, como eficaz, e é impedido, pela consistência, de imputar ao calvinista essa dificuldade como sendo peculiarmente sua.

Se sua intenção é que Deus quer que todos os homens sejam salvos, Ele quer que os meios e oportunidades em garantia da salvação sejam desfrutados por todos os homens, o resultado é o mesmo, pois ele se vê forçado a admitir o fato de que tais meios e oportunidades não estão no poder de todos os homens. Isto já foi provado nas observações precedentes. Também nesta suposição ele é confrontado com a falta de concordância entre a ordem e a vontade de Deus, e é dissuadido de lançar sobre o calvinista sua própria dificuldade.

Se sua intenção é que Deus quer dar capacidade a todos os homens para a obtenção da salvação, sem o conhecimento do evangelho, ele contradiz sua própria doutrina defmida: que, a fim de serem salvos, os homens devem crer no evangelho e aceitar a salvação que ele confere. Dizer que o Espírito, por reve­lação imediata e à parte da Palavra escrita, ordinariamente comunica o conhe­cimento da salvação, é igualmente contrapor o testemunho das próprias Escri­turas e os fatos da observação. Também sobre esta suposição, deve-se admitir que haveria a ausência de concorrência entre o mando de Deus e Sua vontade eficaz de que todos os homens sejam salvos; e, uma vez mais, o arminiano é impedido de prosseguir na objeção em análise.

Se ele se propõe dizer que a vontade de Deus que todos os homens sejam salvos não é uma vontade decretiva e eficaz, e sim um desejo que todos os homens sejam salvos, como ele admite o fato que nem todos os homens são realmente salvos, deve também admitir uma fi:iistração nas miríades de casos do desejo divino e uma correspondente diminuição da felicidade divina; e tam­bém aí emergiria uma falta de harmonia entre o mando de Deus e Sua vontade.

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na forma de desejo, que todos os homens sejam salvos. Sobre esta suposição, a dificuldade objetada contra a doutrina calvinista jazeria com igual peso sobre o arminiano.

A difículdade criada por alguém, ou por todos, de tais suposições não é removida, se o arminiano diz que, neste sentido, ao menos Deus eficazmente queria a salvação de todos os homens - a saber, que Ele quer, por virtude da expiação de Cristo, que a deficiente culpa do pecado de Adão seja removida de todos os homens. Porque, volta-se à pergunta: Como tal vontade seria um que­rer que todos os homens sejam salvos? Permaneceria ainda a depravação côns­cia, com a culpa e a maldição que ela acarreta, e, a menos que a depravação e suas consequências judiciais sejam removidas de todos os homens pela vonta­de de Deus, não se poderia afirmar ser ela um querer de Deus que todos os homens sejam salvos.

Se, finalmente, o arminiano diz que sua intenção é afirmar que, pela vonta­de de Deus, todos os homens são salvos apenas por uma vontade permissiva, o que ele diz mais que o calvinista? Pois uma vontade de permitir que todos os homens sejam salvos equivaleria não mais que isto; que Deus não quis impedir a salvação de alguém por uma influência divina positiva exercida sobre ele, isso o calvinista admite no mesmo nível que o arminiano.

Se em resposta a isto ele disser que o calvinista afirma que a maldição judicial de Deus exerce uma influência inócua sobre o pecador, e que Deus quis permitir que essa influência inócua permanecesse em alguns dentre a humani­dade, o caso do pecado cônscio e a condenação que ele merece confronta o arminiano. Todas as transgressões atuais merecem a maldição judicial de Deus, e o arminiano mantém que os homens cometem transgressões atuais, e que “a ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e injustiça dos homens”. Eis aqui, pois, uma maldição inócua que deve ser removida para que cada um seja salvo. Deus a removerá de todos os homens como, segundo o arminiano, Ele quis remover de todos os homens a condenação do pecado de Adão? Se a resposta é sim, todos os homens são realmente libertados tanto da maldição pronunciada sobre eles pelo pecado de Adão como aquela infligida contra eles por seus próprios pecados cônscios; e isso envolve a salvação atual de todos os homens - uma posição mantida somente pelo universalista. O arminiano, por­tanto, manteria que Deus quis permitir que a influência inócua de sua maldição judicial permanecesse sobre alguns homens. Consequentemente, se ele manti­ver o ponto de vista de que a vontade de Deus que todos os homens sejam salvos é simplesmente uma vontade permissiva, estaria na mesma relação com a questão da sinceridade de Deus em ordenar que todos os homens se arrepen­dam como a sustentada pelo calvinista.

E assim se toma evidente que a objeção baseada na sinceridade de Deus é

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uma que exige resposta tanto do arminiano, quanto do calvinista. Mas, avance­mos um pouco mais no exame particular da objeção propriamente dita.

Evidentemente, há duas hipóteses falazes sobre as quais o arminiano fim­damenta a objeção, na forma especial em discussão. A primeira é que não pode haver inconsistência entre a vontade decretiva e a vontade permissiva de Deus- entre o propósito de Deus e Sua ordem. A segunda é que Deus não pode sinceramente ordenar obediência dos que são incapazes de atendê-la - em outros termos, que em cada caso possível a capacidade é a condição e medida do dever. Analisemos a primeira.

O arminiano discute exaustivamente que é necessário pressupor que, quando Deus ordena que algo seja feito, também decretivamente quer que esse algo seja feito. De outro modo, se atribuiria inconsistência à vontade divina - Deus quer que se faça o que não quer que se faça. Emerge daí uma contradição. Ora, isto seria procedente só naqueles casos em que a vontade de Deus é expressa no mesmo sentido. Dizer que Deus quer decretivamente que uma coisa seja feita, e não quer decretivamente que a mesma coisa seja feita, ou preceptivamente quer que se faça o que preceptivamente não quer que se faça- isso envolveria uma contradição, pela seguinte razão: a vontade divina é con­siderada em sentidos diferentes. Isto o próprio arminiano admitiria, ou manteria uma posição inconsistente com sua própria doutrina quanto-a imutabilidade de Deus, com os claros ensinos da Escritura, e com os fatos mais comezinhos. Ele contende que Deus ordena que todos os homens se arrependam e creiam. Aqui a vontade de Deus é preceptiva. Não pode haver disputa sobre isto. No entan­to, nem todos os homens se arrependem e creem. Nem pode haver qualquer disputa sobre esse fato. A questão, pois, é: Deus quis decretivamente que todos os homens se arrependessem e cressem? Isto deve ser respondido na afirma­tiva, sobre a base arminiana de que não pode haver inconsistência entre a vontade preceptiva e a decretiva de Deus. Deve admitir-se, pois, que nesta matéria do arrependimento e fé de todos os homens a vontade decretiva de Deus falhou em sua ação - Ele não realizou o que decretou realizar. O que vem a ser da imutabilidade de Deus, para não falar de Sua sabedoria e Seu poder? Mas o arminiano defende a imutabihdade de Deus. Portanto, ele é palpavelmente inconsistente consigo mesmo. Ele se vê obrigado, caso mantenha as infinitas perfeições de Deus, a admitir que a vontade preceptiva de Deus, e a decretiva, não coincidem em levar em conta o arrependimento e a fé de todos os homens. Ele, pois, a despeito desta admissão necessária, acusaria o calvinista de afir­mar, sem razão, a existência de uma inconsistência entre a ordem de Deus de que todos os homens se arrependam e creiam e a ausência de Seu decreto de que obedeçam a essa ordem?

Visualizemos, porém, a matéria pelo prisma dos fatos revelados. Deus, atra­

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vés de Moisés, ordenou a faraó que deixasse Seu povo ir. Temos aqui Sua vontade preceptiva, inequivocamente enunciada e reforçada por tremendas sanções. Deus não quis decretivamente que o obstinado monarca consentisse deixar Seu povo ir? Se a resposta é sim. Sua vontade decretiva falhou magis­tralmente de concretizar-se. Pois embora faraó, sob a pressão do juízo tempo­rária, consentisse, finalmente persistiu em sua recusa e foi destruído. Como isso não pode ser afírmado sem blasfêmia, deve-se conceder que no caso de faraó a ordem de Deus não foi concomitante com Seu decreto. Portanto, foi Deus insincero em ordenar que o rei egípcio liberasse os israelitas da servidão?

Deus ordenou a Abraão que sacrificasse seu filho Isaque. Aqui estava a vontade preceptiva de Deus, à qual o eminente patriarca, sem hesitação, se prontificou a obedecer Mas o evento provou que Deus não queria decretivamente que Isaque fosse sacrificado. Eis aqui outro caso da falta de coincidência entre a vontade preceptiva de Deus e a decretiva. Foi Deus, por isso, insincero em ordenar que Abraão Lhe sacrificasse seu filho?

Deus ordenou que os judeus aceitassem a Jesus como seu Messias e cres­sem nele. Temos aqui Sua vontade preceptiva. Ele também queria decre­tivamente que todos eles o aceitassem e cressem nele? Seguramente, não; de outro modo, Seu decreto teria falhado em sua execução. Uma vez mais, temos um caso mui notável do fato de que a ordem de Deus nem sempre corresponde à Sua vontade decretiva. Quem tomaria por admitido que Deus foi insincero em ordenar que todos os judeus aceitassem a Jesus como seu Messias e cres­sem nele?

Com estes fatos bíblicos, o curso da providência ordinária de Deus concor­re não com frequência. Quão amiúde chama Seu povo á realização de funções as quais Ele não tencionava que cumpram! Um jovem, por exemplo, é impelido por convicções conscientes de que é seu dever a proclamação do evangelho. Diligentemente se prepara para o grande oficio. Seus preparativos completa­dos, a igreja que é edificada por suas ministrações o chama a pregar. As auto­ridades eclesiásticas confirmam o chamado. Toda evidência que se pode for­necer, piedade e dons e o critério corroborante de seus irmãos, confirma que ele é chamado a pregar. E, no entanto, logo que ultrapassa o limiar do ofício sacro, ele recebe a convocação de seu Mestre a deixar sua obra terrena. Ele morre. Neste caso, a ordem de Deus e Seu decreto não coincidem. Ele chama Seu servo para uma obra que não pretendia que a realizasse. Como no caso de Abraão, Ele testa o espírito de obediência e interrompe o sacrifício real. No entanto, quem diria que Deus é insincero em estender um chamado ao dever, o qual Ele não quis decretivamente fosse reahnente cumprido?

Portanto, quando o calvinista ensina que Deus ordena que todos os homens se arrependam e creiam, más que Ele não quer decretivamente que todos os

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homens se arrependam e creiam, ele não é passível à censura de acusar a Deus de insinceridade. Ele se apoia nesta posição pela Palavra de Deus e os fatos da providência. .

Mas 0 calvinista declara que ele está autorizado a avançar mais e afirmar que não só é procedente que, em certos casos, Deus não quer decretivamente que se faça o que ordena seja feito, mas que, também em certos casos, Ele decretivamente quer que se faça o que não se deve fazer. Isto se deu no caso de Abraão. Deus mesmo suspendeu seu exercício do dever ordenado. Quando Seu obediente servo se encontrava no próprio ato de seu dever, Ele o interrom­peu com a ordem; “Não estendas a mão sobre o rapaz.” É óbvio que Deus, decretivamente, queria que, no que dizia respeito à consumação do dever, ele não executasse Sua vontade preceptiva.

Isto não só legitima a obediência dos servos de Deus, mas também a deso­bediência de Seus inimigos. Deus ordenou a faraó que liberasse a Israel. Ele endureceu o coração do incorrigivelmente perverso monarca para que não obe­decesse à ordem. Esta é a linguagem expressa da Escritura, e quem polemiza contra ela polemiza contra Deus mesmo. Não que Deus fizesse faraó ser o perverso pecador que ele era. Sua perversidade era propriedade sua, produzida por ele e de sua própria responsabilidade. Deus não lha inseriu, nem sua exis­tência era imprescindível. Mas, encontrando-o como era, fiiriosamente inclina­do à perversidade, determinou seu princípio pecaminoso num canal especial e definido, a fim de executar a redenção de Seu aflito povo. Ele subtrai dele Seu Espírito, o abandona ao pleno desígnio de suas perversas paixões e o encerrou no espírito de recusa para, aquiescer à ordem divina. Numa palavra. Deus judi­cialmente o puniu, mantendo-o sob a necessidade de expressar sua própria e execrável perversidade. A destruição dos inimigos de Israel e sua própria e gloriosa liberação foi, no propósito divino, ordenado pela vontade decretiva de Deus. Negar isto é negar as afirmações explícitas da Escritura.

Deus, pelo testemunho de João Batista, por meio de Vozes falando dos céus, e mediante incontestáveis milagres, ordenou que os judeus que eram con­temporâneos de Jesus que “o ouvissem” e cressem nele. Mas, Ele decre­tivamente queria que alguns dentre eles fossem os agentes na produção de Sua morte. O apóstolo Pedro, em seu grande sermão no dia de Pentecostes, enun­ciou este fato quando disse; “sendo este entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o por mãos de iníquos” (At 2.23). Os apóstolos disseram em oração; “Porque verdadeiramente se ajunta­ram nesta cidade contra teu Santo Servo Jesus, ao qual ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com gentios e gentes de Israel, para fazerem tudo o que tua mão e teu propósito predeterminaram” (At 4.27,28). Seguramente, a morte de Cristo e a forma em que foi infligida foram predeterminadas. Consequente-

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mente, os meios e as agências envolvidos igualmente teriam sido preordenados. O princípio pecaminoso, do qual o atroz ato da crucifixão era a expressão, não foi produzido pela divina eficiência. Deus não é o autor do pecado. O próprio pecador é o autor dele. Os escribas e fariseus, os sacerdotes e líderes, e a geração contemporânea de seus compatrícios não foram criados pecadores maliciosos e incorrigíveis, eles o eram pela causalidade divina; mas, sendo o que eram por virtude de sua própria escolha. Deus determinou encerrá-los na expressão específica da perversidade que resultou na crucifixão de Cristo. Não eram, pelo decreto divino, obrigados a dar vazão à sua própria perversidade, de tal maneira que cumprissem o etemo conselho de Deus no tocante àquele evento que é o pivô sobre o qual gira todo o esquema da redenção. Numa palavra, com mãos perversas crucificaram e mataram o Salvador, Deus, porém, decre- tivamente, queria que o crucificassem e o matassem. O ato foi, ao mesmo tempo, proibido e decretado - ordenado a não ser feito e decretado a que fosse feito. Basta expressar a mesma coisa em diferentes palavras, dizendo que Deus ordenou que todos os judeus cressem em Jesus e decretou que alguns dentre eles, em conseqüência da incredulidade, o matassem. O sentido destes fatos bíblicos sobre a questão em pauta é óbvio e notável. O arminiano nega que possa haver alguma incompatibilidade entre a vontade preceptiva de Deus e a decretiva, e condena a distinção entre elas, o que o calvinista ratifica, como se desonrasse as perfeições divinas. Por conseguinte, ele mantém que, como Deus tem expressado Sua vontade preceptiva na forma de mandamento, que todos os homens se arrependam e creiam no evangelho. Sua vontade decretiva Lhe é consistente - que em questão, de fato, Ele quer que todos os homens se arre­pendam e creiam; de outro modo. Deus seria insincero em emitir tal manda­mento. Respondemos a esta posição mostrando à luz do indisputável testemu­nho da Escritura que, no caso de Abraão, de faraó e de alguns dentre os judeus, na questão da crucifixão de nosso Senhor, Deus ordenou que se fizesse o que Ele decretivamente não queria que fosse feito; e, além do mais, em cada um desses casos, Ele ordenou que se fizesse o que decretou não fosse feito. Espe­cialmente pertinente é o caso dos que crucificaram a Cristo. O arminiano diz que, como Deus ordena que todos os homens se arrependam e creiam, decretivamente Ele quer que todos os homens se arrependam e creiam. O calvinista diz que Deus ordena que todos os homens se arrependam e creiam, porém que, decretivamente, Ele quis reprovar alguns homens - eqüivale dizer, passá-los por alto, subtrair deles a graça salvífica que Ele comunica a outros, e encerrá-los na impenitência para sua condenação final. As Escrituras, no caso designado, claramente ilustra a mesma distinção, exibido num teatro mais res­trito. Deus ordenou que todos os judeus que eram contemporâneos de Jesus se arrependessem e cressem nele; decretivamente, porém, concemente a alguns dentre eles, Ele quis passá-los por alto, subtrair deles sua graça salvífica e

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encerrá-los na impenitência para sua condenação final. Alguém disputaria a aplicabilidade desta linguagem aos judeus que rejeitaram a Cristo? Que então considere as terríveis palavras do Senhor Jesus, como expressas no vigésimo terceiro capítulo de Mateus, e especialmente estas, registradas no décimo pri­meiro capítulo de Romanos;

“Ou não sabeis o que a Escritura refere a respeito de Elias, como insta peran­te Deus contra Israel, dizendo; Senhor, mataram teus profetas, arrasaram teus altares, e só eu fiquei, e procuram tirar-me a vida. Que lhe disse, porém, a respos­ta divina? Reservei para mim sete mil homens, que não dobraram os joelhos diante de Baal. Assim, pois, também agora, no tempo de hoje, sobrevive um remanescente segundo a eleição da graça. E, se é pela graça, já não é pelas obras; do contrário, a graça já não é graça. Que diremos, pois? O que Israel busca, isso não conseguiu; mas a eleição o alcançou; e os mais foram endureci­dos, como está escrito; Deus lhes deu espírito de entorpecimento, olhos para não ver e ouvidos para não ouvir, até o dia de hoje. E diz a Davi; Tome-se-üies a mesa em laço e armadilha, em tropeço e punição; escureçam-se-Uies os olhos, para que não vejam, e fiquem para sempre encurvadas suas costas” (Rm 11.2-10).

Estes argumentos derivados imediatamente da Escritura são suficientes para refiitar a hipótese do arminiano de que não pode haver inconsistência entre a vontade preceptiva de Deus e a decretiva - entrega ordem divina e o propósito divino. Consequentemente, a objeção contra as doutrinas calvinistas de eleição e reprovação, dizendo que elas imputam a Deus insinceridade, con­quanto se baseia nessaiiipótese, prova-se ser destituída de fiindamento bíblico. Não se atribui a Deus-nenhuma insinceridade quando se mantém que, embora Ele haja decretado reprovar alguns homens por seu pecado, Ele ordena que todos os homens se arrependam e creiam no evangelho. Uma coisa é o dever do homem, outra é o decreto de Deus. A vontade preceptiva de Deus é clara­mente revelada na Escritura como uma regra de ação, a qual requer que todos os homens obedeçam. A vontade decretiva de Deus, concernente à salvação deste ou daquele indivíduo, ninguéni tem o direito de investigar até que haja anuído ao mandamento divino de crer em Cristo. Quando houver crido, seu privilégio é assegurar-se de sua eleição, que lhe é testificada pelo testemunho do Espírito Santo em harmonia com o de seu próprio espírito. O apóstolo Paulo diz aos crentes tessalonicenses; “Reconhecendo, irmãos, amados de Deus, vossa eleição” (ITs 1.4). O que Paulo sabia deles, eles poderiam saber de si mesmos. Escrevendo aos cristãos romanos, ele diz; “Saudai Rufias, eleito do Senhor” (16.13). “O segredo do Senhor é para aqueles que o temem”, mas, da natureza do caso, ele é desconhecido dos ímpios.

A segunda hipótese falaz sobre a qual o arminiano fimdamenta sua objeção contra a doutrina calvinista no tocante à questão em pauta é que em cada caso

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possível a capacidade é a condição e a medida da obrigação, e que, conse­quentemente, Deus não poderia ordenar sinceramente obediência dos que não são capazes de prestá-la. O calvinista aíirma que, sem a graça regeneradora e determinante, ninguém pode obedecer ao mandamento de Deus de arrepen­der-se e crer no evangelho; e que Deus decretara subtrair essa graça dos que não estão inclusos em Seu propósito eletivo. Portanto, como não são capazes de arrepender-se e crer, o calvinista representa Deus como insincero em orde- nar-Uies que se arrependam e creiam.

A hipótese de que em cada caso possível a capacidade condiciona e mede 0 dever iá. foi considerada numa parte precedente desta discussão. Ali se admi­tiu que, no primeiro caso, em que os requerimentos da lei são postos sobre seu sujeito, sua capacidade de obedecer é pressuposta. Concedeu-se que o primei­ro homem e a raça representada por ele possuíam a capacidade original de obedecer à lei divina. Mostrou-se, porém, que, quando se sacrificou a capaci­dade original com que o súdito do govemo foi dotado, ele pecou voluntária e desnecessariamente, segue-se uma incapacidade penal, a qual não pode exonerá- lo da obrigação de render obediência aos requerimentos divinos. Assim, quando Adão e a raça, nele, por seu próprio inescusável ato-perderam sua capacidade congênita de obedecer a Deus, a incapacidade penal que seguiu como uma consequência judicial não podia isentá-los do dever de obedecerem aos manda­mentos divinos. Pode-se afirmar, como um princípio indubitável, que o direito de Deus de ordenar, e o dever do homem de obedecer, não podem ser prejudi-

»cados pelo pecado e pela incapacidade que necessariamente acarreta a seus perpetradores. O transgressor voluntário da lei divina continua a ser sujeito à obrigação que originalmente repousava sobre ele. Embora incapacitado pela culpa e cormpção, ele é obrigado a cumprir os deveres para os quais era com­petente na inocência. Os anjos apóstatas não são isentados da obrigação de obedecer a Deus pelo fato de sua incapacidade de obedecer-Lhe. São tão obri­gados a render-Lhe obediência no inferno quanto originalmente eram no céu. É assim também com os homens. A única questão concemente à qual é possível alguma dúvida é com respeito à justiça de sua implicação no pecado de Adão e de seus resultados penais. Essa questão já foi discutida. Caso se admita a justiça de tal procedimento, deve-se conceder que o direito de Deus de ordenar obediên­cia da parte dos homens e o dever destes de prestá-la não é limitado pelo fato de sua incapacidade penal. Consequentemente, Deus, sem qualquer violação da sin­ceridade, pode ordenar que se arrependam e creiam no evangelho aqueles cuja culpa e depravação os incapacitam de agir de acordo com o requerimento.

Não se negará que o arrependimento é um dever que a própria natureza requer do pecador. Ele seria um dever, mesmo quando não fosse um manda­mento específico imposto sobre ele. Portanto, não se pode disputar que Deus

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possa por direito e sinceramente exigir por mandamento especial o cumprimen­to de um dever que é imposto ao pecador por sua consciência natural. Nem afeta o caso dizer que o pecador não pode agir de acordo com este requeri­mento. É seu dever reparar o erro que praticara, não obstante o fato de que ele mesmo é incapaz de fazer a reparação. O arrependimento é, num sentido, claramente um dever legal; e a incapacidade do pecador de cumpri-lo não pode isentá-lo da obrigação de satisfazê-lo, nem prejudica o direito de Deus de impô- lo por mandamento especial.

Mas, enquanto isto pode ser reconhecido, pode-se alegar que o dever de crer em Cristo para a salvação permanece numa condição diferente - que não se requer fé por um mandamento legal, e sim por um mandamento evangélico. Daí poder arguir-se que, como a fé, diferente do arrependimento, se relaciona não com a autoridade da lei, e sim com as provisões de um esquema redentivo que é o livre produto da graciosa vontade de Deus, ela não pode ser exigida do pecado com sinceridade, a menos que, ao mesmo tempo, lhe seja comunicada capacidade suficiente para exercê-la. Numa palavra, pode-se dizer que a fé fica fora daquela classe de deveres legais os quais nenhuma incapacidade autocontraída pode escusar os homens de cumpri-los. Como ela não é obediên­cia à lei, e sim ao evangelho da graça de Deus, o direito de ordená-la pressupõe a comunicação supematural da capacidade de submissão a-ela. Mas isto, pode- se replicar, eqüivale a uma afirmação errônea do caso. De bom grado se admi­te que a fé, embora caracterizada como obediência, não é justiça legal. Sua substância não é as obras da lei, nem seu fim é a justificação sobre a base da obediência pessoal. Ela obedece, não obedecendo. Eqüivale dizer, a própria essência da obediência que ela envolve é a renúncia da justiça legal como um complemento das obras pessoais, e confiança na justiça de outro, sim, a justiça de Cristo como o Substituto do culpado. Mas, enquanto isso é procedente, a fé é, não obstante, obediência à lei. O evangelho não é o produto da lei, e sim da graça. Mas o evangelho como o fruto da graça, estando em existência. Deus como o Legislador e Governante ordena que os homens o recebam e creiam no Salvador a quem Ele revela. Caso se formule a pergunta: Por que os homens devem crer em Cristo, com referência ao fim contemplado, a resposta é: A fim de que sejam justificados livremente mediante a graça sobre a base da obedi­ência vicária de Cristo. Caso se formule a mesma pergunta, com referência à base da obrigação de crer em Cristo, a resposta é: Porque Deus lhes ordenou que assim fizessem. A vontade autoritativa de Deus, ou, em outros termos. Sua lei, expressa na forma de um mandamento específico, requerendo fé em Cristo, obriga os que ouvem o evangelho a exercer essa fé. Portanto, aquele que crê, obedece àlei de Deus, e igualmente confia em Sua mercê, e aquele que recusa crer é igualmente violador da lei divina e desprezador da graça divina.

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Se esta visão é correta - e é difícil perceber como pode ser contestada o princípio de que uma incapacidade auto-originada de obedecer à lei não pode prejudicar o direito de Deus de exigir obediência, nem o dever do homem de submeter-se a ela, se aplica também à fé em Cristo quanto àquelas obras me­ramente legais que são requeridas pela religião natural. Por conseguinte, não se pode imputar a Deus nenhuma insinceridade em ordenar que creiam em Cristo aqueles que não têm poder de aquiescer ao requerimento.

O modo como o arminiano tenta evitar a dificuldade que ele alega contra o calvinista é totalmente insatisfatório. Porque, em primeiro lugar, se ele assume a extraordinária base de que a ordem de arrepender-se e crer é literalmente imposta sobre todos os homens - isto é, sobre cada indivíduo da raça - ele não pode provar que tal capacidade de obedecê-la como pretende é comunicada aos milhões do mundo estritamente pagão. Em segundo lugar, já se mostrou, por argumentos conclusivos, e, se Deus permitir, se evidenciará ainda muito mais, que a capacidade que ele reivindica para os que vivem sob o esquema evangélico é totalmente insuficiente para capacitar o pecador não-regenerado a arrepender-se e crer em Cristo. Ele professa sanar a dificuldade procedente da sinceridade divina, porém, na realidade, falha em removê-la. Ela fustiga tanto seu sistema quanto o calvinista.

Passemos agora a analisar a segunda forma desta objeção - a saber, que, no esquema calvinista, a oferta universal da salvação mediante o convite do evangelho é ineonsistente com a sinceridade de Deus. A dificuldade é assim expressa por Richard Watson: “Igualmente impossível é conciliar esta noção com a sinceridade de Deus em oferecer salvação a todos os que ouvem o evangelho, dos quais este esquema pressupõe éstar a maioria, ou, ao menos, grande número entre os reprovados. Ordena-se que o evangelho, como já vi­mos, seja pregado a ‘cada criatura’; cuja publicação das ‘boas-novas’ é uma oferta de salvação a ‘cada criatura’, acompanhada com ardorosos convites a que seja abraçada, e comunicações hortativas para que ninguém seja negligen­te e o despreze. Mas, porventura não envolve uma séria reflexão sobre a vera­cidade e sinceridade de Deus, ante as quais os homens deveriam estremecer, ao assumirem, no exato momento em que o evangelho é assim pregado, que nenhuma parte destas boas-novas nunca se destine ao benefício da maioria, ou alguma grande parte, daqueles a quem ele é dirigido? Que aqueles a quem o amor de Deus, em Cristo, é proclamado nunca fossem amados por Deus? Que Ele haja decretado que muitos dentre aqueles a quem Ele oferece a salvação, e a quem convida a recebê-lo, nunca sejam salvos? E que Ele considere seus pecados agravados por rejeitarem aquilo que jamais poderão receber, e que nunca lhes designou a receber?”^

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Há duas dificuldades primordiais com as quais, para minha mente, o esque­ma calvinista tem que enfrentar. A primeira é aquela que cuida de tentar conci­liar com a justiça e bondade de Deus a implicação de todos os homens no pecado de Adão e seus resultados judiciais. Esta dificuldade já foi cuidadosa­mente analisada, e já se mostrou que ela pesa muito mais sobre o esquema arminiano do que o calvinista. Mas, admitindo que a justiça e a benevolência da constituição sob a qual o primeiro homem e sua posteridade foram associados em unidade sobre o princípio de representação legal, e desta forma a culpa e incapacidade espiritual da raça foram autocontraídas e justamente imputadas, o calvinista está apto a justificar os decretos de eleição e reprovação incondici­onais, e a ratificar o direito de Deus de ordenar e a obrigação do homem de obedecer, não obstante o fato que os homens em si mesmos são incapazes de render a obediência requerida.

A segunda dificuldade - cuja gravidade seria ocioso negar - é aquela que procede da necessidade de ajustar às nossas concepções da sinceridade de Deus a oferta universal do evangelho; a dificuldade que ora se propõe a exami­nar. O aperto dela está nesta circunstância; que Deus não só ordena que os homens se arrependam e creiam como um dever que lhes é imposto, mas os convida e insiste com eles que aceitem a salvação como um benefício que Ele lhes oferece. Eles são não só os endereçados como os súditos do govemo, mas também como os objetos da mercê. Que Deus lhes ofereça as bênçãos da salvação, sem haver designado tais bênçãos a todos e sem conferir a todos a capacidade de aceitá-las, parece envolver uma zombaria da miséria humana e um desvio da sinceridade.

A doutrina sobre este ponto do sistema calvinista é assim apresentada pelo Sínodo de Dort; “Esta morte do Filho de Deus é o único e perfeito sacrifício pelos pecados, de valor e dignidade infínitos, abundantemente suficiente para expiar os pecados do mundo inteiro.”^ “A promessa do evangelho é que todo aquele que crer no Cristo crucificado não pereça, mas tenha a vida etema. Esta promessa deve ser anunciada e proclamada sem discriminação a todos os povos e a todos os homens, aos quais Deus, em seu bom propósito, envia o evangelho com a ordem de que se arrependam e creiam.” "* “Muitos que têm sido chamados pelo evangelho não se arrependem nem creem em Cristo, mas perecem na incredulidade. Isto não acontece por causa de algum defeito ou insuficiência no sacrifício de Cristo na cmz, mas por culpa deles próprios.”^ “Tantos quantos são chamados pelo evangelho, o são seriamente. Porque Deus revela séria e sinceramente em sua Palavra o que lhe agrada, a saber, que

23. Capítulo 2, Art. 3.24. Capítulo 2, Art. 5.25. Capítulo 2.Art. 6.

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aqueles que são chamados venham a ele. Ele também seriamente promete descanso para a alma e vida etema a todos que a ele vierem e crerem.” *’

O que segue são as palavras da Confissão de Fé Westminster: “Os não- eleitos, ainda que sejam chamados pelo ministério da Palavra e tenham algu­mas das operações comuns do Espírito, contudo jamais chegam a Cristo e, portanto, não podem ser salvos; muito menos poderão ser salvos por qualquer outro meio os que não professam a religião cristã, por mais diligentes que sejam em padronizar suas vidas de acordo com a luz da natureza e com a lei da religião que professam; asseverar e manter que o podem, é muito pemicioso e detestável.” ’ O Catecismo Maior assim expressa o caso: “Todos os eleitos - e somente eles - são eficazmente chamados; ainda que outros possam ser - e muitas vezes são - exteriormente chamados pelo ministério da Palavra, e te­nham algumas operações comuns do Espírito, contudo, por sua negligência e desprezo voluntários da graça que lhes é oferecida, são merecidamente deixa­dos em sua incredulidade e nimca chegam sinceramente a Jesus Cristo.” ®

Merece nota que se admite plenamente a suficiência da expiação como base da salvação de todos os homens. A limitação que o calvinista afrrma não é sobre o valor intrínseco da expiação, e sim em relação ao desígnio de Deus no tocante às pessoas por quem ela havia de ser oferecida como um preço de resgate, e sua aplicação a eles a fim de fazer certa sua salvação. A infinita dignidade da pessoa de Cristo, e a conexão de Sua natureza divina com a humana, tudo isso comunicou infinito valor a toda Sua obediência na vida e na morte. Numa palavra, o mérito expiatório de Cristo era infinito. As seguintes observações do grande John Owen, um calvinista tão estrito como nenhum outro, podem ser consideradas como representativas: “A primeira coisa que estabelecemos é concemente à dignidade, honra, preciosidade e infinito valor do sangue e morte de Jesus Cristo. Sem dúvida, manter e declarar isto deve ser considerado de um modo especial; e toda opinião que formas apenas aparente­mente colide contra ela é excessivamente prejudicial, pelo menos merecida­mente suspeito, sim, atualmente deve ser rejeitada pelos cristãos, se em sua busca se descobre agir assim realmente como aquilo que é injurioso e prejudi­cial ao mérito e honra de Jesus Cristo, Também a Escritura, para este propósi­to, está excessivamente saturada e apresenta com frequência a excelência e dignidade de Sua morte e sacrifício, chamando Seu sangue, por razão da unida­de de Sua pessoa, ‘o sangue do próprio Deus’ (At 20.28); exaltando-o infinita­mente acima de todos os demais sacrifícios, como tendo por seu princípio ‘o Espírito etemo’ e sendo ele mesmo ‘sem mácula’ (Hb 9.14); transcendente-

26. Capítulo 3 e 4, Art. 8.27. Capítulo 10, Seção 4.28. Questão 68.

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mente mais precioso que a prata, ou o ouro, ou coisas corruptíveis (IPe 1.18); apto a oferecer justificação de todas as coisas, das quais pela lei os homens não puderam ser justificados (At 13.28). Ora, tal como era o sacrifício e oferta de Cristo em si mesmos, tal foi tencionado por Seu Pai que assim fosse. Era, pois, 0 propósito e intenção de Deus que Seu Filho oferecesse um sacrifício de infi­nita qualidade, valor e dignidade, em si mesmo suficiente para a redenção de todos e de cada homem, caso aprouvera ao Senhor empregá-la para tal propó­sito; sim, e também de outros mundos, se o Senhor livremente os criara, e os redimira. Digamos, pois, suficiente foi o sacrifício de Cristo para a redenção do mundo inteiro e para a expiação de todos os pecados de todos e cada homem no mundo. Esta suficiência de Seu sacrifício tem uma dupla origem: primeiro, a dignidade da pessoa que ofereceu e foi oferecida; segundo, a grandeza da dor que Ele suportou, pela qual foi capaz de suportar, e de fato suportou, toda a maldição da lei e a ira de Deus em virtude do pecado. E isto manifesta a dignidade inata, real, verdadeira e o valor do derramamento do sangue de Jesus Cristo. Eis sua própria e verdadeira perfeição e suficiência internas. Isto deve ser aplicado a Alguém que fez um preço por eles e veio a ser-lhes benéfico, segundo o valor que se acha nele, é externo a ele, não se origina dele, mas meramente depende da intenção e vontade de Deus. Em si mesmo era de um valor e suficiência infinitos, oferecer um preço, e assini comprar e adquirir cada homem do mundo. Que ele se tomou formalmente um preço por alguém deve-se atribuir unicamente ao propósito de Deus, cuja intenção era adquirir uma redenção por meio dele. A intenção de quem oferece e aceita que ele fosse por um ou por qualquer um é aquilo que dá a formalidade de um preço por ele; isto é extemo. Mas o valor e idoneidade dele é para vir a ser um preço oriundo de sua própria suficiência intema.” ®

Os pontos de vista tão fortemente expressos pelo ilustre puritano não fo­ram modificados pelos pronunciamentos de teólogos mais recentes. São plena­mente mantidos por homens tais como Cunningham, Hodge e Thomw?ell. A verdade é que a suficiência intrínseca da expiação não pode ser exagerada. A obediência de Cristo foi o pleno cumprimento dos requerimentos da lei divina, preceptiva e penal. Por conseguinte, em si mesma considerada, era suscetível de aplicação ilimitada, em todos os caos, ao menos, em que o princípio de representação federal era capaz de ser empregado. Quando, pois, se usam os termos expiação limitada, expiação definida, expiação particular, deve-se observar que eles não têm referência ao valor intrínseco da satisfação de Cris­to, mas se relaciona inteiramente com o soberano propósito de Deus.

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Deste ponto de vista se segue que, como a expiação de Cristo, em si mes­ma, era suficiente, fora do agrado de Deus fundar a salvação de todos os homens, ela é suficiente para fundar a universal oferta de salvação. Os homens são convidados a se manterem numa plataforma que seja bastante ampla para caber a todos eles; a descansarem num fundamento que seja bastante sólido para suster a todos eles; a partilharem de provisões que sejam bastante abun­dantes para suprir a todos eles. Quando, pois. Deus convida a todos os homens a buscarem a salvação em Cristo, Ele não é insincero em oferecer-lhes uma plataforma estreita demais para os caber; um fundamento firágil demais para os suster; provisões escassas demais para os suprir. Caso todos eles aceitassem o convite, todos seriam salvos. Tanto mais para a suficiência intrínseca do remé­dio para o pecado e a miséria humanos. Até aqui o calvinista não é culpável de representar Deus como insincero na questão da oferta do evangelho.

Entretanto, se insistirá que, não obstante sua admissão da ausência de limi­tação, no tocante à suficiência intrínseca da expiação, a dificuldade permanece em vista de sua doutrina de que existe limitação no tocante ao seu desígnio e aplicação extrinsecos. Ela não foi oferecida por todos, não se destina a ser eficazmente aplicada a todos; portanto, não pode ser sinceramente oferecida a todos como um remédio para os males sob os quais eles sofrem.

Para que a natureza precisa da oferta do evangelho seja apreendida, cole­temos algumas das proeminentes passagens da Escritura, nas quais ela se acha expressa. “Ah!'todos vós, os que tendes sede, vinde às águas; e vós, os que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei; sim, vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite” (Is 55.1). “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer, será condenado” (Mc 16.15,16). “Vinde a mim, todos os que estais cansadose sobrecarregados, e eu vos aliviarei” (Mt 11.28). “Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva” (Jo 7.37, 38). “Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (Rm 10.13). “O Espírito e a noiva dizem; Vem! Aquele que ouve, diga; Vem! Aquele que tem sede venha, e quem quiser receba de graça a água da vida” (Ap 22.17).

Nestas afirmações bíblicas da oferta do evangelho, ninguém é convidado a crer que Cristo morreu por ele em particular. Cada um é convidado a crer em Cristo a fim de que seja salvo. O significado óbvio da oferta é; Creia em Cristo e será salvo; você é pecador; Cristo morreu para salvar pecadores; se você crer nele como Salvador, então será salvo. Se o calvinista, representando as Escrituras como a ensinar que Cristo morreu para salvar os eleitos, também representa Deus como a convidar a cada um a crer que Cristo morreu por ele em particular, seria justamente acusável por imputar insinceridade ao Ser divi­

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no.^° Ele, porém, não é culpado desta inconsistência. Ele considera a oferta como que consistindo de uma condição e uma promessa suspensa sobre seu cumprimento. A condição é a fé; a promessa é a salvação. Os termos simples­mente são: se você crer em Cristo como Salvador, então será salvo; e você está sendo convidado a crer. Cumpra a condição, e a salvação prometida é sua. Os pregadores do evangelho não têm a comissão de proclamar a cada um que Cristo morreu para salvá-lo, e que ele deve crer nesse fato. Isso seria exortar os homens a que creiam que são salvos, antes que exerçam fé em Cristo. Pois seguramente, crer na proposição. Cristo morreu por você, e crer em Cristo como Salvador pessoal, são coisas bem diferentes. Portanto, o calvinista não atribui blasfemamente a Deus ausência de veracidade por representá-lo como a ensinar, nas afirmações doutrinais de Sua Palavra, que Cristo não morreu por cada pessoa, e como a declarar, na oferta do evangelho, que Cristo morreu por cada pessoa. Ele mantém que, na oferta do evangelho. Deus simplesmente anuncia a condição sobre a qual os homens são salvos e indiscriminadamente convida a todos que a cumpram.

Sendo este o estado do caso, observo que a oferta do evangelho dá a cada um que a ouve o direito divino de crer em Cristo e ser salvo. No que diz respeito á garantia de Deus, ele tem o direito de crer e ser salvo, se quiser. Os termos são: Todo aquele que quiser, receba de graça a água da~vida. Onde está a insinceridade de tal oferta? Isso só pode ser evidenciado mostrando que Deus é o autor da vontade do pecador, não para crer e ser salvo. Mas já se fez suficientemente manifesto que nenhum calvinista mantém que Deus é a causa da incredulidade do pecador. O pecador mesmo é a causa dela. Caso se diga, todavia Deus sabe quando dá a todos o direito de crer e ser salvo, que há alguns que não são aptos a se valerem dele; quando Ele fomece o direito, que há algxms que não podem empregá-lo; a resposta é que Lhe aprouve, para propó­sitos sábios e santos, estender a oferta da salvação a tais pessoas, testar sua incredulidade, e assim expor sua perversa maldade e vindicar Sua justiça na condenação delas. Quem somos nós, que nos aventuremos a pôr grilhões aos procedimentos da infinita sabedoria, justiça e santidade? Por que não podemos conceber que Deus é tão justo em comunicar aos homens a livre oferta de salvação a fim de evidenciar a eles mesmos e ao universo sua perversidade em desacreditarem o evangelho, como também em impor aos homens seus man­damentos a fim de ilustrar sua perversidade em desobedecerem à Sua lei? Certamente, se os pecadores espontaneamente rejeitam a autoridade e o direi­to que Deus lhes dá de crerem e serem salvos, são deixados sem escusa e ficarão calados no grande dia do acerto de contas. E seria em extremo ousado

30. Este argumento contra o calvinista é denominado o Aquiles dos remonstrantes; mas ele faz tanto dano ao calvinista como o herói grego ao troiano enquanto permanecia amuado em sua tenda.

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quem disser que Deus não tem o direito de colocar os pecadores em tais cir­cunstâncias e em tal relação consigo mesmo, para manifestar a indesculpabilidade de sua perversidade.

Na Epístola aos Romanos, o apóstolo inspirado ensina claramente que a luz da natureza, embora insuficiente para basear o conhecimento da salvação, é suficiente para tomar os homens sem escusa por sua perversa apostasia de Deus. “Porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Porque os atributos invisíveis de Deus, assim seu etemo poder, como também sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis” (Rm 1.19, 20). Dizer que Paulo tinha em mente que os gentios poderiam ser justificados pela obediência a esta luz da religião natural é reduzir todo seu argumento ao desdém. Sua relação com as instmções da natureza não fez possível sua justificação, porém provou que sua condenação é justa. Pode-se indagar onde está a sinceridade de Deus em fomecer luz aos que, bem sabe, não podem valer-se dela em consequência do pecado? Sobre tal questionador pode-se trovejar; Quem é você que argúi a Deus?

A mesma linha de observação se aplica à relação da lei moral com os que não possuem o evangelho. Quando Deus, pelos requerimentos e admoestações da consciência, iluminada e corroborada pelas operações comuns de Seu Espí­rito, os convence do dever e da necessidade de descansar nelas para obediên­cia, Ele não pode tencionar por esses meios assegurar-lhes da esperança da salvação com base numa justiça legal. Ele sabe que, pelos feitos da lei, não podem ser justificados. A que fim, pois, são empregadas tais instrumentalidades, senão para deixar os perversos transgressores da lei sem escusa e vindicar a justiça divina em sua condenação? “Quando, pois, os gentios, que não têm lei [isto é, a lei como escrita nas Escrituras], procedem, por natureza, de conformi­dade com a lei, não tendo lei, servem eles de lei para si mesmos. Estes mostram a norma da lei gravada em seu coração, testemunhando-lhes também a cons­ciência e seus pensamentos, mutuamente acusando-se ou defendendo-se” (Rm 2.14,15). E dos que, não tendo a lei escrita, violam esta lei natural incorporada na consciência, declara-se expressamente que perecerão. “Assim, pois, todos os que pecaram sem lei também sem lei perecerão” (Rm 2.12). Porventura Deus é insincero em ministrar instrações, protestos e advertências da lei aos que não podem obedecê-la em sua força natural, e a quem Ele não tem comu­nicado conhecimento do esquema redentivo através das provisões unicamente das quais podem escapar à condenação e apresentar-lhe obediência aceitável?

Porventura Deus é insincero em impor as demandas de Sua lei a qualquer pessoa, não-evangelizada ou evangelizada, embora bem saiba que o resultado

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será o excitamento de contradição e oposição, em vez de obediência a tais requerimentos, e embora bem saiba que tal resultado não pode ser evitado exceto em consequência da comunicação de Sua graça salvífica?

Tais considerações vão mostrar que Deus, em inumeráveis exemplos, der­rama a luz da natureza e da lei moral sobre os homens ímpios para o propósito de convencê-los de pecado e assim tomá-los inescusáveis. E, se Lhe apraz adotar este curso para com os desprezadores de Sua lei, por que alguém tem de ser censurado por atribuir-Lhe insinceridade, quando segue um curso seme­lhante para com os desprezadores de Sua graça? Em nenhum desses casos é Ele obrigado a restaurar aquela capacidade de obedeccr-Lhe, a qual os ho­mens perderam por seu próprio pecado; e se um dos fins daquele govemo moral que Ele ora conduz é fomecer uma exposição completa e exaustiva do desesperador mal do pecado, alguém, fundamentando seu juízo meramente em bases racionais, poderia sem temeridade concluir que tal fim seria mais eficaz­mente atingido por permitir que o perverso exiba uma inimizade maligna para com Seu evangelho, e também para com Sua lei. Isso só poderia ser feito pondo-os em contato com a oferta do evangelho. Se rejeitam essa oferta, feita a cada um que esteja disposto a recebê-la, a oposição nata de seus corações a Deus é mais claramente posta à superfície e exibida. Aos desprezadores das ricas e inumeráveis bênçãos livre e graciosamente oferecidas no evangelho. Deus pode justamente pronunciar as palavras: “Vede, ó desprezadores, maravilhai-vos e desvanecei” (At 13.41). É mui certo que Deus poderia, se Lhe aprouvesse, constranger a cada um que ouve a oferta do evangelho a aceitá-la. O fato de que Ele não o faça, sejam quais forem as inferências que se extraiam, legitima isto: que Seu propósito é desvendar e trazer á luz o caráter maligno e inescusável do pecado. Não crer em Cristo é o clímax da perversida­de. No grande dia, cada boca será fechada; mas especialmente será ferido com mudez quem igualmente houver desprezado a graça do evangelho e a justiça da lei.

Se, pois. Deus dá a cada um que ouve o evangelho a autoridade e direito de abraçar a salvação que Ele oferece, Ele é sincero em estender a oferta a todos, não obstante o fato de que não confere a todos a graça que efetua sua recep­ção. Os que a rejeitam não serão capazes de escusar-se mediante a alegação da insinceridade de Deus.

Também merece nota, como alguns doutores têm demonstrado, que se re­quer fé sobre as bases da justiça, como sendo o primeiro dever do pecador a fim de que faça reparação pela injúria feita à veracidade divina no primeiro caso da transgressão do homem. Deus, distintamente, testificou ao homem no estado de inocência: “Porque, no dia em que dela comeres [isto é, da árvore do conhecimento do bem e do mal], certamente morrerás” (Gn 2.17). Esse teste­

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munho divino o diabo negou mui distintamente. O homem creu no diabo e des­creu de Deus. A palavra divina foi desacreditada pela descrença. Portanto, na suposição de que o homem deva ser restaurado ao favor de Deus, é justo, é necessário e próprio, que uma mera fé no testemunho simples de Deus seja exigida dele como o primeiro passo para sua recuperação. O requerimento de fé da parte do pecador é, consequentemente, não meramente uma medida de mercê para com ele, e sim de justiça para com Deus. A expiação de Cristo, proposta para a aceitação do pecador como o meio de sua reconciliação com Deus, é o livre produto da graça, e é graça exuberante que, no primeiro caso, nada, senão fé na provisão da redenção, seria demandado do pecador; mas há uma razão para a exação de fé no testemunho divino para este plano de recu­peração, o quai está profundamente sediado na justiça e na lei. A salvação do culpado emana da livre e imerecida mercê de Deus, mas é efetuada de tal maneira, mesmo com respeito à sua aplicação experimental, que se harmoniza com as perfeições divinas de justiça e verdade, e para honrar, vindicar e esta­belecer os princípios do govemo moral de Deus. A queda começou na incredu­lidade, e a restauração do pecador acertadamente começa com a fé. O insulto oferecido à palavra divina tem de ser obliterado por uma confiança simples e inquestionável nela. Da parte de Deus, o requerimento de fé da parte do peca­dor para sua salvação é uma demanda da justiça, e nesse aspecto dele pode ser imparcialmente posto sobre o pecador espiritualmente incapacitado como qual­quer outro prec-eito de obedecer á lei moral. Nesta visão do caso, é claro que não envolve um afastamento da sinceridade por Deus requerer fé em Cristo da parte do pecador porque ele não pode, em sua própria força, exercê-la, mais do que para Deus demandar obediência à Sua lei dà parte do pecador, porque ele não pode, em sua própria força, cumpri-la. Deus requer sincera obediência à sua lei da parte do pecador, embora bem saiba que, sem sua graça eficaz, essa obediência não pode ser prestada, e embora Ele não haja proposto comunicar essa graça para impor-lhe sua realização. Da mesma forma. Deus, sincera­mente, requer da parte do pecador fé no evangelho, embora bem saiba que, sem Sua graça eficaz, ele não pode exercê-la, e embora Ele não haja proposto conceder essa graça para impor-lhe seu exercício.

Os homens argumentam como se a exortação para que o pecador creia em Cristo fosse simplesmente um convite a ele para participar das bênçãos gra­tuitamente dadas pela mercê. Certamente é isso, mas certamente não é só isso. Esquece-se que isso impõe iraia obrigação ao desempenho de um dever imperativo. Toda a raça jaz sob a terrível culpa de haver crido no diabo e feito Deus mentiroso. Os que vivem sob o evangelho são obrigados a remover esta torpe desonra feita à veracidade divina. O calvinista só poderia ser convencido de representar Deus como insincero em requerer esta reparação de Sua honra

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injuriada, se mostrar que sua doutrina é que Deus mesmo influenciou os ho­mens a preferirem o testemunho de Satanás ao Seu próprio; e isso o calvinista nega.

Tenha-se em mente também que, enquanto, como já vimos. Deus, ao es­tender a oferta do evangelho a todos os homens, fomece a todos uma ampla permissão de crer em,Cristo e de ser salvos, Ele não é obrigado por qualquer uma de suas perfeições a dar a todos a disposição de se valerem de tal permis­são. Eles não têm nenhum direito sobre Ele. Eles se apresentam em sua condi­ção de pecado e incapacidade, e, consequentemente, não podem ter nenhum motivo de queixa contra Deus por não removerem sua indisposição de atender Sua ordem e convite de crerem em Cristo.

Mas, enquanto é verdade que Deus não é obrigado a dar a todos que ou­vem o evangelho a disposição de aceitarem seus convites, também é verdade que Ele não impede a ninguém de valer-se deles e de receber a salvação atra­vés de Cristo. No que diz respeito a Ele, todos os obstáculos legais já foram removidos, os quais barravam o acesso dos pecadores á Sua perdoadora mer­cê. A estrada mmo ao Seu favor j á foi liberada, por meio da obra consumada de um Salvador expiatório. Todos os que quiserem ir a Ele podem fazê-lo. Ne­nhum que for a Ele é recusado. As únicas barreiras entre os pecadores e a salvação são aquelas que são erguidas por eles mesmos. Deus não erige ne­nhuma. Seu decreto, executado por Sua graça eficaz, constrange alguns de irem a Ele; mas Seu decreto não impede a ninguém de ir. Ele decreta condenar os homens por não irem a Ele, não barrá-los de ir. Portanto, Ele é sincero em abrir a porta da misericórdia a todos os que quiserem entrar por ela.

Observe-se ainda mais que Deus não exerce influência positiva sobre as mentes de quaisquer pecadores com o fim de detê-los de irem a Cristo para salvação. Ele não cria neles indisposição de ir. Se o fizesse, haveria algum matiz de verdade na acusação de que Ele os trata insinceramente, fazendo-lhes a oferta da salvação. E comum representar o calvinista como a manter que Deus acorrenta o pecador a uma estaca e então o convida a tomar posse das provisões que estão postas além de seu alcance. O calvinista não ensina tal doutrina. Ele declara que o pecador se agrilhoa e que prefere suas cadeias às provisões de redenção que lhe são oferecidas. Ele forja sua própria cadeia e então a acalenta. A doutrina genuína é que o pão e a água da vida são ofereci­dos a todos. Ninguém, por natureza, sente fome de pão; ninguém sente sede de água. A alguns Deus aprouve comunicar a fome e a sede que os impelem a ir e a participar. Outros, Ele deixa sob a influência de uma repugnância por essas provisões de salvação - uma repugnância não implantada por Ele, e sim engen­drada pelo próprio pecado voluntário deles. Ele não infunde em ninguém uma aversão pelo pão e pela água da vida. Se desejassem participar deles, poderiam;

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pois Deus os convida, e por isso os autoriza a irem a eles e os desfrutarem. Porventura Deus é insincero neste procedimento só porque eles se excluem dessas bênçãos? Significa modificar o embasamento da objeção dizer que Ele sabe, quando estende o convite, que eles são, sem Sua graça, incapazes de aceitá-la. Essa dificuldade já foi resolvida. No que ora se insiste é que Deus não infunde tal incapacidade. Ela é auto-engendrada. Na parábola do Grande Ceia, nosso Senhor ilustra o convite que Deus estende a todos os que ouvem o evangelho e venham participar de suas provisões salvíficas. Todos os que fo­ram convidados à Ceia recusaram a vir. O Senhor da festa constrangeu alguns a virem. Esta discriminação prova que Ele é insincero em convidar os outros? Por certo que não. Sua própria indisposição foi a causa de sua recusa. Ele só poderia ter sido insincero na suposição de que assim os influiu para tomá-los indispostos. De igual modo, a recusa dos pecadores em aceitar a oferta do evangelho é causada por sua própria indisposição; tampouco Deus pode ser acusado de insinceridade, exceto na suposição de que sua indisposição fosse produzida por Sua agência. Essa suposição não faz parte da doutrina calvinista. Qualquer afirmação em contrário constitui uma interpretação equivocada.

Mas, alguém poderá alegar: Onde, depois de tudo, está a sinceridade de convites endereçados a mortos; de uma capela mortuária animada como se fosse um salão de banquete, espalhando nela uma festa de viandas e exortando a cadáveres emoldurados a ressuscitarem e participarem do suntuoso repasto? A menos que a^vida seja infundida neles, não passa de implacável e solene motejo exortá-los a tentarem exercer as funções dos vivos. Além da resposta que já se fomeceu a esta objeção, admitem-se as seguintes considerações:

Primeiro, os pecadores não estão mortos num sentido tal que estejam total­mente além do alcance da oferta do evangelho. O efeito da queda foi a total destmição da vida espiritual. Esta foi totalmente eliminada de cada faculdade da alma. A santidade não era um elemento essencial, e sim uma qualidade separável da constituição do homem original. É uma prova suficiente daquela posição que todos os teólogos evangélicos admitem a possibilidade de sua res­tauração após haver sido perdida. As faculdades que eram essenciais à própria formação e constituição do homem sobreviveram ao desastre da queda; de outro modo, sua existência teria sido extinta. Portanto, embora o princípio de vida espiritual não mais exista até que seja restaurado pela graça supematural, o intelecto, as emoções, a vontade, considerados ao menos quanto à sua espon­taneidade, e a consciência como uma faculdade moral, contudo continua suas funções na esfera natural. Em contato com esses poderes. Deus ministra as instmções, convites e ameaças do evangelho. O evangelho não fala a troncos e pedras; ele é endereçado a seres que são inteligentes, emotivos, voluntários e morais. São capazes de apreender sua afirmação de que são espiritualmente

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mortos, e sua graciosa oferta feita a eles da dádiva da vida etema. Podem entender a proposição de que Deus, através de Cristo, proveu redenção para os pecadores, e que são graciosamente convidados a aceitá-la. São suscetíveis de algum sentimento do desejo de obtê-la e de algum senso da obrigação de buscá-la.

Segundo, com a operação destas faculdades naturais na esfera moral, o Espírito Santo concorre no desempenho do que tem sido chamado obra de Sua lei. Ele ilumina o entendimento, estimula as afeições, pressiona a consciência às sanções da lei moral e dirige a atenção do pecador às provisões da miseri­córdia redentiva que são propostas à sua aceitação do evangelho.

Terceiro, há algo que o pecador não-convertido poderá fazer? Esta é uma questão importante. E indubitável que ele pode fazer algo na esfera espiritual, pela razão de que ele é espiritualmente morto. Ele não pode converter a si mesmo, pois como pode um homem morto restaurar-se à vida? Ele não pode arrepender-se, não pode crer em Cristo, pois arrependimento e fé pressupõem a posse da vida espiritual. Esta incapacidade é em si mesma pecado e, como já se mostrou, não se pode dizer que absolve o pecador da obrigação de obedecer aos requerimentos de Deus, sejam meramente legais, sejam evangélicos, a menos que se assuma a absurda base de que o pecado pode inocentar o peca­do. A incapacidade espiritual do pecador não é a razão poí^que Deus não pode consistentemente ou com a justiça ou com a bondade ou com a veracidade ordenar-lhe e convidá-lo a arrepender-se e crer. A gravidade da distinção entre incapacidade original e penal dificilmente pode ser superestimada, embora ela seja uma que seja tão raramente enfatizada. Ela foi mantida tanto por Agosti­nho como por Calvino. Este diz; “Pois visto que ele [Agostinho] já dissera ‘ que não se pode descobrir nenhimia base de culpabilidade quando a natureza ou a necessidade govema’, ele nos acautela que isto não é válido exceto com res­peito a uma natureza sã e em sua integridade; que os homens não estão sujeitos à necessidade senão como o primeiro homem a contraiu para eles por sua culpa voluntária. ‘Para nós’, diz ele, ‘a natureza constitui uma punição, e o que era ajusta punição do primeiro homem para nós é a natureza. Visto, pois, que a necessidade é a punição do pecado, os pecados que daí procedem são justa­mente censurados, e a culpa deles é merecidamente imputada aos homens, porque a origem é voluntária’.” ’

O Dr. Thomwell reforça a distinção nestas impressionantes palavras “De­vemos distinguir entre incapacidade como original e incapacidade como penal. Poder moral é nada mais nada menos que hábitos e disposições; é a percepção da beleza e a resposta do coração à excelência e glória de Deus, e a consequente

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sujeição da vontade à lei do amor santo. Percepção espiritual, deleite espiritual, escolha espiritual, estas, e tão-somente estas, constituem a capacidade para o bem. Ora, se pudéssemos conceber que Deus fez uma criatura destituída des­ses hábitos, se pudéssemos conceber que ela veio das mãos do Criador na mesma condição moral em que nossa raça agora nasce, é impossível vindicar a obrigação de tal criatura à santidade sobre algum princípio de justiça. É ocioso dizer que sua incapacidade é apenas a intensidade de seu pecado, e, quanto mais desamparada, tanto mais perversa é. Sua incapacidade é o resultado de sua constituição; pertence à sua própria natureza como criatura, e ele não é mais responsável por tais defeitos do que um homem aleijado é responsável por seu andar manquejante ou um homem cego por sua incompetência de distinguir as cores. Ele é o que Deus o fez; ele corresponde à ideia de seu ser e não é mais culpável pela condição deformada de sua alma do que um camelo pela deformidade de seu dorso. O princípio é intuitivamente evidente que de nenhu­ma criatura se pode requerer que transcenda seus poderes. A capacidade condiciona a responsabilidade. Uma capacidade original, natural no sentido que ela penetra a noção da criatura como tal, oblitera completamente todas as dis­tinções morais com referência aos atos e hábitos abarcados em sua esfera.”

“Mas há outra: a incapacidade penal. E aquela que o homem tem acrescido á sua própria transgressão voluntária. Ele era naturalmente capaz - isto é, criado com todos os hábitos e disposições que estavam envolvidos na amorosa escolha do bem^A retidão foi infundida em sua natureza; ela compreendia a ideia de seu ser; ele era plenamente competente para cada exação da lei. Ele escolhe o pecado, e por isso cada ato de escolha impregna sua natureza com hábitos e disposições contrários. Sua agência moral continua intata ao longo de sua subsequente existência. Ele se toma escravo do pecado, mas sua impotên­cia, desajudada e arminada como é, resulta de sua própria livre escolha. Na perda dos hábitos ele perde todo poder real para o bem; ele se toma competen­te para nada senão para o pecado; mas ele é mantido responsável pela nature­za que Deus lhe deu, e a lei que constitui sua etema norma segundo a ideia divina e os espontâneos ditames de sua própria razão nunca pode cessar de ser o padrão de seu ser e vida. Todos os seus descendentes estavam nele quando ele pecou e apostatou. Seu ato era legalmente deles, e aquela depravação que ele infundiu em sua própria natureza no lugar da retidão original se tomou a herança deles. Portanto, desde o primeiro momento de sua existência, eles estão na mesma relação para com a lei que ele ocupava em sua queda. A impotência deles é propriamente deles. Aqui não é o lugar de mostrar como isto pode existir. Apenas estou mostrando que há uma nítida distinção entre a inca­pacidade que começa com a natureza de uma existência e a incapacidade que ela traz sobre si pelo pecado; que em um caso a responsabilidade é medida pela

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extensão do poder atualmente possuído; no outro, pela extensão do poder origi­nalmente comunicado. Nenhum sujeito, ao tomar-se traidor, pode ser privado da obrigação de obediência; ninguém pode escapar à lei por oposição voluntá­ria à lei. Quanto mais desamparada uma criatura se toma neste aspecto do caso, mais perversa é; quanto mais recua da ideia divina, da verdadeira norma de sua existência, mais culpada e mais miserável é. Para as criaturas num estado de apostasia, tal capacidade não é, portanto, a medida de obrigação. Não podem escusar-se sob a alegação de incompetência, quando essa própria impotência é aquilo que lhes é imputado.”^

Este tema já foi focalizado visando, em primeiro lugar, mostrar que, como a incapacidade espiritual do pecador não pode absolvê-lo da obrigação de render obediência a qualquer requerimento que porventura apraza a Deus fazer, não há insinceridade envolvida na extensão da oferta do evangelho, ocasionada pelo conhecimento divino da incompetência do pecador de abraçá-lo; e, em segundo lugar, de guardar-se contra qualquer falsa interpretação dos pontos de vista a serem apresentados com respeito àquela medida de capacidade que o pecador não-regenerado possui na esfera meramente natural.

A questão recorrente; Pode o pecador não-regenerado fazer alguma coisa com respeito à oferta de salvação comunicada no evangelho? Minha resposta é;

Ele pode querer ou não colocar seu entendimento em tal relação com a evidência que Deus propõe para sua consideração, com os fatos e ensinamentos, os convites, protestos e advertências do evangelho, que seja apropriado para impeli-lo ao dever, ao plano de ação, à importância de prestar atenção à grande preocupação da salvação pessoal.

Ele pode querer ou não atender às ordenanças da casa de Deus e alistar-se à pregação da palavra divina, e assim colocar-se no caminho enquanto Jesus, como Salvador, está passando.

Ele pode querer ou não ler as Escrituras, e assim sujeitar sua mente às influências que são apropriadas a ser empregadas.

O que impede o homem não-regenerado de fazer estas coisas? O que o impede de ouvir o pregador do evangelho mais do que qualquer orador público? O que o impede de encaminhar-se ao santuário mais do que ir a qualquer outro edifício? O que o impede de ler a Bíblia mais do que ler atentamente qualquer outro livro? Para fazer essas coisas, de modo algum depende da graça supematural. Ele pode fazê-las no exercício de sua vontade natural. Ora, na suposição de que ele se valha, como tem a competência de fazer, destes meios que Deus lhe fomece na esfera natural, é perfeitamente possível que ele seja

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impelido pelas afirmações do evangelho concernentes à sua condição perdida e arruinada como pecador, e a redenção efetuada por Cristo, e a conveniência e necessidade de concordar com os reclamos da misericórdia. É também conce­bível que ele seja convencido de sua total incapacidade de aceitar a oferta do evangelho e de confiar em Cristo para a salvação.^^

Nesta condição mental, ele pode querer ou não querer clamar a Deus por socorro. O que o impediria de determinar, em vista de sua incapacidade de satisfazer a exigência, orar para que Deus o capacite a ir a Cristo e aceitar a oferta de salvação? Os homens, sinceramente, só apelam para o socorro quan­do não podem socorrer a si próprios. A própria convicção de impotência seria o mais forte motivo para a oração. Ora, o trono da graça é acessível a todos. Deus não barra a nenhum suplicante sincero de ter acesso a Ele. Convida o angustiado a clamar a Ele e promete que responderá ao seu clamor.

Estas coisas, pois, o pecador não-convertido pode fazer na esfera natural: ele pode ouvir a pregação do evangelho, pode ler as Escrituras, pode invocar a Deus pela graça libertadora. Nessa capela mortuária em que o objetor pinta a festa evangélica como preparada - sim, no sepulcro em que seu cadáver espi­ritual se encontra, ele pode, no exercício de seus poderes naturais, apreender o convite de participar das bênçãos da redenção e de clamar a Deus por capaci­dade para abraçá-la. Suas orações não teriam mérito: elas, ao contrário, seriam a expressão de impotência, de autodesespero e de total dependência de Deus.

Portanto, se o pecador não-regenerado pode fazer estas coisas, que base há para imputar a Deus insinceridade, ao estender-lhe a oferta do evangelho e insistir com ele que o aceite? Se ele não quer fazer o que é capaz de fazer, com que despropósito pode ele encontrar falha em Deus por não fazer por ele o que ele mesmo não é capaz de fazer? Que escusa ele dará no dia dos encontros finais por sua voluntária negligência dos meios que foram postos em seu poder? O Juiz lhe perguntará naquele dia: Você foi ao santuário e ouviu a pregação do evangelho? Leu seriamente as Escrituras? Invocou a Deus para salvá-lo? Não sabia que poderia ter feito essas coisas? Ele ficará mudo; pois sua consciência interior atestará a justiça dos terríveis interrogatórios e fechará seus lábios á autojustificativa.^"'

Só resta mais uma consideração que farei com referência ao aspecto espe­cial do tema ora diante de nós. Os homens asseveram que possuem o poder de livre-arbítrio. Reivindicam a capacidade de decidir a questão se aceitam ou não

33. Owen, Works, vol. iii. p. 229, ff. Goold’s Ed.34. Uma linha de argumento semelhante, mui habilmente apresentada pelo Rev. S. G. Winchester,

pode ser encontrada no primeiro volume dos tratados publicados pela Presbyterian Board of Publication, Filadélfia.

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a oferta da salvação pela determinação de suas próprias vontades. Arrogam isto para si diante do claro e inequívoco testemunho da Palavra de Deus em contrário. As Escrituras lhes informam que estão mortos em delitos e pecados, e que só podem ver o reino de Deus pela virtude de um novo e supematural nascimento, envolvendo a infusão da vida espiritual, a renovação de suas von­tades e capacidade de abraçar a Cristo como Ele se acha oferecido no evange­lho. Eles negam isto de modo presunçoso, e ousadamente tomam por admitido que nem Deus mesmo pode determinar a vontade humana por Sua graça efi­caz, sem invadir os direitos e prerrogativas que pertencem à sua constituição essencial. Eles mesmos devem decidir a questão de abraçar a oferta de salva­ção pela escolha indeterminada de suas próprias vontades. Eles podem ser assistidos pela graça, porém não podem ser controlados por ela e nem devem ser. A soberania do livre-arbítrio humano tem de ser preservada.

Quando, concordemente. Deus lhes faz uma oferta de salvação e os cha­ma a aceitá-la, sem comunicar-lhes a graça eficaz, determinante, constrange­dora, a qual deliberadamente exprimem sua indisposição de receber, o que Ele faz senão satisfazê-los em seu próprio terreno? Se não lhes oferecesse a salva­ção, Ele, segundo seu próprio conceito, os teria tratado injustamente. Não lhes outorgasse a graça constrangedora, Ele, segundo seu próprio conceito, contraditaria a constituição que lhes comunicou. Muito bem. Deus os trata pre­cisamente como eles demandariam dele. Ele oferece a salvação para a aceita­ção deles; não lhes confere a graça constrangedora. E justamente o que eles devem ter. Onde, pois, está a razoabilidade da queixa de que Deus é insincero, se o caso for considerado do próprio ponto de vista deles?

Não é em resposta a esta afirmação da matéria que o calvinista diz: Deus sabe que é falsa a reivindicação do pecador não-convertido à posse do livre- arbítrio nas coisas espirituais. Deus não só conhece tal fato, mas fielmente certifica o pecador dele, chama sua atenção para ele e o exorta a renunciar toda dependência de si mesmo e a lançar-se na imerecida e soberana miseri­córdia. O pecador escarnece do fiel e bondoso tratamento de sua alma. Porventura Deus não está certo em permitir que ele ande na luz das fagulhas que ele acendeu e de comer o fhito de seus próprios feitos? Deus não está certo em dizer-lhe, com efeito: Você reivindica o poder de decidir sobre a ques­tão de sua própria salvação - você tem seu próprio método; Eu lhe ofereço a salvação - não posso determinar insuperavelmente sua vontade; teste a ques­tão do método de você escolher - deixo que o resultado prove quem está certo; se é você ou se é Deus. Seria ousado e arrogante assinalar as razões para os procedimentos de Deus, salvo naqueles casos em que Lhe aprouve revelar- lhes; mas, se é uma parte de Seu plano fomecer uma exposição completa dos princípios do pecado e da graça operando em conexão um com o outro, parece­

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ria necessário testar a reivindicação de um pecador não-regenerado à posse do livre-arbítrio e a capacidade em relação às coisas espirituais e àquelas que concernem à salvação da alma. Isto é eficazmente feito pela graciosa oferta da salvação ao pecador, sem opor nenhum obstáculo à sua recepção dela; e tam­bém por tomá-lo em sua própria palavra, tratando-o em seus próprios termos e deixando-o à decisão de sua própria vontade não determinada por uma influên­cia irresistível da graça. Isto é exatamente o que o pecador alega ser justo e o que a teologia arminiana formalmente demanda dele. As condições exigidas da parte humana são imparcialmente supridas da parte divina. O resultado é incor­porado, e a questão aguarda decisão, se a vontade de um ser apostatado possui capacidade eletiva na esfera espiritual. E pouco se arrisca, quando se aventura à opinião de que o resultado final, iluminado pela luz do grande e judicial dia, será que a reivindicação de um ser apóstata e não-regenerado de possuir livre- arbítrio nas coisas espirituais explodirá aos olhos do universo que é espectador. A prova real, qualquer que seja, estabelecerá para sempre o litígio.

Havendo vindicado a doutrina calvinista do ônus de inconsistência com a sinceridade de Deus, prossigo mostrando que ao arminiano é difícil redimir sua própria doutrina do mesmo ônus. .

Primeiro, alguém não consegue ver como imia oferta do evangelho, quando não realmente feita, se pode dizer ser sinceramente feita. Há grandes territóri­os do mundo que são designados como pagãos pela própria razão de que não possuem nenhum conhecimento do evangelho. A eles não se comunica a oferta das bênçãos da redenção. Mas o arminiano insiste que, como a expiação de Cristo foi feita a cada indivíduo da raça, há uma oferta correspondente de seus benefícios a “cada alma himiana”. E como Deus reparte a cada pessoa capa­cidade sufíciente de abraçar a oferta, Ele é sincero em estendê-la a todos. Mas é preciso encarar o fato de que a oferta do evangelho realmente não é comunicada a todos aqueles a quem se alega que a redenção foi adquirida. Miríades de pagãos nem conhecem aquela redenção que foi efetuada, nem que seus benefícios lhes são oferecidos. Realmente não se faz nenhuma oferta do evangelho às massas dos pagãos. Para eles, ela é zero; e do zero nada se pode predicar. É absurdo dizer que uma oferta que não é feita é sinceramente feita. Uma oferta sincera que não é feita é um sincero nada.

Caso se diga que a oferta como contida na Bíblia é expressa em termos universais, replica-se outra vez, como antes, que os pagãos não possuem a Bíblia, e por isso nada sabem da oferta, não importa em que termos seja ela comunicada. Se numa cidade fosse oferecida uma festa e convites fossem emitidos para que todos os seus habitantes fossem convidados, e, no entanto, os convites fossem enviados somente a alguns e o restante permanecesse igno­rando o fato de que estavam inclusos, como se poderia dizer que o convite se

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estendeu sinceramente a todos? Com respeito a tal convite feito a todos, não se suscita a dúvida sobre a sinceridade. A única dúvida seria quanto à existência do convite.

A dificuldade retrocede para muito aquém disto. Pode-se indagar honesta­mente como se pode saber que Deus era sincero em fazer uma provisão redentiva para todos aqueles a quem Ele não tencionava, por esta providência, estender a oferta de participação em seus benefícios. Pois se admitirá que Deus poderia, caso Lhe aprazesse, comunicar a oferta do evangelho a cada indivíduo da raça. Mas não Lhe aprouve fazê-lo. Mas não se dá a razão da inconsistência entre a alegação de que Deus, em Sua Palavra, declara que a provisão de redenção é designada a cada ser humano e o fato de que, em Sua providência, Ele não estende a oferta de suas bênçãos a cada ser humano. E é preciso insistir na questão como, em vista desta inconsistência, a sinceridade de Deus pode ser vindicada. Nenhuma conjetura pode abrandar esta dificuldade, exceto sobre a base de que Cristo tem imposto à Igreja a obrigação de comunicar a oferta do evangelho a toda a humanidade. Isto não vale para a Igreja veterotestamentária, enquanto vale para a Igreja neotestamentária, até que se aquiesça que a capa­cidade e a disposição da Igreja para esta obrigação são conferidas somente pela graça de Deus. Com certeza, a inclinação meramente natural dos cristãos não os impeliria a comunicar aos pagãos o conhecimento do evangelho. A von­tade decretiva de Deus, portanto, deve ser considerada como implícita no fato de que o evangelho não é realmente comunicado a cada indivíduo da raça.

Não alivia a dificuldade dizer que Deus comimica graça suficiente à Igreja para capacitá-la a obedecer ao mandamento de sua Cabeça a pregar o evan­gelho a cada criatura e deixar que ela, pela livre decisão de sua vontade autodeterminante ponha o mandamento em execução. Porque, nesse caso, deve­se confessar que Deus sabia de antemão que a Igreja falharia, em grande medida, em render obediência ao mandamento, e então condicionou em sua desobediência o destino do mundo pagão. Ele não designou nenhum outro meio para a comunicação do evangelho aos pagãos além da agência da Igreja, e sabia que essa instrumentalidade não seria adequadamente empregada para a concretização do fim contemplado. O arminiano não pode escapar á dificulda­de de acomodar, em seus princípios, á sinceridade de Deus a não-extensão da oferta do evangelho a grandes porções da raça. O calvinista não é cumulado com esta dificuldade, porque, em primeiro lugar, ele não declara que a expiação de Cristo foi oferecida a cada indivíduo da humanidade; e porque, em segundo lugar, ele declara que o convite a participar dos benefícios da expiação se es­tende a todos os que ouvem o evangelho.

Segundo, o arminiano é confrontado com esta dificuldade: segundo sua doutrina, a capacidade de aceitar a oferta do evangelho é comunicada àqueles

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a quem essa oferta nunca é realmente feita. Ele ensina que Deus tem dado a cada um graça suficiente - equivale dizer, graça suficiente para capacitá-lo a abraçar a salvação adquirida por Cristo para ele. O arminiano evangélico, como já se mostrou, mantém que Deus, através do mérito de Cristo, já removeu da raça a culpa do pecado de Adão, e que ele já comunicou certo grau de vida espiritual a cada alma humana, ou, como se expressa de outro modo, removeu certo grau de morte espiritual de cada alma humana. O resultado é que a cada um dentre a raça é munido, pela graça supematural, com capacidade de abra­çar a oferta do evangelho sempre que lhe for oferecida. Ele é assim preparado para sua recepção. Esta capacidade divinamente comunicada para recebê-la deve ser considerada como uma profecia e um penhor que serão postos em contato com ele; justamente como a capacidade divinamente dada de o filho receber alimento é uma promessa registrada em sua própria formação de que a nutrição necessária lhe será provida. Por que a capacidade receptiva, em qual­quer um dos casos, se nunca se pretendeu que a coisa a ser recebida fosse posta em relação a ela? Haveria uma contradição de um penhor divino implicitamente, porém realmente estampada na natureza do homem - uma metade de um arranjo divino, o qual pressupõe e garante a outra metade como seu complemento; outra metade que, entretanto, está faltando. Os pagãos são munidos com ampla capa­cidade de abraçar a oferta do evangelho, mas nunca é posta em relação com as incontáveis multidões deles. E justo perguntar: Onde, em tal suposição, está a sinceridade divina? A questão não é que os pagãos não sejam cônscios deste dom divino da graciosa capacidade de receber o evangelho. Isso só mostraria que ele não é cônscio da violação de Deus do penhor embutido em seu ser. A inconsistên­cia está na doutrina arminiana. E para isso que se chama a atenção. Deus é representado como a não cumprir uma garantia e penhor implícitos, porém reais.

Numa ou noutra das seguintes formas se concebe que o arminiano pode tentar descartar este argumento:

Em primeiro lugar, ele pode relutar dizendo que a evangelização, por meio de missionários cristãos, não é o único método pelo qual os pagãos adquirem o conhecimento do esquema evangélico, mas possuem, à parte desse método, familiaridade suficiente com a promessa de redenção a condicionar sua salva­ção. Quando a objeção á doutrina calvinista de sua inconsistência com a bon­dade divina estava em análise, esta hipótese foi discutida e refutada. Entretan­to, algo mais com respeito a ela pode agora ser acrescido.

Pode-se dizer que é impossível assinalar um limite de tempo além do qual o mundo em geral cessou de ter alguma familiaridade salvífica com as provisões do evangelho; e que casos como o de Jó e de Melquisedeque pareceriam mos­trar que certo conhecimento do evangelho suficiente para salvar teria se deri­vado das tradições da dispensação patriarcal, ou por revelação imediata.

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Os casos para os quais se apela foram aqueles de pessoas que viveram no período patriarcal; e certamente não é válido fazê-los análogos ao caso do pagão que viveu após a expiração da dispensação judaica e o começo da cristã. Além disso, eles são demasiadamente extraordinários e excepcionais para se­rem usados como ilustração da condição das massas do mundo pagão. Somos por demais ignorantes acerca da questão quem foi Melquisedeque para empre­gar seu caso como um elemento neste argumento; e pode-se indagar com pro­priedade: Que casos, desde os primórdios da dispensação cristã, já se desco­briu entre os pagãos que contêm alguma semelhança com o de Jó e seus con­temporâneos? Como o centurião Comélio viveu em contato com os judeus, é óbvio que ele derivou deles próprios seu conhecimento do evangelho; aliás, esse fato é expressamente mencionado na história de seu caso.

A hipótese de uma revelação imediata do plano de redenção aos pagãos é abmpta e fantasiosa demais para merecer séria refiitação. Há uma considera­ção que deveria, com os que aceitam a autoridade das Escrituras, ser decisiva sobre esta questão. É o que Paulo, o apóstolo, notifica às nações pagãs, clara­mente em sua Epístola às igrejas congregadas dentre estas, que anteriormente à pregação do evangelho por missionários cristãos os membros daquelas igre­jas eram destituídos de qualquer conhecimento do esquema da salvação. Quem duvidaria disto, dentre os que leem a descrição da condição moral dos pagãos, como dada por ele na Epístola aos Romanos? E, na Epístola aos Efésios, ele fala expressamente sobre o tema. Ele convoca os membros da igreja em Efeso a se lembrarem bem da ignorante e desesperançada condição em que viviam antes de ouvir o evangelho de seus lábios. “Naquele tempo”, diz ele, “estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança e sem Deus no mundo. Mas agora, em Cristo Jesus, vós que antes estáveis longe, fostes aproximados pelo sangue de Cristo” (Ef 2.12, 13). Aqui ele informa os crentes efésios que, quando ainda eram pagãos, viviam alienados da comunidade de Israel, ou seja, que não tinham qualquer conexão com a Igreja de Deus; e, em conseqüência desse fato, eram estranhos às alianças da promessa, pelo quê ele quer dizer que eram ignorantes do evangelho. Porque não viviam em contato com a Igreja, não puderam ter qualquer conhecimento do evangelho. E porque eram ignorantes do evangelho, viviam, continua argumentando, sem Cristo; notificando claramente que não pode haver nenhuma relação salvífica com Cristo à parte do conhecimento do evangelho. Além do mais, porque viviam sem Cristo, ele declara que viviam sem Deus. Vivendo em sua condição pagã, não tendo nenhuma relação salvífica com Cristo, não podiam ter nenhuma relação salvífica com Deus, e, portanto, não tinham qualquer esperança. Nesta passagem, o apóstolo ensina claramen­te que os pagãos, à parte dos labores evangelísticos dos missionários cristãos.

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não possuem nenhum conhecimento salvífico do evangelho, e que, enquanto perdurar essa ignorância, sua condição é sem esperança.

Na Epístola aos Romanos, ele faz uma afirmação mais geral. Ele declara que é necessário à salvação de qualquer pessoa, seja judia seja grega, que ela invoque o nome do Senhor, e que ninguém pode invocar esse nome se não ouvir dele por meio da pregação. Isto notifica claramente que sem a pregação do evangelho ninguém pode ter qualquer familiaridade salvífica com ele, como os pagãos que não têm qualquer conhecimento do evangelho.

Outros argumentos de um caráter similar poderiam ser extraídos da Escri­tura, mas estes são suficientes para aqueles que respeitam a autoridade da divina Palavra em refutação da suposição de que à parte da pregação dos missionários cristãos os pagãos possuem algum conhecimento do esquema evangélico.

Com tais representações da condição dos pagãos fornecidas nas Escritu­ras neotestamentárias, concorre a observação dos missionários modernos. Não encontram pagãos que tenham algum conhecimento do que seja o esquema do evangelho. E é evidente que os esforços missionários das corporações evangé­licas arminianas estão fundados nesta suposição de ignorância do evangelho por parte do mundo pagão. Não se pode, em consistência com suas admissões, afirmar que instituem esses esforços a fim de comunicar aos pagãos conheci­mento mais claro do evangelho do que se presume que já possuem. Prosse­guem na teoria de que sem a pregação de missionários os pagãos não têm familiaridade com nenhum dos elementos fundamentais do plano da redenção.

Se é óbvio que sem a pregação do evangelho ninguém dentre os pagãos possui qualquer conhecimento dele, a dificuldade permanece, ou seja, que, se­gundo a doutrina arminiana, Deus tem dado às massas de homens uma capaci­dade para aceitar a oferta de salvação e, ao mesmo tempo, não lhes garante a extensão dessa oferta feita a eles. Por conseguinte, a questão com respeito à sinceridade divina não foi respondida.

Em segundo lugar, o arminiano, a fim de solucionar a dificuldade em pauta, pode afirmar que os pagãos que não têm conhecimento do evangelho são sal­vos por uma aplicação indireta a eles dos méritos da expiação de Cristo. Mas a essência da teoria da graça suficiente, como comunicada a todos os homens, é que todos são assim capacitados a abraçar a oferta da salvação - arrepender- se do pecado e crer em Cristo. Qual é o ofício desta capacidade universalmen­te comunicada, se o modo como ele é exercido, as coisas em que ele se destina a determinar são completamente desconhecidas de seus possuidores? Ainda se presume que a mercê de Deus pode salvar os pagãos que não conhecem o evangelho através de uma aplicação indireta e, portanto, inconscientemente

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experimentada por eles dos benefícios da expiação, o que vem a ser da capaci­dade divinamente dada direta e conscientemente para receber tais benefícios? Há uma atitude fora do objeto a que ela se adequa, um poder sem o fim que extrai seu exercício, uma constituição divina para a integridade de que dois elementos complementares são necessários, mas dos quais um deles está au­sente. Manifesta-se que nesta hipótese nenhuma conta se pode prestar de uma capacidade universalmente comunicada para receber a oferta do evangelho, a qual se harmoniza com a sinceridade de Deus. Esse seria um inútil e, portanto, ilusório dote, uma profecia sem ciunprimento, um começo sem um fim possível.

Em terceiro lugar, o arminiano pode afirmar que a capacidade fomecida pela graça aos pagãos que não possuem o evangelho se destina a capacitá-los, em consequência da expiação, a renderem tal obediência á lei moral, abranda­da e acomodada à sua fraqueza, que assegurará sua aceitação junto a Deus. Não fora esta espantosa teoria formalmente enunciada e endossada, se pode­ria julgar impossível que ela fosse introduzida como um elemento numa teologia cristã. Mas ela não é uma sombra a ser exorcizada. Esta doutrina, como já se ressaltou, é afirmada e mantida por um teólogo não menos que o próprio Richard Watson.^^ Aliás, na passagem em que frata da capacidade possuída pelos pa­gãos, ele nem mesmo qualifica sua afirmação em presumir que a lei é acomo­dada à sua frágil força moral, mas afirma que eles são capazes de obedecer á lei como “escrita em seus corações”, isto é, “a lei fradicional cuja equidade suas consciências atestaram” que são “capazes de cumprir todas as coisas contidas na lei”; “que todos os gentios como eram então obedientes seriam ‘justificados na lei quando Deus julgar os segredos dos homens, mediante Jesus Cristo, segundo o evangelho’.” Admita-se, porém, que estes extraordinários pronunciamentos têm referência à lei moral como abrandada e acomodada á força moral dos pagãos, e que a teoria deve ser vista como afetada pela vanta­gem que tal admissão lhe fomeceria.

Pode-se mosfrar facilmente que a hipótese de um abrandamento da lei moral e sua acomodação à débil força moral do pecador é, respectivamente, antibíblica e absurda; que a possibilidade da justificação de qualquer pecador, seja sobre a dupla base dos méritos de Cristo e Sua própria obediência pessoal à lei, ou sobre a única base de Sua própria obediência pessoal, é igualmente confraditada pelo testemunho explícito da Escritura, dos credos de todas as igrejas protestantes e dos artigos simbólicos das entidades evangélicas arminianas; que a doufrina da justificação mediante a fé somente, como apre­sentada tão claramente na Palavra de Deus, vale para toda a raça humana, para os pagãos tanto quanto para os que possuem uma revelação escrita -

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sobre todas estas bases, a teoria sob consideração poderia, sem dificuldade, ser condenada como destituída da verdade. Mas o ponto que ora se enfatiza é se ela representa Deus como a violar Sua própria veracidade. Pois, se algo é suscetível de prova, é que em Sua Palavra Ele declara que, pelas obras da lei, nenhuma came será justificada. Esta teoria, ao asseverar que Ele comunica, a saber, aos pagãos, alguma nova capacidade de obedecer à lei visando à sua justificação, representa-o como a contradizer as mais claras afirmações de Sua Palavra. Nenhuma came, nenhum ser humano vivo, será justificado pelos fei­tos da lei. Alguma came, alguns seres humanos vivos, podem ser justificados pelos feitos da lei - esta é a massacrante contradição em que esta extraordiná­ria teoria envolve o Deus da verdade. As altemativas são: ou Ele é insincero nos ensinamentos de Sua Palavra, ou é insincero em Seus tratos com os pagãos.

Assim, fica demonstrado que a dificuldade de que a capacidade de aceitar a oferta do evangelho é comunicada a alguns a quem essa oferta não é atual­mente feita, uma dificuldade procedente diretamente da doutrina do arminiano e implicando-o na culpa de representar Deus como insincero, não é respondida e removida por qualquer dos métodos pelos quais ele pode buscar a consuma­ção desse fim. Dizer que Deus dá capacidade a todos os pagãos para a obten­ção da salvação é dizer, em relação às multidões deles, que, por Sua graça, Ele os capacita a fazer o que, por Sua providência, não lhes propicia qualquer oportunidade de fazer.

Terceiro, o arminiano acusa a doutrina calvinista de fazer Deus insincero em estender a oferta do evangelho aos não-eleitos; mas a doutrina arminiana é culpável de fazer Deus insincero em estender essa oferta a qualquer um. Real­mente, ela acarreta a mesma dificuldade em relação à extensão da oferta a cada ser humano, a qual a doutrina calvinista tem de enfi-entar com referência à sua extensão a alguns homens. A objeção assacada contra a doutrina calvinista é dupla: em primeiro lugar, que Deus necessitava da incapacidade do pecador; e, em segundo lugar, que Ele lhe faz uma oferta de salvação que, em conse­quência dessa incapacidade, bem sabe que o pecador não pode aceitar. A pri­meira parte desta objeção não é pertinente. A doutrina calvinista nega que Deus necessite da incapacidade do pecador. A segunda parte é pertinente. O calvinista admite que Deus faz a oferta de salvação ao pecador, sabendo que ele não tem em si a capacidade de aceitá-la, e ele é obrigado a solucionar esta dificuldade. O arminiano afirma que ele não é confrontado com essa dificulda­de, porque, segundo sua doutrina. Deus outorga ao pecador que ouve a oferta do evangelho a capacidade de abraçá-lo. Ora, caso se prove que a capacidade que o arminiano afirma ser conferida ao pecador não é absolutamente nenhu­ma capacidade, então se mostrará que a doutrina arminiana labora precisa­mente sob a mesma dificuldade enfi-entada pelo calvinista, contudo agravada

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pela consideração que ela sustenta com respeito à extensão do evangelho a todos os homens; enquanto que o calvinista tem de solucioná-la somente com respeito à entrega dessa oferta a alguns homens - a saber, aos não-eleitos.

A prova de que a capacidade de aceitar a oferta do evangelho, que o arminiano assevera ser comunicada ao pecador, na verdade não é capacidade suficiente, já foi fomecida na parte precedente desta discussão. Ali o argumen­to segue mostrando a total insuficiência desta alegada capacidade divinamente conferida ao pecador não-regenerado, e prosseguiu com alguma reflexão. É desnecessário reiterá-lo aqui.

Portanto, caso se possa evidenciar que o calvinista representa Deus como insincero por estender a oferta do evangelho aos não-eleitos que são incapazes de aceitá-la, pela mesma razão se pode provar que o arminiano representa Deus como insincero em comunicar essa oferta a todos os homens. O arminiano não tem o direito de alegar uma objeção contra a doutrina calvinista que real­mente imprime ainda maior peso à sua.

Isto conclui a discussão das objeções contra as doutrinas calvinistas da eleição e reprovação, as quais são baseadas em sua alegada inconsistência com os atributos morais de Deus.

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S e ç ã o 4

DA AGÊNCIA MORAL DO HOMEM

Finalmente passo a responder àquelas objeções às doutrinas calvinistas da eleição e reprovação que são derivadas de a agência moral do homem.

Por duas razões, isto será feito sucintamente. Em primeiro lugar, a discus­são precedente, onde objeções a estas doutrinas extraídas dos atributos morais de Deus foram submetidas a um exame rigoroso, já removeu muito da base sobre a qual o arminiano erige dificuldades professamente provenientes das relações entre a eficiência divina e a agência da vontade humana. Repetidas vezes, mediante reiterada afirmação usque ad nauseam [até a saturação], o que sópoderia ser justificado, e foi plenamente justificado, pelo comum equívo­co e consequente falsa interpretação da verdadeira doutrina dos Símbolos do Calvinismo, já se mostrou a importância de sua afirmação e exposição com uma clareza e plenitude que faria impossível a má compreensão de que a efici­ência causal de Deus não operou de tal modo na vontade do homem que lhe determinasse a comissão do primeiro pecado e então a necessidade da Queda. O homem pecou por uma livre decisão, isto é, não uma decisão meramente espontânea, e sim evitável, de sua própria vontade. E por essa grande questão que o supralapsariano contende. Já se evidenciou, por uma minuciosa análise da doutrina do arminiano evangélico concernente à vontade humana depois da Queda, que ele está confinado a uma escolha entre duas altemativas: ou que a graça preveniente e suficiente, a qxial ele afirma ser conferida a todos os ho­mens, é graça regeneradora, ou que é a vontade natural, revestida com o poder de aceitar ou rejeitar o auxílio da graça supematural, que determina a questão da salvação prática. Se ele adotar a primeira altematíva, então admite a doutri­na calvinista, no que diz respeito à natureza da graça, ainda que não a extensão numérica de sua concessão. Se ele escolher a segunda alternativa, então faz, em última análise, causa comum com o pelagiano. Se ele admitir que a graça suficiente é regeneradora, então, juntamente com o calvinista, é impelido pela

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dificuldade de conciliar a determinante eficácia da vontade de Deus com a livre ação da vontade humana. Se ele nega que a graça é regeneradora, ele, junta­mente com o pelagiano, se safa da dificuldade aludia, porém, com ele, encontra uma maior, de mostrar como uma vontade pecaminosa, não determinada pela eficiência divina, determina a si própria para a geração de santas disposições e a realização de atos salvíficos.

Em segundo lugar, como tem sido o desígnio deste tratado, essencialmente, considerar as doutrinas peculiares e distintivas dos arminianos evangélicos em conexão com a eleição e a reprovação, não comportaria com este propósito examinar elaboradamente a base que é comum entre eles e os antigos arminianos do tipo remonstrante. No fimdo, há bem pouco a discriminar um sistema do outro o quanto da agência moral do homem está envolvido. Muito do que dife­rencia o esquema evangélico arminiano, com respeito à relação da vontade humana com a graça da redenção, tem passado sob estrita recapitulação nas observações precedentes. Por estas razões, o que é dito sob este tópico do tema será condensado dentro de estreitos limites.

Certas coisas devem ser sublinhadas. O significado dos termos emprega­dos na discussão devem ser fixados definitivamente; de outro modo, não se pode alcançar nenhum resultado satisfatório. Nada é mais comum entre os calvinistas do que esta observação, a qual é por muitos acéTta quase como um axioma; A tentativa de conciliar a soberania de Deus e a livre agência do ho­mem é destituída de esperança e, portanto, gratuita. Deus é soberano; o ho­mem é um livre-agente. Ambas estas proposições são verdadeiras. Cada uma é estabelecida separadamente por sua própria evidência independente. Portan­to, cada uma deve ser mantida. Nossa incapacidade de evidenciar sua consis­tência não é base para rejeitar uma ou a outra. Deixemos sua concihação para outra esfera, ficando satisfeitos nisto com a reflexão de que não são contradi­ções. Há um sentido em que tudo isto é verdadeiro; mas, sem qualificações de seu significado e definições de seus termos, o dito, como de validade universal, é tão vago que parece estabelecer nada. O que está implícito por um dos ter­mos do contraste - a soberania de Deus? Pode-se conceber como sendo aque­le aspecto da vontade divina que é expresso em ambos os Seus decretos, efici­ente e permissivo. Por conseguinte, pode-se apreender, como em alguns casos, eventos absolutamente prédéterminantes, e, como em outros, eventos obrigató­rios, ordenadores e governantes, os quais não são absolutamente predetermi­nados, e sim permitidos que ocorram. Ou, reiterando, a soberania de Deus pode ser concebida como aquele aspecto de Sua vontade que está expresso somente no decreto eficiente, e, portanto, como eventos absolutamente determinantes. Ora, é evidente que a questão de conciliar a livre-agência do homem com aquela sorte de soberania divina que opera em conexão com o decreto permis-

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sivo é uma muito diferente da questão de conciliar a livre-agência do homem com aquele tipo de soberania que opera em conexão com o decreto eficiente e predeterminação absoluta. Esta distinção não pode ser desconsiderada, caso queiramos obter uma clara apreensão do estado da questão.

Em seguida, o que está implícito pelo outro termo do contraste - a livre- agência do homem? Aqui, não me deterei a discutir desnecessariamente a ques­tão se não há certa diferença entre a liberdade da vontade e a liberdade do homem; mas assumirei que não há tal diferença pela qual vale a pena discutir, visto que a vontade é precisamente o poder através do qual a liberdade do homem se expressa. Afirmar ou negar a liberdade da vontade é a mesma coisa que afirmar ou negar a liberdade do homem. Toda a questão é se o homem é ou não livre em volição ou livre para querer. Se ele não é livre com respeito à sua vontade, é indubitável que não é livre com respeito a qualquer outra faculdade. Ora, se podemos confiar no julgamento comum da humanidade, há dois tipos distintos de liberdade que nunca devem ser confiindidos. Uma é a liberdade de escolha deliberada entre altemativas opostas, de ir numa de duas direções, a liberdade, como às vezes é denominada, de também determinar. A outra é a liberdade de uma espontaneidade fixa e determinada. Tudo ficaria bem se es­tas duas coisas fossem sempre tidas como distintas; se o termo liberdade fosse restringido à primeira, e o termo espontaneidade fosse consignado à segunda. Este foi o julgamento de um pensador tão acurado e judicioso como Calvino; se esse curso fosse seguido, uma grande quantidade de logomaquia [disputa de palavras] teria sido evitada. Ilustremos a importância e teste da exatidão desta distinção abstrata com casos concretos. O homem no estado de inocência possuía a liberdade de escolha deliberada entre as altemativas opos­tas de pecado e santidade. Assim a Igreja universal tem mantido. Ele poderia ter escolhido qualquer uma delas. Ele não foi determinado por uma espontanei­dade moral fixa ou à santidade ou ao pecado. O homem, em sua condição apostatada e não-regenerada, não possui a liberdade de escolha deliberada entre as altemativas opostas de santidade e pecado. Por seu primeiro fatal ato de transgressão, ele determinou sua condição espiritual como a de espontanei­dade fixa na única direção do pecado. Ele é espontaneamente livre para esco­lher 0 pecado, porém não é, sem a graça, deliberadamente livre para eleger a santidade. Portanto, temos aqui um caso de liberdade espontânea, porém não da liberdade de escolha deliberada entre altemativas conflitantes. O homem, como um santo na glória, não tem a liberdade de escolha deliberada entre as altemativas de santidade e pecado; ele é determinado por uma espontaneidade fixa na direção da santidade. Ele é espontaneamente livre na escolha da santi­dade, porém não é deliberadamente livre em eleger o pecado. Quando, pois, presume-se que a livre-agência do homem é uma verdade independente a re­

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pousar sobre sua própria e indisputável evidência, deve-se inquirir: Qual desses tipos de livre-agência está implícito? Pois é de vital importância saber em que sentido o termo é empregado. E é também da máxima importância entender em quais circunstâncias o homem é contemplado, quando a livre-agência num ou noutro sentido lhe é atribuída.

Apliquemos agora estas óbvias distinções entre as duas formas de sobera­nia divina, de um lado, e os dois tipos de liberdade humana, do outro, à máxima que foi citada com respeito à conciliabilidade da soberania de Deus e a livre- agência do homem. Observe-se que, nesta máxima, a soberania de Deus é considerada como sendo Sua vontade eficiente e predeterminante. É óbvio que a questão não é como a livre-agência do homem pode ser conciliada com a soberania de Deus considerada como Sua vontade permissiva. Só é quando a livre ação da vontade humana é vista em sua relação com a vontade eficiente e predeterminante de Deus que resulta em aparente contradição - uma contra­dição aparente com a qual se diz que devemos repousar contentes em nossa atual esfera de pensamento.

Como isso se deu no caso do homem antes da Queda? Se ele possuía a liberdade de escolha deliberada entre as altemativas opostas de santidade e pecado, se ele era livre para pecar e livre para abster-se de pecar, pareceria óbvio que Deus, por Sua vontade eficiente, não predeterminou que ele pecasse; pois nesse caso o pecado do homem teria sido necessário e, portanto, inevitá­vel. Em contrapartida, se Deus houvesse predeterminado eficazmente o peca­do do homem, pareceria igualmente óbvio que o homem não poderia ter possu­ído a liberdade de escolha deliberada entre santidade e pecado, entre pecar e não pecar. Dizer que Deus predeterminou o primeiro pecado, e que o homem era livre para abster-se de seu cometimento, isto é, que ele podia não haver pecado, seria afirmar não meramente uma contradição aparente, e sim uma real. Como predeterminado pela vontade divina a pecar, ele seria obrigado a pecar; como livre para abster-se de pecar, ele não era obrigado a pecar. A contradição é patente. Esta contradição não é inerente à doutrina calvinista. As confissões calvinistas, que, seguramente, devem ser aceitas como expoentes do calvinismo, afmnam que o homem, antes da Queda, tinha a posse da liberda­de de escolha deliberada entre as altemativas de pecado e santidade; e ensi­nam ainda que Deus decretou permitir - não asseveram que decretou eficien­temente ~ o primeiro pecado. Por conseguinte, não há dúvida sobre conciliar a livre-agência do homem antes da Queda e a soberania de Deus considerada como Sua vontade eficiente e predeterminante, no que concerne ao primeiro pecado. A relação era entre a soberania de Deus, como Sua vontade permissi­va, e a liberdade do homem para escolher deliberadamente entre as altemati­vas opostas de santidade e pecado; e sejam quais forem as dificuldades que

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porventura surjam em conexão com essa relação, não podem ser consideradas como a envolver mesmo uma contradição aparente.

Em seguida, surge a inquirição; Qual é a relação entre a soberana vontade de Deus e a livre-agência do homem após a Queda? Em sua condição apóstata, não modificada pela influência da graça supematural, o homem não possui a liberdade de escolha deliberada entre as altemativas contrárias de pecado e santidade. Essa sorte de liberdade, como já se mostrou, ele a possuiu em seu estado de inocência, porém a perdeu quando apostatou. Por sua própria, livre e desnecessária autodecisão em favor do pecado, ele estabeleceu em sua alma uma espontaneidade fixa e determinada na direção do pecado. Ele peca livre­mente, no sentido de espontaneidade; ao pecar, ele não é impelido por nenhuma força compulsória exercida por uma influência divina ou nele ou através dele, porém segue a tendência de sua própria inclinação - numa palavra, como bem lhe apraz. Entretanto, ele não é livre para ser santo ou praticar atos santos. Espiritualmente incapacitado, ele não é mais livre para produzir santidade do que um homem morto de gerar vida. Quando, pois, se afirma que o homem é um livre-agente em sua condição pecaminosa e não-regenerada, deve-se de­mandar que sorte de livre-agência está implícita. Caso se pretenda a liberdade de escolher entre pecado e santidade, a afirmação não é procedente. Ele ape­nas possui a liberdade que é implícita por uma espontaneidade fixa em concor­dância com a qual ele deseja pecar. Somente nesse sentido é ele um livre- agente, no tocante às coisas espirituais. Ao inquirir se a livre-agência do ho­mem, em sua condição pecaminosa e não-regenerada, pode ser conciliada com a soberana vontade de Deus, como sendo eficiente e determinante, deve-se lembrar que é somente a liberdade da espontaneidade pecaminosa acerca da qual a inquirição é possível. Somente ela, e não a liberdade de escolha entre pecado e santidade, é um dos termos da relação. Não discutirei' o que esta relação é entre a espontaneidade pecaminosa do homem não-regenerado e a soberana vontade de Deus, como eííciente e determinante, em razão de a questão aqui em pauta ser a relação entre a soberania de Deus e a livre-agência do homem com respeito à grande preocupação da salvação prática.

Antes da regeneração de um pecador, a questão de conciliar sua livre- agência quanto às coisas espirituais com a soberania de Deus vista como efici­ente não pode existir, pela clara razão de que o homem não-regenerado não possui tal livre-agência. Ele não é livre para escolher a santidade, para aceitar, em sua força natural, a oferta do evangelho e crer em Cristo para a salvação. Não se pretende afirmar que Deus positivamente interponha obstáculos na via

1. Apresentei a doutrina de Calvino sobre esse tema no Southern Presbyterian Review de outubro de 1880. ,

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de sua realização desses atos espirituais, ou que os obstáculos legais na via de sua salvação não foram removidos pela obra expiatória e o mérito do Salvador. A verdade é o oposto disso. Nem se lança mão como base que o pecador não- regenerado não está sob a obrigação de obedecer ao chamado e ao mando de Deus para que todos os homens aquiesçam nos termos do evangelho, ou que ele não é obrigado a usar tais meios da graça como se acham divinamente postos em seu poder, ou que ele não tenha a capacidade e as propriedades naturais para empregar tais meios. Mas, embora se admita tudo isso, contudo a doutrina da Escritura é que ele não tem a liberdade, na ausência dessa vida, de querer a existência de disposições espirituais e o desempenho de funções espi­rituais. Seus hábitos espontâneos são exclusivamente pecaminosos; ele está morto em delitos e pecados. Falar, pois, de conciliar a soberania de Deus com a livre-agência humana nas coisas espirituais do pecador não-regenerado é falar de conciliar essa soberania com nada. Um dos termos da suposta relação está ausente, e a relação é inexistente. Não há problema para ser resolvido. A influência do Espírito de Deus sobre o pecador antes da regeneração, por mais poderosa seja ela, é simplesmente iluminadora e persuasiva. Ela ilumina, instrui e convence, adverte, convida e persuade; mas, como tais operações divinas não são professamente determinantes, o problema em pauta não emerge em conexão com elas. _

Nem pode ocorrer com respeito à própria regeneração. No momento ex­tremo da regeneração, a qual da natureza do caso é um ato instantâneo de poder supremo, o pecador não pode ser nada mais que o recipiente passivo de um princípio de vida novamente criado. A graça onipotente de Deus causa eficazmente uma nova existência espiritual, faz o pecador anteriormente morto uma nova criatura em Jesus Cristo. A capacidade de querer a santidade, a liberdade de escolhê-la, são assim divinamente produzidas. Origina-se a livre- agência com respeito às coisas espirituais. Essa sorte de livre-agência não existindo até que seja chamada à existência pelo ato regenerador, é sem senti­do falar de conciliá-la com a soberana e eficiente vontade de Deus expressa nesse ato. A única conciliação, no caso, que se pode conceber, é aquela entre uma causa produtora e seus efeitos; e seria sem sentido falar de sua concilia­ção antes que o efeito seja produzido.

Uma vez a regeneração do pecador tenha-se efetuado, a questão quanto à conciliação da soberania divina e a livre-agência humana se toma pertinente, e, sinto-me livre para confessar, insolúvel. O ensino claro das Escrituras é que Deus determina a vontade do homem renovado para a santidade, e também que a vontade do homem renovado livremente, isto é, espontaneamente esco­lhe a santidade. A natureza renovada, após ser posta em existência, não é deixada a desenvolver o princípio de vida, como um gérmen potencial, em concor-

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dância com as leis inerentes e auto-ativadas ou forças espirituais. Ela necessita continuamente de novas infusões da graça, novas adesões de força espiritual; e a graça que criou a natureza, e implantou nela o princípio de vida espiritual, é necessária não só para suster a vida, mas também para determinar suas ativi­dades. Ao mesmo tempo, a natureza renovada exerce espontaneamente suas próprias energias. Numa palavra. Deus determina a vontade renovada, mas essa vontade renovada age em concordância com suas próprias escolhas es­pontâneas. Uma única passagem bíblica prova esta representação do caso a ser corrigido. A injunção do apóstolo é; “desenvolvei vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo sua boa vontade” (Fp 2.12, 13).

Quem pode explicar como isso ocorre? E um mistério incomensurável, e, provavelmente, na atual esfera do pensamento, insondável. A dificuldade não consiste no fato de Deus criar uma vontade dotada com o poder de livre ou espontânea ação. Ele também cria o intelecto e os sentimentos com suas pró­prias atividades espontâneas. Mas a dificuldade jaz nisto: que, havendo criado uma vontade com a capacidade de espontaneamente escolher seus próprios atos. Ele, por uma influência eficiente, determina esses atos. Ele não fez isso no caso do homem antes da Queda. Ele não determinou suas atividades espontâ­neas. No entanto, ele o faz no caso do crente em Cristo, à medida que ele é regenerado e sua vontade, renovada, e no caso do santo em glória. Aqui, é válida a máxima que tem sido o tema da crítica nestas observações. Em nossa incapacidade de especulativamente harmonizar a soberana eficiência de Deus com a liberdade espontânea do santo, somos obrigados a aceitar ambos os fatos sob a autoridade da Palavra divina. Ambos sendo verdadeiros, não pode haver contradição real entre eles; e nossa impotência de efetuar sua concilia­ção é apenas uma das tantas lições que corroboram a humildade oriunda da limitação de nossas faculdades, fomece o escopo para o exercício da fé e estimula à busca da verdade. Mas, formidável como é esta dificuldade, ela não é a insuperável dificuldade envolvida na suposição de que a determinação efi­ciente da vontade divina se harmoniza com a liberdade de escolha deliberada entre altemativas contrárias, da parte da vontade humana. Uma pode ser in­concebível; a outra, inacreditável.

O sentido desta afirmação das distinções que devem ser observadas no tocante ã soberania divina e á livre-agência humana sobre as objeções às dou­trinas da eleição e reprovação será aparente como aquelas objeções a serem ainda consideradas. Contribui muito respondê-las por antecipação, e isso justi­ficará a concisão em seu tratamento.

Primeiro, alega-se que essas doutrinas são inconsistentes com a liberdade e, portanto, com a responsabilidade moral.

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Segundo, alega-se que essas doutrinas são inconsistentes com os esforços pessoais para assegurar a salvação.

Temos que dividir. Como a eleição só influencia o caso do eleito, a questão é, antes de tudo, se ela é inconsistente com sua liberdade e a responsabilidade moral; e, segundo, se ela é inconsistente com seus esforços em assegurar a salvação. O único modo em que ela pode ser concebida como sendo inconsis­tente com sua livre-agência moral nestes termos é que, por meio da graça eficaz, ela efetua irresistivelmente a produção de santidade.

1. Admite-se que tal é o resultado da eleição sobre o eleito.2. Entretanto, isto não prova que ela é inconsistente com sua livre agência

moral, mas, ao contrário, pelas seguintes razões:2.1. A graça não teria criado uma vontade de ser santo, se não pudesse

haver tal vontade num pecador. Como já se mostrou, ele perdeu a liberdade de querer a santidade em razão do pecado. Ele não pode, em sua própria força, recobrá-la. O morto não pode recobrar a vida. Como, pois, a graça eficaz, o fruto da eleição, lhe restaura a liberdade de querer a santidade, longe de ser inconsistente com essa liberdade, prova-se ser sua única causa. É impossível ver como uma causa pode ser inconsistente com seu efeito, e um efeito devido tão-somente à sua operação. Sobre este ponto, o arminiano evangélico mantém posições contraditórias. Ele afirma que, como o homem está naturalmente morto em pecado, ele não pode de si mesmo querer a santidade. A graça lhe daria essa capacidade, isto é, aquela liberdade espiritual de querer a santidade. Mas afirma também que, se a graça fizer isso, ela destrói a liberdade do agente moral.

2.2. A liberdade e responsabilidade moral dos eleitos não podem ser destruídas pela eleição, agindo por meio da graça eficaz e determinante, por­que, se ela o fosse, não poderia haver aquilo a que chamam a confirmação imutável em santidade. Mas o próprio arminiano evangélico admite o fato de que os santos glorificados são confirmados em santidade, de modo a estarem fora do perigo de uma queda. Ora, só há duas suposições possíveis: ou os santos glorificados são confirmados em virtude de sua própria cultura de hábi­tos santos, ou, seja, em virtude dos caracteres santos que eles mesmos têm formado, ou são confirmados pela determinante graça de Deus. A primeira suposição é manifestamente inconsistente com a confirmação das criancinhas que morrem na infância, e dos adultos que, como o bandido penitente na cruz, são transferidos para o céu sem que haja a oportunidade de desenvolver caracteres santos na terra. Portanto, a segunda suposição deve ser adotada, a saber, que os santos em glória são confirmados em sua posição pelas infusões da graça determinante. Mas, seguramente, não se contenderá que são privados

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da liberdade e responsabilidade moral por essa conta. Eles, pois, já não são santos na terra. O princípio é precisamente o mesmo em ambos os casos. Além do mais, os arminianos evangélicos reconhecem que os que alcançam o céu são eleitos para a salvação fínal. Se a eleição, segundo sua própria decisão, não é inconsistente com a liberdade e responsabilidade moral dos agentes morais no céu, por que se deve manter que ela é inconsistente com aqueles atributos nos agentes morais que vivem na terra?

2.3. A doutrina da oração, como mantida por ambos, arminianos evangéli­cos e calvinistas, refuta completamente esta objeção. Oração é uma confissão de desamparado humano, um clamor pela intervenção da graça onipotente e eficaz. Quando não conseguimos livrar-nos, apelamos a Deus por livramento. Quando nossas vontades são completamente impotentes, imploramos que a graça as vivifique e determine. Oramos não meramente para sermos socorri­dos, mas para sermos salvos. Aquele, cujos pés se acham presos num horrível poço e em imunda lama, é aliviado pela resposta às suas orações como lemos que 0 Hércules da fábula deu ao carroceiro; “Ajude-se a si mesmo, e então eu o ajudarei”? “Não posso ajudar-me, grita ele; arranca, ó Senhor, meus pés desse horrível poço e da lama fétida.” Quando Deus responde à sua oração, livra-o e põe seus pés sobre a rocha e um novo cântico em seus lábios, Ele interfere na liberdade e na responsabilidade moral do suplicante? Se assim for, quanto maior for tal interferência, melhor será para os pecadores em seu de­sespero. Que a experiência dos pecadores convertidos decida.

2.4. A súbita, esmagadora, irresistível conversão de algumas pessoas for­nece uma resposta a esta objeção. Wesley admite fi^ancamente a realidade de tais conversões. O que ele fazia para remediá-lo? Porventura não as via com seus próprios oUios? Porventura não as lia na Bíblia? E porventura tais conver­sões não são incompatíveis com a liberdade e responsabilidade moral dos que são seus abençoados objetos? Quando Saulo de Tarso, que tanto odiava a Je­sus, o selvagem inquisidor sedento do sangue dos santos, de repente se viu convertido de modo esmagador e irresistível e transformado num inflamado pregador da cruz, porventura aquela supematural, eficaz e determinante trans­formação era inconsistente com sua liberdade e responsabilidade moral?

2.5. A doutrina de uma Providência Especial, mantida tanto pelos arminianos evangélicos como pelos calvinistas, desbarata com esta objeção. Confessa-se ser uma verdade bíblica que Deus, por uma influência exercida em Sua provi­dência natural sobre as mentes e corações dos homens, amiúde determina seus pensamentos, inclinações e propósitos, sem violar sua liberdade e responsabili­dade. Por que, pois, se imaginaria ser algo incrível que Ele possa, com o mesmo resultado, exercer uma influência igualmente determinante por Sua graça? O que é graça senão a providência especial se movendo em moldes redentivos?

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Aqui, o argumento com base na analogia é conclusivo. Negar a graça determinante é negar a providência determinante. Admitir a providência determinante é admitir a graça determinante.

3. A eleição não pode ser inconsistente com os esforços pessoais para assegurar-se a salvação.

3.1. Uma razão óbvia é que seu próprio desígnio é realizar tal resultado. Esta é sua teleologia. Como podem esses ser impedidos de crer, arrepender-se e cumprir os deveres de santidade, por aquilo que é a única causa da fé, arre­pendimento e santo viver? E é preciso recordar que estas graças não são me­ramente meios, mas também partes da salvação. Portanto, aqueles que são eleitos para ser salvos são eleitos para crer, arrepender-se e produzir todos os frutos da santidade. Não basta dizer que a eleição não é inconsistente com os esforços para assegurar-se a salvação; ela é a causa produtora de tais esfor­ços. Sem ela, estes jamais seriam produzidos; com ela, certamente eles existi­rão. Se os eleitos não empregassem tais esforços, invalidariam o predestinador propósito de Deus. Que esse é Seu propósito, já se provou incontestavelmente pelo testemunho da Escritura na parte anterior deste tratado.

3.2. A eleição não é inconsistente com o uso dos meios de graça, pela clara razão de que o uso desses meios, pelos eleitos, está incluso no decreto eletivo. Os meios de graça são a Palavra de Deus, os Sacramentos e a Oração. Os eleitos são predestinados para o uso de tais meios, a fim de alcançarem a salvação como o fim predestinado.

Como a determinante graça de Deus, que é o íruto da eleição, se conforme com a livre ação, isto é, com a ação espontânea da vontade humana, constitui, como já se confessou, um mistério que não pode ser explanado. Mas a consis­tência é não só um fato claramente asseverado pelas Escrituras, mas sua nega­ção seria a negação da possibilidade da salvação; pois se a graça de Deus não determinasse a vontade do pecador para a salvação, é absolutamente indubitável que ela jamais seria assim determinada. E, além do mais, negar o fato é negar a possibilidade da confirmação celestial em santidade; o que equivale negar o que os arminianos admitem. ’

4. A questão restante é se o decreto da reprovação é inconsistente com a livre agência moral do pecador não-eleito.

4.1. A única base que se pode assumir na suposição de que, como Deus, em consequência da eleição, produz irresistivelmente a santidade dos eleitos, assim, em consequência da reprovação, Ele irresistivelmente produz os peca­dos dos réprobos. Esta posição já foi refutada fartamente. Deus não é o autor [ou produtor] do pecado; nem a doutrina calvinista afirma que Ele o seja. Ao contrário^ ela solenemente mantém que Ele não o é; e ensina que, no primeiro

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caso, o homem possuía ampla capacidade de refrear-se de pecar, e que pecou por livre e evitável escolha de sua própria vontade. A objeção sob análise re­presenta 0 calvinista como a manter que o homem pecou no princípio e agora peca porque foi reprovado. Este é um completo equívoco. Ele mantém que todo aquele que é reprovado, foi reprovado porque pecou. Portanto, é palpavelmente óbvio que, como a reprovação nada tem a ver com a produção de pecado no primeiro caso, naquele caso era simplesmente impossível que ela fosse inconsistente com a livre agência moral do homem. A objeção redunda neste absurdo: o homem pecou livremente e por isso foi reprovado; por conse­guinte, a reprovação de tal modo obstruiu a livre-agência do homem, que este já não podia evitar o pecado!

4.2. O decreto da reprovação não infunde princípio ou disposição pecami­nosa nos homens agora. Sua incapacidade de obedecer a Deus, e sua positiva inclinação de desobedecê-lo, são os resultados de sua livre e desnecessária escolha, no primeiro caso, e sua indisposição de valer-se da oferta da salvação, e oferecer esforços para garantir a santidade, é o que agora eles espontanea­mente escolhem. Eles não desejam a santidade, e Deus não está sob a obriga­ção de, por Sua graça, mudar suas vontades. Caso se diga que não podem escolher a santidade e a salvação porque são reprovados, é suficiente respon­der, em primeiro lugar, que são reprovados porque não escolheram a santidade e não a escolhem agora, mas preferiram o pecado e o preferem agora; e, segundo, que não podem escolher a santidade porque não querem, e a reprova­ção precisamente coincide com suas próprias vontades. Dizer que não querem ser condenados, é simplesmente dizer que não estão dispostos a experimentar os resultados retributivos de sua própria conduta auto-escolhida. Naturalmente, não o estão. Nenhum criminoso está disposto a ser enforcado. Mas se ele esteve disposto a cometer o crime pelo qual é enforcado, o enforcamento é de sua própria iniciativa. A sentença do juiz não é inconsistente com a livre-agên­cia do criminoso quando ele perpetrou o ato. Deus não deu a ninguém a vonta­de de pecar, mas justamente inflige a condenação do pecado auto-escolhido. Tampouco pode Sua sentença de reprovação ser, em qualquer sentido, consi­derada a causa daquela condenação. Ela inflige o que o pecador livremente escolheu. Enfim, a reprovação não é mais inconsistente com a busca do peca­dor por salvação do que é sua própria vontade. Ele não deseja ser santo, e a reprovação o mantém onde deseja estar. A reprovação não causou o pecado; ela justamente o pune.

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PARTE 2

A afirmação ou negação da doutrina da Eleição Incondicional, cuja análise agora chega ao final, deve caracterizar a complexidade de toda a teologia de alguém. Esta é iraia das mais controladoras de todas as doutrinas, na influência que ela exerce na formação de um sistema teológico. Se isso for admitido, toda a provisão da redenção é vista como destinada a efetuar a indubitável salvação do eleito. Cristo, como o Salvador designado a salvar Seu povo de seus peca­dos, e a expiação como oferecida por eles a fim de assegurar tal resultado. Pressupõe-se logicamente a depravação total e total inabilidade; pois se a elei­ção incondicional é um fato, o homem é contemplado como totalmente incapaz de realizar alguma coisa, mesmo a menor, no modo de salvar-se. A aplicação da salvação, a cada passo, do princípio ao fim, concorda com o soberano pro­pósito de Deus, por Seu próprio poder de recuperar o pecador de sua condição desesperançada, A graça que salva é eficaz e invencível. O sinergismo com fins de regeneração se toma impossível. A fé em Cristo é vista como sendo um mero dom da graça. A justificação, tida como atrelada à graciosa imputação da justiça de outro, e como essa justiça é a perfeita obediência à Lei, rendida pelo encamado Filho de Deus em conformidade com os termos de uma aliança etema entre Deus, o Pai, e Ele mesmo, como a Cabeça e Representante de uma semente eleita dada a Ele para ser redimida, sua justificação nele envolve uma vida indefectível. A mesma coisa se dá com respeito à adoção, que fixa para sempre os filhos regenerados de Deus em suas considerações paternas. A vida dos santos não pode perder-se. A santificação é vista como o processo pelo qual o Espírito faz os eleitos abraçarem a herança celestial conquistada para eles em caráter inalienável por seu glorioso Fiador e Substituto; e sua perseverança em graça é o resultado necessário. Enfim, esta doutrina reduz a redenção á unidade, como um esquema oriundo do mero beneplácito e sobera­na determinação de Deus, pressupondo a dependência da vontade humana da vontade divina, fazendo absolutamente infalível a salvação daqueles a quem Deus escolhe como povo Seu, e a atribuição necessária de toda e indivisa glória

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do plano completado para a livre, eficaz e triimfante graça de Deus. Nada se projetou sem que fosse executado; nada começou sem que fosse terminado; nada se prometeu sem que não fosse cumprido. Concebido na infinita inteligên­cia de Deus, o esquema é consumado por Seu infinito poder e os resultados são comensuráveis com a infinita glória de Seu nome.

Se, em contrapartida, nega-se a eleição incondicional, o gênio da redenção se converte em contingência. A expiação foi oferecida para tomar possível a salvação de todos os homens; a vontade humana tem o poder de aceitar ou rejeitar a oferta da graça assistente e decide a suprema questão de receber ou não Cristo como o Salvador; o arrependimento e a fé precedem a regeneração- o pecador, com o auxílio subsidiário da graça, se prepara para sua própria nova criação e ressurreição da morte do pecado; os efeitos da justificação e adoção são condicionados pela contínua escolha da vontade humana para va­ler-se delas; e o homem pode, por sua própria eleição, alcançar o céu a fim de que Deús o escolha para esse fim, ou, embora uma vez regenerado, justificado, adotado e, pode-se dizer, inteiramente santificado, por fim ele possa cair, já no limiar da glória, na irremediável perdição. Um magnificente esquema de filantropia divina, abarcando em seus braços o mundo inteiro, professando fa­zer possível a salvação de todos os homens, malogra, em consequência de sua dependência do mutável estado e da contingente ação da vontade humana, e em seus resultados finais na atual salvação de nenhuma alma senão as que a eleição incondicional propõe salvar. Sua pobreza de resultado é tão grande quanto sua riqueza em promessa; sua realização na relação inversa ao seu esforço.

A proposta agora é continuar e comparar os esquemas do calvinismo e arminianismo evangélico, com respeito à doutrina da Justificação mediante a Fé, Para uma clara visão do caso, antes de tudo se declarará a doutrina calvinista, sem uma apresentação imediata de suas provas, e o arminiano evangéhco será subjugado a xun exame um tanto particular - exame, reitero, pois é uma ques­tão de modo algum difícil o que ela exatamente é. Tais provas da primeira doutrina, como podem ser fornecidas, serão submetidas durante a discussão da segunda.

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S e ç ã o 1

D e c l a r a d a a d o u t r in a c a l v in ist a d a ju s t if ic a ç ã o

A doutrina calvinista pode ser declarada sob três tópicos: primeiro, a Base da Justificação; segundo, seus Elementos ou Natureza Constituinte; terceiro, sua Condição ou Instrumento humano.

1. A Base da Justificação, ou, o que eqüivale o mesmo, sua Matéria ou Causa Material, é a justiça vicária de Cristo imputada ao crente. Esta é a obediência de Cristo, como o designado Substituto do pecador, ao preceito e à penalidade da Lei Moral: a qual Paulo denomina “a justiça de Deus que é revelada de fé em fé”. E adequadamente intitulada a justiça de Deus, não só porque ela foi provida e aceita por Deus, mas porque foi elaborada por Deus mesmo na pessoa de Seu Filho encarnado. E a justiça de Deus porque Ele a produziu. Esta é judicialmente imputada por Deus o Pai ao pecador crente, o qual não partilhou absolutamente de sua cônscia produção. Nesse sentido, ela não é justiça sua, e sim de outro -justitia aliena. Mas, como Cristo foi seu Fiador e Representante, e a justiça de Cristo lhe foi imputada, ela veio a ser, neste sentido, justiça sua. Ela é sua lei, diante do tribunal divino; não sua como iníusa e constituindo um caráter subjetivo, mas sua como uma investidura for­mal de sua pessoa. Deus, portanto, é justo em justificá-lo, posto que, embora cônscia e subjetivamente um pecador, ele possui em Cristo uma justiça perfei­ta, tal como a lei demanda para a justificação, e como tal satisfaz suas reivindi­cações. Quando o pecador, pela fé, aceita a Cristo com esta justiça, ele tem uma base adequada da justificação: ele a tem conscientemente, de modo que pode pleiteá-la diante de Deus.

2. Os Elementos Constituintes da justificação são, primeiramente, o perdão ou não-imputação da culpa; segundo, a aceitação da pessoa do pecador como justa, envolvendo sua investidura com o direito e título à vida etema. Tomada no sentido geral, pode-se dizer que a justificação consiste de três coisas: pri­meira, a imputação da justiça de Cristo; segunda, a não-imputação da culpa, ou o perdão; terceira, a aceitação da pessoa do pecador como justa e a concessão

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de um direito e título à vida etema. Mas, tomada estritamente, a justificação é o perdão e a etema aceitação da pessoa do pecador. A base e os elementos constituintes não devem ser confiindidos. Não significa: a justificação é a não- imputação da culpa e a imputação da justiça, o que pareceria ser a antítese natural; mas, primeiramente, vem a justiça imputada de Cristo como a base e então os elementos ou partes - a saber, o perdão e a aceitação com um título à vida indefectível.

3. A Condição ou a parte do homem, ou o Instramento da justificação é a Fé, e a fé somente. Ao receber a Cristo, como Salvador justificador, ela recebe a e descansa na justiça de Cristo, como a base da justificação. Deus imputa esta justiça e o pecador a abraça pela fé. Ao descrever a fé como a condição da justificação, deve-se notar uma indispensável distinção. A única condição meritória da justificação foi realizada por Cristo. Como o Representante de Seu povo, Ele empreendeu fomecer aquela perfeita obediência ao preceito da Lei que, sob a aliança das Obras, foi requerida de Adão como o representante de sua semente e que fracassou em cumprir, e além disso em fomecer uma per­feita obediência ã penalidade da lei violada. No cumprimento desta condição, a justificação de sua semente foi suspensa. Ele cumpriu plenamente esta condi­ção em Sua vida e em Sua morte, e assim meritoriamcnte assegurou a justifica­ção à Sua semente. Mas, na aplicação da redenção ao pecador, Jhe é requerido exercer fé em Cristo e Sua justiça para sua cônscia união com Ele como Cabe­ça Federal e Sua atual justificação. Este é simplesmente um dever indispensá­vel de sua parte - uma conditio sine qua non. Ele não pode cônscia e real­mente ser justificado sem fé; mas sua fé não tem qualquer partícula de mérito. Todo mérito está exclusivamente em Cristo. Fé envolve a absoluta renúncia de mérito e absolta confiança na meritória obediência de Cristo. Fé, pois, é sim­plesmente o instmmento pelo qual Cristo e Sua justiça são recebidos para a justificação. Ela é vacuidade preenchida com a plenitude de Cristo; impotência que repousa na força de Cristo. Ela não é justiça; não é um substituto para a justiça; não é imputada como a justi'ça. Ela nos é contada simplesmente como o ato que apreende a justiça de Cristo para a justificação. Tudo o que ela faz é receber o que Cristo dá - Cristo e Sua justiça; Cristo como o Salvador justificador, e Sua justiça como a única justiça justificante.

A fé é inteiramente sozinha no desempenho deste ofício instramental. Ela é seguida, e em concordância com as provisões da aliança da graça ela é inevita­velmente seguida por outras graças do Espírito e por obras boas, isto é, obras santas; mas elas não cooperam com ela no ato pelo qual Cristo e Sua justiça são recebidos para a justifícação. Não são causas concorrentes, mas os resul­tados certos da justifícação. Numa palavra, a fé, muito embora não seja a única causa para o ato do Espírito de unir o pecador a Cristo na regeneração, mas é

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também mna causa, é a única causa instrumental da justificação da parte do homem. Outras graças, cuja existência é condicionada pela fé, sejam superio­res a ela em questão de excelência intrínseca, por exemplo, o amor, a fé não tem nenhuma. Toda a excelência que ela possui se deriva de sua relação com Cristo. Em si mesma, ela confessa nada ser, sendo Cristo tudo. Ela é um exau­rido receptor preparado por sua própria vacuidade a encher-se com o mérito da justiça de Cristo. Daí, ela é precisamente adaptada para ser o instrumento, e o único instrumento, da justificação. Como todas as obras humanas, quaisquer que sejam, estão excluídas dela, a justificação é vista como sendo totalmente de graça.

A afirmação da doutrina no Breve Catecismo Westminster é a mesma que a precedente, exceto que a ordem da divisão é um pouco diferente, sendo os elementos constituintes colocados antes da base. E como segue:

“Justificação é um ato da livre graça de Deus no qual ele perdoa todos os nossos pecados e nos aceita como justos diante de si, somente por causa da justiça de Cristo a nós imputada e recebida somente pela fé.”’

As afirmações nas demais partes dos Símbolos Westminster são mais com­pletas. Eis a da Confissão de Fé:

“Os que Deus eficazmente chama também livremente justifica. Esta justi­ficação não consiste em Deus infundir neles a justiça, mas em perdoar seus pecados e etn_ considerar e aceitar suas pessoas como justas. Deus não os justifica em razão de qualquer coisa neles operada ou por eles feita, mas so­mente em consideração da obra de Cristo; não lhes imputando como justiça a própria fé, o ato de crer, ou qualquer obediência e a satisfação de Cristo, quan­do eles o recebem e se firmam nele pela fé, a qual possuem não como oriunda de si mesmos, mas como dom de Deus.”^

O Catecismo Maior assim expressa a doutrina:“Justificação é um ato da livre graça de Deus para com os pecadores, no

qual ele perdoa todos os seus pecados, aceita e considera suas pessoas como justas a seus olhos, não por qualquer coisa neles operada ou por eles feita, mas unicamente pela perfeita obediência e plena satisfação de Cristo, a eles impu­tadas por Deus e recebidas somente pela fé.”^

Em sua Preleção sobre a Justificação, em sua Teologia Sistemática, o Dr. Charles Hodge faz uma justa e admirável afirmação da doutrina. “Com frequência lemos”, observa ele, “que a justificação consiste no perdão de peca-

1. Questão 33.2. Capítulo 11.1.3. Questão 70.

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do e na imputação da justiça. Este modo de afirmação é comumente adotado pelos teólogos luteranos. Esta exibição da doutrina se fiinda na viva distinção feita na ‘Fórmula de Concórdia’ entre a obediência passiva e ativa de Cristo. À primeira, refere a remissão da penalidade devida a nós pelo pecado; à segunda, nosso direito à vida etema. As Escrituras, contudo, não fazem esta distinção de modo tão proeminente. Nossa justificação, como um todo, é algumas vezes referida ao sangue de Cristo e algumas vezes à Sua obediência. Isto é inteligí­vel, porque o ato máximo de Sua obediência, e que sem o qual tudo mais teria sido sem validade, foi a entrega de Sua vida por nós. Talvez seja mais correto dizer que a justiça de Cristo, incluindo tudo o que Ele fez e sofreu em nosso lugar, é imputado ao crente como a base de sua justificação, e que as conse­quências desta imputação são, antes de tudo, a remissão de pecado e, segundo, a aceitação do crente como justo. E, se justo, então está qualificado a ser assim considerado e tratado.”

As possibilidades com respeito à justificação são assim claramente apre­sentadas pelo Dr. Thomwell em sua mui habilidosa discussão da validade do batismo romanista, quando considera a forma do sacramento ou sua relação com as verdades do evangelho: “Justificar é pronunciar justo. Um Deus santo não pode, mui naturalmente, declarar que alguém seja justo, a menos que real­mente o seja. Não existem ficções legais no tribunal celestial - todos os seus julgamentos são em conformidade com a verdade. Um homem pode ser justo porque haja praticado a justiça, e então é justificado pela lei; ou pode ser justo porque haja recebido a justiça como um dom, e então é justificado por graça. Ele pode ser justo em si mesmo, e esta é a justiça das obras; ou pode ser justo em outro, e esta é a justiça da fé. Daí, negar a justiça imputada é ou negar a absoluta possibilidade da justificação, ou fazê-la consistir nos atos da lei - ambas as hipóteses envolvendo uma rejeição da graça do evangelho. Há, claramente, apenas três possíveis suposições no caso: ou não há justiça na qual o pecador é aceito, e a justificação é simplesmente perdão; ou a justiça de Deus seria sem a lei; ou a justiça de obediência pessoal - nenhuma delas seria inerente ou imputada.” Ele refiita poderosamente as suposições de não-justiça e de justiça inerente, e estabelece a de imputação.

Havendo dado a afirmação calvinista da doutrina, prossigo comparando com ela a do arminiano evangélico, sob três tópicos correspondentes.

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S e ç ã o 2

A BASE DA JUSTIFICAÇÃO

O s teólogos arminianos asseveram que a Base ou Causa Meritória da justifi­cação é a “obediência de Cristo até a morte”. Esta é uma afirmação geral, e, conquanto geral, está em conformidade com a doutrina calvinista sobre o tema. Aquele que tomar qualquer outra base desceria ao mais baixo nível do pelagiano e sociniano. Todos quantos afetam ortodoxia devem manter que o mérito expiatório do encamado Filho de Deus é a base da aceitação do pecador pe­rante o tribunal divino. Mas, quando a afirmação geral é analisada em particu­lares, há diversos pontos em que as diferenças entre os sistemas arminiano e calvinista salta à vista distintamente. E a obediência meritória de Cristo a Jus­tiça de Deus que é revelada de fé em fé? Em quem essa obediência termina para a justificação? Qual é o resultado assegurado por ela no que diz respeito à provação? Estas questões são respondidas mui diferentemente nos dois sistemas.

1. O calvinista afirma, e o arminiano nega, que “a justiça de Deus que se revela de fé em fé” é a obediência vicária de Cristo aos requerimentos da lei. Esta írase, “a justiça de Deus”, é da mais crítica importância na discussão que 0 apóstolo tece da justificação. É o gonzo em tomo do qual ela gira. Por que Paulo não se envergonhava do evangelho de Cristo? Porque ele é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, do judeu primeiro, e também do grego. Por que o evangelho é o poder de Deus para a salvação? Porque nele está a justiça de Deus que se revela de fé em fé. É precisamente o fato de que o evangelho revela a justiça de Deus à fé que ele constitui o poder de Deus em perdoar o pecador e em recebê-lo em Seu favor. Portanto, é da máxima impor­tância determinar a questão; o que é esta justiça de Deus? Como o arminiano nega que ela seja a obediência vicária de Cristo à lei, cabe-lhe responder a essa indagação de alguma outra maneira. Diversas respostas têm sido revidadas; pri­meiro, que ela é a retidão intrínseca do caráter divino declarado pelo evangelho; segundo, que ela é a justiça reitorial da administração divina; terceiro, que ela é o método de Deus de justificação; quarto, que ela é a fé justificadora; e algumas vezes há uma mistura de tudo isso num maravilhoso e indescritível composto.

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Primeiro, ela é a justiça intrínseca ou essencial de Deus declarada pelo evangelho? Ao falar formalmente desta justiça. Pope diz; “Ela pode ser vista objetivamente; e, neste sentido, usa-se descrever o método de Deus de restau­rar o homem a um estado de conformação com Sua lei; a justiça de Deus, como o princípio originador e regulador e essencial daquele método; exibida na obra de Cristo, a base meritória da aceitação do pecador, ou em Cristo, nossa Justi­ça, e, como tal, proclamada no evangelho, à qual se dá um nome. Vista subjeti­vamente, ela é a justiça do crente sob dois aspectos; primeiro, é justificação pela fé, ou a imputação declarativa da justiça sem obras; e então ela é justifica­ção pela fé como a operar através do amor e cumprimento da lei; entretanto, estas constituem uma e a mesma Justiça da Fé como o dom gratuito da graça em Cristo.” Falando mais da “Justiça de Deus”, ele diz; “O evangelho é uma revelação do método justo de Deus considerar justos os pecadores através da expiação de Cristo por meio da fé; daí ser ela intitulada a ‘justiça de Deus’. Vista em relação com o sacrificio expiatório, ela é uma manifestação da justiça essencial de Deus na remissão dos pecados; vista em relação com a instituição evangélica, ela é o método divino de justificar o ímpio.” Isto é um tanto confuso e obscuro, porém duas coisas evidentemente se salientam; em primeiro lugar, a “justiça de Deus” é Sua justiça essencial manifestada pelo evangelho; e, em segundo lugar, a “justiça de Deus” em Seu método de justificar pecadores. O que Pope enfeixou, a lógica manterá separado, como a união era ab initio irrita e nula. A primeira destas posições será considerada em primeiro lugar, e sepa­radamente da segunda, cuja consideração é reservada para outro lugar.

Não carece de muitas palavras para se mostrar que a justiça essencial, ou, o que equivale a mesma coisa, a equidade de Deus, não pode ser a justiça de Deus que é revelada à fé do pecador culpado e sem esperança como a base de sua esperança de aceitação. Ela é um atributo da natureza divina, e é exata­mente esse atributo que vem a ser a mais terrível contemplação do pecador. Ela demanda Sua punição, de todas as partes lança maldição sobre sua cabeça e lança chamas de ira consumidora em seu caminho de aproximação de Deus. E de modo algum alivia a dificuldade dizer que o pecador contempla as deman­das deste terrivel atributo satisfeito pela obediência sofredora do FiUio de Deus, e a partir desta circunstância deriva a esperança de perdão e aceitação. Isto agrava a dificuldade mil vezes. Que a justiça essencial de Deus só podia ser apaziguada pelo sangue e angústia da cruz, apresenta-a num prisma ainda mais terrível do que quando foi revelada em meio às trevas, fimiaça e chamas, tro­vões e relâmpagos, som de trombeta e voz de palavras saindo do meio do convulso Monte Sinai. “Se fazem estas coisas no madeiro verde, o que se fará no madeiro seco?” Se a justiça assim tratou o amado Filho de Deus, o que ela fará com o cônscio transgressor de Sua lei? Ela não pode ser a justiça intrinse-

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ca de Deus requerendo tal sacrifício como aquele exibido na cruz, a qual é revelada à fé. Ela é revelada ao desesperançado. Mas, que a justiça produzida por um Deus encarnado, satisfazendo as demandas da justiça essencial de Deus que não pode ser remitida, relaxada e desacreditada, e satisfazendo-as no lugar do pecador - é compreensível que esta justiça seja revelada no evan­gelho à fé do culpado como uma base completa de aceitação junto a Deus. É isto que constitui o evangelho que é o poder de Deus para perdoar, é isto que toma as boas-novas de grande alegria para os que se assentam em tenebrosa desesperança ante o fumarento portão do infemo. Revelar a justiça de Deus como base da esperança a ser apreendida pela fé é uma forma de expressão estranha às Escrituras. É o que Cristo fez e sofreu ao obedecer à lei que é exibida à fé como a base de aceitação junto a Deus. E, como lemos que a justiça de Deus se revela à fé, essa justiça deve ser a mesma que a justiça de Cristo. Certamente não é a peculiaridade distintiva do evangelho que revela a equidade de Deus, ou o grande ofício da fé que recebe essa equidade. Portan­to, a justiça de Deus que é revelada à fé, constituindo o evangelho o poder de Deus para a salvação a cada um que crê, não pode ser a equidade de Deus. Discrepa dela. Ao contrário, a equidade é o poder de Deus para a condenação. Seria uma inversão da graça do evangelho, o justo viver pela fé na equidade de Deus. É verdade que o publicano pleiteou junto a Deus por favor através da expiação (lA.áa0r)TL), mas é indubitável que ele não pleiteou por equidade; ele rogou por misericórdia. Tampouco a justiça essencial de Deus é transformada em mercê pela expiação. Ela permanece sendo ainda justiça. Foi a mercê que proveu a expiação, e é a mercê que estende o perdão ao pecador, em consis­tência com as reivindicações da imutável justiça cumpridas pela obediência do Salvador. Fé nessa obediência, como a justiça provida, produzida e aceita por Deus, é a condição requerida pela qual a culpa do pecador é remitida e sua pessoa admitida ao favor.

Segundo, algumas vezes afirma-se que a “justiça de Deus”, que é revela­da à fé, é a justiça reitorial da administração divina.’ A justiça reitorial de Deus, como 0 termo implica, é Sua justiça na administração de Seu govemo moral. O que é isto, senão o atributo da equidade em energia ad extra? Isto reforça a lei divina que é um transcrito, ou expressão formal, de Suas perfeições morais. Por conseguinte, o mesmo curso de argumento que foi empregado em relação à justiça intrínseca ou essencial de Deus se aplicará igualmente à Sua justiça reitorial. Mas, no caso da segunda, toma-se evidente que a justiça ou equidade é a retribuição atual a cada um do que é devidamente seu. Não houvesse nenhuma criatura em existência. Deus retribuiria a Si mesmo o que se deve em

1. Watson diz; “Pela justiça de Deus fica também claro que sua equidade reitorial, implícita na administração do perdão, a qual, naturalmente, não se crê ser passível de imputação.”

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concordância com Sua equidade intrínseca; e o mesmo atributo se asseguraria a cada Pessoa da Deidade o que propriamente Lhe pertence. Haveria uma infinita reciprocidade na comunhão e na recepção do que é justo a cada um. Para com as criaturas que são súditas do govemo moral de Deus, o atributo de equidade, que já não se confina às relações da Deidade, é de tal modo exercido, que retribui a cada um o que é devidamente seu. Esta administração da equidade, da natureza do caso, seria perfeita, pois é divina. Cada súdito receberia exata­mente 0 que é devidamente seu. O justo não pode ser tratado como pecador, nem o pecador como justo. Ou o pecador deva ser punido em sua própria pessoa, ou, na suposição de que se admita substituição, na pessoa de um subs­tituto. Ajustiça reitoriaL ou equidade distributiva, de Deus deve ser plenamente satisfeita, do contrário o govemo divino é imperfeitamente administrado.

No esquema arminiano, ocorre aqui uma séria dificuldade. E nesse esque­ma admitido que o princípio de substituição foi introduzido no govemo moral de Deus, e que a expiação era, em sua natureza, vicária. Mas, em primeiro lugar, nega-se que Cristo, como o substituto, assumisse a culpa humana, e que ela foi imputada a Ele por Deus, em Sua capacidade de Juiz. Diz Raymond; “A noção- por certo mantida apenas por uns poucos - de que os pecados da humanida­de, ou alguma porção deles, foram imputados a Cristo - isto é, que Ele tomou sobre Si nossas iniquidades, num sentido tal que veio a ser considerado culpado, ou que elas Lhe fossem computadas, ou que Ele sofi-eu a punição devida aos pecados deles - numa palavra, a ideia de que o Filho de Deus morreu como um réu, tomando o lugar de réus, e suas transgressões sendo-Lhe imputadas, con­tadas como suas - temos caracterizado como sendo quase que atingindo a blasfêmia; para dizer pouco, uma coisa horrível de se pensar. O termo imputar não pode, em qualquer bom sentido, ser aplicado neste caso. Se, entretanto, insistir-se que os pecados da humanidade, ou dos eleitos, foram imputados a Cristo, o único sentido admissível - e mesmo nesse sentido a fórmula é emi­nentemente inconveniente - é que as consequências dos pecados do homem foram lançadas sobre Ele; Ele solreu por causa do pecado, absolutamente não que fosse punido pelo pecado, ou sofresse a penalidade do pecado.” Ora, demanda-se, se isso fosse procedente, como, em concordância com a justiça reitorial de Deus, Cristo poderia haver sofrido e morrido. Naturalmente, Ele não tinha culpa cônscia. Na suposição que temos diante de nós, Ele não teve nenhuma culpa imputada. Como estas são as únicas formas possíveis de al­guém ser culpado. Cristo não tinha absolutamente nenhuma culpa - Ele era perfeitamente e em todo sentido inocente. A equidade reitorial Lhe deu o que era devidamente dele, quando, como inocente, sofreu e morreu? Pode-se dizer que Ele consentiu livremente em sofrer e morrer. Mas a justiça divina não

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podia ter consentido; e, como o Filho de Deus era infinitamente justo, Ele não podia ter consentido. Dizer que algumas vezes os homens escolhem sofi-er e morrer por outros não alivia um mínimo sequer a gigantesca dificuldade; pois ninguém tem o direito de soírer e morrer por outros, a menos que seja seu dever agir assim. Mas o Filho de Deus não estava, no primeiro caso, sob a obrigação de oferecer-Se como um sacrificio pelos pecadores. Além do mais, dizer que Cristo consentiu em sofi-er e morrer pressupõe uma aliança entre Deus 0 Pai e Deus o Filho. Entretanto, isto é negado pelos arminianos que admitem apenas uma aliança entre Deus e os homens. No esquema arminiano, a dificuldade é insuperável. A justiça reitorial de Deus foi dispensada ou elimi­nada da conta em relação ao estupendo fato dos sofiimentos e morte de Cristo. E, no entanto, contende-se que a justiça reitorial de Deus é revelada, declarada, manifestada pelo evangelho através da expiação de Cristo! O cúmplice da teoria da Influência Moral, que descarta a equidade retributiva de Deus, pode ser consistente em manter que os sofrimentos e morte de Cristo foram um sacrificio feito por amor, com o qual a equidade nada tinha a ver; mas, como o arminiano admite a equidade retributiva e, no entanto, nega que Cristo fosse supostamente culpado, ele se vê envolvido em crãssa autocontradição. Ou a equidade reitorial nada tinha a ver com os sofi^imentos e morte de Cristo, ou ela tinha a ver com estes. Se a primeira [alternativa], a doutrina arminiana em anáhse - a saber, que a “justiça de Deus”, que é revelada à fé, é Sua justiça reitorial manifestada pelo evangelho - é estultamente absurda. Se a segunda, a justiça reitorial de Deus não deu a Cristo o que era devidamente Seu, como um ser perfeitamente inocente. A doutrina arminiana está cercada de todos os lados. Em segundo lugar, se a imputação a Cristo da culpa do pecador, como seu Substituto, é negada, segue-se que sua culpa permanece sobre si mesmo. Não será de forma alguma removida. No entanto, contende-se que ele é per­doado, caso creia em Cristo. Como, pois, em concordância com a justiça reitorial, ele recebe o que é devidamente seu? A justiça reitorial requer absolutamente a punição da culpa. Não há princípio mais claro, no govemo de Deus, do que a inseparável conexão de culpa e punição. Dizer que ele é perdoado equivale dizer que sua culpa não foi punida. Pois, se perdoado, ele não é conscientemen­te punido; e se Cristo, como seu Substituto, não foi punido, sua culpa em ne­nhum sentido foi punida. A inseparável conexão entre culpa e punição não mais existe; a equidade reitorial foi defi^audada de seus direitos. O pecador não tem recebido da parte dele sua devida retribuição. Se Cristo não era o Substituto do pecador, e se Sua morte não foi uma penalidade substituída pela pena de morte devida ao pecador, mas simplesmente, como já se declarou, um substituto pela penalidade, então esta penahdade demandada pela equidade reitorial foi dispen­sada. Pois é claro como o dia que a penalidade não foi absolutamente suportada:

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não pelo pecador - este é perdoado; não por Cristo - Este não sofreu nenhuma penahdade. Ajustiça reitorial de Deus pode ter seu preceito, porém, neste caso, é eliminada de sua penalidade; seguramente, uma justiça mutilada! No entanto, a justiça reitorial de Deus é aquela que se revela à fé no evangelho, visto que o pecador é perdoado porque ela já se cumpriu no sofrimento e morte de Cristo!

Terceira, mantém-se que a “justiça de Deus”, que se revela de fé em fé, qüe se manifesta sem a lei, é o método de Deus de justificação. Diz Watson; “A frase, ‘ajustiça de Deus’, nesta (Rm 3.21, 22) e em diversas outras passagens nos escritos de Paulo, obviamente significa o justo método de Deus de justificar pecadores afravés da expiação de Cristo, e, instrumentalmente, mediante a fé.” Dificihnente esta pode ser a verdadeira constmção das palavras do apóstolo.

Em primeiro lugar, não haveria progresso na afirmação; ela se volveria sobre si mesma. Pois equivaleria a isto; O método de Deus de justificação é através da fé em Seu método de justificação. A questão ainda persiste; Qual é o método de Deus de justificação? Se alguém indagar por qual meio ele pode chegar em determinado lugar, seria uma pobre resposta informá-lo; Tome a estrada que leva a esse lugar. O pecador indaga; Qual é o método de Deus de justificação? Ou, o que equivale a mesma coisa; Como serei justificado? Seria uma resposta igualmente pobre dizer-lhe; Aceite pela fé o método de Deus de justificação. Mas, se a resposta for; Deus revelou a justiça de Cristo à fé, aceite essa justiça pela fé, e então você será justificado, isso seria satisfatório, e é a única resposta satisfatória que se pode dar á inquirição. Respondê-la, dizendo; Ajustiça de Deus é Seu método de justificar o pecador, aceite esse método pela fé e então você será justificado, seria tautológico e sem qualquer propósito. Nada seria explanado.

Em segundo lugar, diz-se que o que é imputado é ajustiça sem obras; “E é assim também que Davi declara ser bem-aventurado o homem a quem Deus afribui justiça, independentemente de obras” (Rm 4.6). Mas é fora de questão falar de um método de justificação sendo imputado. A isto o arminiano replicará dizendo que é a fé que é descrita como a justiça sem obras, e declarará que é a fé que é imputada. Ora, já ouvimos Watson dizendo que ajustiça de Deus é Seu método de justificar o pecador. E como se houvesse duas justiças justificantes; o método de Deus de justificação e a fé. Isto é totalmente inad­missível. Ou é o método de Deus de justificação, que é ajustiça sem obras, que é imputado, e é um completo absurdo, ou é a fé que é essa justiça, e isso será reprovado na medida em que o argumento se desenvolve. Entrementes, não se pode admitir que o arminiano aja de modo tão leviano com esses termos tão importantes; justiça justificante. Ele não pode de um só fôlego, como faz

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Watson, significar por esses termos a equidade reitorial de Deus, o método de Deus de justificação e a fé do pecador. Esta é uma “confusão mais que confu­sa”! É impossível que a justiça que justifica seja todas as três ou duas delas. Se é uma delas, então que o arminiano assuma somente uma e, pelo menos, será consistente consigo mesmo, por mais inconsistente seja com a Escritura.

Em terceiro lugar, a justiça que é de Deus mediante a fé é contrastada com a justiça pessoal de alguém. Mas não haveria significado na comparação da justiça pessoal de alguém com o método de Deus de justificação. Ouçamos Paulo: “Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como refugo, para conseguir Cristo e ser achado nele, não tendo justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus, baseada na fé” (Fp 3.8, 9). Certamente, por sua própria justiça ele não poderia pretender seu próprio método de justifi­cação, e sim sua obediência cônscia e subjetiva ã lei; e é inteligível que ele teria contrastado isso com a obediência de Cristo. A primeira não poderia constituir nenhuma base de justificação, a segunda é uma base perfeita dela. A mesma comparação é instituída por Paulo ao descrever o' zelo de seus compatrícios que não era segundo o conhecimento. “Porquanto, desconhecendo a justiça de Deus e procurando estabelecer a sua própria, não se sujeitaram à que vem de Deus” (Rm 10.3). Por sua própria justiça está implícita sua obediência legal, “Ora, Moisés escreveu que o homem que praticar a justiça decorrente da lei viverá por ela” (Rm 10.5). Sua obediência legal é contrastada não com o méto­do divino de justificação, e sim com a obediência de Cristo pela qual Ele é o fim da lei para justiça a todo o que crê.

Em quarto lugar, nosso pecado imputado a Cristo é contrastado com Sua justiça imputada a nós. “Àquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus” (2Co 5.21). Dir-se-á que Cristo foi feito por nós o método de Deus de condenação, para que nele fôssemos feitos o método de Deus de justificação? Essa seria a antítese natural se a justiça de Deus significasse o método de Deus de justificação. Mui cer­tamente, aqui não pode significar a fé, pois seria declarar que nele somos feitos fé! Ambas estas construções são tão ultrajantes, que são rejeitadas pelos pró­prios arminianos. Recusando ver as doutrinas da culpa imputada e da justiça imputada, as quais são tão claras em face da passagem, que um cego poderia percebê-las, dizem que Cristo foi feito por nós uma oferta pelo pecado. Ora, então fomos feitos nele uma oferta de justiça a Deus. Essa seria a antítese requerida. Não! Somos justificados nele. Entre uma oferta pelo pecado por nós e ser justificado nele, que comparação concebível há? Mas, não nos apresse­mos demais. Vejamos se alguma dentre as diversas interpretações arminianas

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da frase “justiça de Deus” satisfará a demanda do caso. Somos feitos ajustiça essencial de Deus em Cristo? Somos feitos ajustiça reitorial nele? Somos fei­tos o método de Deus de justificação nele? Somos feitos fé nele? Somos feitos tudo isso nele? Claro que não, responde o arminiano; somos justificados nele. Segue-se que a justiça de Deus aqui expressa não é a justiça essencial de Deus, nem Sua justiça reitorial, nem o método de justificação, nem fé, nem tudo isso junto. O que, pois, pode ser? A resposta é: justificados e santificados. As­sim pareceria que justificados e santificados é outro dos sentidos em que a frase “jusfiça de Deus” é empregada.

Uma passagem paralela é aquela em que Cristo é declarado ser feito a justiça de Deus por nós: “Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tomou da parte de Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção” (ICo 1.30). É quase impossível afirmar que Cristo nos foi feito da parte de Deus Seu método de justificação. Caso se replique: Quem já afrnnou tal absurdo? Em resposta, pode-se inquirir: Como, pois. Cristo é feito justiça por nós? Ele nos é feito ajustiça essencial de Deus, ou Sua justiça reitorial, ou a fé? Estas suposi­ções são demasiadamente absurdas para serem atribuídas ao arminiano? Se a resposta é sim, a questão reaparece: Como Cristo nos é feito justiça? A respos­ta não pode ser: Porque Ele é nossa santificação, pela razão óbvia de que, nesta passagem, justiça é discriminada de santificação. Dificilmente se dirá que Ele nos é feito sabedoria, santificação e redenção. Seguramente aqui não se ensina uma primeira e uma segunda benção da santificação. Em que sentido, pois. Cristo Se faz nossa justiça? Só há oufra resposta. E vem dos lábios do calvinista: ajustiça de Cristo é nossa por imputação.

Oufra passagem que não pode harmonizar-se com o ponto de vista em análise é uma poderosa que se enconfra em Jeremias: “Eis que vêm dias, diz o SENHOR, em que levantarei a Davi um Renovo justo, e, rei que é, reinará, e agirá sabiamente, e executará o juízo e a justiça na terra. Em seus dias, Judá será salvo, e Israel habitará seguro; será este seu nome, com que será chama­do; SENHOR, Justiça Nossa” (Jr 23.5, 6). Não pode haver dúvida de que esta declaração se refere a Cristo. E impossível ver como Ele poderia ser chamado Javé, método de Deus de justificação feito nosso. Mesmo João Wesley, em seu célebre sermão sobre estas palavras, reconhecia que a doutrina da justiça de Cristo imputada é, em certo sentido, ensinada nelas, e definiu essa justiça como sendo o que Cristo fez e sofreu - o que em geral se intitula Sua obediência ativa e passiva. Mas, desde Richard Watson até nossos dias, a teologia evangélica arminiana tem ido além de seu líder e descartou a frase “justiça imputada de Cristo”. Seja qual for a interpretação destas gloriosas palavras, mui segura­mente não pode ser: O Senhor, nosso divino método de justificação! Tampouco pode ser nossa justiça essencial, ou nossa divina justiça reitorial, ou nossa fé.

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Entretanto, pode-se enfatizar outra declaração. E aquela em que Gabriel diz a Daniel: “Setenta semanas estão determinadas sobre teu povo e sobre tua santa cidade, para fazer cessar a transgressão, para dar fim aos pecados, para expiar a iniqüidade, para trazer a justiça etema, para selar a visão e a profecia e para ungir o santo dos santos” (Dn 9.24). Eis um ilustre testemunho da obe­diência de Cristo! Quem pode resistir à convicção de que a justiça aqui assina­lada é a “justiça de Deus”, a qual Paulo engrandeceu como sendo o aspecto fiindamental de uma justificação do pecador, cuja revelação constituiu o evan­gelho como sendo o poder de Deus para a salvação, redimiu-o do menosprezo e 0 tomou um objeto de glória na esplêndida capital do império romano? E se isto é assim, a justiça etema, cuja manifestação foi predita pelo profeta angélico, não pode ser considerada como o método de Deus de justificação, a menos que se diga que Jesus primeiramente introduziu um método de justificação que fora empregado desde que a promessa de redenção foi enunciada a Adão e Eva, e a menos que se mantenha que Deus estará etemamente envolvido em justificar pecadores depois que as sentenças do Juízo Final houver para sempre selado a condenação dos homens. Um método etemo de justificação é algo difícil de ser entendido, a não ser por aqueles que considerarem algo mais tolerável do que a justiça imputada; mas que a obediência de um Substituto divino-humano, produ­zida quando Ele sofreu e morreu por Seu povo na terra, segundo o propósito de Deus, teria fundamentado sua justifícação desde o início do pecado, e perene­mente continuará a fundamentar seu estado justificado no céu - isto é não só inteligível, mas é a mais gloriosa doutrina do glorioso evangelho do Deus bendito. A indagação que qualquer protestante jamais faria é se algum pecador crente, cônscio do pecado, mesclaria até mesmo sua fé. Isto, e somente isto, é a justiça que vence a fransgressão, põe fim aos pecados e efetua uma reconcihação pela iniqüidade, que perpetua a luz do rosto de Deus e para sempre remove a sombra da contingência da benção celestial. Basta para a posição de que a justiça de Deus, sem a lei, que é revelada de fé em fé, é o método de justificar o pecador.

Quarto, mantém-se, com notável versatilidade de interpretação, que a jus­tiça de Deus é a justiça da fé. Fletcher fala de “nossa própria justiça de fé”: “Certificamos que ela é a justiça de Deus.”“* Ao discutir esta questão, Ralston indaga contundentemente: “O que é a justiça de Deus?” E cita com a aprova­ção de um emdito comentarista uma passagem em que este ponto de vista é expresso. “Em referência”, observa, “a esta frase, a qual ocorre em Romanos 1.17, Whitby nota: ‘Esta frase, no estilo de Paulo, sempre significa a justiça da fé na morte de Jesus Cristo ou no derramamento de Seu sangue por nós’.” E então Ralston segue alterando seus termos, e curiosamente sublinha as pala­vras bíblicas que aniquilam este ponto de vista. “A isto”, continua, “podemos

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adicionar o testemunho do próprio Paulo que, em Romanos 3.22, dá precisa­mente a mesma opinião sobre a frase em pauta. ‘Justiça de Deus’, diz ele, ^mediante a fé em Jesus Cristo, para todos [e sobre todos] os que creem. Isto é, a justiça de Deus é a justiça da fé, e a justiça da fé é a justiça que é mediante a fé. Esta confiisão não é da autoria de Paulo; é de Ralston. E como se ele não tivesse a consciência de que ajustiça inerente à fé e ajustiça que vem pela fé não são e não podem ser a mesma coisa. Que ajustiça de Deus é ajustiça que justifica, nem mesmo o arminiano nega. Que a fé é ajustiça que justifica, defendem com toda veemência; porque, a fé de Abraão não lhe foi imputada para justiça? Porventura ele não era justo porque creu? Sua fé era a justiça que lhe foi imputada. Se esta não é sua doutrina, então a linguagem não pode comunicar qualquer significado. Quando a relação de fé para justificação se encaixar em seu lugar no esquema geral do argumento a ser examinado, esta doutrina será discutida com mais particularidade. No momento, é relevan­te provar que a justiça da fé, ou a fé como justiça, não pode ser a justiça de Deus. O apelo será feito diretamente às Escrituras, e se elas não exibirem isto, as mais óbvias declarações não podem ser entendidas.

Vej amos Romanos 1.17: “Visto que a justiça de Deus se revela no evange­lho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá por fé.” Se a fé é ajustiça de Deus, a afirmação seria exatamente equivalente a isto: a justiça de Deus é revelada da justiça de Deus para a justiça de Deus; ou, a fé é revelada da fé para a fé. Esta não pode ser a afirmação do apóstolo. Se for repudiado pelo arminiano, pode-se indagar: Por qual razão? Alegar-se-ia que ajustiça de Deus é diferente da justiça da fé? A dificuldade só é mudada, não removida, pois a afirmação seria: ajustiça de Deus é revelada da justiça da fé para ajustiça da fé. Que significado se pode anexar a esse enunciado? Se a justiça de Deus e a justiça da fé são diferentes expressões para a mesma coisa, a primeira dificul­dade permanece: certamente, ajustiça de Deus não é revelada a si mesma; no que concerne a esta afirmação cardinal do modo da justificação, é perfeita­mente óbvio que a fé não é a justiça de Deus.

Vejamos Romanos 3.21,22: “Mas agora, sem lei, se manifestou ajustiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas; justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos [e sobre todos] os que creem.” Se a fé é a justiça de Deus, a afirmação supra seria equivalente a isto: ajustiça de Deus que é medi­ante a justiça de Deus; ou a fé que é mediante a fé. Isto não pode escapar, exceto por uma negação da posição de que a fé é ajustiça de Deus - a própria afirmação que é contestada nestas observações. Além do mais, que sentido se pode extrair da sentença: “mediante a fé em Jesus Cristo, para todos [e sobre

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todos] os que creem”? Sim, se a fé é a justiça de Deus, essa sentença é vir­tualmente posta na boca do apóstolo.

Filipenses 3.9: “e ser achado nele, não tendo justiça própria, que procede de lei, senão que é mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus, base­ada na fé.” O apóstolo contrasta sua justiça pessoal, a qual procede da lei, com outra justiça, a qual vem através da fé. Essa outra justiça, ele descreve como sendo aquela que procede de Deus, e como comunicada através da fé ou obti­da mediante a fé. Ora, se a fé é a justiça de Deus, ele [Paulo] é representado como que desejando possuir aquela fé que é através da fé em Cristo, a fé que procede de Deus mediante a fé. Esta construção da solene linguagem de Paulo é tão palpavelmente inadmissível, que somos obrigados a rejeitar o conceito de que a justiça de Deus é a fé, ou, o que é a mesma coisa, a justiça de Deus é a justiça da fé - a justiça que é considerada como sendo a fé.

A questão se a fé, em relação à justifícação, de modo algum é qualquer justiça, legal ou evangélica, imputada ou inerente, será discutida em outro lugar. As passagens da Escritura, porém, que já fora aduzidas, provam incontestavel­mente que a justiça de Deus, que é revelada de fé em fé, que é através da fé, que é mediante a fé, e que é para todos e sobre todos os que creem, não pode ser a própria fé ou qualquer justiça envolvida nela.

Até aqui se mostrou que a justiça de Deus que é revelada à fé pelo evange­lho não é a justiça intrínseca ou essencial de Deus, nem Sua justiça reitorial pela qual Ele administra Seu govemo moral, nem Seu método de justifícação, nem a fé. Então, o que é ela senão a justiça vicária de Cristo - Sua obediência ao preceito e á penalidade da lei no lugar do pecador, oferecida em Sua vida e em Sua morte? O arminiano mantém que a base da justifícação é o mérito de Cristo, porém falha em fazer a justiça de Cristo aquela justiça de Deus que a fé apreende como a base de aceitação. Em termos gerais, ele está certo; mas, quanto aos detalhes, ele está errado.

2. Para quem é o mérito de Cristo, segundo o arminiano, disponibilizado como a base da justificação? Quem permanece sobre essa base? Esta questão é relevante, porquanto sua resposta lança alguma luz sobre toda a concepção arminiana de justificação. Ela deve ser avaliada em algum lugar, e é bem apro­priado analisá-la aqui. Os doutores e comentaristas arminianos geralmente con­correm em manter que a culpa do pecado de Adão é removida no nascimento de todos os homens. E verdade que diferem com respeito ao uso do termo culpa em conexão com o primeiro pecado; alguns defendem que todos os homens, em algum sentido, são culpados com respeito àquele pecado, e por isso soírem as consequências penais dele. Como punição necessariamente pres­supõe culpa, os homens contraíram universalmente culpa em Adão. Outros mantêm que os homens sofrem as consequências do pecado de Adão, mas que

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essas consequências não são penais. Raymond escarnece da noção de que os homens são culpados com respeito ao pecado de Adão em qualquer sentido próprio. Mas, embora a tendência da teologia evangélica arminiana pareça agora estar na direção fínal, dificilmente pode ser considerada como representando fielmente os pontos de vista padrão daquela teologia como um todo. Seja como for, todos concorrem em admitir, o que somente os pelagianos e infiéis negam: que os homens são, de algum modo, implicados na Queda de Adão. Esta cone­xão com o primeiro pecado é destruída, no caso de todos os homens, pelo efeito da expiação de Cristo. São, pelo sangue de Cristo, absolvidos da culpa (tomada estrita ou livremente) do pecado de Adão. São, no que concerne à sua conexão com aquele pecado, perdoados; e como, segundo a doutrina arminiana, justifi­cação é exatamente perdão, são justificados daquela culpa. Aliás, isto é, em termos, discutido nas exposições da comparação que o apóstolo faz da desobe­diência de Adão com a justiça de Cristo, no quinto capítulo de Romanos. Te­mos, pois, a justificação de todos os homens, no nascimento, da culpa do peca­do original. Ora,

Em primeiro plano, isto necessariamente pressupõe duas justificações, se­paradas por um intervalo de tempo. O caso das criancinhas que morrem na infância, sendo deixadas fora de consideração, as que atingem a maturidade e que crê em Cristo, no nascimento foram inicialmente justificadas da culpa do pecado original e, mais tarde, no exercício de sua fé, são justificadas da culpa de seus pecados cônscios e atuais.

Em segundo plano, até que o adulto creia em Cristo, ele é uma pessoa parcialmente justificada; pois já foi, confessadamente, justificada da culpa do pecado de Adão. Como isto se faz consistente com aposição de que a justifica­ção é condicionada à fé? Caso se replique que somente a justificação da culpa de pecados atuais é assim condicionada, demanda-se sobre que base bíblica sua justificação é assim cindida em partes - uma condicionada, a outra não- condicionada pela fé?

Em terceiro plano, o adulto que morre sem crer em Cristo, em parte morre justificado, e em parte não-justíficado, em parte perdoado e em parte condena­do; perdoado da culpa do pecado original e condenado pela atual. Mas, como o pecado atual emana do princípio do original, ele é condenado por um pecado, cuja culpa pressupõe um pecado que já foi perdoado. Se não, o homem, como Adão, teria desde a inocência caído em pecado, posto que ele teria sido inocen­te - isento de culpa - no intervalo entre seu nascimento, quando a culpa do pecado de Adão foi removida, e seu primeiro pecado cônscio e atual. Entretan­to, isto é negado, e não surpreende; pois, se isso fosse procedente, haveria tantas quedas da inocência em pecado, como a do primeiro homem, como tem havido, há e haverá seres humanos nascidos de geração ordinária. Mas isso

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seria assim, se a premissa fosse verdadeira, que a culpa do pecado de Adão não é imputada a toda alma humana, em seu nascimento. Ele começa a vida inocente, pois a culpa do primeiro pecado é perdoada, e nenhuma criancinha é passível de contrair culpa por transgressão cônscia. No entanto, caso se con­tenda que 0 homem não cai da inocência quando comete pecado atual, porque o princípio de depravação está nele e ocasiona pecado atual, insiste-se em que ele seria inocente, uma vez que é isento de toda culpa. E então a resposta é ainda mais insuficiente, pela razão de que é impossível ver como a liberdade de toda culpa e o princípio de corrupção podem co-existir. Caso se pressuponha que o homem perde a justificação que lhe fora assegurada pela expiação, repli­ca-se que o arminiano não tem a liberdade de fazer tal suposição; pois a preca­riedade da justificação pela qual ele contende resulta do contingente exercício da fé. Aquele que já foi justificado pela fé pode cessar de viver num estado justificado, porque ele falha em exercer fé; a condição vai com ela, a coisa condicionada vai com ela. Aqui, porém, é uma justificação que não estava con­dicionada ã fé. Portanto, ela não pode falhar, posto que não existe a condição incerta de continuação. Dada sem fé, por que ela continuaria sem ela?

O único alívio desta dificuldade pareceria estar numa teoria afim àquela de Placseus, o qual afirmava que a imputação da culpa de Adão é mediada pelo pecado cônscio. Assim, embora aquela culpa já fosse removida, ipso facto, pela virtude da expiação, pode-se incorrer de novo pelo pecado atual. Mas Placseus não afirmava que o pecado de Adão acarretasse, em algum sentido, diretamente à sua posteridade e, consequentemente, não se pudesse manter que ele é removido por virtude da expiação de todos os homens no nascimento. O arminiano tem de explicar a reincidência de uma obrigação cancelada. Se ele declina de tal ofício, a difículdade resulta de duas justificações, com cujas consequências esse ponto de vista se vê embaraçado.

A doutrina arminiana expande a aplicação da base da justificação para além da autoridade da Escritura. Em parte, põe nela toda a raça humana, mui­tos dos quais nunca ouvem de sua existência; enquanto muitos outros, que a conhecem através do evangelho, falham em receber dela qualquer beneficio, mas são excluídos dela pelas tempestuosas inundações do pecado. A doutrina calvinista de uma justificação virtual, através da representação de Seu povo, feita por Cristo, e uma justificação cônscia e atual através da fé, não é favorecida por tais objeções. Ela é autoconsistente, deveras caminhando por via estreita, porém uma via que seguramente conduz à vida. Ninguém é representado como só estando em parte sobre a Rocha dos Séculos, e todo aquele que sempre esteve totalmente sobre ela permanece ali, inabalável ante as vicissitudes da vida e as tormentosas agitações da morte e do juízo.

3. Em conexão com o ponto recém-notado, da extensão à qual se aplica a

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base ou causa meritória da justifícação, ocorre a indagação; qual é seu resulta­do no que tange à suaprovaçãol É um de magistral importância. Como o tema da provação raramente é tratado com profiindidade em sistemas de divindade, e como ele merece ser visualizado em seus procedimentos, contemplemo-lo, antes de tudo, em relação à condição do homem sob o esquema da religião natural, e, segundo, com respeito ao seu estado como afetado pela redenção.

Primeiro, 0 ^1 era a natureza da provação do homem, no que diz respeito à sua relação com Adão? A esta questão, os teólogos evangélicos arminianos não dão resposta consistente. Era ocioso tentar a formulação de qualquer doutrina sobre este ponto de seus confusos e heterogêneos enunciados. Algumas cita­ções serão fornecidas, as quais servirão para pôr esta alegação além de dúvi­da. Diz Wesley; “Em Adão todos morreram, toda a espécie humana, todos os filhos dos homens que então estavam nos lombos de Adão. A consequência natural disto é que cada um que descende dele e que entra no mundo está espiritualmente morto, morto para Deus, totalmente morto empecado', inteira­mente destituído da vida de Deus, destituído da imagem de Deus, de toda aque­la justiça e santidade em- que foi criado.”® “Exceto em Adão todos morreram, estando nos lombos de seu primeiro pai, cada descendente de Adão, cada filho do homem deve responder pessoalmente por si mesmo diante de Deus.”’ Mas é a aliança da graça, que Deus em Cristo estabeleceu com os homens em todos os tempos (bem como antes e sob a dispensação judaica, e também desde que Deus Se manifestou em carne), a qual Paulo aqui conftonta com a aliança das obras feita com Adão, enquanto no paraíso.”® “Uma coisa mais foi indispensavelmente requerida pela justiça da lei, a saber, que esta obediência universal, esta perfeita santidade tanto do coração quanto da vida, também seria perfeitamente ininterrupta, continuaria sem qualquer interrupção, desde o momento em que Deus criou o homem, e soprou em suas narinas o fôlego da vida, até que findassem os dias de sua prova, e assim fosse confirmado na vida eterna.” “A aliança das obras requerida de Adão e de todos os seus filhos, de ‘pagar o preço por si mesmos’ em cuja consideração haviam de receber todas as fiituras bênçãos de Deus.’”® Pode-se notar o fato, embora não seja perti­nente ao presente propósito sobre o qual se insiste, que Wesley não afirmou a doutrina da estrita representação federal. Todos os homens estavam nos lom­bos de Adão. Semiaalmente, ele os continha e, em decorrência deste fato, ele os representava. É através da propagação patema que eles recebem os re-

6. Serm. on the New Birth.1. Serm. on God's Love to Fallen Man.8. Serm. on the Righteousness o f Faith.9. Serm. on the Righteousness o f Faith.10. Idem.

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sultados legais de seu pecado. É impossível ver como isto se harmoniza com uma provação legal da raça nele. Entretanto, em algum sentido ele ensinou uma alian­ça de obras, e tudo indica que quis ensinar a prova da raça em Adão. Eles tinham nele uma “prova”. De outro modo, cada um teria que responder por si próprio.

De igual modo, tudo indica que a intenção de Watson era asseverar uma prova da raça no primeiro homem: “a plena penalidade da ofensa de Adão passou para sua posteridade.”“ Mas, como uma provação própria está com­preendida, evidenciam-se os enunciados seguintes. Falando do efeito da “cone­xão federal entre Adão e seus descendentes”, por fim ele diz: “Por imputação imediata está implícito que o pecado de Adão é computado como nosso aos olhos de Deus, por virtude de nossa relação federal. Em apoio da última noção, têm-se usado várias frases ilustrativas: que Adão e sua posteridade constituem uma só pessoa moral, e que toda a raça humana estava nele, sua cabeça, consentindo em seu ato etc. Isto é tão pouco satisfatório àquela distinta agência que acarreta a mesma noção de um ser responsável, que não pode ser mantida e destrói a sã distinção entre pecado original e atual.”' “E uma coisa fácil e aprazível dizer, na maneira usual, livre e geral de declarar a doutrina supralapsariana, que toda a raça, havendo caído em Adão, e se tomando justa­mente passível à morte etema. Deus poderia, sem qualquer impugnação de sua justiça, no exercício de Sua soberana graça, designar alguém à vida e salvação, por Cristo, e deixar os demais à sua merecida punição. Mas este é um falso conceito do caso, elaborado sob a falsa presunção de que toda a raça era pessoal e individualmente, em consequência da queda de Adão, absolutamente passível à morte etema. Esse mesmo fato, que é o fundamento de todo o es­quema, é fácil de ser refutado sob a mais clara autoridade da Escritura; con­quanto não se pode aduzir nenhuma passagem, podemos ousadamente afirmar, que sancione qualquer doutrina como esta.” ' O que, pois, vem a ser das pre­missas na teoria supralapsariana, as quais já examinamos, de que, em Adão, todos os homens são absolutamente condenados à morte etema? Não houvera Cristo empreendido a redenção humana, não teríamos nenhuma prova, nenhu­ma indicação na Escritura de que, pelo pecado de Adão, ninguém, senão o casal realmente culpado, teria sido destinado a esta condenação; e ainda que agora a raça realmente veio à existência, é por este pecado, e pela demonstra­ção do ódio que Deus sente pelo pecado, em geral, envolvido, através de uma relação federal e por uma imputação do pecado de Adão, nos efeitos supramencionados; todavia, proveu-se um remédio universal.”*'* Tudo isto é

11. Theol. Inst., vol. ii. p. 67.12. Theol. Inst., vol. ii. p. 53.13. Ibid., pp. 394, 395.14. Theol Inst., vol. ii. p. 400.

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muito curioso. Os homens são condenados à morte espiritual, temporal e etema pelo pecado de Adão; mas ele não estava falando estritamente de seu repre­sentante, não fossem um com ele na lei, e não houvessem sido condenados à morte, não fosse pela provisão da redenção em Cristo.'^ Era estultícia denomi­nar isto de uma prova peculiar. Todo o caso é ininteligível.

Os pontos de vista de Fletcher pareciam haver-se harmonizado com os de Wesley, e Watson, como é costumeiro, com alguns refinamentos peculiares de sua própria lavra, como a seguinte citação mostrará: “Não estávamos menos nos lombos de Adão quando Deus deu Seu Filho a Adão na grande promessa evangélica original, do que quando Eva o convenceu a comer do fhito proibido. Como todos estavam inclusos nele na aliança de perfeita obediência antes da Queda, assim todos estavam nele interessados na aliança da graça e mercê depois da Queda. E temos tão plena razão de crer que alguns dos filhos de Adão nunca caíram com ele de um estado de prova, nos termos da nova alian­ça, que se firmam em melhores promessas.”

“Assim, se todos nós recebemos uma injúria inaudita, por estarmos semi- nalmente em Adão quando ele caiu, segundo a primeira aUança, todos nós rece­bemos também uma benção inaudita por estarmos em seus lombos quando Deus espiritualmente o ressuscitou e o colocou no solo evangélico. Mais ainda, a benção que temos em Cristo é muito superior à maldição^ue Adão nos acar­retou: e nos mantemos firmes em nossa prova em termos muito mais vantajo­sos do que Adão fez no paraíso.”’®

A estrita representação legal, a única e competente base da prova própria, é aqui descartada, e só-se assevera tal prova na medida em que se pode coligir da noção de uma união seminal com Adão - isto é, de sua supremacia patema vista como representativa. A hipótese de que estávamos também seminalmente contidos em Adão como um pecador restaurado e crente, é algo extraordinário. Naturalmente, se em conformidade com a lei de propagação todos estavam condenados e mortos em Adão pecador, se seguiria que, segundo a mesma lei, todos foram justificados e viveram em Adão crente. O que dizer, pois, de Caim e seus seguidores? E a necessidade de união com Cristo? É ele um terceiro Adão, e 0 Adão ,crente o segundo, posto que estivemos nos lombos de Adão, como redimido, e certamente não estamos nos lombos de Cristo? Cristo redimiu Adão a fim de que irnia raça justificada pudesse ser propagada dele por gera­ção contínua.

Sob 0 tópico, “A Provação Original”, Pope, falando da relação de Adão com sua posteridade, diz: “Ele representava sua posteridade; porém não como

15. Esta notável teoria é submetida a um exame particular na discussão sobre a eleição.16. Works, Nova York, 18409, vol. i, p. 284.

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um mediador entre Deus e ela; e por isso a ordenança da provação não tinha a natureza de uma aliança. A assim chamada Aliança das Obras não tem lugar na história do paraíso.’”’ “O pecado original”, observa ele, “é o pecado dos descendentes de Adão sob uma aliança da graça. G que ela de outro modo teria sido nunca podemos saber; então não teria existido nenhuma união federal da humanidade.”** Tratando da Imputação Mediata e Imediata, ele faz esta impetuosa afirmação, na qual o ponto de vista de Wesley é consignado à classe de hipóteses bíblicas; “Especulações como estas ficam de pé ou caem com o princípio geral de uma aliança específica com Adão como o representante de sua posteridade, uma aliança da qual a Escritura não fala. Há apenas uma aliança, e dessa Cristo é o Mediador.”'

As seguintes passagens de Raymond mostrarão como a teologia evangéli­ca arminiana segue em estado lamentável. “Não temos nenhuma parte na ideia de supremacia ou representação federal; mas, com explanação própria, pode ser admitida; é uma ilustração mais adequada, porém figurada, e é de utilidade duvidosa. Adão era a cabeça de sua raça e a representava, justamente como um pai é a cabeça e representante de sua família. As consequências do caráter e conduta dos pais naturalmente se manifestam em seus filhos. Mas, alguém pode dizer que tais desvantagens são punições? Deus considera os filhos como culpados dos pecados de seus pais? Certamente, não.” “ “Adão não era a raça, nem representava a raça num sentido tal que pudesse ser justamente destinado à morte etema por seu filho.” ' “Não é verdade que a raça, como indivíduos, em sua prova estava em Adão.”^ Isto é seguido por uma tentativa de provar que, se Adão ficasse firme, não há evidência para mostrar que a prova da raça houvesse terminada ditosamente nele.

Os pontos de vista de Watson podem ser reunidos dos seguintes parágra­fos; “Se pela queda de Adão, ou qualquer outra razão, toda a raça humana nasce incapaz de fazer o bem, então ela não pode ser condenada por não fazer 0 bem.”^ “Sobre o pecado de Adão, a subversão moral e a mortalidade exer­ceram plena ascendência sobre ele, e da mesma forma sobre todos seus des­cendentes, pela lei de propagação-, a lei pela qual por toda parte todas as esferas produtivas, sejam vegetais, animais ou humanas, como a natureza gera seus iguais, fisica, mental e moralmente.” '* “Como o apóstolo tem em mente

17. Comp. Christ. Theol., vol. ii, p. 13.18. Idem, vol. ii. pp. 60, 61.19. Ibidem, p. 78.20. Syst. Theology, vol. ii. pp. 109, 110.21. Ibidem, p. 131.22. Ibidem, p. 136.23. Comm, on Romans, ch. ii.24. Ibidem, ch. v.

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que todos pecaram? Os teólogos têm replicado; Todos pecaram em Adão. Mas esse tipo de írase, pecaram em Adão, não ocorre na Escritura. Ocorre, sim, a frase em Adão todos morreram. Entretanto, isto não significa que o corpo ou pessoa de alguém estivesse física, material ou moralmente presente, ou então incorporado no corpo de Adão a ponto de expirar com ele quando ele expirou. Nem tampouco alguma pessoa estava em Adão para comer o finto proibido quando ele o comeu. Cada pessoa morre conceitualmente no primeiro homem mortal, justamente como cada leão morre no primeiro leão mortal; isto é, por estar sujeito à morte pela lei de semelhança ao progenitor original. O primeiro leão era o leão representativo, em cuja semelhança cada leão descen­dente rugiria, devoraria e morreria; e assim, nele, toda a raça de leão morre.”^ “A cláusula, todos pecaram, portanto, significa o mesmo que todos pecam - assim afirmando um fato que (admitido pela liberdade volitiva) é tão uniforme quanto uma lei da natureza. Não porque literalmente pecaram em Adão; não porque o pecado pessoal de Adão lhes seja imputado, e sim porque tal é sua natureza, que nesta cena de prova, rodeados por tentações de todos os lados, mais cedo ou mais tarde pecariam; e qualquer que seja o ato, sendo ele nor­mal, se não absolutamente universal, o realizador do mesmo é normalmente chamado o fazedor, se do pecado, então é um pecador.” ^

Primeiro, é óbvio, à luz destes pontos de vista de proeminentes teólogos, que não se pode extrair deles nenhuma doutrina consistente com respeito a uma prova da raça em Adão. São impossíveis de ser reduzidos à forma siste­mática. E inútil discorrer largamente sobre este tema; os extratos precedentes falam por si sós. Wesley, Watson e Fletcher admitem alguma sorte de aliança com Adão, e uma prova correspondente de seus descendentes nele. Pope nega explicitamente uma aliança. Raymond rejeita expressamente uma prova dos homens em Adão, e Watson afirma que não há prova bíblica de que os homens pecaram em Adão.

Segundo, Wesley polemizava que de Adão se requereu perfeita obediência “até que os dias de sua prova terminassem e ele fosse confirmado na vida etema”. Esta é uma afirmação curiosa, vinda dele, e uma de difícil compreen­são. Porventura tencionava incluir nela os descendentes de Adão? Se não, então ele nega o que admitiu - sua prova nele. Se a resposta é sim, há quatro suposições possíveis. Primeira, ele quis dizer por “o fim da prova” o término da vida de Adão? Mas, se ele permanecesse firme, não haveria término de sua vida. Segunda, ele quis dizer o fim de um períoro certo e definido durante a vida de Adão? Se é isso, então ele ratificou a doutrina calvinista e asseverou a teoria da estrita representação legal. Mas, como poderia ele fazer isso, e ao mesmo

25. Ibidem. ,26. Ibidem.

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tempo manter uma justificação perdível? Ou, como poderia tal justificação har­monizar-se com a “confirmação na vida etema”? Terceira, ele quis dizer pelo fim da prova o término da vida de cada pessoa? Isso seria equivalente a negar que cada pessoa, sob a primeira aliança, teve uma prova em Adão, coisa que ele admitiu. Cada pessoa teria permanecido sobre seus próprios pés. Além disso, houvera Adão permanecido em integridade, como poderia alguém haver morrido? Se em Adão como pecador eles morreram, em Adão como não-peca- dor eles teriam vivido. Quarta, ele quis dizer pelo fim da prova o término de toda a história terrena de Adão e sua posteridade, vistos como a continuarem em santidade? Isso seria acompanhado pelas mesmas dificuldades como a su­posição do término da prova na expiração de um período certo e definido. Ademais, como é possível manter que teria havido um fim da história terrena de Adão e seus descendentes, caso permanecessem santos? Que prova há para isso? A expressão soa bem nos ouvidos de um calvinista, mas o que ela significa na boca de um arminiano?

Terceiro, uma prova vista como a terminar numa justificação “defectível”- uma justificação perdível absolutamente teria sido uma prova real. Porque, segundo a suposição, a prova teria sido tanto finalizada quanto não finalizada: finalizada pela justificação; não finalizada, posto que a justificação poderia ha­ver-se perdido. E, além do mais, houvera Adão assegurado a justificação para sua posteridade, esta poderia tê-la subsequentemente perdido, pois se pudes­sem perder a justificação merecida por Cristo, seguramente poderiam ter per­dido o direito conquistado por Adão. Se é assim, que prova teria restado para a raça, senão uma terminada e, contudo, não terminada, o que é uma contradição em termos?

Quarto, uma união seminal de Adão e sua posteridade, envolvendo tal cará­ter representativo como aquela união lhe acarretaria, não poderia ter tido ne­nhuma base própria para uma prova legal. Adão teria diferido dos pais ordiná­rios simplesmente pela circunstância de ser ele o primeiro pai da humanidade; e ninguém fala de filhos tendo uma prova estrita e legal em seus pais. Aqueles não são condenados à morte temporal pelos crimes destes, muito menos à morte etema. Aqueles escritores, portanto, que mantêm meramente a relação seminal e negam a prova são consistentes. Segundo os teólogos evangélicos arminianos mais abalizados de tempos recentes, a união seminal não explicará a prova legal e seus tremendos resultados. O fato é digno de atenção. Asseve­rando um, eles negam o outro.

Quinto, o defeito comum a todos os escritores que têm sido citados é que sua doutrina falha em não afirmar uma supremacia federal de Adão envolven­do a estrita representação legal, superadicionada pela designação divina a uma supremacia naturalmente pertinente à relação paterna e implicando somente

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tal elemento federal e representativo como necessariamente anexo a essa rela­ção. É verdade que alguns admitem uma aliança, porém não uma aliança que constituísse uma base competente para a prova legal da raça. Como se nega o ponto de vista calvinista da prova, e como ela fica de pé ou cai com a doutrina da aliança das obras, cumpre que se forneça a prova do fato de que tal aliança existiu.

Primeiro, a mais proeminente e conclusiva prova deriva-se do quinto capí­tulo de Romanos. Ela estabelece uma analogia entre Cristo e Adão. Se Cristo foi um representante, assim teria sido Adão. As provas bíblicas em favor do caráter representativo de Cristo foram apresentadas no discurso precedente das Objeções à Eleição. Portanto, elas não serão discutidas aqui. Caso se ne­gue que Adão foi representante, o único ponto em que a analogia mantém entre ele e Cristo é obliterado. Adão, embora não fosse um tipo instituído, era uma figura de Cristo. Isto é, embora ele não fosse feito representante para o propó­sito de tipificar a Cristo como representante, como Arão foi constituído sacer­dote a fim de tipificar a função sacerdotal de Cristo, todavia, em consequência da unidade de plano caracterizando o governo moral de Deus sobre a raça humana, o qual desde o princípio teve origem no princípio de representação federal, Adão, como representante, era análogo a Cristo. Ele era apenas um tipo de Cristo pela razão do fato de que era representante de sua semente, como Cristo é da Sua. Neste respeito, há um paralelismo entre o primeiro e o segundo Adão, em outros, uma antítese. A passagem propicia uma breve, po­rém sugestiva, prova do caráter representativo de Adão.

Mas, se Adão era representante, é óbvio que ele teria agido sob uma alian­ça. De que outro modo poderia ele ter sido constituído representante de sua posteridade? Sua relação co-criada com uma mera dispensação da lei não po­deria dar a razão do fato. Ele teria sido obrigado a responder exclusivamente por si, no que diz respeito aos resultados judiciais e à recompensa ou punição de sua conduta. Pode-se alegar que, como Deus o fez, mediante a criação, uma cabeça paterna, não havia necessidade de adicionar a supremacia pactuai para o constituir um representante. Este ponto já foi discutido detalhadamente, mas é aqui respondido sucintamente.

Em primeiro lugar, ele não foi feito simplesmente uma cabeça paterna. A prova é clara. Cristo não foi simplesmente uma cabeça paterna, e, como Adão era um tipo de Cristo, ele não poderia ter sido. Como Cristo indubitável e car­nalmente não era uma cabeça patema, não há analogia nesse aspecto; e, como Ele é espiritualmente uma cabeça patema mediante uma influência supernatural e soberana, é difícil de ver como se obtém uma semelhança nesse respeito. Resta que a analogia está baseada numa supremacia federal e representativa distinta da patema.

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Em segundo lugar, se Adão permanecera firme, e fora justificado como mera cabeça paterna, e não como uma cabeça federal e representativa, sua justificação não teria assegurado a justificação de sua semente; pois a justiça de um pai não pode garantir a permanência da justiça de seus filhos. Segundo a suposição de que Adão não era uma cabeça federal e representante legal, designado sob uma constituição diferente do ato pelo qual ele foi criado para ser pai, cada um dentre sua posteridade teria permanecido na lei em sua pró­pria posição e, consequentemente, a permanência de cada um teria sido contin­gente de sua própria obediência pessoal e cônscia. Os próprios arminianos reconhecem o caráter forense da justificação. O mesmo seria procedente da condenação. O canal propagativo sozinho não dará sentido à derivação do ou­tro. Um bom filho não é punido pelos crimes de seu pai; nem o mau filho é recompensado pelas virtudes de seu pai. E, como é um fato que um filho de boas disposições, humanamente falando, algumas vezes nasce de um mau pai, e um filho de más disposições, de um bom pai, é evidente que o princípio semi­nal não é adequado para satisfazer as demandas do caso. O fato universal e inegável da depravação inerente claramente prova a culpa no progenitor da raça, descendo, em consequência de um representante e não meramente de uma supremacia patema, aos que eram seus constituintes legais, e não mera­mente ao fruto de seus lombos.

Mas, caso se admita, pode-se sugerir que Adão era representante como também Cristo~o foi, não se prova que sua posteridade haja sido justificada nele, na suposição de que Ele permaneceu firme e foi justificado. Prova-se, porque:

Não poderia haver qualquer significado em ser ele constituído representan­te de sua semente, não fosse possível a justificação deles através de seus atos em consequência da designação.

Além do mais, sua condenação envolveu a condenação de sua semente. Pari ratione, sua justificação teria envolvido a deles.

Além disso, a obediência do segundo Adão assegurou a justificação de sua semente. O princípio é o mesmo em ambos os casos.

A mesma visão é apresentada, ainda que não tão expressamente, no capí­tulo 15 de 1 Coríntios e no capítulo 2 de Hebreus. A morte de todos em Adão e a vida de todos em Cristo dependem da operação do mesmo princípio. Ora, é certo que os homens não vivem só porque estavam seminalmente contidos em Cristo. Dizer que estavam em Seus lombos seria uma blasfêmia. Portanto, nenhuma dessas analogias justifica que os homens morrem por causa de uma conexão seminal com Adão. Necessita-se de uma união federal e representa­tiva, e isso pressupõe uma aliança oriunda da prerrogativa constitutiva e

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designativa de Deus. De nada vale ante uma impugnação do governo moral de Deus asseverar que os homens morrem moral e espiritualmente em Adão, ou de modo algum morrem nele, justamente como todos os leões morrem no pri­meiro leão mortal - que a relação seminal esclarece ambas as classes de fatos. As Escrituras explicitamente declaram, com respeito ao homem, que “o salário do pecado é a morte”, que “por meio de um só homem entrou o pecado no mundo, e a morte por meio do pecado”. As criancinhas morrem antes que pequem consciamente. Sua morte é o salário do pecado. De que pecado? Não seu próprio pecado consciente, a menos que morram em antecipação dele, como se um homem fosse enforcado por homicídio prospectivo. Portanto, do pecado de outro. Como? Como os leõezinhos morrem porque o velho leão morreu? Porventura a morte dos leõezinhos é o salário do pecado de um velho leão? Veja-se que o princípio seminal de Wesley, Watson e Fletcher chega nas mãos de Whedon! Não, amorte é uma aplicação judicial em consequência do pecado de um representante legal agindo sob uma aliança legal, e seu elemento penal só pode ser removido em consequência da obediência de outro e superior Representante, sob outra e superior aliança.

O segundo capítulo de Hebreus prova a necessidade da encarnação do FiUio de Deus, de uma comunhão de natureza entre Ele e Seus irmãos, a se­mente de Abraão. Por que esta necessidade? Para que -Ele fosse do mesmo sangue com Sua semente, conquanto o primeiro Adão era do mesmo sangue com a sua. O princípio de representação é provavelmente bastante amplo para admitir uma aplicação em cada caso em que os súditos do govemo sejam logicamente conectados em unidade; Cristo, porém, como o representante de Sua semente humana, cumpria ser feito um com eles, assumindo sua natureza, porque o primeiro representante dos homens, Adão, susteve essa relação com eles. O representante, neste caso, participaria da natureza dos representados por causa da lei adâmica. Isto estabelece a questão de que ambos. Cristo e Adão, foram representantes. A lei da representação, procedente do vínculo de raça, controlou ambos os casos. Isto evidencia a diferença entre uma união meramente seminal e uma união representativa. Cristo não foi uma cabeça seminal de Seu povo, como o foi o primeiro Adão de sua posteridade. Portanto, nesse respeito, o segundo Adão não se conformou á lei do primeiro. Foi no fato de que eram representantes que obtiveram imi princípio comum. Ora, como Cristo agiu como representante sob a economia de uma aliança, assim também fez Adão.

Segxmdo, não poderia ter havia qualquer justificação sem uma aliança. Não existira aliança a limitar o tempo de prova, a demanda da mera lei teria sido para sempre “faça e viva”; e a promessa “enquanto praticar, você viverá” . A prova, necessariamente, teria perdurado para sempre, a menos que fosse en-

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cerrada pelo pecado, e a justificação envolvendo confirmação em santidade e felicidade inatingíveis. Mas,

Em primeiro lugar. Deus prometeu a Adão a justificação como um galardão pela obediência, porque Ele lhe prometeu a vida como esse galardão. Dificil­mente se pode presumir que Deus prometesse não matar a Adão, ou não per­mitisse que ele morresse, enquanto perseverasse em obediência. Teria sido uma inferência necessária do caráter de Deus e da relação do homem com Ele, que preservasse a existência de um súdito obediente e amoroso. Entretanto, se alguma conclusão pudesse ser extraída da ameaça, “no dia em que dele come­res certamente morrerás”, mantendo a natureza de uma promessa simples­mente seria uma promessa de isenção da morte, ou a continuação da existên­cia. Este não é o sentido mais elevado e mais significativo em que as Escrituras empregam o termo vida, como se pode evidenciar por numerosas passagens. Em conexão com o desfiiite do favor de Deus, ele é usado para significar o bem-estar perpétuo e indefectível: a vida etema. Que Deus prometeu a Adão este tipo de vida no caso de ele persistir em obediência durante o tempo de prova assinalado a ele, mostra-se conclusivamente pela consideração de que, como, segundo as Escrituras, havia uma analogia.entre Cristo e Adão, a vida prometida a Cristo sob a condição de obediência teria sido a mesma em gênero, por mais diferente em grau de plenitude, com aquela que fora prometida a Adão em caso de permanecer firme em sua prova. Mas a vida prometida a Cristo e, nele^-à Sua semente era a vida etema. Isso pressupõe a justificação. Como, pois, Deus prometeu a Adão a justificação, proveu-se uma aliança, pos­to que, sem uma aliança, a justificação teria sido impossível.

Em segundo lugar, a analogia entre Cristo e Adão prova diretamente que a justificação era o galardão prometido a Adão. Como certamente ele foi prome­tido a Cristo, assim teria sido a Adão. De outro modo, não há analogia entre os dois. E assim se prova claramente que existiu uma aliança com Adão.

E assim se prova que todos os homens tinham em Adão uma prova legal como seu representante legal sob a aliança das obras. Como seu representante fracassou em vencer a prova, todos fracassaram nele, e por isso não mais se acham num estado de prova legal. Não há possibilidade de que obedeçam à lei para sua justificação. Como, em si mesmos e por seus próprios esforços, po­dem os condenados ser justificados? “Portanto, pelas obras da lei nenhuma came será justificada; porque pela lei vem o pleno conhecimento do pecado.”

Segundo, vem a lume a próxima indagação: Qual é a relação probatória que agora os homens mantêm com o govemo de Deus? Sobre este tema, a doutrina calvinista é: que, por virtude de uma aliança entre Deus o Pai e Deus o Filho, Este foi designado a Cabeça Federal e o Representante Legal dos soberanamente eleitos pelo Pai para serem redimidos; que o Filho aceitou a

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comissão, encamou-Se e empreendeu cumprir a aliança das obras que Adão fracassou em guardar, como também satisfazer a justiça de Deus, recebendo sua aplicação, e assim obedeceu perfeitamente à lei em seu preceito e em sua penalidade, em Sua vida e em Sua morte, no lugar de Sua semente, e ressusci­tou para a justificação dela; e que, assim, sua provação legal foi consumada nele: eles, como pecadores, sendo convencidos de pecado pelo Espírito Santo e por Ele persuadidos e capacitados a renunciar todos os esforços legais para assegurar a aceitação junto a Deus, e simplesmente crer em Jesus Cristo como a condição de sua justificação atual.

Há também, em consequência da oferta indiscriminada de salvação a todos os que ouvem o evangelho, o que pode ser intitulado uma “provação evangéli­ca”. Aqueles a quem o som do evangelho alcança são testados com respeito à sua disposição de abraçar a Cristo e repousam unicamente em Sua justiça para a salvação. Nesta sorte de prova não há elemento legal. Na verdade é uma prova peculiar. É evidente que ela se confina aos que estão em contato com o evangelho e por isso não se refere ao caso dos pagãos.

Há, em adição, uma espécie subordinada de prova à qual os que são cren­tes em Cristo e filhos adotivos de Deus estão sujeitos, sob a operação do gover­no que é exercido na casa do próprio Deus em concordância com o princípio de equidade paternal. São provados ou testados com referência à sua fidelidade, e correspondentemente com o grau dela o qual exibirão aquela equidade que lhes confere as recompensas conquistadas por Cristo, e lhes assinalam sua posição no reino da glória. A salvação - a salvação de Paulo e do ladrão penitente - é inteiramente de graça, as recompensas do estado celestial são todas elas ad­quiridas tão-somente pelo mérito de Cristo; mas a proporção em que as recom­pensas serão administradas aos indivíduos será determinada pela equidade pa­ternal em concordância com a fidelidade dos santos na terra. Neste govemo sobre a própria casa de Deus não há elemento de retribuição. O govemo é totalmente disciplinar. A punição dá vazão ao castigo. O Govemante e Juiz são ambos o Pai e o Salvador. Não carece dizer que esta sorte de prova não é legal no sentido em que visa à justificação. Esta está pressuposta. Tampouco visa à salvação. Ela visa ao grau em que a glória será experimentada.

É óbvio que a posição calvinista com respeito à prova desde a Queda, a qual já se declarou sucintamente, depende das doutrinas de Eleição Incondici­onal e a Representação Federal, cujas provas já se forneceram na discussão precedente. Se essas doutrinas são verdadeiras, a visão da prova que já foi dada segue como uma consequência necessária.

Volvamo-nos, agora, à doutrina evangélica arminiana. Ei-la: Que, concor­rente com o decreto de permitir a Queda, estava um decreto de prover a reden­ção de seus efeitos para toda a raça caída; que, por conseguinte, a expiação de

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Cristo foi oferecida para fazer possível a salvação de todos os homens; que, por virtude da expiação o livre dom alcançou a cada um para a justificação da vida; que a culpa do pecado de Adão é removido de cada um no nascimento ou após ele; que um grau de vida espiritual e de livre-arbítrio é comunicado a cada um, pelo qual ele é assistido para operar a justiça, no caso de ele não ter o evangelho; arrepender-se e crer em Cristo, no caso de ele já o ter; e que Deus já fez uma aliança de graça com todos os homens, na qual Ele lhes promete justificação no caso em que venham a cumprir as condições supramencionadas, e perseverar nesse cumprimento até o fim. Todos os homens vivem assim num estado de “nova e graciosa prova”. Todas essas posições, exceto a concernen­te à operação da justiça, à parte do conhecimento do evangelho, e que, com respeito à aliança da graça, com todos os homens, já foi submetido a minucioso exame na discussão anterior da Eleição e Reprovação. Há duas questões que nos compete considerar aqui: primeira, com respeito à aliança; e, segunda, em relação ao modo como, nesta teoria da prova, a justificação pode ser obtida.

Primeiro, os calvinistas afirmam e os arminianos negam que haja uma ahança entre Deus, o Pai, de um lado, e, do outro, Deus, o Filho como Mediador, Cabe­ça Federal e Representante de uma semente eleita que Lhe foi dada para ser redimida. A única aliança, que contempla a salvação, que é admitida pelos arminianos, é uma aliança diretamente feita com os homens. A aliança como vista pelos calvinistas foi condicionada, no que diz respeito ao mérito, à obedi­ência do Filhof-e ela é, portanto, quanto à certeza de sua realização, inteiramen­te incondicionada às qualidades, atos e conduta dos homens. Da parte dos homens se requer fé para sua união cônscia com Cristo, a Cabeça Pactuai, e sua atual justificação nele. Mas esta não é uma condição incerta ou contingen­te. É um dom de Deus garantido para os compromissários humanos pelo per­feito cumprimento de seus compromissos federais por Cristo e as imutáveis promessas de Deus, o Pai, feitas a Ele. A aliança da redenção ou da graça tem duas faces - uma olhando diretamente para Cristo, a Cabeça e Representante Federal, a outra indiretamente ou mediatamente através dele para os constitu­intes eleitos que com Ele e nele eram uma parte na aliança. Daí, ela tem uma administração imediata pelo Pai para Cristo, e uma administração mediata de um caráter testamentário, através e por meio de Cristo para os eleitos. A ques­tão agora é com respeito ao fato de uma aliança entre Deus, o Pai e Deus, o Filho. Existe tal aliança, ou existe meramente uma aliança entre Deus e os homens? A questão é uma que só pode ser estabelecida por uma referência aos testemunhos da Escritura. Que haja uma aliança entre o Pai e o Filho é prová­vel, ou diretamente, ou por inferência, mediante um apelo a esses testemunhos.

Em primeiro lugar, tal aliança é expressamente afirmada. “Conservar-lhe- ei para sempre minha graça e, firme com ele, minha aliança. Farei durar para

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sempre sua descendência; e seu trono como os dias do céu. Se seus filhos desprezarem minha lei e não andarem em meus juízos, se violarem meus pre­ceitos e não guardarem meus mandamentos, então punirei com vara suas trans­gressões e com açoites sua iniquidade. Mas jamais retirarei dele minha bonda­de, nem desmentirei minha fidelidade. Não violarei minha aliança, nem modifi­carei o que meus lábios proferiram” (SI 89.28-34). “Eu, o SENHOR, te chamei em justiça, tomar-te-ei pela mão, e te guardarei, e te farei mediador da aliança com o povo e luz para os gentios” (Is 42.6). Estas passagens se referem a Cristo, e especialmente a primeira assevera explicitamente a existência de uma aliança entre o Pai e Ele.

Em segundo lugar, todas as passagens são em prova do estabelecimento de uma aliança incondicional de salvar. “Quanto a mim, esta é minha aliança com eles, diz o SENHOR: meu Espírito, que está sobre ti, e minhas palavras que pus em tua boca, não se apartarão dela, nem da de teus filhos, nem da dos filhos de teus filhos, hão se apartarão desde agora e para todo o sempre, diz o SENHOR” (Is 59.21). “Inclinai os ouvidos e vinde a mim; ouvi, e vossa alma viverá; porque convosco farei uma aliança perpétua, que consiste nas fiéis misericórdias prometidas a Davi” (Is 55.3). “Eis aí vêm dias, diz o SENHOR, em que firmarei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá. Não conforme a aliança que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito; porquanto eles anularam minha aliança, não obstante eu os haver desposado, diz o SENHOR. Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o SENHOR; Na mente lhes imprimirei minhas leis, também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. Não ensinará jamais cada um a seu próximo, nem cada um a seu irmão, dizendo: Conhece ao SENHOR, porque todos me conhecerão, desde o menor até o maior deles, diz o SENHOR. Pois perdoarei suas iniquidades e de .seus pecados jamais me lembrarei” (Jr 31.31-34). O uso que o escritor da Epístola aos Hebreus faz desta promessa proíbe sua restrição a um mero sentido nacional. Aqui, pois, está uma aliança para salvar, que é impossível ser aquela aliança que o arminiano descreve - condicionada á con­duta dos homens.

Em terceiro lugar, apela-se para as passagens que declaram a promessas feitas pelo Pai ao Filho. Citaremos apenas umas poucas: “Pede-me, e eu te darei as nações por herança e as extremidades da terra por tua possessão” (SI 2.8; cf. SI 72). “Assim diz o SENHOR dos Exércitos: Eis aqui o homem cujo nome é Renovo; ele brotará do seu lugar e edificará o templo do SENHOR. Ele mesmo edificará o templo do SENHOR e será revestido de glória; assentar-se- á em seu trono, e dominará, e será sacerdote em seu trono; e reinará perfeita união entre ambos os oficios” (Zc 6.12,13). “Irmãos, falo como homem. Ainda

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que uma aliança seja meramente humana, uma vez ratificada, ninguém a revo­ga ou lhe acrescenta alguma coisa. Ora, as promessas foram feitas a Abraão e a seu descendente. Não diz: E aos descendentes, como se falando de muitos, porém como de um só: E ateu descendente, que é Cristo” (G13.15,16). Isto é muito óbvio. Afirma-se que as promessas feitas a Cristo são pertinentes a uma aliança divina, a qual, naturalmente, foi feita com Ele. A aliança contém as promessas, e declara-se que elas são expressamente feitas a Cristo. Ele rece­be as promessas; nele não estão o sim e não, mas o sim e o amém; e Ele as administra aos pecadores, seu cumprimento neles sendo experimentahnente condicionado à sua aceitação dos graciosos convites do evangelho. Viriam a Cristo a fim de ser participantes das promessas. Nada sem Cristo: Ele está entre eles e Deus, como o depositário de Suas promessas que contemplam a salvação dos pecadores. As promessas pressupõem uma aliança entre o Pai e 0 Filho, por cuja virtude são antes de tudo feitas ao Filho, e através dele admi­nistradas aos pecadores crentes. Aquele que nega isto nega o evangelho. Que um exemplo seja suficiente. “Vinde a mim”, diz o Senhor Jesus, “e vos darei descanso.” O pecador é convidado a ir a Cristo, e a promessa de descanso, condicionada à aceitação desse convite, é administrada por Cristo: “Eu vos darei descanso.” Mas, no contexto imediato, Jesus declara: “Todas as coisas me foram dadas por meu Pai.” O Pai passa as promessas de salvação ao Filho, o qual as dispensa ao pecador crente. A mesma coisa é explicitamente asseve­rada no sétimo e no oitavo versículos do décimo sétimo capítulo de João. O que é isto senão uma aliança entre o Pai e o Filho?

Em quarto lugar, podem-se adicionar aquelas passagens nas quais se ensi­na que o Pai, a quem pertencem os eleitos, os dá ao Filho a fim de morrer por eles, redimi-los e guardá-los para a vida etema, e que o Filho, voluntariamente, aceitou o legado e consentiu em cumprir a grande comissão. Nessa maravilho­sa alegoria, no décimo capítulo de João, onde se descreve Seu ofício pastoral de modo tão belo e afetivo, o Senhor Jesus, falando de Suas ovelhas, e expres­samente discriminando-as dos que se recusavam a crer nele em razão de não serem Suas ovelhas, diz: “Aquilo que meu Pai me deu é maior do que tudo.” No décimo sétimo capítulo do mesmo Evangelho, Ele fala mais definidamente até este ponto: “Manifestei o teu nome aos homens que me deste do mundo. Eram teus, tu mos confiaste, e eles têm guardado a tua palavra. É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus; ora, todas minhas coisas são tuas, e tuas coisas são minhas; e neles eu sou glorificado. Eu lhes fiz conhecer o teu nome e ainda o farei conhecer, a fim de que o amor com que me amaste esteja neles, e eu neles esteja” (w . 6, 9, 10, 26). A insignificante glosa que restringiria esta oração sublimemente solene aos apóstolos é destmída pela expressa extensão dela, feita pelo Salvador, a todo

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seu povo crente: “Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em mim, por intermédio de sua palavra” (v. 20). Estas afirma­ções estabelecem absolutamente o fato de que o Pai deu ao Filho, por Sua soberana eleição, para que fossem por Ele redimidos. O contexto no décimo capítulo de João também mostra que o Filho, como sendo uma parte co-igual na augusta transação, aceitou voluntariamente o dom e Se engajou a cumprir a comissão que havia recebido de Seu Pai. “Por isso o Pai me ama, porque eu dou minha vida para a reassumir. Ninguém a tira de mim; pelo contrário, eu espontaneamente a dou. Tenho autoridade para a entregar e também para a reaver. Este mandato recebi de meu Pai” (w . 17, 18). O Pai nomeou o Filho como Redentor; o Filho aceitou a nomeação. O Pai comissiona o Filho a exer­cer o estupendo ofício; o FiUio, ator soberano. Senhor de sua vida, consentiu espontaneamente. Sua aquiescência não Lhe foi extorquida como uma obe­diência necessária por uma autoridade irresistível; ela foi livremente rendida como uma expressão de amor para com Seu Pai e caridade para com o homem pecador. A inconcebível manifestação de amor para com Deus e de piedade para com o homem, fiindiu a unidade na espontânea expansão de um coração infinito! Não surpreende que o Pai o amasse, posto que Ele consentiu alegre­mente a encamar-Se e a expor Sua vida em meio à vergonha e angústia da cruz. Seria deveras cego quem não percebesse neste inefável conselho entre o Pai e o Filho os elementos de uma aliança! Temos também um claro testemu­nho, para o mesmo propósito, no Salmo 40, confirmado na Epístola aos Hebreus: “Sacrifícios e ofertas não quiseste; abriste meus ouvidos; holocaustos e ofertas pelo pecado não requeres. Então eu disse: eis aqui estou, no rolo do livro está escrito a meu respeito; agrada-me fazer a tua vontade, ó Deus meu; dentro do meu coração está a tua lei” (SI 40.6-8). Chamado pelo Pai ao sacrifício de Si mesmo para a purgação de uma culpa que nenhum acúmulo das menores víti­mas poderia remover, de bom grado assentiu à vocação divina. É perfeitamen­te evidente que houve um misterioso, porém real, acordo entre o Pai e o Filho no tocante a uma empresa que se propusesse a assegurar a glória do nome divino consistentemente com a salvação do culpado. Uma teologia que não reconheça este fato atira, como “uma flecha enganosa”, sem acertar o alvo.

Em quinto lugar, há uma referência àquelas Escrituras que asseveram uma analogia entre Cristo e Adão, e àquelas que mostram que Deus sempre tratou com os homens com base no princípio da Representação Federal. E suficiente o que já foi dito como prova do fato de haver um paralelismo entre Cristo e Adão afirmado no quinto capítulo de Romanos, no décimo quinto capítulo de 1 Coríntios e no segundo de Hebreus. Ninguém negará isto senão os pelagianos, socinianos e racionalistas. Também já se provou que houve uma aliança entre Deus e Adão, na qual ele foi designado Cabeça e Representante de sua pos-

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teridade. Uma vez admitido isso, e admitindo-se a analogia entre ele e Cristo, segue-se que houve também uma aliança entre Deus e Cristo, o segundo Adão, na qual Ele foi constituído Cabeça e Representante de Sua posteridade. Todos os que sob a aliança das obras foram representados por Adão ficaram implica­dos em sua desobediência e morreram; sob a aliança da graça, todos os que foram representados por Cristo participam de Sua justiça e vida. Que o princí­pio da representação federal é fundamental em ambos os casos é também evidente demais para ser contraditado com sucesso. O que é ensinado não é apenas que geralmente há uma aliança envolvida em ambos os casos, mas especificamente uma aliança entre Deus e Adão no primeiro caso e uma alian­ça entre Deus e Cristo no segundo. Em nenhum caso houve uma aliança entre Deus e os homens à parte de uma cabeça federal. Prova-se a posição calvinista, a saber, que Deus fez uma aliança com os homens somente quando são consi­derados em Cristo como Cabeça Federal e Representante; e a arminiana é reprovada, a saber, que Deus institui uma aliança com os homens considerados em si mesmos, à parte da implicação com Cristo nessa capacidade. Deus ja­mais entrou em relação pactuai com o homem exceto através de uma cabeça federal. _

Além do mais, todas as afirmações da Escritura - e seu nome é legião - que evidenciam a possibilidade de justificação para os pecadores provam a existência de uma aliança, e uma aliança entre Deus e uma cabeça representa­tiva. Uma vez mais se chama a atenção para o fato - tão amiúde e tão inusita- damente ignorado - de que, teoricamente, a justificação é impossível sem uma aliança, e, historicamente, é impossível sem uma representação federal. Se Deus quisesse, no princípio, simplesmente requerer do homem obediência à lei, e o sujeito jamais poderia ter sido justificado, pela clara razão de que a justifica­ção pressupõe o final de prova e a confirmação na vida, e nenhum período, numa existência imortal, jamais foi alcançado no qual o sujeito pudesse reivin­dicar que havia consumado sua obediência legal e obtivesse o direito à recom­pensa da confirmação, a ponto de estar além da contingência de uma queda em pecado. Isso já foi discutido, e é tão óbvio que nem carece de continuar insistin­do. Sem uma aliança a limitar o tempo de prova e propor graciosamente a recompensa de confirmação, quando ele expirasse, a justificação seria impos­sível. Isto é o que está implícito por sua impossibilidade teórica. Mas a Deus não aprouve fazer uma aliança com cada indivíduo da raça, na qual Ele limitas­se seu tempo de prova e lhe prometesse a recompensa da justificação no caso de continuar obedecendo durante esse tempo. No primeiro homem, Ele con­gregou a raça na unidade legal, como o representante de todos os homens, e fez com ele uma aliança nessa capacidade, limitando o período de prova dele e deles e tomando-lhe possível a justificação, e a eles nele. Se ele houvesse

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permanecido firme e fosse justificado, teriam permanecido firmes e seriam justificados nele; virtualmente justificados quando ele foi justificado, realmente justificados quando cada um, consciamente, se apropriasse de sua obediência vicária e representativa. Isto é o que está implícito pela impossibilidade históri­ca da justificação sem representação federal. Sob o plano atual de govemo que Deus adotara, ninguém poderia ter sido justificado, exceto sobre a base de representação.

Assim também agora. Ninguém pode ser justificado sem uma aliança; e até aqui o calvinista e o arminiano parecem concordar, com a importante exce­ção de que, na suposição de uma aliança, o primeiro quer dizer pela justificação a que pode alcançar vida indefectível; o segundo, uma vida precária e perdível, a qual de forma alguma é realmente justificação. Quanto à impossibilidade teórica da justificação, em algum sentido, são concordes. Aqui, entretanto, se afastam, o calvinista negando e o arminiano afirmando que os homens podem ser justificados sem haver sido representados por Cristo sob a aliança entre o Pai e Ele, na qual Ele foi designado Cabeça Federal e Representante. E, ao separar-se doutrinariamente do calvinista neste ponto, o arminiano se separa doutrinariamente, com o primeiro Adão, do Segundo Adão, da Palavra de Deus e da história das dispensações divinas para com a raça.

A prova da Escritura que ora foi fomecida, de uma aliança entre Deus, o Pai e Deus, o Filho como Representante de Seu povo, é vital para a questão em mãos. Se tal aliança existiu, a doutrina calvinista quanto à prova é estabelecida e a arminiana, refutada. Porque, se ela existiu, é óbvio que a prova legal de Seu povo chegou ao fim pela perfeita obediência de Cristo, seu representante, jus­tamente como, Adão perseverasse, a prova legal de seus descendentes teria sido concluída com sucesso por sua obediência, e, como ele caiu, ela, por seu pecado, foi conduzida a um fim desastroso. Há duas altemativas para o arminiano; se ele admite uma aliança entre o Pai e Cristo, e mantém que todos os hómens foram representados por Cristo sob aquela aliança, ele concederia o término da prova legal para todos os homens e sua salvação definida. Se afirma que todos os homens têm uma prova legal, então se vê obrigado a negar tal aliança. Ele pode dizer que declina de cada uma dessas altemativas e mantém que todos os homens se encontram num estado de “prova graciosa”, a qual Cristo, como Mediador da nova ahança, mereceu por eles. Sua doutrina sobre este tema é totalmente confusa e inconsistente consigo mesma como também com a Escri­tura, como se evidenciará na consideração da questão restante com respeito a este ramo do tema.

Segundo, segundo a teoria evangélica arminiana da prova, como se obtém a justificação?

Em primeiro lugar, a base é tomada explicitamente que Cristo foi feito um

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segundo Pai e Representante geral de toda a raça humana. “Neste estado estivemos”, diz Wesley, “em toda a humanidade, quando ‘Deus de tal modo amou o mundo, que deu seu Filho unigênito para que não perecêssemos, mas tivéssemos a vida etema’. Na plenitude do tempo, Ele Se fez homem, outra cabeça comum da humanidade, um segundo Pai e Representante geral de toda a raça humana.” '' Pope diz: “Ele foi o Representante da humanidade pecaminosa.” *

Em segundo lugar, mantém-se expressamente que não pode haver justifi­cação senão pela fé. “Ao afirmar”, observa Wesley, “que esta fé é o termo ou condição da justificação, quero dizer, primeiramente, que não há justificação sem ela.” ® Ele repete: “Quem é justificado? Nenhum outro senão os que pri­meiramente foram predestinados. Quem é predestinado? Nenhum outro senão aqueles a quem Deus conheceu de antemão como crentes. Assim, o propósito e a obra de Deus permanecem inabaláveis como as colunas do céu, ‘aquele que crê será salvo; aquele que crê não será condenado’. E assim Deus é isen­tado do sangue de todos os homens; visto que quem perece, perece por seu próprio ato e feito. ‘Não querem vir a mim’, diz o Salvador dos homens; ‘e não há salvação em nenhum outro’. Não querem crer; e não há outro caminho para a salvação atual ou etema.” °

Watson aprova os pontos de vista citados de Wesley,^’ e usa suas próprias palavras: “Portanto, de um lado, a clara doutrina da Escritura é que o homem não é, e nunca fot em qualquer sentido, justificado pelas obras de qualquer espécie, sejam morais, sejam cerimoniais; do outro, que ele é justificado pela imputação e computação da ‘fé para a justiça’.”“ .

Em terceiro lugar, assevera-se que os homens que ignoram Cristo podem, pela graça preveniente a assisti-los, ser justificados pela aquiescência com a lei da consciência, que os pagãos podem ser justificados sem crer em Cristo. Esta é uma alegação mui extraordinária e carece de ser substanciada por prova decisiva. As palavras de Watson, nas quais Wesley é citado, são citadas em seu apoio: “Se todo conhecimento de certo e errado, e toda a graciosa influência do Espírito Santo, em todos os objetos da fé, porventura saiu do meio pagão pela culpa de seus ancestrais, não querendo reter Deus em seu conhecimento’, e sem que a presente raça tenha tido parte neste terrível abandono da verdade, então pareciam não mais criaturas responsáveis, estando ou sob a lei ou sob a

27. Serm. on Jusatification by Faith.28. Comp. Chris. TheoL, vol. ii. p. 156.29. Serm. on Just. By Faith.30. Serm. on Predestination.31. Theol. Inst., vol. ii. p. 247.32. Ibidem, p. 236.'

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graça-, mas, como descobrimos ser uma doutrina da Escritura de que todos os homens são responsáveis perante Deus, e que ‘o mundo inteiro’ será julgado no último dia, somos obrigados a admitir a responsabilidade de todos, e com isso o resto da lei e a existência de um govemo misericordioso para com os pagãos da parte de Deus. A doutrina de Paulo concorda com isto. Ninguém pode assumir conceitos mais fortes do atual perigo e do estado cormpto dos gentios do que ele; todavia, ele afirma que a lei divina não havia perecido totalmente do meio deles; e, ainda que não houvessem recebido nenhuma lei revelada, todavia ti­nham uma lei ‘escrita em seus corações’; certamente significando a lei tradici­onal, cuja equidade suas consciências atestavam; e, além do mais, que, muito embora não possuíssem uma lei escrita, todavia, aquela ‘por natureza’, isto é, ‘sem uma norma externa, ainda que isto, estritamente falando, provém também da graça preveniente’ (Wesley ’s Notes, in loco), eram capazes de fazer todas as coisas contidas na lei [!]. Ele afirma ainda que todos esses gentios, como eram assim obedientes, seriam ‘justificados na lei quando Deus julgar os segre­dos dos homens, por meio de Jesus Cristo, segundo seu evangelho’.”^ O mes­mo prodigioso conceito é expresso por Ralston: “Paulo, no segundo capítulo de Romanos, mostra claramente que ‘não há em Deus acepção de pessoas’; e que ‘os gentios, que não possuem lei’, podem [!] ‘fazer pela lei (isto é, pela assistência que Deus lhes propicia, independentemente da lei escrita) as coisas contidas na lei’, procedem de acordo com os requerimentos de ‘sua consciên­cia’ e são considerados como ‘justos diante de Deus’.” '* “Os pagãos piedosos - tais como Melquisedeque, Jó e Comélio” são evocados como exemplos desta justificação pela lei através do auxílio da graça preveniente!

A teologia sempre labutou para livrar-se de tal fornada de prodígios! Bem que ela poderia gritar outra vez com dores de parto para se ver livre deles! Primeiro, Cristo é a Cabeça de toda a humanidade. Ora, pois, todos os seus membros vivem porque sua Cabeça vive? Não! Miríades de seus membros confessamente perecem para sempre. Cristo é o Pai comum de toda a huma­nidade. Mas, como são seus filhos? Por nascimento natural? Ele nunca Se casou, como fez Adão, e não deixou nenhuma prole carnal. Por regeneração? Não! Esses teólogos admitem que nem todos os homens são regenerados. Por um milagroso ato de criação? Não! Por certo que declaram que todos os ho­mens, desde Adão, nascem segundo a lei natural. Como, pois, pode Cristo ser o pai de todos os homens? Em nome da Escritura e da razão, como é possível? Cristo é o Representante de todos os homens. Naturalmente, pois, todos os homens, como os constituintes dele, são justificados e vivem em consequência de Sua obediência, justamente como todos os homens, os constituintes de Adão,

33. Ibidem, p. 446.34. Elem. O fD m nity, p. 286.

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representante deles, foram condenados e morreram por causa de sua desobe­diência. Absolutamente, não! As criancinhas que morrem na infância são justificadas e vivem, porém inumeráveis multidões de adultos não são justificadas e morrem eternamente. Sim, mas a justificação é oferecida a todos através de Cristo como seu Representante. A condenação, pois, foi oferecida a todos atra­vés de Adão como seu representante? Como sucede que a representação sig­nifica condenação atual, num caso, e justificação possível, no outro, a morte certa, num caso, e a vida contingente, no outro? Quem pode dizer? Esses teó­logos o podem?

Em seguida, a justificação só é possível aos que creem: fé em Cristo é sua condição indispensável. Isto é mui verdadeiro; é a doutrina da Escritura. Se­gue-se, pois, que os que nunca ouviram de Cristo não podem ser justificados, pois Paulo, falando pelo Espírito Santo, diz: “Como podem crer nele, os que nunca ouviram?” Não podem crer em Cristo, a menos que hajam ouvido dele; não podem ser justificados, a menos que creiam em Cristo. Por conseguinte, os pagãos que nunca ouviram de Cristo e, portanto, não podem crer nele, também não podem ser justificados. Esta dolorosa consequência de modo algum proce­de, dizem os teólogos arminianos. Os pagãos podem ser justificados através do auxílio da graça comum, mediante a obediência à lei escrita em seus corações; de outro modo, não seriam responsáveis. O quê?! Algumas pessoas podem ser justificadas pelas obras da lei, quando a Escritura diz que “Pelas obras da lei nenhuma came^ será justificada”? Sim, pelo auxílio da graça. Sua justificação não seria pelas obras da lei, e sim da graça, trazendo ao campo da ação o “princípio” da fé em “alguns objetos da fé”, ainda que não em Cristo como um deles. Ora, pois, se Adão perseverasse e vivesse em obediência durante seu tempo de prova, teria sido justificado pela graça, porque teria tido o auxílio da graça em “operar a justiça”? Teria dito, “Graças te dou, ó Deus, porque eu não sou como os demais homens”? Oh! Não! Os pagãos não poderiam, pelo auxílio da graça, obedecer à lei da natureza, se não fossem justificados por graça, e sim pelas obras da lei. A base de sua justificação não seria a justiça de outro, e sim a sua própria; não os méritos de Cristo, e sim suas próprias obras. Isso é totalmente impossível, e sem qualquer discussão ulterior, é suficiente usar con­tra isto 0 argumento dos próprios arminianos, apoiado pelo unânime sufrágio dos protestantes: Sem fé em Cristo não existe nenhuma justificação. Não foi dito de modo procedente que a doutrina arminiana da prova é confusa e em si mesma inconsistente, bem como todas as Escrituras? Segundo o ensinamento da Palavra de Deus, e com a admissão dos próprios teólogos arminianos com referência ao pecado original e à necessidade de fé em Cristo a fim de que a justificação de pecadores, a prova legal dos pagãos chegou ao fim, quando Adão caiu; e sua prova evangélica só começa quando se põem em contato com

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o evangelho. Quando creem, então são postos em união cônscia com Cristo, o qual, como o Segundo Adão, forneceu a prova legal de Seu povo e mereceu por eles a vida etema.

Isto, segundo o plano proposto, completa a discussão da Base da Justificação.

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S e ç ã o 5

A NATU REZA DA JUSTIFICAÇÃO

A próxima grande divisão é a Natureza da Justificação - em que ela consiste? Como já se declarou, a resposta calvinista a esta questão é que a justificação consiste, antes de tudo, no perdão ou não-imputação da culpa; e, segundo, na aceitação da pessoa de alguém como justa e sua investidura formal com o direito e título à vida etema. A resposta evangélica arminiana é que a justifica­ção consiste no perdão. Aqui existe tal concordância entre os escritores referenciais, que se toma desnecessário fazer citações. A única diferença apa­rente surge da opinião de alguns de que a justificação incluiu também a aceita­ção da pessoa; mas a aceitação pretendida não é nada mais do que aquilo que está necessari^ente envolvido no perdão. Todo aquele que é perdoado é acei­to por Deus. Com respeito ao que o calvinista denomina o primeiro elemento da justificação, há concordância entre as partes: ambas mantêm que a justificação envolve perdão. É com respeito ao segundo elemento calvinista que a diferen­ça emerge entre elas - a saber, a aceitação da pessoa do pecador como justa e sua investidura com o título à vida etema. O calvinista afirma isto; o arminiano o nega.

Ao sairmos em busca das razões desta diferença, descobrimos que elas são a afirmação da parte de um, e a negação da parte do outro, do estrito e próprio ofício representativo de Cristo, e, consequentemente, da imputação ao crente do mérito de Sua obediência. Este é o pivô da discussão. Que Cristo foi estrita e propriamente um Representante legal, já ficou estabelecido na consi­deração das Objeções à Eleição etc. Este é um ponto da máxima importância. Os mais antigos e melhores teólogos arminianos falam de representação, mas é evidente que usam o termo num sentido livre, um sentido não justificado pelas afirmações bíblicas que se relacionam ou com o esquema da religião natural ou do evangelho. O relato dado do ofício exercido por Adão, em conexão com sua posteridade, o ritual sacrificial da economia mosaica e, especialmente, o argu­mento de Paulo concemente à doutrina fundamental de substituição, bem como

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o paralelo delineado por ele entre o primeiro e o segundo Adão, na Epístola aos Romanos, juntamente com outras declarações expressas sobre o mesmo tema em outras partes do Novo Testamento, tudo isso reforça, com a claridade da luz, o fato da estrita e legítima representação legal. Os arminianos evangélicos não admitem este fato. E, no entanto, admitem a substituição quando tratam dos sofrimentos expiatórios e morte de Cristo. Mas, o que é substituição, senão representação? O que é um substituto moribundo, senão um representante moribundo? E se alguém, sob a sanção de um govemo competente, morreu como o substituto de outro, como pode morrer aquele mesmo por quem ele foi morto? Pode a justiça requerer duas mortes ~ uma do substituto e a outra do constituinte? Nem mesmo os governantes humanos infligem tal injustiça. Du­rante as guerras napoleônicas, um oficial recmtador disse a certo homem que fosse arrolado e enviado ao campo. O homem replicou que ele não estava apto ao dever militar, porque estava morto. “Como você está morto”, disse o oficial, “se está falando comigo?” “Eu contratei um substituto”, foi a resposta; “ele foi morto em batalha, e eu, morto nele.” “Eu reportarei o caso ao imperador”, exclamou o sargento. Ele fez isso, e o imperador confirmou aposição assumida pelo homem. “Deixe-o em paz”, disse Napoleão, “o homem está certo.” Deus designou Cristo para ser substituto? Cristo aceitou a designação? Então, é im­possível que os que sofreram uma morte legal, nele, eles mesmos tenham a mesma sorte de morte. “Aquele que faz uma coisa atravésHe outro, ele mesmo a faz.”

Ao negarem isto, os arminianos rejeitam o próprio gênio da substituição. “Estritamente falando”, diz Pope, “Cristo não é Substituto de alguém. Ele é o Representante e Vigário da humanidade, e o Outro Eu, da raça, sendo o Segun­do Adão.”' Aqui, pois, está uma forma da teoria arminiana de substituição; mas.

Em primeiro lugar, um substituto de todos os homens é um substituto de cada homem? Todá a raça humana não é composta de unidades individuais? Ou a “humanidade” é uma entidade abstrata, e não uma coleção de seres humanos? Dizer que Cristo poderia ter sacrificado a Si mesmo por todos em obediência a um impulso de amor, e não em aquiescência com as demandas da justiça, é adotar a teoria governamental da expiação, ou ocupar o solo da Esco­la da Influência Moral. Mas os teólogos arminianos rejeitam a ambas: correta­mente, contendem que a expiação era necessária para satisfazer os estritos requerimentos da justiça. Se é assim, a questão volta a ser; Como poderia Cristo, como vicariamente morto por todos os homens os redime da maldição da lei, ser contemplado como havendo morrido vicariamente por ninguém em

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particular? A posição é autocontraditória: Cristo foi o substituto de cada ser humano; Ele foi o substituto de ninguém! E isto é ainda mais singular, em vista do fato de que os arminianos insistem sobre o texto do segundo capítulo de Hebreus: “ele provou a morte por cada homem.” Como Ele provou a morte por cada homem? Certamente porque Ele morreu como seu substituto. Mas pare­ce que Ele provou a morte pela “humanidade”, não “por cada homem”!

Em segundo lugar, a sujeição à morte agregou toda a raça humana? Sim. Isso envolveu a sujeição à morte de cada indivíduo? Sim. A sujeição à morte da “humanidade” foi transferida a Cristo como seu Substituto, Representante e Vigário? Sim ou não? Se sim, isso não implica a transferência da sujeição à morte de cada ser humano; e se foi assim, Cristo não foi o substituto de cada ser humano? Se não, como Cristo foi o substituto da humanidade? Ele morreu sujeito à justiça como o substituto da humanidade sem transferir para Si a sujei­ção desta à morte? A justiça mataria alguém que nem era cônscia nem constru­tivamente passível de morte?

Em terceiro lugar, diz-se que Cristo é “o Representante e Vigário da huma­nidade, e o Outro Eu da raça, sendo o Segundo Adão. Fatal apelo à analogia! Adão foi o representante de ninguém? Ele foi o representante da humanidade? Então é a humanidade que morre em Adão, não cada homem em particular! Mas, neste caso, temos fatos a consultar. Todos morrem; cada filho de mulher. Portanto, ao representar a humanidade, ele representou cada ser humano. Se, pois. Cristo, como o Segundo Adão, foi o Representante da humanidade, Ele foi o Representante de cada ser humano.

Em quarto lugar. Pope também afirma: “Ele é também o outro eu de cada crente que reivindique Seu sacrifício como lhe pertencendo.” Assim, pois, a morte real do substituto resulta na possível vida da humanidade, e depende da fé, se qualquer indivíduo quiser alcançar a vida real. Mas, se Cristo não foi, pela designação de Deus e por Seu próprio ato de consentimento, um substituto do crente individual, como poderia a fé fazê-lo assim? A afirmação é inefavelmen- te absurda. “Cristo não é substituto de ninguém”, mas alguns homens, pelo mágico poder da fé, o constitui seu substituto. Fé em quê? Porque fé no fato de que Cristo, como substituto, morreu por eles. E, no entanto, Cristo não morreu como seu substituto. Mas, se os homens não podem crer que Cristo morreu por eles individualmente, o Aquiles do remonstrante amua em sua tenda - isto é, o argumento contra o calvinista de que ele requer que cada um creia que Cristo morreu por ele,^ quando mantém que Cristo morreu somente pelos eleitos. O calvinista pode também retrucar nos mesmos termos: Você requer que cada

2. Naturalmente isso não procede. O calvinista afirma que Cristo morreu por pecadores e requer que cada um creia nisso.

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um creia que Cristo morreu por ele, quando mantém que Ele morreu somente pela humanidade, não por cada ser humano.

Em quinto lugar, como a coroar este amontoado de prodígios. Pope aíirma; “O benefício de Cristo é comunicado antes da fé pessoal; e, no caso dos cren­tes, sua fé é a não-rejeição do que lhes foi provido antes como propriamente seu.” Cristo não foi o substituto de algum crente, pois ele foi o substituto de ninguém. No entanto, o crente tem apenas de não rejeitar o benefício de Cristo provido para ele previamente. O que isto poderia significar? Cristo foi um subs­tituto da humanidade e assim, de antemão, fez provisão de um benefício geral do qual cada crente pode ter sua parte apropriada? Se esse não é o significado, o outro único é que Cristo foi um estrito e peculiar substituto da humanidade. Se é assim, a himianidade seria libertada da morte. Mas, como isso poderia ocor­rer, sem que cada um seja libertado da morte, é impossível de ver. Se esse é o significado, então como a substituição de Cristo pela humanidade assegurou para a raça um benefício geral, de antemão assegurou um benefício especial, do qual cada crente pode apropriar-se como sendo algo propriamente seu. Onde, pois, está o sentido dizer que Cristo foi um substituto da humanidade, porém não de cada ser humano? Se uma parte do benefício geral pertence ao crente individual, a substituição que propiciou o benefício teria sido dele; e assim teria sido dos homens em particular; ele não é um homem? Pope se emaranha em contradições, porque ele não aceitará a verdadeira concepção da substituição. Se ele a aceitasse, não poderia continuar sendo arminiano; teria que escolher ou o calvinismo ou o universalismo. Não haveria entre eles uma base mediana.

Outra forma da teoria da substituição é assim expressa por Raymond; “Diz- se que ela [a morte de Cristo] é uma penalidade substitutiva; dizernos que ela é um substituto da penalidade; em si mesma ela é uma penalidade, assume o lugar de uma penalidade.” Outra vez; “Pode-se dizer que a morte de Cristo é o equivalente da obediência, mas manifestamente é seu equivalente em nenhum outro sentido senão que salva o sujeito da penalidade tão plena e perfeitamente quanto a obediência o teria salvado; em si mesma, ela não é obediência, nem obediência substitutiva.”'* Este ponto de vista impreciso é respondido pelo jul­gamento do próprio Watson, definidamente exibido em passagens como esta; “Como explicitamente a morte de Cristo é representada no Novo Testamento como penal, o que não pode ser de qualquer outro modo senão por Ele haver assumido nosso lugar e sofrido em nosso lugar, é também manifesto de Gálatas 3.13; ‘Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição [uma execração] em nosso lugar, porque está escrito; Maldito todo aquele que

3. Comp. Chris. TheoL, voL ii, p. 311.4. Syst. TheoL, vol. ii, pp. 261, 262.

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for pendurado em madeiro’.” Mas, que o próprio Raymond responda; “A mor­te de Cristo”, observa ele, “é deelarativa; é uma declaração de que Deus é um ser justo e um soberano justo. Ela testifica da justiça de Deus, tanto essencial quanto reitorial, em que ela as proclama satisfatoriamente e as vindica assegu­rando-lhes plenamente seus fins - a glória de Deus e o bem-estar de Suas criaturas.”®

Se assumirmos o ponto de vista de Watson, de que a morte de Cristo foi penal, temos de manter que, ao morrer, Ele suportou a penalidade da lei. Mas, como esse escritor mantinha que Sua morte de foi vicária - que foi suportada no lugar e em defesa de outro-, segue-se que Seu ato de suportar a penalidade de outros os eximiu da obrigação de eles mesmos suportá-la, de outro modo a penalidade seria infligida duas vezes. Watson, porém, se comprometera com a doutrina da expiação universal, e por isso não excluiu seu ponto de vista bíblico da substituição a uma extensão legítima. Se adotarmos o ponto de vista de Raymond, aceitamos uma contradição, pois ele nega que Cristo, em Sua morte, suportou a penalidade da lei, e, no entanto, contende que Sua morte declarou e vindicou a justiça de Deus. Primeiro, temos a total remoção da penalidade, uma vez que Cristo não a suportou, nem foi o pecador-perdoado. A penalidade, um elemento essencial da lei, é encoberta. Todavia, em segundo lugar, temos uma declaração e vindicação da justiça divina. Manifestamente, há uma contradi­ção, por mais engenhosamente o autor tente atenuá-la. A verdade é, e nenhu­ma evasiva a-negará, que nenhum ser moral poderia, sob o govemo de Deus, sofrer e morrer, sendo ele ou cônscia ou supostamente inocente. Ele poderia, talvez, consentir, mas um Deus justo não o poderia. Antes de poder sofrer e morrer, ele deve ser ou um pecador cônscio, ou com seu próprio consentimen­to, e por sua própria admissão da culpa de outros, ser judicialmente considerado e tratado como culpado. A última suposição veio a ser possível sob o govemo divino, conquanto a Deus, o supremo Soberano, aprouve admitir o princípio de substituição. De nenhum outro modo poderia o culpado conscientemente esca­par à penalidade da lei. O substituto a quem Deus aceita deve suportar a pena­lidade no lugar do culpado. Sobre nenhum outro termo poderia o perdão esten­der-se sem um ultraje á justiça, uma desonra à lei e uma injúria aos interesses do govemo moral do universo.

Duas qualificações eram absolutamente requeridas de um substituto de pecadores: primeira, antes, ele tem de ser consciente, inerente e perfeitamente inocente para que possa empreender o ofício vicário, porque, se fosse culpado em qualquer respeito, seria obrigado a sofrer e morrer em conseqüência de seu

5. Theol. Inst., vol. ii, p. 112.6. Syst. Theol., vol. ii, p. 259.

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próprio merecimento à punição; segunda, ele tem de ser tanto humano quanto divino - humano, para que represente o homem e simpatize com ele, e para que sofra e morra; divino, para que um valor infinito esteja vinculado ao seu sofri­mento e morte; para que ele adequadamente represente a natureza e o govemo de Deus; para que abrande o requerimento sob o qual ele deve agir como uma vítima peculiar da aparência de excessivo rigor aos olhos dos espectadores, e, ao envolver aqueles por quem ele se devotaria como substituto, pelos laços da gratidão e amor, os obrigasse por esse mesmo fato ao serviço de Deus; e, finalmente, para que, após ceder sua vida, ele, pelo poder de ressurreição, es­capasse de novo do domínio do túmulo. Todas essas qualificações Cristo trouxe à concretização da empresa confiada às Suas mãos pela autoridade do Pai, e espontaneamente elegeu por Si mesmo. Ora, ou Ele foi um substituto estrita e propriamente, ounãó foi. Se foi, então incorreu em toda a obrigação legal, cada partícula dela, descansando sobre aqueles por quem agia para a justificação, e cumpriu perfeitamente a totalidade dela, satisfazendo plenamente as deman­das da justiça em relação a esse fim\ nada sendo requerido deles, para esse fim, senão aceitar pela fé o substituto e confiar em Sua justiça para a justifica­ção. Se não foi estrita e propriamente um substituto, mas de algum modo inexplicável não sofreu nem morreu para que o beneficio de Seus atos vicários alcançassem a todos os homens em geral, dependendo de sua própria e livre escolha, se a justificação individual fluísse ou não do fundo geral do mérito; se o sofrimento e morte de Cristo, segundo a espantosa afirmação citada de Raymond, em si mesma não era obediência nem obediência substitutiva - en­tão os requerimentos da justiça não são satisfeitos em favor dos transgressores originais, a lei é defraudada de seus direitos, em suma, de modo algum houve substituição peculiar. Esta teoria como um todo, em concordância com a qual se fez uma provisão, afravés da morte expiatória de Cristo, para a concessão de um benefício geral à massa da humanidade, da qual cada indivíduo pode, pela escolha de sua própria vontade, com a assistência da graça, apropriar-se do que é necessário para sua própria salvação, qualquer que seja, certamente não é nenhuma teoria de substituição; e mais e mais é vaga sua reivindicação a essa designação, sob a lógica dos recentes teólogos evangélicos arminianos, tais como Pope e Raymond.’ Nenhüm deles concorda, em geral, com a lei da substituição, nem, em particular, com os relatos bíblicos dos sofrimentos e mor­te representativos de Cristo.

Já se mosfrou, mediante um apelo aos Oráculos de Deus, que na etemida- de Deus o Pai entrou (falamos assim em nosso dialeto humano) em aliança com Deus o Filho, como o Mediador entre Deus e o homem, e como Cabeça e

7. Cada um desses escritores tem publicado uma obra sobre teologia consistindo de três volumes, a qual, fki informado, é usada como livro-texto.

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Representante dos que Lhe foram dados pelo Pai para os redimir, de quem Jesus disse que não perderia nenhum, mas que os ressuscitaria no último dia. Por estes, em aquiescência com a estipulação daquela aliança. Cristo, na pleni­tude do tempo, obedeceu à lei que haviam violado, satisfez a justiça divina e introduziu justiça etema - isto é, sua confirmação em santidade e perene felici­dade. Esta é a substituição ou representação própria e peculiar, e, necessaria­mente, pressupõe que a culpa dos pecados daqueles a quem Cristo represen-tm i T >ie fn ram rn m sen n rn n rin rn n se n tim e n tn e. n e ln a to jiiH irifil Hn P ai, im n u -

tados, e que o mérito de Sua justiça lhes é imputado. Os arminianos evangéliws negam isto. Já se fez prévia alusão ao uso qualificado que Wesley fa^_^m frases jMSíifa de Cristo e justiça imputada, mas realmente anuncmiOOTl^O pouco. Tudo o que ele quis dizer foi que os crentes são p e rd o a d o ^ w ^ ^ íd o que Cristo fizera e sofrera por eles. Eis suas palavras: “E m ^ e ^ e m o o esta justiça é imputada aos crentes? Neste: todos os crentes sãé^^H ^áo s e acei­tos, não por causa de algo neles, ou de algo que s e m í^ f i@ ^ s to é, ou sem­pre pode ser feito por eles, mas total e somente<í><X^tobsaT^^e Cristo já fez e sofreu por eles.”® “Cristo, portanto, é agora^'pju^bi^ ae todos aqueles que realmente creem nele.”® Além do mais, diz-eJeSí^tom arm a frase ‘impu­tando a justiça de Cristo’ pela outopg^co@ fei) a justiça de Cristo, incluindo Sua obediência, tanto a passiva (pafuk^^tiva, em resposta dela, isto é, nos privilégios, bênçãos e benefipios adqipíaos por ela. Assim se pode dizer que um crente é justificado por ‘a|íBj;ifca de Cristo imputada’. O significado é: Deus justifica o crente de Cristo, e não por qualquer justiçapropriamente sua,/”^ V S ^ ^ afirma, neste sermão, um testemunho bíblico da im putação^^^W ft^ de Cristo à pessoa do crente, o que anos antes ele erigira nas<mlavÀ^e um eminente hino:

sangue e tua justiça íinha beleza, minhas gloriosas vestes,

ím mundos em chamas, destas vestido,Com júbilo erguerei minha cabeça.”

Em outro sermão, porém, como Satumo devorando seus próprios filhos, ele vomita as gloriosas palavras deste hino, entoado igualmente por todos os cren­tes, por calvinistas e, com ditosa inconsistência, pelos arminianos. “Pode valer a pena”, diz ele, “gastar umas poucas palavras mais sobre este importante ponto. É possível inventar uma expressão mais ininteligível do que esta - ‘Em que justiça estaremos em pé diante de Deus no último dia?’ Por que você não

8. Serm. on the Lord our Righteousness.9. Ibidem.10. Ibidem.

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fala claramente e diga; ‘Por causa de quem você cuida estar salvo?’ Qualquer humilde camponês então responderia prontamente; ‘Por causa de Jesus Cris­to.’ Mas todas essas frases obscuras e ambíguas tendem só a ofiiscar a causa e abrir uma brecha aos incautos ouvintes a se deslizarem para o antinomianismo.”” Vestidos com a justiça de Cristo, em meio a mundos em chama, ele deve erguer sua cabeça com júbilo (e sem dúvida ele quer), mas não é possível inventar uma expressão mais ininteligível do que perseverar na justiça de Jesus, diante de Deus, no último dia! Não é minha intenção insistir sobre esta inconsistência - todos nós somos mais ou menos inconsistentes e sim realçar a real doutrina de Wesley. Nos extratos citados, ele indica a base da justificação - o mérito de Cristo, Sua natureza - o perdão e sua condição - a fé. Ele nada diz com respeito ao modo como Deus faz nossa a justiça de Cristo. Usa-se a palavra imputar, porém não em seu único e verdadeiro signi­ficado, a saber, considerar ou computar a alguém ou o que ele fez por si mes­mo, ou o que outro fez por ele. Wesley não tencionava dizer que a obediência de Cristo, seu representante, é considerada ou computada ao crente, justamen­te como se ele pessoalmente a praticasse. As passagens citadas são confusas e inconsistentes. A um só tempo diz-se que a justiça de Cristo é imputada no sentido em que o crente é justificado por causa dela; em oufro, que ela é impu­tada no sentido em que ela granjeia, “por sua vez” - expressão de Goodwin - benefícios para todos os homens, os quais podem ser apropriados pela fé. Em ambos esses sentidos se usa a palavra imputar, mas em ambos livre e abusivamente. Está faltando a ideia. E a escola do arminianismo evangélico já apartou, não em menor extensão, da doutrina de Wesley sobre este ponto, do que parece à primeira vista. Ela rompeu com sua linguagem e aderiu a seus pontos de vista. Nem ele e nem eles mantiveram a doutrina bíblica de culpa imputada e justiça imputada. Quanto a esta questão, a doutrina evangélica arminiana é aparentemente autoconsistente. Ela reza que não houve imputação estrita e própria da culpa de Adão à sua posteridade, posto que ele era, esfrita e propriamente, seu representante legal; mas, conquanto ele fosse, em algum sentido, seu representante, as desastrosas consequências de seu pecado lhes foram acarretadas. De igual modo, não há imputação esfrita e própria do méri­to de Cristo a todos os homens, posto que, estrita e propriamente, Ele não era seu representante legal; visto, porém, que ele era, em certo sentido, seu repre­sentante, as consequências benéficas de Sua obediência lhes são outorgadas. Entretanto, há duas coisas que não podem escapar à observação neste esque­ma aparentemente homogêneo. A primeira é que as desastrosas consequênci­as acarretadas pela desobediência de Adão sobre todos os homens abarcaram a condenação e morte certas de todos os homens, mas os benefícios conferidos

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em razão da obediência de Cristo sobre todos os homens não incluem a justifi­cação e vida certas de todos os homens. A consistência do esquema, portanto, existe em afirmações gerais, não em fatos. Os prejuízos infligidos por Adão não são paralelos com os benefícios conferidos por Cristo. A segunda coisa notável é que as desastrosas consequências da desobediência de Adão foram justa­mente lançadas sobre todos os homens, mas as consequências benéficas da obediência de Cristo foram graciosamente lançadas sobre todos os homens. O princípio de justiça operou num caso, o princípio da graça, noutro. Com res­peito a ambas as coisas notadas, o esquema arminiano é ajustável ao paralelismo inspirado entre Adão e Cristo como representantes. O princípio de representa­ção é osculado, porém traído, e, consequentemente, o princípio de imputação, como seu necessário corolário, partilha do mesmo destino.

Isto leva a uma consideração, ao menos breve, da questão se a justiça, ou, o que é mesma coisa, a obediência vicária de Cristo é estrita e propriamente imputada.

Primeiro, objeta-se que os termos justiça de Cristo, justiça de Cristo imputada, não se encontram na Escritura, e a inferência é que as concepções não estão ali. Isto é extraordinário. Porque esses termos não se encontram na Escritura, as doutrinas expressas por eles não estão ali; a Trindade, Criação Imediata, Providência Particular, a Queda do Homem, Pecado Original, Obedi­ência Vicária de Cristo, Satisfação à Justiça? E os arminianos admitirão que as doutrinas significadas pelos seguintes termos não estão na Escritura só porque os termos não se encontram expressamente ali; Livre Agência, Livre-arbítrio, Livre Vontade, Graça Invencível, Defectibilidade dos Santos? O argumento prova palpavelmente demais, e por isso é de nenhum valor. Aliás, é frívolo.

Segundo, o princípio de estrita e própria representação legal reforça a estri­ta e própria imputação. Muito já se disse com referência á representação que o ponto ora não estampará. Prova convincente já foi apresentada ao ofício repre­sentativo, estrita e propriamente, de Adão e de Cristo. Se Cristo susteve esse ofício. Sua obediência ou justiça é imputada àqueles a quem Ele representou. Se não existe tal imputação, Cristo não foi um representante. Representação - imputação; sem imputação - sem representação. Qualquer outra doutrina não passa de malabarismos de termos. Se um homem em Londres deve ter um representante legal em Nova York, e este, como tal, incorresse numa obriga­ção, na lei ela seria imputável àquele. Se não, o processo legal e a linguagem humana não passam de coleções de logro.

Terceiro, as Escrituras, direta ou indiretamente, provam a imputação da justiça de Cristo a Seu povo.

Todo 0 ritual veterotestamentário de sacrifício de animais prova a imputa-

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ção a Cristo da culpa do crente. Amenos que se admita isto, aquele ritual perde seu significado. Seria pior que loucura dizer que Deus perdoa pecado e comu­nica vida por amor ao derramamento de sangue de animal em sacrifício. Ha­via, pois, uma transferência da obrigação de morrer do adorador para a vítima animal, a qual simbolizava a transferência de sua culpa para Cristo, a realidade simbolizava a ocorrência concreta em caso de ele crer, isto é, sua culpa era realmente imputada a Cristo. No grande dia da expiação, a culpa da congrega­ção era imputada ao bode que era morto, e que ela era transferida e removida prova-se pela cerimônia em conexão com o outro bode que, uma vez sendo a culpa do povo confessada sobre sua cabeça, com a imposição das mãos do sumo sacerdote, era enviado ao deserto para nunca mais retomar. A culpa cerimonial era assim, ipso facto, removida, e a culpa da consciência de cada um que cria no grande sacrifício mais tarde seria oferecida - um sacrifício proclamado desde o portão do Éden até o Calvário, desde Adão até Cristo - era completamente purgada. Que aquela culpa cerimonial foi removida prova­se pelo argumento a fortiori no nono capítulo de Hebreus; “Portanto, se o sangue de bodes e de touros e a cinza de uma novilha, aspergidos sobre os contaminados, os santificam, quanto à purificação da carne, muito mais o san­gue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus, purificará nossa consciência de obras mortas, para servirmos ao Deus vivo!” (w. 13,14). Ora, como o sangue de animais purgaria a culpa cerimoni­al? Tal sangue realmente se aplicava ao adorador? Não, a culpa era imputada ao animal, e, dessa forma, era removida. Tampouco o sangue de Cristo é lite­ralmente apHcado à alma do crente - como poderia ser? - , mas sua culpa é imputada a Cristo, que,-por Sua morte vicária, a remove. Isto é explicitamente ensinado no capítulo 53 de Isaías. O profeta diz de Cristo, o Substituto sofredor; “o Senhor lançou sobre ele a iniquidade de todos nós”, ou, “ele fez as iniquidades de todos nós cair sobre ele”, e então designa aqueles de quem ele estava falan­do como “meu povo”; “pela transgressão de meu povo foi ele ferido.” Que “meu povo” é esse é explanado mais plenamente pelas palavras; “quando fizer de sua alma uma oferta pelo pecado, ele verá sua posteridade”, “por seu co­nhecimento meu justo servo justificará a muitos”, “e ele tirará o pecado de muitos”. Ele foi feito uma oferta pelo pecado, não meramente em dar filan- tropicamente Sua vida a fim de assegurar benefícios para os pecadores, mas precisamente em que a culpa deles Lhe é imputada, e em morrer judicialmente como seu substituto. No Novo Testamento se assevera a mesma coisa; Cristo foi feito maldição por nós, no madeiro Ele levou nossos pecados em Seu próprio corpo. É inconcebível que isto tenha sido verdadeiro de qualquer outra maneira senão supostamente. Dizer que Ele realmente não levou sobre Si nossos peca­dos equivale a contradizer categoricamente as Escrituras. A única suposição

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possível é que Lhe foram imputados como Cabeça Federal e Representativa de Seu povo. Ora, para levar este argumento à conclusão contemplada, temos a autoridade do apóstolo Paulo que afirma que da mesma forma que Cristo foi feito pecado por Seu povo este é feito justiça nele; “Àquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus” (2Co 5.21). Ele foi feito pecado por eles por imputação? Mesmo assim, por imputação eles são feitos justiça nele. Ele não poderia ter sido condenado e haver morrido judicialmente, a menos que a culpa deles Lhe fosse imputada; não podem ser justificados e viver, a menos que Sua justiça lhes seja imputada.

Na passagem supracitada de 2 Coríntios, lemos que os crentes são “feitos justiça de Deus” em Cristo. A mesma verdade, substancialmente, é declarada em 1 Coríntios, e numa conexão tal que se toma claro que Cristo é feito justiça aos crentes por imputação; “Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tomou da parte de Deus sabedoria, e justiça, e redenção” (1.30). Ora, em primeiro lugar, a justiça aqui mencionada não pode significar uma justiça santificante, a qual é inerente, pois ela é expressamente distinta da santificação. Aqui, porém, são apenas dois tipos de justiça, a saber, inerente, a qual é infun­dida na alma, e imputada, a qual é computada á alma. Como a justiça aqui mencionada certamente não é inerente, então seria a imputada. Em segundo lugar, aqui se declara que Cristo Se tomou, da parte de Deus, justiça para nós. A justiça, em algum sentido, se tomou nossa. Como já se mostrou, ela não pode ser a justiça essencial de Deus, nem sua justiça reitorial, nem Seu método de justificação, pois não se pode dizer que estas são nossas, como lemos que a sabedoria e santidade e redenção foram feitas-nossas, porque Ele nos justifica, justamente como a santificação se toma nossa porque Ele nos redime. A isto é óbvio rephcar que se deve observar uma distinção entre justificação, santificação e redenção como atos e obras divinos, de um lado, e os fi:iitos daqueles atos e obras divinos, do outro. Ora, é evidente que Cristo não Se toma para nós, nem somos constituídos nele tais atos e obras. Experimentamos seus resultados. Em Cristo nos tomamos sábios, justos, santos e os sujeitos da redenção. Que outro significado se pode anexar a esta justiça, senão que, já que não pode ser santí- dade, ela é uma justiça federal, representativa e suposta - em outros termos, a justiça de Cristo imputada a nós para justificação? A única suposição que resta é que, como a fé, segundo o arminiano, é justiça justificante. Cristo Se fez nossa fé. Não é necessário considerar tal suposição, já que é claramente absurda.

Do mesmo teor é o glorioso testemunho em Jeremias; “Será este seu nome, com que será chamado; SENHOR, Justiça Nossa” (Jr 23.6). Cristo é nossa justiça. Como assim, segundo o arminiano? Pela fé, responde ele. Mas se al­guém, por um cônscio ato de fé, se apropria da justiça de Cristo, como isso faz a justiça sua? Porque, ele replicaria, foi realizado para ele. Mas, veja bem, tudo

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o que ele obtém pela fé é declaradamente apenas o benefício provindo da justiça de Cristo, não a própria justiça. Isso é de Cristo, não seu. Não pode ser seu, porque, comO insistentemente argumenta, alguém não pode ter o que é de outro. Como, pois, ela pode ser sua? Ele está certo em dizer que ela não pode ser cônscia e subjetivamente sua. Só há outro modo como ela pode ser sua - por imputação. Isso é rejeitado com toda veemência. Não é evidente que, na doutrina arminiana, a justiça de Cristo não pode ser nossa? Mas este grande texto afirma que ela é nossa. A fé não pode fazê-la nossa, a menos que Deus a conceda à fé, e a conceda precisamente imputando-a. Ela se toma nossa de nenhuma outra maneira. Além do mais, o arminiano contende que a justiça que é propriamente nossa é a justiça da fé. E uma que é consciamente nossa e nos é imputada como nossa. A fé, pois, é nossa justiça justificante, mas, ao mesmo tempo, a justiça de Cristo é a base sobre a qual nossa fé confia para justifica­ção. Aqui, pois, estão duas justiças justificantes - uma em nós confiando em outro fora de nós! Segundo a Escritura, há apenas uma - “Senhor justiça nos­sa”. E, além do mais, se a fé que Ele nos imputa como justiça, não para justiça, e, no entanto, reconhece-se que Cristo é nossa justiça, é Cristo nossa fé? Se esta extravagância for negada, então uma justiça que é de nossa propriedade, além da fé, mas isso é negado. O único modo de sair destas dificuldades é confessando - o que é verdade - que a fé não é absolutamente justiça; que há apenas uma justiça justificante, a saber, a justiça de Cristo, e essa se toma nossa por imputação. Estando unidos a Cristo, nós o temos; e, ao tê-lo, temos Sua justiça legal e representativa a qual Deus nos imputa como nossa. Assim Ele vem a ser Javé Justiça Nossa.

Em Romanos 4.6, Paulo afirma: “E assim também que Davi declara ser bem-aventurado o homem a quem Deus atribui justiça, independentemente de obras.” Agora não se propõe considerar minuciosamente esta passagem, posto que ela será discutida sob o tópico da Condição da Justificação, aqui, porém, não pode ser ignorada, conquanto os termos justiça imputada ocorrem nela e a questão em pauta é se a justiça de Cristo é imputada. Não se disputará que Deus imputa justiça, pois o apóstolo usa as próprias palavras. Agora a questão é: O que é justiça? É ser e fazer o que é certo ou justo. É conformidade com o padrão da lei de Deus. Isto pressupõe obras - um termo empregado para signi­ficar tanto o estado mental quanto a conduta do agente moral. Não pode haver justiça que não consista de obras. Dizer-se justo alguém que, em nenhum sen­tido, possui justiça das obras, seria dizer que ele é totalmente injusto e, no en­tanto, ao mesmo tempo justo. Portanto, quando o apóstolo diz que Deus imputa justiça, sua intenção é dizer que Ele imputa a justiça que consiste de obras. Mas ele também diz que Deus imputa justiça sem obras. Isto resolveria uma crassa contradição, não fosse verdade que Deus pode imputar uma justiça de obras

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que, no entanto, é sem obras. Nesta passagem não se assevera uma contradi­ção, e sim uma grande verdade, se Deus pode imputar a justiça que consiste nas obras de outro a alguém que não tem justiça que seja propriamente obra sua. O pecador é destituído de obras: ele não tem justiça propriamente sua. Deus, porém, lhe imputa a justiça de Cristo que consiste de Suas obras que realizou em obediência à lei no lugar do pecador como seu representante e fíador diante do tribunal divino. Esta é uma justiça de obras vicária, inteiramen­te independente das obras cônscias do pecador, a qual é imputada para justifi­cação. Tomar como base que a fé é a justiça sem obras, a qual Deus imputa para justificação, é afirmar que Deus imputa aquilo que é, ao mesmo tempo, uma justiça e uma não-justiça. Sendo excluída a justiça de outro, a afirmação se confina à justiça cônscia de alguém, e dizer que iraia justiça cônscia lhe é imputada, a qual, no entanto, é sem obras, seria uma contradição em termos. A fé, pois, não pode ser a justiça imputada tencionada pelo apóstolo: ela é a justiça real das obras de Jesus que é imputada para justificação, na total ausência de todas as obras propriamente suas pelas quais o pecador pode ter esperança de ser justificado. A fé recebe esta justiça, e assim a fé é imputada como o ato do pecador realizado para a obtenção da justiça de outro, a qual Deus imputa como a única base da justificação. Dir-se-á que isto admite duas imputações. Supõe-se que a primeira seria a imputação do próprio ato do pecador, pelo qual ele confessa que não possui justiça, e simplesmente recebe a justiça de outro, e que tal ato 4eva ser imputado como justiça seria absurdo; e a imputação da justiça recebida, a única justiça que a Escritura sempre menciona em conexão com a justificação.

Em Filipenses 3.9, Paulo fala de “a justiça que é de Deus mediante a fé”. É evidente que uma justiça que seja de Deus mediante a fé não pode ser uma justiça que provém da fé - isto é, fé como justiça. É uma justiça que vem por meio da fé, uma justiça proveniente de Deus e recebida pela [instrumentalidade da] fé - por meio da fé em Cristo. É a justiça de Cristo que Deus imputa ao pecador crente. Se a fé é a [própria] justiça imputada, então a fé é imputada à fé. Seguramente, a fé não vem da fé.

A única outra passagem à qual se apelará, e é decisiva, é Romanos 5.17­19: “Se, pela ofensa de um e por meio de um só, reinou a morte, muito mais os que recebem a abundância da graça e o dom da justiça reinarão em vida por meio de um só, a saber, Jesus Cristo. Pois assim como, por uma só ofensa, veio 0 juízo sobre todos os homens para condenação, assim também, por um só ato de justiça, veio a graça sobre todos os homens, para a justificação que dá vida. Porque, como, pela desobediência de um só homem, muitos se tomaram peca­dores, assim também, por meio da obediência de um só, muitos se tomarão justos.” Um, cuja justiça mencionada expressa e declaradamente só pode ser

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Jesus Cristo. Ora, esta justiça de Um é definida como sendo a obediência desse Um. Enfeixando estas expressões, temos a Justiça de Jesus Cristo ou a obedi­ência de Jesus Cristo. Entretanto, os arminianos afirmam que as palavras jus­tiça de Cristo não se encontram na Escritura. Que esta passagem refiite a alegação. Esta justiça ou obediência de Um, sim, Jesus Cristo, é declarada como sendo uma dádiva, uma dádiva graciosa, isto é, outorgada aos pecadores sem qualquer mérito de sua parte. Uma dádiva é algo transferido de um para outro. A justiça de Cristo, portanto, é transferida de Deus para o pecador, e, sendo recebida pelo pecador, ela se toma deste. Não tendo justiça propriamen­te sua, ele recebe a justiça de outro, a qual Deus lhe dá, e a qual, consequente­mente, se toma sua; propriamente sua, não mediante posse original, nem por sua própria conquista, mas por uma transferência do que está na lei. É legal­mente computada para sua conta: ela lhe é imputada. Um homem transfere uma porção da propriedade para outro sob nenhuma consideração de valor recebido. É uma dádiva gratuita. Mas a transferência é legalmente executada pelo doador para assegurar ao recipiente a posse da propriedade. Ela não era sua, mas se toma sua e é pela lei computada como sua. Por que insistir na questão? O ensino do apóstolo é tão claro como o dia. A justiça ou obediência dé Jesus Cristo é considerada, computada, imputada como a base da justifica­ção, como a desobediência de Adão foi considerada, computada, imputada como a base da condenação.'^

Estas considerações derivadas das Escrituras estabelecem a doutrina de que a justiça vicária de Cristo é imputada ao crente para justificação. Dificil­mente vale a pena reiterar a resposta que tão amiúde tem sido dada à objeção de que a imputação da culpa de alguém, ou da justiça de outro, envolve o que é impossível - a transferência do caráter moral, a infiisão da justiça de um em outro. A imputação da responsabilidade legal não é a comunicação de qualida­des morais subjetivas. A distinção está estampada em toda a Palavra de Deus, e negá-lo é rejeitar o método de salvação revelado nesta Palavra. Uma coisa é dizer que culpa e justiça legal, demérito e mérito são imputáveis; outra bem distinta é dizer que a torpeza cônscia ou santidade cônscia pode ser imputada. Se a justiça legal de Jesus não é considerada nossa ante o tribunal de Deus, a justiça santificante de Jesus, imputada por Seu Espírito, jamais nos habilitará à comunhão com Deus. É verdade que a imputação pode ser mal usada pelos antinomianos; é igualmente verdade que a infusão pode ser mal usada pelos legalistas. É um paupérrimo argumento contra qualquer verdade bíblica ou qual­quer outro tipo de verdade dizer que ela é passível de abuso. É o expediente do

12. Aqui se pode tergiversar que, se a justiça de Cristo é dada por imputação ao pecador. Cristo perde a sua. É uma resposta suficiente dizer que, quando Deus dá a vida a um pecador morto, Ele perde a sua? O termo transferir é usado sob limitação.

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partidário. “Objeta-se”, diz Charles Hodge, “que a transferência de culpa e de justiça, envolvida na doutrina eclesiástica da satisfação, é impossível. A trans­ferência de culpa ou de justiça, como estados de consciência ou formas de caráter moral, é deveras impossível. Mas a transferência de culpa como res­ponsabilidade para com a equidade, e de justiça como aquilo que satisfaz a equidade, não é mais impossível do que o fato de que o homem pagaria a dívida de outro. Tudo o que a Bíblia ensina sobre este tema é que Cristo pagou, como substituto, nossa dívida para com a justiça de Deus.”’

Como a lei divina pode ser considerada em dois aspectos, respectivamente quanto aos seus requerimentos preceptivos e quanto à sua penalidade, vem a lume a questão se a justiça vicária de Cristo incluiu obediência a ela em ambas estas relações. Caso se encare somente a penalidade, a concepção arminiana da natureza da justificação como consistindo em perdão pareceria ser defensá­vel; se não, se toda a lei foi vicariamente obedecida, ela é vista como estreita demais. Alguns teólogos evangélicos arminianos - Wesley, por exemplo - ad­mitem que 0 escopo da obediência de Cristo incluiu o que Ele fez tanto quanto o que Ele sofreu, isto é, como corre a fiase. Sua obediência ativa e sua obedi­ência passiva. Nisto eles não são consistentes. Porque, se sobre a base da obediência de Cristo ao requerimento penal da lei o crente é perdoado, se se­guiria que sobre a base de Sua obediência aos seus requerimentos preceptivos, 0 crente é intitulado à vida etema. Sem qualquer hesitação em assinalar esta incongmêneia, avançamos a considerar a questão, se a justiça de Cristo é im­putada ao crente, como já se mostrou. Sua obediência ao preceito da lei lhe é imputada. Costuma-se denominar isto como sendo Sua obediência ativa. O termo ativa, como diferenciador, é escolhido equivocadamente, pois Cristo era ativo em sofrer a penalidade, e sofreu enquanto obedecia ao preceito. Entenda- se que, por Sua obediência ativa e passiva, está implícita Sua obediência preceptiva e penal, termos que, embora não de uso corrente, mais precisamen­te do que outros, expressa a distinção entre os dois aspectos de Sua justiça correspondentes aos dois aspectos da lei; preceptivo e penal. Que a obediência de Cristo ao preceito da lei é imputada para a justificação transparecerá das seguintes considerações;

Primeiramente, sem a imputação da obediência ativa de Cristo a nós, o máximo que se poderia presumir é que seríamos simplesmente perdoados em consequência da imputação de Sua obediência passiva a nós. A hipótese é que, sendo plenamente perdoados, seríamos inocentes. Seríamos restaurados á con­dição de Adão na criação, como possibilidade de queda, segundo o arminiano, com a adição de ser confirmado na inocência, segundo o calvinista. Tudo o que

13. Teologia Sistemática, páginas 886 e 887.

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se poderia afiraiar de nós é que seríamos sem culpa. Entretanto, como Adão não foi justificado por conta de sua inocência. Deus, porém, requereu obediência perfeita e pessoal aos requerimentos preceptivos da lei, a fim de que ele fosse justificado, assim se daria conosco. Não seriamos condenados, mas também não justificados. Não haveria nenhuma base de justificação. Na sequência se mostra­rá que a suposição de perdão sem uma plena obediência à lei é impossível.

Segundo, caso se diga que a analogia, nesta matéria, não é entre nós mes­mos e Adão, e sim entre Cristo e Adão, replica-se: admite-se que a analogia está original e principalmente entre Cristo e Adão. O que, pois, certamente se seguiria com respeito a Cristo? Isto, em primeiro plano, é que, como Adão não poderia ter sido justificado sem obediência ao preceito da lei, assim tampouco Cristo o poderia; e se Cristo não poderia ter sido justificado, nenhum pecador poderia ser justificado n ’Ele, e assim as portas da esperança seriam fechadas contra o mundo culpado e sem esperança. Em segundo plano, como a obediên­cia de Adão aos requerimentos preceptivos da lei teria precisamente constituí­do, perseverasse ele, aquela justiça que teria sido imputada à sua semente para fins de justificação, assim a obediência ativa de Cristo seria imputada à Sua semente a fim de que ela fosse justificada. Portanto, a analogia, que se conce­de obter-se entre Cristo e Adão, se toma necessário manter que Cristo prestou obediência ativa por Sua semente, e que essa obediência lhes-4imputada para fins de sua justificação, tanto quanto sua obediência passiva.

Terceiro, o mesmo resultado se obtém claramente, se contemplarmos mais particularmente a aliança das obras com respeito à sua condição. No curso dessas observações se provou que Deus fez com Adão uma aliança de obras, e que Ele também formulou uma aliança com Cristo visando ã redenção de pecadores. Esta é chamada a aliança da graça, e a aliança da redenção, porque contemplava a redenção como um fim. Era uma aliança da graça e da reden­ção visando a nós pecadores, porém não a Cristo: Ele não tinha nenhuma ne­cessidade de graça redentiva. Para Ele, ela era uma aliança de obras, na qual Se engajou para cumprir a lei em favor de Sua semente. A aliança de obras com Adão fi^acassou, e a prova legal do homem veio, com o fi^acasso daquela aliança, a um término minoso. Cristo, como o segundo Adão, uma Cabeça Federal e Representante Legal, estava, na suposição de sua voluntária recep­ção do empreendimento da redenção ante o chamado do Pai, sob a necessida­de de fazer o que o primeiro Adão fracassara em fazer, e também de satisfazer a justiça pela quebra da aliança de obras, suportando a penalidade da lei. Aos que são tão cegos a ponto de não verem uma revelação nas Escrituras dos tratos pactuais de Deus com o homem, nenhum argumento no tocante a esta matéria seria convincente; aos que veem a forma federal do govemo de Deus sobre a raça humana, o argumento seria desnecessário.

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Adão fracassou no cumprimento da condição da aliança de obras para fins de justificação, e Cristo a cumpriu. Que condição era essa? Obediência perfei­ta e pessoal, por certo tempo, aos requerimentos preceptivos da lei. Cristo, portanto, estava sob a obrigação de render obediência perfeita e pessoal à lei; e, como o cumprimento da condição no caso de Adão teria propiciado a justifi­cação de sua posteridade, assim seu cumprimento, no caso de Cristo, propiciou, em parte, a justificação de Seu povo. Ora, por que Cristo rendeu obediência aos mandamentos da lei? Exclusivamente por Si próprio? Seguramente, não, mas também por Sua semente. Se, pois, Ele agiu como o representante deles em prestar obediência ao preceito, nele eles renderam essa obediência. Onde, pois, está a dificuldade em ela ser-lhes imputada? Há alguma dificuldade maior no modo de ela lhes ser imputada do que no modo de sua obediência passiva ser-lhes imputada? Admita-se que Cristo agiu como o representante de Seu povo, seja em obedecer ao preceito, seja em sofrer a penalidade da lei, e aí existe tanto razão para a imputação de uma sorte de justiça quanto da outra.

Este raciocínio deve ser levado em conta como conclusivo, a menos que se possa mostrar que a imputação da obediência passiva de Cristo destrói a ne­cessidade ou a racionalidade da imputação de Sua obediência ativa. Pode-se dizer que tal resultado se deduz da suposição, feita pelo calvinista, de que a capacidade de suportar a penalidade da lei no lugar dos eleitos lhes assegura um perdão eterno. Na admissão de que Sua justiça passiva é imputada à Sua semente há uma perfeita não-imputação a eles de toda sua culpa e, consequen­temente, uma perfeita e etema isenção de todos os efeitos dessa culpa. Estari­am para sempre absolvidos. Onde, pois, está a necessidade ou o lugar para a imputação de Sua justiça ativa? '

A isto se pode revidar: E verdade que a capacidade de suportar a penalida­de, da parte de Cristo como o representante dos eleitos, lhes assegura um pleno e etemo perdão. Mas há um equívoco na consideração daquilo que todos os eleitos requerem. Necessitam do direito e título à vida etema; e o mero perdão, fosse possível ao pecador sem uma obediência vicária ao preceito da lei, lhes asseguraria apenas o direito e título à isenção de punição. Ser perdoado é ser livre da maldição de Deus, porém não pode tomar posse de Seu favor. A alma estaria livre de qualquer execração, não, porém, necessariamente abençoada. É preciso traçar a distinção entre os resultados negativos e os positivos da justiça: entre uma justiça que assegura a isenção da ira e uma que merece um título á benção. A imputação da obediência passiva de Cristo é a imputação de uma justiça que envolve resultados negativos. Aposse das bênçãos positivas só pode advir da imputação de Sua obediência ativa. Isso dá positivamente o direi­to a uma vida que é vastamente mais que a isenção de punição. As comunica­ções positivas do favor e longanimidade de Deus são algo mais que Sua senten-

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ça que isenta da ira. A essas expressões de Seu amor, somente uma obediência aos preceitos de Sua lei pode dar direito aos súditos de Seu govemo; e, como Cristo fomeceu perfeitamente, por Seu povo eleito, essa obediência, este se toma, em consequência de sua união com Ele, qualificado a essas expressões. Eles têm, ainda que em si mesmos indignos, um direito em Cristo à comunhão positiva com Deus e aos emblemas de Seu amor. Nele têm obedecido plena­mente à lei em ambos os seus elementos essenciais - o preceito e a penalidade; e, portanto, finalmente desfinitarão aquela completa e positiva felicidade que somente tal obediência pode adquirir. Tais resultados o mero perdão jamais poderia assegurar. Não estar no inferno é algo diferente de estar no céu. É a diferença entre uma felicidade negativa e uma positiva, uma diferença que corresponde à diferença, e, no caso do pecador, depende dessa diferença, en­tre a justiça preceptiva e a penal, como imputadas para fins de justificação. No uso desta distinção não está implícito que Cristo, ao suportar a penalidade, também não obedeceu ativamente à lei, mas apenas que, em consequência da imputação de Sua justiça passiva ao pecador, este se toma capacitado à isen­ção do sofrimento positivo de uma natureza penal.

Quarto, caso se diga, como se tem feito, ser inconcebível que a obediência cônscia e pessoal de Jesus aos preceitos da lei poderia ser imputada ao crente, pode-se replicar: em primeiro lugar, nenhum calvinista toma por base que o caráter subjetivo e pessoal de Jesus seja transferido ao crente para justifica­ção, não mais que Seus sofrimentos cônscios lhe são transferidos. Mas, caso se admita que Seu mérito é imputado ao crente como tendo constmtiva e repre­sentativamente feito e sofrido em seu grande Substituto, o que esse Substituto fez e sofireu, não é mais concebível que o mérito de Sua obediência ativa foi imputado do que o de Sua obediência passiva. Em ambos os casos, Cristo obedeceu à vontade de Seu Pai administrando lei, e se Sua obediência ativa não é imputada, apenas uma parte de Sua obediência é lançada na conta do crente. Em segundo lugar, a divisão que a objeção supõe ser feita entre a obediência de Cristo aos preceitos da lei, e Seu sofrimento e morte sob a maldição da lei, provém da hipótese antibíblica de que o Salvador, ao sofrer e morrer, não obe­deceu à lei. Mas a verdade é que Ele foi praticante da lei, um intenso ator da obediência às suas demandas, em todo o processo de Sua paixão; e se Ele Se sujeitou em sofrer e morrer, a objeção à imputação de Sua obediência pessoal eliminaria a imputação de Seu sofrer e morrer, e assim não ficaria aí absoluta­mente nenhuma imputação de Sua obediência, e assim se endossaria a doutrina pelagiana e sociniana.

Quinto, voltemos ao paralelismo enfre o primeiro e o segundo Adão. Se Adão houvesse mantido sua integridade durante o período de sua prova, ele teria sido justificado por conta de sua obediência aos preceitos da lei. Nenhuma

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obediência à penalidade teria sido possível em seu caso. Ora, sua semente teria sido justificada nele e com ele sobre a base de sua justiça imputada a eles, justamente como são condenados sobre a base de sua culpa imputada a eles. Que tipo de justiça, pois, teria sido imputado à posteridade de Adão? Indubita­velmente, uma justiça ativa - sua obediência ao preceito. Isto teria sido a única sorte de justiça que lhes poderia ter sido imputada. A possibilidade da imputa­ção da justiça ativa é assim conclusivamente evidenciada. Segue-se que a mesma possibilidade existe com respeito à imputação da justiça ativa de Cristo, o Se­gundo Adão.

Caso se insista que este argumento só vale para mostrar a possibilidade de tal imputação, e não sua necessidade ou sua atualidade, a resposta é: Em pri­meiro lugar, a necessidade da imputação da justiça ativa de Cristo à Sua se­mente emana da analogia divinamente ensinada entre a representação federal do primeiro e do segundo Adão. Se a obediência ativa de Cristo não é imputada aos eleitos, então se destruiria a correspondência entre as duas cabeças fede­rais e os resultados de seus respectivos atos representativos. Em segundo lu­gar, a necessidade da imputação da justiça ativa de Cristo se fundamenta na inexorável demanda de justiça divina para uma perfeita obediência à lei, ou seja, uma perfeita justiça. A lei deve ser obedecida quanto aos seus preceitos, ou não pode haver justificação. Ora, é evidente que o pecador crente não pode fomecer nenhuma obediência cônscia e pessoal aos preceitos da lei. A única forma possíveLem que ele pode fomecer obediência à lei nesta relação é apre­sentando a de Cristo seu Substituto. Mas o único método pelo qual a obediência de Cristo aos preceitos da lei pode tomar-se seu é que ela lhe seja imputada. Daí a necessidade da imputação da obediência ativa do Segundo Adão à Sua semente crente. A lei, procedente do princípio de justiça distributiva, requer obediência aos seus mandamentos, e o crente satisfaz a imperativa necessida­de indo ao tribunal de Cristo.

Sexto, a objeção à imputação da justiça ativa de Cristo se fianda na suposi­ção de que, ao produzir esta obediência, Ele não age como cabeça federal e representante de Seu povo. Ele simplesmente obedeceu para Si mesmo aos requerimentos preceptivos da lei. Apenas agiu como cabeça federal e repre­sentante ao sofrer e morrer. Este ponto de vista não pode ser mantido. Desde o momento em que consciamente rendeu obediência à lei, Ele não só a rendeu como um indivíduo, mas como uma pessoa pública que assumira, sob a aliança com Deus, o Pai, as responsabilidades de Sua semente eleita; Ele não só fome- ceu obediência individual, mas também federal. Se isto é assim, segue-se que Sua justiça ativa, havendo sido cumprida para Sua semente, toma-se realmente sua por virtude de ela lhe ser imputada. Admite-se que ela era federal, e então se admite o fato de sua imputação. Assumir qualquer outro ponto de vista é

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fazer Sua obediência ativa meramente exemplar (e isso só em parte), na medi­da em que ela se relaciona conosco, e então a passagem é fácil, e de qualquer maneira parece lógica, ao sonho sociniano de que Seus sofrimentos não foram expiatórios, mas apenas destinados a ensinar por meio de um exemplo paciente e heróico.

Ao discutir a negação de Piscator da imputação da justiça ativa de Cristo, Charles Hodge diz bem e de modo procedente; “Ele insiste que a obediência de Cristo à lei foi em razão de Si mesmo como homem, e, portanto, não imputável a outros. Cada um como tal, em virtude de ser homem, é individualmente obri­gado a obedecer à lei moral. Cristo era homem; portanto, era obrigado a obede­cer à lei por Si mesmo. Ele não percebia, ou não estava disposto a admitir que a palavra ‘homem’ é tomada em diferentes sentidos nos diferentes membros deste silogismo, e, portanto, a conclusão é viciosa. Na primeira cláusula, ‘ho­mem’ significa uma pessoa humana; na segunda cláusula significa natureza humana. Cristo não era uma pessoa humana, embora assumisse a natureza humana. Ele era homem no sentido em que somos pó e cinzas. Mas, em razão de sermos pó, não se segue que tudo o que pode ser asseverado do pó pode ser asseverado de nós; por exemplo, que não temos vida, nem razão, nem imorta­lidade. Picastor argumenta ainda que a lei obriga ou à punição ou à obediência, porém não ambas ao mesmo tempo. Portanto, se a obediência de Cristo nos fosse imputada, não haveria necessidade de que Ele morresse por nós. Em contrapartida, se Ele morreu por nós, não haveria necessidade de que Ele obe­decesse por nós. O princípio aqui assumido pode ser procedente com respeito ao homem antes da queda. Onde, porém, o pecado for cometido há necessida­de de expiação tanto quanto de obediência, e de obediência tanto quanto de expiação, se a recompensa da perfeita obediência deve ser conferida.”*'*

Argumenta-se também, em tempos mais modernos, que muito do que Cris­to fez era de uma natureza tal que é impossível que pudesse ser-nos imputado: a operação de milagres, por exemplo, e outros atos de poder medianeiro. Que argumento! A conclusão é de alguns para todos; porque alguns de seus atos não eram imputáveis, por isso todos não o eram! A afirmação do argumento é sua refutação. E se está implícito que nenhum ato de Cristo poderia ser imputado que o homem não pudesse, supondo que ele fosse santo, haver consciamente realizado; em outros termos, que a finidade nos atos era a medida de sua imputabilidade, isso provaria demais; eliminaria a imputabilidade do mérito da própria morte de Cristo, porque, seguramente, ninguém poderia haver sofrido Sua morte e vivido outra vez. O grande princípio é ignorado: que podemos ser considerados como havendo feito, federal e representativamente, num Substi-

14. Teologia Sistemática, páginas 1133-1137.

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tuto divino-humano, o que seria demência pressupor que poderíamos haver feito cônscia e pessoalmente. Ninguém poderia haver rendido uma obediência infinitamente meritória à lei de Deus, poderia haver oferecido um sacrifício infinitamente meritório em satisfação à Sua justiça, porém é um motivo da mais devota ação de graças que o mérito de tal obediência e de tal sacrifício nos é imputado.

Sétimo, é injustificável efetuar um divórcio, como faz esta objeção à imputabilidade da obediência ativa de Cristo, entre os dois elementos da justiça do Salvador, em relação com o preceito e com a penalidade da lei. O ponto de vista bíblico é que Ele obedeceu durante o sofrimento e sofreu durante a obedi­ência. A vida de nosso glorioso Redentor foi de sofrimento, sua morte, de obe­diência. Sua sofredora obediência foi ativa. Sua obediência ativa foi um sofri­mento. Desde Nazaré ao Calvário Ele aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu. Como Seu manto inconsútil, assim também sua justiça. Não devemos rasgá-la, mas pela fé tomá-la como é, em sua assombrosa e indivisa totalidade, nos vestindo dela para o banquete do Cordeiro. Não se pretende negar que a justiça de Cristo possua dois aspectos; ativo e passivo. Isso é verdade, porém as Escrituras falam ordinariamente de Sua justiça como uma só, culminando em Seus sofrimentos e morte, os quais são frisados e sinalizados como o clímax e coroa de Sua obediência. A distinção aludida merece ser asseverada e mantida quando se nega que a justiça de Cristo, como ativa, pode ser imputada.

A tudo isso se pode alegar a seguinte objeção; A depravação é a conse­quência judicial de culpa imputada. Se, pois, a culpa for removida pelo perdão, a depravação é também removida; a causa se foi, o efeito vai com ela. Se, por conseguinte, Cristo assegurou o perdão de nossa culpa, Ele assegura, ipso facto, a extirpação da depravação. Mas, uma vez removida a depravação, a atividade necessária da alma só poderia desenvolver na direção da santidade; e, como a alma, pela imputação da obediência passiva de Cristo, deve ser con- firniada em inocência, ela seria para sempre libertada da contingência de pecar.

O caso suposto é impossível, a saber, que o pecador possa ser perdoado simplesmente em razão do cumprimento que Cristo fez da penalidade da lei. Se isto pode ser mostrado, a consequência derivada da suposição feita - de que não há necessidade da imputação da justiça ativa de Cristo - será reprovada. É de vital importância considerar que o perdão não pode estender-se ao pecador, consistentemente com as divinas perfeições, exceto sobre a base de uma satis­fação plena e perfeita feita à equidade. É possível assumir isto, como é reco­nhecido pelos melhores teólogos evangélicos arminianos, os quais, sobre este ponto, são mais bíblicos que os da escola remonstrante. Tal satisfação incluiria perfeita obediência a toda a lei, tanto em seu preceito quanto em sua penalida­de. Pressupor uma satisfação feita á justiça somente por suportar a penalidade

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seria pressupor uma satisfação incompleta, com a qual as demandas da equidade não poderiam co-existir. O equívoco sobre em que a objeção se fundamenta é que o sofrimento da penalidade seria uma competente satisfação à justiça. Concebamos que Cristo, ao sofrer e morrer como um substituto, meramente suportou a penalidade da lei transgredida. A demanda da lei por um perfeito cumprimento de suas reivindicações não teria sido satisfeita. Isto, contudo, por razões já declaradas, é inconcebível, pois, ao sofirer e morrer. Cristo não só cumpriu 0 requerimento da lei, mas cordialmente obedeceu à própria lei. Ele honrou o preceito, honrando a penalidade. Há duas considerações que fazem isto evidente. Em primeiro lugar, o preceito da lei requer perfeita piedade e perfeita filantropia; um amor a Deus que é supremo, e um amor ao homem que seja como aquele que suporta a si próprio. Vendo Cristo simplesmente como um substituto legal, este perfeito e sincero amor para com Deus e para com o homem foi requerido dele e realmente rendido por Ele, quando suportou a pe­nalidade da lei, sofrendo e morrendo vicariamente. A agonia da cmz foi a mais alta expressão que mesmo Ele podia dar da espontânea e afetuosa obediência àquela infinita lei que é santa, justa e boa. Afragédia do Calvário não foi uma execução mecânica. Tendo ,na etema aliança espontaneamente consentida, a tomar o moribundo Substituto do culpado, o suor de sangue do jardim, as lágri­mas, cusparadas e vergões, a deserção e solidão, e a experiência da ira inexorável, do lenho maldito, tudo isso não ocasionou redução daquele propósi­to não-forçado, sem produzir hesitação em sua execução. Ele obedeceu à lei do coração; Ele a engrandeceu e a fez honrosa aos olhos do universo no mais elevado grau possível. Em segundo lugar, estes conceitos são reforçados quan­do 0 contemplamos não meramente como um Substituto legal, mas como um Sacerdote. E o ofício específico de um sacerdote oferecer culto pelo culpado afravés de sacrifício. Jesus ofereceu culto pelo culpado através do sacrifício emento de Si mesmo. Ele foi a vítima oferecida, e Ele é o Sacerdote ofíciante. Sua morte, voluntariamente suportada, foi um ato do rhais subhme culto a Deus, com 0 qual os louvores de uma inumerável companhia de anjos e de uma incontável assembleia dos mundos, sem qualquer comparação. Era a homena­gem de um Deus Encarnado à Justiça e à Lei. Dispensam-se palavras para mostrar que, como um culto sincero envolve os afetos do coração, e como Jesus, o Deus-homem, cultuou a Deus pelo sacrifício de Si mesmo à justiça, no lugar do culpado, Ele pode prestar na morte uma livre e afetuosa obediência ao preceito que requer perfeito amor para com Deus e para com o homem. Sujei­ção à penalidade era uma obrigação de pecadores, obediência a ela, de Sua parte, era a livre sugestão de Seu amor para com Deus e Sua piedade para com o homem. Cristo, ao morrer, obedeceu tanto ao preceito quanto à penalidade da lei. O fato é que Sua obediência não pode, exceto logicamente, ser dividida. Ela

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é una e indivisa. A lei de Deus, embora passível de ser considerada em seus aspectos preceptivos e penais, é realmente una, e a justiça de Cristo, ainda que suscetível de ser considerada em relação específica com estes aspectos da lei, é caracterizada por uma unidade correspondente. Portanto, o perdão não foi adquirido para o culpado simplesmente por haver Cristo suportado a penalidade da lei; ele é o resultado de toda Sua obediência, tanto ao preceito quanto à penalidade. Não compete falar de mero perdão e das consequências que fluiri­am dele. A obediência de Jesus, como um todo, foi uma plena satisfação à justiça no lugar daqueles a quem Ele representou, e segue-se que os crentes são justificados completamente nele: não meramente absolvidos da culpa, mas também investidos nele com direito e título a uma vida indefectível. Sua obedi­ência, como representativa, não podia haver conquistado um galardão menor.

Se contra este ponto de vista apresentar-se a velha dificuldade, de que, se a justificação, abarcando o perdão e um título à vida etema, é comunicada em consequência de uma perfeita satisfação à justiça, é o prêmio da justiça, e não uma dádiva da graça, a velha resposta é óbvia: que, como Deus, a quem se deve a satisfação, Ele mesmo a fez na pessoa de Seu Filho encarnado, todo o caso é da livre graça. A satisfação em si, como a condicionar o perdão e a vida etema, era o firuto da graça, e então, consequentemente, o perdão e a vida etema são condicionados por ela.

Assim se mostrou que Cristo foi um Representante Federal; que Sua Justi­ça ou Obediência Vicária é imputada àquelas a quem Ele representou; que Sua justiça como um todo, ativa e passiva, é imputada, como a única base de sua justificação; e que, portanto, a justificação não pode, como afirma a teologia evangélica arminiana, consistir em mero perdão, inestimável como é aquele beneficio, mas envolve, respectivamente, o perdão, o direito e o título, em Cris­to, à vida etema - em confirmação na santidade e na felicidade para todo o sempre.

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S e ç ã o 4

A CONDIÇÃO DA JUSTIFICAÇÃO

A terceira e última divisão geral do tema é agora apresentado para considera­ção, a saber, A Condição ou Causa Instrumental da justificação.

Aqui, a questão não se relaciona com a natureza da fé em geral. Há sufici­ente concordância no ponto de vista de que a fé compreende em sua unidade o assentimento do entendimento, a confiança do coração e o consentimento da vontade, quando se contempla não só a verdade abstrata, mas se acham envol­vidos as relações e os interesses pessoais. Não é a questão se a fé condiciona a justificação. Sobre esse ponto, calvinistas e arminianos evangélicos estão de acordo. Se estes, invariável e consistentemente, afirmam que a fé á a única condição ou causa instrumental da justificação, pode-se formular uma indaga­ção. Entretanto, esta não será agora discutida. As questões que aqui chamam a atenção são estas: O que é fé justificante? E qual é o ofício que a fé exerce em relação à justificação? Estas indagações realmente são distintas, mas, como veremos, praticamente se aglutinam na teologia evangéUca arminiana; pelo menos, a resposta a uma determina largamente a resposta à outra.

A réplica calvinista a estas questões pode ser dada com suficiente seguran­ça nos termos dos Padrões Westminster. Falando do modo como Deus justifica àqueles a quem Ele eficazmente chama, a Confissão de Fé afirma, entre outras expressões negativas: “Os que Deus chama eficazmente, também livremente justifica. Esta justificação não consiste em Deus infundir neles a justiça, mas em perdoar seus pecados e em considerar e aceitar suas pessoas como justas. Deus não os justifica em razão de qualquer coisa neles operada ou por eles feita, mas somente em consideração da obra de Cristo; não lhes imputando como justiça a própria fé, o ato de crer, ou qualquer outro ato de obediência evangélica, mas imputando-lhes a obediência e a satisfação de Cristo, quando eles o recebem e se firmam nele pela fé, fé esta que possuem não como oriun­da de si mesmos, mas como dom de Deus.”

“A fé, assim recebendo e assim repousando em Cristo e em sua justiça, é o

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único instrumento da justificação; ela, contudo, não está sozinha na pessoa justificada, mas sempre anda acompanhada de todas as demais graças salvíficas; não é uma fé morta, mas a fé que age através do amor.”^

O Catecismo Maior dá esta resposta à questão: “O que é fé justificante?” Resposta: “Fé justificante é uma graça salvífica, operada pelo Espírito e pela Palavra de Deus no coração do pecador, que, sendo por esse meio convencido de seu pecado e miséria e da incapacidade tanto sua quanto das demais criatu­ras, para restaurar sua condição de perdido, não só aceita a verdade da pro­messa do evangelho, mas recebe e descansa em Cristo e em sua justiça, que lhes são oferecidos no evangelho para o perdão dos pecados, e para que sua pessoa seja aceita e considerada justa diante de Deus para a salvação.”^

E assim a resposta à questão: “Como a fé justifica o pecador à vista de Deus?”, é: “A fé justifica o pecador diante de Deus, não por causa das outras graças que sempre a acompanham, nem por causa das boas obras que são os frutos dela, nem como se a graça da fé, ou qualquer ato dela, lhe fosse imputa­da para a justificação; mas isto ocorre unicamente porque a fé é o instrumento pelo qual o pecador recebe e aplica a si tanto Cristo quanto Sua justiça.”^

As seguintes citações são feitas de autores evangélicos arminianos de re­conhecida posição.

“Por ‘a justiça que é da fé’”, diz Wesley, “está implícita aquela condição da justificação, e consequentemente da salvação atual e final, se permanecermos nela até o fim, a qual foi dada por Deus ao homem caído, através dos méritos e mediação de Seu Filho unigénito.”"* Ele diz ainda: “Ora, isso não foi escrito somente por sua causa que ela {i.e., a fé) lhe foi imputada; mas também por nossa causa, a quem ela será imputada (a quem a fé será imputada para justi­ça), se pondo no lugar da obediência perfeita, para nossa aceitação junto a Deus.” “Portanto, a fé é a condição necessária da justificação.® Sim, e a única condição necessária dela. Este é o segundo ponto que deve ser observado cuidadosamente: que, no exato momento em que Deus dá a fé (pois ela é o dom de Deus) ao ‘ímpio, que não trabalha’, ‘que a fé lhe é contada como justiça’. Ele não tem absolutamente qualquer justiça antes disto, nem ao menos retidão ou inocência. Mas ‘a fé lhe é imputada para justiça’ no exato momento em que ele crê. Não que Deus (como se observou antes) pense que ele seja o que não é. Mas, como ‘ele tomou Cristo para ser pecado oferecido por nós’, isto é, o

1. Capítulo 11, Seções 1 e 2.2. Questão 72.3. Questão 734. Serm. on the Righteousness o f Faith.5. Idem.6. Como então os pagãos são passíveis à salvação?

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tratou como pecador, o puniu por nossos pecados; assim ele nos considera justos, desde o momento em que cremos nele; isto é, ele não nos pune por nossos pecados, sim, nos trata como se fôssemos inocentes e justos.”’

Em primeiro lugar, note-se que Wesley assevera que a justiça da fé é a condição da justificação. Ora, ou esta é uma justiça inerente à fé, ou imputada à fé, ou nada disto. Se inerente à fé, nossa justiça inerente é a condição da justificação, 0 que é inteiramente antibíblico; se imputada à fé, admite-se a posição calvinista; se nem inerente à fé, nem imputada ã fé, não há justiça que seja da fé, nada que ela possa reivindicar, nem justiça que seja nossa. Dizer que a fé confia nela, isso não basta. Jesus não seria o Senhor Justiça Nossa. Sua justiça seria algo alheio a nós do qual dependemos. Dizer que a fé se apropria dela é dizer que ela a faz sua propriedade. Sua como? Por inerência ou por imputação? Nenhum outro, senão um desses dois modos ela pode tomar-se nossa mediante a fé. Se, no dizer de Wesley, Deus no-la dá - então, como? Ele a faz inerente a nós mediante Seu dom, ou Ele no-la imputa como Seu dom? Esta justiça tem de ser ou inerente ou imputada; e cada uma dessas suposições está prejudicando a doutrina arminiana.

Em segundo lugar, observe-se que Wesley diz que esta fé “se porá no lugar da obediência perfeita”. Fé, portanto, não é obediência perfeita, apenas se põe no lugar dela. Mas se ela [a fé] se põe no lugar dela [a obediência perfeita], então aquela cumpre o ofício desta. O crente é aceito como se obedecesse perfeitamente; sua fé justifica no lugar de uma obediência perfeita a qual o justificaria, porém está ausente. Mas, como a fé pode ser reputada como tendo o valor de obediência perfeita, e desempenha o ofício que ela deveria desempe­nhar, se a possuísse, e, no entanto, a fé descansa na perfeita obediência de Cristo para a justificação que, não obstante, não é imputada ao crente, Wesley não explica e nem poderia ser explicado. O que agora se enfatiza é que o grande fundador do arminianismo evangélico declarou expressamente que a fé é imputada para justiça no sentido em que ela se põe no lugar da obediência perfeita.

Em terceiro lugar, Wesley perde uma distinção óbvia e necessária e, conse­quentemente, se envolve em confiisão de pensamento, quando observa que, ao imputar fé para justiça, Deus não pensa que o pecador seja o que não é. Equi­vale a um truísmo dizer que Deus não pensa que o pecador seja cônscia e inerentemente justo, porém pensa que ele o é, porque o julga ser justo suposta e legalmente. Não fosse o pecador nada disso, como poderia Deus, consisten­temente com a equidade e a verdade, reputá-lo como “justo” e tratá-lo como tal? A visão desta distinção é necessária á compreensão do evangelho. Além

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do mais, se Deus conta o pecador como justo, ou Ele o considera justo inerente ou supostamente. A primeira suposição não é possível, segundo a admissão de Wesley e aos fatos do caso. A segunda, portanto, deve ser procedente, e assim se confessa imputada a justiça de outro. Mas, como a fé é imediatamente inerente, ela não pode ser a justiça imputada, posto que a justiça não pode, ao mesmo tempo, ser inerente em nós e imputada a nós a de outro. A fé, conse­quentemente, recebe a justiça imputada, em razão da qual Deus considera e trata o pecador como justo. Além de tudo, Wesley declarou - o que é proce­dente - que Deus “reputa” o crente “como se fosse inocente e justo”. Nestas últimas palavras, ele deve ser entendido como a dizer que Deus trata o crente como se este fosse inerentemente inocente e justo. Isto procede; e é equiva­lente a dizer que o crente não é inerentemente inocente e justo. Deus, contudo, 0 perdoa e o trata como que possuindo justiça. Ora, ou esta justiça é fé ou não é. Se é, então, como a fé é inerente, o crente é considerado justo como que tendo justiça inerente. Mas isso é contrário à suposição de que o crente não é inerentemente justo. Se não é a fé, e sim a justiça, que é a justiça de outro imputada, sim, a justiça de Jesus Cristo, a qual é recebida pela fé, e em razão da qual Deus trata o crente “como justo”.

O próximo escritor que se expressará é Fletcher, contemporâneo de Wesley e dedicado defensor de seus pontos de vista. “Você confunde”, diz ele, “sem razão, a justiça inerente da fé com a auto-justiça farisaica. Eu já provei que a segunda, que é a justiça parcial, externa e hipócrita de formalistas incrédulos, é a única justiça que o profeta compara a ‘trapos de imundícia’. Com respeito à primeira, isto é, nossa própria justiça da fé, longe de ser estabelecida em oposi­ção à justiça imputada, corretamente entendida, asseveramos que é a justiça de Deus, a mesma coisa que ‘Deus nos imputa para justiça’; a mesma justiça que agora tem o selo de Sua aprovação e um dia haverá de ser a coroa de Seus galardões.”*

Isto é suficiente e estimulantemente explícito. É excessivamente difícil, se não impossível, averiguar o que a maioria dos teólogos evangélicos arminianos quer dizer pela frase “a justiça da fé”. São insistentes em asseverar, o que nenhum calvinista nega, que a fé é imputada para justiça, posto que as Escritu­ras afirmam isto em tantas palavras. Mas quando a questão é: a fé é esta justiça, ou é a justiça que é imputada distintamente da própria fé como justiça, não se pode extrair nenhuma resposta definida de seus escritos: podem querer dizer isto ou aquilo. Fletcher, porém, não fala com dados incertos. Assevera definidamente que a justiça da fé é justiça inerente. Ele discrimina este tipo de justiça inerente de outro tipo de justiça - a justiça do fariseu. Genericamente,

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ambas vêm sob a denominação de justiça inerente, mas especificamente são diferentes. Fletcher não está errado em presumir que há diferentes sortes de justiça inerente. Há uma sorte boa e uma ruim. A justiça inerente produzida pelo Espírito de Deus em Sua obra santificante é uma justiça inerente boa. Mas dessa denominação há uma justiça que é boa, a qual visa à santificação de um pecador, e que é nova para alguém que lê as Escrituras, ou é familiarizado com os fatos da consciência. A distinção é válida, porquanto é bíblica, entre uma justiça legal e inerente, a qual não pode ser válida para a justificação, e uma justiça evangélica e inerente, a qual, depois da justificação, é válida para a santificação. Mas não há nenhuma base bíblica para uma distinção entre uma justiça legal e uma justiça evangélica inerente que vise à justificação. Toda justiça inerente anteriormente á justificação de um pecador é legal e é, no dizer do apóstolo Paulo, absolutamente excluída da possibilidade de assegurar, ou de alguma forma, conduzir a justificação. Mas, sem argumento adicional sobre este ponto recém-apresentado aqui, observemos que Fletcher, clara e inequivo­camente, faz da justiça da fé uma justiça inerente.

Em seguida, ele declara, em termos os mais positivos possíveis, que esta “nossa própria” justiça “inerente” não deve ser erigida em oposição à justiça imputada; ao contrário, ela é a justiça imputada. Aqui se nega enfaticamente a distinção, a distinção protestante, entre uma justiça inerente como propriamen­te nossa e uma justiça imputada como de outro. Nossa própria justiça inerente é aquela que Deus nos imputa. Aliás, a imputação a nós da justiça de outro em outro lugar de seus escritos é rejeitada e ridicularizada; e, como isto é feito por outros, somos levados à conclusão de que a doutrina católica evangélica arminiana é oposta à distinção entre justiça inerente como propriamente nossa e a justiça de outro imputada, e ratifica somente a imputação de uma justiça inerente propriamente nossa, ou como real, ou construtiva.

Isso não é tudo. Fletcher afirma que esta justiça inerente da fé é a justiça de Deus que é imputada. “Asseveramos”, diz ele em termos dogmáticos, “que ela é a justiça de Deus, a mesma que Deus nos imputa para justiça.” Sem dúvida, Fletcher mantém firme suas posições. Ele afirma que a justiça de Deus é imputada; “A justiça de Deus, a mesma que Ele nos imputa para justiça.” Ele diz que a justiça da fé é a justiça de Deus; “Nossa própria justiça da fé é a justiça de Deus.” Diz ainda que a justiça da fé é uma justiça inerente; “Você confunde a justiça inerente da fé com a auto-justiça farisaica.” A conclusão indubitável é que a justiça de Deus imputada é nossa própria justiça inerente da fé. Na discussão já travada sobre a questão, O que é a justiça de Deus, todas as respostas que se têm dado já foram consideradas, a saber; a justiça essenci­al de Deus; a justiça reitorial de Deus; o método de Deus de justificar pecado­res; a fé; a vitoriosa obediência de Cristo. Ora, como até mesmo Fletcher não

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teria se contentado que a justiça essencial de Deus, ou Sua justiça reitorial, ou Seu método de justificação, ou a vitoriosa obediência de Cristo é ou pode ser inerente em nós, a única suposição restante é que a justiça de Deus é a fé; pois ela é inerente, a única coisa que é inerente em todos estes casos possíveis. Se a fé não for essa justiça, qual é a justiça que é distinta de fé e, todavia, lhe pertence? Segundo Fletcher, ela seria uma justiça inerente; portanto, ela não pode ser a justiça essencial de Deus, ou Sua justiça reitorial, ou Seu método de justificação. Chamar uma delas de inerente é falar em termos absurdos. Natu­ralmente, a justiça de Cristo é excluída. Há somente outra suposição concebí­vel, e essa é tão ridícula que nenhum arminiano, dentro de meu conhecimento, a faria, a saber, que a justiça da fé é o ato divino de justificação. Não há outra conclusão senão que a justiça da fé e a própria fé são uma e a mesma. Este é 0 único significado possível de Fletcher. A justiça de Deus é a fé que nos é imputada; e contra esta posição arremessa-se o reductio ad ahsurdum [arre­messa-se de volta o absurdo] já empregado. É fora de questão que a fé, como justiça de Deus, se revela de fé em fé, é mediante a fé, é através da fé. A fé que é de, para, por e através da fé é mais horrível do que o mais horrível dos incrédulos.

As passagens que Watson usa para falar mais expressamente deste ponto são estas; “A justificação é um ato gratuito da mercê de Deus, um produto de mera ‘graça’, não de ‘dívida’. Que, para o exercício desta graça, da parte de Deus, Cristo foi apresentado como uma propiciação pelo pecado; que Sua morte, sob este caráter, é uma ‘demonstração da justiça de Deus’ na livre e gratuita remissão dos pecados; e que esta remissão ou justificação atual resulta do crer em Cristo, porque a fé, sob esta graciosa constituição e método de justificação, é computada aos homens para justiça; em outros termos, essa justiça lhes é imputada ao seu crer, cuja imputação da justiça é, como ele nos ensina nas passagens supracitadas, o perdão de pecados; pois ter a fé computada ou im­putada para justiça é explicado por Davi, no Salmo que o apóstolo cita (Rm 4), como tendo o pecado perdoado, coberto e não imputado.’” “Desta breve expli­cação, porém clara, espera-se, destes termos, justiça, fé e imputação, transparecerá que não está totalmente correto nos advogados da doutrina bíbli­ca da imputação da fé para justiça, dizer que nossa fé em Cristo é aceita no lugar da pessoal obediência à lei, de fato com a exceção, neste sentido livre, que nossa fé em Cristo, como eficazmente nos isenta de punição, como se fôssemos obedientes. A doutrina bíblica é, ao contrário, que a morte de Cristo é aceita no lugar de nossa punição pessoal, sob a condição de nossa fé nele; e que, quando a fé nele é realmente exercida, então entra, da parte de Deus, o

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ato de imputar-nos, ou computar-nos a justiça; ou, o que é a mesma coisa, considerar a fé para justiça, que é perdoar nossas ofensas através da fé, e tratar-nos como os objetos de Seu favor restaurado.’”“

A doutrina de Watson, de que a fé é a condição do perdão, por mais incompleta seja numa discussão da justificação, seria muito simples e inatacável, não fosse pelos termos criticamente importantes e incômodos justiça e impu­tação. Mas a fé deve ser ajustada às noções expressas por esses termos, em qualquer consideração adequada de seu ofício justificante.

Em primeiro lugar, Watson, ao explanar a fi-ase “fé imputada para justiça”, diz expressamente; “A justiça lhes é imputada ao seu crer, cuja imputação da justiça é o perdão de pecados.” A imputação da justiça é o perdão. Há duas objeções óbvias e formidáveis a esta afirmação. A primeira é que o perdão é a não-imputação da culpa, e tratá-la formalmente como imputação é fazer a im­putação e a não-imputação precisamente a mesma coisa! A segunda é que, como o perdão é a não-imputação da culpa, e diz-se que o perdão é a imputa­ção da justiça, a não-imputação da culpa e a imputação da justiça vêm a ser exatamente a mesma coisa! Em segundo lugar, a teoria de Watson evidente­mente explica somente a não-imputação da culpa. Ele não estava qualificado para o uso dos termos imputação da justiça. Estes são introduzidos de modo ilegítimo.jV pretensão de que a justificação consiste simplesmente no perdão já foi considerada e refutada nas observações precedentes. Embora, pois, a fé seja a condição do perdão - o que, naturalmente, se admite, no que diz respeito à recepção cônscia do perdão, ainda que não se assegura o perdão por Cristo na consumação de Sua obra representativa, a qual é a condição precedente à conversão do pecador e sua reconciliação com Deus - nem por isso se mostra que a fé é uma condição da justificação, a qual não só pronuncia o pecador perdoado, mas também justo. Porventura culpabilidade e retidão não são coisas diferentes? Já vimos que Wesley percebeu e notou a diferença entre elas. A verdade é que, se a fé for simplesmente a condição do perdão, não há absolu­tamente imputação de justiça, a menos que se mantenha o conceito de que a justiça imputada é a própria fé; mas esse não parece ser o conceito expresso por Watson. Ele contende que a imputação da justiça é o perdão; e dificilmente poderia ter pretendido dizer que o perdão é a imputação da fé como justiça. Entretanto, se a fé não for a justiça imputada, como pretende Fletcher, então não há justiça que seja imputada, pois Watson nega que a justiça de Cristo seja imputada, e não poderia ter mantido que a justiça de Deus, a qual ele diz ser o método divino de justificação, é imputada. Então ele se limitou às alternativas, ou de admitir que a fé é imputada como justiça, ou que nenhuma justiça de

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modo algum é imputada. Se for a primeira, ele foi reduzido ao absurdo de Fletcher da imputação da justiça inerente para justificação, ou à teoria da impu­tação da fé como uma quase justiça. Se a segunda, ele se contradiz verbal­mente, e realmente contradiz a Escritura.

A doutrina geral de Pope sobre este tema vai além de minha capacidade dar-lhe consistência, mas ele tem este enunciado que pode ser considerado como que indicando suficientemente sua posição: “Fé não é justiça, como justificante; ela é contada para justiça. Ela é lançada na conta do homem no tribunal medianeiro como justiça; não como uma obra boa, e sim computada no lugar das boas obras as quais ela renuncia.”” Tudo o que é particularmente necessário notar é que o conceito de Pope é distintamente que, enquanto a fé em si mesma não é justiça justificante, ela é contada e imputada como justiça, no lugar de uma justiça legal que fosse competente para justificar. Não é a justiça de Cristo que é imputada. A fé é imputada in lieu [no lugar] da justiça. Nisto ele difere de Fletcher, ao menos nominalmente, como este mantinha ousadamente que a fé é justiça. Veremos que, enquanto o conceito de Fletcher é contraditório com a Escritura, também o sentido comum da Escritura contra­diz a Pope. Um faz a fé ser justiça inerente; o outro a faz um nada inerente: ela é um substitutivo para justiça inerente, mas em si mesma ela não é justiça inerente. _

O conceito de Raymond da natureza e ofício da fé pode ser coletado das seguintes passagens: “O que foi dito supra é suficiente para mostrar em que sentido a doutrina protestante da justificação pela fé somente é tanto racional como bíblica. Diz-se que a fé é aquela condição da justificação, ou o perdão de pecado, a qual, se um homem a tiver, não importa se ele for destituído dela, não pode perder-se, e sem a qual, o que quer que ele possua, não pode ser salvo. Ainda que a fé seja, e tão-somente ela, o que justifica, ela não é solitária nem arbitrária; ela é aquilo que, na natureza do caso, é essencial, a ponto de satisfa­zer um requerimento indispensável, e como tal ela, em si mesma, uma vez realizada a expiação, assegura todos os interesses restantes envolvidos. Ela não é uma mera crença nas doutrinas do Cristianismo. É confiança em Cristo, como o Filho de Deus e o Salvador dos homens. E um estado mental, o qual o crente assimila natural e intuitivamente o Espírito de Cristo, adota Seus senti­mentos, coopera com Seus planos, o toma como um líder e guia. A fé em Cristo é um ato voluntário, pelo qual Cristo é aceito como profeta, sacerdote e rei. Portanto, no momento em que o homem exerce esta confiança em Cristo, ele é um homem salvo. Isto em si mesmo é o espírito de lealdade; está em harmonia com a lei; busca os fins do govemo; aprova, admite a justiça de Deus; nela

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moiTc a rebelião contra Deus. A mente carnal, em inimizade com Deus, e não se sujeita à Sua lei, é removida, é substituída por seu oposto; a fé é o espírito de obediência filial. Implica arrependimento, dor pelo pecado, juntamente com a conversão do pecado; ela produz frutos oriundos do arrependimento. Implica ainda um propósito de justiça.” Depois de reconhecer que a fé “considerada como um poder volitivo é o dom de Deus”, ele segue dizendo: “Mas o exercício dos poderes dados por Deus ao homem está com o próprio homem e dentro de limites se fazem sujeitos à sua própria e livre escolha. Deus não mais crê pelo homem como também não respira nem come nem anda nem trabalha pelo ele; a fé, como um poder de crer, é o dom de Deus; crer, o exercício da fé, é um ato do h o m e m .E le deve apresentar este ato, ou então é condenado; se o apre­sentar, ele será salvo; ele não pode perder-se enquanto crer em Cristo. Se alguém preferir chamar esse ato de obras da fé, não refutaremos; contudo, se afirmar tal coisa, afirmando que esta fé é um ato da vontade humana, ensina­mos muito bem a doutrina da salvação pelas obras; não nos preocupamos com que nome ela é chamada; insistimos na afirmativa da doutrina de que o eterno destino de uma pessoa depende de algo que ela mesma pode fazer ou deixar de fazer, e esse algo é chamado, na Bíblia, de fé. Para aqueles a quem o evange­lho é pregado, ela é uma cordial confiança em Jesus Cristo como o Filho de Deus e o Salvador dos homens; para os que não ouviram o evangelho, ela é a mesma fé na forma de uma confiança filial na mercê de Deus; ou, como já foi designado, ‘o espírito de fé com o propósito de justiça’.”'

Quando a questão é, Qual é a condição da justificação, Raymond responde, com todos os protestantes: é somente a fé. Mas quando a questão é, Como a fé é esta condição, ele responde, em substância, que ela é especialmente adapta­da para este ofício, porque assegura a retidão de Deus na administração da redenção. Por quê? Não porque ela aceite e repouse na obediência de Cristo imputada, pela qual a equidade tem sido satisfeita, a lei engrandecida e o gover­no de Deus, vindicado e sustentado: ele repele a noção da justiça de Cristo imputada como o Substituto dos pecadores. Não porque a fé em Cristo como Salvador justificante vise à comunicação da graça santificante do Espírito, o autor e determinador de toda santidade. Então, por quê? Porque a fé contém em si as sementes de toda virtude cristã, os germens de toda a justiça ou san­tidade inerente. É esta aptidão, por si só intrínseca, de assegurar e promover os interesses morais do governo de Deus que o adapta para ser a condição da justificação. Ele não diz, com Fletcher, que ela é uma justiça inerente, porém mantém que ela é a semente ou gérmen do qual a justiça inerente se desenvol-

12. A mesma distinção, apresentada pelo Dr. Wliedon, foi considerada um pouco mais extensamen­te na discussão precedente sobre a Eleição etc.

13. Sysi. TheoL, vol. ii. pp. 331, 332, 335, 336.

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ve. A diferença é em grau, não em espécie. A fé é santidade incipiente da qual emana toda santidade; a não ser que ela quebre seu pescoço após seu primeiro avanço rumo ao desenvolvimento, quando o brilho da aurora da graça incipiente expira nas trevas da noite da natureza, e o desenvolvimento se toma o que o francês pronunciava, com o acento na primeira sílaba. Este conceito do modo como a fé desempenha seu ofício como uma condição da justificação é corro­borado por uma distinção entre o poder de crer que é confessado ser o dom de Deus e o ato de crer que é inteiramente do homem, um ato que ele pode ou não realizar. Se ele o realiza, é um justo exercício de seu próprio poder “volitivo”. Segue-se que o homem praticamente determina sua justificação. Os méritos de Cristo lhe propiciam a oportunidade de justificar a si próprio. Sobre esta supo­sição, a justificação não pode ser meramente de graça, e não admira que Raymond diga friamente que, caso se presuma que isto ensina a salvação pelas obras, ele não replicará: muito bem! O apóstolo Paulo diz aos filipenses: “Por­que vos foi concedida a graça de padecerdes por Cristo e não só de crerdes nele, pois tendes o mesmo combate que vistes em mim e, ainda agora, ouvis que é o meu” (1.25, 26). Não, notifica Raymond, ela não nos é dada para crermos, mas apenas nos é dado o poder de crer. Paulo diz: “Porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo sua boa vontade” (2.13). Paulo declara que é Deus quem opera em nós. Oh! não, insiste Raymond, Deus opera em nós o poder de querer, mas não o querer, o querer está em nós. Paulo, porém, diz: Deus opera em nós o realizar. Em contrapartida, Raymond diz que o fazer, o agir, pertence ao homem, não a Deus. Deus não pode crer em Cristo. Poderosa distinção! Ela subverte a doutrina de um apóstolo, e estabele­ce a soberania da vontade do pecador. Deus diz que ressuscitará os mortos no último dia. Deus, porém, não ressuscitará os mortos: é o homem que ressusci­tará. Portanto, Deus não pode ressuscitar os mortos. Sim, Deus dará o poder de ressuscitar, mas o corpo morto é que deve exercê-lo. E assim, possuindo o poder, por si só se erguerá da terra ou do frio mármore e sairá do túmulo! Cristo diz que Ele ressuscitará a alma espiritualmente morta. Ele, porém, não ressus­citará da morte espiritual. A alma ressuscitará. Portanto, Cristo não pode res­suscitar a alma morta. Sim, porém Cristo dá o poder de ressuscitar e a alma o exercerá. E assim o pecador, possuindo o poder de regeneração, regenera a si próprio. Deus fomece a base da justificação na obediência para a morte de Seu Filho; Ele dá ao pecador o poder de colocar-se nessa base; mas ele não pode pôr 0 pecador ali: Ele não pode determinar que a vontade do pecador creia. Ele pode “inspirar” a alma indisposta; Ele pode anelar por sua salvação; mas não pode salvá-la. Por que isto é negado ao supremo poder e infinito amor? Porque Deus não necessita de ser salvo e não pode exercer fé! Deus, Cristo, o Espírito Santo, 0 Sangue expiatório - tudo depende da eficácia de o pecador querer agir!

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Havendo tentado deduzir da afirmação dos teólogos evangélicos arminianos de reputação qual é sua doutrina com respeito à natureza e ofício da fé justificante, o caminho fica aberto para se sumariarem os resultados e os sujei­tar a um exame final.

Estão, confessamente, prontos a manter que a fé é a única condição da justificação. Entretanto, não se deve presumir que isto é o mesmo que asseve­rar, com 0 corpo dos protestantes, que a fé é simplesmente o instrumento, e nada mais, pelo qual uma justiça justificante é recebida e confiada. Ora, afir­ma-se que a fé é a única condição ou causa instrumental da justificação; mas, se a questão é se a fé desempenha este ofício mera e unicamente como fé, como simplesmente um assentir e confiar, ou se também a mantém como fé justificante, então ela envolve em si ou leva consigo alguns elementos que não são, estritamente falando, da mesma natureza da fé, a resposta a estas ques­tões dadas pela teologia evangélica arminiana são indistintas, se não positiva­mente inexatas. Em primeiro lugar, há uma confusão sobre a condição da fé com a condição da justificação. Convicção de pecado e miséria'"* ordinaria­mente é a condição precedente à fé, mas ela, em nenhum sentido ou grau, é um instrumento mediante o qual Cristo é recebido e nele se descansa. Ela não acarreta ou qualifica o ofício instrumental da fé. Em segundo lugar, representa- se uma qualidade de justiça inerente como acarretando fé, adaptando-a a asse­gurar os interesses morais do govemo divino. A fé, como justificante, não é nuda fides - nua, simples, mera fé. Mas, se ela não o for, então não é adequa­da para ser o que a justificação requer, a saber, um mero receptor de Cristo. Nessa dimensão, como justificante, ela abraça ou exibe alguma qualidade extrínseca, é nessa dimensão que Cristo é exibido. A santidade, em seu próprio lugar, é indispensável, mas a fé, enquanto é o instrumento da justificação, nada tem a ver com ela; ela não tem olho, nem ouvido para algo senão para um Salvador justificante: ela Lhe estende ambas as palmas. O medo do antino- mianismo, real ou imaginário - o imaginário é a teologia federal calvinista gera uma sabedoria superior à de Deus, uma preocupação pela justiça mais conservadora do que a dele, e clamores por uma pequena infusão de ética à fé, pois teme uma simples confiança em Cristo e Sua justiça, porquanto a justifica­ção pode prejudicar a santificação e causar dano aos interesses da santidade!

As testemunhas divergem, em alguma extensão, com respeito à natureza da fé justificante e a imputação dela para justiça. Fletcher, explicitamente, e Raymond, implicitamente, mantêm que ela é inerentemente nossa, ainda que evangélica. Wesley e Pope afirmam que ela é aceita no lugar de uma justiça perfeita, e Watson, em substância, concorda com eles sobre este ponto. Pois

14. Isto é errônea e absurdamente designado Arrependimento pelos teólogos arminianos.

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embora, como já vimos, ele declare este ponto de vista como “não totalmente correto”, não obstante diz em conexão com essa branda censura; “A não ser, de fato, neste sentido livre, que nossa fé em Cristo, quando eficazmente nos isenta de punição, como se fôssemos pessoalmente obedientes.” Alguém não consegue detectar nenhuma diferença substancial entre as afirmações; a fé é aceita no lugar da obediência pessoal; a fé é aceita como se produzíssemos obediência pessoal. Obviamente, elas equivalem à mesma coisa. Não tentarei decidir qual desses pontos de vista, o de Fletcher e o de Raymond, de um lado, ou o de Wesley e o de Watson, do outro, é a doutrina aceita pelo arminianismo evangélico; nem serão examinados detalhadamente além do que já se fez. São igualmente incompatíveis com a verdade de Deus no tocante à imputação da justiça de Cristo, e a simples instrumentalidade da fé em receber essa justiça, e os argumentos que forem usados serão arremessados contra ambos eles.

1. A teologia evangélica arminiana ilegitimamente faz distinção entre a Base e a Matéria da justificação; ou, em outros termos, injustifícadamente cinde em duas partes a única Causa Material da justificação. A causa eficiente de tudo é aquela pela qual ela é produzida; a causa material, aquela da qual, sobre a base da qual, por conta da qual, ela é produzida; a causa instrumental, aquela através da qual, por meio da qual, ela é produzida; a causa formal, a coisa em si assim e assim formada e configurada, e distinguindo-a de outras coisas, se fisicamen­te deduzido do mesmo material, se moral ou intelectualmente pertencente ao mesmo tipo geral; a causa final, o fim para o qual ela é produzida. A causa eficiente da mesa sobre a qual este escrito é elaborado é a habilidade do profis­sional que 0 produziu; a causa material, a madeira da qual ela foi feita, que baseou sua construção; a causa instrumental, os implementos através dos quais, por meio dos quais, ela foi elaborada; a causa formal, a própria mesa assim e assim formada e configurada, distinguindo-a de outros artigos da mobília elabo­rados do mesmo material; a causa final, o fim para o qual ela foi produzida, diz- se, para que ela fosse usada para se escrever. Estas causas, fundamentadas numa análise, em sua maior parte tão antigas quanto o gigantesco intelecto de Aristóteles, e aperfeiçoadas pela inteligência de eras subsequentes, não devem ser escarnecidas como, respectivamente, obscuras e escolásticas. Seu valor tem sido testado por muitos pensadores, ao tentarem encontrar seu caminho pelas perturbadoras complexidades de um tema difícil e perplexivo. Causam devastação com especulações engenhosas, porém sofísticas, e com declama- ção brilhante, porém ilógica; ?ÃoaLapis Lydius do raciocínio. O pensador que está familiarizado com elas bem conhece sua utilidade, e aquele que é ignoran­te delas inconscientemente as emprega numa dimensão a que de modo conse­gue imaginar.

Ao aplicar estas causas à justificação, o calvinista mantém que sua causa

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eficiente é a livre graça de Deus - é aquilo pelo qual ela é produzida; sua causa material é a justiça da qual, por conta da qual, sobre a base da qual ela é produzida, e, como a justiça inerente de alguém, fora de dúvida, é a justiça imputada de outro, sim, Jesus Cristo o Justo, Senhor Justiça Nossa; sua causa instrumental é a fé - é aquilo através do qual, por meio do qual, ela é produzida, aquilo que simplesmente recebe a justiça justificante de Cristo e nela confia; sua causa formal é a justificação mediante a imputação da justiça de outro, em contradistinção a outros tipos de justificação procedentes da imputação dajus- tiça inerente de alguém; sua causa final é, proximamente, a salvação do peca­dor; finalmente, a glória da graça de Deus. Perceber-se-á que o calvinista não faz distinção antifilosófica nem insustentável entre a base e a matéria da justi­ficação. São consideradas como uma e a mesma coisa. É a mesma coisa dizer que a justiça de Cristo é a base e que ela é a matéria da justificação. Essa justiça é a causa material. A causa material é una; não pode ser dividida em duas partes, a base e a matéria. Tampouco pode haver duas causas materiais da justificação: uma, a justiça de Cristo; a outra, a fé do pecador como justiça. Se a causa material é a justiça de Cristo, ela não pode ser fé como a justiça do pecador, ou fé em qualquer aspecto; se é fé, ela não pode ser a justiça de Cristo. Ela deve ser uma ou a outra, não ambas, nem uma num aspecto, e a outra, noutro aspecto.

O arminiano, se questionado qual é a base da justificação, responde: A justiça de Cristo. Bem, então a justiça de Cristo é a justiça que justifica, aquela da qual a justificação é produzida. Não. Se questionado qual é que justifica, ele replica: A justiça da fé, ou a fé aceita como justiça. Isto, pois, é aquilo do que a justificação é produzida. Fé ou como justiça ou aceita no lugar da justiça é a matéria da justificação. Fé como a matéria é distinguida da justiça que é con­fessada como sendo a base. Há, consequentemente, ou duas causas materiais da justificação, ou uma e a mesma causa material é cindida em duas partes, e estas duas partes são intrinsecamente diferentes - tão diferentes como a justi­ça de outro e a própria qualidade subjetiva ou o ato cônscio de alguém. A distinção do arminiano é insustentável. Se a justiça de Cristo é a base da justi­ficação - e isso é admitido - , ela é também sua matéria, a justiça da qual ela é produzida. Pode-se indagar: Onde está a dificuldade de se pressuporem duas causas materiais concorrendo para a produção da justificação? Pode haver, por exemplo, dois tipos de madeira usada na fabricação desta mesa. A resposta é que, tantos quantos sejam os materiais, ou, para falar mais amplamente, as sortes de matéria, as quais se destinam a produzir algo fisico, intelectual ou moral, sua união constitui sua única base ou matéria - sua causa material; e o arminiano violaria sua própria doutrina se mantiver que a fé acarreta a base da justificação. Fosse ainda presumível que haja duas causas materiais da justifi­

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cação, seriam conjuntamente a base. Se, pois, a obediência de Cristo é uma causa material da justificação e a fé, outra, a dificuldade seria apresentada de uma fé misturada com o mérito de Cristo a constituir a base da justificação - um resultado que o arminiano evangélico não poderia aceitar.

Se este ponto de vista é correto, é evidente que a teologia arminiana não só faz uma distinção ilegítima entre a Base e a Matéria, mas também confunde injustifícadamente a Causa Material e a Causa Instrumental da justificação. Admite-se a fé como sendo a causa instrumental, mas se, como já se mostrou, ela é tida como sendo a própria coisa que justifica, ou como uma justiça, ou aceita como se fosse uma justiça e destinada ao cumprimento de seu ofício, então ela é considerada a matéria - em algum sentido, a causa material - da justificação; daí, as causas, material e instrumental, são obviamente confundidas.

2. Ou, a fé é uma justiça real e independente; ou, é uma justiça irreal e construtiva, tratada como se fosse uma justiça real e independente, e aceita em seu lugar; ou, não é absolutamente justiça, mas simplesmente recebe e repousa numa justiça. O primeiro ponto de vista é o de alguns escritores evangélicos arminianos; o segundo é o mantido por outros, seguindo Wesley, e é um ge­ralmente creditado à teologia evangélica arminiana; o terceiro é o mantido pe­los calvinistas. Consideremo-los na ordem em que têm sido expressos.

Primeiro, a fé é justiça real e independente, imputada a nós com vistas à justificação? Os teólogos que mantêm este ponto de vista estão desculpados de alegar que ela é uma justiça legal: alegam que ela não é legal, e sim evangélica. Entretanto, o ponto de vista expresso não pode ser sustentado.

Em primeiro plano, ele é oposto à própria natureza da fé, como justificante. Os teólogos evangélicos arminianos argumentam que a fé, como justificante, é um ato. Quando este é realizado, o crente é imediatamente justificado. Mas é óbvio que, como um ato expira com sua realização, então ele não pode ser uma justiça. Pode ser um ato justo, porém o ato não é uma justiça, a qual não só presume uma série de atos, mas uma série de obras, cada uma delas composta de atos. Além do mais, a fé, de sua própria natureza, não tem excelência intrín­seca. Sua excelência se deriva do objeto com o qual ela se relaciona, e, como esse objeto, no que diz respeito ã justificação, é admitido pelos doutores evan­gélicos arminianos ser Cristo, a fé empresta dele sua beleza e glória. Mas aquilo que não possui excelência ou virtude intrínseca, que só possui um valor relativo, não pode, com propriedade, ser representado como uma justiça. A estas considerações deve-se acrescentar que a fé envolve uma confissão de indignidade, de impotência, de nulidade. Ela voa para Cristo e jaz firme nele e depende dele. Ela é o mais autêntico dos parasitas. Separada de Cristo, como uma videira privada da árvore a que se enlaça, ela entra em colapso e cessa de viver.

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Em segundo plano, mesmo que se presuma ser ela uma justiça, seria ne­cessariamente uma justiça imperfeita; e deve-se reconhecer que uma justiça, para ser justificante, tem de ser perfeita. A isto não vale dizer que, embora em si mesma imperfeita, ela confia na justiça perfeita de Cristo. Isso seria postular duas justiças justificantes: uma perfeita, c outra imperfeita; e daí emergiriam três absurdos: primeiro, mais de uma justiça justificante quando uma é suficien­te; segundo, a superfluidade de uma justiça justificante imperfeita em adição a uma perfeita; terceiro, uma segurança inconcebível de uma justiça sobre outra justiça para justificação!

Em terceiro plano, nenhuma justiça inerente possivelmente pode ser impu­tada a nós com vistas à justificação. Certamente nenhuma justiça legal inerente pode ser assim imputada, se as Escrituras são recebidas como autoridade; e nenhuma justiça evangélica pode existir anteriormente à justificação, pois tal justiça é, da própria natureza do caso, santificante e não poderá afirmar que uma justiça santificante é para fins de justificação. Caso se insista que pode haver uma justiça evangélica que não seja santificante, deve-se admitir que ela existe anteriormente à justificação; pois, se existe posteriormente a ela, então seria santificante, o que é contrário à suposição. Ora, é suficiente dizer em resposta a isto que a teologia evangélica arminiana confessa expressamente que as obras feitas antes da justificação não têm valor para justificação. Esta justiça inerente, portanto, a qual se alega que nos é imputada com vistas à justificação, ao mesmo tempo, caso se observe consistência, deve reconhecer- se como sendo de nenhum valor para a justificação. Afirma-se uma contradi­ção. Entre as contradições que podem causar hesitação nos eleitos está aquela que assevera que a justiça inerente é destituída de todo e qualquer valor, de todas as obras, de todos os atos, de uma denominação inerente existindo antes da justificação? A teoria é um paradoxo. Não só contraria a Escritura, mas dificulta a própria teologia evangélica arminiana. Toda justiça consistiria de obras; justiça sem obras é um solecismo. Estas obras são ou não os fhitos da santificação. Se são, então são evangélicas e não legais. Se não são, então são legais e não evangélicas. Esta justiça em questão consiste de obras que não são frutos da santificação. Portanto, consiste de obras legais; e nenhuma obra legal pode produzir santificação. De nada vale o advogado desta teoria insistir que a fé não é uma obra legal. Ele a faz uma obra legal ao fazer dela uma justiça. Naturalmente, a fé não é legal, de fato; ela é o exato oposto das obras, mas é legal em sua teoria, e isso destrói a teoria. Eu afirmo que ela não é legal, e ele replica; Você diz isto, porém afirma que ela é justiça inerente produtora de justificação; portanto, ela é legal. Você afirma que ela é e não é legal, num só fôlego. Entrementes, a verdade é que ela não é justiça. Meramente recebe uma justiça operada por outro e imputada para justificação.

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Em quarto piano, John Owen emprega um argumento sobre este ponto que é decisivo. “A fé”, observa ele, “como dissemos antes, é propriamente nossa; e aquilo que é propriamente nosso pode ser-nos imputado. Mas o discurso do apóstolo é acerca daquilo que não é propriamente nosso e que antecede à imputação, mas por meio dela é feito nosso, como já provamos; pois ela é de graça. A imputação a nós do que é real e propriamente nosso, que antecede a essa imputação, não é de graça, na intenção do apóstolo; pois o que é assim imputado é imputado pelo que é, e nada mais. Pois essa imputação é apenas o julgamento de Deus concernente à coisa imputada, com respeito àqueles a quem ela visa.”* O pensamento sugerido por este testemunho do venerável puritano, que ora se pretende enfatizar, é que, se a fé, como uma justiça justificante, nos é imputada, a imputação é feita pela justiça, não pela graça. Pois é justo, não gracioso, imputar-nos o que é propriamente nosso. A imputa­ção da justiça se confere manifestamente à equidade, e não à graça; e isto é contrário às declarações específicas das Escrituras e a todo o gênio do evangelho.

De duas maneiras se pode fazer um esforço para neutralizar a aresta desta consideração. Pode-se alegar que a fé é o dom da graça, e por isso sua justiça nos é imputada como uma justiça graciosa e não legal. Esta é a apelação do fariseu e do romanista. O primeiro dá graças a Deus por sua justiça. A graça a produziu, porém a produziu nele. Portanto, ela era sua justiça, e nosso Senhor a declarou como não sendo justificante. O segundo admite o mérito de Cristo, admite a graça do Espírito, granjeada por aquele mérito, como a capacitá-lo para ser justo. Era a posição de Adão, fosse ele justificado. Sua justiça teria sido operada na força da graça, mas, não obstante isso, teria sido imputada a ele como uma justiça legal propriamente sua. Uma justiça recebe sua denomi­nação não da fonte em que se origina, mas do fim que ela contempla.*'’ Reite­rando, pode-se alegar que, enquanto a fé é imputada como justiça, ela não é a base da justificação, e sim apela para a justiça de Cristo como a base. Esta hipótese de duas justiças, uma a base e a outra a matéria da justificação, e a noção absurda de uma justiça que confia na justiça de outro, já havendo sido aplicada.

O testemunho de Paulo aos filipenses é decisivo, e permitirá que se dê o golpe final a esta hipótese semipelagiana. Ele declara que reputava todas as coisas como lixo a fim de ganhar a Cristo e ser encontrado nele, não tendo justiça própria. O instigador deste ponto de vista diz: eu tenho minha própria justiça. Então, você contradiz a Paulo, diz o calvinista. Não, responde o arminiano, Paulo diz que a justiça que ele não tinha “é a da lei”, mas a justiça que eu tenho.

15. Works, vol. v, p, 319, Goold’s Ed., On Juestification.16. Veja-se a magistral discussão que Thomwell faz do ponto em seu Validity o f the Baptism o f

Rome, Coll. Writ., vol. iii, p. 352 e seguintes.

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e a que ele tinha, provém da fé. Ouça Paulo outra vez, replica o calvinista: ele declara que a justiça que possuía é aquela que vem através da fé em Cristo, a justiça que provém de Deus mediante a fé. Por certo que a fé não pode ser através da fé e mediante a fé. A justiça que Paulo diz não possuir é a justiça inerente que você diz possuir, e a justiça que ele diz possuir é a justiça de Cristo imputada que vem através da fé, a mesmíssima que você diz não possuir. As­sim, um apóstolo inspirado aplica sobre esta teoria de justiça inerente um literal golpe de misericórdia.

Segundo, é a fé uma justiça irreal e inferida, tratada como se fosse uma justiça real e independente, e aceita em seu lugar? Por esta afirmação da ques­tão não se faz nenhuma injustiça. Porque, se a fé é considerada como se fosse justiça, e aceita no lugar da justiça, então ela é uma justiça irreal e inferida. O ponto de vista é rotulado precisamente de acordo com sua implicação.

Esta doutrina envolve a rejeição de um grande e fundamental princípio do govemo divino. Isto é, para fins da justificação, alguém teria, em si mesmo possuiria uma perfeita justiça de obras que satisfaz as demandas da equidade e da lei, e é justificável diante do tribunal de Deus: ou uma que é sua porque conscientemente a produziu, ou uma produzida por outro, como seu substituto, a qual vem a ser sua por imputação. A possibilidade de o pecador possuir tal justiça consciamente produzida por si mesmo é negada igualmente pelo arminiano e pelo calvinista. A possibilidade de ele possuir uma produzida por outro como seu representante, e tomar como sua por imputação, é negada pelo arminiano e afirmada pelo calvinista. Ambos insistem sobre a necessidade de uma conexão salvífica entre o pecador e a obediência meritória de Cristo, porém diferem quanto ao modo como se realiza a conexão. O arminiano contende que é sufi­ciente que Cristo aja vicariamente em favor da raça em geral, e que o pecador, pela fé, confie nele. O calvinista replica que isto não é suficiente; que nesta teoria Cristo não é o Substituto de uma pessoa individualmente, e que é impos­sível que a fé sozinha efetue tal relação do pecador com Cristo a ponto de fazer a justiça de Cristo válida para ele ante o tribunal divino; e, além do mais, que é completamente inadmissível considerar o mero perdão condicionado pela fé, e este um perdão perdível, como sendo justificação. Ele mantém que há necessi­dade de um procedimento legal da parte de Deus, acima e além da fé do peca­dor, para fazer da justiça de Cristo a justiça do pecador na lei, para transferir seu mérito para sua conta e computá-la a ele como sendo sua, e que isso é realizado por imputação judicial, baseada no grande princípio de representação federal. Ele indaga: Onde, na teoria arminiana, há alguma união legal entre o pecador e Cristo, que autorizasse mesmo a absolvição da culpa, consistente­mente com as demandas da equidade e da lei? O próprio arminiano reconhece que o perdão não é dispensado por virtude da prerrogativa arbitrária de um

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Soberano. Watson prova isto de modo bem elaborado.'’ Tem de haver substi­tuição. Substituição, porém, necessariamente, pressupõe uma unidade legal en­tre 0 transgressor original e o substituto. A própria fé não pode alcançar este resultado, particularmente uma fé que, segundo o arminiano, precede a regene­ração, e “deve”, no dizer de Pope, “ser distinta da graça da fé que é um dos frutos do Espírito regenerador.”'® Isto, insiste o calvinista, é fazer a fé do não- regenerado o único fator da união com Cristo no momento da justificação; porque, na ordem do pensamento, faz-se a fé como justificante preceder o ato regenerador do Espírito Santo que espiritualmente une a alma com Cristo; e segue-se que no momento da justificação não há união legal nem espiritual com Cristo. Há apenas aquela conexão que a fé realiza. A alma não se desenvolve numa pedra viva do fundamento, mas simplesmente a estabelece; e não admira ser ela passível de ser arrancada dele pelos impactos da tentação que vem do interior e da fiiria satânica.

Em nada, exceto em sua afirmação da supremacia da vontade do pecador na salvação material e prática, e em sua consequente rejeição da soberania da graça eletiva de Deus, é a teologia arminiana mais claramente defectiva do que em sua negação do grande princípio de que Deus requer do pecador, com vistas à justificação, a posse de uma justiça de obras, real e independente. A questão, pois, é: Deus não requer do pecador crente a posse de uma justiça real, com vistas à justificação? Ou: aquele requer deste a posse de uma justiça real, ainda que vicária e imputada, para tal fim? Esta é a doutrina verdadeira.

Em primeiro plano, ela é estabelecida pela própria natureza do ato justificante. Ambas as partes estão concordes em manter que ela é forense: pronuncia ou declara justo o pecador Ambas são concordes que ela não infiin- de justiça, ou, o que é o mesmo, faz santo. Ambas, pois, são concordes que ela não declara o pecador inerentemente justo: não o declara, em si mesmo, justo ou santo. Não inerentemente, não como visto em si mesmo. Então, como? O arminiano não pode responder a essa indagação. Ele contende que ela seria uma ficção legal a declará-lo justo pela imputação a ele da justiça de outro. O calvinista replica que então seria uma ficção legal a declará-lo justo, porque, segundo o arminiano, ele não é inerente nem supostamente justo, nem justo em si mesmo, nem justo em outro. Ele não é absolutamente justo em nenhum sen­tido. Portanto, como ele pode ser declarado justo, sem uma ficção legal? A doutrina ora em exame admite que a fé do pecador não é uma justiça: é apenas aceita c imputada como se o fosse. Por conseguinte, não há motivo para discu­tir a questão se o pecador e justo porque crê. Esta teoria confessa que ele não 0 é. Esta não é uma ficção legal? É evidente que o pecador não pode, consis-

17. Inst., vol. ii, pp. 94, 213.18. Comp. Chris. Theol., vol. ii, p. 376.

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tentemente com a justiça, a verdade e a lei, ser declarado justo, a menos que, em algum sentido, ele o seja. A própria natureza da justificação, pela qual, e concesso [e confesso], o pecador é divinamente declarado justo, demanda a posse por ele de uma justiça real. Como uma justiça inerente propriamente sua é fora de questão, ele deve possuir a justiça de outro, que vem a ser sua não por meio de ficção, mas por meio de um ato judicial de Deus de imputação. Cristo Se fez a justiça de Deus para ele; Ele é feito a justiça de Deus em Cristo.

Em segundo plano, isto é verdade com respeito a Adão e sua posteridade. Foi sempre verdade no govemo de Deus sobre a raça. Fora Adão justificado, teria sido declarado justo por conta de uma justiça inerente e perfeita que foi adquirida dele. Sua posteridade também teria sido justificada: teria sido decla­rada justa. Como? Porque ela teria fido uma justiça inerente? Como poderia? Uma justiça inerente teria sido consciamente produzida por ela. Mas teria sido justificada antes que houvesse consciamente produzido a justiça: teria nascido justificada. Ambas as partes admitem que Adão foi condenado por conta de seu próprio ato cônscio de pecado. Sua posteridade foi condenada sobre a mesma base? Não, admitem os arminianos, pois as criancinhas já nascem con­denadas. Se não, como poderia sua condenação, afirmam os arminianos, ter sido removida através da virtude da expiação de Cristo? Como era possível ser removido o qu& nunca existiu? Ora, se foram condenados, então foram decla­rados culpados. Como culpados? Não por seus próprios atos cônscios, mas porque possuíam uma culpa contraída por outro que era seu representante, e judicialmente imputada a eles por Deus. De outro modo, teriam sido declarados culpados e tratados como culpados, sem haver absolutamente qualquer culpa propriamente sua. A inferência ao caso análogo de pecadores justificados, mutatis mutandis, é tão óbvia que nem necessita de ser insistida. Deus nunca declarou que os homens são o que não são. Deve haver algum sentido real no qual eles são 0 que Ele declara que são. Se Ele declara que são culpados, então devem ser ou inerentemente culpados, ou culpados pela imputação da culpa de outro. Se Ele declara que são justos, então devem ser ou inerentemente justos, ou justos pela imputação da justiça de outro.

Mas, admitindo ter sido este o requerimento original do govemo divino, o arminiano dirá que sua operação foi modificada pela mediação e morte expiatória do encarnado Filho de Deus. Este fez uma nova e graciosa aliança com o homem, de modo que, em vista do fato de Cristo haver suportado a penalidade da lei violada como o Substituto dos pecadores, como dizem alguns, ou em vista do fato de que Ele sofreu e morreu para o beneficio dos pecadores, como dizem outros, a fé nele é aceita no lugar de ou como se fosse uma justiça legal esfritamente conformada às demandas da lei. Com referência ao ponto de vista de que o Senhor Jesus não foi, em qualquer sentido, um substituto do culpado.

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que Ele não sofreu a penalidade, mas simplesmente morreu de algum modo não explicado para o benefício dos pecadores, não se requer que aqui se adicione algo aos comentários já feitos. Ele trata com desdém os princípios fundamen­tais ao governo divino. A lei é representada como sumariamente prescindida, e a justiça e a verdade são sacrificadas. A salvação do pecador é um comple­mento à fidalguia de um amigo e benfeitor. Uma auréola de beneficência envol­ve a teoria; e isso é tudo. Uma teologia sistemática que propõe tal hipótese merece mais o título de filantropia sistemática. Mas o outro ponto de vista mencionado, o qual se crê que ainda prevalece como um característico daquela teologia a que aqueles grandes homens, Wesley e Watson, deram forma, mere­ce séria consideração - o ponto de vista de que Cristo suportou a penalidade da lei como 0 Substituto dos pecadores, e em consequência desse fato a fé nele é aceita por Deus no lugar de ou como se fosse uma justiça real e legal. Mantém- se, em concordância com esta doutrina, que a lei divina não foi prescindida, porém se cumpriu seu requerimento de uma justiça perfeita; essa justiça foi satisfeita e a verdade, consumada.

Mantenhamo-nos estritamente à questão. Não é se Cristo obedeceu aos requerimentos da lei divina e introduziu justiça perfeita. Nem é se na intenção de Deus se designou uma conexão salvífica entre a obediência do Salvador até a morte e os pecadores humanos. Nem ainda é se a fé é requerida e tratada como uma condição não-meritória da justificação. Mas é se o pecador pode ser justificado, que ele é declarado como justo diante do tribunal de Deus, sem que, em algum sentido, seja justo, sem possuir uma justiça real. Ora, não há disputa entre o arminiano evangélico e o calvinista quanto ao fato de que, na justifica­ção, Deus declara justo o pecador, é da responsabilidade do primeiro mostrar como o pecador que é declarado justo realmente é assim. Ele, com razão, deixa fora de possibilidade uma justiça legal e inerente: não é possível que o pecador seja declarado inerentemente justo. Ele rejeita ainda a justiça de Cristo como vindo a ser do pecador por imputação: o pecador, afirma ele, não pode ser declarado justo por essa razão. Demais, segundo a doutrina em discussão, a fé do pecador não é justiça real: portanto, ele não pode ser declarado justo por essa conta. O arminiano evangélico pareceria, pois, ser impelido ao reconheci­mento de que o pecador em nenhum sentido é, e consequentemente não pode ser declarado justo: isto é, à contradição de afirmar e negar o fato da justifica­ção de um pecador.

Como ele escaparia a essa situação? Há apenas um modo concebível, ao menos em minha mente, pelo qual ele poderia tentar evitá-la, embora eu não me lembre de ver isso sugerido por qualquer escritor evangélico arminiano, e por isso poderia omitir sua menção. É que a fé põe o pecador, por uma conces­são divina, na posse da justiça de Cristo. O argumento pode ser assim expres­

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so: Deus, na promessa do evangelho, comunica Cristo ao pecador sob a condi­ção de crer nele; ele cumpre a condição, crê e por isso possui a Cristo como seu Salvador; e, ao possuir a Cristo, ele possui a justiça de Cristo. Não há, consequentemente, nenhuma ficção em ser ele declarado justo; ele tem a justi­ça de Cristo. Mas, antes de tudo, ele é barrado deste recurso por auto- consistência; pois ele mantém que a fé justifica porque ela é aceita no lugar de uma justiça real, ou é tratada como se fosse uma justiça real. Ele seria obrigado a subtrair esta afirmação e dizer que a fé justifica porque, ao possuir a Cristo, ela possui uma justiça real. Segundo, mesmo que esta mudança fosse feita, não teria êxito em amenizar a dificuldade. Uma tremenda extensão da função seria atribuída à fé, à qual ela não estava justamente qualificada. É verdade que ela põe o pecador na posse cônscia de Cristo e de Sua justiça, porém está longe, infinitamente longe, de ser a única e inclusive a principal agência de investi-lo com essa rica e inestimável possessão. União com Cristo, a maravilhosa iden­tidade do crente com Cristo, da qual as Escrituras falam, é principalmente efe­tuada por uma agência divina operando imediatamente, e não mediatamente, attavés da fé. Por exemplo, a fé põe o pecador na posse cônscia de Cristo como o Salvador santificante, e, em certa medida, da santidade inerente que emana dele; mas a união com Cristo nessa capacidade é principalmente reali­zada pela direta operação do Espírito Santo em regenerar a alma, e assim jungindo-a^a Cristo pelo vínculo de vida espiritual. De Deus, Cristo nos é feito santificação. Abaixo da consciência há na vida espiritual uma misteriosa iden­tidade da alma com Cristo, da qual a verdadeira fé salvífica é a expressão cônscia. De igual modo, a fé põe o pecador na posse cônscia de Cristo como Salvador justificante e de Sua justiça justificante, mas há uma união federal e representativa ordenada por Deus, o eterno Pai, entre Cristo e Seus constituin­tes, fimdamentando diretamente uma vida legal nele da qual a fé é da parte do pecador uma expressão e reconhecimento cônscios. Assim, insistindo na ana­logia inspirada em Romanos, fosse o homem justificado em Adão, seus atos cônscios de santidade teriam sido precedidos por aquela união federal e repre­sentativa ordenada de Deus, a qual, na suposição, teria resultado em sua vida legal. E assim, de fato, seus atos cônscios de pecado foram precedidos por aquela união federal e representativa constituída por Deus entre eles e seu primeiro pai, cujo mal uso da parte dele resultou-lhes tão desastrosamente. De fato a fé é poderosa - poderosa por causa de sua indignidade de receber a meritória justiça de Cristo; poderosa por causa de sua fraqueza em abraçar a força de Cristo; poderosa por causa de sua vacuidade de absorver e encher-se da plenitude de Cristo; mas a fé não pode dar origem à vida legal oriunda da união federal com Cristo, ou a vida inerente que flui da união espiritual com Ele, da qual ela é, pela graça do Espírito, a apropriação e confissão cônscias. Estas

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considerações mostram que o esquema de redenção não poderia haver de tal modo modificado um princípio original e fundamental do govemo divino, a pon­to de tomar possível que Deus declarasse justo alguém que não possuía abso­lutamente qualquer justiça, alguém que não é inerente nem supostamente justo. Ela não pode fazer Deus inconsistente consigo mesmo. A fé do pecador, sem qualquer justiça real aderente a ele, não pode ser aceita em lugar de tal justiça, ou ser considerada como se fosse.

Em terceiro plano, o princípio de que Deus requer, para fins de justificação, uma justiça real, substitutiva e perfeita de obras como possuída por aquele que busca ser justificado, é confirmada pela declaração do apóstolo de que a lei não é invalidada, e sim estabelecida, pela fé: “Anulamos, pois, a lei pela fé? Não, de maneira nenhuma! Antes, confirmamos a lei” (Rm 3.31). Ele responde à obje­ção de que, se somos justificados livremente pela graça, sem as obras da lei, então se anula a demanda da lei por uma justiça de obras com fins de justifica­ção. Ele afirma que, ao contrário, ela é estabelecida. Como? O ponto é da máxima importância. Que se observe distintamente que Paulo, aqui, não está tratando da santificação. Seu argumento não deve ser desviado de sua trilha. É verdade que a fé estabelece a lei como um padrão de santificação. Mas, como isso pode estar implícito em sua afirmação neste lugar, não é seu ponto imedi­ato e primordial. Esse ponto é que a lei, como um padrão de santificação, longe de ser anulada, é estabelecida pela fé. Como tal, ela nãõ pode ser prescindida nem relaxada. Sua demanda por uma justiça perfeita para fins de justificação deve ser cumprida em cada ponto e vírgula. Ela é etema, indestmtível, impos­sível de modificação. E, no entanto, o pecador convencido de culpa, o pecador condenado sobre duas bases, sua desobediência federal, em Adão, seu repre­sentante, e sua própria obediência cônscia e subjetiva, o pecador convicto e condenado pode ser justificado, pode ser declarado justo, em consequência de sua exata conformidade com a imutável demanda da lei por uma justiça real, substitutiva e absolutamente perfeita. Existe uma chave para esta dificuldade aparentemente insuperável, envolvendo o que parece ser contradições à quei­ma-roupa? - nenhuma justiça, justiça perfeita; condenação, justificação se en­contrando numa e na mesma pessoa; a lei indestmtível como um padrão de justificação, a lei destmída como um padrão de justificação; a lei viva, ativa, trovejante com a voz de Deus, a lei morta, sepultada e silenciosa como um túmulo. Existe tal chave, uma grande chave, uma chave divinamente fomecida, uma chave pendente do cinto de ouro que se acha jungido ao peito do glorioso Mediador. Ela é o princípio de Representação Federal.

O pecador não pode produzir nenhuma justiça cônscia, subjetiva e inerente com fins de justificação. A coisa é absurda. Pela realização de obras da lei nenhuma came será justificada. A lei que sentencia não pode absolver; a lei

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que condena não pode justificar; a lei que mata não pode conferir vida. O pecador não pode ser praticante da lei; mas há um perfeito Praticante de seus requerimentos - Jesus Cristo, o divino e humano Substituto dos pecadores. Ele obedeceu perfeitamente à lei, conformou Sua vida a esses preceitos, em Sua morte cancelou sua penalidade, ressuscitou dentre os mortos e subiu ao céu dos céus, justificado, glorificado e entronizado. Ele produziu uma justiça perfei­ta, incontestável e etema. Em prol de quem? De seus constituintes federais, de quem, por meio de Deus o Pai, Ele foi designado a Cabeça e Representante. Legalmente, um só com Ele pela ordenação da etema aliança, “ordenada em todas as coisas e segura”, o que Ele fez eles fizeram, o que Ele sofreu eles sofreram. Quando obedeceu ao preceito da lei, eles lhe obedeceram; quando morreu, eles morreram; quando ressuscitou e foi justificado, eles ressuscitaram e foram justificados. Que delírios insanos! - dirão muitos. Como isso é possí­vel? “Ouvi, homens e irmãos!” Eu não sou demente, porém falo as palavras da verdade e sobriedade. Não cônscia e subjetivamente; quem nunca teve um sonho tão abmpto, porém federal, representativa e legalmente? Precisamente no mesmo sentido, e não menos seguramente, cumpriram esta obediência nele, como os constituintes de Adão cometeram sua desobediência nele.'“* Quando passam sua existência cônscia e terrena, o evangelho lhes é feito conhecido, são eficazmente chamados pelo Espírito Santo, exercem fé em Cristo, o Salva­dor justificante, e são assim consciamente unidos a Ele, sua Cabeça Federal e Representante. Unidos a Ele pelo vínculo da aliança e pelo poder regenerador do Espírito Santo, são agora, por seu ato de fé, introduzidos à união cônscia com Ele. A perfeita justiça de Cristo, o Representante, que Deus imputa àque­les que são representados por Ele, é agora recebida pela fé. Não tendo justiça própria e inerente, que é da lei, mas tendo a justiça que é da fé, isto é, a justiça de Cristo recebida pela fé. Deus, consistentemente com Sua justiça, verdade e lei, os declara justos. São cônscia e realmente justificados. Assim a fé estabe­lece a lei. As demandas da lei como padrão da justificação são plenamente satisfeitas pela obediência de Cristo. Essa obediência é a obediência de Seu povo - cumprida por eles representativamente nele, imputada a eles por Deus e consciamente recebida por sua fé. A fé confirma os requerimentos da lei para justificação. Em contrapartida, a lei, uma vez assim perfeitamente cumprida pela obediência de Cristo, imputada aos crentes, não é um padrão de justifica­ção para eles, no que diz respeito à sua própria e cônscia obediência. Nesse respeito, ela está morta e eles para ela, no dizer do apóstolo no sétimo capítulo de Romanos, Cristo - ele declara no décimo - é o fim da lei como norma de justificação, demandando de nós obediência cônscia e subjetiva. O paradoxo é

19. “Obedecemos nele, segundo o ensino do apóstolo em Romanos 5.12-21, no mesmo sentido em que pecamos em Adão.” - Hodge, Teologia Sistemática, página 1132.

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explanado. A teologia calvinista é a única que mostra como o pecador pode ser declarado justo diante do terrível tribunal de Deus. Ela entoa um cântico de gratidão e triunfo:

“Jesus, quão gloriosa é tua graça!Quando em teu nome confiamos,Nossa fé recebe a justiça Que torna justo o pecadorl”

Finalmente, considera-se como importante a declaração de que a fé de Abraão foi imputada para justiça-6A.oYÍa6r| eiç ÕLKaLoaòvriv - provando que a fé é aceita no lugar da justiça, ou como se ela fosse justiça. Entre as últimas palavras sobre este tema se encontram aquelas do “Professor de Literatura Sacra no Yale College”, Timothy Dwight, que cita numerosas passagens do Antigo Testamento com o fim de mostrar “que as frases êloYLa0ri elç e eX còç são substancialmente equivalentes uma à outra”. Ele observa que “só diferem como nossa expressão: considerar uma pessoa por sábia, e considerá-la como sábia. Temos aqui uma frase peculiar, usada por muitos dos escritores bíblicos. Todos eles a empregam com um único e definido significado. Ao usá-la, nunca dão o sentido télico da preposição. Se não lhe dão este sentido, onde não há referência ao caso de Abraão, a conclusão é irresistível: que eles não o fazem onde há tal referência. Quando Abraão creu, portanto - essa é a afirmação do apóstolo - sua fé lhe foi computada por Deus para, isto é, como se ela fosse justiça objetiva. A fé não é jusfiça objetiva, mas, em vista da provisão feita pela graça de Deus para o perdão de pecados, ela é contada como se o fosse”. Logo depois disto, ele diz que “a fé, no sistema cristão, é assim aceita por Deus no lugar da justiça perfeita que, no método legal, foi requerida para justificação”.

A esta reafirmação da antiga negação arminiana da imputação da justiça vicária de Cristo ao crente para justificação, aqui só se dará uma resposta sucinta. Uma é suficiente, se ela for verdadeira, como uma periõiração do co­ração é suficiente para destruir a vida. Uma construção autocontraditória das palavras “imputado para justiça” possivelmente não pode ser uma construção válida. A construção fomecida pelo Professor é autocontraditória; pois, em primeiro lugar, ela interpreta as palavras neste sentido: imputado como justiça, isto é, como sendo iüstiçã. Isto é óbvio à luz de sua própria ilustração, a saber, quando consideramos uma pessoa por sábia, consideramo-la como sábia. Mas, em segundo lugar, a construção interpreta as palavras neste sentido: imputado como se fosse, no lugar da ]vlSÚçsl, isto é, como não sendo justiça, e sim aceita a despeito do fato de que ela não o é. Estes dois elementos da construção são crassamente contraditórios entre si. Portanto, a construção propriamente, sen­

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do autocontraditória, não pode ser a verdadeira interpretação das palavras cri­ticamente importantes da inspiração - “imputado para justiça”.

Nem somos impedidos pela lei de meio excluído de aceitar como verdadei­ro um ou outro dos opostos envolvidos - a saber, a fé é imputada como sendo uma justiça real; a fé é imputada como uma suposta justiça no lugar de uma real. Porque, há duas outras suposições que não só podem ser feitas, mas que têm sido realmente mantidas. Uma é que nesta declaração a fé é metaforica­mente empregada para seu objeto, o qual é a justiça de Cristo como justificante. A outra é que a fé é imputada para, com o fim de se obter a justiça. Nenhuma destas interpretações se expõe à insuperável objeção, se opondo a cada uma dessas propostas pelo Professor, de fazer o apóstolo inspirado reduzir a nada seu próprio argumento no tocante à justificação, e violar todo o gênio, força e teor das Escrituras em relação a esse tema tão importante.

Se adotarmos uma ou outra destas interpretações, os ensinos católicos das Escrituras fazem uma coisa certa: que a fé não é a justiça que justifica, que a única justiça justificante é “a justiça de nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo”, o único Cumpridor da Lei, o único Substituto dos pobres, perdidos e desesperados pecadores; a quem, com o Pai das eternas mercês, e o Espírito de toda a graça, ao Deus para sempre bendito, seja a glória pela Igreja por todos os séculos e mundo sem fim. Amém.