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Camarinhas
As pérolasdo Atlânticoque dão sabore saúde
As camarinheiras são comoos animais: as fêmeasreproduzem-se e os machospolinizam, mas as camarinhas jáquase só existem na memória dosmais velhos. Pelo prazer e sabor
que proporcionam, mas tambémpelas suas qualidades saudáveise nutritivas, há uma equipa deinvestigadores da Universidade deCoimbra apostada em recuperá--las .José Augusto Moreira
• Já poucos se recordam das pe-quenas bagas brancas que eramvendidas junto às praias da zonaCentro e se comiam frescas, a parde tremoços ou pevides. O costumede fazer compota ou geleia estevetambém muito enraizado em algu-mas zonas costeiras, onde eramusadas em sobremesas e refrescos- e há até registo de receitas culi-nárias. As camarinhas já quase sósubsistem na memória dos maisvelhos, há muito que deixaram deser colhidas e estar à venda, mas há
um grupo de investigadores da Uni-versidade de Coimbra que as querresgatar. Pelo sabor e para bem danossa saúde.
A espécie selvagem está em viasde extinção e os estudos prelimi-nares confirmam as propriedadesantioxidantes que lhes eram atri-buídas, mas a ideia é ir mais aléme potenciar a camarinha como ali-mento saudável e nutritivo. "Esta-mos a iniciar pesquisas por outros
compostos bioactivos que apresen-
tem benefícios para a saúde e tudoaponta para que mantenham todas
essas qualidades, mesmo que co-zinhados ou processados", revelaAida Moreira da Silva, a investigado-ra do Departamento de Química daUniversidade de Coimbra responsá-vel pelo projecto científico, que di-
rige na companhia da colega MariaJoão Barroca.
A busca de novos ingredientes ali-mentares de plantas marítimas dámesmo o nome ao projecto, e comoestão também ligadas à licenciaturaem Gastronomia que é ministradapelo Politécnico e Escola de Hotela-ria e Turismo de Coimbra (a únicano país), a ideia é desafiar tambémos alunos a desenvolverem novosprodutos gastronómicos com basenas camarinhas.
A par da Unidade de Investiga-ção em Química-Física Molecularda Universidade de Coimbra, o
projecto envolve também a redeRequinte - que junta investigadoresda Universidade do Porto e da Nova
de Lisboa - e o Instituto Superiorde Agronomia. A ideia é detectare identificar nas camarinhas pro-priedades ou características bené-ficas para a saúde que se possamincorporar nos alimentos ou chegara novos produtos alimentares queas incorporem.
"O projecto foi aprovado no fi-nal de Julho e começámos logo ameter mãos â obra. Estamos aindaa repetir testes, mas as primeirasexperiências in vitro com extractode folhas da camarinheira e célu-las cancerígenas de um cancro docólon, mostraram um efeito anti-proliferativo, ou seja, sustiveram o
avanço do cancro", revela a coorde-nadora do projecto. Aida Moreira daSilva aponta também para um po-tencial de aproveitamento clínico,eventualmente em fármacos, mas ofoco do trabalho "é estudar infusõese outros usos culinários".
Com gratas recordações das ca-marinhas nos Verões da infâncianas praias de Mira e da Figueira da
Foz, a docente foi confrontada hácoisa de três anos com essas me-mórias numa viagem de trabalho à
Finlândia, onde colegas da universi-dade local apresentaram uma bagaidêntica, mas de cor roxa. Eram deuma outra variedade e a invocaçãodo valor nutritivo fê-la pensar emestudar as que por cá ainda resis-tem. Avançou com o projecto e can-didatura à FCT - Fundação para aCiência e Tecnologia, que o aprovoueste ano.
A camarinheira é uma espécieselvagem que cresce nos sistemasdunares e só existe na costa atlân-tica da Península Ibérica. Ou seja,apenas em Portugal e na Galiza.Caracteriza-se pela cor branca das
pequenas bagas de forma perfeita- a lembrar pérolas - que se apre-sentam maduras em finais de Agos-
to e Setembro. É a Corema álbum,diferente da Corema conradi - a
que viu na Finlândia -, que é decor roxa e existe no leste dos EUA.
O arbusto, que tem parecençascom o alecrim, tem também umafragrância muito particular que o
identifica, fazendo lembrar o mel."Vamos também iniciar agora os es-tudos e análises sobre os compostosvoláteis", diz Aida Moreira da Silvaa este respeito.
Em vias de extinção
Além do aspecto, as bagas têmum sabor adocicado que as tor-na particularmente saborosas emcombinação com a polpa resis-tente e a componente ácida quetambém revela quando rebenta naboca. Fazem lembrar as uvas debago pequeno e polpa mais dura,e pela combinação de sumo, açú-cares e acidez reúnem as caracte-rísticas de equilíbrio mais procu-radas para fazer um bom vinho.
Pelo sabor atractivo e valor nu-tritivo, tem havido já notícias deestudos e esforços no sentido de
promover o cultivo intensivo dacamarinheira. A questão é que nãoé ainda conhecida a sua estruturagenética e desconhece-se se isso se-
rá possível fora do seu habitat natu-ral - e por enquanto exclusivo - doscordões dunares da costa atlânticada Península.
Outra das características muitoparticulares é a de que este arbusto
apresenta sexos separados e só asfêmeas é que têm capacidade paraproduzir as bagas. Aos machos estáreservada a função polinizadora.A produção pequena, de poucosbagos por haste, é outro dos obs-táculos que ainda se apresentamcom vista ao seu cultivo como fru-to silvestre.
E, mesmo não fazendo parte dos
objectivos do estudo, a equipa daUniversidade de Coimbra está a ex-
perimentar também a sua plantaçãoem terrenos afastados do Atlântico."Plantaram-se alguns na zona nas-
cente de Coimbra, num terreno ele-vado, e para já o que observamosé que a planta resiste, embora commenos vigor e ainda sem dar fruto",expõe a coordenadora do projecto.
As bagas com que os investigado-res têm estado a trabalhar, e queguardam como verdadeira pérolasnas câmaras frigoríficas da unidade
de investigação, foram colhidas es-te Verão na zona da praia de Mira.É que, além de a planta estar emvias de extinção, uma das zonas demaior implantação é o litoral de Lei-ria, que foi fortemente afectado pe-los incêndios no ano passado.
"O que se nota é que as plantasestão a renascer em força e primei-ro que a restante vegetação, o quemostra ser uma planta de grandevigor", explica a coordenadora,adiantando que para a prossecu-ção dos estudos lhes foi disponibi-lizada uma área bastante povoada.Um campo de estudo com cerca dedois hectares na zona da praia dos
Palheiros, na Tocha, que o proprie-tário pôs à disposição da equipa.
Financiado pela Fundação Ci-ência e Tecnologia como Projectode Investigação Científica e Desen-volvimento Tecnológico, o estudodas camarinhas tem como objec-tivo explorar as suas qualidadesnutritivas para o desenvolvimentode novos ingredientes alimentaresfuncionais. No âmbito da procurade novos ingredientes alimenta-res de plantas marítimas, a mesmaequipa realizou já estudos idênticoscom a salicórnia, que conduziramà produção de pão e bolachas quedispensam a utilização do sal.