Caminhos do Amor (psicografia Chico Xavier - espírito Maria Dolores)

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CAMINHOS DO AMORFRANCISCO CNDIDO XAVIER Ditado pelo Esprito Maria Dolores

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INDICE CAMINHOS DO AMOR

O Palhao Drama Paterno O Semeador Do Bem Se Te Dizes Um Caso Da Vida Segue E Confia Em Deus Aparncias Orao Pelos Benfeitores Transformao Recado Da F Ato De Gratido Refgio O Amigo Leal De Mos Unidas Gratido E Alegria Segue Adiante O Caminho Do Alto Anotao Em Caminho Campanha Da Beno Frio Misso De Mulher Abrigo Ideal Manchete Cantiga Na Seara Pgina s Mes Prece De Gratido Diariamente Todos Ns Sai De Ti Mesmo Dor E Progresso Vida E Palavra E Falas-Me Do Tempo

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O PALHAOMaria Dolores

O pblico aplaude e vibra, A orquestra muda o compasso, o nmero do palhao, Zombaria e sensao... Arlequim no picadeiro, Transmite alegres piadas, Repetem-se as gargalhadas Em fantstica exploso.

Depois de frases picantes, Ornadas de fantasia, Comenta os fatos do dia, Que demonstra conhecer; Toda a platia se esbalda Contente e desinibida... Aquele artista da vida o campeo do prazer.

O espetculo termina, O cmico galhofeiro Ganhava muito dinheiro E ele se punha a pensar: - Agora, o regresso casa,

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Quero ver como se sente Minha filhinha doente, O corao de meu lar...

Ele volta. A casa humilde Revela-se iluminada, De alma opressa e amedrontada, A tremer, transpe a porta... E ele, o palhao famoso, Que rira e agradara tanto, Num quarto, acha a esposa em pranto,

Carregando a filha morta.

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DRAMA PATERNOMaria Dolores

Era um homem de bem, dono de um lar feliz; Recebera da vida tudo quanto quis: Uma esposa distinta, uma vultosa herana, Um filho, - um filho s que lhe trouxera vida Uma nora querida E um neto que lhe abria um mundo de esperana.

Tudo era cu azul, no entanto, um dia, a morte, Sem o menor aviso, Num tremendo improviso, Arrebatou-lhe a esposa nobre e forte. E, desde ento, Ele sentiu sangrar-lhe o corao.

Tangido pela dor, Chamou o filho em confidncia, O filho em que encontrava o apoio da existncia, E entregou-lhe em confiana, De modo comovente,

Tudo o que se lhe erguia em propriedade Documentadamente: As lojas da cidade,

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A formoso vivenda Na qual fizera o prprio lar, A casa grande da fazenda, Terras, benfeitorias, As aes em diversas companhias E os crditos em bancos... Depois, falou ao filho em termos francos: - Filho, sem tua me j no tenho mais vida... Tudo o que nosso teu... Sou algum a morrer com tarefa cumprida. Rogo que me reserves to-somente Um quarto independente, Em nossa prpria casa Onde eu possa viver Na saudade terrvel que me arrasa...

O moo agradeceu, sorriu e, aps uma semana, Deu ao pai, afinal, Um estreito recanto, oculto no quintal, Por nova moradia; Um telheiro a cair que ele devia Atingir atravs de porta lateral O pai no se queixou, mas um tanto humilhado, Instalou-se no quarto, insalubre e isolado. Em seguida notou, admirado e atento, O filho transformado, A demonstrar

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Grave mudana de comportamento.

A manso familiar perdera a paz antiga, Noite a noite, era festa, entre jogos de azar, Insultos e baldes, ostentaes e briga, Estranhas situaes Que o triste genitor no podia evitar.

Comeou para ele, alma limpa e sincera, Um modo de viver que no quisera. Quando caa a noite, ei-lo em longas passadas... Ia em busca de antigos companheiros, Para escutar de novo, histrias relembradas De inesquecveis parelheiros Seguindo ces velozes nas caadas... Um clice de aniz, em dado instante, Tornava a maioria mais falante; Ele, sbrio, porm, s bebia gua pura, gua simples usada sem mistura... Tarde, voltava ele, a passo lento, No desejava ver o filho amado, Em tresloucado movimento.

Nunca bebera alcolicos e adendos, Entretanto, os vizinhos Para ele inventaram Casos injuriosos e escarninhos.

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O filho j tratava o pai por beberro Na base de calnia e palavro.

Certa manh, o moo orgulhoso e excitado, Vara o quarto do pai, a fim de repreend-lo... Ele est debruado Sobre mesa pequena, A revelar enorme desmazelo.

Grita-lhe o filho irado: - Chega, velho infeliz, Estou certo de tudo o que se diz, J conheo esta cena: Bbado at agora! Vou remov-lo sem demora, No mais o quero aqui, Nada posso fazer, nem respondo por si... More onde quiser, com qualquer companhia, Nas espeluncas da periferia. Arranje, agora mesmo, a sua mala e suma!... A minha tolerncia est no fim, No quero v-lo, em parte alguma, Afaste-se de mim... De hoje em diante, fuja de meu lado, No mais aceito um pai embriagado... Levante-se, converse, venho ouvi-lo Na nova condio de bbado de asilo!...

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No entanto, o interpelado Continuava debruado Sobre mesa pequena...

Arremessa-lhe o moo uma palavra obscena... Logo aps, ostentando falso brio, Toca no genitor E v que ele se encontra enrijecido e frio... S ento o rapaz sob espanto indizvel Desfere um grito horrvel...

Chorando em desespero e desconforto,

O filho descobriu que o pai estava morto.

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O SEMEADOR DO BEMMaria Dolores

Arar, moldando a gleba empedrada e agressiva, Erguer-se, sol a sol, na tarefa cativa, Servindo por amor, ignorando a quem... Doar tempo, esperana, fora e vida, Embora suportando a alma ferida Na lavoura do bem.

Impedir que o servio retrograde Ouvir de longe o vento e a tempestade De ciclones irados a cair... E proteger as sementeiras novas Contra o furor de semelhantes provas A fim de que produzam no porvir...

Sofre insnia e anseio, de alma em chaga, Ante os calhaus da senda em que a idia se esmaga Na defesa da frgil plantao; Ouvir e desculpar, sofreando-se a custo, O sarcasmo cruel do menosprezo injusto De quem no cr na prpria elevao... No entanto, semeador, prossegue enquanto dia, Entoa no trabalho as canes da alegria Ao ritmo da f que te apia e conduz;

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E, aps o anoitecer, nas oraes que levas, Contemplars, Alm, abrindo-se nas trevas

O sereno esplendor da Seara de Luz.

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SE TE DIZESMaria Dolores

Se te dizes to pobre, alma querida, Que nada tens a dar Para contribuir na construo do Amor, Oferece no prato da humildade A tua dor Nos tropeos da vida, Em favor dos irmos de nossa prpria estrada, Recordando esta mesa, Terna e sacrificada, Que foi rvore em flor, brilho da natureza, E se deixou serrar para servir De apoio s novas preces, Sofrendo humilhaes que desconheces, Nobre e formoso lenho, Cuja bondade no mereo, De maneira a expressar-te o meu apreo, Nas palavras humlimas que tenho...

Se te dizes com tanta imperfeio Que no consegues trabalhar Em nossa prpria redeno, Olvidando o teu dom de agir No socorro a quem chora,

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Fita uma das lmpadas, frente, Fabricada sem pompa e sem grandeza, Que, aceitando viver em disciplina, Vive ligada usina, Faz-se flmula acesa, Estrela maternal, Que nos serve e ilumina, A fim de que vejamos Toda e qualquer lio que nos eleva, Procurando mais luz que nos livre da treva.

Se te dizes no tempo, em tamanho cansao Que no podes ser til a ningum, Contempla o cho que nos mantm E se deixou cercar Para que a nossa idia tenha um lar. Cho que faixa de terra em estreito pedao, Que suportou enxadas e tratores, Lamentando perder o seus lauris de flores E a msica dos ninhos Que lhe vinha da voz dos passarinhos, Em troca de verdura e acolhimento, Cho que prossegue sempre esquecido e pisado, Prestimoso e calado, Qual benfeitor sem voz, Que nunca reclamou salrio junto a ns.

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Nunca digas impossvel.

no

posso,

eu

no

tenho,

Seja qual for o nvel Que a existncia te d, Alma querida, vem!... Vem estender conosco a Seara do Bem,

Deus te utilizar.

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UM CASO DA VIDAMaria Dolores

Perante vinte alunos reunidos, O professor convidou, conselheiral:

- Apressem-se rapazes! Sigamos para a luta contra o mal.

Conheceremos hoje um menor, bandido dos bandidos, o famoso P Ligeiro... Jovem falcatrueiro, Que no tem mais que dezessete anos E j se fez autor de crimes desumanos. Um amigo delegado J nos comunicou que ele foi baleado Pelo dono de nobre moradia; Ns que nos dedicamos ao Direito Devemos dissecar Qualquer problema que interesse a vida. Registremos o assunto: Aqui e alm, nos arredores, Ampliam-se os delitos de menores... Por que tantos meninos delinqentes? Taras congeniais? Leituras negativas? Maus tempos sobre a Terra, com a infncia trazendo horrendas iniciativas

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Ou descaso de pais indiferentes? Sabemos que o rapaz foi alvejado, Quando furtava jias e dinheiro. Agora, est na Deteno. Entretanto, sabemos, de antemo, Que o meliante Mostra extrema exausto, Esperando-se dele a morte; a cada instante.

O Professor fez pausa, Depois voltou a comentar: - Creio que poderemos estudar Certas lies do mundo em P Ligeiro, Se ele estiver falando, J que foi baleado e est fora do bando.

Nesse clima de franca indagao O grupo aconchegado, Aps cumprimentar o delegado, Rene-se, de novo, em hmido salo.

P Ligeiro, - explicou a autoridade, Est no fim... Fatigado e ferido, Nada lhe estanca o sangue... Chora, mais abatido, No sei se ele agentara qualquer conversao...

Dois soldados trouxeram-no na maca.

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Era um rapaz franzino, Temvel delinqente em corpo de menino... No entanto, frente dele, o professor estaca; Ante o moo a morrer, plido e maltrapilho, Reconhecera ele o prprio filho...

Pai! disse o ferido em voz dorida e fraca... Trmulo e acabrunhado, O guia dos alunos respondeu: - Pois voc, meu filho, assim cado? O famoso bandido? O rapaz replicou: - Eu, Eu sei que estou perdido... H mais de nove anos, Desde quando o senhor deixou a nossa casa, Tenho vivido por a... Matei, roubei, bebi, Fiquei desorientado... Mas agora j sei que estou no fim, No h mais esperanas para mim...

Depois da longa pausa que se fez, Voltou-se o professor e falou-lhe outra vez: - Que quer voc, meu filho, que se faa? - Quero ver minha me... pediu o interpelado.

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O professor uniu-se autoridade E esclareceu, disfarando o prprio acanhamento: - H tempos, anos bem antes de meu casamento, Tive um caso infeliz, um lao antigo; Uma jovem de vida irregular Deu-me dois filhos, mas depois Veio a separao entre ns dois... Logo aps, avisou, que a mulher Sobre a qual o rapaz se referia, Morava, longe, na periferia, A cavaleiro da cidade...

Mas um carro ganhou distncia e tempo...

Em minutos chegou a me desconsolada Trajando roupa remendada; Abeirou-se ao pobre agonizante E exclamou: - Ah! meu filho, meu filho, Eu pressentia Que a sua estrada assim terminaria!... Ele fitou-a, triste, e murmurou, cansado: - Perdoe, mame! Eu fui o P Ligeiro Mas fui sem companheiro!... A pobre sem fitar a mais ningum na sala Beijou o agonizante e disse: - Diga, filho, Que deseja voc de mim, na angstia desta hora? Ele coloca o olhar no rosto da senhora

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E pede-lhe, por fim: - Me, eu quero Jesus, Pea a Deus por mim!... Ela compreendeu que o filho na lembrana Recordava-lhe as preces Que ela mesma lhe dera ao tempo de criana... Ajoelhou-se a pobre e murmurou, em pranto: - Fale, filho, Jesus!... Nosso Mestre e Senhor, D-nos de tua luz, Perdoa as nossas faltas E d-nos teu amor!...

Mas o filho, ao ouvi-la, adormecera... Dera-lhe a morte ao rosto estranha cor de cera.

E eu mesma, dominada de emoo, A chorar, repetia a expressiva orao: - Jesus!... Nosso Mestre e Senhor, D-nos a tua luz, Perdoa as nossas faltas

E d-nos teu amor!...

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SEGUE E CONFIA EM DEUSMaria Dolores

No te digas a ss, nas urzes do caminho, Que Deus nunca te enxerga o corao sozinho E que ningum te escuta os gritos de aflio!... Deus o Amor Eterno que assegura A existncia de toda criatura, Dos seres do abissal aos astros da amplido.

Observa o lugar em que transitas... Qualquer vida que vs, uma por uma, Levanta-se do Amor, em toda parte, De modo a que no falte amor em parte alguma.

Ainda hoje, varando um campo agreste, Vi pobre coelho e um homem de espingarda; O pequeno animal em correria Viu no cho que se abria A furna inesperada, Por onde se escondeu, arfando de alegria, Qual soldado, num pouso de vanguarda, Fugindo ao caador que o mataria;

Alguns passos a mais e encontrei charco imenso, Escravizado inrcia entre barrancos

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Que a Bondade do Cu enfeitara em silncio, Com grinaldas de verde ornando lrios brancos; Mais adiante, achei, enternecida, Singela fonte a dar-se com brandura E junto ela um doente estacara, De mos em concha, a sorver a gua pura.

Descobri, mais frente, um tronco morto, Cuja desolao e desconforto, Muito embora de p, ele expunha por si; E, no topo, eis que um pssaro em descanso, Cantava, belo e nobre, em doce acento, Que se falasse a Deus, fitando o firmamento: - Bem-te-vi!... Bem-te-vi...

Assim tambm, alma querida e boa, No desanimes, age! Nem te ofendas, perdoa!... A vida est repleta em todos os lugares De sbias providncias tutelares.

Da Terra Altura Imensa, em sublime asceno, Temos refgio, paz e segurana, Em que o Cu nos alcana, A doar-nos apoio ao corao!...

Apaga o mal com o bem, servindo, dia-a-dia; Nunca nos faltaro amados cireneus;

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Sofre e chora, porm, ama, serve e auxilia,

Segue e confia em Deus!...

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APARNCIASMaria Dolores

No julgues, nem recrimines Irmos que vs em festana, s vezes, quem grita e dana, No auge da exaltao, Tem no peito atormentado Um vaso de fogo lento, Argila de sofrimento Em forma de corao.

Esse homem que se agita, Em gestos de embriagado, um amigo abandonado Pela esposa que o no quer... Possui filhinhos chorosos, Rogando a materna estima, um palhao que lastima A desero da mulher.

Aquela jovem que passa, Gingando, descontrada, quase pobre suicida Pelas angstias que traz, Quis ser livre sem trabalho,

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Mas correu e caiu fundo, Nos desencantos do mundo, Entre os quais sofre sem paz.

Outro transporta consigo Amarga doena oculta; Em outro, o que mais avulta a roupagem de esplendor; No entanto, o que mais sente Nas exploses de alegria, a solido que irradia A triste fome de amor.

Nunca reproves. Respeita. Eu tambm nos tempos idos, Cantei, guardando gemidos, Lamentando os erros meus!... s vezes, quem grita e ginga, Tangendo guisos por fora, Por dentro algum que chora

Buscando a bno de Deus.

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ORAO PELOS BENFEITORESMaria Dolores

Deus da Imensa Bondade, J sabemos, Senhor, Que no falta a ningum A luz de teu amor.

Reconhecemos, entretanto, Que no podemos trabalhar a ss. Por isso, te pedimos Bondade e proteo Para todos aqueles companheiros Que se lembram de ns, Que se nos fazem benfeitores, Estendendo-nos braos protetores.

Sem que nada peamos, Eles nos trazem vida e estmulo ao trabalho, Cooperao, socorro, alimento e agasalho Para servir, por onde vamos...

D-nos, Senhor, mais fora, a fim de agirmos, Tanto quanto possvel, por ns mesmos, No apoio aos semelhantes, Em todos os instantes,

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Mas auxilia a quem nos auxilia, De modo a sermos teis, dia-a-dia...

Deus da Imensa Bondade Abenoa e protege aos nossos benfeitores Por tudo o que nos do, Que eles tenham de ti, sade, luz e flores,

Conservando-te a paz no corao.

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TRANSFORMAOMaria Dolores

Desencantado, quanto prpria vida, Resolvera, agitado, Colocar todo escrpulo de lado E fazer-se suicida.

Cara a noite muito fria E ele pensava: De que lhe valeria Tanta posse que, h muito, desfrutava? De que lhe serviria A bela moradia, Tocada de supremo reconforto, Se trazia no peito O corao cansado e semi-morto?

Vivia desgostoso e insatisfeito...

A esposa o abandonara Com sinais evidentes de loucura E arrancara-lhe a filha Que lhe era to cara Para o campo de sombra e de aventura...

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Dizendo adeus aos mimos familiares, Deixou o prprio carro e demandou a rua; Queria caminhar com os seus prprios pesares E seguiu, sob a noite fria e escura, No intuito de alcanar antiga ponte, De seu conhecimento, Que se lhe erguia agora, em desafio Para a liquidao de todo sofrimento Ante a morte no rio...

No havia avanado muitos metros, Quando ouviu na calada A voz de pobre me agoniada: - Senhor, salve meu filho, Por amor a Jesus, e lhe rogo socorro... Parou, vendo a mulher e a criana doente, Tendo a pedra por leito e a marquise por forro... Tateou o pequeno Que lhe enviava o olhar quase sem brilho E entendeu num instante Que o menino lutava contra a morte, Sob a pneumonia fulminante.

Cedeu farta moeda me aflita E depois de chamar por txi vizinho, Instalou me e filho com carinho No carro que os levasse ao prximo hospital.

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Que lhe importava agora o ouro da carteira, Se admitia estar na hora derradeira?

No dera muitos passos E encontrou um ancio deitado a um canto, A lhe pedir em voz recortada de pranto: Uma esmola, senhor! Um caf que me aquea!... Deus lhe dar em dobro o bem que me fizer...

Entregou ao pedinte uma certa quantia E ao notar-lhe a alegria, Indagou espontneo: - O Senhor tem famlia? E o velhinho falou, de olhar vago e incomum: - Esse luxo, hoje em dia, no me cabe, No sei se o senhor sabe Que um mendigo no tem parente algum. E pondo-se de p, A erguer-se devagar, Arrastou-se, pensando no caf, procura de um bar...

O nosso companheiro Continuou a caminhar; Surgia a ponte vista, Mas na parte de cima havia muita gente Dedicada ao lazer.

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Ele, surpreendido e descontente, gil, ps-se a descer, Buscando a solido das grandes guas Para a extino de suas prprias mgoas...

Mas nisso, foi detido, Por um colega conhecido Que lhe informou com gentileza: - Amigo, mais prudncia, H sob a ponte enorme delinqncia; Dizem por a por baixo h cenas revoltantes De foragidos e assaltantes E sei que sob a guarda de uma bruxa Moram juntos a, dois terrveis bandidos, Claramente escondidos...

O interpelado agradeceu E disfarou dizendo estar ali somente busca de um parente.

Atingindo, porm, o local que buscava Viu tristes mos ao seio aconchegando Criancinhas em bando A chorarem com frio... J no mais contemplou a vastido do rio E passou a estudar O apoio que lhes era necessrio.

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Examinando o ambiente Divisou de repente Um pequeno recanto solitrio

Qual barraca formada de improviso... Avanou para l, mas tristonha senhora Disse-lhe em alta voz: - Senhor, no se aproxime!... Ele obtemperou: - Corre-se aqui o risco de algum crime? A velhinha, no entanto, respondeu: - No, senhor!... que eu Tenho comigo aqui meus dois filhos leprosos, Quis somente avis-lo... O senhor, entretanto, pode v-los.

Ele fitou os jovens deformados, As feridas em sangue entre os cabelos, A pele em chaga, as magras mos A sorrirem na prova que sem dedos os feria Demonstrando, decerto, A valorizao da prpria luta, No fel do dia-a-dia.

Ah!... refletiu seriam eles Os estranhos segredos Que se ocultavam sob a ponte antiga, Ante os cuidados da mendiga...

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Ao sentir, de to perto, o sofrimento, Mudou-se-lhe, de chofre, o pensamento...

Medita, sob a angstia que o invade: Por que morrer, chorando a esposa e a filha, Se elas duas Apenas lhe pediam a liberdade? Por que aniquilar-se, inultimente, Se podia amparar a tanta gente? Por que menosprezar a vida alheia?

Ento, ajoelhou-se sob a areia, Orando a soluar... O rio parecia acompanhar Os gemidos que o homem desferia... E, como a expulsar de si, em tremenda agonia, A prpria dor que atingira apogeus, Relegou o suicdio s sombras do passado E gritou, renovado:

- Obrigado, meu Deus!...

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RECADO DA FMaria Dolores

No permitas que a dor te desanime, Chora, mas serve, Sofre, mas perdoa, Provao buril que nos aperfeioa, Ensejo de aprender que se nos d!...

Se erraste, recomea, Ergue-te, se caste, Segue sem reclamar; Cala-te e avana... De ps sangrando, embora, Arrima-te esperana!

Deus te sustentar.

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ATO DE GRATIDOMaria Dolores

A minha gratido franca e profunda tudo o que te oferto, alma querida, No doce regozijo que me inunda, Por todo o amparo que me deste vida.

Notaste a provao em meus caminhos E estendeste-me as mos ternas e generosas, Como quem faz do chavascal de espinhos Um tapete de rosas.

Nada olvidaste para o meu alento... Seguindo a minha dor de cada dia, Trouxeste, com grandeza, penria que enfrento, Proteo e agasalho, assistncia e alegria.

Enxugaste-me o pranto da tristeza, Em tua prpria f que me avigora, Recordando em minhalma a luz acesa, Quando a sombra se esvai ao contato da aurora.

Fizeste mais... Quiseste, junto a mim, O jbilo constante em presena dourada, Com carcias de fonte e encantos de jardim

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Para quem me partilhe as fadigas da estrada.

A fim de renovar-me o pensamento imerso No turbilho de fel que tanta vez me alcana, Falaste-me de amor, ante as Leis do Universo, Elevando-me o ser s bnos da esperana.

Por tudo te agradeo, alma formosa e amiga, Nos empeos e pedras que transponho, Encontro em ti o apoio que me abriga, A bondade em resposta s nsias de meu sonho...

Mas acima de tudo, a ti me entrego, Na extrema gratido, por onde vou, Porque entendes as lutas que carrego

E aceitaste-me a vida como eu sou.

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REFGIOMaria Dolores

s vezes, dizes, corao amigo: - Como guardar-me em paz, na agitao do mundo? Tanto fel ao redor!... Tanta gente em perigo!... Tantas tribulaes sem que se saiba, a fundo, De que modo evitar a invaso desmedida Das nuvens de aflio que atormentam a vida!...

E contigo outras almas no caminho Padecem sob o impacto violento Das lminas brutais do sofrimento Que lhes ferem o ser, desolado e sozinho...

Aqui, algum lastima um corao querido Que ficou para trs, exnime e cado Em trgicos enganos; Ali tombam, a golpes desumanos Dos chamados engenhos do progresso, Existncias repletas de esperana, Ante as brechas de sombra em que a morte se lana Entre o ouro e o sucesso...

Dos recursos plebeus aos valores mais altos, sobram as provaes que chegam, de imprevisto,

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No clamoroso misto De seqestros e assaltos.

Nos lares em geral, sob mltiplos nveis, As desvinculaes de pessoas amadas So leses e feridas desatadas Para as almas sensveis.

Assemelha-se a Terra nave firme e atenta, Sob rude tormenta.

Entretanto, alma boa, Em plena luta que te aperfeioa, Podes deter a paz contigo, estrada afora, Prendendo-te ao dever que em tudo nos melhora.

Todo trabalho so lcido recanto Que se nos faz refgio aprazvel e santo.

Um lar para servir, Um filho a proteger, A nobre preleo enviada ao porvir, A pgina a escrever, Um doente a zelar, O trecho musical que se tem a compor, O campo a cultivar E o servio do bem que mensagem de amor...

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Tudo isso, na terra, cobertura, Sustentando o equilbrio da criatura.

Se buscas, em verdade, a paz, no dia-a-dia, Coloca a tua fonte de alegria E todos os impulsos que so teus No trabalho que o mundo te confia

Porque o trabalho sempre uma Bno de Deus.

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O AMIGO LEALMaria Dolores

Falvamos de afeto e ligaes humanas, Destacando unies formosas e ideais, Tanto quanto anotando atitudes insanas Que, muita vez, transpiram De casos passionais, Quando um amigo afvel e sizudo, Que nos seguia o estudo, Exclamou para ns, de modo convincente:

- Tudo quanto dizes verdade inconteste Sobre os entes queridos que lembrais, Entretanto, igualmente, Se falamos de amor, preciso se ateste O amor dos animais.

E como se tivesse ali, de lado, O passado recente, Contou, emocionado: - Em minhas lides de engenheiro, Fui, certa vez, designado Para servios na fronteira; Levei comigo a companheira, O pequeno filhinho, -

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- um garoto de aninho, E o nosso velho co policial Que recebera, em nossa companhia, O nome de Leal. No trabalho incessante em que me via, Fosse qual fosse o ambiente, Possua em Leal o co valente Que nos guardava a casa, dia-a-dia; Ensinei-o a velar por nosso pequenino E dedicou-se o co, de tal maneira, Que mantinha ateno, semana inteira, Entre a porta do quarto e o bero do menino. Morvamos, ento, no agreste bravo... Achavam-se, no longe, algumas feras; Era o lobo e, alm dele, era o jaguar, A rondarem malocas e taperas... Necessrio, porm, agir e trabalhar, Orientando a agrimensura. Tinha sempre dois homens, de vigia, Na defesa do lar, Junto de atenciosa governanta. Minha esposa saa Algumas vezes para compras justas, Usando o nosso jipe reforado Para atingir pequeno povoado...

O narrador fez pausa e tornou, em seguida,

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Expressando-se em voz mais comovida: - Certo dia de ao com mais ampla demora Voltei ao lar, mais tarde... Noite escura... Ausentara-se a esposa e a governanta Atendia, em conversa, um tanto l por fora, A diversos parentes Que, por certo, lhe vinham procura... Os vigias andavam pela brenha Buscando para ns Alguns feixes de lenha... Acompanhado de um amigo, Ansioso, ouvi a voz De meu filhinho em algazarra... Naquele choro de pavor, Pressentia perigo Francamente, a gelar-me... Em vo, tentei fazer qualquer alarme; O companheiro me seguia, Enquanto, em minha inquietao, S escutava a gritaria Do filhinho a cortar-me o corao... Varei a porta aberta Da habitao que vi claramente deserta... Foi, ento, que a tremer, desorientado, Vi o co a correr para junto de ns; Leal se nos mostrava, ensanguentado... Mancando, ele gania,

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No sei se de loucura ou de agonia...

O companheiro disse a mim: - O co est zangado, d-lhe o fim, preciso afast-lo, sem tardana, Deve ter atacado a indefesa criana.

Tomado de terror, atirei sobre o co, E, ganhando os recessos do aposento, Vi meu filhinho salvo, aconchegado ao leito, Sem qualquer sofrimento, Mas um jaguar jazia, ali no cho, Certamente abatido por Leal. O co, com segurana e eficincia, Liquidara, afinal, A fera perigosa Que penetrara em nossa residncia.

Com meu filho nos braos Retornei presena de meu co; Ansiava mostrar-lhe a nossa gratido, Mas Leal enviou-me um derradeiro olhar... Sufocado pela dor, nada pude falar. No instante de morrer, no terrvel revs, Leal ainda arrastou-se com cuidado Para beijar-me os ps!...

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Calou-se o narrador, Sob o peso cruel da prpria dor. Depois, disse a chorar: - Neste Infinito Espao em que habitamos, Deve haver um lugar Que acolha os animais, Amigos quase humanos, Em plena evoluo, busca de outros planos... Sempre aceitei os ces por nossos cireneus, Os animais tambm so criaturas de Deus...

Aquela histria viva, Que ouvramos, ali, de nimo atento, Fez o ponto final de nosso entendimento.

No entanto, o companheiro, Que nos falava de Leal, Fitava o Azul Imenso, a Ptria Universal, E, qual se transmitisse um sublime recado Ao prprio corao, Clamava, consternado: - Deus no me negar resposta constante orao...

Hei de achar o meu co!... Hei de achar o meu co!...

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DE MOS UNIDASMaria Dolores

No temas, alma querida!... O vendaval que se escuta a Terra que vibra em luta Nos dias de transio... Prossegue, ao claro da f, Varando os campos sombrios E os tremendos desafios Que agitam a multido.

Aqui se fala de guerra, Ali, dio avanando, Alm, as provas em bando Arrancam duro clamor!... Entretanto, continua De nimo firme e atento, Plantando, em cada momento, A paz que precede o amor.

S o ouvido em que se extingue A gritaria do insulto, A fora do brao oculto Que serve sem reclamar... S a palavra calmante

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Em que a discrdia termina, A compreenso que ilumina Em qualquer tempo e lugar.

Prossegue, trabalha, aprende, Age e auxilia, alma boa, Se algum te fere, perdoa, Ante as trevas faze luz!... No vais a ss... Muitos somos... E na imensa caravana De socorro vida humana

O Guia Excelso Jesus.

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GRATIDO E ALEGRIAMaria Dolores

Almas de bno, arte, melodia, Que do Gnio formais a exaltao da luz, Partilhamos convosco a paz que se irradia Do vosso festival que recorda Jesus.

H quem diga que a f, por sim, guarda e revela Ansiedade e tristeza no semblante, Expectao de angstia ou sentinela, Mas toda idia em Cristo jbilo constante.

Ei-lo que nasce numa noite em festa Mesclada de clares renovadores, Uma estrela lhe guarda a pousada modesta Enlaam-se as canes dos anjos e pastores.

Inicia o divino apostolado No brilho de simblico momento; Recordamos Can, no lar maravilhado Numa consagrao de casamento.

E lanando o Evangelho, em notas de alegria, Ante o povo a escut-lo de surpresa, sempre mais amor, a cada novo dia,

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Em molduras de Cu e Natureza.

Transmitindo a esperana, em sentido profundo, Perante a multido que ele mesmo arrebanha, Modifica, na base, os destinos do mundo, Nas lies imortais do Sermo da Montanha.

E alm da prpria hora derradeira, Qual se a Terra lhe visse o estranho fim, Traz a renovao da Terra inteira, Pela ressurreio ao sol de formoso jardim.

Guarde-nos Deus por nobres diretrizes A caridade e a paz, como as sabeis compor; Bendita a festa em que mostrais felizes

A alegria de Cristo e a presena do amor.

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SEGUE ADIANTEMaria Dolores

Alma querida, s vezes te lamentas, Vertendo pranto amargo s escondidas... Sofres, na solido, as horas lentas De quem busca no arquivo das lembranas Abrir de novo chagas esquecidas.

E padeces em vo e em vo te cansas, Sob a angstia mortal com que te importas... Mgoas passadas, lutas, cicatrizes, Recordaes de instantes infelizes Nas quais te desconfortas.

Entretanto, alma boa, Se algum se te fez causa de amargura, Segue frente e perdoa... No te detenhas na clausura Do pranto intil que te desarvora.

Mesmo de corao alquebrado e sozinho Procura compreender Que alm de cada noite no caminho Haver sempre um novo amanhecer.

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No tentes reaver Os dolos tombados sob o vento Do desengano, erguido em sofrimento, Que j varaste pela estrada afora.

Se a semente fugisse De suportar a morte em seu prprio reduto, Que seria da planta a levantar-se eleita? E se a flor no casse Que seria do fruto Destinado a manter a vida na colheita? Se a fonte receasse A pedreira de lminas que a corta E, s sbitas, parasse, Todo campo traria sobre a face Um charco de gua morta.

Assim tambm, alma sempre querida, No te entregues sombra e solido, A fim de lastimar os desgostos da vida...

Segue adiante e vers Quanta gente a esperar-te o corao Suplicando-te apoio, afeto e paz, Quantas almas lutando a esmolar-te esperana, Quanta desolao, quanto lamento, Quanta crena a tremer na insegurana,

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Quanta angstia a rogar-te o alvio de um momento!...

Alma fraterna, escuta, No desprezes a f, nem desistas da luta, Esquece-te e prossegue, ama, eleva e auxilia!...

Dor bno do Cu que nos conduz A caminhar servindo, dia a dia... Por ela encontrars chorando de alegria

A grandeza do Amor na vitria da Luz!...

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O CAMINHO DO ALTOMaria Dolores

Escuta, alma querida, Quando a prova te alcana E o sofrimento te golpeia a vida, Impondo-te cansao e insegurana; Quando a aflio te cerca e te subjuga, Portas a dentro de teu prprio ser, Sem apelos fuga Em que te possas esconder, Indagas, quase sempre, De nimo frustrado Revelando revolta amarga e triste: - Se Deus Amor Eterno e Ilimitado, Por que razo a dor existe? Por que ao sonho se seguem, com freqncia, O fel, o desengano, a desventura Que nos induzem a existncia Ao vasto espinheiral Em que a nossa esperana se enclausura?

E guardando-te, a ss, sob angstia mortal, Certas vezes, de anseio em desalinho, Quererias fugir de teu prprio caminho...

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Entretanto, alma boa, Se algo te feriu, no te agastes, perdoa... E, sobretudo, raciocina Que a dor lembra o esmeril da Lei Divina Que, em nos tocando, nos aperfeioa.

Tudo o que te garante o prprio alento Passou por disciplina e sofrimento Sem que a ovelha aceitasse os golpes da tosquia, No teria a l que te guarda o calor; Sem que a minrio padecesse um dia O fogo abrasador, No dispunhas da casa, em fina arquitetura, Sobre vigas leais de slida estrutura; Sem rvores tombando, a rude corte, Nas fruas na prpria residncia O ambiente ideal em que se te conforte A energia precisa s lutas da existncia; A dentes de serrote, a natureza Formou, em teu auxlio, o refgio da mesa, E o trigo que passou pela triturao, Em qualquer tempo, a base de teu po.

No acuses a dor que te procura A fim de preparar-te a grandeza futura, Sem ela que nos frena e regenera, Estaramos ns, provavelmente,

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Na condio da fera Sob a selvageria permanente.

Por fim, alma querida, considera: De heris que j tivemos, Almas gigantes na sabedoria, Coraes a brilhar, nos pices supremos Da beleza imortal que se irradia Dos tesouros do amor; De todos os apstolos da Histria Que apontaram a Vida Superior De que o mundo conserva algum indcio, Aquele que nos deu, constantemente, O sentido da dor Por fonte renascente De asceno e nobreza, vida e luz, Com bases sobre o prprio sacrifcio,

Esse heri foi Jesus.

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ANOTAO EM CAMINHOMaria Dolores

Sob os riscos da jornada Na vereda transformada Em sombra pedindo luz, Recorda que, em tuas mos, No amparo aos prprios irmos, Brilha o ideal de Jesus.

Age, auxilia, perdoa... Na essncia, em toda pessoa, O Amor plantado produz: Essa semente divina, Se cultivada germina Para servir com Jesus.

Dores, mgoas, desenganos So instrumentos humanos Formando as bnos da cruz De vida, esperana e paz, Pela qual encontrars A redeno com Jesus.

Corao, no vais sozinho, Entre as pedras do caminho,

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A que o servio faz jus; No trabalho e no perigo, Guarda esta nota contigo:

- O companheiro Jesus.

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CAMPANHA DA BENOMaria Dolores

A campanha continua: A caridade em trabalho, O po, o teto, o agasalho E a frase de luz a expor... Os Mensageiros da Bno Retornam do Cu em bando, A cada um convidando Para a seara do amor.

Em nossos campos de ao, Nos mais estranhos caminhos, Ciladas, pedras e espinhos So entraves como so... Vem s tarefas do auxlio, Qualquer pea de consumo Serve aos que avanam sem rumo Calcando as urzes do cho.

Em outras faixas de vida, Eis que a treva se condensa Nos enganos da descrena Que s desditas produz; Fala o verbo que alimente

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O amor que jamais se cansa. Planta consolo e esperana, Espalha bondade e luz.

Olvida ndoas e chagas, Se a provao te aguilhoa, Trabalha, serve e perdoa, Guarda a f que te mantm. Se algo te fere, silncio!... Deixa o mal na sombra externa, Deus sabe como governa

A fora viva do Bem.

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FRIOMaria Dolores

Fita a paisagem do frio... H nvoa... Tempo sombrio... Garoa invadindo o ar... O vento rgido aoite, Di contemplar sob a noite Os companheiros sem lar...

Mes asserenam filhinhos Que nos lembram passarinhos, Tangidos pelo tufo... Perante o ninho desfeito, Esto no ninho do peito, O maternal corao.

Junto s mes, surgem mendigos E enfermos buscando abrigos, Tremendo e seguindo ao lu... Cada qual espera e ama, Vencendo poeira e lama, De sentimentos no Cu...

Por isso, di mais na gente Encontrar freqentemente

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Nobres e rudes ateus De crebro claro e forte, Trazendo o frio da morte

Dos que se afastam de Deus.

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MISSO DE MULHERMaria Dolores

Jovem prendada e linda, era a prpria beleza, Rosa de inteligncia e natureza, Viera de remoto povoado, Com tarefas de estudo e sonhos de noivado, E conquistara enorme simpatia... Fizera-se modelo e se reconhecia O ponto alto das exibies, Favorita do brilho em passarela, Pisando coraes...

Ela encontra, por fim, num jovem rico e nobre A cortina de ouro em que se encobre.

Quatro anos de luxo nos sales Tornaram-na famosa e cada vez mais bela.

Certo dia, no entanto, inesperadamente, Uma carta lhe chega... Vem da vila Em que passara a infncia humlima e tranquila, da mezinha que se diz doente... Falecera-lhe o irmo, seu nico parente, Declarava-se triste e desolada, Incapaz de ganhar o prprio po...

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Rogava filha proteo, Sentia-se sozinha e fatigada E, sobretudo, estava em luta insana, Pois era agora triste hanseniana.

A moa treme revoltada E, s sbitas, planeia O que admite por melhor medida; No quer aquela me que a desnorteia; Detestaria ver-se diminuda Perante o homem que ama. Age arbitrariamente, Adita ao prprio nome um nome diferente Na rude inquietao que ela prpria extravasa... E, mudando de casa, Permaneceu na expectativa...

Realmente, depois de algum tempo passado, Senhora hanseniana morta-viva Bate-lhe porta, em tom desesperado; Servidores atendem, entretanto Ela quer ver a filha que ama tanto, Colhendo reiterada negativa. Mas sabendo-a sentada sobre o piso Que dava acesso ao grande apartamento, A prpria moa surge, de improviso, A gritar-lhe, de nimo violento:

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- Saia daqui, depressa! V-se embora!... No conheo a senhora E caso aqui persista, Tenho a polcia vista!...

- Filha, dize por que... Exclamou a mulher agoniada, Estarei eu assim to deformada Que o seu olhar j no me v? No ficarei aqui, no lhe trarei perigo, Mas no vs que a mezinha est contigo?

- A senhora no passa de embusteira, Falou a moa, a gestos desumanos. - Minha me j morreu, h muitos anos... Velha tonta, No sei como se fez aventureira, Mas a polcia vai tomar-lhe a conta...

Minutos decorridos, Enquanto a pobre me chorava, angustiada, Uma ambulncia veio em disparada E conduziu-a para um sanatrio.

Trinta anos passaram sobre a cena, A filha desposara o jovem que a queria. O casal conjugava a fortuna e a alegria,

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Ele, o industrial, ela, a nobre senhora, E um filho nobre e forte Surgiu-lhes a brilhar Por tesouro do lar. Quanto pobre mulher deixara a enfermaria, Conseguira curar-se, Mas no mostrava mais a face antiga, Era triste velhinha sem disfarce, Desditosa mendiga... Conhecida por velha hanseniana, J sofrera de sobra a zombaria humana... Morava numa furna abandonada, No distante da fbrica de tubos E outros artigos de eletricidade De que o neto distinto era dono e gerente...

Sabendo-se que fora humilhada e doente, Cobria-se com capa esburacada E, lembrando uma sombra a pervagar na estrada, Pedia aqui e ali, um socorro qualquer... Mas em torno da fbrica era o ponto Em que a infeliz mulher Parecia um rondante, atento e pronto, A observar o que passasse... Se encontrava o gerente, face face, Dizia, constrangida: - Uma esmola, doutor!... Intrigado o rapaz notava aqueles olhos

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Que o miravam, mostrando imenso amor... Dava-lhe algum dinheiro, atento a isso, Depois seguia adiante Mergulhando a ateno em seu prprio servio...

Seguia o tempo em marcha regular, Quando veio a estourar Na fbrica tranquila Um grande movimento De protesto violento, Que englobava, por si, todo o operariado... A gerncia estudava ao conciliadora E os conflitos surgiam, lado a lado.

No pice da luta, A velhinha cansada, dia-a-dia, Observa o extenso da rebeldia, Mantendo-se, de guarda, ao p das oficinas, Qual um posto de escuta.

Certa noite, enxergou dois delinquentes Quando os vigias cochilavam fora, Agiam, sem que a vissem trmula e calada... Uma porta se arromba E os dois, dentro da fbrica isolada Colocam grande bomba, No intuito de gerar perturbao,

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E fogem, assustados, do recinto...

Ela entra em ao, Obedecendo ao prprio instinto...

O estopim fumegava... Ela, porm, Sem o concurso de ningum, Toma nas mos o engenho destruidor, Avana sem temor, Sai pela porta afora, Correndo sem a mnima demora, Mas, antes que atirasse a bomba ao cho, D-se a grande exploso.

A fbrica salvara-se. Ela, porm, tombara Mortalmente ferida...

Faz-se tumulto, em torno... Eis o chefe a chegar... Reconhece a velhinha e determina Que ela seja tratada Por valente herona...

Foi no hospital a derradeira cena. Finava-se a velhinha devagar, Mostrando no semblante a beleza serena De quem transmite paz no prprio olhar...

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Eis que, em dado momento, Ela percebe vozes e alarido; Ao formoso aposento O gerente trouxera os pais com garbosa alegria; Deviam ver a pobre que morria E que o amara tanto...

O casal aproxima-se... A senhora Treme ao reconhecer a me que rejeitara outrora... Enquanto filho e pai conversam distncia, Ajoelha-se a filha, ante a mulher que morre... Ela perde perdo no pranto que lhe escorre Dos olhos espantados... Contudo, a agonizante ao perceb-la, Ciciou as palavras: - Minha estrela!... Ouvindo-a soluar, Consegue novamente sussurar: - Filha do corao, Jesus a trouxe aqui... Depois disse ao cair, em profundo torpor: - No chores, meu amor, Eu nunca te esqueci...

L fora, o Sol, em tudo, era vida e esplendor, Parecendo dizer na prpria chama Que, desde a luz dos Cus aos abismos da lama, Deus, em todo o Universo, a Presena do Amor.

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ABRIGO IDEALMaria Dolores

E tudo vai passando, como sempre dizes, Os dias de infortnio e os movimentos felizes.

Tempos de infncia, belos e risonhos Envaram-se todos, tais quais sonhos Que no consegues explicar; O lar de agora j no te parece O mesmo antigo lar Em que o colo de me, na luz da prece, Inteiro se te abria, Sustentando-te a paz no claro da alegria...

Onde ouvir novamente as vozes que, noitinha, Uniam-se-te voz inocente a cantar: - Oh! ciranda, cirandinha. Vamos todos cirandar!...

Fitavam-te, na marcha dos instantes, Estrelas cintilantes, Como a notar-te o sentimento puro E a te indicarem, sem que percebesses, As estradas difceis do futuro.

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A juventude plena de ansiedade Passou, qual luminosa florao E indagas onde esto Os planos da primeira mocidade...

Refletes nas queridas afeies No ponto solitrio em que te pes...

Quantos amigos desertaram Da senda em que persistes? Quantos julgaram tristes As tarefas que abraas? E largaram-te, a ss, dizendo-se procura Do prazer, do renome e da ventura?!... Enquanto passas, No servio de sempre, De corao ao desalinho, Perguntas, muitas vezes, quantos lbios Ouviste transformados no caminho, Lbios que te falavam, ontem, de ternura, Em promessas de apoio e de carinho E hoje te comunicam amargura, Acusao, queixa e censura, Impondo-te incerteza e incompreenso? E os outros que, em magoada despedida, Deixaram-te no mundo, em busca de outra vida, Dando-te a inquietao constante que te invade

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Pela chama invisvel da saudade?!...

E tudo vai passando, tal qual dizes, Os instantes felizes e infelizes, Entretanto, alma irm, de ps sangrando embora, Segue amando e servindo, tempo afora... Nada te impea caminhar Para a sublimao que te pede lutar, Esculpindo, em ti mesmo, o amor cuja beleza Palpita em tua prpria natureza.

No contes desengano, prova, idade... Segue e no temas, Quem serve encontra em todos os problemas Motivao para a felicidade.

E quando tudo te parea Saudade e solido Na bruma que te envolva o corao, Entra no claro abrigo que retns, Que se te faz no mundo o mais alto dos bens, Riqueza em luz e paz que ningum desarruma E nunca sofre alterao alguma... Esse refgio ideal que te descansa Nos tesouros de tudo quanto teu, a bno de servir que te guarda a esperana No trabalho do bem que Deus te concedeu...

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MANCHETEMaria Dolores

E, atravessando a rua, amedrontada, ouvia As manchetes do dia.

Algum comunicava: os assaltantes Depredaram a casa, Em rpidos instantes; Depois, deixaram tudo em brasa. Os moradores de regresso Revoltaram-se, em vo...

Mais adiante, um amigo, Sem disfarar a prpria irritao, Dizia para outro: O meu bairro um perigo... Ontem, presenciamos trs assassinatos, Com agresses, injrias, desacatos...

Um passo acima, e uma senhora ao lado, Informava num grupo: O horrvel acidente Que arrasou e feriu a tanta gente Foi simplesmente provocado. A polcia est certa... A pesquisa mais ampla foi aberta Para que se conhea os responsveis.

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Alm, um moo, por sinal, Exibia uma folha de jornal A expressar-se com voz cansada e constrangida: - Minha noiva foi morta Pelas balas de algum que a deixaram sem vida!... O meu sonho ruu, falta-me a confiana, No sei se penso em dio ou se penso em vingana...

Mais adiante ainda, um jovem comentava: - um destino cruel que se grava na Terra, Tudo indica no mundo o incio de outra guerra, To destrutiva quanto as que tivemos... Duras tribulaes nos ltimos extremos, Dolorosas vises, de batalha em batalha, Orfandade e viuvez, ao fragor da metralha!... Logo aps, conclua em alta voz: - Que informaes terrveis sobre ns!...

Dominada de estranha sensao, Busquei, num parque amigo, a bno da orao... Depois, fitei o sol do entardecer E o pranto de emoo Jorrou-me do mais ntimo do ser...

Em meio de sublime encantamento, Notei num quadro magistral

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Que os pintores do Alm Haviam desenhado em Plano Azul A face do Senhor no firmamento... E sob aquele olhar magnnimo e profundo, Detido a contemplar os conflitos do mundo, Escreveram, em luz de etrea purpurina, A palavra do Cristo, em manchete divina: - Amados meus, por qu? Por que tanta discrdia e tanto sofrimento? Eu apenas voz disse: Eis que vos dou um novo mandamento, No resumo integral de toda a Lei: - Amai-vos uns aos outros,

Tal qual eu vos amei.

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CANTIGA NA SEARAMaria Dolores

Alma querida escuta!

Na gleba que o Senhor te concede lavrar, No procure descanso... Olha o servio espera, Esquece-te no bem, semeia, persevera, A colheita futura exige trabalhar...

No te prendas teias de amargura, Do passado a lio a ddiva que fica Ajudando a pensar na existncia mais rica De alegria, bondade, entendimento, altura...

Olvida o que te doa ou perturbe a lembrana, Fita a rvore antiga despojada, Recompondo em si mesma o fulgor da ramada Para depois cobrir-se em garbos de esperana...

Folhas mortas na leira em sentido profundo So apenas adubo para o cho, Enquanto o vegetal servindo ao mundo, Sobe em franca asceno.

A terra que o Senhor te entregou a zelar

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formada de espritos em prova, E o teu amor a fora que os renova, Porque o amor em si um gnio tutelar.

Sigamos, tempo afora, enquanto dia... Quanto trabalho em tudo a exigir-nos presena E ao que rompa a treva que se amplia Onde a revolta espalha a tristeza e a doena.

Aqui, a dor um charco esperando o carinho Das mos de um lavrador que o socorra e suporte Quase rente penria em pedras do caminho Rogando um brao irmo que o liberte da morte.

Alm, a ignorncia lembra praga Tentando carcomer a f recm-nascida, Nos crebros em fogo a loucura divaga, Pregando a negao e conturbando a vida!...

No te detenhas... Vem! No temas sombra ou lama, O amor de Deus em ti um dom vivo e perfeito... Nada perguntes, serve... E nem critiques, ama! O Cu te falar na acstica do peito...

Toda a Terra de agora um campo sem limite Onde o Cristo nos chama ao labor renascente...

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Bendito o servidor ante o novo convite

Que responda a Jesus: Senhor estou presente!

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PGINA S MESMaria Dolores

Mes queridas, Vs que perdestes filhos bem-amados, Somando tantas vidas A que destes carinhos e cuidados, De que s Deus na vida sabe a conta; Mes, cuja imensa dor no se conforta Com qualquer sofrimento que h no mundo, Por mais rude e profundo, Quisera amenizar-vos as feridas, Que vos fizeram contundidas, Splices, desoladas, semimortas... Entretanto, ai de mim!... Com que verbo, meu Deus, poderia expressar A dor que voz desfez a ventura do lar? Como suprimiria A sombra que voz guarda a suprema agonia? De que modo afastar de vossa mente Esses quadros cruis que desenhais, Manejando o pincel de angstia e espanto Que humedeceis no fel de vosso pranto, A dizer: Nunca mais...?

Entretanto, essas vidas juvenis

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Seguem o sofrimento que sentis, Choram com vossas lgrimas, padecem Com a vossa mesma dor de que nunca se esquecem... E rogam-vos consolo, paz, alegria e esperana, Pedindo-vos traz-los na memria, Como quem atingindo os louros da vitria, Desejam ser lembrados como so: Espritos valentes, Prosseguindo contentes No sublime ideal de elevao...

Enxugai vosso pranto E, servindo, esperai O reencontro feliz nas moradas do Pai...

Padecendo, chorando e amando sempre, Aguardai outros dias Em que renascereis de novas alegrias, Sem o gelo terrvel da saudade De vossa longa espera E sim na Inaltervel Primavera Ante o amor sem adeus da Eternidade.

Lembrar-vos-ei, porm, Aquela antiga histria de Belm... Uma doce criana Nasceu entre cantigas de esperana,

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De uma frgil mulher quase menina... Uma estrela no Azul, em altos resplendores, Indicou-lhe a misso, fulgurante e divina. Anjos do Cu uniram-se aos pastores E entoaram louvores Que em toda a Terra ainda no se ouvira... O menino cresceu, plantando amor, Amparava os humildes e os cansados, Levantava os doentes, Erguia coraes desesperados E transformava os homens inclementes Em modelos de paz e de brandura, Era um jovem trazendo a grandeza da Altura, Referindo-se a Deus por Pai de Infinita Bondade, Que nunca abandonou a Humanidade... Pois, simplesmente porque amasse a todos, Foi perseguido, preso, injuriado, Depois levado cruz Em que morreu crucificado Perante a multido... Foi assim que Jesus, Sem amigos, na dor do ltimo dia, Teve somente o amparo de Maria, A mo humilde que o seguiu de perto... Herona de amor e aceitao, No censurou ningum. De alma cansada e corao deserto,

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Ela apenas chorou na bno da orao, Entregando-se a Deus O Eterno Sol do Bem.

Embora a imensa dor, sempre ungida de f, A pobre me de Nazar, Esperou silenciando a alma ferida At que o filho amado, Em retornando vida, Fez-se o ressuscitado, E novamente erguendo coraes, Converteu-se no Guia das Naes.

Mes, que hoje sofreis, lembrai-vos dela, Maria ser-vos- consolao; Entregai-lhe a amargura ao corao E entendereis que os vossos filhos, Jias de vossa luz, Agora sob a nvoa da saudade, Ante o Anjo de Amor da Humanidade,

So irmos de Jesus.

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PRECE DE GRATIDOMaria Dolores

Deus te engrandea, alma querida e boa, Quando dizes presente! A festa amiga que nos abenoa Endereando auxlio a tanta gente...

Deus compense a fatia de amizade Com que espontaneamente colaboras, Sustentando a lavoura da bondade, No terreno das horas!...

Deus te enaltea o verbo iluminado Que te exprime a cultura e o sonho superior, Com que segues no mundo lado a lado, De quem se entrega ao bem renovador.

Deus te abrilhante os quadros de alegria, O bailado criador e o blsamo da voz A fim de que se faa menos fria A fria provao dos que vivem a ss.

Deus te sustente o dom de acender a esperana, Arredando da mente a projeo do mal, Doando luz treva e apoio insegurana

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Na eterna religio do Amor Universal.

Deus inspire a cano com que atravessas Os problemas e as crises Trocando as luzes da arte em que te expressas Por socorro aos cansados e infelizes!...

Ao saudar-te feliz, em prece enternecida, Que a nossa gratido perante ao Cus ressoe!... Por tudo o que nos ds na elevao da vida, Deus te exalte, alma irm, Deus te guarde e abenoe.

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DIARIAMENTEMaria Dolores

Quando te ergues, de manh, Para o trabalho que te espera, qual se comeasses novamente A jornada no mundo para a frente...

Anota: cada dia um trecho da viagem, Reclamando bagagem Que expresse proviso De tudo o que precises Para seguir no culto prpria obrigao.

Decerto, cogitaste do alimento Que te garanta as energias, Do calado da f que a firmeza te ateste, Da roupa de esperana que te enfeita e te veste Da palavra que tens, por centro de atrao, Dessa ou daquela minudncia Que te mostrem o brilho da existncia Em nobre formao...

Sabes, porm, que essa romagem Que todos ns chamados dia-a-dia, Se nos oferta lances de alegria,

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Muitas vezes se faz em pedras de tropeos, Problemas, desencantos, recomeos, Inquietao e prova Por entre os quais a vida se renova...

Por isto, eis que te rogo: Por mais que te prepares com razo, Pede a Deus te conceda No preciso momento de sair, A coragem de amar e de servir, De ser bno de paz, seja onde for, Recordando que Deus, a todo instante, sempre o Eterno Amor, Que tudo nos concede ao corao, A fim de que venhamos a vencer As lutas do trabalho e as farpas do dever Sem exigir qualquer compensao.

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TODOS NSMaria DoloresEscuta, corao!... Se choras no te agites, Pensa em Deus, colocando a f sobre o pesar... No olvides que o Cu o poder sem limites E que a fora do Cu luz a nos guardar.

Se problemas te afligem, no reclames, Espera a soluo, unindo-te ao dever... O trabalho constante um prodgio no tempo Em que toda questo se pe a resolver.

Se sofreste agresses, que isso no te doa, Nem mesmo se perdeste os prprios bens; Desculpa, serve e segue... O irmo que te atordoa Nem sempre traz consigo a idia que j tens.

dio? Erro? Vingana? Amor que se transvia? Todos temos na Terra amargoso quinho... Se hoje devo perdoar, amanh eis meu dia De rogar por socorro e de pedir perdo.

Seja qual for a mgoa que te busca, Tentando impor o mal aos dias teus, Asserena-te e ama, recordando Que estamos todos ns, ante a bno de Deus.

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SAI DE TI MESMOMaria Dolores

Se carregas contigo o tempo atormentado Sob tristeza e desencanto, natural te aflijas, entretanto, No te entregues ao luxo de chorar. Sai de ti mesmo e escuta, em derredor, Aqueles que se vo sem rumo certo, Suportando no peito o corao deserto Na penria que mora entre a noite e o pesar.

No importa o que foste e o que sofreste E nem a dor alheia, em mgoas mudas, Procurar saber a crena em que te escudas, Nem pergunta quem s... Os que seguem no p do sofrimento, Vivendo de coragem, semi-morta, Rogam-te auxlio porta, Rojando-se-te aos ps...

Desce da torre em que te vs somente E escuta-lhes a histria dolorida: Esse chora sem lar, outro quase suicida Cansado de amargura e solido; Aquele envelheceu, sem algum que o quisesse,

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Outra me desprezada, anmica e sozinha, Sombra que foi mulher, que respira e caminha, Sabendo agradecer a fortuna de um po.

Sai de ti mesmo e vem!... Esquece-te em servio... Jesus que te chama ao bem que no se cansa, Achars, ao servir, renovada esperana, Paz e f, sob a luz de nobres cireneus!... E sem horas a dar ao desalento e ao tdio, Quando encontres a noite, cada dia, Dirs ao Cu, em prece de alegria:

- Por tudo quanto tenho agradeo, meu Deus!...

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DOR E PROGRESSOMaria Dolores

Mgoas, tristezas, lutas, desenganos?!... Debita as provaes lei da vida. Embora o sentimento, em pranto e chaga, Prossegue frente, de cabea erguida!...

Tudo o que te conforta na existncia, Seja amparo de longe ou de mais perto, Exige claro exame, porque, em tudo, A Natureza sempre um livro aberto.

Para guardar-te a casa a pedra aceita O pesado instrumento que a carcome, O trigo foi chamado e atendeu prestamente honra de ser po para extinguir-te a fome.

Madeira que te arma o leito, a mesa Ou te cria a guitarra para festa, Obrigou-se a largar o meio em que vivia Em recanto esquecido da floresta.

A fonte jamais grita contra o lodo Que lhe cabe vencer na direo do mar... A argila obedeceu aos tormentos do fogo

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Para tornar-se forma e cor nos enfeites do lar.

Pensa nisto, alma irm... Nada reclames. Dor transformao que nos reforma o ser... Em toda e qualquer vida, a fim de renovar-se,

Necessita servir, caminhar e sofrer.

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VIDA E PALAVRAMaria Dolores

Palavras, o vento leva, O verbo seria nada, Cinza dispersa na estrada, Se fosse o que o povo diz. Mas a verdade que, s vezes, Uma frase quase -toa Pode fazer a pessoa To feliz quanto infeliz.

Pela expresso se revelam As linhas do pensamento... Agora, um simples acento, Depois, fora real. Segundo a inteno que a dita, Configura, mais alm, A luz que nasce do bem Ou a treva que vem do mal.

Onde estiveres, no fales Algo que fira ou deprima, Conserva-te sempre acima De toda perturbao; Onde a discrdia aparea

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E onde a vista se degrade Falando, estende a bondade Por bno de conteno.

Usa a conversa, plantando Correo e gentileza, Observa a Natureza Em todo e qualquer lugar; A gleba produz sem queixas, O sol no pede tributos, O pomar entrega os frutos Servindo sem reclamar.

Alma fraterna, trabalha, Constri, socorre, auxilia, Acende a luz da harmonia, Onde seja, com quem for. Palavra semente, vida, Convite, aceno, promessa... E o Reino de Deus comea

No verbo de paz e amor.

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E FALAS-ME DO TEMPOMaria Dolores

E falas-me do tempo, corao, Do tempo em que tiveste a alma ferida Por desgostos da vida, Quais estiletes da desiluso; Do tempo estranho de aflio e prova Que atravessaste em convulses de dor, Das horas de amargor Que te impeliram para a estrada nova, Na qual hoje me dizes De quadros e lembranas infelizes...

E referes-te, ainda, aos dias do futuro, Sementeira em que esperas Outras maravilhosas primaveras De beleza, de paz e de amor puro, Do porvir em que aguardas A luminosa companhia Da perfeita alegria, Que surgir, por fim, de brilhantes vanguardas...

Ouo-te o verbo lamentoso e lindo, Enquanto vamos ns, sonhando e agindo...

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Mas embora te escute com respeito, Peo-te permisso Para dizer-te ao pensamento irmo Que todo tempo encerra o seu justo proveito.

E, sem qualquer prurido de ensinar, Creio que hoje o tempo certo De amar e compreender, servir e desculpar, Entre o ontem passado e o futuro encoberto; Por isso, o melhor tempo que nos vem, Na senda em que seguimos, vida afora, O tempo de sorrir e de fazer o bem Tem o nome de agora.

" No somos seres humanos em experincias espirituais, somos espritos em experincias materiais"Alzira Baena Gonalves

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