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Campesinato, Estado e políticas públicas: considerações sobre o Programa
Territórios da Cidadania no território Cantuquiriguaçu1
Estevan Leopoldo de Freitas Coca Doutorando em Geografia - FCT/UNESP
Membro do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (NERA) e-mail: [email protected]
INTRODUÇÃO
Em escala mundial, de cada quatro pessoas que vivem em situação de miséria,
três são camponesas (MAZOYER e ROUDART, 2008). Isso quer dizer que a maior
parte das pessoas sujeitas à fome no mundo possui a função social de produzir
alimentos. No Brasil a situação não é diferente, pois o campesinato, historicamente
ocupa um espaço marginal na orientação das políticas públicas. Desde a colonização do
país pelos portugueses a opção tem sido pelas grandes explorações agropecuárias
monocultoras. Como resultado disso, são elementos que compõem a Questão Agrária
brasileira: as ocupações de terra realizadas pelos movimentos socioterritoriais
camponeses como forma de questionar a concentração fundiária; a conquista de
assentamentos rurais como resultado dessas lutas; as dificuldades encontradas pelos
camponeses para comercialização dos seus produtos e outros.
Por esses fatores, desde 2008 o Governo Federal brasileiro tem efetivado o
Programa Territórios da Cidadania (PTC), que é uma estratégia de desenvolvimento
territorial voltada para conjuntos de municípios com significativa participação da
agricultura camponesa e que são deprimidos econômica e socialmente. Por meio de tal
política pública, esses conjuntos de municípios são definidos como territórios2. O PTC
1 Esse trabalho contém resultados preliminares da pesquisa de doutorado “Estudo comparativo dos territórios da cidadania do Cantuquiriguaçu - PR e do Pontal do Paranapanema - SP: o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) como parte da estratégia de desenvolvimento territorial, que tem sido orientada pelo Prof. Dr. Bernardo Mançano Fernandes e financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). 2 A concepção de território adotada pelo PTC possui caráter prático e instrumental. Os territórios são definidos como conjuntos de municípios, ou seja, a escala de referência é a do espaço de governança. Na
possui por objetivo valorizar ações que sejam construídas “de baixo para cima”, ou seja,
que tenham sido determinadas pela sociedade civil dos “territórios”. Para isso, são
organizados conselhos de desenvolvimento territorial com membros dos poderes
públicos, de organizações não governamentais, de instituições financeiras, de
universidades, dos movimentos socioterritoriais e outros. A ideia é que nesses conselhos
de desenvolvimento territorial ocorram discussões que apontem para as necessidades
mais emergentes dos “territórios”, estabelecendo ações prioritárias com base na Matriz
de Investimentos proposta pelo Governo Federal.
Tendo essa compreensão, nesse trabalho temos por objetivo discutir como o
campesinato do território da cidadania do Cantuquiriguaçu, no estado do Paraná, tem se
relacionado com o PTC. Colocamos em evidência as limitações da busca pelo consenso
nos conselhos de desenvolvimento territorial, devido à luta de classes entre o
campesinato e o agronegócio pela orientação das políticas públicas e a atuação do
Estado como mediador de tal processo.
Para atingir esses objetivos realizamos entrevistas semiestruturadas com
integrantes do Conselho de Desenvolvimento Territorial do Cantuquiriguaçu
(CONDETEC) buscando destacar os seguintes fatores: 1- a conflitualidade entre o
campesinato e o agronegócio; 2- a participação dos movimentos socioterritoriais nas
discussões sobre as ações do PTC e; 3- os limites e possibilidades dessa estratégia de
desenvolvimento territorial.
Dividimos o trabalho em duas partes. Na primeira trazemos uma caracterização
do território Cantuquiriguaçu, destacando a importância da agricultura camponesa para
sua composição econômica e social. Na segunda, abordamos como o campesinato tem
participado das discussões do CONDETEC, trazendo alguns exemplos de políticas
públicas para os territórios camponeses que foram obtidas via PTC.
O TERRITÓRIO DA CIDADANIA CANTUQUIRIGUAÇU
Geografia, diversos estudos (FERNANDES, 2008 e HAESBAERT, 2004 e SOUZA, 1995, por exemplo) têm atentado para a diversidade territorial, indo além dessa concepção que embasa o PTC.
O Cantuquiriguaçu é um dos quatro territórios da cidadania do estado do Paraná.
Ele possui 20 municípios pertencentes às microrregiões de Guarapuava e Cascavel
(Figura 01). Esses municípios ocupam 13.959,744 km², o que representa 7% da área
total do estado do Paraná.
A população do Cantuquiriguaçu é de 232.519 pessoas, o que representa 2,2%
da população do estado do Paraná. Dentre essas pessoas 53% vivem nas cidades e 47%
vivem no campo (tabela 01). Esses dados demonstram que a porcentagem de pessoas
que vivem no campo no Cantuquiriguaçu é consideravelmente maior do que a do Brasil
(16%) e a do estado do Paraná (15%), sendo necessárias políticas públicas que dêem
conta dessa particularidade. Os municípios com maior quantidade de habitantes são
Laranjeiras do Sul, com 30.777 e Quedas do Iguaçu, com 30.605. Eles também são os
municípios com maior população urbana, a qual representa 81% em Laranjeiras do Sul e
68% em Quedas do Iguaçu. Os municípios que ocupam maior área são Pinhão, Candoi,
Guaraniaçu e Nova Laranjeiras, que são também os que possuem maior número de
habitantes vivendo na área rural.
Tabela 01 - Território Cantuquiriguaçu - População
Município Urbana Rural TOTAL
Campo Bonito 2.580 1.827 4.407
Candoi 7.026 7.957 14.983
Cantagalo 8.509 4.443 12.952
Catanduvas 5.342 4.860 10.202
Diamante do Sul 1.405 2.105 3.510
Espigão Alto do Iguaçu 1.646 3.031 4.677
Foz do Jordão 3.927 1.493 5.420
Goioxim 1.756 5.747 7.503
Guaraniaçu 7.804 6.778 14.582
Ibema 4.941 1.125 6.066
Laranjeiras do Sul 25.031 5.746 30.777
Marquinho 524 4.457 4.981
Nova Laranjeiras 2.372 8.869 11.241
Pinhão 15.317 14.891 30.208
Porto Barreiro 691 2.972 3.663
Quedas do Iguaçu 20.987 9.618 30.605
Reserva do Iguaçu 3.905 3.402 7.307
Rio Bonito do Iguaçu 3.322 10.339 13.661
Três Barras do Paraná 6.095 5.729 11.824
Virmond 1.880 2.070 3.950
TOTAL 125.060 107.459 232.519
Fonte: IBGE, 2010. Org: Estevan Coca.
O Cantuquiriguaçu possui elevados índices de pobreza por parte da sua
população. A média do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos seus municípios
é de 0,659, sendo consideravelmente mais baixa do que a do Brasil (0,727) e a do
Paraná (0,749). Tal fato aponta para carências estruturais por parte da população desse
território da cidadania.
Além desses, ainda destacam-se como importantes elementos do território
Cantuquiriguaçu: 1- a reserva indígena Rio das Cobras, que é a maior do estado do
Paraná, com 18.691 ha e 2.830 habitantes. Nela vivem índios Guarani e Kaingang, os
quais são divididos em 09 tribos; 2- sete usinas hidrelétricas, que através da sua
implantação ocasionaram consideráveis impactos sociais e ambientais e; 3- 49
assentamentos rurais, com 4.581 famílias. Esses assentamentos dividem-se em três tipos
de intervenções fundiárias: Projetos de Colonização (PC’s), Projetos de Assentamento
Federal (PA´s) e Projetos de Reassentamentos de Atingidos por Barragens (PRB’s);
dentre outros.
Devido a essa realidade, o Cantuquiriguaçu tem sido foco de políticas de
desenvolvimento territorial por parte do Governo Federal brasileiro. No ano de 2003 ele
foi selecionado como um dos territórios rurais e no ano de 2008 como um dos territórios
da cidadania.
O PTC E A PARTICIPAÇÃO CAMPONESA NO CANTUQUIRIGUAÇU
Para discutirmos os limites e possibilidades da participação camponesa na
orientação do PTC no Cantuquiriguaçu é importante esclarecermos como
compreendemos o Estado e as políticas públicas que dele emanam.
Nossa referência é a leitura realizada por Marx e Engels (1849) no “Manifesto
do Partido Comunista”, os quais entendem que a sociedade burguesa possui como
principal característica a luta de classes, de tal modo que através da exploração do
trabalho dos proletários, os burgueses mantinham sua condição privilegiada na
sociedade. O Estado é abordado como um instrumento por meio do qual os burgueses
dominam os proletários, como foi expresso na célebre frase: “[...] o governo moderno
não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa”
(MARX, ENGELS, 1848, p.2).
Tal leitura é a aprofundada em Engels (1991), onde se compreende que o Estado
é estabelecido pela dominação de classe, obedecendo, principalmente, a determinações
econômicas. Nesse sentido, o Estado é entendido como uma criação da própria
sociedade, que funciona para a manutenção do status quo.
Com base nessas referências, entendemos o Estado como resultado da luta de
classes. Os capitalistas se utilizam dele para defenderem e propagarem seus interesses.
Contudo, a conflitualidade entre as classes sociais faz com que em alguns momentos,
mesmo que com menor intensidade, o Estado também responda a alguns interesses das
classes subalternas, como é o caso do campesinato e do proletariado.
O desenvolvimento do PTC no Cantuquiriguaçu é um exemplo de como em
alguns momentos as políticas criadas pelo Estado podem contemplar interesses do
campesinato3. Quando o PTC foi implantado no território Cantuquiriguaçu, no ano de
2008, os movimentos socioterritoriais camponeses entenderam que era importante
participar das discussões por meio do Conselho de Desenvolvimento do Território
Cantuquiriguaçu (CONDETEC). Isso fica claro na fala de Elemar Cezimbra, que além
de ser uma liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
também já presidiu o CONDETEC:
[...] mesmo no movimento [MST] não tinha uma orientação geral sobre o escritório [estadual] participar. Chegamos até a discutir e aí ficou de cada lugar decidir. Nós entendemos que naquele momento tínhamos que participar. Daí entramos, ajudamos a mobilizar junto com o MPA, a FETRAF, as mulheres, os índios, as cooperativas e as organizações que criamos (Elemar - Membro do MST e Ex-presidente do CONDETEC – 08/2012).
Assim, fica evidente a opção do MST de participar dos debates realizados no
CONDETEC. Junto dele outros importantes elos de representação dos camponeses
também se interessaram por discutir as políticas públicas de desenvolvimento territorial,
como o Centro de Desenvolvimento Sustentável Capacitação em Agroecologia
(CEAGRO), que é uma iniciativa da Via Campesina; o Movimento dos Pequenos
Agricultores (MPA), O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Sindicato
dos Trabalhadores Rurais (STR´s) e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura
Familiar (FETRAF).
3 Mesmo atendendo a alguns interesses do campesinato, consideramos que o PTC possui caráter compensatório, devido aos seguintes motivos: 1- não prevê a superação do capitalismo; 2- não considera a luta de classes; 3- acredita na possibilidade do consenso entre os atores sociais dentro de um contexto capitalista e; 4- apesar de defender o desenvolvimento “de baixo para cima”, na verdade, os conselhos de desenvolvimento territorial ficam reféns das proposições do Estado, ou seja, quem escolhe as políticas públicas que vão compor essa estratégia de desenvolvimento territorial são os órgãos do Governo Federal e não a sociedade civil.
No momento em que o Cantuquiriguaçu passou a integrar o PTC, em 2008, esses
órgãos de representação da classe camponesa estabeleceram uma aliança com alguns
prefeitos que pertenciam ao Partido dos Trabalhadores (PT) e que faziam parte do
CONDETEC4. Com isso, João Costa, prefeito de Porto Barreiro foi eleito presidente do
CONDETEC e durante seu mandato foram conquistadas importantes políticas públicas
para o campesinato do território Cantuquiriguaçu como: investimentos na cadeia
leiteira; a constituição de uma central de comercialização dos produtos gerados pelos
camponeses; ações de regularização fundiária; projetos de educação do campo, como o
“Saberes da Terra”; constituição de uma usina de biodiesel, no município de Porto
Barreiro e outros.
Após o mandato de João Costa, Elemar Cezimbra assumiu a presidência do
CONDETEC e o campesinato continuou influenciando as ações do PTC. A principal
conquista foi a implantação de um campus da Universidade Federal Fronteira Sul
(UFFS) no assentamento 08 de junho, que fica no município de Laranjeiras do Sul.
[...] nós lutamos pra ter um campus aqui. É por isso que está dentro do assentamento. O MST puxou e foi trazendo as outras organizações, os prefeitos... O João Costa, por exemplo, um dia eu fui visitá-lo lá na prefeitura e ele estava lendo uns livros de (...) no gabinete...“Prefeito, que tranquilidade pra estudar! Vamos juntos pra luta na Universidade!” De fato tinha a ideia de expandir as Universidades e nós entramos pesado. Conseguimos na pressão e também no pé do ouvido do Lula, porque ele prometeu em 3 momentos distintos: em Chapecó, em Miraguaí e não lembro em outro local que ia fazer uma Universidade (Elemar - Membro do MST e Ex-presidente do CONDETEC – 08/2012).
Percebe-se que a conquista do campus da UFFS se deu através de uma iniciativa
do MST e de outros movimentos socioterritoriais que pressionaram o Governo Federal
para que o território Cantuquiriguaçu fosse contemplado com a presença de uma
4 No período de 2004 a 2008 os municípios de Porto Barreiro, Rio Bonito do Iguaçu e Nova Laranjeiras foram governados por prefeitos vinculados ao PT. Além deles, no município de Candoi, através de uma coligação com o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) o PT esteve à frente da Secretaria Municipal de Educação (MORAES, 2013).
instituição que oferece cursos superiores em caráter gratuito. Como consequência disso,
a forma como a UFFS se estruturou no Cantuquiriguaçu trouxe como prioridade a
realização de cursos voltados para o desenvolvimento das unidades camponesas de
produção, dentre os quais: Agronomia, Ciências Econômicas (com ênfase em Economia
Solidária), Engenharia de Alimentos, Engenharia de Aquicultura, Interdisciplinar em
Educação do Campo, Interdisciplinar em Educação do Campo: Ciências Humanas e
Sociais. De tal modo, todos os cursos que o campus da UFFS possui no
Cantuquiriguaçu estão relacionados ao campo. Além do mais, eles possuem como foco
transversal a Agroecologia. Assim, a instalação do campus da UFFS no
Cantuquiriguaçu é um exemplo de como uma luta do campesinato tem contribuído para
o desenvolvimento territorial desse território da cidadania.
A importância da participação do campesinato no CONDETEC é reforçada por
seu atual presidente, Márcio Roberto, que é um técnico pertencente ao Instituto
Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER):
Nós temos uma participação forte porque, além das entidades coletivas existem as representações singulares. Por exemplo, uma cooperativa da agricultura familiar tem representação dentro do colegiado, e a UNICAFS - União das Cooperativas de Agricultura Familiar - tem mais uma cadeira. Então você veja, se a gente foi olhar é duplicidade de representação, mas tem a representação singular e tem ainda da confederação, da união das cooperativas. Então nós temos o MPA - Movimento dos Pequenos Agricultores, nós temos os sindicatos dos trabalhadores representando a categoria, nós temos o CEAGRO - Centro de Agroecologia - que representa os agricultores. [...] Então a coisa está bem representativa. Gostaria que tivesse a possibilidade de ampliar mais, o produtor junto ao processo está representado junto a suas entidades; é uma ferramenta que a gente tem hoje disponível para que garanta a participação do agricultor dentro do processo (Márcio Roberto - Presidente do CONDETEC - 08/2013).
O atual presidente do CONDETEC lembra ainda, que os assuntos que despertam
maior interesse por parte do campesinato nas discussões do CONDETEC são
vinculados “[...] à câmara de agricultura, por mais que eles tenham na assistência social
uma representatividade, uma participação; um pouco na questão de assistência e saúde e
um pouco na câmara de educação” (Márcio Roberto - Presidente do CONDETEC -
08/2013). Nesse sentido, através do CONDETEC os camponeses do Cantuquiriguaçu
têm participado das discussões sobre o desenvolvimento territorial. Percebe-se que a
participação dos movimentos socioterritoriais e entendidas vinculadas ao campesinato
não é meramente decorativa, já que eles tem tido vez e voto.
A importância da agricultura camponesa para o desenvolvimento territorial do
Cantuquiriguaçu também é reafirmada pelo CONDETEC no documento “Plano Safra
Territorial: 2010-2013” (CONDETEC, 2011). Nele fica evidente a intenção de avançar
de “consumidores” para “propositores” das políticas públicas (p. 56). Demonstra-se
também a compreensão de que o campesinato e o agronegócio possuem lógicas
distintas, sendo necessário pensar em políticas para as unidades produtivas camponesas
que estejam embasadas por dinâmicas diferentes das que moldam a matriz do
agronegócio (p. 67). Assim, mesmo que os documentos orientadores do PTC em âmbito
nacional não considerem a luta de classes, no Cantuquiriguaçu, o CONDETEC tem
buscado orientar suas ações por uma perspectiva que compreende a conflitualidade no
campo e a necessidade de se pensar no desenvolvimento das unidades de produção
camponesas.
Contudo, como o Estado é disputado pelas classes sociais em alguns momentos
ele responde com maior ênfase aos interesses do campesinato do que em outros. Por
isso, na atualidade tem sido observada uma diminuição do interesse dos camponeses do
Cantuquiriguaçu em participar do PTC em razão da pouca atenção que o governo Dilma
Rousseff tem dado a essa estratégia de desenvolvimento territorial.
Como avaliado por Elemar Cezimbra, o auge do PTC foi o governo Lula, de tal
modo que o governo Dilma Rousseff tem contribuído pouco para que a continuidade
das políticas de desenvolvimento territorial.
Na época do Governo Lula saíram umas conferências. Saiu até a Conferência Nacional. Tinha quase três mil pessoas lá em Olinda. Tinha um bom debate. Achei interessante, de muito intercâmbio. Nós enquanto movimento, aproveitávamos ali pra fazer articulação com todas as organizações e debatemos nos corredores. Além de intencionar um documento o mais avançado possível. Mas depois, quando veio o final do Governo Lula, com o Governo Dilma, aí acabou aquela linha de crédito que chamava o pessoal. Aí quer queira
quer não a gente fazia reuniões com quase 100 pessoas. Aí tu aproveitavas pra politizar. Era essa a nossa visão de movimento: politizar para debater, pra articular melhor, pra organizar eventos de debates de politização, de conferências, seminários... Nós já fizemos muito aqui, trouxemos muita gente pra fazer debate aqui [...] não teve suporte, aí deu uma certa esvaziada. Hoje nós vivemos o momento dos territórios aqui no CONDETEC também bastante esvaziado. O auge aqui foi isso que eu estava falando, foi o final do Governo Lula (Elemar – Membro do MST e Ex-presidente do CONDETEC – 08/2012).
Os seguintes pontos merecem ser destacados nessa colocação: 1- os movimentos
socioterritoriais do Cantuquiriguaçu usaram o PTC não como um fim em si mesmo,
como se ele fosse capaz de resolver os problemas dos camponeses pela manutenção do
seu modo de vida e produção, mas como um meio para poder instigar o debate sobre o
modelo de desenvolvimento. Através das reuniões realizadas pelo colegiado territorial,
as lideranças dos movimentos socioterritoriais apresentavam sua leitura sobre a Questão
Agrária e discutiam com o poder público e outras representações da sociedade civil
sobre o formato das políticas públicas para o campo e; 2- entende-se que no governo
Dilma Rousseff as linhas de financiamento da agricultura camponesa constantes no PTC
se tornaram menos atrativas, de tal modo que os movimentos socioterritoriais aos
poucos perderam o interesse em participar do CONDETEC.
Esses elementos nos possibilitam concluir que no Cantuquiriguaçu os
camponeses se interessaram em participar do PTC, contudo, atualmente, a intensidade
dessa participação tem diminuído em razão da avaliação de que o Governo Federal tem
diminuído a oferta de recursos. Assim, percebe-se que o PTC não contribuiu para a
modificação das relações de poder nesse território da cidadania, apesar de ter sido
utilizado pelos camponeses para o desenvolvimento dos seus territórios.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse breve reflexão sobre o PTC no Cantuquiriguaçu demonstramos como o
campesinato se utilizou desse espaço para defender um modelo de desenvolvimento
para o campo diferente do que é gerado pelo agronegócio. Mesmo sendo o PTC uma
política pública compensatória, ele pode ser tomado como exemplo de que o Estado,
apesar de responder com maior intensidade aos interesses do capital, em alguns casos,
também atende aos objetivos do campesinato.
REFERÊNCIAS
CONSELHO DE DESENVOLVIMENTO DO TERRITÓRIO CANTUQUIRIGUAÇU - CONDETEC. Plano Safra Territorial (PST) 2010-2013. Laranjeiras do Sul: Rureco, 2012. ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1991. MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. Disponível em: <http://www.histedbr.fae.unicamp.br/acer_fontes/acer_marx/tme_07.pdf> Acesso em: 29 jul. 2013. MORAES, V. A disputa territorial e o controle das políticas públicas no território Cantuquiriguaçu - estado do Paraná: a participação dos movimentos socioterritoriais e o papel do Estado, 2013. Dissertação (Mestrado em Geografia). Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP, campus de Presidente Prudente.