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ANO 40/41 - Edição 353 Brasília, 14 de dezembro de 2010 a 10 de janeiro de 2011 Jornal-laboratório da Universidade de Brasília Faculdade de Comunicação PREVIDÊNCIA o futuro de quem começa a ECONOMIZAR cedo AMANHECIDOS ESTUDANTES TRANSFORMAM A UNIVERSIDADE EM DORMITÓRIO ANDARILHO CAMPIM ACOMPANHA FARAÓ pELOS BARES DA CIDADE Vanessa Röpke nathália koslik FRed Gallo GuilheRme peRa ANAPOLINOS DÃO NOVO DESTINO AO LIXO

Campus nº 353

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Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília. Edição nº 353. 14 de dezembro de 2010 a 10 de janeiro de 2011.

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Page 1: Campus nº 353

1Brasília, 14 de dezembro de 2010 a 10 de janeiro de 2011ANO 40/41 - Edição 353 Brasília, 14 de dezembro de 2010 a 10 de janeiro de 2011

Jornal-laboratório da Universidade de Brasília Faculdade de Comunicação

PREVIDÊNCIAo futuro de quem começaa ECONOMIZAR cedo

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2 Brasília, 14 de dezembro de 2010 a 10 de janeiro de 2011

exemplo, alcançou o terceiro lugar em competição latino-americana de robótica. Já os alunos do Audiovisual da Fa-culdade de Comunicação conseguem concorrer – e ganhar – prêmios nos festivais ao poder produzir curtas-metragens com menores custos.

Na página 7, com a proximidade do Natal, o Campus revela conteúdo de cartas de crianças para o Papai Noel. Os pedidos que chegam aos correios vão desde brinquedos como o videogame Playstation 3 até cestas básicas. Além disso, o jornal investiga o sono acadêmico. Seja por estudar até muito tarde, seja por beber até de madrugada nos happy hours, estudantes usam os Centros Acadêmicos como albergue. E apontam a falta de transporte coletivo na madrugada brasi-liense como fator para que durmam na Universidade.

E, por falar em vida noturna, o Campim seguiu o ex-comerciante de broches e atual vendedor de livros e pimentas Faraó por uma noite de seus 40 anos nos bares do Plano Pi-loto. Você sabia que o auto-intitulado “andarilho das letras” hoje dispõe de um motorista?

Como lembra o colunista da Folha de S. Paulo Xico Sá: “A reportagem é a alma do jornalismo”. Nesta edição do

Campus, os repórteres foram a campo, viajaram, consegui-ram acesso a milhares de cartas nos correios, investigaram a madrugada universitária além das festas e perseguiram um conhecido personagem da cidade.

Na página 3, conheça alunos que se preparam para o fu-turo e investem em previdência privada desde cedo. Saiba a diferença de começar a poupar para a aposentadoria enquan-to jovem universitário e depois dos 40.

Nas páginas 4 e 5, duas matérias sobre meio ambiente. Em tempos de sustentabilidade, o Campus viajou a Anápolis para a manchete da capa e apurou que o sistema de coleta seletiva daquela cidade abrange 57 bairros. Tem até vestuá-rio 100% feito de material reutilizado. Já em Brasília, a coleta acontece nos ministérios desde 1999, ainda não é bem estru-turada e apresenta resultados bastante distintos nas épocas de seca e nos tempos de chuva.

A página 6 retrata o sucesso de estudantes da UnB. Conheça histórias de alunos que fogem à rotina de estu-dos e se destacam em concursos universitários na matéria Campeões da UnB. Equipe da Engenharia Mecatrônica, por

Um ganho de maturidade. Na maioria dos textos, a terceira edição do Campus houve um avanço de quali-

dade: pautas criativas e inusitadas, personagens que têm algo a acrescentar e questões que, mesmo que envolvam a Univer-sidade, vão além dela. O número de leitores desta edição, provavelmente, aumentou.

E não precisou de muito para isso. Um violino e uma partitura são capazes de transmitir a desacelerada de um dos locais mais movimentados e heterogêneos de Brasília. De um texto literário a um com teor crítico, a reportagem Sonata para metropolitano conseguiu ser fi el à proposta de forma concisa e direta. A repórter soube economizar sem que isso afetasse no conteúdo ou na qualidade.

Essa característica fez falta em Adotivos e fl exíveis. Princi-palmente quando trata dos cursos aos postulantes a uma ado-ção, as informações são prolixas e acabam cansando o leitor. Poderia-se ter economizado esse espaço, sem que acarretasse em perda de informação, para tratar de questões que fi caram no ar. Qual o destino dos adolescentes que não conseguem a adoção? Há uma idade máxima para permanecer nesses abrigos? Como é a rotina dessas crianças e adolescentes que dormem sem saber o que os aguarda no dia seguinte?

Outro ponto que vale ressaltar é o tom da reportagem. Por todo o texto é relatado o processo de forma positiva e sem con-trapontos. Entretanto, no último parágrafo, surge um impacto que quebra o ritmo e deixa o leitor confuso. O artigo Fora do modelo consegue quebrar esse choque, mas o ideal seria que as

RESGATE

Carta do editor

EXPEDIENTE

Ombudskvinna

Campus – Jornal-laboratório da Faculdade de Comunica-ção da Universidade de BrasíliaEditor-chefe: Guilherme PeraSecretária de redação: Roberta DinizDiretor de arte: Thiago VilelaEditores: Rodrigo Antonelli (fotografi a), Paulliny Gualber-to (página 3), Raphaella Bernardes (páginas 4 e 5), Camila Vellasco (página 6), Bárbara Vasconcelos (página 7) e Mariana Costa (Campim)Diagramação: Davi de Castro, Juliana Contaifer, Larissa Leite, Tajla Medeiros e Edemilson ParanáFotografi a: Braitner Moreira, Daniela Gonçalves, Gabriella Furquim e Vanessa Röpke Repórteres: Ana Elisa Nunes, Camila Maia, Carícia Temporal, Clara Campoli, Emanuella Camargo, João Thiago Stilben, Laís Alegretti, Letícia Correia, Lorena Bicalho, Luiza Machado, Miguel Reis, Nathália Koslyk, Renata Rusky, Tatiana Tenuto, Thaís Cunha Coluna de Opinião: João Thiago StilbenIlustração: Iúri Lopes e Vitor FubuProjeto Gráfi co: Ana Elisa Nunes, Clara Campoli, Letícia Correia, Lorena Bicalho, Miguel Reis, Tatiana Tenuto, Thaís Cunha e Thiago VilelaProfessores Responsáveis: Sérgio de Sá e Solano NascimentoJornalista: José Luiz SilvaCampus Darcy Ribeiro, Faculdade de Comunicação, ICC Ala Norte.Contato: (61) 3107-6498/6501 CEP: 70.910-900 E-mail: [email protected]áfi ca Palavra Comunicação - 4.000 exemplares

GUILHERME PERA, EDITOR-CHEFE

MarCela MaTTosesTuDanTe Do sÉTiMo seMesTre De JornalisMo

difi cul-dades no

processo fossem pincela-das já no início da matéria.

O excesso de aspas também incomodou. São muitas falas

dizendo a mesma coisa, e outras até fora de contexto, como a da

nutricionista Daisy Castellano. O mesmo aconteceu em Canto que dá o tom. O lide e o sublide são bastante atrativos, mas no desenvolvimento a reportagem se perde com aspas previsíveis e que poderiam ser resumidas no corpo do texto. Faltaram boas histórias que sustentem, de fato, a importância dos corais para quem os pratica.

Por outro lado, boas histórias conseguiram ser contadas em Correndo por fora e “Não preciso mais”. Os autores parti-ram de um fato para generalizar questões maiores: o esporte como investimento e algumas problemáticas do Bolsa Família. Desse jeito, o jornalismo vai para além da literatura e traz dados relevantes. O leitor sai ganhando.

Feminino de Ombudsman, termo sueco que signifi ca repre-sentante, a Ombudskvinna observa e discute o comportamento dos jornalistas e o resultado fi nal de seu trabalho. É a defensora do leitor junto ao jornal.

Leia o

fac.unb.br/campusonline

@campus_online

Em 1991, o Campus publicou em sua 148ª edição uma matéria sobre um hóspede do Centro Acadêmico de História, Nestor Pedro Karduner, argentino e ex-hare krishna. Nestor conquistou os estudantes e levantou polêmica na Universida-de por sua permanência em lugares não-convencionais. Antes de morar no CA, ele dormia no tatame do Centro Olímpico, mas foi obrigado a sair por causa de uma determinação do Serviço de Proteção ao Patrimônio. A reportagem levanta o assunto sobre o direito de dormir ou não na UnB. A Universidade é literalmente um espaço público?

Durante esses 19 anos a pergunta continua sem resposta e encontramos pelos corredores, CAs, estacionamentos perso-nagens intrigantes e procuramos o conhecidíssimo Paulo Caô, morador vitalício do campus que até o fechamento do jornal não havia sido encontrado para uma entrevista.

Enfi m, seja para uma sonequinha ou para uma estada permanente sem pagamento de aluguel, alunos e frequentadores do Campus Darcy Ribeiro veem o lugar como uma ótima hospedaria. Veja a matéria da página 7 e descubra que a UnB não é somente a segunda casa de muitos, ela é quase a casa da mãe Joana.

dade: pautas criativas e inusitadas, personagens que têm algo a acrescentar e questões que, mesmo que envolvam a Univer-

processo fossem pincela-das já no início da matéria.

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Renata Rusky e Laís Alegretti se divertem com histórias do sono alheio

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Camila Maia entrevista catadora no centro de triagem de Anápolis

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3Brasília, 14 de dezembro de 2010 a 10 de janeiro de 2011

ECONOMIADe olho nO FUTUROAumenta número de universitários que aplicam eminvestimentos de longo prazo

O melhor momento de se preparar para o futuro é na juventude. O estudante Pedro Henrique Kowal-

czuk, 22 anos, do curso de Economia da Universidade de Brasília (UnB), age de acordo com esse pensamento. Ele optou por fundos de investimento pós-fixados. Ko-walczuk deposita R$ 600 mensalmente, dinheiro que vem da bolsa do estágio e de alguns trabalhos ex-tras. Seu projeto é ambicioso: quando estiver com pouco mais de quarenta anos, espera ter acumulado cerca de R$ 2 milhões. “E o que são R$ 600 por mês? Vários amigos meus de classe média gastam fácil R$ 200 em uma noite, e isso em alguns anos pode fazer uma diferença muito grande.” Apesar de seguir firme com o projeto, ele garante que para isso ninguém tem que deixar de viver. No entanto, entrega, com bom humor, a opinião da namorada: “Ela me acha pão duro, sim, mas aprendeu a conviver”.

Kowalczuk é exceção. A realidade é que a preocupa-ção com o futuro financeiro de quem tem entre 18 e 25 anos, idade da maioria dos estudantes de ensino supe-rior, costuma ser pequena. Segundo dados do Instituto Bra-sileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 1,17% das pessoas nessa faixa etária possui título de previdência, ou seja, 307.890 indivíduos num total de 26.311.777 jovens brasileiros com essa idade. Acostumados a destinar a mesada recebida dos pais e a bolsa do estágio para xerox, transporte e lazer, os universitários ainda gastam pensando no presente.

Esse é o caso de Mariana Mendes de Oliveira, 23 anos, graduada em Jornalismo pelo UniCeub e formanda em Artes Cênicas pela UnB. “Eu tenho algo bem assim mesmo, de viver o dia presente.” Ela diz que não é de ficar planejando a longo prazo e que quando poupa algum dinheiro é para algo próximo, como uma viagem. “Quem vive o momento acaba pensando no futuro, mas de uma forma diferente. Sou muito feliz assim e imagino que, se eu continuar, meu futuro também vai ser feliz.” Mariana mora sozinha e, além de fazer alguns freelances, recebe uma pensão do pai. “Acho que vou mudar com o tempo, eu penso nisso, um dia não vou poder ser tão de momento. Por enquanto, prefiro viver desse jeito mesmo”.

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por Miguel reis e CaríCia TeMporal

Mas o interesse de jovens brasileiros por poupar e investir seus recursos está crescendo. Segundo a Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi), o número de planos de previdência voltados para esse segmento cresceu 17% desde 2009. As constantes mudanças nas regras da previ-dência estatal estão entre os motivos. Dentre essas modificações, a mais comum é no fator previdenciário, índice calculado com base no tempo de contribuição, idade ao se aposentar e expectativa de vida. O resultado da conta é utilizado para determinar o valor do benefício que a pessoa irá receber. A última alteração desse cálculo aconteceu no início de dezembro, devido ao aumento da expectativa de vida do brasileiro, divulgada anualmente pelo IBGE, e que em 2010 subiu para 73,2 anos.

APOSENTADORIA precocePara a estudante Lorena Lima, aluna de Ciências Contá-

beis, poupar qualquer quantia, mesmo pequena, ajuda. Ela atribui sua preocupação com o futuro ao gosto pelas finanças: “Resolvi fazer o curso porque gosto muito de dinheiro!”. Essa postura fez com que ela se tornasse mais endinheirada que os irmãos gastadores, se transformando bem cedo, aos 12 anos, na administradora das finanças da família. Todo mês, passa tudo para a ponta do lápis. Também se tornou uma espécie de credora dos irmãos. “Um deles me deve cerca de R$ 1 mil.” Hoje, com 19, ambiciona começar a trabalhar em breve: “Quero ficar rica logo!”, brinca.

Conforme especialistas, previdência privada, poupança, aplicações em renda fixa ou variável, tesouro direto, ações e imóveis são algumas opções de investimento para se chegar à idade de vestir o pijama com um pouco mais de dinheiro no bolso. A idade precoce favorece quem deseja fazer investi-mentos mais ousados. É o que explica César Augusto Tiburcio Silva, professor da disciplina Finanças Pessoais, oferecida pelo curso de Ciências Contábeis da UnB. Segundo ele, os jovens têm menos compromissos financeiros, como presta-ções ou gastos com filhos, e podem se aventurar nos mercados mais lucrativos, mas também mais arriscados.

A economista Gisella Colares, analista do IBGE, tem opinião clara sobre a idade ideal para se pendurar as chuteiras. Para ela, a aposentadoria deve ser para pessoas que realmente não têm condições de trabalhar. “Se você com 60, 65, ainda pode fazer pesquisa, dar aula, faça isso. Se investir na sua qualificação, vai envelhecer com capacidade de trabalho, vai estar sempre acompanhando as perspectivas. A aposentadoria há muito não é uma necessidade, é um privilégio, e não era pra ser assim.” O estudante Kowalczuk concorda. “Nunca vou parar de trabalhar, mas a liberdade mesmo está em você trabalhar porque quer e não porque precisa. Eu vou escolher todo dia trabalhar, porque quero, e não porque eu estou atola-do no cheque especial”, afirma.

Kowalczuk: é preciso planejar para escolher o melhor investimento

Fonte: Banco do Brasil

Previdência na corda bambaA previdência pública é um dispositivo de proteção so-

cial. Segundo Maria Paula Gomes dos Santos, técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a ideia é que o Estado proporcione serviços e benefícios para cobrir o trabalhador naqueles momentos em que ele não pode exer-cer o seu trabalho, ou que seu trabalho seja insuficiente para satisfazer todas as suas necessidades.

Conforme Maria Paula, a criação da previdência se deu em um momento de grande expansão da economia global, entre as décadas de 1950 e 1980, e as taxas de crescimento e de mortalidade eram compatíveis com as regras de contribui-ção e de benefício. Mais recentemente, dois fatores fizeram aparecer problemas e questionamentos sobre os programas previdenciários. Primeiro, a queda do crescimento econômi-co mundial, nos anos 1980. Segundo, os sistemas previden-ciários, se submetidos às mesmas regras de contribuição e benefícios originais, não se sustentariam quando as pessoas passassem a viver mais.

A pesquisadora, que é especialista em previdência, acrescenta que nem todos concordam com isso. A principal dificuldade de quem analisa o tema é que não há consenso sobre quais são os problemas e as soluções para a previdên-cia estatal. Tanto que a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), ao analisar a seguridade social relativa ao ano de 2009, afirma que a previdência poderia ser superavitária se todas as fontes de financiamento previstas na Constituição de 1988 fossem efetivamente creditadas.

O que fazer com seu dinheiro?Por apresentar rentabilidade, liquidez e riscos diferen-

tes, cada tipo de investimento é indicado de acordo com o perfil do investidor e seus objetivos. Quem está disposto a arriscar para ganhar mais e sabe que não vai precisar do dinheiro por um bom tempo, pode ser mais ousado e esco-lher investimentos que implicam riscos e ganhos maiores. Já quem tem perfil impróprio para aventuras financeiras, como alguém responsável pelo sustento da família, deve optar por menores riscos e maior liquidez, consequente-mente menores rendimentos. O mais indicado é diversificar ponderadamente as aplicações.

Plano de previdência privadaPlanos de previdência privada oferecem comodidade e

baixo risco. No entanto, o rendimento é um dos menores se comparado às outras opções. Caso seja necessário resgatar o valor acumulado antes do período previsto, os descon-tos contratuais e tributários irão comprometer bastante os rendimentos. Os valores absolutos que esses planos apresentam nas simulações atraem os investimentos, que cresceram 27,33% na comparação entre os meses de agosto de 2009 e 2010. Quem começa cedo precisará desembolsar uma contribuição mensal menor para ter uma renda razo-ável no futuro. Rentabilidade baixa, risco baixo e liquidez baixa. Confira o infográfico.

Caderneta de poupançaAinda sob efeito do golpe que sofreu há 20 anos, quando

parte do dinheiro investido foi confiscado pelo Plano Collor, a poupança não recuperou totalmente o nível de confiança de antes. Mesmo assim, é bastante popular. Uma forma de investimento com baixa rentabilidade, porém alta liquidez e baixo risco.

Renda fixa ou pré-fixadaJá não é tão atraente hoje em dia. A queda das taxas de

juros, as taxas de administração e os descontos tributá-rios que incidem sobre os ganhos quase igualam a renda fixa à poupança, com pequena vantagem. Porém, quanto maior o prazo, menor é o imposto de renda cobrado sobre o rendimento e a aplicação começa a ficar mais vantajosa. Comparada à poupança, tem menor liquidez, rentabilidade intermediária e baixo risco.

Renda variável ou pós-fixadaA rentabilidade dependerá do mercado, pois esses fun-

dos investem em ações de empresas de diferentes setores da economia, que podem subir e cair imprevisivelmente. Aplicando em diferentes ações, os riscos podem ser diluídos, e é o que os fundos em geral fazem. Há possibilida-de de maiores rendimentos, mas também de perda. Por ser ligado ao mercado de ações, igualmente é um investimento de longo prazo e não se deve contar com liquidez em caso de emergências.

Aplicação direta em açõesNessa hipótese, o investidor abre uma conta em uma

corretora de valores e toma todas as decisões que irão resul-tar em lucro ou prejuízo. Deve-se levar em conta o tempo disponível para acompanhar o mercado e quais as consequ-ências de uma potencial perda. Alto risco, baixa liquidez e possibilidade de alta rentabilidade.

Tesouro Direto (TD)É um programa de venda de títulos do Tesouro Nacio-

nal a pessoas físicas. A rentabilidade vai variar conforme a modalidade de TD, podendo ser prefixada ou indexada a índices como taxa Selic, IGP-M ou IPCA. Incide imposto de renda sobre os rendimentos e, se o prazo for inferior a 30 dias, também IOF. As aplicações podem ser feitas a partir de R$ 100,00. O gerenciamento é feito diretamente pelo investidor ou por um agente de custódia, neste caso, com custos de administração.

Investimentos pessoaisSegundo o estudo “Você e o mercado de trabalho”, da

Fundação Getúlio Vargas (FGV), o salário do brasileiro aumenta até 15% a cada ano a mais de estudo. Além disso, cada um desses anos aumenta as chances de conseguir emprego em 3,3%. Estudo de línguas, intercâmbios e domínio da informática enriquecem o currículo. Indireta-mente, outros conhecimentos também podem ajudar, como música e literatura. O aprimoramento facilita a vida de quem quer conseguir um bom emprego e trabalhar com o que gosta.

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Com depósitos de R$ 100 por mês dá para se aposentar aos 60 anos. Quanto

mais cedo começar, melhor.

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4 Brasília, 14 de dezembro de 2010 a 10 de janeiro de 2011

Lição que vem do lixoMobilizados pela causa ambiental, moradores de Anápolis aprendem e ensinam a reaproveitar o que seria jogado fora

por CaMila Maia e naThÁlia KoslYK

Anápolis (GO) – O terreno fi ca nas redondezas da creche, em frente à feira dominical de verduras. A cada segunda-

feira o lugar enchia-se de lixo e, com uma simples chuva, a ter-ra ia abaixo. A mudança começou por mãos de crianças. Neste ano, foram plantadas em torno de 50 árvores no lugar que era considerado o lixão da Vila Formosa. “Cada árvore tem o nomezinho daquele que plantou”, conta a coordenadora da creche onde funciona o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), Selma Ramos da Silva.

Jackson Charles foi quem primeiro notou a situação do terreno. Ele é morador da Vila Formosa, um dos 26 bairros que passaram a ser atendidos pela Coleta Seletiva de Anápolis (CSA) em 2010. Com o apoio da prefeitura e da comunidade, além do plantio das mudas, conseguiu que os 1.000 m² fos-sem cercados. Charles nomeou-se responsável pela região: “As ações que faço são em nome da comunidade. Por amor, por carinho, e pelos anos de vida que passei aqui. Foi aqui que terminei a escola, comecei meu primeiro emprego e abri a minha empresa”.

Iniciativas como a de Jackson Charles surgiram depois que a coleta seletiva foi ampliada na cidade. O programa começou no ano de 2006 em apenas três bairros. Em 2009, o número subiu para 31 e, neste ano, quase dobrou (ver infográfi co). Os caminhões da coleta seletiva chegam hoje a 57 dos 326 bairros de Anápolis. Além disso, passam diariamente nos 20 Pontos de Entrega Voluntária (PEV) espalhados em locais estratégicos, como supermercados e praças. Pelas ruas da cidade, a mudança de comportamento é expressiva. Até os que ainda não partici-pam do programa mostram-se interessados pela causa.

perativa, Celeste Pereira da Silva, de apenas um caminhão, passaram a ser cinco. Apesar de ser autônoma, o desenvolvi-mento da cooperativa contou com o apoio da prefeitura, que disponibilizou os veículos utilizados pelo programa.

Com o crescimento, a triagem, antes feita no aterro sanitá-rio, foi transferida para uma central. “O material aqui já vem pré-selecionado, sem coisas perigosas. Nosso resíduo é limpo. Não estamos mais correndo risco de vida. Por ele vir direto das residências, a gente vende com um valor melhor”, diz Celes-te, “e o lucro aumentou, principalmente para as mulheres”. Se trabalhassem de forma independente, as mulheres, que em geral têm menos força física que os homens, receberiam benefício menor. Na central de triagem, o dinheiro arrecadado é dividido de forma igual entre os trabalhadores.

Os cooperados aprenderam a lidar com as diferentes ca-madas sociais. Nos bairros nobres, sabem que a sensibilização dos moradores passa antes pelo síndico e pelos porteiros. Nos outros lugares, o contato direto funciona melhor. A escolha dos locais para a coleta seletiva depende da vontade dos mo-radores: “A gente entra com a implantação no bairro em que a aprovação é maior que 60%”, explica Celeste. Ao todo, são recolhidas cerca de três toneladas de resíduos por dia.

Ainda de acordo com Celeste, a aceitação nos bairros é boa: “A gente é parabenizado. O pessoal tem consciência de que o lixo é um problema que temos de melhorar”. No entanto, a presidente reconhece que ainda há muito a fazer: “Estamos no limite. Para ampliar nosso trabalho, era necessário ter um lugar com uma estrutura maior, mais trabalhadores e mais caminhões. Mas isso é para o futuro”.

Braços dadosA coleta seletiva é realizada pelos membros da Cooperati-

va dos Catadores de Lixo de Anápolis. Maria Dinalva Soares de Sousa, integrante do grupo e catadora há seis anos, está otimista: “A cidade tá melhorando, e aqui vai crescer, vai melhorar 50%. Na rua eu não ganhava o tanto que eu ganho aqui”. Kátia Vitorina da Silva, também cooperada, já enxerga os frutos do seu trabalho. “Antigamente a gente andava na rua e via aquele tanto de lixo espalhado, hoje a gente não vê mais isso”, diz. E mostra orgulho pela profi ssão: “Admiro muito meu serviço. Quando me perguntam se eu quero sair daqui, não quero não”.

O número de trabalhadores do grupo cresceu de 11 para 31 em relação ao ano de 2009. A remuneração mensal, que já foi de R$ 230, hoje supera o valor do salário mínimo. Além do aumento da mão-de-obra e da renda, a frota destinada para a coleta também cresceu, permitindo que o serviço chegasse a novas áreas da cidade. De acordo com a presidente da coo-

“Antigamente a gente andava na rua e via aquele

tanto de lixo espalhado, hoje a gente não vê

mais isso”

A presidente da Cooperativa de Catadores de Anápolis, Celeste Pereira da Silva, veste a camisa do projeto e se orgulha da profi ssão

Ana Carolina Aparecida de Souza exibe a roupa feita com canudos

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Pela cidadeGrande parte dos anapolinos que participam da coleta

seletiva só começou a separar o lixo depois da iniciativa da prefeitura. A dona de casa Maria Thereza é uma delas e já dis-seminou a ideia: “Todo mundo da família sabe, até os peque-nos. Acho muito importante porque é um bem pra sociedade”.

A conscientização chegou até nos bairros que ainda não são atendidos pelo programa. Rômulo dos Santos é um dos moradores descontentes com a situação. Quando questionado sobre uma possível adesão, responde: “Todo mundo contri-buiria se tivesse (coleta). Mas não tem, então não tem como. Vão pegar o lixo separado e colocar em um recipiente só”.

Maria Cristina separa o lixo desde que morava em São Paulo e levou o hábito para Anápolis. Mas queixa-se da baixa frequência da coleta: “Faz dois meses que eu separo o lixo, e ninguém foi buscar até hoje. Não tenho mais onde pôr”. Leila da Silva cansou de esperar: “Eu parei. Demora muito pra passar. Ainda tem o problema da dengue. Agora pego o saco de lixo e coloco na rua”.

O secretário do Meio Ambiente da Prefeitura de Anápolis, Luiz Henrique, justifi ca por que a abrangência não é maior: “O trabalho de coleta seletiva é um trabalho de formiguinha. Tudo o que estamos fazendo é de forma organizada, dando o passo do tamanho da perna”. E, apesar do realismo, não es-conde a ambição: “A meta é, um dia, chegar a ponto de não ter mais aterro sanitário. Não é utopia, muitos países da Europa conseguem. É um processo longo. A coleta seletiva é o primei-ro passo”. O secretário tem outros projetos em mente, como o cadastro dos carroceiros da cidade, para que depositem todo o lixo coletado em pontos específi cos, e a ampliação da coleta seletiva e dos PEVs.

MultiplicandoInstituições como o Serviço Nacio-

nal de Aprendizagem Industrial (Senai) e o Transporte Coleti-vo de Anápolis (TCA) tam-bém estão alinhadas com a coleta seletiva. Metade da frota dos ônibus possui-motor eletrônico, que reduz em até 60% o nível de resíduos

liberados na atmosfera. Por esse motivo, foram batizados pela empresa como “ônibus amigáveis ao meio ambiente”.

No segundo semestre letivo deste ano, o Senai inovou com um desfi le de moda sustentável. O coordenador pedagógico Wilson de Paula explica que a inspiração surgiu nas ruas da cidade: “Trouxemos essa necessidade pra dentro. Como é que a gente faz cidadania senão por meio da escola também?”. As roupas foram confeccionadas por 27 alunas do curso de costura industrial, com materiais reutilizáveis, como garrafas pet, plásticos, lacres, CDs, balões.

A professora Gilne Gonçalves conta que a confecção dos modelos mobilizou também os familiares: “Minha mãe de 73 anos junta os lacres pra mim. Tudo o que a gente foi precisan-do de material reutilizável, as pessoas de casa prepararam com a gente”. Ela lembra o que ouviu das alunas sobre o resultado: “Nunca imaginei estar cortando CD, costurando saco de lixo, e fi car tão bonito assim”. O desfi le seria realizado depois do fechamento desta edição do Campus.

Uma das alunas do curso de Costura Industrial, Ana Ca-rolina Aparecida de Souza teve sua roupa confeccionada com 4.613 canudos que ajudou a coletar. O objetivo da estudante é informar as pessoas sobre o poder destrutivo desse material: “Não são só as garrafas PET que destroem o mundo”.

Érica dos Andes, outra aluna da turma, idealizou uma rou-pa feita com notas de dinheiro. Ela alerta para a importância do consumo responsável: “Conscientizando os jovens agora, a gente pode salvar o futuro. Tudo tá acabando rápido. Todos precisam ajudar, não adianta só nós aqui”.

kátia VitoRina da silVa

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5Brasília, 14 de dezembro de 2010 a 10 de janeiro de 2011

por eManuella CaMargo e lorena BiCalho

Servidores públicos passaram a separar resíduos quebenefi ciam catadores organizados em cooperativas

Silenciosamente, a faxineira Domingas Costa recolhe os poucos copos d’água das lixeirinhas de bebedouros no

Ministério da Educação (MEC). No curso de especialização, ministrado há três anos, ela aprendeu a diferenciar os resí-duos. “A gente tira os copos de plástico e deixa separado dos lixos do banheiro e das salas”, diz. “Ninguém mistura.”

A coleta seletiva mudou a rotina dos funcionários na Es-planada. No Ministério do Meio Ambiente, as lixeiras indivi-duais foram eliminadas. Em troca, a cada repartição de seis a dez funcionários, reservatórios separam plástico, papel e lixo orgânico. No Ministério do Trabalho, em cada sala, há uma lixeira para recicláveis e outra para não-recicláveis. “A sepa-ração depende da consciência das pessoas de cada setor”, diz a servidora pública Jaqueline Medeiros.

A triagem do material reciclável e sua destinação a catado-res começaram em 1999 em parte dos ministérios. Em 2006, o decreto presidencial 5.940 tornou obrigatória a prática nos órgãos públicos federais. Hoje, de acordo com o represen-tante da gerência de usinas do Serviço de Limpeza Urbana (SLU), Gemilvam de Souza, são recolhidas de três a cinco toneladas de lixo nos ministérios por dia.

Para Geraldo Abreu, coordenador da Agenda Ambiental Pública – programa para criar ações de sustentabilidade nas repartições públicas –, a separação do lixo é importante porque evita que resíduos da administração pública cheguem aos aterros sanitários. “É possível que nós façamos a reci-clagem, encaminhando o material ao setor produtivo para que ele possa reutilizar, reduzindo a extração de recursos virgens”, afi rma.

Das salas dos servidores públicos, os resíduos vão para galpões nas garagens, ou para contêineres externos aos prédios. “Cada órgão, através da sua comissão, defi ne uma estratégia”, explica Francisco Nascimento, assistente do Comitê Interministerial de Inclusão Social de Catadores de Material Reciclável (Ciisc).

A coordenadora de Licenciamento Ambiental e dos Recur-sos Hídricos do Instituto Brasília Ambiental (Ibram) Sabrina Damascena Dutra explica que o armazenamento do lixo deve ser feito em local fechado para se evitar vazamento e mau

cheiro, o que também impede que resíduos recicláveis fi quem expostos à chuva.

No MEC, trabalhadores da Associação Pré-Cooperativista de Catadores de Resíduos de Brasília (APCoRB) passam em caminhões do SLU e da empresa Qualix Ambiental. Coope-rados recolhem o lixo e o levam ao centro de triagem no SLU, onde o material é novamente separado e depois vendido. A cooperativa comercializa os papéis do MEC a R$ 0,26 o quilo.

As caçambas dos caminhões comportam, em média, seis toneladas de papel. No pátio coberto, o material é acomoda-do em grandes pilhas. Apesar do forte odor, catadores sentam em bancos e caixotes e separam papéis brancos dos coloridos e dos jornais. “Daqui vai pra indústria. Chega lá, vão selecio-nar, sempre vai um papelzinho diferente, que eles descontam no preço”, conta Glaucielle Lopes, fi scal da APCoRB. “Há 25% de desconto só da água, que molha o papel. Agora, no tempo da chuva, a gente passa uma crise que só Deus.”

Glaucielle trabalha das 7h às 14h40 e ganha, em média, R$ 500 por mês. Na época de chuva, o salário diminui para R$ 200. Ela conta que, para aumentar a renda, aproveita objetos do lixo. “Hoje encontrei três vidros de perfume. Vou vender cada um por um real”, diz. Algumas vezes, os objetos servem, também, para presente. “Esses dias, achei três carri-nhos do Ben10. Eu levei, lavei, botei num saquinho e dei para o meu sobrinho”, lembra satisfeita.

A presidente da APCoRB, Alessandra Alves, afi rma que seu salário é menor que o de um catador individual, mas que, mesmo assim, prefere trabalhar em conjunto.“Hoje a gente consegue ter reconhecimento através do grupo. Um só na rua, o preconceito é maior. Se tá lá catando é mendigo, ladrão, pé-inchado, drogado”, constata.

Segundo Nascimento, assistente do Ciisc, participar de uma cooperativa não é garantia de boas condições de traba-lho. “Ainda existem equipes fazendo separação a céu aberto e catador de cooperativa usando carroça ou, até mesmo, fazen-do tração humana”, relata. Para ele ainda existem problemas na forma como o catador é inserido no processo. “O decreto existe, mas a coleta seletiva é bem mais complexa do que um decreto e ela ainda não está bem estruturada.”

em brasília, coleta muda rotina de ministérios

O que é?O processo que destina parte do lixo para as indústrias que fazem a reciclagem do material.

Quais os benefícios?Aumento da vida útil de aterros sa-nitários, geração de renda para os trabalhadores e proteção contra os problemas causados pelo descarte inadequado do lixo.

O que pode ser reciclado?Embalagens, jornais, garrafas, sa-cos plásticos e outros materiais de papel, vidro, plástico e metal.

COLETA SELETIVA

Lembro-me do tempo em que meu prédio na Asa Sul era um exemplo à ideia de reciclagem. O tempo passou e

com ele veio o desinteresse pelo tema. Hoje, dificilmente se vê a separação devida do lixo no mesmo local. Coincidência ou não, faz muito tempo que aquela “onda verde” das pro-pagandas sobre coleta seletiva na televisão se foi.

A preocupação ambiental assumiu caráter de marketing político e empresarial. O “comprem nossos produtos, pois somos ecologicamente corretos” e o “votem em mim, pois defendo a natureza” substituíram aquela anti-

ga publicidade de governo.Os moradores de Anápolis talvez nem queiram

saber o que fazem essas empresas em prol da natureza, mas sabem onde se encontra o

seu próprio senso de humanidade. Nesse caso, a ideia partiu de baixo

e atingiu de forma certeira a prefeitura. Mas isso não

é fácil. Estima-se que

a diferença

Opinião

rotina de ministérios

RECICLAGEM DO INCENTIVOJoÃo Thiago sTilBen

No centro de triagem do SLU, catadoras separam o lixo dos ministérios

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A presidente da Cooperativa de Catadores de Anápolis, Celeste Pereira da Silva, veste a camisa do projeto e se orgulha da profi ssão

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entre a população brasiliense e a anapolina seja de mais de dois milhões de habitantes. O número torna o trabalho de “formiguinha” inviável para uma população que não tem se mobilizado ou não possui tanta atenção do governo.

O que se pode sugerir, nesse caso, é a iniciativa partir de cima, em uma forma mais completa do que aquela motivação passageira que se foi com o descaso.

Pode ser criada uma empresa pública, de direitos privados, para tratar do assunto de coleta e reciclagem. Um lugar onde os catadores teriam maiores benefícios e estímulo em sua profi ssão, que hoje, apesar de regularizada, ainda sofre com o preconceito de parte da população. O piso para a renda seria o salário mínimo e a oferta de emprego, maior.

Isso tudo serve para retirar a “complexidade” da coleta que a reportagem sobre Anápolis cita, e esquematizar um meio pelo qual a população teria motivo mais palpável para deixar de lado sua preguiça, assim como já foi feito com a questão do lixo nas ruas da capital.

O povo responde às iniciativas corretas e honestas do governo. É a hora em que Estado e sociedade civil caminham na mesma direção.

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6 Brasília, 14 de dezembro de 2010 a 10 de janeiro de 2011

universidade

Conheça as histórias de alguns dos alunos que conquistaramlugares de prestígio em concursos nacionais e internacionais

tecnologia

Universitários fi lmam com material mais barato e chegam

ao Festival de Brasília antes da formatura

campeões da unbpor luiZa MaChaDo

por Clara CaMpoli

Aulas, trabalhos, provas. Esta é a rotina encarada pela maio-ria dos alunos da UnB. Alguns, porém, vão mais longe,

com o objetivo de diminuir o espaço entre a Universidade e o mercado de trabalho. São equipes de estudantes de diferentes cursos, mas com uma característica em comum: a vontade de demonstrar o conhecimento adquirido por meio de projetos feitos para concursos regionais, nacionais e internacionais.

Os alunos de Desenho Industrial Eudes Lins e Marcos Morce fi caram sabendo da competição Curta Criança, da TV Brasil, pouco antes do fi nal das inscrições. O desafi o era criar um desenho animado de 12 minutos voltado para o público in-fantil. Eles concorreram com mais de 300 equipes de profi ssio-nais já formados. Com a história de Malu Maluca, uma menina que incentiva os amigos a saírem de casa para brincar na rua, Lins e Morce fi caram entre os 13 selecionados e assistirão à sua produção nas telas da emissora no ano que vem. “Quando li o e-mail dizendo que tínhamos ganhado não acreditei. Nossos concorrentes estavam na área havia muito tempo, então foi muito gratifi cante”, conta Morce.

Surpresa também teve o aluno de Arquitetura Luiz Eduardo Sarmento quando fi cou sabendo que o projeto dele e de mais dois alunos e um professor da área tinha ganhado menção

honrosa. Concorreram com nove equipes no Concurso Habitação para Todos, do Instituto de Arquitetos do Brasil e da Companhia de Desenvolvimento Habitacio-nal do Estado de São Paulo. O objetivo era projetar moradias sustentáveis para população de baixa renda. O produto está em expo-sição na capital paulista e depois será publicado em livro. “Foi o primeiro grande concurso deste tipo, então para a gente é até uma ques-tão de autoestima. Dá todo um estímulo, sabemos que estamos no caminho certo”, afirma Sarmento.

O caminho, porém, não é fácil. São muitas noites

Os filmes produzidos pelos estudantes de Audiovisual da Faculdade de Comunicação (FAC) aparecem com uma

frequência cada vez maior no Festival de Brasília do Cine-ma Brasileiro, de prestígio nacional. Os curtas-metragens, filmados durante o sexto semestre do curso, na disciplina Laboratório de Produção em Audiovisual, conhecida como Bloco, passaram a ser concluídos a tempo de serem exibidos no festival do ano seguinte, com o uso da tecnologia digital. Assim, a maioria dos alunos que fazem os filmes os vêem nas telas antes mesmo de se formar. “O digital permite a ex-perimentação. Com ele, você pode filmar mais, errar mais”, opina a professora de Audiovisual Dácia Ibiapina.

Anteriormente, por serem em película, os filmes exi-giam verba maior. Alguns alunos não chegavam a concluir o trabalho. Agora, como os custos para a produção digital são mais baixos (veja box), a finalização do filme se torna um processo menos complexo para os cineastas de primeira viagem. Os alunos inclusive se programam para conseguir inscrever os filmes para a seleção do Festival. Se o filme inscrito for de Brasília, está automaticamente selecionado para exibição na Mostra Brasília, para a qual não existe premiação. Neste ano, para a Mostra Competitiva, foram inscritos 459 filmes e selecionados seis longas, 12 curtas em 35mm e 88 digitais. Cecília Álvares, diretora do curta Grande amigo Santo Antônio (2009) conta do planejamen-to: “Focamos no festival. Pensamos: ‘temos mais ou menos um ano para terminar e colocar no evento’. Neste quesito, o digital é muito positivo”.

Melhorias recentes na qualidade da tecnologia também contam na hora de escolher como filmar. Estudante do sexto semestre de Audiovisual e diretora de Abracadabra, um dos três filmes que estão em produção este ano, Larissa Braga defende o suporte: “O digital faz um trabalho tão bom quan-to (a película), por um valor consideravelmente menor. Isso facilita os trabalhos independentes. A gente tem que incen-tivar o cinema, não colocar obstáculos”.

De fato, são muitas as dificuldades desse tipo de cap-tação de imagem. Otávio Chamorro, que dirigiu o curta Do andar de baixo (película 16mm, 2009) com a colega Luisa Campos, conta que o filme só ficou pronto quatro anos depois de iniciado o processo de filmagem, em 2005, atraso

que se deu pelo alto custo da pós-produção. Exibido na edi-ção deste ano do festival, causou grande comoção na equipe. “Cinco anos depois, é uma mistura de alívio e alegria, um fardo que cai”, comemora Chamorro.

No entanto, o excesso de facilidades que o digital traz preocupa alguns alunos, e até mesmo quem é formado em Audiovisual. Chamorro, que carrega na bagagem um filme em 16mm e outro em 35mm, acredita que a experiência é muito importante para os estudantes. Ele conta que o rigor nas tomadas era essencial para que o dinheiro fosse bem aplicado, e afirma que o baixo custo do erro no digital faz com que a precisão no set seja menor: “O digital tem essa vantagem de fazer até dar certo, e em película não tem isso. Você filma duas tomadas e está pronto”. Mariana Tesch, di-retora do curta Menarca (digital, 2010), sente falta de testar a tecnologia. “A faculdade deveria proporcionar uma experi-ência, nem que fosse em alguns exercícios, para a gente ter contato com a película.”

Não é falta de vontade dos professores. Dácia acredita que o ideal é que os alunos façam filmes com os dois tipos de tecnologia, mas esta não é uma possibilidade para a FAC: “A película continua sendo importante, é a forma de captação mais nobre que existe na área, só que ela se tornou tão nobre, tão cult, quase um fetiche, que hoje as escolas quase nunca trabalham com ela”. Integrante da equipe de professores que atualmente orientam os filmes, Érika Bauer acredita que a mudança é positiva para a formação dos estu-dantes de Audiovisual: “Não considero fundamental o uso da película durante alguma fase do Bloco”.

Para Tânia Montoro, professora de Audiovisual da FAC e jurada do Festival de Brasília por três vezes, a tendência do mercado brasileiro é a do uso cada vez maior da tecno-logia. A professora também diz que não é necessária uma superprodução em 35mm para fazer cinema. “O que define a narrativa é a forma, e não o suporte. Tem gente que faz fil-me, mas não faz cinema”, opina. O estudante Pedro Beiler, diretor de Sobre Esaú e Jacó, outro curta-metragem produzi-do na FAC neste ano, acredita que a questão deve ser supe-rada. “O foco do aprendizado geral é o desenvolvimento da linguagem cinematográfica, que independe em sua essência do material sensível de captação.”

tranquilidade digital

A tecnologia digital, mais barata e mais fácil de fi -nalizar, se dá pela captação das imagens em fi tas que se convertem em imagens digitais no computador, onde são editadas. Com o custo das fi tas baixo (uma fi ta MiniDV, com cerca de três horas para gravar, custa em média R$ 20), a tecnologia permite maior quantidade de erros, ou a captação de cenas durante ensaios, que podem ser usadas nos fi lmes. As imagens podem ser descartadas sem des-perdiçar muito dinheiro.

Os fi lmes feitos em película são mais caros porque, além de o preço do material ser elevado, o custo de fi nalização é maior. A película onde o fi lme é gravado não é a mesma em que ele é exibido. Existe uma fase chamada telecinagem em que, entre outras etapas, o fi lme é “revelado”, processo similar aos fi lmes de máquinas fotográfi cas analógicas. A película 16mm (o nome vem da largura dos fi lmes) é mais barata: 30m de película , cerca de 27 minutos graváveis, custa em média R$ 100. Como não existem mais labora-tórios no Brasil que as fi nalizem, a alternativa é gravar em 35mm, cujos preços são impraticáveis para os alunos do Bloco: os mesmos 30m equivalem a seis minutos e meio de gravação, a um preço médio de R$ 200.

Entenda os suportes

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Mariana e Cecília ainda não se formaram e já exibiram seus fi lmes

Equipes Draco, Droid e Piratas do Cerrado exibem seus projetos

sem dormir, fi nais de semana reduzidos a menos de um dia, horas de almoço sacrifi cadas e um bom contorcionismo para conciliar o curso com as competições. “A gente faz porque é apaixonado mesmo”, explica o aluno de Engenharia Mecânica Bruno Barbo, integrante da equipe Piratas do Cerrado, que constrói pequenos carros para participar das edições regionais e nacionais do concurso Baja SAE (Sociedade de Engenheiros Automobilísticos).

O projeto é avaliado por um júri e depois os carros vão para o teste – os pilotos têm de enfrentar rampas íngremes, obstácu-los de até 50cm, valas. Este ano, fi caram em primeiro lugar na parte de custo do projeto e oitavo lugar geral, entre 30 equipes, pelo regional do Sudeste. Em 2007, fi caram em primeiro lugar geral no Nordeste. “Estes resultados fazem a gente esquecer das noites viradas aqui na UnB, compensam tudo”, diz o aluno Lucas Alves, também integrante da equipe.

A frase dita por Alves é compartilhada por estudantes da equipe Plano Piloto, de Engenharia Mecânica, formada para competir no SAE Brasil Aerodesign. Ganha a equipe que cons-truir um avião de 1,2m por 1,4m capaz de carregar a maior carga. “A cada edição fi camos melhor colocados e isso dá muito ânimo. Temos difi culdades, mas elas são superadas pelo

gosto de ver o nosso progresso”, afi rma o estudante e membro da Plano Piloto Rodolfo Araújo. Na competição deste ano, o grupo fi cou em primeiro lugar na parte de projeto, deixando para trás a campeã mundial USP.

No mesmo concurso, mas em categoria diferente, com aviões maiores (cerca de 2,5m de asa), outra equipe da UnB se destaca. A Draco Volans, criada em 2004, já participou de sete competições SAE Brasil Aerodesign. Em 2006, quando competiu com cerca de 60 equipes, fi cou em primeiro lugar nas categorias projeto e apresentação oral. Este ano, con-quistou a sétima posição nas mesmas categorias, entre 96 concorrentes, e no total geral fi cou em 24º lugar. “Aprendemos a trabalhar em grupo, lidar com pessoas, respeitar prazos”, relata o capitão da Draco Volans, o estudante Pedro Soares. “Temos os horários que cada um tem que seguir e, quando chega mais perto das competições, fazemos uns corujões.” Ele se orgulha do fato de a maioria dos ex-capitães da Draco estar trabalhando em empresas como Petrobras e Embraer, uma das patrocinadoras do concurso.

Outros que se esforçam são os estudantes de Engenharia Mecatrônica do grupo Droid, que este ano fi cou em terceiro lugar na Competição Latino-Americana de Robótica e em primeiro lugar entre as equipes brasileiras. O robô criado selecionava blocos em uma arena e os organizava, sem inter-ferência humana. No ano passado, e com robôs diferentes, os alunos fi caram em primeiro lugar na competição brasiliense e em terceiro na nacional, a primeira de que participaram. “Ter contato com professores e organizadores é desmisti-fi cador, percebemos que somos capazes. Agora sabemos que nossa equipe promete, temos muitos sonhos. E vamos continuar com a Droid até nos formarmos”, se entusiasma a aluna Ana Paulino.

Para Araújo, da Plano Piloto, as competições são uma oportunidade de abertura no mercado de trabalho. “Conhece-mos muitos profi ssionais da área, que veem nossa dedicação e isso acaba abrindo portas para nós em um futuro próximo. Já vamos fazendo contato para quando nos formarmos”, explica. De acordo com o professor de Engenharia Manuel Barcelos, orientador da equipe, os concursos representam crescimento acadêmico, profi ssional e pessoal para os alunos. “Ao partici-par de competições, eles passam por uma espécie de teste de transição da universidade para o mercado. Eles entendem que já são quase profi ssionais e que são capazes. Se passaram por isso, nada mais é um grande desafi o.”

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7Brasília, 14 de dezembro de 2010 a 10 de janeiro de 2011

CONSUMO

Comportamentoalbergue unbpor laís alegreTTi e renaTa rusKY

Gules dormiu no CA três vezes para evitar que o pai o visse alcoolizado

Cartas infantis chegam à Casa do Papai Noel dos Correios, na 508 Norte

“Chegou cedo, hein?”, comentou a professora em um banhei-ro do Minhocão, às 7h30. Encabulada, a aluna respondeu

ao cumprimento com um sorriso e continuou a lavar o rosto. O fl agrante aconteceu 11 horas antes do início da aula. Joyce Santos, estudante do curso noturno de Letras – Japonês, havia participado de festas no campus na noite anterior e, para aproveitá-las até o fi nal, dormira na UnB.

Se quisesse voltar para casa, no Guará, Joyce teria que pegar o ôni-bus até 23h30. Cedo demais. “Eram três happy hours ao mesmo tempo e todos estavam muito bons”, justifi ca. Ela contou com a companhia de oito amigos para passar a noite no Centro Acadêmico (CA) de Letras depois das festas na Comunicação, na Geologia e na Sociologia.

O grupo não tinha planos de dormir na UnB. E a chuva não ajudou. “Viemos totalmente despreparados, não trouxemos coberta e passamos frio”, lembra. Para matar a fome, os estudantes se dividiram. Alguns guardaram o território e os sofás, enquanto outros foram ao posto de gasolina comprar sanduíches na lancho-nete 24 horas. Tocaram violão, jogaram cartas e foram dormir às 5h. Foram acordados às 7h30 com o movimento dos colegas que chegavam à Universidade. O descanso não foi sufi ciente. Joyce voltou para casa no início da manhã para dormir. Acordou no fi nal da tarde. À noite, estava de volta à UnB.

Seguranças da portaria da Ala Sul do Minhocão são tes-temu-nhas de que a prática é comum em dias de festa. “Toda quinta e sexta tem gente amanhecendo aqui”, conta um deles. Na Ala Norte não é diferente. “Às vezes vou embora e ainda fi ca gente dormin-do”, observa o segurança que fi ca acordado de 19h às 7h. Ele já conhece bem o costume. “Quando as pessoas dormem no sofá de um CA, é porque a festa não foi lá.”

Segundo o prefeito do campus, Paulo Cesar Marques, não existe norma que proíba o estudante de dormir na UnB. “Mas não recomendamos, porque não há lugar próprio para isso e a seguran-ça não está preparada”, alerta.

Diversão, estudo e confl itos familiares levam estudantes a dormir na Universidade

deveria mudar tudo, na verdade eu acho que deveria parar de passar propagandas para crianças”, comenta Ana Coralina.

Para Fernanda Martineli, apesar de a televisão ter infl u-ência no pedido da criança, não é o único determinante. “Ela pode estar sendo submetida a um estímulo para ter aquilo, ser infl uenciada pelos amigos, mas o querer tem também uma de-limitação do pai, da mãe ou do responsável”, explica. O conse-lho da psicóloga Valéria Rossi aos pais é impor restrições aos fi lhos. “O limite passa referencial e valores. E com isso a gente forma um outro cidadão, porque o consumidor de amanhã é a criança que a gente construiu.”

Para tentar proteger as crianças do assédio da publicidade, a psicóloga Valéria aconselha os pais a dialogar com os fi lhos, explicar os motivos de não comprar determinado produto e mostrar que eles não estão precisando ou que é muito caro. “É no dia a dia que os pais conversam isso com o fi lho e repetem, porque não é de um dia pro outro que ele vai ter noção do valor do dinheiro”, destaca a psicóloga.

Ana Carolina Fullana, mãe de dois fi lhos, é muito rígida quanto aos presentes de Natal. Quem mais a preocupa é o ca-çula, de seis anos. Felipe quer um Lego Star Wars de R$ 349. Ela conversa com o fi lho para que ele não se decepcione por pedir um presente que não terá. “Ele não vai ganhar, isso não tem nem possibilidade. Mesmo eu tendo condição, nós não faremos isso”. Ana Carolina fi ca preocupada com a infl uência que a propaganda exerce sobre o fi lho. Logo que Felipe assiste a um anúncio de brinquedo, ele pede o produto aos pais. “Ele fala que eu não dou os brinquedos do comercial, mas ele pede. Ele é infl uenciado. Aí chega na escola e vê muitas crianças com os brinquedos das propagandas e fi ca: ‘mas o fulano tem e eu não tenho’.”

A dona de casa Jerusa Vieira também tem difi culdades em lidar com os pedidos da fi lha de apenas três anos. “Ela pediu coi-sas que estão fora do meu alcance: sapatilha da Branca de Neve, roupa de bailarina, bota da Barbie, bolsa, maquiagem da Barbie, tudo”, revela. Já o militar aposentado William Melo não sofre com tantos problemas. “Meus fi lhos não são exigentes. Quando tem dinheiro, eles pedem patins, uma bicicleta”, afi rma.

Investida da publicidade“Existem formas de você entender gostos, estilos e usar

isso estrategicamente, para vender. No mercado, isso é usado para ampliar o consumo”, explica Fernanda Martineli, publi-citária e professora da Universidade de Brasília, sobre como são pensadas as propagandas infantis. “A nossa vida hoje é atravessada pelo consumo de uma forma muito forte. Os estí-mulos acontecem a todo momento”, conta.

Muitas ilustrações, chamativas e com um anúncio que atrai a atenção de qualquer criança. É assim que Ana Coralina San-tos, mãe de Arthur Antonio, cinco anos, percebe as propagan-das a que o fi lho assiste. Arthur não pode ver um comercial de Hot Wheels que faz o pedido do brinquedo à mãe. “Penso que

“Querido Papai Noel, fui uma boa menina e este ano quero pedir uma Barbie com cachorrinhos na piscina

e uma cesta básica para a minha família.” Esta é a carta de Sarah, dez anos, ao Papai Noel dos Correios. Thales escreveu duas cartas ao bom velhinho. Em uma, ele pede um carrinho de controle remoto; na outra, roupa e cesta básica.

As crianças desejam os brinquedos que veem na televisão, mas também pedem presentes de que necessitam. Os irmãos Lucas e João Paulo, de três e cinco anos, pedem o lava-jato e a pista em formato de polvo do Hot Wheels, mais seis carrinhos. No verso da carta, incluem: “a mamãe quer uma máquina de lavar de 15 quilos”.

“Vou fazer uma comparação. É como se antes tivessem 100 cartas com pedido de bicicleta e 100 cartas com pedido de material escolar. Esses números caíram para 25 este ano”, conta Aucidete Lopes de Mello, funcionária da agência dos Correios que ajuda há quatro natais o projeto Papai Noel dos Correios. Ela diz que é evidente o aumento de pedidos como carros e helicópteros de controle remoto e itens relacionados à boneca Barbie. Por isso, os antigos prediletos das crianças foram deixados de lado.

Para saber quais presentes os brasileirinhos querem ganhar neste Natal, Papai Noel agora tem de ver TV. Nas lojas de brinquedos, os itens mais vendidos saíram dos desenhos infantis. Ben 10, Barbie, Hot Wheels e Polly, os preferidos nas lojas, são justamente os que mais aparecem nos intervalos da programação. “As crianças sofrem um bombardeio de publici-dade, que usa uma linguagem que elas entendem plenamente. É tudo muito colorido, mágico, estimulante. Isso desperta a curiosidade e a necessidade de ter aquilo que é mostrado com tanta magia”, explica a psicóloga Valéria Rossi.

As crianças brasileiras são as que passam mais tempo em frente à TV no mundo – são quase quatro horas por dia, segundo pesquisa realizada em 2005 pela organização não governamental Eurodata TV Worldwide . A grande exposição das crianças aos produtos televisivos, e consequentemente à publicidade, refl ete-se cada vez mais na lista de presentes natalinos, que está fi cando maior e mais cara. Na linha dos produtos Barbie, por exemplo, os brinquedos podem alcançar até o valor de R$500, preço do avião da marca – e as bonecas não estão incluídas.

Quesia, de cinco anos, moradora da Estância 5 de Pla-naltina, pediu o avião da Barbie em sua carta ao Papai Noel.

Personagens de desenhos animados e de propagandastelevisivas dominam os pedidos infantis ao Papai Noel

Bom velhinho antenadopor ana elisa nunes e TaTiana TenuTo

Arnold Gules não se preocupa. O estudante de História decidiu pernoitar na Universidade após festas no campus. Além da falta de transporte, colaborou para a decisão a necessidade de esconder do pai a embriaguez. Durante a greve deste ano, ainda calouro, ele passou madrugadas no CA. Antes de deitar no sofá, a estratégia era sempre a mesma: “Uso aquele método masculino de colocar a carteira na cueca”.

Durante a paralisação, os ônibus para o Riacho Fundo esque-

ciam de passar pelos pontos da UnB. Quando as aulas recomeça-ram, as noites de Gules passaram a ter fi nal diferente. “Tenho mais amigos, que me levam para a rodoviária ou que me hospedam.” Mas ele se orgulha do passado: “Não vejo problemas em dormir aqui, sou prático”.

Dormir em ambiente público é correr o risco de ser perturbado. Gules já foi acordado por Paulo Henrique, o Paulo Caô, conhecido por dormir nos CAs e frequentar festas do campus, apesar de não ser estudante. No CA de História, onde ele dormiu tantas vezes, a men-sagem laranja na parede homenageia: “Paulo Caô não é bem-vindo”. Circulam pela Universidade boatos de que a fi gura é procurada pela polícia, mas a 2ª Delegacia de Polícia da Asa Norte desmente.

Acordado pelo barulho de Caô, Gules terminou o descanso em

incômodo

um banco do Minhocão. Já o sono de Daniel Miranda foi interrom-pido pela sirene da polícia. “Eles acharam que eu estava roubando meu carro”, diverte-se. A abordagem por autoridades era justa-mente o que o estudante de Direito queria evitar. O cuidado para não dirigir embriagado e o pequeno intervalo entre o fi m das festas e o início da aula são as justifi cativas para não voltar para casa, no Lago Norte. Miranda costuma frequentar festas no campus às sextas-feiras. Nas manhãs de sábado, aula. Entre uma coisa e outra, ele descansa seus 1,90m dentro do carro, no estacionamento da Faculdade de Estudos Sociais Aplicados (FA). “Confortável não é, mas na hora do sono a gente dorme”, contenta-se.

Quem não tem carro não escolhe a hora de ir embora, mas pode cochilar no caminho para casa. “Eu estava esgotado, dormi no ôni-bus toda a viagem até o Cruzeiro Novo”, lembra Fernando Torres, formando em Comunicação. Para terminar um trabalho, precisava de um software específi co, que ele não tinha no computador de casa. Foi autorizado a fi car no laboratório multimídia da faculda-de durante a noite. Ao terminar a tarefa, às 2h, os ônibus para o Cruzeiro já haviam parado de passar. Ele dormiu sozinho no CA de Comunicação e gostou das condições do local. “Tem boas almofa-das e o espaço é relativamente grande”, aprova. No dia seguinte, acordou para apresentar o trabalho, mas, na vez dos colegas, foi cuidar do sono no sofá do CA.

O caso de Bruno Alves é mais intenso. Ele dormia de três a quatro dias por semana nos CAs da Universidade. Nos outros, ia para casa de amigos. Em 2005, quando cursava Letras, enfrentou problemas com a família e preferiu distância. “Minha mãe e meu padrasto estavam em processo de separação e eu não concordava com a maneira como ela estava procedendo.” Viveu assim por quase um ano.

Diante da possibilidade de ser jubilado da UnB, Alves procu-rou o Serviço de Orientação ao Universitário (SOU) e passou a trabalhar na Biblioteca Central dos Estudantes. Foi quando deixou de dormir em CAs. O psicólogo Waldo Soares, que atendeu o então estudante de Letras pelo SOU, constata que as pessoas que se alo-jam na UnB normalmente não têm dormitório fi xo. “Elas vagam pelos CAs, pelo Centro Olímpico e pela Casa do Estudante.”

Soares lembra que muitos alunos passam mais tempo na Uni-versidade do que em casa. E explica o que leva à decisão de dormir no campus: “Aqui é a segunda casa dos estudantes. Além disso, a UnB é enorme e está sempre aberta”.

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O projeto Papai Noel dos Correios recebeu 80 mil cartas em 2010. Dessas, apenas 5 mil foram selecionadas. Elas fi -caram disponíveis para serem adotadas até a última semana de novembro. Todas as crianças que tiveram cartas escolhi-das receberão os presentes até o dia 17 de dezembro.

Durante a seleção das correspondências, são desconsi-derados pedidos de crianças maiores de dez anos e os que contêm celular, Playstation, aparelhos mais avançados que um MP3 (como MP4 e MP5), laptop – menos o infantil – e eletrodomésticos em geral. Kéllen, oito anos, não terá ne-nhum dos seus pedidos atendidos. Ela enviou três cartas ao bom velhinho: em uma, pede um notebook com internet; em outra, um Playstation 3 e, na última, um celular touchscreen. Crianças como Kéllen recebem um aviso dos Correios de que não ganharão os presentes.

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Page 8: Campus nº 353

8 Brasília, 14 de dezembro de 2010 a 10 de janeiro de 2011

Sábado, 18h. Faraó, o autodenominado Andarilho das Letras, chega ao restaurante Beirute na Asa Sul, pede

quibe frito e Coca-Cola. O comerciante deixa uma pilha de livros de filosofia na cadeira, que também acolhe sua bolsa cheia de frasquinhos de pimenta à base de azeite de dendê. Sobre a mesa, repousa um par de óculos de armação redonda, item de coleção. É depois do singelo lanche que ele começa a jornada de trabalho: seriam dez bares apenas naquela noite, no Plano Piloto.

Nascido na região do Chuí, no sul do Brasil, Faraó está há 40 anos em Brasília. O comerciante vende livros em bares e se recusa a revelar o nome verdadeiro e a idade até para os mais íntimos. Entre uma garfada e outra no quibe, o mora-dor da Asa Norte diz que já viveu dois anos com uma mulher que nunca soube de sua verdadeira identidade. O desejo de manter tudo em segredo é tão grande que as correspondências chegam a uma caixa postal na Rodoviária do Plano Piloto. “O Faraó não é um vendedor, é uma lenda”, comenta sobre si, muitas vezes na terceira pessoa.

Da mesma forma que não conta o nome, Faraó também não pergunta. “Nome não é importante, o importante é o mo-mento”, filosofa. Essa é uma das frases que usa para definir seu estilo de vida, de acordo com ele, tranquilo. “Eu sou um espírito jovem. Não levo a vida a sério. Não me importo se a bolsa caiu, se o dólar subiu, eu quero que se foda.”

Foi com a ajuda do seu motorista Rogério em um Fiat Siena que Faraó saiu do Beirute em direção ao Sudoeste para complementar o quibe de entrada com um generoso Xis Sala-da, vendido a R$ 10,50 na lanchonete Xis Gaúcho, do Sudoes-te. Os dois comem o sanduíche com a certeza de que o ovo, a ervilha, o queijo e o hambúrguer embebido em maionese vão sustentá-los até o fim da noite, sem bebidas alcoólicas.

Pilhas de livros são colocadas sobre as mesas dos bares e ofertadas a leitores que possam pagar de R$ 10 a R$ 20 em cada volume. Ele deixa títulos de Platão, Aristóteles, Nietzs-che e de escritores locais, como Lourenço Dutra ou o favorito Ezio Bazzo. Depois, ele recolhe as pilhas de quem não se inte-ressa, tudo sem dizer uma palavra. A quem dá mais abertura ao papo, Faraó aproveita para fazer propaganda do frasquinho da pimenta, vendido a R$ 3 cada ou quatro unidades a R$ 10.

O andarilho já vendeu broches, mas enveredou para o mercado de livros há uns 15 anos por ser um objeto dito “cul-tural”, eterno e mais lucrativo para ele. “Trabalho pra viver,

não pra ficar rico. Mas como o que eu quero, bebo o que eu quero e viajo”, diz. Às vezes pega um ônibus, escolhe uma praia e vai vender livro. “Cerveja gelada e mulher pelada, o que mais você quer?”

No primeiro ponto da noite, na Cozinha do Salim da 107 Norte, Faraó encontra o amigo Beto Salim. “Todo dia ele vem aqui e a gente divide uma Coca-Cola”, diz o dono do bar. Um bloco abaixo, no 2º Clichê, o dono do estabelecimento, Tomás Rodrigues, conta que adora o fato de Faraó vender livros no bar e que os dois também já são amigos. “Teve uma vez que eu fui pra Maceió e vi o Faraó lá vendendo livro”, surpreende-se enquanto toma uma cerveja.

Os exemplares são comprados por Faraó direto nas editoras e vendidos a clientes cativos do 2º Clichê. Zich Moysés é um deles e deu de presente ao amigo João Mello livros de Dante Alighieri e Descartes. Zich diz conhecer o vendedor há mais de 20 anos e ter na biblioteca cerca de 18 livros vendidos por ele.

Quando dá na telha, Faraó recita poemas que diz serem espirituais. Na pizzaria Dona Lenha, a escolhida para ouvir os versos foi Aline Soares, que trabalhava no caixa. Ele olhou no olho dela e pediu para que dissesse uma palavra que viesse do coração e ela falou “amor”. “O amor é gostar de si, se auto-conhecer para que amanhã possa se prever.

Nietzschecom pimentapor Thaís Cunha

Um novo dia o amor pode acontecer se o outro souber me deitar para que o sonho venha buscar e à noite pense no amor e queira ao seu lado estar”, recitou, enquanto ela sor-ria. De acordo com ele, os versos vêm de Deus e que “teve gente que até já chorou”.

O jeito despreocupado e livre de ser já irritou algumas mulheres, de quem Faraó prefere preservar a identidade. “Eu estou me lixando pra elas. Pra mim, o que vale é o momen-to”, repete. Igualmente ocultos estão os filhos – ele não diz quantos –, mas avisa que estão espalhados por aí. Alguns, inclusive, não falam português e são fruto de algumas via-gens feitas para o Caribe ou para a Patagônia, onde também trabalhou como comerciante.

O número incontável de filhos é justificado também pelas várias histórias de sedução e de relacionamentos que ele conta sentado na mesa do bar. Ao aconselhar o fotógrafo do Cam-pim, ele diz: “Deve aprender dança de salão para ter a pegada que as mulheres amadas querem na madrugada. Só um cara que sabe dança de salão tem essa pegada” e aperta meu braço. “Mulher tem aos montes por aí: loira, japonesa, mulata. Você paga e não precisa ligar no outro dia”, completa.

A metodologia para ganhar a vida, pagar o ingresso de Harry Potter para os filhos e ainda pagar R$ 5 por redação escrita por eles – descontados R$ 0,10 por erro de português – parece simples: “Não pensar em ficar rico, não gastar mais do que ganha, tomar café como um rei, almoçar como um príncipe e jantar como um mendigo”. Se é difícil viver de vender livro? “Edifício é um prédio grande”, brinca.

Para ele não é difícil viver pelos bares. Faraó já morou no subterrâneo do Conic, presenciou briga e suicídio em bar, evitou outros e afirma que “valente é aquele que volta pra casa da mãe pra tomar leitinho com biscoito”. Quando mexem com ele, no entanto, diz que sabe se defender: “Uma vez na Asa Norte eu pisei no pé de um cara. Ele levantou, me pegou pelo pescoço e disse ‘você é um filho da puta’. Peguei ele pelos ovos e levantei, respondendo ‘você conhece mamãe de onde?’”. De acordo com o andarilho, essa foi só uma das poucas vezes que apelou para a violência.

Já com suor escorrendo pelo rosto, ele entrega alguns cartões de visita, com dois números de celular impressos e a mensagem: “Nunca desista”. Com segredos mais escondidos que a misteriosa tumba de Tutankamon, a noite de Faraó termina às 22h na 413 Norte.Faraó se diz um espírito jovem e não leva a vida a sério

A Página que é a lenda

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em uma noite com faraó,campim tenta desvendar o mistério do VENDEDOR DE LIVROS e aprende o valor do silêncio