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Cancioneiro da Serra d'Arga Artur Coutinho ( Membro do Centro de Estudos Regionais - Viana do Castelo ) CANCIONEIRO DA SERRA D'ARGA LITERATURA - FOLCLORE - HISTÓRIA - TOPONOMIA - ETNOGRAFIA - HUMORISMO NUMA RECOLHA DE QUADRAS POPULARES

Cancioneiro da Serra d'Arga - paroquiafatima.com · contrapartida, o homem, que nada sabia, era considerado rude, ignorante, inculto. Era este o sentido clássico de cultura. A cultura

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Cancioneiro da Serra d'Arga

Artur Coutinho ( Membro do Centro de Estudos Regionais - Viana do Castelo )

CANCIONEIRO

DA SERRA D'ARGA

LITERATURA - FOLCLORE - HISTÓRIA - TOPONOMIA - ETNOGRAFIA - HUMORISMO NUMA RECOLHA DE QUADRAS POPULARES

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ÍNDICE Págs. Nota Explicativa à 2ª Edição . . . . . . . 5 Introdução . . . . . . . . . 7 Nota Explicativa . . . . . . . . . 13 Quadras Mítico - Religiosas . . . . . . . 19 Quadras de Saudade . . . . . . . . 27 Cantigas ao Desafio . . . . . . . . 35 Quadras de Queixume . . . . . . . . 41 Quadras de Amor . . . . . . . . 63 Quadras Diversas . . . . . . . . 117 NOTA EXPLICATIVA À 2ª EDIÇÃO Excedeu todas as previsões o impacto causado pelo " Cancioneiro da Serra d'Arga ", quando, pela primeira vez, saiu a lume. E é por esse motivo que, depois de esgotados todos os exemplares, logo nos primeiros meses, resolvi, agora, voltar de novo a público. Quando a obra chegou às mãos de muita gente, foi louvada a iniciativa por uns e contestada por outros, pelo facto das quadras não serem todas oriundas da Serra d'Arga. Assim, o carvalho, que é uma árvore mitológica por excelência entre os povos mais antigos da Europa, figura em quase todos os cancioneiros. Por exemplo, na paróquia galega de Luaña, há uma quadra referente ao carvalho (1) que se repete na mesma contextura na freguesia de Riba d'Âncora - Caminha e nas Argas e que certamente se repetirá noutras localidades mais ao norte ou mais ao sul. É verdade. No entanto, ninguém contestou ainda serem ou não populares. Na nota explicativa da 1ª edição, já se dizia que se tratava de uma recolha de quadras, naquela Serra. Pertence, agora, aos peritos fazer a distinção, mas uma coisa é certa - sejam ou não da Serra d'Arga, as gentes da " Montanha Sagrada " assumiram-nas e não deixarão, por isso, de fazer parte do seu repositório folclórico. É por ser um " livro diferente " e modesto, sem grandes atavios, mas muito valioso na tradição oral portuguesa que, mais uma vez, com os encargos que isso encerra, vai sair a lume. ARTUR COUTINHO

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19 . 11 . 81 (1) O Carvalho da Portela / Tem a folha revirada / Que la revirou o vento / Unha mañan de xiada. Cfr. " Luaña, mitos, costumes e crenças duma parroquia galega ", de Andrés Suárez. Ed. Galaxia, Vigo - 1979 - pág. 22. Em Riba d'âncora, é exactamente igual em todos os versos e, nas Argas, é igual no primeiro verso.

NOTA EXPLICATIVA À 3ª EDIÇÃO

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Já lá vão 19 anos que foi reeditado "Cancioneiro da Serra D'Arga", ipsis verbis a primeira edição de 1980 com uma nota explicativa diferente.

Muito depressa se esgotou a 2º edição! Em 1985 já escasseavam os exemplares disponíveis. As preocupações pastorais na Paróquia e na Diocese a par de outros projectos onde já me tinha envolvido em ordem à publicação de "A cidade de Viana no Presente e no Passado - da Bandeira à Abelheira", já em Segunda edição de 1998, e "Mosaicos da Serra D'Arga (1º edição de 1996), não são questões alheias à falta desta iniciativa tão necessária e preciosa, julgo eu sobretudo aos alunos das nossas escolas que pretendem agarrar a "área escola".

Aí está a terceira edição. Esta não é "ipsis verbis", pois às 2500 quadras que se apresentam agora numeradas, foram juntas mais cerca de 200 e, no final, um índice remissivo, pode ajudar os leitores a encontrar aquilo que desejarem. Com esta edição surge mais uma oportunidade, um registo do que há de mais espontâneo na poesia e no folclore para cantar as esperanças, as ternuras, os ciúmes, os desdéns, as dores da saudade, os costumes, as devoções, as superstições, as agruras da vida, as flores, as plantas, as terras, os topónimos, os trabalhos, os animais, os santos, os "Manéis e as Marias", as horas, e os dias, as festas e as brincadeiras, as histórias e as tradições, os amores e as paixões... . Quase sempre é anónima esta musa, tão velha como a história da avozinha do tempo dos Celtas...

A gente de Dem ou das Argas quando cantava, parecia subir os cumes dos montes da Serra e do alto da Costa do Carvalho, dos Cornos de Manes, do Alto dos Muros, ou do Penedo do Sino, do Alto da Coroa, do Alto dos Crastros desafiavam os vales até se enamorarem e casarem com eles...

O Cancioneiro da Serra D'Arga aí está e as quadras que nele constam foram todas recolhidas na sua totalidade entre 1972 a 1978.

Os bailes que em Dem ou nas três Argas se realizavam, nessa altura com frequência, nas chegadas e nas saídas dos jovens, por ocasião de casamentos, de festas religiosas ou profanas, ou qualquer outro motivo para juntar a juventude e passar tempo, cantando e dançando o folclore da região, já não se fazem assim com tanta criatividade.

Um rescaldo da vida que foi deste folclore pode ainda ser vivido na festa de S. João D'Arga, coração da Serra, em 28 e 29 de Agosto de cada ano. INTRODUÇÃO

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O CANCIONEIRO DA SERRA D'ARGA, que ora sai a lume e para o qual me pediram algumas palavras à guisa de introdução, representa, além de um trabalho metódico e esforçado do seu autor, uma iniciativa muito válida na defesa e preservação do património cultural, expresso na tradição oral portuguesa. Hoje, fala-se muito de cultura popular, na necessidade imperiosa de a defender, nos abusos e atropelos cometidos contra ela, sobretudo nesta época dominada pela tecnologia e pouca gente possui dados concretos sobre o fenómeno cultural, quer nos antecedentes, quer nas suas implicações de ordem intelectual, moral, religiosa, económica e social. A cultura, de um modo geral, representa tudo aquilo que o homem produz de válido, como ser pensante. Neste conceito genérico encaixa-se perfeitamente toda a actividade humana desde os tempos mais recuados da pré-História até aos nossos dias, uma vez que exprima uma resposta eficaz ao desafio lançado ao homem pela natureza. Sempre que o homem, individual ou colectivamente considerado, põe o seu intelecto e a sua vontade em acção, quer no plano das necessidades, quer no plano dos desejos, torna-se um fabricante de cultura. O mandato do criador - possuí a terra e dominai-a - constitui o repto mais deslumbrante e mais trágico lançado ao homem. É que entre o mundo e o homem estabelece-se uma relação dialéctica que estimula o homem à satisfação das suas necessidades e dos seus desejos, etapa por etapa, sem nunca atingir a plenitude. O homem idealiza, trabalha, luta e sofre para concretizar os seus sonhos. E quando julga estar na posse do troféu, nova etapa o solicita. Deste modo, o homem constitui a mola fundamental do motor da história. Mas não só, pois « nas suas escolhas, o homem é condicionado pela sua condição de indivíduo, pelas relações que o ligam aos a outros indivíduos com os quais compartilha a sua vida e a natureza mais vasta que o circunda e dentro da qual está incluído ». ( Bernardo Bernardi, Introdução aos Estudos Etno-Antropológicos, pág. 19, 1979 ). Durante muito tempo, o conceito de cultura andou associado à soma de conhecimentos, de noções, de experiências e homem culto era todo aquele que dominasse bem qualquer assunto. Em contrapartida, o homem, que nada sabia, era considerado rude, ignorante, inculto. Era este o sentido clássico de cultura. A cultura, assim considerada, estabelecia barreiras sociais, económicas e, até, religiosas que, não poucas vezes, descambavam em reivindicações dolorosas. Até nos períodos áureos da civilização grega e romana, os maiores luminares da filosofia e das letras consideravam plebeus todos aqueles que não se dedicassem aos problemas da cultura. Achavam rebaixante para um homem culto exercer funções inferiores, como o comércio e o trabalho manual, reservadas a plebeus. Este conceito de cultura penetrou na mentalidade ocidental e, ainda hoje, não faltam homens cultos a defender esta concepção. Contudo, os tempos vão-se tornando mais permeáveis ao conceito antropológico de cultura. Foi Edward B. Taylor quem formulou, pela primeira vez, este novo conceito de cultura. Depois de estudar aturadamente as civilizações primitivas actuais, que muitos consideravam selvagens, e de verificar que estes povos, independentemente do grau de civilização ou do estrato social a que pertencem, possuem esquemas mentais, instituições próprias para responder ao desafio lançado pelo mundo, concluiu que cada povo tem a sua própria cultura que urge estudar e respeitar. E, assim, E. B. Tylor deu a primeira definição de cultura antropológica: « cultura é o complexo unitário que inclui o conhecimento, a crença, a arte, a moral, as leis e todas as outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade » ( Bernardo Bernardi, ob. cit, pág. 24 ). Nesta ordem de ideias, fácil nos é detectar o interesse manifestado pelos estudiosos em relação à cultura popular. Se é verdade que « nem só de pão vive o homem », também é verdade que « é inútil pregar a estômagos vazios ». E o prolóquio latino « primum vivere, deinde filosophare » têm plena actualidade. Isto quer dizer que uma definição de cultura implica a consideração de factores que tanto respeitam ao bem do corpo, como ao bem do espírito. B. Malinowsky diz que numa definição de cultura « entram os utensílios e os bens de consumo, as cartas orgânicas regulando os diversos grupos sociais, as ideias e as artes, as crenças e os

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costumes. Quer se encare uma cultura simples e primitiva, quer uma cultura complexa muito evoluída, necessário se torna deitar mão de um vasto aparelho, por um lado material, por outro, humano e por outro, ainda, espiritual que permita ao homem enfrentar os problemas concretos e precisos que se lhe põem. Os problemas são devidos ao facto de que o corpo humano é escravo de várias necessidades orgânicas e de que vive num meio que é ao mesmo tempo favorável porque lhe fornece as matérias-primas para transformar e desfavorável porque lhe fornece forças hostis » ( une Théorie Scientifique de La Culture, pág 35 - 36 ). J. Leite de Vasconcelos, ao tentar elaborar um programa de estudo da cultura popular portuguesa, diz-nos que além dos caracteres geográficos, fisiológicos, históricos, inclui « os costumes que se revelam de modo material, os quais ipso factu reflectem a vida intelectual e moral de quem os têm, a saber: artes plásticas (...) industriais e caseiras, tipos de povoações e de edificações, mobília, trajos e enfeites, comidas, utensílios, aprestos de caça, de pesca e de lavoura, etc. ; finalmente, incluirá o FOLKLORE ou as « Tradições Populares » , isto é, a superstição ( mitologia, religião, magia ) literatura ( contos, lendas, poesia épica, lírica, teatro, adágios ), actos e folganças ( festas, danças, música, jogos, etc.)» ( Opúsculos, vol. V, Etnologia, pág. 7, 1938 ). Numa visão clássica da cultura, o povo que, por diversos factores não tem acesso ao ensino é considerado inculto, ignorante, desprovido de conhecimentos filosóficos e científicos, orientando-se, apenas por formas empíricas de conhecimentos adquiridos no contacto diário com a natureza. Em contrapartida, as chamadas élites intelectuais, que romperam os fundilho nos bancos das escolas, são consideradas cultas, esquecendo-se que, muitas vezes, « mais vale um ano de tarimba que três de Coimbra ». Numa visão mais ampla da cultura, como acabamos de ver, o povo tem a sua própria cultura que se associa e funde quase sempre com a cultura elitista. « Iguala-se cultura a saber escolar, como se na prática quotidiana o homem comum não se instruísse, como se o seu saber fosse qualitativamente diferente do outro. Não há gente culta e gente inculta. A cultura é só uma, tudo o que aprendemos do nascer ao morrer, de nossa invenção ou alheia sentados nos bancos da escola ou da vida ». ( M. Viegas Guerreiro, Para a História da Literatura Popular Portuguesa, pág. 25, 1978 ). * * * Pondo de parte todos os elementos que J. Leite de Vasconcelos apontou para a elaboração de um programa de etnografia portuguesa, à excepção da literatura popular, especificamente a poesia lírica, expressa nos Cancioneiros, vamos tentar explicar, em poucas palavras, o que se entende por literatura oral e tradicional, seus autores e sua importância no contexto cultural português. Um texto popular tradicional pode ser oral ou escrito. Assim, há textos que nunca foram escritos, como acontece com a tradição oral que se transmite de pais para filhos, mantendo, quase sempre, o anonimato. Estes textos podem versar temas circunscritos a uma determinada área ou abranger temas mais amplos que se vão modificando e adaptando à medida que são recebidos e assimilados. Há, contudo, outros textos que primitivamente foram escritos, ou intencionalmente para o povo, ou o povo os assumiu como seus e os transmitiu de geração em geração. De qualquer maneira, o povo adoptou-os, assimilou-os, fazendo deles o seu património. Estes textos, ainda que escritos, sofrem transformações conforme os interesses e as motivações daqueles que os adoptam, o contexto geográfico, social e cultural que os rodeiam. É, por isso, que encontramos versões bastante diferenciadas do mesmo motivo em vários povos e culturas, sobretudo no que concerne aos textos mítico-religiosos, aos romances e autos populares, bem como à poesia lírica. Estes textos são objecto de especial interesse por parte dos estudiosos. Quanto aos textos orais, convém recolhê-los para evitar que se percam. Quanto aos escritos, há uma tentativa muito meritória de encontrar os textos originais, não para lhes restituir a forma e conteúdo primitivos, mas para verificar as rotas que seguiram na sua expansão e assimilação.

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Este interesse começou com o advento do romantismo em que escritores, historiadores, estudiosos da arte, etc., se voltaram para o passado, na ânsia de descobrir valores esquecidos, e para o povo, escrínio de virtudes e de cultura. Assim não acontecia antes, pois autores consagrados manifestaram, muitas vezes, desdém pela poesia popular. « Logo na primeira metade do século XIII, Martim Soares de quem se diz no Cancioneiro da Biblioteca Municipal que foi « de Riba Limia, em Portugal, e trobou melhor ca todolos que trobarom e asi foi julgado ant, ros trobadores » manifesta seu pouco apreço pela poesia do vulgo ao censurar em seu « confrade, porque os cantares deste interessam o público popular e não o público dos trovadores e das damas ». ( M. Viegas Guerreiro, ob. cit., pág. 26 ). No Renascimento, embora muitos dos artistas, escritores e filósofos saíssem do estrato superior do povo - a burguesia - e manifestassem uma certa simpatia por esta classe social tão desprotegida, não esconderam a sua ponta de desprezo pela arte popular. Sá de Miranda trata a literatura popular em tom despiciente e António Ferreira « repele a cega gente, de baixos intentos que não pode ascender ao paraíso clássico, onde põe toda a beleza, toda a verdade, toda a virtude ». O mesmo aconteceu com D. Francisco Manuel de Melo e Frei Luís de Sousa. Este último, na descrição da visita do Arcebispo D. Frei Bartolomeu dos Mártires às terras do Barroso refere a gente bravia de maneiras selvagens e agrestes que o receberam com gritos, danças, cantares e folias. « Pena é que não se tivessem registado tais cantares e glosas populares. Talvez tanta agressividade de matos se aspirasse o aroma de alguma flor silvestre » - escreve um célebre escritor. A partir do séc. XVIII, surgem cancioneiros onde se recolhem cantigas, romances populares, autos, etc. Autores, como João de Deus vão-se inspirar nos arroios cristalinos das montanhas, nas fainas da terra e do mar, no amor simples e agreste das serras, cantando ao som da viola, por entre queixumes e promessas... Teófilo Braga, Leite Vasconcelos e tantos outros dedicaram parte da sua vida a escutar estas endexas populares e a recolhê-las carinhosamente, como se se tratasse de acolher um amigo ou dar guarida a um filho, vindo de longínquas terras. Que interesse tem para a cultura este estudo da tradição oral popular? Deixo ao leitor uma página de M. Viegas Guerreiro, por quem nutro a maior admiração: « Se quiséssemos enunciar por ordem de importância os valores da literatura popular, poderíamos talvez estabelecer a seguinte seriação: estético, histórico, psicológico e filosófico. Buscam-na, para se distrair, pessoas de todas as idades e especialmente a infância e a juventude. E, como divertimento, vem a moralidade, o ensino da experiência, que nos vão modelando o carácter enriquecendo o saber. Os provérbios, por exemplo, não têm outra função. E os artistas aproveitam ainda mais: temas, formas, recursos expressivos, e nela têm, igualmente, fonte abundante de inspiração. (...) Quem tem ouvido contar contos, anedotas ou cantar ao povo, em lugar e tempo apropriados, há-de ter observado que narrador e ouvintes formam um tudo, que a peça movimenta, provocando emoção e reflexões, que ora se ficam em agitação interior, ora se exteriorizam por meio de gestos, exclamações, risos, comentários. Estamos, portanto, em face de um fragmento de vida, cujo conteúdo e forma se actualizam, são verdade presente, força dinamizadora, independentemente de os factos serem antigos ou modernos, verosímeis ou inverosímeis. Há constantes de comportamento que não mudam, que não podem mudar, por sua humana especificidade (...) Uma história, um provérbio, uma quadra são elementos culturais que, vivos dentro ou fora de nós, desempenham necessariamente uma função vital no complexo a que pertencem como diria Malinowski. Na cultura, como organismo vivo, nada está a mais ou sobra, tem cada fracção, pequena ou grande, um papel a desempenhar; (...) Para entender os fenómenos sociais, as instituições, havemos de ter esta certeza e a de que uma total compreensão do presente obriga também ao conhecimento do passado ». ( M. Viegas Guerreiro, ob. cit. págs. 31, 32 e 33 ). LOURENÇO ALVES

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NOTA EXPLICATIVA

Fiquei muito contente, quando fui nomeado pároco da Serra d'Arga, onde fiz a minha entrada em 1 de Outubro de 1972. A minha primeira experiência sacerdotal ia ser feita numa região rica de tradições, aí encontrei um campo mais vasto de acção. As cantigas populares de que me falavam, despertaram em mim aquele interesse habitual, como acontece a qualquer apaixonado por estes valores da nossa tradição oral e, assim, as fui recolhendo. Em 1978, intensifiquei essa recolha, valendo-me de um grupo de jovens muito sensibilizados por estes assuntos. Na impossibilidade de continuar a recolha, e tendo já uns milhares de quadras, resolvi compilar o que possuía, com a certeza de que este trabalho nunca se esgotará. Trata-se de uma colectânea de cantigas que, em tempos não muito remotos, eram na maioria adágios, provérbios, adivinhas, encantamentos, desejos, desafios em verso, etc., cantados na região da Serra d'Arga, tanto nos trabalhos do campo, como nas romarias, nos bailes ou nos domingos à tarde. Algumas destas quadras têm características medievais, não só pelo uso dum certo paralelismo ( Milho alto, milho alto / Milho alto, folha estreita / Milho alto, folha larga / Milho alto, sem pendão / À sombra do milho alto / Namorei uma sujeita / Namorei uma casada / Namorei teu coração. Ó que pinheiro tão alto / Com um fio de ouro na ponta / Com um fio de ouro no meio / Os teus olhos, menina / Já andam por minha conta / Ó que menina tão linda / Filha de um homem tão feio. Algum dia para te ver / Dava saltinhos na rua / Dava voltinhas no ar / Agora dou dinheiro / Para não ver a sombra tua / Para não te encontrar ), mas também pelos arcaísmos nelas usados e, quem sabe, representando conceitos milenários, rolados nas bocas das gentes, através da poesia. É um apontamento curioso para os estudiosos da cultura popular. Aqui fica um naco de filosofia e de arte populares que se vão acabando... Com o aparecimento da energia eléctrica que trouxe inúmeros benefícios à civilização, apareceram a rádio, a televisão e outros afins que vieram, em parte, contribuir para o esquecimento e o desinteresse do povo pela sua própria arte. Toda a gente tem abundância de novas criações, mesmo a nível de música, seu ritmo e sua letra, em casa, através dos meios de comunicação. O povo, hoje, tornou-se mais passivo. A máquina faz tudo, enquanto o homem se instala a observar e é óbvio que assim seja. Antigamente, havia mais tocadores de concertinas, de viola, de cavaquinho, etc. O povo tinha de encontrar as suas próprias distracções e as cantigas populares eram uma das suas principais predilecções, como o conto, as histórias e as lendas contadas nos serões à lareira. Agora não é necessário fazer-se alguma coisa nesse aspecto, porque tudo está feito e, todos os dias, surgem novidades artísticas. É a lei do menor esforço. Aqui fica este repositório de quadras populares, muitas delas conhecidas por pessoas de idade avançada, porque muitos jovens desconhecem esses valores antigos, para os preservar. Trata-se de um trabalho modesto, diga-se de passagem, com algumas lacunas, mas creio que muito prestável aos estudiosos da literatura, do folclore, da história, da toponímia e da etnografia em geral. Resolvi distribuir as quadras por temas, dispondo-as por ordem alfabética.

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Quanto aos temas ( religião, queixume, saudade, desafio e amor ) é sempre um problema difícil de resolver sem um certo saubjectivismo, para o qual gostaria de prevenir os leitores. Agradeço a todos os que me ajudaram, especialmente ao querido povo da Serra d'Arga, ao meu bom amigo e colega Dr. Lourenço Alves e ao Centro de Estudos Regionais, que tanto ânimo me deram para a publicação deste trabalho. ARTUR COUTINHO

QUADRAS POPULARES

Recolha levada a efeito na Serra d'Arga, nas freguesias de Arga de Cima, Arga de Baixo, Arga de São João e Dem por ARTUR COUTINHO.

QUADRAS MÍTICO - RELIGIOSAS

Eis um rosário de encomendações. O leitor poderá verificar, através delas, as romarias preferidas pelo povo da região, as principais aspirações e até, muitas vezes, a malícia ou a inocência, a superstição com que se dirigiam aos Santos. Ó meu rico S. João, Onde te foram pôr! No meio da Serra d'Arga Com sobreiros ao redor. Há também quadras populares, de sabor religioso, que são autênticos ensinamentos. « A religião inspirou sempre os artistas » e, de facto, o tema - religião - seria, só por si, o bastante para um outro trabalho deste género.

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_______________ As quadras assinaladas com (*) encontram-se no « Cancioneiro de Viana do Castelo » do Ten. Cor. Afonso do Paço, publicado em 1928.

1 2 Abaixai-vos carabinas Amanhã é dia santo, Com as pontas para o chão, Dia de me eu assear; Deixai passar os pastores Para ver o meu amor Que vão para o S. João. No adro a passear. 3 4 Adeus que me vou embora Amanhã é dia santo, Senhora de Guadalupe; Dia do Anjo da Guarda; Que nesta terra não tenho Ó moças guardai o dia Quem comigo se ocupe. Que o anjo também vos guarda. 5 6 Adeus Senhora da Pena Amanhã é dia santo, Ladrilhada mal segura; É dia de vestir camisa; Quando passo por ela Eu não tenho quem ma dê, Não há pedra que não bula. Morreu-me a minha Luísa. 7 8 Adeus Senhora da Rocha Ao deitar e ao levantar Inda lá hei-de tornar; Sempre faço o Sinal da Cruz; Deixei lá meu lenço branco Para renegar o diabo, Dobrado no seu altar. Santo Nome de Jesus. 9 10 Agora no S. João Aquela menina é minha, É o tomar dos amores; Aqueles olhos são meus; Estão lindos os campos, Aquele corpo bem feito Toda a terra tem flores. Era o que eu pedia a Deus. 11 12 Agora que eu vou cantar, A Senhora da Bonança Agora começo eu; Tem o telhado todo de vidro; Nossa Senhora me ajude Foi no mar o marinheiro A mais S. Bento Lameu. Que se viu perdido. 13 14 Ai Jesus! Não sei que ouvi, A Senhora da Saúde

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Lá para o lado do nascente; Tem vinte e quatro janelas; Ouvi uma voz de um anjo Quem me dera ser o sol Que cantava lindamente. Que entrava por todas elas. 15 16 A lua veste de branco, As moças de Santo Aginha Esta noite vai casar; Todas têm um pensamento: Madrinha é Nossa Senhora Umas amigam-se com os padres, Padrinho é o luar. Outras vão para o convento. 17 18 Estão junto de uma roseira, Deus, quando estava na cruz, As nossas casinhas brancas Quase morto a acabar, A Virgem Nossa Senhora Deu uma palavra ao povo: Que é nossa padroeira. Eu morro para vos salvar. 19 20 A treze do mês de Junho Duas noites há no ano Santo António se demove; Que alegram o coração: S. João a vinte e quatro, É a noite de Natal S. Pedro a vinte e nove. E a noite de S. João. 21 22 Chamaste ao meu cabelo Eu esta noite sonhei, Canas reais de Viana; Queira Deus que assim fora; Eu também chamei ao teu Sonhei que estava no Céu, Laços de prender quem ama. Aos pés de Nossa Senhora. 23 24 Chamaste-me amor perfeito Eu hei-de ir à romaria Coisa que a terra não cria; Ao Senhor S. João d'Arga; Amor perfeito só Deus, A romaria é boa, Filho da Virgem Maria. Mas o caminho amarga. 25 26 Cheguei à cruz de te amar Eu venho da romaria Calvário do meu martírio; Do Senhor S. João d'Arga; Se vês que te não mereço A romaria é bonita, Não ignores meu sentido. Mas o caminho amarga. 27 28 Da minha janela rezo Fui ao S. João a Braga À Senhora da Bonança E vi tudo embandeirado; Que me traga o meu amor Tudo isto são bandeiras Daquela maldita França. Que S. João tem ganhado. 29 30 * De Lisboa me mandaram Hei-de deixar ao relento

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Um lencinho quase novo; Uma folha de figueira; Em cada ponta seu ai, Se S. João a orvalhar, No meio, Jesus, que eu morro! Hei-de encontrar quem me queira. 31 32 Depois de tanto sofrer, Hoje com o S. Pedro De viver apaixonada, Vos peço meu bom Jesus; Mas agora que me amas Que a todos tarde ou cedo Já vivo mais descansada. Não nos falteis com a luz. 33 34 Meu S. João quem pudera No altar de S. João Ir na rusga deslumbrada; Só ficaram nove rosas, Ver tua noite cair Três brancas, três amarelas, Nos braços da madrugada. Três encarnadas formosas. 35 36 Minha Senhora da Ajuda No lar onde há carinho Ajudai-me a mim primeiro; Reza-se depois da ceia Sou filho duma viúva, As orações a Deus Pai, Minha mãe não tem dinheiro. À luz de uma candeia. 37 38 Minha Senhora das Neves, Nossa Senhora da Guia, Ajudai o meu irmão; Guiai os homens casados; Anda por terras alheias Guiai também os solteiros, Com um martelinho na mão. Que andam mal encaminhados. 39 40 Minha Senhora da Serra, Nossa Senhora da Rocha, Minha Mãe Celestial, No lugar de Castanheira, Tenho o meu amor ausente É a nossa advogada, Livrai-o de todo o mal. Da mocidade solteira. 41 42 Minha Senhora das Neves Nossa Senhora das Dores Tem um filho serrador, Tem sete espadas ao peito; Para serrar a madeira Saudade tem sete letras, Para o altar do Senhor. Que sofre do mesmo jeito. 43 44 Não corteis a oliveira Nossa Senhora de Fátima Nem a ameaceis com o machado. Que tendes todo o poder; Que ela dá para alumiar Ajudai-me nesta hora A Jesus Cristo sagrado. Que eu vos hei-de agradecer. 45 46

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Na sexta, por ti, amor, Nossa Senhora do Carmo No sábado, por ti, meu bem, Te valha a ti e a mim; No domingo, vou à missa Julguei-te com mais juízo Porque a Deus quero bem. Sem saber que eras assim. 47 48 No altar de S. João Nossa Senhora do Minho Nascem rosas amarelas, Aonde te foram pôr! S. João subiu ao Céu Ao alto da Serra d'Arga A pedir pelas donzelas. Com penedos ao redor. 49 50 Nossa Senhora faz meia Ó meu S. João Baptista, Com o fio da boa luz; A nossa capela cheira; O fio sai do novelo Cheira a cravos, cheira a rosas, As meias são para Jesus. À flor de laranjeira. 51 52 Nossa Senhora me disse. Ó meu Senhor S. João De cima do seu altar: A vossa capela cheira; Filhinha, faz por ser boa, Ela cheira ao lavado, Eu farei por te ajudar. É brio da lavadeira. 53 54 Nossa senhora me disse, Ó meu Senhor S. João, Lá de cima do altar; Casai-me que bem podeis. Rapariga tem juízo Já tenho teias de aranha, O povo deixa-o falar. Naquilo que bem sabeis. 55 56 O amar e querer bem Ó meu Senhor S. João, Está na Sagrada Escritura. Dai-me a mão pela janela; Quem ama a Deus, como deve, Eu venho tão cansadinha Tem a salvação segura. De subir a vossa serra. 57 58 Olha para o Calvário Ó meu Senhor S. João, E lá verás uma cruz; Onde foi aparecer! Lá verás crucificado No alto da Serra d'Arga, Nosso querido Jesus. Onde todos o vão ver. 59 60 Ó meu bom Jesus do Monte, O pouco que Deus nos deu, Vós que estais nessas alturas, Cabe numa mão fechada. Alumiai a minha alma, O pouco com Deus é muito,

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Não me deixeis às escuras. O muito sem Deus é nada. 61 62 Ó meu lindo S. João Ó que pinheiro tão alto! À porta tendes a dança. Com uma galha para o norte; Não se dá ponto sem nó, Eu hei-de pedir a Deus Nem se fala sem confiança. Que me dê boa sorte. 63 64 Ó meu rico S. João Ó Senhor S. João d'Arga, Onde te foram pôr! Donde vens todo molhadinho? No meio da Serra d'Arga Venho do alto da Serra Com sobreiros ao redor. De regar o cebolinho. 65 66 Ó Senhor S. João d'Arga, Santo António de Lisboa, Eu este ano lá hei-de ir, Espelho de Portugal, Ou casada ou solteira Ajudai-nos a vencer Ou criada de servir. Esta batalha real. 67 68 Ó Senhora da Saúde, Santo António leve António Senhora da Saúdinha... E o Santo me leve a mim, Que capela tão pequena Lá para o reino da glória Para tamanha rainha. Por muitos séculos sem fim. 69 70 Ó Virgem Nossa Senhora Santo António, Santo António, Que trazeis na mão que luz? Às moças estende a mão; Um raminho de arcipreste Corram moças, vão depressa, Para o Menino Jesus. Façam-lhe uma petição. 71 72 Quem me dera ir ao céu S. Gonçalo case as velhas, Àquela nova cidade... Santo António, as raparigas. Para poder passear Cantai moças ao Santinho No campo da liberdade. As vossas belas cantigas. 73 74 Quem me dera ir ao céu S. Gonçalo de Amarante Para ver o que lá havia; Feito de pau de azevinho; Quem me dera a mim ir ter Dai-me força nos meus braços, Aos pés da Virgem Maria. Como o porco no focinho. 75 76 Quem me dera, quem me dera, S. João adormeceu O que a minha alma deseja: Debaixo da laranjeira; As portas do Céu abertas, Caiu-lhe a flor em cima, Como estão as da Igreja. S. João que bem que cheira.

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77 78 Quem quiser amar a Deus S. João à minha porta Não diga que não tem tempo; E eu não tenho que lhe dar. Pode andar nos seus trabalhos Dou-lhe um raminho de flores Com Jesus no pensamento. Para pôr no seu altar. 79 80 Santo Aginha já caiu, S. João era bom Santo; Castanheira está no chão S. Pedro ainda melhor; Viva o nosso lugar de Arga É o chaveiro do Céu Que sempre vai tendo mão. Tem as chaves do Senhor. 81 82 S. João era bom Santo Senhora da Agonia Se não fosse tão gaiato; Está muito agoniada. Ia com as moças à fonte Perdeu o seu pentinho d'ouro Levava três, trazia quatro. Com que se penteava. 83 84 S. João era bom Santo Senhora dos Aflitos Se não fosse tão velhaco. Bem aflita estou eu; Foi com as moças à fonte Tive agora por notícia Levou duas, trouxe quatro. Que o meu amor morreu. 85 86 S. João para ver as moças Senhora dos emigrantes Fez uma ponte de prata; Cá da nossa freguesia; As moças não foram lá, Foi onde ela apareceu S. João todo se mata. Terra de Santa Maria. 87 88 Se algum dia ouvires dizer Senhora Santa Luzia, Que uma vala me deu fim... Tenho olhos e não vejo; Vai a S. João e reza Vejo mar e vejo terra O Padre Nosso por mim. Não vejo quem eu desejo. 89 90 Se fores ao S. João Se ouvires tocar para a missa Vai de volta na Capela; Deixa tudo e vai a ela; Está lá uma roseirinha Quando vira a folha a Santos Trazei-me uma rosa dela. Desce Deus do Céu à terra. 91

Vai-te embora mês de Maio, Deixa vir Junho que é Verão;

Deixa vir aquele dia, De Baptista S. João.

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QUADRAS DE SAUDADE

« Quem canta, seu mal espanta », lá diz o rifão popular e muito bem.

As cantigas são saudades, Quem canta, saudades tem; Quem canta para esquecer É certo que lembra alguém.

A saudade mata e, por isso, é sempre bom que a esqueçamos. Como diz Camilo: « A poesia não tem presente: ou é esperança ou saudade ». Como factor importante na vida dos povos, ela é objecto de desabafos, é qualquer coisa que põe todas as faculdades do homem em acção, predispondo-o para a poesia. Aqui se vão mostrar quadras que são espelho, sobretudo, dos sentimentos de alguém pelo amor que se encontrava ausente. 92 93 A água do nosso rio Adeus chamam! Parto agora! Bate toda em cachão, Vou punir os males meus Assim batem as penas Ai! Adeus! Adeus para sempre Do meu triste coração. Filhos, pátria, esposa, adeus! 94 95 A carta que te mandei Adeus estação de Caminha, Foi escrita à candeia; Cercadinha de olivais; Com suspiros vai fechada, Adeus Rio de Janeiro, De saudades vai cheia. Sepultura dos meus ais. 96 97 Adeus, adeus minha terra, Adeus fonte do Loureiro, Mal de ti jamais direi; Onde mato minha sede; Dá o mundo muitas voltas, Foste lá deitar melaço, Não sei se cá voltarei! Mas não te caí na rede. 98 99

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Adeus alma da minha alma, Adeus lugar do Cerquido, Amor do meu coração; Ficas naquela ladeira; Morrerei só para mostrar É terra muito famosa Quanto pode esta afeição. Da Laurinda cantadeira. 100 101 Adeus amor da minha alma, Adeus, meu amor, adeus, Adeus fraldas do Marão; Até quando há-de ser... Adeus belas orvalhadas Até daqui a cem anos, Da noite de S. João. Se nenhum de nós morrer. 102 103 Adeus amor dos meus sonhos Adeus, meu amor, adeus, De quem nunca me esqueci; Até quarta ou quinta-feira; Vem fazer-me companhia, Não posso estar sem te ver Não posso viver sem ti. Uma semana inteira. 104 105 Adeus amor que já foste, Adeus, meu amor, adeus, Adeus amor que já amei; Este adeus me custa a vida; Todos os sítios adoro Custa mais do que a morte Aonde contigo falei. Esta nossa despedida. 106 107 Adeus casa de meus pais, Adeus, meu querido amor, Adeus janela da eira; Querido do coração; Agora vou-me casar, Com certeza o nosso amor Adeus, ó vida solteira. É o amor da perdição. 108 109 Adeus, ó estradinha nova, Adeus Ponte de Lima, Adeus caminho de ferro, Adeus Largo de Camões; Adeus raparigas d'Arga, Foi onde se reuniram Que no coração vos levo. Os nossos dois corações. 110 111 Adeus, ó lugar da Gandra, Adeus povo de Parada, As costas te vou virando; Linda terra nomeei; As saídas são agora, Muitos procuram, não acham, As entradas não sei quando. Eu, sem procurar, achei. 112 113 Adeus, ó terra de Dem, Adeus que me vou embora, As costas te vou virando; Adeus que embora me vou; As saídas são agora, Tu já estás aborrecido, As entradas não sei quando. Mas eu para já não estou.

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114 115 Adeus, ó triste saudade, *Adeus que me vou embora, Dos meus olhares dos teus; Adeus que me embora vou; Com minha voz magoada Vou embora porque eu quero, Três vezes: adeus, adeus. Que a mim ninguém me mandou 116 117 Adeus, ó Vila Real, Adeus que me vou embora. Esta te vou a dizer: Desta terra para outra; Não sei se lá terás fita, Os meus olhos deitam água Meu amor, p'ra me prender. Para regar a tua roupa. 118 119 Adeus, ó Vila Real, Adeus terra da minha alma, Manda-me de lá dizer: Por quem minha alma adora; Tenho lá o meu amor, Por quem o meu coração Se o tornarei a ver. Sempre suspirou e chora. 120 121 Adeus, ó Vila Real, Adeus torre do relógio, O luxo é que te asseia, Adeus aldeia querida; Ãdeus, ó rua Direita, Já que lá tens meu amor, onde o meu amor passeia. Toma lá a minha vida. 122 123 Adeus Ponte de Lima, A minha amarga saudade Adeus Largo de Camões; Não se pode imaginar; Adeus caneca de vinho, Há-de acompanhar-te sempre, Adeus prato de rojões. Mesmo nas águas do mar. 124 125 A palavra saudade, Da tua comprida carta Aquela que a inventou, Apenas ficou em mim, A primeira vez que a disse Meu amor, logo no princípio Com certeza que chorou. As saudades não têm fim. 126 127 A palavra saudade De martírios e saudades Toda a gente que a inspira, Um grande ramo apanhei; Ter saudades de quem esquece De martírios, porque sofro, E ter crença na mentira. De saudades, porque amei. 128 129 A saudade é uma flor *De saudades e martírios Que se dá em terra forte; Um lindo ramo apanhei; Amei-te com tanto gosto, De saudades, porque as sinto, Deixei-te com tanta morte. De martírios, porque amei. 130 131 As cantigas são saudades, Desde que vim dessa terra

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Quem canta saudades tem, Nunca mais tive alegria, Quem canta para esquecer, Somente por me faltar É certo que lembra alguém. Tua amável companhia. 132 133 As saudades quem pudera Despedida, despedida Enterrá-las ao nascer, Como fez a cotovia; Onde não houver saudades Despediu-se, cantando Não pode haver quem querer. Adeus, até outro dia. 134 135 Ausente de ti, amor, De suspiros e saudades Que alegria posso ter; Tenho um lindo vaso cheio; O tempo vai-se passando, O meu peito é o jardim, Viver sem ti, é morrer. O meu coração, recreio. 136 137 Ausente de ti não posso Distante de ver teu rosto Ter gosto, nem alegria; Só me nutro de pesar, Ando triste como a noite No regaço da saudade Sem a tua companhia. Vivo triste a suspirar. 138 139 Ausente de ti não vivo, Do vermelho encarnado Só tristeza me rodeia; Hei-de fazer um vestido; Minha vida é uma casa A mim ninguém me morreu, Às escuras sem candeia. guardo o luto a quem está vivo. 140 141 Do vermelho encarnado Não olheis para os meus olhos Mandei fazer um vestido; Meiguinhos, cheios de idade, A mim ninguém me morreu, É que podem aprender Guardo só por quem está vivo. A doença da saudade. 142 143 Eu bem te escondo, saudade, Nunca mais chego a ser Mas tu surges indiscreta, Nem o caldo da galinha, Com a luz, com a verdade, São saudades do meu amor Como o aroma da violeta. Que me têm posto na espinha. 144 145 Eu canto para espalhar, Ó águia, que vais voando Não é nenhuma loucura; Por esse mundo além, Vou cantando e vou pedindo, Leva-me ao céu, onde eu tenho Ao Senhor, muita ventura. A alma da minha mãe. 146 147

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Eu hei-de mandar fazer, O dia que me deixares, Mas não sei se mo farão, Meu amor, por caridade, Um comboio de saudades, Leva no teu coração No teu peito uma estação. Um ramo de saudades. 148 149 Eu só queria agora estar O dizer adeus é triste, Onde está meu pensamento; Quem diz adeus, sempre chora; Desta terra para fora Não sei se te diga adeus, E de Dem para dentro. Se triste me vá embora. 150 151 Joaquim, rei dos amantes, Ó penas, não venhais juntas, António, rei dos rapazes; Vinde mais poucas a poucas; Quando de ti estou ausente, Vinde mais devagarinho, Sou um mar de saudades. Dai passagem umas às outras. 152 153 Manda-me daí dizer Os gomos da vinha choram O preço que o roxo tem, Lágrimas de cinco a duas: Que me quero vestir dele Também os meus olhos choram, Com saudades do meu bem. Amor, com saudades tuas. 154 155 Na minha cama sentada O vento vai espalhando Uma carta tua li; Folha a folha pelo chão; Beijando letra por letra, Só não espalha a saudade Chorando, adormeci. Que invade o meu coração. 156 157 Quem me dera agora estar Saudades quem as tiver Onde está meu coração, Perca-as logo ao nascer; Na freguesia de Dem, É a maior enfermidade Onde meus suspiros vão. Que no mundo pode haver. 158 159 Quem me dera agora estar Saudades são lágrimas Onde está meu pensamento... Que eu choro todos os dias, Freguesia de Dem para fora Recordando os tempos belos E Lisboa para dentro. Que junto de mim vivias. 160 161 Quem me dera agora ver Saudades, tanta saudade Quem me tanto lembrou... Que não te posso esquecer O meu lindo amorzinho Das tuas queridas letras Que tão longe dele estou. Que me trazem a sofrer. 162 163 Queria dar a despedida, Saudades tenho do tempo

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Queria-a dar e não posso; Que já por mim tem passado, Tenho i meu coração preso Saudades por ter perdido Com um fio d'ouro ao vosso. O meu bem idolatrado. 164 165 Saudade é folha caída, Saudades tuas são tantas Dessas que o vento murchou; Como areia tem o mar; Saudade, esperança perdida, Não têm conta, não têm fim, Do tempo que me roubou. Não se podem considerar. 166 167 Saudade, florinha triste, Se algum dia ouvires dizer Na campa de uma ilusão; Que eu nesta terra morri, Saudade, para que te abiste Foram grandes saudades Dentro do meu coração? De estar longe de ti. 168 169 Saudade, palavra triste, Se algum dia te disserem Não sei como a aprendi; Que se saudades morri... É oração que rezo Não te rias, meu amor, Quando estou longe de ti. Foi de saudades de ti. 170 171 Saudades, contas escuras, Se fores ao meu jardim, São todas Avé-Marias Dá lembranças ao meu bem. Do Rosário de amarguras Eu sempre tive saudades Que eu rezo todos os dias. De quem por mim não as tem. 172 173 Se vires cair, apanha Tenho tantas saudades Folhas verdes na varanda; Que as não posso contar; Apanha que são saudades Tantas como as estrelas Que o meu coração te manda. E areias há no mar.

CANTIGAS AO DESAFIO

As cantigas ao desafio eram vulgares em romarias, feiras, desfolhadas, serões, etc. Infelizmente, tudo tende a acabar.

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Este punhado de quadras recolhidas e que se apresenta aos leitores, embora desconexas ( ou fora do contexto ), são suficientes para que todo aquele que nunca as ouviu, faça uma ideia do seu conteúdo. Algumas mostram bem o ponto culminante da agressividade, atingindo, por vezes, a grosseria. 174 Desafio, desafio, Desafio duma cancela; A culpa tive-a eu Desafiar essa cadela.

Embora o desafio começasse, espontaneamente, entre dois amigos, sem o objectivo de se ofenderem, geralmente acabava mal, ficando alguém de «nariz torcido »... 175 176 Agora para terminar, Algum tempo p'ra te ver, Agora vos vou dizer, Abria sete janelas; Agarrai no rabo ao burro, Agora p'ra não te ver, Ide-o levar a beber. Não abro nenhuma delas. 177 178 Agora pergunto eu Algum tempo p'ra te ver, Já que vós não perguntais: Abria sete quintais; A minha saúde é boa, Agora p'ra não te ver, Vós da vossa, como estais? Fecho trinta ou ainda mais. 179 180 Agora respondo eu A mulher para ser boa, À flor que aqui cantou; Tem que ter pernas de pau, Estava para me ir embora, A barriga de manteiga, Mas agora já não vou. As mamas de bacalhau. 181 182 *Algum dia era eu A mulher para ser jeitosa, Em teu prato melhor sopa; Tem que ter a perna baixa, Agora sou um veneno A barriga redondinha, A ressalgar a tua boca. Para levar com o pau na caixa. 183 184 Algum dia, meu amor A mulher, para ser mulher, Meu regalo era ver-te; Deve ter oito amores; Agora tanto me rende Dois casados, dois solteiros, Ganhar-te como perder-te. Dois padres e dois doutores. 185 186 *Algum dia para te ver, Andam quatro raparigas Dava saltinhos na rua; P'ra roubar o meu rapaz;

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Agora dou dinheiro Eu ainda dava uma prenda Para não ver a sombra tua. Àquela que for capaz. 187 188 Algum dia por te ver As cantigas são patetas, Dava voltinhas no ar; Falinhas leva-as o vento; Agora já dou dinheiro Quem se fia em cantigas Para não te encontrar. Tem falta de entendimento. 189 190 Algum dia por te ver Ausentaste-te de mim, Saltava sete quintais; Cuidavas que eu chorava; Agora p'ra não te ver, Nunca chorei por amores Ainda salto outros mais. E de ti nada gostava. 191 192 Cuidas que és mais do que eu Dizes que gostas de mim, Por andares mais asseada; O teu gosto é só engano; Vai levar a roupa ao dono Tu cortas da minha vida Que a trazes emprestada. Como a tesoura no pano. 193 194 Deixa-me ir dormir contigo Dizes que te vais casar, Uma noite só, não é nada; Vou-te dar os parabéns. Eu entro pelo escuro Quero ver se agora perdes E saio de madrugada. Essa vaidade que tens. 195 196 De Lisboa me mandaram * Dizes que te vais embora Uma prenda num canudo; Já te podias ter ido; Uma velha descascada, Para te falar a verdade Um velho com casca e tudo. Já me tens aborrecido. 197 198 *De Lisboa me mandaram Diz-me lá o que quiseres; Um pratinho com bom molho; A mim nada me atrapalha; As costelas duma pulga, Desde sempre ouvi dizer O coração de um piolho. Que todo o burro quer palha. 199 200 Desafio, desafio, É preciso ter ideia Desafio da foucinha; Para cantar como tu cantas; A culpa tive-a eu Vais levar uma tareia Desafiar essa morrinha. Que nunca mais te levantas. 201 202 *Desafio, desafio, Erga-me o chapéu para cima, Desafio da navalha; Não mo traga à maromba.

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A culpa tive-a eu Que eu, por ser pequeqnina, Desafiar essa canalha. Você a mim não me zomba. 203 204 Desafio, desafio, És cantador afamado, Desafio duma cancela; Mesmo a cara to diz; A culpa tive-a eu Foste cantar ao inferno, Desafiar essa cadela. Nem o diabo te quis. 205 206 Deus nos livre da beata Essa é boa! Que lhe importa? De contas sempre na mão; Vá-se embora, por favor; Que tem na boca doçuras Meu pai não tarda aí, E só fel no coração. Eu não conheço o senhor. 207 208 Esta noite chove, chove Estes mocinhos de agora Uma chuva miudinha; Cuidam que são e não são; Se chover na tua cama Têm uma fala na boca Anda deitar-te à minha. Têm outra no coração. 209 210 Esta noite sonhei eu, Eu cantei esta cantiga Na outra sonhado tinha; Não foi para desafiar; Que estava na tua cama Foi para te responder Acordei, estava sozinha. Não foi para te maltratar. 211 212 Esta noite tive um sonho Eu hei-de cantar e rir, A outra sonhado tinha; Eu hei-de rir e cantar; Que estava na tua cama, A mim ninguém me morreu, Acordei, estava na minha. Não tenho por quem chorar. 213 214 Esta noite tive um sonho Eu já fui à tua casa Que te tinha dado beijos; Eu já vi o teu asseio; Acordei, estava sozinha Debaixo da tua cama Pus-me a matar percevejos. Tinhas o penico cheio. 215 216 Estas frases haviam de ir Eu não canto por cantar, Todas escritas a encarnado; Nem por ser a cantadeira; Mas não quero fazer isso, Eu só canto para arreliar Mando-te à m... declarado. Quem trago à minha beira. 217 218 Estas meninas de agora Eu não canto por cantar São algumas, não são todas; Nem por ser a cantorista; Usam sete pares de meias Eu só canto para arreliar

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Para fazerem as pernas gordas. O galo da maior crista. 219 220 Estas mocinhas d'agora Eu queria-me casar Todas é que têm que têm; Mas tenho medo à fome; Por fora tudo é renda Agora anda na moda Por dentro nem camisa têm. Da mulher manter o homem. 221 222 *Estes mocinhos d'agora Eu queria-te encontrar São franguinhos de vintém; Numa quelha sem saída; Prometem dez réis às almas; Que te queria perguntar A ver se a barba lhes vem. Que te importa a minha vida. 223 224 Há algum tempo p'ra te ver No dia do casamento Calcava as pedras da rua; No dia que eu me casar; Agora dava dinheiro Terei de dar muitos gestos P'ra não ver a sombra tua. Até a cama quebrar. 225 226 Há muito tempo que eu ando Ó alecrim de Castela, Meu amor para te deixar; Alfazema da Galiza Deixaste-me tu primeiro, Diga lá, ó menina, Botaste-te a adivinhar. Se quem ama, paga sisa. 227 228 Já dormi na tua cama Ó cantor afamado, Já Já o teu rosto beijei; Mesmo a cara to diz; Já gozei os teus carinhos Foste cantar ao inferno, E mais coisas que eu cá sei. Nem o diabo te quis. 229 230 *Já dormi na tua cama O carvalho da ribeira, Já tua boca beijei; A maqis outro caralhaz, Já logrei os teus carinhos Andaram a noite toda Agora descansarei. Para fazer um rapaz. 231 232 Levanta-me o chapéu p'ra cima, Ó Maria, que te eu disse? Não o tragas para o lado, Foi na apanha da azeitona, Que eu quero ver a meu gosto Tu por baixo e eu por cima, Se és solteiro ou casado. Foi a maior pouca vergonha. 233 234 Murmurai, murmuraderiras Ó menina, vem comigo Fartai-vos de murmurar. Para o meio daquela devesa; Quanto mais de mim falais Cinco minutos de alegria, Mais eu vos faço falar. Nove meses de tristeza.

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235 236 No alto daquela serra Ó, menino, vai à m... Está um sobreiro na lama; Não o digas a ninguém Ainda ontem me disseram Para que ninguém saiba Que tu mijaste na cama. O gosto que a m... tem. 237 238 No bem-me-quer desfolhado O meu amor me deixou A minha sorte pedia; Por eu ter a fralda rota; Que por ti não era amada Anda cá filho da... Foi a sentença que lia. Ainda tenho uma de estopa. 239 240 Ó que pinheiro tão alto! Toda a moça que namora Com uma galha p'ra Galiza; Tem sempre que se lhe diga; É um regalo dormir, Ou porque se deixa apalpar, Com uma mulher sem camisa. Ou porque lhe cresce a barriga. 241 242 Os moços fazem promessas *Tudo quer casar, casar, Iludindo as raparigas; Todo o burro é casado; É por isso que sempre crescem, O manter mulher e filhos Dia p'ra dia as barrigas. É que torce a porca o rabo. 243 244 Ouve lá, ó cantador, Tu pensas que és mais do que eu Não sei como tu tanto falas; Lá dentro do teu quartel; Vou-te dar uma chupeta Se as pulgas fossem abelhas, Para ver se tu te calas. Colhias pipas de mel. 245 246 Ó vida da minha vida, Uma velha, muito velha, Õ vida de repiu piu; Mais velha que a minha avó, Já mandei o meu amor Tem calos na barriga Para a ......................... De bater o pão de ló. 247 248 Õ vida da minha vida Vem aí a moda nova Ó vida do trimarães; Que mandou o regedor; Eu já vi um homem prenho É juntar os homens todos Parir vinte e cinco cães. E chamar o capador. 249 250 Por casar bem me eu casava Vives tão longe de mim O pior é depois; Que não me podes ouvir; Tenho medo que ponham Quando será o dia Cornos como os dos bois. De dar beijos a dormir?

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251 252 Rapariga dá-te ao mundo, Vou fazer este pedido Não queiras morrer donzela, Reconheço as minhas faltas; Não queiras levar a honra Domingo, ao sair da missa, Lá para debaixo da terra. No adro te caiam as calças. 253 254 Se te perdes na má vida *Vou rogar-te uma praga Jamais te vou procurar; Deus queira que te ela caia. Embora a mulher perdida Domingo se fores à missa Não custe a encontrar. No adro te caia a saia. QUADRAS DE QUEIXUME

Nas quadras que se seguem, cada uma delas representa uma queixa. O povo serve-se da poesia para se queixar da sua desventura. Muitas vezes, é ela que acusa o rapaz, outras, é ele que acusa a rapariga. A desilusão no amor é bem patente em quase todas. 255 Eu queria dar um ai Bem fundo no coração; Não para lembrar o amor, Mas a sua ingratidão.

256 267 A água do rio Lima A cantar ganhei dinheiro, Foge que desaparece; A dançar se me acabou; Quem dá falas a garotos Foi dinheiro tão mal ganho, Seu castigo merece. Água o deu, água o levou. 268 269 A água do rio Lima Acenaste-me com um lenço Foge que desaparece; Da sombrinha do loureiro, Quem eu quero, não me quer, Nunca julguei que o teu lenço Quem me quer, não o merece. Fosse meu alcoviteiro. 270 271 A azeitona miudinha Adeus que me vou embora, É tirada uma a uma; Adeus que embora me vou; Estes rapazes de agora Tu já estás aborrecido, Não têm vergonha nenhuma. Mas eu para já não estou.

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272 273 Abaixo da Chão dez metros *Adeus que me vou embora, Ouvi falar a Raiz; Adeus que me embora vou; Não te gabes que me deixas, Vou embora porque eu quero, Que fui eu que te não quis. Que a mim ninguém me mandou 274 275 Abre-te, janela, abre, Adeus que me vou embora, Que te abres para bem; Daqui me vou retirar; Se te abres para penas, O cantor já fugiu Penas, meu coração tem. E só eu não posso cantar. 276 277 A cana verde do mar Adeus que me vou embora, Também tem a sua dor; Daqui me vou retirar; Eu também tenho a minha, Se fosses uma pombinha, Seja ela por quem for. Vir-me-ias a acompanhar. 278 279 A candeia que alumia Água clara da corrente, Tem mil cravos num borrão; Que vais tu a lamentar? Eu também tenho mil penas São lembranças da nascente Dentro do meu coração. Ou pressa de ir ter ao mar. 280 281 *A cantar ganhei dinheiro, Ah! Como sou infeliz A cantar se me acabou; Amar e não ser amado, O dinheiro mal ganhado Ser pelo anjo que adoro Água o deu, água o levou. Pouco a pouco desprezad. 282 283 Ai de mim que já não posso Algum dia era eu Com tantas penas amar-te; No teu prato a melhor sopa, Vejo tantas a querer-te, Agora já te aborrecem Eu resolvo-me a deixar-te. As falas da minha boca. 284 285 A igreja de Venade Algum tempo era eu Feita de pedra morena, Raminho de andar na mão, Dentro dela vai à missa Agora sou vassourinha Quem a mim me causa pena. De andar a varrer o chão. 286 287 Ainda hoje não comi Amar a quem me não ama, Senão lágrimas com pão; Não há fado mais tirano; São estes os bons almoços Conhecer o próprio erro, Que os meus amores me dão. Viver no mesmo engano. 288 289 Ai solidão, ai dão, ai dão, Amar, morrer, padecer, Cá p'ra mim, quer sim, quer não, Não pode ser tudo junto;

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Vem a morte, leva a gente, Quem morre, termina a vida, Quem não há-de ter paixão. Quem ama, padece muito. 290 291 A laranja de madura Amo e não sou amada, Caiu ao tanque de neve; Quero e não sou querida; O ladrão do meu amor Falo, e ninguém me responde, Sabe ler e não me escreve. Decerto não sou ouvida. 292 293 *Alegria dos meus olhos Amor, dizes que me amas, Eu não sei quem ma levou; Mas eu desconfio bem; Quando eu era tão alegre Não creio que de mim gostes, E agora tão triste sou. Porque amas mais alguém. 294 285 Alegria de uma quinta Amor, toma lá pinhões, É um ramo a acenar; Que eu venho agora da feira! A tristeza de uma mãe Para casar e sustentar-te É um filho militar. Mais me vale estar solteira. 286 287 Algum dia era eu, Amor, toma lá pinhões, Algum tempo eras tu; Que eu venho de Santarém! Agora nem tu, nem eu. Casar e ganhar para ti Agora nem eu, nem tu. Isso calhava-te bem. 288 289 Andei à roda do mar *Apartai-o, apartai-o, Com uma vela branca acesa; O cachinho da videira; Em todo o mar achei fundo, A mim também me apartaram Só em ti pouca firmeza. Meu amor da minha beira. 290 291 Ando triste como a noite, *As ondas do mar são brancas, Nada do mundo me alegra; No meio são amarelas; Como hei-de andar contente? Coitadinho de quem nasce Foi o meu amor para a guerra. Para ir morrer no meio delas. 292 293 *Anel de sete pedrinhas Chamaste ao meu cabelo Sai para fora do meu dedo; Dobadoira de dobar, Tu foste o causador Eu hei-de chamar ao teu De eu tomar amor tão cedo. Sarilho de ensarilhar. 294 295 Antes de te conhecer, Chamaste ao meu cabelo Nada de ti se me dava; Laços de ouro de engatar, Sem pensamentos dormia, Eu também chamo ao teu Sem cuidados acordava. Espelho de encantar.

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296 297 Antigamente era eu Chamaste ao meu cabelo Raminho da tua mão; O ninho dos passarinhos, Agora sou vassourinha Eu chamo à tua boca De andar a varrer o chão. O cofre dos meus beijinhos. 298 299 *Antoninho pede, pede, Chamaste ao meu pai, pobre, Eu não tenho que te dar; Ao teu, rico afortunado; Dar-te-ei um cachinho de uvas, Mais vale o pobre alegre Se o meu pai as vindimar. Que o rico apaixonado. 300 301 Ao tempo que aqui não passo! Chamaste ao meu pai, sogro, Já o caminho tem ervilhas; À minha irmã, cunhada; Olha a falta que faziam Não lhes chames muitas vezes As tuas falas às minhas. Senão correm-te à paulada. 302 303 *Apartai, apartai Chamaste-me bexigoso, O vinho tinto, do branco, Não me interessa - são sinais. A mim também me apartam Nunca vi céu sem estrelas, De quem eu queria tanto. Nem altar sem castiçais. 304 305 *Chamaste-me cachorrinho, Chamaste-me pobrezinha, Eu não mordi a ninguém; Eu bem sei que pobre sou; E se ladro à tua porta Se chegar a ir pedir, É porque te quero bem. À tua casa não vou. 306 307 Chamaste-me cerejinha *Chamaste-me pouca roupa, Diante de tanta gente; Tu tens muita em teu proveito; Agora fica-me o nome, Também não tenho trabalho Cerejinha para sempre. À noite, quando me deito. 308 309 Chamaste-me feiticeira *Chamaste-me preta, preta, Da cor da raiz de um cravo; Eu isso bem o sei; Oxalá que eu o fosse, Também a azeitona preta Que te trazia tentado. Vai comer à mesa do rei. 310 311 Chamaste-me moreninha *Chamaste-me trigueirinha, Da cor do alvarelhão; Eu não me escandalizei; Sou moreninha do rosto, Trigueirinha é a pimenta Alvinha do coração. E vai à mesa do rei. 312 313

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*Chamaste-me moreninha, Chamaste-me variada, Isto é do pó da eira; Mas eu nunca variei. Hás-de ver-me ao domingo Variaram os meus olhos, Como a rosa na roseira. Quando para os teus olhei. 314 315 Chamaste-me olhos de gato, Cheguei ao alto maior, Mimosas faces os tem; Onde quer que vós chegais, Eu não fui roubar olhos A riqueza vale muito, Aos gatinhos de ninguém. Mas a honra muito mais. 316 317 *Chamaste-me picadinha, Cheira-me aqui a tabaco, Sem eu ter as picadelas; Quem será o fumador? Também o céu tem estrelinhas, Palpita o meu coração Não é bonito sem elas. Que será o meu amor. 318 319 Chamaste-me pobrezinha, Deita-me daí a baixo A pobreza Deus amou; Um cravo branco à rua; Quem é rico come e bebe Adeus que me vou embora, Quem é pobre também passou. Sem uma lembrança tua. 320 321 Deitei um cravo de molho, Disseste-me que eu era pobre, No fundo ganhou raiz; Deus me dê divina graça; Não te gabes que me deixas Quem é rico come e bebe, Que fui eu quem te não quis. Quem é pobre também passa. 322 323 De manhã me levantei, Disseste-me que me não querias, Fui à ribeira à água; Meu barbas de peneireiro; Sobre a água derramei Eu também já não te quero, Lágrimas de tanta mágoa. Nem por grande dinheiro. 324 325 Depois de me ver no chão Disseste que me não querias, Eu fiquei preocupada; Eu também te não mereço; Desde esse dia em diante Eu bem sei que tu gastas Fui sempre uma desgraçada. Pano de mais alto preço. 326 327 Desde o dia que te vi, Dou-me bem com toda a gente, Que vi esses olhos teus Só não gosto é de ver: Que fugiam para mim Quem é só tanto como eu E se trocaram pelos meus. E menos de mim fazer.

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328 329 Desde toda a minha vida Estas velhas solteironas Sempre fui envergonhada; Não há quem as faça crer Agora em certas línguas Que, se vão para Santo Hilário, Passo a ser desgraçada. Muito vão ter que sofrer. 330 331 Desgraçado bem-me-quer, Esta vida é de tormento, Onde tu foste nascer, Passo a vida a lamentar; Onde não haja bondade Não me sais do pensamento Não pode haver bem querer. Nem mesmo a trabalhar. 332 333 Desgraçado do loureiro *Estes mocinhos d'agora Que nasce ao pé do caminho; São poucos, mas são valentes; Todos passam e todos tiram Podem com a pia dos porcos Do loureiro um raminho. Atravessada nos dentes. 334 335 Deste-me um ramo de vida, Estes mocinhos de agora Fizeste de mim diabo; O que sabem é fumar; Deixa vir a Primavera Vão para o pé das raparigas, Que o ramo há-de ser pago. Não as sabem namorar. 336 337 *Estes rapazes d'agora, Eu cortei o pinheirinho, Estes que d'agora são, Eu cortei-o, está cortado; Trazem relógio no pulso, Eu deixei o meu amor, Não sabem que horas são. Eu deixei-o, está deixado. 338 339 Estou aqui à tua beira, Eu culpada, tu culpado, Como o ouro na balança; Venha a culpa para a mesa; Sem te lograr, meu amor, Eu culpada por ser firme, Meu coração não descansa. Tu pela pouca firmeza. 340 341 Estou triste por te ver triste, Eu daqui estou e vejo Choro por te ver chorar; A casa do meu amor; Ando triste neste mundo Mas não o vejo a ele, Por triste te ver andar. Louvado seja o Senhor! 342 343 Eu amei-te, foi verdade, Eu deitei ao mar corrente Deixei-te, tive razão, Uma rizena perdida. Porque vi que tu querias Uma fama sem proveito Falsear meu coração. Nunca é restituída.

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344 345 Eu andei no cemitério Eu deitei-me a dormir Ao coveiro perguntando Ao pé de água corrente; Se tem sítio reservado A água me respondeu: Para quem morreu amando. Vai-te embora, ó demente. 346 347 Eu bem sei, há muito tempo, Eu deixei o meu amor, Que estás zangado comigo; Não foi por coisa alguma; Hei-de te partir as pernas, Foi por ele ser canalha, Quando passares no Cerquido. Querer amar a mais do que uma. 348 349 Eu bem sei que te disseram Eu de onde estou bem vejo Para não falares comigo: Olhos que me estais matando; Meu amor, faz a vontade Matai-me devagarinho, A quem te fez o pedido. Que eu quero morrer, chorando. 350 351 Eu corri o mar à roda Eu disse-te adeus a rir, Com uma vela branca acesa; Meu amor, para não chorar; Todo o mar achei firme, Depois de costas viradas Só em ti pouca firmeza. Fartei-me de suspirar.

352 353

Eu donde estou bem vejo Eu hei-de morrer cantando,

Dois moinhos a moer; Já que a chorar nasci,

Um anda, outro desanda, Que as paixões deste mundo

Assim faz o bem querer. Não são todas para mim.

354 355

Eu era forte e valente, Eu ia por aqui abaixo

Levadinho do diabo; A fiar na minha roca

Agora já não posso Veio um passarinho pinto

Com uma gata pelo rabo. E c... na massaroca.

356 357

Eu escrevia-te uma carta, Eu já vi a morte negra

Se tu soubesses ler; A comer uma cacho de uvas,

Para a dar a ler a outro, Vai-te embora, morte negra,

Dava segredos a saber. Desamparo das viúvas.

358 359

Eu fiquei toda molhada *Eu jurei sobre uma cruz

E parti a cantarinha Nunca mais para ti olhar;

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E com outros prejuízos Cumpri o meu juramento

Ó que desgraça a minha! Porque ceguei a chorar.

360 361

Eu fui amada e querida *Eu mandei dizer ao sol

Da raiz do coração; Que não tornasse a nascer;

Agora já não o sou, À vista desses teus olhos

Não sei porquê, nem porque não. Que vem o sol cá fazer?

362 363

Eu fui ao mar buscar lume, Eu menti e tu mentiste,

Queimei-me numa faísca; Fomos os dois mentirosos;

Namorei-me dos teus olhos Perdemos o nosso amor

Logo na primeira vista. Por sermos tão caprichosos.

364 365

*Eu hei-de amar uma pedra, Eu não canto por cantar

Deixar o teu coração; Nem por cantar o digo;

Uma pedra não me deixa, Só canto para aliviar

Tu deixas-me sem razão. Penas que trago comigo.

366 367

Eu hei-de ir àquele mar, Eu não consigo prender

Chorando lhe hei-de pedir Ao menos o teu perfume;

Que abrande as suas alturas Nada ficou dos momentos

Para o meu amor cá vir. Que em nós se acendeu o lume.

368 369

Eu não posso compreender Eu pedi a morte a Deus,

A água do rio Lima; Agora já estou doente;

Dizem que vai p'ra baixo, Se morrer pouco me importa,

Eu digo que vai p'ra cima. Eu não posso durar sempre.

370 371

Eu não quero o teu dinheiro Eu pedi a morte a Deus,

Que tu me estás a dar; Ele disse que ma não dava;

Antes quero a minha honra, Que pedisse salvação,

Não me quero já matar. Que a morte certa estava.

372 373

Eu não sei que mal te fiz, *Eu perdi o meu lencinho

Eu não sei que mal te faço; No terreiro a dançar

Foges logo da janela, Minha mãe não me dá outro,

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Quando eu pela rua passo. Em cabelo hei-de andar.

374 375

*Eu não sei que tem o sol Eu quando nasci, chorei,

Que não dá na minha rua; Que eu disse estou lembrada;

Hei-de vestir-me de luto Da minha mãe me dizer:

Que de branco anda a lua. Chora, filha desgraçada.

376 377

Eu não sou como o meu bem, Eu quando saí de casa,

Nem o meu bem como a mim; Minha mãe me recomendou:

O meu bem fala para todos, Que não falasse p'rós moços,

Eu não posso ser assim. Eu nessa fita não vou.

378 379

Eu não sou quem tu procuras, Eu quando saio de casa,

Tu não és quem eu desejo; Minha mãe me recomenda

Mas para quê tantas loucuras, Que não me fie nos homens,

Se tudo acaba num beijo? Que eles são fraca fazenda.

380 381

Eu nunca te dei motivo Eu queria cantar alto,

Para de mim duvidares; Eu queria mas não posso;

Meu amor, sou sempre firme, Tenho o meu coração preso

Escusas de te queixares. Com fio d'ouro ao vosso.

382 383

Eu passei o mar a nado Eu queria dar um ai

Com uma vela branca acesa; Bem fundo no coração;

Em todo o mar achei fundo, Não para lembrar o amor,

Só em ti pouca firmeza. Mas a sua ingratidão.

384 385

Eu quero bem ao meu bem, Fiz uma cova na areia

O meu bem me quer a mim, Para enterrar minha mágoa;

O meu bem quer bem a todos, Passou o mar todo por ela,

Eu não posso ser assim. Não meou a cova de água.

386 387

Eu quero tanto bem Foste ao correr da água,

E não hás-de querer; Meu amor, fizeste bem;

Cabe na flor do tojo, Tu perdeste a amizade,

Mas não a há-de encher. Eu vou perdê-la também.

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388 389

Eu quero-te tanto bem Foste dizer ao meu pai

Como folhas tem o vime; Que já me tinhas na mão;

Tu dizes que te sou falsa, Vai-te embora, mentiroso,

Cada vez te sou mais firme. Não te quero, rapaz, não.

390 391

Eu que sou, que fui sempre Foste dizer mal de mim

Airoso, alegre e bonito, A quem me veio dizer;

Doi-me ver retratado Ainda Deus te ponha a língua

Mais horrendo que um cabrito. Como a tinta de escrever.

392 393

Eu sei ler e sei escrever, *Foste dizer mal de mim

Contar e diminuir; A quem tudo me contou:

Simpatia dos teus olhos Eu sempre gostei a gosto

É que eu não sei dividir. De quem me desenganou.

394 395

Eu só em ti é que vejo *Foste dizer mal de mim

Meu prazer, minha alegria; Já longe da minha terra;

Vivo triste quando estou Ficaste por fragalheira,

Sem a tua companhia. Eu fiquei sendo quem era.

396 397

Eu vesti-me e asseei-me, Foste dizer mal de mim,

Não sei se asseada venho; Mal de mim ao meu amor;

Venho-me ver aos teus olhos, Foi o mesmo que deitar

Já que outro espelho não tenho. Água ao pé da flor.

398 399

*Fechei a porta à desgraça, Foste falar a meu pai

Entrou-me pela janela. Que eu andava a namorar.

Quem nasce para a má sorte O meu pai te respondeu

Não pode fugir a ela. Que a inveja faz falar.

400 401

Fui à figueira aos figos, Igreja da minha terra

Corri-a toda aos ramos. Feita de pedra morena,

Fui ao Céu buscar amores, Dentro dela ouvem missa

Que os da terra são enganos. Dois olhos que me dão pena.

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402 403

Fui afogar saudades Igreja de Santo Anginha

Ao poço das cabras vivas; Feita de pedra morena,

Eu não posso suportar Dentro dela vai à missa

Saudades tão altivas. Quem me a mim causa pena.

404 405

Fui à fonte beber água, Indo pela rua abaixo

Bebi-a cheia de terra; Toda a folha me põe medo;

Estava o meu amor em frente, Bem podia o meu amor

Atirou-me com uma pedra. Tirar-me deste degredo.

406 407

*Fui ao Céu por uma linha, *Indo por aqui abaixo

Desci por um cacho de uvas; Eu por aqui abaixo vou;

Ninguém se acredite nos homens A mim ninguém me conhece,

Que são falsos como Judas. Ninguém sabe quem eu sou.

408 409

Fui ao Céu por uma linha, Infeliz de quem viver

Duma nuvem fiz encosto; Sem um amor conhecer;

Dei um beijo numa estrela Pode dizer sem mentir

Pensando que era teu rosto. Que existiu sem viver.

410 411

Hei-de cantar, hei-de rir, Ingrata, foste a causa

Hei-de ser muito alegre; Do mundo falar de mim;

Hei-de mandar a tristeza Também hei-de ser a causa

Para o diabo que a leve. Do teu corpo ter mau fim.

412 413

Hei-de enfiar uma agulha Já aí vem o Manuel

Com uma linha comprida; Muito cheio de paixão,

Para coser as más línguas Por não desatar o nó cego

Que falam da minha vida. Que trazia no calção.

414 415

Hei-de enfiar uma agulha Juntei-me ao pinheiro verde

Numa linha bem comprida, Para ver se me consolava;

Para coser as más línguas E, como o pinheiro é verde,

Que têm com a minha vida. Ao ver-me chorar, chorava.

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416 417

Manjericão miudinho Meu coração é mudo,

Em cima do chafariz; Nem fala, nem aparece;

Não digas que me não queres, Se o meu coração falasse,

Que fui eu que te não quis. Diria por quem padece.

418 419

Meu amor, eu já não posso *Meu coração é o relógio,

Suportar esta paixão Meu peito dá badaladas;

Que trago enraizada Nos dias que te não vejo

Dentro do meu coração. Trago as horas contadas.

420 421

Meu amor, já foste meu, Meu Deus, para que me legaste

Ainda hás-de tornar a ser; Tão cruel, triste destino?

Tanto dá a água na pedra Porque em vez de homem dócil,

Que a faz abrandecer. Me fadaste homem ferino.

422 423

Meu amor na despedida Meu Senhor S. Gonçalo,

Nem uma fala me deu; Casamenteiro das velhas;

Deitou os olhos ao chão, Por que não casais as novas,

Ficou a chorar a mais eu. Que mal vos fizeram elas?

424 425

Meu amor, não tenhas pena, Minha casa é no monte,

Nem te ponhas a chorar; Meus vizinhos são penedos;

As penas são para as aves Eu não tenho quem me acorde,

Que passam o tempo a cantar. Pois aqui só há morcegos.

426 427

Meu amor, por me deixares, Minha maçã vermelhinha

Não deixei de ser quem era. Tirada do arcipreste;

Por morrer uma andorinha, Quem te amou tantos anos,

Não acaba a Primavera. Alguma coisa merece.

428 429

Meu caixão, quando morrer, Minha mãe, onde está a Maria?

Há-de ser só de flores; Maria foi passear.

De sofrimento e saudades Os passeios de Maria

Que tive dos meus amores. Só fazem a mãe chorar.

430 431

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Meu coração bate, bate, *Minha mãe por me casar

Bate dentro do meu peito; Prometeu-me quanto tinha,

É como o balão no ar, Desde que me viu casada

Só cai depois de desfeito. Deu-me um quarto de farinha.

432 433

Minha sogra, quando morreu, Não faças, pois, desgraças,

Levou o diabo com ela; Que eu te juro, amor eterno;

Deixou-me a chave da adega, A minha vida sem ti

Mas o vinho bebeu-o ela. É um perfeito inferno.

434 435

Moram estrelas no céu, Não meças pela fieira

Moram peixinhos no mar, Das ingratas, meu amor;

Só tu não queres, amor, Se há mulheres inconstantes,

No meu coração morar. Eu tenho diferente cor.

436 437

Muito custa a quem não pode Não me falas muito meigo,

Subir mais este bocado; Experimenta o meu coração;

Muito mais custa a quem sabe Se me chegas a vencer,

Converter o namorado. É só num laço de união.

438 439

Muito sofre quem ama, Não me namoro dos anéis,

Muito mais quem namora; Nem do relógio que trazes;

Triste de quem não vê Namoro-me dos teus olhos,

Seu amor a toda hora. É luxo das rapazes.

440 441

Na fonte lavei as faces Não olhes para mim, não olhes,

Na noite de S. João; Que eu não sou o teu amor;

Assim a água me levasse Eu não como a figueira

As mágoas do coração. Que dá fruto sem flor.

442 443

*Namorei-me, namorei-me, Não olhes p´ra mim, não olhes,

Não me soube namorar; Já tenho namorado;

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Namorei-me dum rapaz Minha mãe não me criou

Que me não soube estimar. Para quem já é casado.

444 445

Não chores por me deixares, Não penses que o namorar

Que o jardim mais rosas tem; É comer papas com bolo;

Chora por não encontrares É puxar pela memória

Quem te queira tanto bem. E dar cabo do miolo.

446 447

Não digas que a tua ausência Não posso, amor, não posso,

É uma separação, Não posso ainda que queira;

Pois andarás toda a vida Não posso tirar a rosa,

Dentro do meu coração. Sem pôr a mão na roseira.

448 449

Não posso, amor, não posso, *Ó estrelinha do norte,

Não posso ainda que queira; Espera por mim que eu já vou,

Ter meu coração contente, Espera por mim, estrelinha,

Sem estar à tua beira. Já que o amor não esperou.

450 451

Não te posso esquecer, O farpão é miulinho,

Nem de noite, nem de dia; Lavra por cima da terra;

Quando olho e te vejo, Trocaste-me a mim por outra,

Até choro de alegria. Amor firme como eu era.

452 453

Na vossa boca sou tudo, Ó ladrão do pinheiral,

Até me chamais ladrão; Que te hei-de mandar cortar;

Sendo vós quem me « roubastes » Fostes tu o causador

A paz do meu coração. Do meu amor me deixar.

454 455

No bem querer desfolhado Olha para a folha da vinha,

A minha sorte senti, Como ela balanceia;

Que por ti não era amada, Olha para o meu amor,

Foi a sentença que eu li. Como ele me falseia.

456 457

O amar é muito bom, Olhos lindos tem António

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Quando há correspondência; Com pintinhas ao redor,

Mas amar sem ser amado Feliz de quem os gozar,

Faz perder a paciência. Triste de mim se o não for.

458 459

O amor que me juraste O livro do meu destino

Teve pouca duração; Abri-o e li um momento,

Mas deixou mágoas eternas Pois só continha, ai de mim!...

No meu pobre coração. A palavra sofrimento.

460 461

Ó Brasil do meu pecado, Ó luar da meia-noite,

Ó Brasil enganador, Alumia cá para baixo;

Levaste e não trouxeste Eu perdi o meu amor,

O meu primeiro amor. Às escuras não o acho.

462 463

Ó estrelinha da manhã, O meu amor, coitadinho,

Ainda não me sentiste; Chora de noite e de dia;

Anda para o meu coração, Ele chora de tristeza,

Visto que está tão triste. Eu canto de alegria.

464 465

O meu amor, coitadinho, O meu amor me deixou,

Chora de noite na cama; Coitadinho, tenho pena;

Chora que já foi amado, Foi amar uma branquinha,

Agora ninguém o ama. Deixou-me por ser morena.

466 467

*O meu amor, coitadinho, O meu amor me deixou

De repente adoeceu; Por eu ter a saia rota;

Faltaram-lhe os meus carinhos. Anda cá, meu amorzinho,

Não pôde viver, morreu. Que eu em casa tenho outra.

468 469

O meu amor diz que vinha, Ó meu amor, não embarques,

Diz que vinha e não veio; Nem pé ponhas no navio;

O prometer e faltar Olha que as ondas do mar

Sempre fica muito feio. Não são como as do rio.

470 471

O meu amor é de açúcar, Ó meu amor, não me deixes,

Em água fria derrete; Que ainda não te deixei;

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Não é capaz de cumprir Se a folha da erva vira,

As palavras que promete. Eu ainda não virei.

472 473

O meu amor é um cão, Ó meu amor, não me deixes,

Quando passa por mim, ladra; Que eu ainda não te deixei;

Vai-te embora, cachorrinho, Sou filha do verso vira,

Que daqui não levas nada. Eu ainda me não virei.

474 475

O meu amor é um cão, Ó meu amor, não me mates,

Quando passa por mim, ladra; Deixa-me assim sofrer,

Vai-te embora, seu cachorro, Eu quero ir acabar

Que eu de ti não quero nada. Onde tu fores morrer.

476 477

O meu amor é um cão, Ó meu amor não me troques

Só me namora ao ladrar; Por nenhuma rapariga,

Vai-te embora, ó meu cão, Que eu a ti não te troco

Eu para cães não sei falar. Nunca nos dias da vida.

478 479

O meu amor é um torto, O meu amor tem cachinhos,

Das pernas canejado, Eu também os queria ter;

Do nariz é um ranhoso, O meu amor diz que morre,

Dos olhos um remelado. Eu também queria morrer.

480 481

O meu coração leal O relógio de Viana

O teu falso obdece; Era de papel e molhou-se;

O meu leal não te lembra, O amor que eu te tinha

O teu falso não me esquece. Era pouco e acabou-se.

482 483

Ó meu pobre coração, O sol anda lá no céu

Tão pequenino nasceste, Tão contente atrás da lua;

No meio de tanta dor, Também trago a minha alma

Não sei como não morreste! De castigo atrás da tua.

484 485

O meu relógio não marca O sol é que alegra o dia

As horas da minha vida, Pela manhã ao nascer;

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Parece que está parado Meu coração anda triste,

Desde a nossa despedida. Só se alegra em te ver.

486 487

Ó minha pombinha branca, Os olhos do meu amor

Õ meu pombo rolador; São lindos como os do rei;

Para que te foste gabar Quem os namora sou eu,

Do que não foste senhor? Quem os logrará, não sei.

488 489

Ó morte, que levaste Os rapazes de hoje em dia

A melhor prenda que eu tinha; São falsos como o melão;

Levaste-me a companhia, Tem de se partir um cento

Agora ando sozinha. Para se encontrar um são.

490 491

O motivo porque peno, Os rapazes do meu tempo

Bem tu deves supor, São de um jeito especial;

É lembrar-me que não posso A quem lhe der muito gozo

Alcançar o teu amor. Servem de cães ao portal.

492 493

Ó pinheiro tão alto, O tempo que te amei

Que te hei-de mandar cortar! Mais valia estar doente;

Tu foste o causador Foi tempo tão mal empregue,

Do meu amor me deixar. Dado de tão boa mente.

494 495

Ó relógio de Caminha, O tempo que t'eu amei

Vou pedir-te um favor: Eras tu que me dizias;

Que me dês as horas certas Eu andava a fazer pouco

P'ra falar ao meu amor. E tu não o percebias.

496 497

O tempo que t'eu amei Ó Viana do Castelo,

Foi um modo de chalaça; Bota bandeira de luto;

Eu a ti nunca te quis, Foi-se embora meu amor,

Nem gente da tua raça. Tenho pena e choro muito.

498 499

O tempo que t'eu amei, Ó vida da minha vida,

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Melhor amasse a um burro; Eu a ti digo-te assim;

Andava a cavalo nele, Também há dinheiro falso,

Nunca eu perdia tudo. Como tu foste para mim.

500 501

O teu amor era falso, Ó vida da minha vida,

Bem cedo o vi acabar; Eu não tenho vida, não;

Foi fumo de labareda Eu como hei-de ter vida,

Que já se desfez no ar. Se ela está na tua mão?

502 503

O teu cabelo na testa Ó vida da minha vida,

Forma uma letra inglesa; Jesus Cristo verdadeiro;

Esses teus olhos, amor, Pensei que eras um cantador,

Não são falsos, com certeza. Afinal és um toureiro.

504 505

O teu limão a rodar Ó vida da minha vida,

À tua porta parou; Ó vida da vida minha;

O diacho do limão. Quem me dera ir contigo

Parece que adivinhou. Aonde vais, prenda minha.

506 507

O teu olhar tem encantos, Ó vida da minha vida,

Como os encantos da fada; Por hoje não canto mais;

O teu amor dá-me a vida, Já me dói o céu da boca,

Sem teu amor, não sou nada. A mais os dentes queixais.

508 509

O trevo das quatro folhas, Ó vida da minha vida,

Quem o achar tem fortuna; Quem me dera o que te eu dei;

Eu já fui quem o achei Quem me dera os meus carinhos

E não tenho nenhuma. Que nunca mais os encontrei.

510 511

Ó triste segunda-feira, Palavras que se improvisem

Da semana que há-de vir; Não saem da minha voz;

Vai-se embora meu amor, Os olhos nem sempre dizem

Quem o há-de ver sair. Tudo que passa por nós.

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512 513

Papagaio, pena verde, Porque choras, andorinha,

Empresta-me o teu vestido; Eu também sou teu irmão;

O teu vestido são penas, Tu trazes penas nas asas,

Eu também em penas vivo. Eu trago-as no coração.

514 515

*Papagaio, pena verde, Pouco tempo de namoro,

Não venhas ao meu jardim; Também pouco de casados,

Todas as penas se acabam, Terminam no divórcio

Só as minhas não têm fim. Casamentos apressados.

516 517

Para te ir ver namorar Procuro a felicidade,

Até comprei uns tamancos; Em parte alguma a vejo;

Meu amor, vi-te com outra, E já não penso, acredita

Já tenho cabelos brancos. Que posso tê-la num beijo.

518 519

Parece incrível, parece, Prometeste e faltaste,

Mas é verdade, infelizmente, Não és amor de palavra;

Que a gente só se esquece Se eu prometesse e faltasse,

De quem se esquece da gente. Por minhas mãos me matava.

520 521

Passarinhos que cantais *Pus-me a chorar saudades,

No campo da liberdade; Ao pé da água corrente;

Vós cantareis e eu chora A água me respondeu:

O amor com tanta saudade. Amores não duram sempre.

522 523

Passo noites sem dormir, Pus-me a chorar saudades,

É terrível meu tormento; Ao pé da água que corre;

Nem de noite, nem de dia A água me respondeu:

Tu me sais do pensamento. Quem tem amores não dorme.

524 525

Pelo céu vai uma nuvem Pus-me a chorar saudades,

Por baixo de uma cruz de prata; Ao pé de uma fonte fria;

O tomar amores não custa, Choravam mais os meus olhos

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O deixá-los é que mata. Que água da fonte corria.

526 527

Por Deus, não digas adeus, Pus-me a chorar saudades,

Quando sais de manhã cedo; No monte ao pé da carqueja;

Diz até logo, por Deus, Uma voz me respondeu:

Que eu do adeus tenho medo. Não chores por quem te deixa.

528 529

Quando eu disse adeus porto, Quem me dera a mim morrer,

Das varandas do navio; Depois de morta ter vida;

As lágrimas eram tantas, Para ver quem te lograva,

Sem chover, enchia o rio. Minha prenda tão querida!

530 530

Quando eu era pequena, Quem me dera a mim ser lágrima

Ainda antes de nascer; Para nos teus olhos nascer;

Ainda mal abria os olhos, Deslizar nas tuas faces,

Já morria por te ver. Na tua boca morrer.

531 532

Quando eu era pequenina, Quem me dera dar um ai

Pouco depois de nascer; Tão alto, como comprido,

Ainda nada entendia, Que chegasse e não passasse

Já morria por te ver. Onde eu tenho o meu sentido.

533 534

Quando eu julguei que tinha Sapatinho a ranger

Um amor como ninguém, Anda debaixo do pé;

Agora é que eu reconheço, Amar a quem me não ama

Como eu, qualquer o tem. Bastante trabalho é.

535 536

*Quando o rouxinol padece, Se a amizade se pesasse

Uma ave tão pequena.... Com uma balança na mão...

Que fará o meu coração Da minha parte pendia,

No meio de tanta pena! Até poisava no chão.

537 538

Quantos ais, quantos suspiros, Se a amizade se pesasse

Que se dão pela calada; Na balança da razão,

Só o meu pobre coração A balança do meu lado

Tudo sofre e não diz nada! Chegaria até ao chão.

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539 540

Quem adora, é impossível, Se a morte fosse interesseira,

Quem espera, pode ter; Ai, meu Deus, o que seria!

Vivendo numa saudade O rico comprava a vida,

Tem pena até morrer. Só o pobre é que morria.

541 542

Quem diz que mata a saudade Se esperança já não tenho,

Não quer dizer o que sente; Para que hei-de eu viver...

Porque ela, na verdade, Para andar sempre penando,

Dá cabo de muita gente. Mais vale a pena morrer.

543 544

Se eu com lágrimas pudesse Se os beijinhos espigassem

Trazer-te para a minha beira... Como espiga o alecrim...

Eu diria aos meus olhos A cara das raparigas

Que chorassem a vida inteira. Era um formoso jardim.

545 546

Se me amas, tu tens guerra, Se os suspiros navegassem,

Se me deixas, tenho eu dor; Dava duzentos à hora,

Vai tu vivendo em guerra Para irem bater no peito

E não me deixes, amor. De quem me lembrei agora.

547 548

Sem motivo me deixaste, Se soubesse de verdade

Talvez só por eu ser pobre; Que te não tornava a ver...

Quantas perfídias sem conta Mandava vir da botica

Em ti minha alma descobre. Remédio para morrer.

549 550

Se na vida sei cantar, Sou feliz e infeliz,

Sempre na vida chorei; Olha, amor, as minhas queixas;

Se ninguém me viu chorar, Sou feliz se tu me amas,

Sempre a cantar enganei. Infeliz se tu me deixas.

551 552

Senta-te aqui, António, Subi ao penedinho,

Eu numa pedra, tu noutra; Bocas de cravo falai-me;

Aqui choraremos ambos, Se tendes outros amores,

Que a nossa ventura é pouca. Com tempo desenganai-me.

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553 554

Se o cantar aliviasse Subi ao penedinho,

Penas ao meu coração... Ouvi cantar e chorei

Fartava-me de cantar Pela minha mocidade

E as penas dobradas são. Que tão novinha a deixei.

555 556

Se o mar sagrado fosse adro, Suspirando, dando um ai,

No meio tivesse igreja, Anda o amor pela rua;

Não há coração que logre Suspira por quem quiseres,

Quanto o peito deseja. Que eu sou doutro, não sou tua.

557 558

Se o meu amor me morresse, Suspirei ao pôr da mesa,

Eu não sei o que faria; Suspirei ao levantar;

Iria buscá-lo ao Céu Suspiro sempre por ti,

Para a minha companhia. Ando sempre a suspirar.

559 560

Tem uma sorte medonha, Tristezas têm-nas aos montes,

Coração que não se inflama; Tristezas tem-nas o Céu,

Nunca vive de saudade, Tristezas têm-nas as fontes,

Isto só porque não ama. Tristezas tenho-as eu.

561 562

Tenho jurado esquecer-te *Trocaste-me a mim por outra,

Quinhentas vezes seguras; Eu bem sei que me trocaste;

Mas ao ver-te, amor, não posso Ainda hei-de perguntar

Lembrar-me das minhas juras. Quanto na troca ganhaste.

563 564

Tenho uma pena no peito Trocaste-me a mim por outra,

Que me leva à sepultura; Por outra mais bonitinha;

meu amor ser baixo A minha saia tem roda,

E eu não ser da mesma altura. A dela é travadinha.

565 566

Tenho uma pena no peito Troquei os meus olhos pretos

Que me leva à sepultura; Pelos teus acastanhados;

Ou eu hei-de morrer logo, Agora todos me chamam

Ou a pena pouco dura. Amor dos olhos trocados.

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567 568

Tenho visto rostos lindos, Tu pensas que és mais do que eu,

Mas nenhum é como o teu; Não és menos, nem és mais.

Se por ti eu fosse amado, Debaixo da terra fria

Grande gosto era o meu. Todos somos iguais.

569 570

Teus cabelos me prenderam Vai-te, carta venturosa,

E teus olhos me mataram; Responder, saber, falar;

Teus lindos pés me fugiram, Estes olhos que te notaram

Quando morto me deixaram. Estão cheios de chorar.

571 572

Teus olhos são roubadores, Vai-te embora, morte negra,

Porque não vos confessais Que de ti tenho mil queixas;

Dos delitos que fazeis, Quem hás-de levar, não levas,

Dos corações que roubais? Quem hás-se deixar, não deixas.

573 574

Toda a vida trouxe e trago Vivo triste como a noite,

Fita verde no chapéu; Pensativa e dando ais,

Agora trago-a de luto, Em me lembrar que sou tua,

Que quero ganhar o Céu. Nas falas das outras mais.

575

Um cachorro sem vergonha

Bateu à minha janela.

Ó grande cão sem vergonha,

Eu não sou nenhuma cadela.

QUADRAS DE AMOR

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A poesia é tão antiga como o homem. Em cada ser humano existe um poeta e não há nada na vida do homem

que não escape aos sentimentos mais profundos da alma.

O amor é, agora, o tema.

Pela transcendência do assunto, « pelo fácil e pelo difícil » que o envolve, se compreende a seguinte quadra:

576

Quem me dera dar-te um beijo,

Um beijo não custa a dar;

São duas bocas unidas,

Quatro lábios a beijar.

Noutros tempos, o beijo era tão sagrado que logo havia desordem ou compromisso de casamento, quando

observado pelos pais.

Hoje, está tão banalizado que deixou de ser expressão do que era, perdendo o significado sagrado que tinha

em épocas mais distantes.

A simplicidade e a imagem a que o povo recorria para transmitir os seus sentimentos ou exaltar alegrias ou

paixões, são de uma beleza encantadora

577

Quando os passarinhos choram

Numa árvore tão pequena,

Que fará meu coração

Cheio de tanta pena?

Nas quadras que se vão seguir pode verificar-se o que diz a filosofia popular a propósito do amor, da traição,

do belo e do feio. Aqui está um retrato excelente do amor na sabedoria popular: umas vezes, demasiado pessimista;

outras, cheio de lições de moral.

578 579

A água daquela serra Abaixo da Serra d'Arga

Por copos de vidro desce; Onde fica minha aldeia,

Nem a água mata a sede Na linda terra de Dem

Nem o meu amor me esquece. Onde o meu amor passeia.

580 581

A água do ribeirinho Abre-te, janela d'oiro,

Sobe ao Céu deita pavor; Tira-te tranca de vidro,

Só há lágrimas na terra Resolve o teu coração

Por donde anda meu amor. Que o meu está resolvido.

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582 583

A água do Rio Lima Abre-te, janela d'oiro,

Foge que desaparece; Vira-te, tranca de vidro;

Nem a água apaga a sede Vem cá fora, meu amor,

Nem o meu amor me esquece. Que quero falar contigo.

584 585

Abaixa-te Alto do Tapado, Abre-te, peito, e fala,

Que eu quero ver Castanheira, Ó coração vem cá fora,

Quero ver o meu amor Anda ver o teu amor

Lá nos campos da Lapeira. Que chegou aqui agora.

586 587

Abaixa-te ó Serra d'Arga A carta que te escrevi

Abaixa-te um nadinha; Já ta deitei na varanda;

Quero ver o meu amor Só te peço, meu amor,

No terreiro de Caminha. Que faças o que ela manda.

588 589

Abaixa-te ó Serra d'Arga Açucena c'o pé na água

Que eu quero ver Areosa; Vai abrindo, vai cheirando;

Quero ver o meu amor Assim és tu, meu amor,

Na flor da malva rosa. Quando por mim vais passando.

590 591

Abaixa-te ó Serra d'Arga, Adeus que me vou embora,

Que eu quero ver Santo Aginha; Por esse mundo sem fim;

Quero ver o meu amor Só te peço, meu amor,

No terreiro em Caminha. Que não te esqueças de mim.

592 593

Abaixa-te, Serra d'Arga À entrada desta terra

Que quero ver S. Lourenço; Logo por ti perguntei;

Quero ver o meu amor Não me deram novas tuas

Para lhe acenar com o lenço. Com vergonha não chorei.

594 595

À entrada do Cerquido, Ai de mim que me roubaram,

Dei um lenço a bordar; Roubaram-me o meu amor,

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Nunca chorei por amores, Não me roubaram dinheiro,

Mas agora vou chorar. Roubaram-me uma flor.

596 597

A flor da amendoeira Ai Jesus! Valha-me Deus!

É a primeira do ano; Não sei que Deus há-de ser,

Também tu, meu amorzinho, Valha-me Deus nos teus braços

És o primeiro que eu amo. Que eu neles quero morrer.

598 599

A flor nasce do tojo *Ainda agora aqui cheguei,

O tojo nasce do chão; Deitei meus olhos e vi:

O sangue nasce das veias, Meu amor nos braços de outra,

O amor, do coração. Não sei como não morri.

600 601

A folha da oliveira Ainda depois de morrer,

Deitada ao lume roje; Mesmo dentro do caixão,

Quem tem o amor bonito Hei-de levar o teu nome

Sempre julga que lhe foge. Gravado no coração.

602 603

A folha da vinha branca Ainda não é meia-noite,

De noite mete terror; Nem tão pouco onze horas;

Quem me assim queria bem, Ainda estou ao pé de ti

Ainda me hoje tem amor. Meu amor, para que choras?

604 605

Agora é que eu vou cantar Ainda que meu pai me mate,

À beira do tocador; Minha mãe me tire a pele;

Vou cantar uma cantiga Minha palavra está dada,

Ajuda-me, meu amor. Meu amor é o Manel.

606 607

Água clara do rio, *Ainda que meu pai me mate,

Deixa passar a barrenta; Minha mãe me tire a vida;

Amor que não seja firme Minha palavra está dada,

Em meu coração não entra. Minha mão está prometida.

608 609

Ah! Já compreendo agora *Ainda que o lume se apague,

Este amor tão natural; Na cinza fica o calor;

Sim, são como dois irmãos, Ainda que o amor se ausente,

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O Brasil e Portugal. No coração fica a dor.

610 611

Ai que casinha tão alta, A laranja do pé d'ouro

Feita de cal e areia; Deita raízes de prata;

A menina que lá mora O tomar amores não custa,

Já foi minha, mas deixei-a. O deixá-los, é que mata.

612 613

Ai quem não há-de ter paixão, Alecrim da minha horta

Quem paixão não há-de ter; Quando reverdesce chora;

Ai solidão, ai dão, ai dão, Sempre há-de haver quem se meta

Serei firme até morrer. Na vida de quem namora.

614 615

Ai que pinheiro tão alto, A lenha verde faz fumo,

Quem lhe há-de chegar às pinhas; A seca faz labareda;

Há-de ser a menina nova Os olhos do meu amor

Que se chama Mariquinhas. São dois fios de seda.

616 617

Aí vem o barco à vela, Alma, vida e coração

Já lá vem sardinha boa; Tudo por ti eu darei;

Aí vem o meu amorzinho, Foi uma jura que fiz

Sentadinho na proa. Desde o dia em que te amei.

618 619

A laranja e a tangerina A lua vai amarela,

Cabem dentro dum limão; Meu amor vamos lá ver;

Também tu cabes, amor, Não há mal que chegue à lua

Dentro do meu coração. Nem ao nosso bem querer.

620 621

*A laranja quando nasce, A lua vai de amarelo

Logo nasce redondinha; Meu amor, vamo-la ver;

Também tu, minha menina, Não há sol que chegue à lua

Nasceste para seres minha. Nem ao nosso bem querer.

622 623

A laranja-tangerina A lua veio dizer-me

Cabe dentro dum limão; Muito triste e despeitada;

Também tu, meu amorzinho, Que tinha inveja do brilho

Cabes no meu coração. Dos olhos da minha amada.

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624 625

A laranja-tangerina Alumia-me, candeia,

É doce e a casca amarga; Que eu quero ver a quem amo;

É como o amor dos moços À porta do mercador

Hoje pega, amanhã larga. Se faz o preço ao pano.

626 627

Amas o Nosso Senhor À minha porta vai água

Que morreu por toda a gente; Ó meu amor, faz o rego;

A mim não me tens amor Não há dor que mais doia

Que te amo loucamente. Do que a dor de cotovelo.

628 629

*Amar e saber amar Amizade que eu tenho

Amar e saber a quem; Só eu, mais ninguém sabe;

Eu amo o meu amor Diz-me, se nesse teu peito,

Não amo a mais ninguém. Este meu coração cabe.

630 631

A Maria tecedeira *Amor com amor se paga

Tem um tear e não tece, Porque não pagas, amor?

Ou ela está de amores Olha que Deus não perdoa

Ou o tear lhe aborrece. A quem é mau pagador.

632 633

Amava-te eternamente Amor com amor se paga

Se eterna pudesse ser; Tu podes pagar, amor;

Mas, como não sou eterna, Olha que Deus não perdoa

Amar-te-ei até morrer. A quem é mau pagador.

634 635

A menina sempre foge Amor de moça zelosa

Quando se encontra comigo, É amor que não agrada;

Apesar de lhe querer muito Faz lembrar festa de gato

Seu amor não consigo. Que deixa a pele arranhada.

636 637

A minha bota me aperta Amor de tantos amores

A meia me faz calor; Quem te há-de querer bem;

Meu coração rebenta Quem tem um só, não ama,

Se te não falo de amor. Que fará quem tantos tem?

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638 639

A minha felicidade Amores ao pé da casa

Está só no teu amor; Ninguém os queira tomar;

Possuir a minha vida, São como os pintos no Inverno

Perder-te, morro de dor. Não fazem senão piar.

640 641

A minha mãe mandou-me à erva, Amores ao pé da porta

Eu disse que não sabia; Quem os lá pudera ter;

Se fosse p'ra namorar, 'Inda que a boca não fale

Algum jeito lhe daria. Os olhos gostam de ver.

642 643

Amor eu sou um segredo, Andam sete raparigas

Tenho o coração escondido, A roubar o meu amor;

Todos sabem quem eu sou Eu dava a melhor prenda

Ninguém sabe o meu sentido. Àquela que capaz for.

644 645

Amor, fala-me verdade *À noite, quando me deito,

Que eu nunca te menti; Rezo à Virgem Maria

Bem sabes que eu neste mundo Para sonhar toda a noite

Não posso viver sem ti. Com quem penso todo o dia.

646 647

*Amor, fazemos as pazes A nossa terra de Arga

Como foi da outra vez; Tem calçadas a subir;

Quem ama, sempre perdoa Quem em Arga toma amores

Uma vez, duas ou três. Vai ao Céu e torna a vir.

648 649

Amor louco, amor vário, Antes que meu pai me mate,

Amor das ervas do campo, Minha mãe me tire a vida,

Já me a mim me admirava Minha palavra está dada,

Do teu amor durar tanto. Minha mão foi prometida.

650 651

Amor nasce de virtude, António, lindo António,

Baixou do Céu esta chama; Lindo amor tenho eu;

Ou não existe um vivente Gosto muito do teu nome,

Ou tudo que vive, ama. Não sei se gostas do meu.

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652 653

Amor que já foste meu, Ao passar o ribeirinho

Ainda hás-de tornar a ser; Onde a água sobe e desce,

Se eu casar e viuvar Dei a mão ao meu amor,

Tornarás a meu poder. Não queria que se soubesse.

654 655

Amo-te mais do que a Deus Aperta o meu coração ao teu

Não sei se peco, se não; E a minha mão à tua;

A Deus trago no sentido Agora podes jurar

E a ti no coração. Toda a vida serei tua.

656 657

Anda lá para diante À porta do meu amor

Não te atrases no caminho Nascem silvinhas no chão;

Que quem vai para amar a outro Todos passam, vão-se embora,

Não vai tão devagarinho. Só eu fico na prisão.

658 659

Aprendi para costureira, A semana tem seis dias,

Mas já estou aborrecida; Eu ainda queria menos;

Passa-me o amor à porta, O meu amor me disse ontem;

Eu na costura metida. Para domingo falaremos.

660 661

A Primavera é alegre, As estrelas do Céu correm

É alegre nas flores; Todas numa carreirinha;

O sair da Primavera Assim correm os amores

É o tomar dos amores. Da tua mão para a minha.

662 663

Aquela casinha branca *As estrelas do Céu correm

É do senhor regedor; Todas numa carreirinha;

Hei-de mandar-lhe dizer Também tu corres, amor,

Que não prenda o meu amor. Da tua mão para a minha.

664 665

Aqui chegaram dois olhos, As estrelas miudinhas

Por ora não digo quem; Fazem o Céu bem composto;

Aqui chegaram dois olhos Se não querias ser para mim,

A quem os meus querem bem. Não nascesses ao meu gosto.

666 667

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Aqui donde estou bem vejo As estrelas miudinhas

A casa do meu amor; Fazem o luar amarelo;

Mas não o vejo a ele, A maior pena que tenho

Valha-me Nosso Senhor. É de te não ver quando quero.

668 669

Aqui estou, aqui estarei, As estrelas uma a uma

Aqui me hei-de deixar estar; Foram contadas por Deus;

O amor que aqui me trouxe Na terra ficaram duas

Aqui me há-de vir buscar. Que são esses olhos teus.

670 671

A ribeira, quando nasce, A silva por fora pica,

No meio faz assuada; Por dentro tem seus enleios;

Quem tem amores não dorme Eu já te tinha nas mãos,

O sono da madrugada. Se não fossem os receios.

672 673

*A rosa, para ser bonita, As maçãs desse teu rosto

Deve ser de Alexandria; São muito encarnadinhas;

O amor, para ser leal, Se chegares a vendê-las,

Há-de chamar-se Maria. Por todo o preço, são minhas.

674 675

*As meninas dos meus olhos Ausentaste-te de mim,

Choram por outras meninas; Fizeste-me um favor;

Choram por outras maiores, Já estava farta de ouvir

Que as minhas são pequeninas. Repreensões de outros amores.

676 677

As mulheres, quando casam, Azeitona miudinha

Mais lhes valia morrer Vai-se moer ao lagar;

Do que aturar os homens Eu também sou miudinha,

Toda a vida a padecer. Mas sou firme no amar.

678 679

As nódoas da roupa branca Certamente quero eu,

Saem todas com sabão; Por este meio, dizer

Só não há nada que tire Que te amo vagamente,

As nódoas do coração. Sem ninguém poder saber.

680 681

À sombra da oliveira Chamaste-me toda tua,

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Não se pode murmurar; Eu toda tua não sou;

Tem a folha miudinha, Também sou um bocadinho

Não deixa entrar o ar. Da mãe que me criou.

682 683

As ondas do mar são verdes, Coitadinho de quem ama

No mar tudo é verdura; Dois amores na mesma rua;

No rosto do meu amor Passa por um, diz adeus,

Pintou Deus a formosura. O outro logo amua.

684 685

As ondas do mar são verdes, Coitadinho de quem ama,

No meio são amarelas; Que tem muito que sofrer;

Coitadinho do meu amor Perde a noite perde o dia,

Que anda no meio delas. Tem por certo padecer.

686 687

As ondas do teu cabelo Coitadinho de quem ama,

São loiras e perfumadas, Sem primeiro ser amado;

São redes a que se prendem Fica com o tempo perdido,

As almas apaixonadas. O coração magoado.

688 689

Atirei uma laranja Coitadinho de quem ama

Por cima de Chaves fora; Seus amores além do rio;

A laranja foi andando, Quer ir vê-los e não pode,

O meu amor foi embora. Do coração faz navio.

690 691

Coitadinho de quem ama *Com pena peguei na pena,

Seus amores em segredo; Com pena p'ra te escrever;

Passa por eles na rua, A pena caiu-me ao chão

Não lhes fala que tem medo. Com saudades de te ver.

692 693

Coitadinho de quem tem Com quatro letras apenas

O seu amor em segredo; Se escreve a palavra amor;

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Passa por ele na rua, Menos duas do que amar-te

Não lhe fala que tem medo. E mais uma do que a dor.

694 695

Coitadinho do meu pai Com uma pena de pavão

Que o trago enganado; Fiz uma chave inglesa

Pensa que eu estou solteiro Para abrir teu coração

E já estou quase casado. Com toda a delicadeza.

696 697

Colarinho engomado, *Com uma pena dum pavão

Meu amor é sempre assim; E sangue de cotovia

Quem me dera a teu lado, Hei-de escrever uma carta

Ou ter-te junto de mim. Ao meu amor d'algum dia.

698 699

Comigo serás feliz, Com um A se escreve amor,

Não te hás-de arrepender; Com um R recordação;

Para casar pouco nos falta, Eu vivo do teu amor

O tempo passa a correr. E só para o teu coração.

700 701

Com isto não falo mais, Confessei ao Senhor Cura

Amor do meu coração; Todo o nosso bem querer;

Manda-me dizer se queres Por penitência me deu

Aceitar a minha mão. De te amar até morrer.

702 703

Com mágoa peguei na pena, Confesso que tenho medo

Com pena escrevi um S, Do teu amor aceitar;

Com pena mandei dizer Custa muito rir um dia,

Ao meu amor que viesse. Ao outro ter de chorar.

704 705

*Com pena peguei na pena, *Conheço tua firmeza,

Com pena eu fiz um S, Sei o quanto me estimais;

Com pena mandei dizer Eu contigo devo ser

Ao meu amor que viesse. A mais feliz dos mortais.

706 707

Continua trovejando Coração que ama a dois

Com estrondo de pedreira. Também pode amar a três,

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Eu continuo navegando Também pode amar a quatro,

No lugar de Castanheira. Cada qual por sua vez.

708 709

Coração não vivas triste, Coração que tanto choras

Vive alegre, se puderes; Deves estar magoado;

Algum dia será teu Esta noite chorei tanto

O que tu agora queres. Que até molhei o sobrado.

710 711

Coração por coração, Cortei o bico à rola

Amor, não deixes o meu; O rabo ao papagaio;

Olha que o meu coração Se o meu amor é vadio

Nunca fez traição ao teu. Dai-lhe um tiro e matai-o.

712 713

*Coração por coração, Cortei o bico à rola

Amor, não troques o meu; Que me comia o centeio;

Olha que o meu coração Quem tem o amor bonito

Sempre foi leal ao teu. Ri-se de quem o tem feio.

714 715

Coração que a dois ama Cortei o meu cabelo

Dentro deles quer entrar; Cortei-o, está cortado;

Por muito bem que lhes queira Eu deixei o meu amor

Um deles pode deixar. Deixei-o, está deixado.

716 717

Coração que a dois ama Cortei um pinheiro

Nunca merece aceitação; Está bem cortado;

Merece ser desprezado Deixei o meu amor

Até à quinta geração. Está bem deixado.

718 719

Coração que a dois ama Costumei tanto os meus olhos

Que firmeza pode ter? A namorarem os teus;

É coração de garoto Que de tanto confundidos

Que de homem não pode ser. Já não sei quais são os meus.

720 721

*Coração que ama a dois Costureira, mãos de neve,

Eu nele não tenho fé; Dá o ponto miudinho;

Não quero amor partido Ainda espero romper

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Que o meu inteiro é. Dessas mãos um colarinho.

722 723

Costureira, mãos de neve, *Da minha janela à tua

Que estás a costurar? É uma salto duma cobra;

Um lencinho de três pontas Ainda penso de chamar

Para o meu amor tragar. À tua mãe, minha sogra.

724 725

Cravo branco ama, ama, Da minha janela rezo

O jardim adora, adora; À Senhora da Agonia

Se te chegasse a lograr, Que me traga o meu amor

Tristeze dae mim vai fora. Para a minha companhia.

726 727

Cravo, não ames a rosa, Da rocha nasce o musgo,

Tu és mais lindo que ela; A rocha nasce do chão;

As rosas pelos quintais O beijo nasce da boca,

Os cravos pelas janelas. O amor do coração.

728 729

Cuidados me dão cuidados Debaixo da água há lodo,

Eu sem cuidados nasci; Debaixo do lodo, chão;

Eu nunca tive cuidados Debaixo duma amizade,

Senão depois que te vi. Descobre-se uma paixão.

730 731

Dá-me a tua mão esquerda Debaixo da malva rosa

Que te quero apertar; Está uma noiva a chorar;

A direita não ma dês Não chores, noiva, não chores,

Que tens mais a quem a dar. Que o amor vem-te buscar.

732 733

*Dá-me um beijo, dou-te dois, *Debaixo da oliveira

Minha paga é dobrada; Não se pode namorar;

É estilo de quem namora Tem a folha miudinha

Não ficar a dever nada. Não deixa entrar o ar.

734 735

Da minha janela à tua De beijos não tenhas pressa,

É uma bela medida; Faz ver ao teu namorado

Do meu coração ao teu Que as casas se não começam

É uma casa perdida. A fazer pelo telhado.

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736 737

*Da minha janela à tua Decorre a vida apressada,

É uma vara de medida; Vejo o norte em toda a parte;

Do teu coração ao meu O morrer não custa nada

É uma estrada de seguida. O que me custa é deixar-te.

738 739

Deitado na minha cama *Dei um nó na fita verde,

Uma carta tua li; Outro na preto rigor;

Chorando letra por letra Ainda espero dar outro

Chorando, adormeci. Na tua mão, meu amor.

740 741

Deitaste-te ao correr do rio Dei um nó na fita verde,

Meu amor, foste bem; Outro na verde rigor;

Tu pediste-me amizade, Ainda espero dar outro

Mas eu pedi-ta também. Na mão direita, ao meu amor.

742 743

Deita-te daí abaixo, De noite contigo sonho

Cordão de ouro mal torcido; Acordo, penso em ti;

Que me dá inclinação Esquecer-te não consigo

De tomar amor contigo. Desde o dia em que te vi.

744 745

Deitei-me a dormir Desculpa, se foi um sonho

Ao pé da água que corre; Que não passa de uma ilusão;

A água me respondeu: Mas eu creio que te trago

Quem tem amores, não dorme. Dentro do meu coração.

746 747

Deitei o cravo de molho, Desde o dia em que te vi

Dentro dum copo de vidro; Fiquei-te querendo bem;

Ainda que queira, não posso Os meus olhos já não podem

Tirar de ti o sentido. Olhar para mais ninguém.

748 749

Deitei o papel ao vento, Desejo-te ver, amor,

Por ser uma coisa leve; Trinta dias cada mês;

O ladrão do meu amor Sete dias na semana,

Sabe ler e não me escreve. Cada minuto uma vez.

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750 751

Dei um Lenço ao Lourenço, *Desenrola o teu cabelo

Sem a minha mãe saber; Não o tragas enrolado;

Dá-me o lenço, ó Lourenço, Desengana o teu amor

Que já lhe foram dizer. Não o tragas enganado.

752 753

Dei um nó na fita verde, Desgraçada borboleta

Outro na amarelinha; Que subiu à luz tirana;

Espero dar-te outro Subiu viva, desceu morta,

Na tua mão e na minha. São delírios de quem ama.

754 755

De tanto pensar em ti Dizeres que gostas de mim,

Trago a cabeça perdida; Isso não é um conforto;

És a dureza dos meus sonhos, Para ter fogueira assim,

Minha esperança querida. Mais vale ter lume morto.

756 757

Detrás daquele penedo Dizes que me queres bem,

Não sei que vejo andar: Ainda hei-de experimentar;

Ou é raposa ou lobo, Na noite de S. João

Ou amor para me falar. Junco verde hei-de cortar.

758 759

De uma simples amizade, Dizes que me queres bem,

Quantas vezes sem querer; Que eu perdoo a falsidade;

Vai crescendo a simpatia Mentiras da tua boca

Que de amar nos faz morrer. Valem uma grande verdade.

760 761

Dizem que o amor de estudante Dizes que tanto me amas

Não dura mais que uma hora; Não sei se é verdade ou não;

Mas o meu já é velhinho Serás cruel se me enganas

E ainda não foi embora. Meu leal coração.

762 763

Dizem que o amor é cego, Do amor do teu coração

Cegos são os olhos teus; Duvido constantemente;

Ceguinhos porque não vêem Como duvido também

O que lhes dizem os meus. Do riso de muita gente.

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764 765

*Dizem que o amor é morte, Do lado de lá do rio

Ó quem me dera morrer; Não chove, nem faz orvalho;

Mais vale morrer de amores Amor que tens de ser meu

Do que sem eles viver. Não me dês tanto trabalho.

766 767

Dizem que o preto é luto, Domingo, se Deus quiser,

Oh! Que dito sem valor! Hei-de ir à missa do dia,

Toda a capa de estudante Para ver o meu amor

É preta e fala de amor. À porta da sacristia.

768 769

Dizem que o preto é triste, Domingo, se fores à missa,

O preto é linda cor; Põe-te debaixo do coro;

Com o preto é que eu escrevo Olha que o padre é malandro

As cartas ao meu amor. Pode pedir-te namoro.

770 771

Domingo, se fores à missa, Ele chove, o rio cresce

Põe-te em sítio que te eu veja; A minha barca não anda;

Não faças andar meus olhos Não posso ver o meu amor

Em balanço na igreja. Ele mora doutra banda.

772 773

Domingo, se fores à missa, Ele chove, o rio cresce,

Põe-te por baixo do coro; Não se passa na ladeira;

Enquanto o padre diz missa Coitadinho de quem tem

Tu vens-me pedir namoro. Amores em Castanheira.

774 775

Dos nossos dois corações Ele chove, o rio cresce,

Qual deles será mais firme? Não se passa na Lourinha;

Eu, como o sol a buscar-te; Coitadinho de quem tem

Tu, como a sombra a fugir-me. Amores em Santo Aginha.

776 777

Duma pena dum pavão Empresta-me o teu relógio,

Fiz uma chave inglesa, Quero ver que horas são;

Para abrir teu coração Para ver se tenho tempo

Com toda a delicadeza. De entrar no teu coração.

778 779

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E depois lá, meu amor, Enfeite lindo é junco

Nós dois na fonte sozinhos; Com ervilhas ao redor;

Matar-te-ei toda a fome Não há casados sem guerra,

Que tu trazes de beijinhos. Nem solteiros sem amor.

780 781

E então eu fico triste Entrai moços, entrai moços,

Sentindo no peito a dor; Dessa porta para dentro;

Receando que desprezes Olhai se vedes na roda

Quem te quer com tanto amor. Quem trazeis no pensamento.

782 783

Ele chove, ele chove, Entrai olhos, entrai olhos,

Esta chuva donde vem? Por essas portas a dentro;

Dos olhos do meu amor Ver se encontrais no grupo

Ou do coração de alguém. Quem trazeis no pensamento.

784 785

Ele chove, ele chuvisca, Eras alegre, andas triste,

Esta chuva de onde vem? Diz-me qual é a razão;

Dos olhos do meu amor Se é por falta de amores,

Ou do coração de alguém. Aqui tens meu coração.

786 787

Escrevi teu lindo nome *Esta noite sonhei eu

Pus-me com ele na mão; Que me morreu o meu bem;

Para me não esquecer Eu sonhei, pedi a Deus

Gravei-o no coração. Que me levasse também.

788 789

Escrevi uma carta ao Sol Esta noite tive um sonho

Que não tornasse a nascer; Até acordei a chorar,

Vendo eu esses teus olhos Que tu passaste por mim

Que vem o Sol cá fazer? E não me quiseste falar.

790 791

És meu bem, és meu amor, Esta noite tive um sonho

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És meu sonho encantador; Contigo, minha beleza;

És o único a quem amo, Acordei, encontrei-me só,

Só por ti eu sinto amor. Nos sonhos não há firmeza.

792 793

Esses teus cabelos loiros, Esta noite tive um sonho

Esses teus olhos risonhos, Contigo, minha beleza:

Esses teus lábios bem feitos Que te tinha nos meus braços

Foram esses os meus sonhos. Com toda a delicadeza.

794 795

Esta carta foi escrita, Esta rua não tem nome

à sombra da amorosa; Se não, tenho de lho pôr;

Quem a recebe é um cravo Rua Nova da Avenida

Quem a escreve uma rosa. Onde mora o meu amor.

796 797

Esta casa está forrada *Esta rua tem pedrinhas

De madeira miudinha; Esta rua pedras tem;

Pois dentro dela passeia Das pedras não quero nada

Coisa que pode ser minha. Da rua quero alguém...

798 799

Esta chuva miudinha *Esta rua tem pedrinhas

Eu não sei donde ela vem, Hei-de as mandar tirar;

Ou vem da Serra d'Arga Não quero que se magoe

Ou do coração d'alguém. O meu amor ao passar.

800 801

Esta noite sonhei contigo Estás mortinha por saber

São sonhos encantadores; Qual é o meu namorado;

Minha ideia só confia É um rapaz trigueirinho

Que amei os meus amores. De chapéu apinhoado.

802 803

Esta terra não é minha É tal a minha cegueira

Se eu quiser, minha será; Que não posso destrinçar;

Se eu nela tomar amores, Se me cegou a fogueira

Terra minha ficará. Se o fogo do teu olhar.

804 805

Estou aqui à tua beira É tão certo eu te amar

Como o feixinho da lenha; Como o lenço branco ser;

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Estou à espera da resposta Quando te deixar de amar

Que da tua mão venha. Há-de o lenço a cor perder.

806 807

Estou aqui à tua beira É tão lindo o teu olhar

Estou no teu beiral; Que ás vezes fico pensando:

Só te peço, meu amor, Que o mar, o céu e o luar,

Que não me deixes ficar mal. Dentro dele estão morando.

808 809

Estou rouca, enrouquecida, Eu adoro Deus no Céu,

Não foi de beber azedo; Os santos sobre o altar,

Foi de falar ao amor O meu amor cá na terra,

Logo de manhã cedo. Não tenho que mais amar.

810 811

*Estou triste por te ver triste Eu a mais o meu amor

Choro por te ver chorar; O meu amor e mais eu

Uma coisa me aflige Foi o par mais bonito

De te não poder falar. Que Deus ao mundo deu.

812 813

Estrela da meia-noite Eu amar-te, foi um sonho

Acorda, vem-me chamar; Foi uma variedade;

Pois tu bem sabes a hora Foi enquanto não topei

Que eu tenho de madrugar. Amor da minha vontade.

814 815

Estrelas nem só no céu, Eu amar-te, foi um sonho

Pois na terra existem elas, Foi uma variedade;

Por exemplo, os teus olhos Foi enquanto não achei

Já são duas das mais belas. Amor à minha vontade.

816 817

Estrelinhas do céu brilhais Eu amei-te, meu amor,

Brilha tu que eu já brilhei; Com intenções de te deixar;

Na batalha dos amores Tu deixaste-me primeiro

Tu perdeste e eu ganhei. Soubeste adivinhar.

818 819

Eu amo-te até à morte *Eu gosto da minha sogra

Até depois de morrer; Por ser mãe do meu amor;

Ainda debaixo da terra, Que criou para me dar

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Meu amor, se puder ser. Um anjinho do Senhor.

820 821

Eu amo-te loucamente, Eu hei-de amar a cereja,

Imagem de formosura; É a primeira novidade,

Teu coração inocente É o fruto mais bonito

É modelo de ternura. Que aparece na cidade.

822 823

Eu amo-te tanto e tanto Eu hei-de amar a três nomes

E podes ter a certeza; Que tenho de obrigação:

O nosso amor é tão grande Manuel e a António

Foi feito pela natureza. E a José, do coração.

824 825

Eu atei o sol à lua, Eu hei-de cantar e rir,

As campainhas ao sino; Enquanto solteira for;

Assim é o nosso amor Ó depois de casadinha

Com correntes d'ouro fino. Tratarei do meu amor.

826 827

Eu chego aqui agora, *Eu hei-de casar com um rato

Sem descanso nenhum ter; E o rato casar comigo;

Passando montes e vales, Eu hei-de dormir na cama

Meu amor, para te ver. E o rato no chão, varrido.

828 829

Eu cortei o amieiro, *Eu hei-de casar com um velho,

Atravessei-o no rio; Hei-de fartar-me de rir;

Para falar com meu amor Hei-de fazer a cama alta

Não preciso de navio. Para o velho não subir.

830 831

Eu estou rouca, enrouquecida, Eu hei-de casar este ano,

Não de beber azedo; Ou para o ano que vem;

É de falar ao meu amor Tenho tudo arranjado,

Logo pela manhã cedo. Só me falta ter com quem.

832 833

Eu estou rouca, enrouquecida, Eu hei-de casar este ano,

Não é de beber vinagre; Para o ano faço a boda;

É de falar aos amores Hei-de matar um mosquito

Novinha, de pouca idade. Para comer a gente toda.

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834 835

Eu hei-de casar este ano, Eu hei-de mandar dizer

Que este ano casa tudo; À Senhora da Bonança

Este ano casam os bons, Que traga o meu amor

Para o ano fica o refugo. Daquela maldita França.

836 837

Eu hei-de casar para Covas, Eu hei-de mandar dizer

Nem que seja para um degredo; À Senhora das Areias

Terra de muitas ramadas, Que livre o meu amor

Canta o cuco muito cedo. De todas as más ideias.

838 839

Eu hei-de ir ao teu jardim Eu hei-de subir ao alto,

Tirar uma só flor; Que eu do alto vejo bem;

Tirar um amor perfeito, Quero ver o meu amor,

Mais um perfeito amor. Se ele fala para alguém.

840 841

Eu hei-de ir a Santa Justa, Eu hei-de subir ao alto

De joelhos a rezar, Que eu do alto vejo tudo;

Para livrar o meu amor Quero ver o meu amor

Da vida de militar. Se me vai para o estudo.

842 843

Eu hei-de ir a S. João, *Eu hei-de te amar, amar

De joelhos a rezar, Eu hei-de te amar bem cedo;

Para livrar o meu amor Eu hei-de te amar um dia

Da vida de militar. Que de noite tenho medo.

844 845

Eu hei-de ir à tua terra, Eu hei-de te amar, amar

Qualquer dia, qualquer hora, Eu hei-de te querer, querer;

Perguntar à tua mãe Eu hei-de te tirar de casa

Se me quer a mim p'ra nora. Sem teu pai e mãe saber.

846 847

Eu hei-de ir buscar um cravo, Eu hei-de te amar, eu hei-de

Meu amor, ao teu craveiro; Eu hei-de te amar, amar;

Quando não te vir, amor, Hei-de te amar à semana

Pego no cravo e cheiro. Que ao domingo tenho par.

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848 849

Eu hei-de ir e hei-de vir Eu já namorei um moço

Por a beirinha do mar, Em tempos que já lá vão;

Hei-de pedir ao barqueiro Se me fiasse em cantigas

Ervinhas de namorar. Morria de paixão.

850 851

Eu já te falei em sonhos *Eu queria ir embora

Em sonhos te vou falar; Eu queria estar aqui,

Os sonhos são os seguintes: Eu queria, meu amor,

De contigo eu casar. Estar uma hora ao pé de ti.

852 853

Eu não queria, nem quero Eu queria ser eterna

Teu lindo rosto deixar; Para tua amante ser;

Quer na rua, quer em casa, Como eterna ser não posso,

Sempre em ti estou a pensar. Hei-de amar-te até morrer.

854 855

Eu não sei o motivo Eu quero sapato alto

Nem tão pouco a razão, Que se me enterre na areia;

As palavras p'ra ti, amor, Eu quero amor da vida,

Me saem do coração. Que não tenho cá na aldeia.

856 857

Eu não sei que simpatia Eu se à vida dou valor,

Meus olhos contigo têm; Só para ver-te a desejo;

Quando estão à tua beira Deixa a vida de ser vida,

Não olham p'ra mais ninguém. Quando um dia te não vejo.

858 859

*Eu não sei que simpatia Eu sempre gostei de ti,

Meus olhos contigo têm; Eu sempre hei-de gostar,

Só me dá no coração, Até penso que nasci

Amar-te e querer-te bem. Com o destino de te amar.

860 861

Eu penso e torno a pensar Eu só queria conseguir

E o pensar não tem fim; O que ainda não consegui:

Quem me dera adivinhar Ser a tua namorada,

Se esse amor é para mim. Poder falar para ti.

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862 863

Eu prendi o sol à lua, Eu subi ao altar-mor,

As campainhas ao sino, Onde vós nunca chegais;

O meu coração ao teu, Os bonitos valem muito,

Com correntes de ouro fino. Mas a honra muito mais.

864 865

Eu queria estar aqui, Eu subi ao limoeiro,

Eu queria-me ir embora; Cheguei ao meio caí;

Eu só queria, meu amor, Quem quiser tomar amores

Estar contigo meia hora. Suba que eu já desci.

866 867

*Eu tenho cinco coletes Fui à fonte beber água

E todos bem trabalhados; Água para ti levei;

Eu tenho cinco amores, Vem comigo, meu amor,

Quatro andam enganados. Nunca mais te deixarei.

868 869

Eu tenho quatro coletes Fui à fonte do Loureiro,

Todos quatro bem talhados; Também foi meu amorzinho;

Eu tenho quatro amores Só a água, em me ver,

Mas três trago-os enganados. Correu mais devagarinho.

870 871

Eu tomara cá domingo Fui ao jardim passear

Para namorar um bocado; Com uma cesta no braço;

Já vai com oito dias Encontrei o meu amor,

Que não vejo o namorado. Ai Jesus! Aqui não passo.

872 873

Eu tomei amores novos Fui ao livro do meu destino,

E com eles vou falando; Minha sina procurar;

Quando passo pelos velhos, Só lá encontrei escrito

Dá-me o riso, vou andando. Que nasci para te amar.

874 875

Eu vou tirar uma rosa *Fui ao mar buscar o lume,

Sem pôr a mão na roseira; Queimei-me numa faísca;

Hei-de amar-te, meu amor, Namorei-me dos teus olhos

Mesmo que a tua mãe não queira. Logo na primeira vista.

876 877

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*Foste dizer mal de mim Fui ao mar buscar o lume,

Ao meu amor por desprezo; Queimei-me numa faísca;

Deitas-te água no lume, Teus olhos me prenderam

Cada vez está mais aceso. Logo na primeira vista.

878 879

Foste dizer mal de mim Fui ao Senhor da Pedra,

Ao rapaz que me namora, Numa pedra me sentei;

Se ele me queria bem Estava a pensar no amor,

'Inda mais me quer agora. Nem a esmola ao Santo dei.

880 881

Foste dizer ao meu pai Fui ao toucinho à horta,

Que eu ando a namorar; Às couves à salgadeira,

O meu pai te respondeu: Vai-te embora, rapaz,

A inveja faz falar. Não te quero à minha beira.

882 883

Fui cantar à tua porta Há uma estrela no Céu

Uma cantiga sentida; Para companheira da Lua;

Tua mãe veio cá fora, Também eu ando na terra

Mandou-me tratar da vida. Para ser companheira tua.

884 885

*Fui confessar-me e disse Hei-de amar a cerejinha

Que não tinha amor nenhum; Em cima da cerejeira;

O padre me respondeu Hei-de amar o meu amor

Que arranjasse ao menos um. Nem que a mãe dele não queira.

886 886

Fui deitar-me a dormir Hei-de amar a luz do dia

Ao pé da água que corre; Deixar a noite que é escura;

Uma voz me respondeu: Hei-de amar quem eu quiser

Quem tem amores, não dorme. Ainda não fiz escritura.

887 888

Fui deitar-me a dormir Hei-de amar-te à semana

Entre os verdes pinheirais, Que à semana não tens quem;

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Para ver se me esquecias, Na falta dos outros amores

Cada vez me lembras mais. Tens aqui quem te quer bem.

889 890

Fui eu que acendi o lume Hei-de amar-te tantos anos,

Numa chaminé dourada; Como folhas tem um vime;

Eu era quem tinha amores, Tu dizes que te sou falsa

Reparti, fiquei sem nada. Cada vez te sou mais firme.

891 892

Gostava que me dissesses Hei-de cercar a Castanheira

Se o teu coração lá tem Com sete varas de fita;

Um bocadinho que seja À porta do meu amor

Para caber mais alguém. Hei-de pôr a mais bonita.

893 894

Gosto de ti porque gosto, Hei-de cortar o jacinto

Gosto de ti porque sim, Hei-de pô-lo a secar;

Gosto de ti porque sei O amor que aqui me trouxe

Que também gostas de mim. Aqui me há-de vir buscar.

895 896

Há três dias que não como Hei-de dar ao meu coração

Há quatro que não almoço; Cinco pedras preciosas;

Lembra-me o meu amor, Cada pedra cinco quinas,

Vou para comer e não posso. Cada quina cinco rosas.

897 898

Hei-de-me ir sentar *Já lá vai pelo mar fora

Ao cerco que tem a lua; Quem a mim tirava o chapéu;

De lá te responderei: Deus o leve e Deus o traga,

Descansa, amor, que sou tua. Como as estrelas do Céu.

899 900

Hei-de vestir-me de luto Já morri e fui enterrada

De luto como uma amora; Debaixo de dois torrões;

Vou despedir-me do meu amor Tornei a ressuscitar

Terça-feira vai embora. Com as tuas orações.

901 902

Já fui ao mar de joelhos Janela sobre janela

De joelhos fui ao fundo; Sobre pedra lavradia;

Por causa do meu amor Agora já me trocas

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Irei ao cabo do mundo. Meu amor de algum dia.

903 904

Já fui mar, já fui navio, Já pedi aos Santos todos

Já fui mesmo marinheiro; Agora peço a Deus

já tive amores de graça Que me tire dos sentidos

Agora nem por dinheiro. Amores que não são meus.

905 906

Já lá vai o sol abaixo Já tanto pedi a Deus,

Fica a praia descoberta; Sem Deus me querer ouvir,

Vai-se um amor, fica outro, Que te feche em meu peito

Nunca vi fala mais certa. Com que não possas abrir.

907 908

*Já lá vai o sol abaixo Já te dei meu coração,

Já lá vai a luz do dia; Coisa que dar não podia;

Já lá vai o meu amor Já te dei a melhor prenda

Com quem me eu divertia. Que no meu peito trazia.

909 910

Já lá vai pelo mar dentro Já te escrevi uma carta,

Quem eu queria para mim, Já ta dei na varanda;

O mar se faça em rosa Peço-te, amor da minha alma,

O comboio em jardim. Que faças o que ela manda.

911 912

Já lá vai pelo mar dentro Já tenho papel e tinta,

Quem no meu peito dormia; Caneta e mata-borrão

Deus o leve, Deus o traga Para escrever ao meu amor

Para a minha companhia. Que trago no coração.

913 914

Já te pudera ter dado *Lindos olhos têm as trutas,

Um chapéu para o calor; Quem me dera assim os meus;

Mas tornei a considerar Hei-de ir lavar os meus olhos

Que to dê o teu amor. Onde as trutas lavam os seus.

915 916

Juntei meu amor ao teu, Lindos olhos tem a truta,

Casámos, coisa espantosa; Quando olha de repente;

Dos dois amores perfeitos Lindos amores tinha eu,

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Nasceu um botão de rosa. Se eles me durassem para sempre.

917 918

Laranjeira, pé d'ouro. Mais lindo nada existe

Deita raízes de prata; Nada mais em tanta dor

O tomar amores não custa, Do que os teus lábios sorrindo

O deixá-los é que mata. Depois de um eterno amor.

919 920

Lá vai o rio fugindo, Mandaste-me amar a Deus

Ai quem me dera agarrar; Sobre tudo quanto há;

O amor é como o rio, Eu a Deus amo no Céu

Foge, não torna a voltar. E a ti amo-te cá.

921 922

Lá vai uma, lá vão duas, Mandei fazer um barquinho

Lá vão três pela primeira; Da casquinha de pinheiro,

Lá vai o meu coração Para o meu amor embarcar

Em busca de quem o queira. Para fora, para o estrangeiro.

923 924

Lindos olhos tem a cobra, Manjericão da janela,

A cabeça afiadinha, Já meu peito foi seu vaso;

Lindos amores tenho eu Tomaste novos amores

No lugar de Santo Aginha. De mim não fizeste caso.

925 926

*Lindos olhos tem a cobra, *Manjericão da janela

Quando olha de repente; Já te podes ir secando;

Lindos amores tinha eu, Já morreu quem te regava

Se eles me durassem sempre. E eu já me vou enfadando.

927 928

*Lindos olhos tem António, Manjericão do meu peito

Santa Luzia, guardai-os; Enverdece sem se ver;

Se não forem para mim, Quando estou à tua beira

Santa Luzia, levai-os. Engordo sem o saber.

929 930

Mnjericão miudinho Menina de saia branca,

Subiste ao mais alto preço; Redondinha panasqueira;

Tu cuidas que muito vales Diga ao seu pai que a dote,

Eu julgo que mais mereço. Que anda aqui quem a queira.

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931 932

Manjerico da janela Menina do amarelo

É regado ao meio-dia; Olhinhos da mesma cor;

Que falas foram aquelas Diga ao seu pai que a case

Que deste outro dia? Que eu serei o seu amor.

933 934

Manjerico ramalhudo *Menina do lenço preto,

Tu que estás de sentinela; Diga-me quem lhe morreu;

Vai dizer ao meu amor Se lhe morreu o paizinho,

Que chegue aí à janela. Pela filha morro eu.

935 936

Manjerico redondinho Menina do rés-do-chão,

O teu verde é de encantar; Não deixes a porta aberta;

A donzela que é bonita Olha que o meu coração

Sempre tem com quem casar. Nunca tem morada certa.

937 938

Manuel, cabelo louro, Menina, não te namores

Penteado no caminho; Do homem que viuvou;

Nunca tive amor tão novo, Uma fala, duas falas,

Amor com tanto carinho. Mulher do homem ficou.

939 940

Manuel é lindo nome Menina que está à janela

Que foi feito para amar; Olhando para quem passa

Com esse retroz azul Tem olhinhos de cadela

Neste lenço quero-o bordar. E vai comigo caça.

941 942

Mas assim vou perguntar-te, Menina que traz relógio

Se este sonho é verdadeiro; Diga-me que horas são;

Se eu serei atraiçoada Se ainda estou a tempo

Pelo meu amor primeiro. De entrar em seu coração.

943 944

Menina de saia branca Menino, case comigo

Lencinho da mesma cor; Não tenha medo à fome;

Diga ao seu pai que a dote Meu pai tem uma quinta

Que eu serei o seu amor. Que mantém quem não come.

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945 946

Menino de fato preto, Meu amor de chapéu branco

Olhinhos da mesma cor; Ninguém fale com ele;

Diga ao seu pai que o case, Ela anda por minha conta

Que eu serei o seu amor. E eu ando por conta dele.

947 948

Meu amor, anda ver-me Meu amor é tão lindo

Às grades desta prisão; Ai Jesus! Agrada-me tanto!

Vens ver-me e vais-te embora, Hei-de pôr um pé em Roma,

Levas a minha paixão. Pedi-lo ao Padre Santo.

949 950

Meu amor, anda ver-me, Meu amor, fala baixinho

Que eu não te vou procurar; Que alguém nos pode escutar;

A água procura o rio Só tu o deves saber

O rio procura o mar. Que nasci para te amar.

951 952

Meu amor, botão de oiro, Meu amor foi para Macau

Jardim da minha varanda, Para as terras do Oriente;

Caixinha dos meus segredos, Todos os dias ando triste

Onde o meu coração anda. Nunca posso andar contente.

953 954

Meu amor conserva acesa *Meu amor, meu amorzinho,

Essa chama de ternura; Até tudo te darei;

Quantas vezes se despreza Dar-te-ei a luz dos meus olhos

Quem mais tarde se procura. E sem ela ficarei.

955 956

Meu amor, dá-me licença Meu amor, meu amorzinho,

Que eu quero dar um suspiro; Meu amorzinho do alto,

Se é da tua vontade, Faltará o sol à lua,

Se não, diz-me que eu retiro. Eu ao meu amor não falto.

957 958

Meu amor da minha alma Meu amor, meu amorzinho,

Por quem minha alma adora, Meu amorzinho, meu bem,

Por quem o meu coração Inteira-te da verdade,

Tanto suspira e chora. Dá a razão a quem a tem.

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959 960

Meu amor da minha alma, Meu amor, meu amorzinho,

Vou dizer-te a verdade: Meu púcarinho de cheiro,

Eu aceito o teu amor, Anda tudo à porfia,

Mas não quero falsidade. Quem te logrará primeiro.

961 962

Meu amor, meu amorzinho, Meu amor, não vivas triste

Minha maçã comeosa, Que a tristeza não faz bem;

Tu és a flor mais linda Ainda não vi a tristeza,

Que há na nação portuguesa. Dar de comer a ninguém.

963 964

Meu amor, namora graça Meu amor, para te amar,

Não namores formosura; Sofro mágoas de amargura;

Que a formosura sem graça O estar longe de ti

É viver na noite escura. É como uma noite escura.

965 966

Meu amor, na nossa ausência Meu amor, para te ver

Nunca deixes de escrever Corro serras e montanhas;

Duas letras ao teu bem No dia que te não vejo

Que por ti fica a sofrer. Oh que saudades tamanhas!

967 968

*Meu amor, não estejas triste, Meu amor, pega na pena,

Não estejas apaixonado; Escreve que eu vou ditando;

Que o lugar que tu pretendes Escreve que hás-de ser meu,

'Inda está ocupado. Não sei o dia, nem quando.

969 970

Meu amor, não faças caso Meu amor, pela tua vida

Das cantigas que te canto; Pela alma do teu pai,

Cantigas são elogios Queria entrar no teu peito

Eu quero-te tanto e tanto. Quero ver o que lá vai.

971 972

Meu amor, não sei que sinto Meu amor, por tua ausência

Depois que vi o teu rosto; Nunca deixes de escrever

Ando sempre muito triste Uma cartinha ao teu bem

Quase morto de desgosto. Que por ti fica a sofrer.

973 974

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Meu amor, não vivas triste Meu amor, por tua vida,

Nem andes apaixonado; Ou por alma do teu pai;

O lugar que tu pretendes Deixa-me entrar no teu peito

'Inda está ocupado. Quero ver o que lá vai.

975 976

Meu amor, não vivas triste Meu amor, prende os teus olhos,

Que a tristeza não é boa; Não os deixes cá chegar;

Sendo ela natural, Quando presos me dão guerra,

Dá cabo duma pessoa. Que será se os soltar.

977 978

*Meu amor, procura agrado Meu amor se foi embora

Não procures formosura; Por esse mundo sem fim;

Formosura sem agrado, O mar se torna em rosas

É viver na noite escura. E o navio em jardim.

979 979

Meu amor, quando escreveres *Meu amor, se fores à missa,

Escreve a carta sozinho; Põe-te em sítio que te veja;

Não quero a carta escrita Não faças andar meus olhos

Por mais de um rapazinho. Em balanço na igreja.

980 981

Meu amor, quando eu morrer Meu amor se fores à pesca,

Já meu enterro não farão; Leva uma rede de linho;

Já há tempo me enterrei Se eu cair na tua rede

Dentro do teu coração. Serei o teu rico peixinho.

982 983

Meu amor, quando eu morrer Meu amor, se me deixares,

Não metas a roupa à tinta; Eu farei uma das minhas;

Eu morro e vou para o Céu, Vou-me deitar a afogar

Tu ficas na tua quinta. Ao poleiro das galinhas.

984 985

Meu amor, quando fores Meu amor, se queres uvas,

Leva-me na tua alminha; Traz-me cá o teu chapéu;

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Que eu sou como a borboleta, Que a ramada ainda tem

Caibo na mão fechadinha. Para ti, anjo do Céu.

986 987

Meu amor, quando fores, Meu amor, se tu fores,

Leva-me, podendo ser. Leva-me na tua alminha.

Que eu quero ir acabar Que eu sou como a borboleta,

Aonde tu fores morrer. Caibo na mão fechadinha.

988 989

Meu amor, quando morreres Meu amor, se tu quiseres

Não mandes fazer caixão; Que a minha mão seja tua,

Tens a sepultura aberta Perde tempo e rompe solas

Dentro do meu coração. Se é de gosto, continua.

990 991

Meu amor, raminho de ouro, Meu amor, se tu quisesses,

Jardim da minha varanda; Fazíamos um partido;

Quem a mim há-de lograr Eu falar com quem quiser,

Já no meu coração anda. Tu falares só comigo.

992 993

Meu amor, se tu soubesses Meu amor, vai p'ró Brasil,

A dor do meu coração; Ainda que não ganhes dinheiro;

Eu antes queria morrer A qualquer lado que chegues:

Do que sofrer desta paixão. Viva o Senhor Brasileiro.

994 995

Meu amor, se vires cair Meu amor, vamos rezar

A folhinha de hereira; De mãos erguidas a Deus;

Olha que são saudades Tu reza pelos meus sonhos

De eu não estar à tua beira. Eu rezarei pelos teus.

996 997

Meu amor, se vires cair Meu coração diz adeus

Flores na tua varanda; Ao coração de quem gosta;

Aceita que são saudades Adeus, meu amorzinho,

Que meu coração te manda. Adeus até à tua resposta.

998 999

Meu amor, tu és a estrela Meu coração está fechado

Que há-de guiar o meu ser; Fechado com duas chaves;

Sem ti, meu querido anjo, Se quiseres entrar lá dentro,

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É-me impossível viver. Meu amor, também lá cabes.

1000 1001

Meu amor, tu és traidor, Meu coração é terra

Companheiro da traição; Hei-de mandá-lo lavrar,

Peço-te que não faças Para semear desejos

Sofrer mais meu coração. Que tenho de te falar.

1002 1003

Meu amor, tu pede a Deus Meu coração é uma arma

Que eu peço às almas santas Meu peito atirador;

Que nos juntemos os dois Os teus olhos encantaram

Já que as saudades são tantas. O meu coração, amor.

1004 1005

Meu amor, vai ao Brasil Meu coração é um cofre

Ainda que não tragas dinheiro, Com vinte e quatro gavetas,

Em qualquer lado que estejas: Onde eu meto as tuas cartas

Viva o Senhor Brasileiro. Com tuas mimosas letras.

1006 1007

Meu amor, vai ao jardim Meu coração pede, pede

Tira a flor que quiseres; Terra para um pomar;

Só te peço que me deixes Meus olhos se obrigarão

Raízes do bem-me queres. A dar agua para o regar.

1008 1009

Meu destino está marcado Na fina areia da praia

Algum fim há-de levar, Fiz uma jurz a meu bem;

Para saberes, meu amor, Enquanto ele for vivo

Que nasci para te amar. Não amar mais ninguém.

1010 1011

Meu peito é uma sala Namorados, falai baixo

Dentro tem gavetinhas, Que as paredes têm ouvidos;

Onde guardo os meus segredos Porque segredos bonitos

E mais as tuas falinhas. São os que são mais sabidos.

1012 1013

*Milho alto, milho alto Namorei-me do bonito,

Milho alto, folha estreita; Do bonito sem fazenda;

À sombra do milho alto Quando vou para comer,

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Namorei uma sujeita. O bonito não me lembra.

1014 1015

Milho alto, milho alto Não há cravo como o branco,

Milho alto, folha larga Que até no cheirar é doce;

À sombra do milho alto É como o amor primeiro

Namorei uma casada. Que nunca acabado fosse.

1016 1017

Minha maçã vermelhinha Não há flor como o junquilho,

Picada dos passarinhos; Nem cheiro mais singular;

Quem namora às escondidas Nem coração mais perdido

Leva abraços e beijinhos. Que este meu para te amar.

1018 1019

Minha mãe mandou-me à erva Não há sol como o de Agosto,

Eu disse que não sabia; Nem luar como o de Janeiro;

Se fosse para namorar Não há cravo como o branco,

Outro jeito lhe daria. Nem amor como o primeiro.

1020 1021

Minha sogra tem-me raiva Não há sol como o de Maio,

Por eu lhe namorar o filho; Nem luar como o de Janeiro;

Se não quer que o namore Não há cravo como o regado,

Traga-o preso com um atilho. Nem amor como o primeiro.

1022 1023

Nada quero deste mundo Não me atrevas a dizer-te

A não ser o teu amor; Do nosso amor o encanto;

O meu afecto é profundo Eu só quero que me digas,

Só por ti, singela flor. Se é por me quereres tanto.

1024 1025

Não quero amor ferreiro * Nas letras entrelaçadas,

Que é muito mau de lavar; Vai o meu nome e o teu;

Quero amor marinheiro, Bendito seja o teu nome,

Vem lavadinho do mar. Quando se enlaça com o meu.

1026 1027

Não quero amor pedreiro, Na vossa boca sou tudo

Fica caro no lavar; Até me chamais ladrão;

Quero amor marinheiro Sendo vós quem me roubastes

Que vem lavado do mar. A paz do meu coração.

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1028 1029

Não quero o amor pedreiro, Nem a rosa da roseira,

Não é por o desprezar; Nem outra qualquer flor,

Tenho medo que ele morra, Nem a Primavera inteira,

De eu viuvinha ficar. Vale mais que o meu amor.

1030 1031

Não receies a mudança Nem no mundo há dois mundos

Que possa haver em mim; Nem no céu há dois senhores,

Pois o meu ardente amor Não há coração que ame

Só pode a morte dar fim. Ao mesmo tempo dois amores.

1032 1033

*Não te amo por um dia, Nesta quadra pequenina,

Nem por uma só semana; Quero deixar o sabor

Amo-te para toda a vida, Do beijo, que ainda há pouco,

Só se o coração me engana. Eu sonhei do meu amor.

1034 1035

Não te esqueças, meu amor, No alto daquela serra

De quem tem tanto amor; Não chove, nem cai orvalho;

Se tu hoje me deixasses, Amor que hás-de ser meu,

Eu morreria de dor. Não me dês tanto trabalho.

1036 1037

Naquela serra nasce água, No lugar de Arga de Baixo

Por copos de vidro desce; Um amor hei-de roubar;

Nem a água apaga a sede, Ou na entrada ou na saída

Nem o meu amor me esquece. Ou no meio do lugar.

1038 1039

Nasceu um cravo vermelho Nunca te esqueças de mim,

Na noite de S. João; Sou eu quem te ama, amor;

De vermelho pôs-se roxo Andas no meu pensamento

Ao passar na tua mão. Para toda a parte que eu for.

1040 1041

Nunca vi o sol à noite, Ó amor, nunca te iludas,

Nem estrelas ao meio-dia. Tem seu lado traiçoeiro;

Nunca vi o meu amor Há, muitas vezes, um Judas

Quantas vezes eu queria. Na pele de um bom cordeiro.

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1042 1043

Ó amieiro do Rio, O amor, quando é excelência,

Deixa passar os peixinhos; Serve só para matar;

Quem namora às escondidas, O meu coração, em segredo,

Quer abraços e beijinhos. Por vezes te quis amar.

1044 1045

O amor de um rapaz O amor que eu por ti sinto

É um simples passatempo; É de firme e leal amante;

O amor da rapariga Hei-de amar-te até à morte,

É um grande sentimento. Se tu me fores constante.

1046 1047

O amor, deves sabê-lo, O amor que por ti sinto

É um sonho delicado; Não o posso descrever;

Mas é preciso senti-lo As palavras não dizem tudo

Quando se está acordado. Quanto te quero dizer.

1048 1049

O amor é cego e vê O amor que tanto amei

É maluco e tem juízo; Esqueceu meu pensamento;

Não tem palavras, é mudo, Como o rio esquece as rosas

Mas diz tudo que é preciso. Que retratou um momento.

1050 1051

O amor é fogo ardente, O amor que te consagro

Por vezes mau de apagar. Mais forte não pode ser.

Quando é puro, docemente, Ninguém te ama como eu

Por vezes faz-me chorar. Que te amo até morrer.

1052 1053

*O amor e o dinheiro O anel de sete pedrinhas

Não podem estar encobertos; Salta fora do meu dedo;

O dinheiro faz barulho, Tu foste o causador

O amor é inquieto. De eu tomar amor tão cedo.

1054 1055

O amor é uma sombra O anel que tu me deste

Que naquele muro dá. Era de vidro, quebrou.

Que sempre se faz maior, O amor, que nos ligava,

Quanto mais longe se está. Era pouco e acabou.

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1056 1057

*O anel que tu me deste Ó cravo roxo doirado

No domingo do Senhor, Meu peito já foi teu vaso;

Era-me largo no dedo, Tomaste novos amores,

Apertado no amor. Já de mim não fazes caso.

1058 1059

O Castelo de Viana *Ó figueira, dá-me um figo,

Deita fitas a voar; Ó silva, dá-me uma amora;

Foi-me embora o meu amor Meu amor dá-me uma fala,

Não tenho para quem falar. Que me quero ir embora.

1060 1061

O cemitério de Dem Oh morte! Oh negra morte!

Tem violetas ao redor; Vem a meus dias dar fim,

Ó terra, que vai levar Já que o amor a quem amo

O corpo ao meu amor. Não se vira para mim.

1062 1063

O Céu prometeu à Lua O J quer dizer jardim,

Um lencinho com mil cores; Onde se colhem flores;

Quando o céu promete prendas Eu hei-de ser jardineiro

Que fará quem tem amores. Do jardim dos teus amores.

1064 1065

Ó comboio de Caminha, Olha aquela trepadeira

Comboio arrastador, Presa ao muro do jardim;

Levaste e não trouxeste Quem me dera, meu amor,

O meu verdadeiro amor. Poder-te prender assim.

1066 1067

O comboio de Caminha *Olha para a folha da vinha,

Já o meu amor levou; Como ela faz balanço;

Adeus, meu amor, adeus, Quem tem amores bonitos,

Que eu contigo já não vou. Nunca pode ter descanso.

1068 1069

O cordão do meu colete Ó Lisboa, ó Lisboa,

É de retroz vermelhinho; Ó campo da aviação,

Coitadinho de quem tem Tenho lá o meu amor

Amores em Vilarinho. A despachar o balcão.

1070 1071

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*O cravo depois de seco Ó Lisboa, ó Lisboa,

Significa amor perdido Ó Lisboa do pecado;

Ainda que queira, não posso Tens lá o meu amor,

Tirar de ti o sentido. Por dinheiro enganado.

1073 1074

Ó lugar da Castanheira, O meu amor com chieira

Nem és vila, nem aldeia; Não assenta o pé no chão;

És um lugar pequenino Assenta, meu bem, assenta,

Onde meu amor passeia. Que a chieira não dá pão.

1075 1076

Ó lugar da Castanheira, Ó meu amor d'algum dia,

Nem és vila, nem cidade; Esse dia já acbou;

És aldeia pequenina Se me vires olhar p'ra ti,

Onde brilha a mocidade. Foi jeito que me ficou.

1077 1078

Ó meu amor, adeus, adeus, Ó meu amor de algum dia,

Até quarta ou quinta-feira; De algum dia, meu amor,

Não posso estar sem te ver Se não fosses de algum dia,

Uma semana inteira. Não tinha pena, nem dor.

1079 1080

O meu amor agastou-se, Ó meu amor d'algum dia,

Foi às amoras ao mato; Podes dizer a verdade.

Diz-me tu, meu amorzinho, Durante o tempo que t'amei,

Se de amores já estás farto. Se me achaste falsidade?

1081 1082

O meu amor ainda ontem Ó meu amor d'algum dia,

Pela vida me jurou Vem-me falar a verdade.

Que se ía deitar ao mar, Diz-me cá nesse teu peito

Se ele é tolo, eu não sou. Se este meu coração cabe.

1083 1084

Ó meu amor, anda, anda, O meu amor de brioso

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Que eu te quero ver andar; Foi à romaria a Coura;

Quero ver o teu modinho Lá não havia giestas,

mais o teu passear. Fizeram dele vassoura.

1085 1086

Ó meu amor, anda, anda, Ó meu amor de tão longe,

Que por ti eu morro, eu morro; Chega-te aqui para o perto;

Se não deres uma fala, Já me dói o coração

Morro, acabo de todo. De te ver nesse deserto.

1087 1088

Ó meu amor, a quem deste Ó meu amor de tão longe,

O meu lenço de pintinhas? Escreve-me uma cartinha;

Diz-me com quem repartiste Se não tiveres papel,

A amizade que me tinhas. Nas asas duma andorinha.

1089 1090

Ó meu amor de tão longe, Ó meu amor do Brasil,

Não venhas passar a serra; Ó meu amor brasileiro,

Eu te mandarei dizer Manda-me de lá dizer

As novidades da terra. Como se ganha dinheiro.

1091 1092

Ó meu amor de tão longe, *Ó meu amor do Brasil,

Passa o mar, vem-me ver. Passa o mar e vem-me ver;

As cartas não valem nada As cartas não valem nada

Para mim que não sei ler. Para mim que não sei ler.

1093 1094

Ó meu amor de tão longe, *O meu amor é António,

Resolve-te e vem-me ver. E António se lhe chama;

As cartas não valem nada Não é que o mundo cuida

Para mim que não sei ler. Que o mundo também se engana.

1095 1096

O meu amor de vaidoso O meu amor é António,

Não assenta o pé n'areia; Manuel também quer ser;

Assenta, meu bem, assenta, Andam todos à porfia

Não tenhas tanta chieira. Mas Manuel há-de vencer.

1097 1098

O meu amor de vaidoso O meu amor é baixinho,

Não assenta o pé no chão; Eu alta também não sou.

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Assenta, meu bem, assenta, É o par mais jeitosinho

Não dês passos em vão. Que Deus ao mundo deitou.

1099 1100

O meu amor de vaidoso O meu amor é «chôfér»

Não assenta o pé no chão; Trabalha de gasolina;

Assenta, meu bem, assenta, A camioneta é d'ouro

Não tenhas opinião. As rodas de prata fina.

1101 1102

O meu amor diz que é ele O meu amor é de Prado,

O rei da rapaziada; Da terra de muita lenha,

Usa gravata vermelha Para trazer um feixinho,

E camisa engomada. Quando na rambóia venha.

1103 1104

O meu amor diz que vinha O meu amor é Domingos,

Diz que vinha, mas não veio; Dias santos há-de dar.

Eu amanhã devo ter Domingos e dias santos

Uma carta no correio. Todos eu hei-de guardar.

1105 1106

O meu amor é Domingos, *O meu amor é soldado

Há-de dar dias santos; Eu não o pude livrar:

Eu como hei-de apartar O servir rei é grandeza,

Dominguinhos entre tantos? Meu amor, deixa-te estar.

1107 1108

O meu amor e de Prado, O meu amor está doente

Da terra dos fidalguinhos, Numa cama de algodão;

Andai com ele amuado, As melhoras que lhe dou

Não mo ponhais em caquinhos. É da cama para o caixão.

1109 1110

O meu amor é estudante, O meu amor está doente

Estudou na estudantaria, Numa casa de madeira;

Por muito que ele estudasse, Nossa Senhora o melhore

Não estudou o qu'eu sabia. Da cama p'rá minha beira.

1111 1112

O meu amor e o teu O meu amor é tão lindo,

Andam naquela ribeira; Jesus! Que me agrada tanto,

O meu anda à erva doce, Hei-de ir hoje a Roma

O teu à erva cidreira. Pedi-lo ao Padre Santo.

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1113 1114

O meu amor é padeiro, O meu amor é tão lindo

Tem a cara enfarinhada; Que parece uma flor;

Seus beijos sabem a pão, Tu serás a minha vida,

Não quero comer mais nada. Eu serei o teu amor.

1115 1116

O meu amor eras tu, O meu amor é tão lindo

Se não te fosses gabar. Toda a gente mo cobiça;

Pela boca morre o peixe, Se o chegar a lograr,

Quem te mandou ir falar? As almas têm uma missa.

1117 1118

O meu amor era torto, O meu amor é um anjo,

Eu mandei-o escavacar; Eu por anjo o venero;

Agora já tenho lenha Se o chegar a lograr,

Para fazer o jantar. Nada mais do mundo quero.

1119 1120

O meu amor é soldado O meu amor é um anjo,

Do primeiro batalhão; O teu é um passarinho;

São os olhos mais bonitos O meu morre, vai p'ró céu,

Que no regime estão. O teu choca, vai p'ró ninho.

1121 1122

O meu amor é um cravo O meu amor foi-se embora,

Criado à luz do dia; Para Lisboa foi morar;

É cravo, eu sou rosa Quem me dera ser pombinha

Ele é Zé, eu sou Maria. Para o ir acompanhar.

1123 1124

*O meu amor é um cravo, O meu amor foi-se embora

Eu bem o soube escolher; Pela barra de Caminha;

O craveiro não tem outro, Já perdeu a lei à terra,

Só se agora lhe nascer. A amizade a quem tinha.

1125 1126

O meu amor é um cravo, Ó meu amor jura, jura,

É um cravo por abrir; Faz uma jura bem feita;

Eu também sou uma rosa A jura que me hás-de dar

Que o faço aqui vir. É na igreja a mão direita.

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1127 1128

O meu amor é um cravo, O meu amor Manuel,

Eu sou rosa para ele; Fala para outra Maria;

Ele é do meu coração, Se ele não me trocasse,

Eu sou do coração dele. Outra coisa seria.

1129 1130

O meu amor foi e disse O meu amor me deixou,

Que eu por ele não chorasse, Eu vivo alegremente;

Se lhe causasse penas, Mais vale estar sem amores,

Ele morto, se ficasse. Do que triste para sempre.

1131 1132

O meu amor foi-se embora, O meu amor me deixou,

Adeus me veio dizer; Pena não tenho nenhuma;

Apertou-me a mão e disse: Deixou-me a tempo bastante

Amor firme até morrer. De arranjar melhor fortuna.

1133 1134

O meu amor foi-se embora, *O meu amor me deixou,

Julgando qu'eu morria; Pensando que eu chorava;

Foi um e veio outro, Nunca foi o meu costume

Fiquei com mais alegria. Chorar por quem me deixava.

1135 1136

O meu amor foi-se embora, O meu amor me deixou

O comboio o levou; Por uma linha quebrar;

Se foi...deixá-lo ir Se me deixou foi ao meu gosto,

Que eu atrás dele não vou. Por outro mais me agradar.

1137 1138

O meu amor me disse, Ó meu amor, não me zeles

Ai! me disse, minha alegria: Que eu para ti não hei-de ser;

Se queria ir para Lisboa, Eu já tenho quem me zele

Ai! em qualquer dia. Para os dias que hei-de viver.

1139 1140

O meu amor me disse ontem: Ó meu amor, não vás hoje

No domingo falaremos Que amanhã também é dia;

Domingo tarda três dias, Amanhã também eu vou,

Eu ainda queria menos. Vais na minha companhia.

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1141 1142

O meu amor me trocou Ó meu amor, nunca me deixes

Por uma mais bonitinha; Que eu ainda te não deixei;

A minha saia tem roda, Quando eu te deixar, amor,

A dela é travadinha. Faz de conta que acabei.

1143 1144

Ó meu amor, meu amor, O meu amor ontem à tarde

Jamais me faças sentir; Pela vida me jurou:

Eu como sol de verdade, Que se ia deitar ao mar,

Tu, como sombra a mentir. Eu atrás dele não vou.

1145 1146

Ó meu amor, meu amor, Ó meu amor, pede a Deus,

Quem te deu a liberdade Que eu peço às almas santas,

De entrares em meu peito, Que nos juntemos ambos,

Sem fechadura, nem chave? Já que as saudades são tantas.

1147 1148

*O meu amor não é aquele, Ó meu amor, pede, pede

O meu amor traz chapéu, Calça de linho no Verão;

Tem o andar miudinho Eu também hei-de pedir,

Como as estrelas do céu. Anel de oiro na mão.

1149 1150

O meu amor não é aquele O meu amor pede, pede

Que eu no andar conheço, Mas eu não lhe queria dar,

Tem o andar miudinho Tudo será para ele

Como a folha do codesso. No dia que m'eu casar.

1151 1152

*O meu amor não é este, Ó meu amor, quem te disse

O meu amor tem chapéu; Que eu te não queria bem?

O meu amor ao pé deste Quem te disse, te mentiu,

Parece um anjo do Céu. Que eu não quero mais ninguém.

1153 1154

Ó meu amor, quem to disse O meu amor vai e vem,

Que eu a dormir suspirava? Na vinda vem por aqui;

Quem to disse, não mentiu, Se eu aqui não estiver,

Que eu por ti suspiros dava. Podes crer que já morri.

1155 1556

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Ó meu amor, quem tu disse Ó meu amor, vais-te embora,

Que eu morria por ti? A quem me deixas ficar?

Eu nunca morri por amores Não te deixo a ninguém

Que eu ainda estou aqui. Que eu se vou, hei-de voltar.

1157 1558

Ó meu amor, ramo d'oiro, Ó meu amor, vais-te embora,

Jardim da minha varanda, Levas a minha alegria.

Caixinha dos meus segredos, Nossa Senhora te ajude,

Que no meu coração anda. Vá na tua companhia.

1159 1160

O meu amor se foi embora Deixas-ma ficar sozinha,

Foi sem me dizer adeus; Não me dizes quando vens.

Escuta que hás-de ouvir Ó meu amor, vais-te embora,

No vapor suspiros meus. Não sei que coração tens.

1161 1162

Ó meu amor, se tu queres O meu amor vem aí

A tua roupa lavada, Ai Jesus, agrada-me tanto!

Vai pagar à lavadeira Foi mandado por Deus,

Que eu não sou tua criada. Mais pela Espírito Santo.

1163 1164

Ó meu amor, se tu queres Ó meu amor, vem-me ver

Que a minha alma seja tua, Que eu não te vou procurar,

Perde o tempo e rompe as solas, A água procura o rio,

Se é de gosto, continua. O rio procura o mar.

1165 1166

O meu amor só me fala Ó meu amor, vem ver

Do que traz no pensamento; Castanheira que é tão lindo,

Tudo será para ele Uma hora por semana

No dia do casamento. Duas ou três ao domingo.

1167 1168

O meu amor tem peixinhos, Ó meu amor, vens do estrangeiro

Eu também os queria ter; Aperta-me a minha mão;

O meu amor diz que morre, Se não queres falar, não fales,

Eu também queria morrer. Onde está o sim, estão o não.

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1169 1170

O meu coração acaba O meu coração é terra,

Porque sofre noite e dia, Hei-de mandá-lo lavrar

Desde que me apaixonei Para semear amores

Pela tua simpatia. Que se me estão a acabar.

1171 1172

O meu coração, amor, O meu coração é terra,

Já não pode suspirar; Hei-de mandá-lo lavrar

Com as outras saudades, Para semear desejos

Vou morrendo devagar. Que tenho de te falar.

1173 1174

O meu coração é bruxo, O meu coração é teu,

Aprendeu com o feiticeiro, E o teu de quem será?

Adivinha muitas coisas, O meu morre pelo teu,

Mas dizendo-lhas primeiro. E o teu por quem morrerá?

1175 1176

O meu coração é cofre, *O meu coração é vidro,

Está cheio de gavetinhas; É vidro na tua mão;

Vai-se abrindo com saudades, Se te queres vingar dele,

Fechando com palavrinhas. Deixa-o cair ao chão.

1177 1178

O meu coração é mudo, O meu coração há muito

Nem fala, nem aparece; Foi preso do teu olhar;

Se o meu coração falasse, Não pode haver outro amor,

Diria por quem padesse. Capaz de o cativar.

1179 1180

O meu coração e o teu O meu coração voando

Juntinhos hei-de bordar; Dentro do teu foi cair;

Se a linha for da feição Sentiu as asas quebradas

Nunca mais se hão-de apartar. De lá não poder sair.

1181 1182

O meu coração é ouro, O meu lenço tem três pontas,

É ouro do mais maciço; Não desbotes tua cor,

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As minhas falas são firmes, Que foi a primeira prenda

As tuas vamos ver isso. Que me deu o meu amor.

1183 1184

O meu coração é pobre Ó meu lindo amorzinho,

É pobre, não tem valor; A quem minha alma adora,

Se ele não fosse tão pobre, Por quem o meu coração

Não me deixavas, amor. Tanto suspira e chora.

1185 1186

Ó meu lindo amorzinho, Ó meu rico amorzinho,

Ensina-me a tua arte, Ninguém te quer mais do que eu;

Ensina-me a aborrecer-te Se tu és um reino de ouro,

Que eu não sei senão amar-te. Do mesmo jardim sou eu.

1187 1186

Ó meu lindo amorzinho, Ó minha bela menina,

Eu quero-te tanto bem, Eu sou como o pimentão.

Tenho-te tanta amizade, Eu queimo mais numa hora,

Enquanto outro não vem. Do que o sol em todo o Verão.

1187 1188

Ó meu lindo amorzinho, Ó minha cara de neve,

Gosto de ti tanto, tanto, Com que lavas o teu rosto?

Parece feitiçaria Com água de melancia

Ou milagre d'algum santo. Colhida no mês de Agosto.

1189 1190

Ó meu lindo amorzinho, Ó minha fala brandinha,

Meu púcarinho de cheiro, Não me deixes ficar mal;

Somos tantas a querer-te, Diante de tanto povo,

Quem te logrará primeiro? No meio deste arraial.

1191 1192

Ó meu lindo amorzinho, Ó minha mãe, deixe-me ir

Meu regalo era ver-te; A S. Martinho à missa,

Agora tanto me dá Que eu tenho lá dois olhinhos

Ganhar-te como perder-te. Que me prendem sem justiça.

1193 1194

Ó meu lindo amorzinho, Ó minha mãe dos trabalhos,

Ninguém te quer mais do que eu, Para quem trabalho eu?

Tu amas a quem te logra, Trabalho, mato meu corpo,

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As penas sofro-as eu. Não tenho nada de meu.

1195 1196

Ó meu lindo amorzinho, Ó minha mãe, minha mãe,

Ó quem te desse dois tiros Não me vê pôr em leilão;

Com uma espingarda d'ouro Eu já dei o sim a alguém

Carregada de suspiros. Que me quer o coração.

1197 1198

Ó meu lindo amorzinho, Ó minha mãe, venha ver

Tenho horas de amargura; A cama do meu amor;

Nos dias em que te não vejo Deitado na meia rasa,

Ando como a noite escura. Coberto com o rasador.

1199 1200

Ó minha pomba branca, Ó moças, casai comigo

Empresta-me o teu vestido, Que boa prenda levais;

Ainda que seja de penas, Jogo cartas, bebo vinho,

Eu de penas também vivo. Para melhor não encontrais.

1201 1202

*Ó minha pombinha branca, Ó moças da nossa terra,

Meu pombinho rolador; Vinde todas à janela!

Quando chegará a hora Vinde ver a nossa ronda

De eu te chamar amor? Que se pode olhar para ela.

1203 1204

Ó minha pombinha branca, Ó moças, façam arquinho,

No adro de S. João; Ó moças, façam arcada

No meio de tanta pomba, Para passar o meu benzinho,

Só me tu restas paixão. Para passar a minha amada.

1205 1206

Ó minha pombinha branca, O nosso olhar é espelho

No adro de S. João; Do que sente o coração;

Quando chegará a hora A boca pode mentir,

De entrares no meu coração? O nosso olhar é que não.

1207 1208

Ó moças, amai o coxo, Ontem ía dizer-te

Que o coxo também se ama; Que o nosso amor acabou;

Só a graça que ele tem Ao chegar ao pé de ti,

De ir aos saltinhos p'rá cama. Percebi que aumentou.

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1209 1210

Ó moças, amai os moços O Padre, quando diz missa,

Que eles bem baratos são; Abre o livro e diz: Oremos;

É o cento a pataco Tu dizes que hei-de ser tua,

E a dezasseis o quarteirão. Eu digo que ainda veremos.

1211 1212

*Ó moças, andai ligeiras, Ó passarinho voante,

Vão pedir a Santo António Vou-te pedir um favor:

Que as ponha em linha Se me levas nas tuas asas

No livro do matrimónio. A cartinha do meu amor.

1213 1214

Ó moças, casai comigo Ó pedras do rio Coura,

Que boa prenda levais; Ó jardim da castidade,

Jogador e preguiçoso, Se me tens algum amor,

Bêbado cada vez mais. Peço-te que nunca acabe.

1215 1216

Ó pinheiro, dá-me pinhas, O segredo do teu coração

Ó pinheiro, dá-me pinhões; Quem me dera a mim saber;

Quem tem amor, tem zelos, Alegrias e tristezas,

Quem tem zelos, tem paixões. Todas a mim venham ter.

1217 1218

O primeiro amor que eu tive O senhor dê tempo ao tempo,

Foi uma carta fechada, Não seja tão apressado;

Este que agora tenho Sou ainda muito nova

É coisa mais delicada. Para já ter namorado.

1219 1220

O relógio de Caminha O sete estrelo caiu

Está na torre e não dá horas; Lá na beirinha do tanque;

Eu bem sei, meu amorzinho, Quem vem aqui por te ver,

A santa que tu adoras. Já te tem amor bastante.

1221 1222

O rio que vai correndo, Os nossos dois corações

De penedo em penedo; Juntinhos hei-de eu bordar;

Rio, leva-me uma carta Se a linha for à feição,

Ao meu amor em segredo. Nunca se vão separar.

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1223 1224

Os amores que tu amas Os nossos dois corações

São velhos que eu já deixei, Unidos à simpatia;

Andas a apanhar os bagos Quando será essa hora,

Da vinha que eu vindimei. Quando virá esse dia?

1225 1226

O sangue das minhas veias O sol anda e desanda,

Já anda no teu coração; Dá voltinhas ao redor;

Se os teus braços são cadeias, É como os rapazes solteiros

Eu já me dou na prisão. Enquanto não têm amor.

1227 1228

Ó S. Martinho da Gandra, Os olhos do meu amor

Terra, jardim de flores; São dois navios de guerra;

No lugar de S. Martinho Quando vão pelo mar dentro,

Tenho meus queridos amores. Deitam faíscas à terra.

1229 1230

Os cravos do meu jardim Os olhos do meu amor

Caem para cima do muro; São duas azeitoninhas;

Quem quiser amor, que arranje, Fechados são dois botões,

Que eu já tenho o meu seguro. Abertos duas rosinhas.

1231 1232

Os olhos do meu amor Quando me lembras, amor,

São duas continhas pretas; Vou à janela e digo:

Fechados são dois botões, Onde estará a esta hora

Abertos são violetas. Perdição do meu sentido?

1233 1234

O sol nasce inclinado Quando o sobreiro der baga,

Às pedras do meu anel; O loureiro der cortiça,

Eu também me inclino Hei-de amar-te, meu amor,

Para os teus olhos, Manuel. Que agora tenho preguiça.

1235 1236

Os passaros quando nascem Quando os passarinhos choram

Começam logo aos beijonhos; Numa arvore tão pequena,

Assim são os namorados, Que fará meu coração

Quando se encontram sozinhos. Cheio de tanta pena.

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1237 1238

Por estar longe de ti Quando passares por mim,

Não deixarei de te amar; Baixa a vista para me ver;

Sabes bem que eu te adoro, Nós podemo-nos amar

Escusas de duvidar. Mas escusam de saber.

1239 1240

Prometeram-me um prenda, Quando se acaba o amor,

Se eu para ti não falasse; Acaba-se uma paixão;

Eu logo lhe respondi: Muita gente assim fez

Só se o mundo acabasse. Por causa da ilusão.

1241 1242

Prometeu o sol à lua, Quando se encontra o amor,

As campainhas ao sino, Causa pena e dá gosto;

O meu coração ao teu Sobressalta o coração

Com correntes d'ouro fino. E sobem as cores ao rosto.

1243 1244

Prometeu o sol à lua, Quantas vezes pensando

As estrelas ao luar, Nesta horrenda sociedade,

O meu coração ao teu Eu me sinto já cansada

Para nunca mais te deixar. Ralada pela saudade.

1245 1246

Quando eu, amor, contemplo Quanto mais de mim duvidas

A luz do teu doce olhar, Mais dobro minhas razões;

Minha alma diz-me em segredo Se eu tivesse, para ti eram,

Que eu nasci para te amar. Duzentos mil corações.

1247 1248

Quem corre por gosto, não cansa, *Quem me dera amar um dia,

Toda a vida ouvi dizer; Ter amor, ter afeição,

Se eu pudesse, até voava Ser escravo, dar a vida

Só para contigo ir ter. Por um terno coração.

1249 1250

Quem disse que o verde é feio Quem me dera cá o sábado

Hei-de dizer-lhe que mente; O domingo mais ao pé...

Não há cravo nem há rosa Para ver o meu amor

Aonde o verde não entre. Que a vontade boa é.

1251 1252

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*Quem diz que o amar custa Quem me dera dar-te um beijo,

Bem certo que nunca amou; Um beijo não custa a dar;

Eu amo e sou amada, São duas bocas unidas,

Nunca amor me custou. Quatro lábios a beijar.

1253 1254

Quem diz que o azul é feio, Quem me dera dar um ai

O azul é linda cor; Porque um ai alivia;

Com o azul é que eu escrevo Em certas ocasiões,

As cartas ao meu amor. Se não desse um ai, morria.

1255 1256

Quem está bem, deixe-se estar Quem me dera dar um ai

Eu não posso estar melhor; Que chegasse aonde eu queria...

Estou à beira de quem amo Para o meu amor dizer:

Estou ao pé do meu amor. Este ai de onde viria?

1257 1258

Quem fala de mim, quem fala? Quem me dera dar um beijo

Quem fala de mim, quem é? Na boca do meu amor;

É a rodilha da cozinha São quatro lábio unidos,

De limpar a chaminé. Dois corações em flor.

1259 1260

Quem me a mim ouvir cantar Quem me dera, dera, dera,

Que dirá e tem razão? Quem me dera, dera, dar...

Dirá que eu ando alegre, Abraços ao meu amor,

Sabe Deus, meu coração. Beijinhos até fartar.

1261 1262

Quem me dera adivinhar Quem me dera que viesse

Qual era a azinheira doce; O tempo das desfolhadas...

Não lhe havia de deixar Para dar ao meu amor

Um só ramo que fosse. Quatro castanhas assadas.

1263 1264

Quem me dera ser água Quem me dera subir ao alto

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Pelas fontes a correr... Que eu do alto vejo bem...

Para teus lábios beijar Quero ver se o meu amor

Quando lá fores beber! Está a falar com alguém.

1265 1266

Quem me dera ser água *Quem pintou o amor cego

No teu peito navegar; Não o soube bem pintar,

Para assim poder saber O amor nasce da vista

Se és firme no amar. Quem não vê, não pode amar.

1267 1268

Quem me dera ser cigarro Quem quiser os limões verdes

Na boca do fumador... Vai tirá-los ao limoeiro;

Para andar sempre a beijar Quem quiser o amor firme

A boca do meu amor! Dorme com ele primeiro.

1269 1270

Quem me dera ser a cruz Quem quiser que a água corra

Que em teu peito tem abrigo; Dê um corte na levada;

Bendita cruz, era a cruz Quem quiser o amor firme,

De viver sempre contigo. Cale-se, não diga nada.

1271 1272

Quem me dera ser a lágrima Quem tem amor, diz que morre,

Para dos teus olhos nascer; Ai quem me dera morrer;

Roçar pela face abaixo Mais vale morrer de amor

Na tua boca morrer. Do que sem ele viver.

1273 1274

Quem me dera ser a silva Quem tem amores, não dorme,

Para no tempo dar amoras; Acho eu e creio bem;

Quem me dera ser a Santa Ainda muito menos dorme,

Do altar que tu adoras. Quem os quer e os não tem.

1275 1276

Quem me dera ser colete, Quem tem amores, não dorme,

Quem ,e dera ser botão... Eu também assim fazia;

Para andar apertadinha Mas eu, como não os tenho,

Junto ao teu coração. Durmo de noite e de dia.

1277 1278

*Quem me dera ser o linho *Quem tem pinheiros, tem pinhas,

Que vós na roca fiais; Quem tem pinhas, tem pinhões;

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Quem me dera tantos beijos Quem tem amores, tem zelos,

Como vós no linho dais. Quem tem zelos, tem paixões.

1279 1280

Que não tenho coração Que triste segunda-feira,

Dizes por aí, bem sei; Da semana que há-de vir;

Como queres que eu tenha Vai-se o meu amor embora

Uma coisa que te dei. Quem o há-de ver sair.

1281 1281

Querido coração, Relógio da nossa igreja,

Eu vivo para te amar; Vou pedir-te um favor:

A minha maior alegria Que marques as horas certas

Era contigo casar. Para falar ao meu amor.

1282 1283

Quero bem à minha sogra Relógio da Sé de Braga,

~Porque é mãe do meu amor Bate as horas com rigor;

Que criou para me dar Para eu contar os minutos

A mais brilhante flor. Da ausência do meu amor.

1284 1285

Quero dar-te as despedidas Reparei na minha casa

Quero dá-las e não posso; E no meu pobre coração;

Tenho o meu coração preso Só me podereis vencer

Por um fio d'ouro ao vosso. Num laço de união.

1286 1287

Quero muito ao cigarro Salsa verde requer gosto,

'Inda mais ao fumador; Eu gosto faço em ti;

'Inda mais à minha sogra Quando te eu deixar de amar,

Por ser mãe do meu amor. Podes crer que já morri.

1288 1289

*Quero-te bem, meu amor, Se ainda em ti existe

Mas não é demasiado; Aquela mesma paixão;

Querer-te bem, é loucura, Vem, que ansioso te espera

Querer-te mal, é pecado. Um ansioso coração.

1290 1291

Quero ver-te, meu amor, Se algum dia ouvires dizer

Trinta dias cada mês, Que em Santa Aginha morri...

Sete dias na semana, Olha que foi com desgosto,

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Cada minuto uma vez. Amor, por causa de ti.

1292 1293

Quero vestir-me de preto Se antes de ti morrer,

Que de branco anda a lua; Vai-me à sepultura pôr

Eu não sei que fiz ao sol Um goivo, uma saudade,

Que não dá na minha rua. Lembranças do nosso amor.

1294 1295

Se as saudades matassem, Se o bem querer se pagasse,

Eu já teria morrido; Quanto me estavas devendo.

As saudades não matam, Não há dinheiro que pague

Fazem moer o sentido. O bem que te eu estou querendo.

1296 1297

Se bem olhas os meus olhos Se o loureiro não tivesse

Quando eu olho para os teus, No meio tanta ramada...

Não sei como não entendes Da minha janela alta

O que eu te digo nos meus. Via a casa da minha amada.

1298 1299

Se eu fosse uma medalha, Se o meu amor bem soubesse

Ao teu peito andaria; Que eu aqui estava cantando,

Dentro do teu coração Punha os pés a caminho

As pancadas contaria. Por aí fora caminhando.

1300 1301

Se eu tivesse, não pedia *Se o meu amor fosse António,

Coisa nenhuma a ninguém; Assim como é João,

Mas, como não tenho, peço Mandava-o engarrafar

Um amor a quem dois tem. Dentro do meu coração.

1302 1303

Sei um cento de cantigas Se o meu amor fosse António,

E mais uma cesta cheia, Mandava-o engarrafar

Para dizer ao meu amor Numa garrafinha d'oiro

Ao jantar e mais à ceia. Para o sol não o queimar.

1304 1305

Sei um cento de cantigas *Se ouvires assobiar,

Mais uma cesta cheia, Não penses que é caçador;

P'ra cantar ao meu amor É a moda que agora anda

Ao almoço e à ceia. De assobiar ao amor.

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1306 1307

Se me amas, dá-me provas, Se ouvires tocar o sino,

Quero amar teu lindo rosto; Não perguntes quem morreu;

Tenho muito quem me queira, O sino toca para a missa,

Mas só tu és ao meu gosto. Quem morre por ti sou eu.

1308 1309

Senta-te aqui, amor, Se queres que eu seja tua,

Nesta cadeirinha nova, Manda ladrilhar o mar;

Feita da raiz do cravo Depois do mar ladrilhado

E das folhas duma rosa. Serei tua sem faltar.

1310 1311

Sete e sete msão catorze Sonhei que me enganavas

Com mais sete vinte e um; Que tinhas outro amor;

Tenho sete namorados Mas acordei sufocada,

E não gosto de nenhum. Foi sonho enganador.

1312 1313

Sete pecados mortais Só tu és o meu encanto,

Aprendi eu na doutrina; A minha doce ilusão;

Agora já sei mais dois Por ti, anjo adorado,

São os teus olhos, menina. Darei alma e coração.

1314 1315

Se tu me fosses leal, Só tu, meu lindo amor,

Nas palavras que me dizes; Só tu tiveste a dita

Os nossos dois corações De entrar no meu coração

Um dia eram felizes. Numa sala tão bonita.

1316 1317

Se tu visses o que eu vi Sou escrava, bem o sabes,

Na malinha do correio... Escrava do teu amor;

A carta do meu amor Acorrentou-me o sorriso

Que de tão longe veio. Do teu rosto encantador.

1318 1319

Se viesse um vento norte Sou meiga de natureza,

Que levasse os estudantes... Sensível por condição;

Ficava a cidade limpa Sei amar eternamente

De amores e tratantes. A quem dei meu coração.

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1320 1321

Se vires a tarde triste, Sou uma fita da moda

Nublada a querer chover; Que na água perde a cor;

Olha que são os meus olhos Eu agrado a todo o mundo

Que choram por te não ver. Muito mais ao meu amor.

1322 1323

Se vires à tua porta Subir ao alto, custa,

Dois pobrezinhos bater... Quem não pode subir, desce,

Olha que são os meus olhos Quem tem um amor bonito

Que fugiram para te ver. Julga que ainda mais merece.

1324 1325

Só contigo serei feliz Tenho a vista cansada

Nos dias da minha vida; De olhar para a estrada nova

Se isso não acontecer, Para ver se vejo vir

Viverei triste, aborrecida. Meu amor por ela fora.

1326 1327

Tenho dentro do meu peito, Teu coração é que é

Ao lado do coração, A causa de te querer bem;

Duas palavras que dizem: O meu coração é teu,

Amor da minha paixão. Não o dou a mais ninguém.

1328 1329

Tenho em amor em Viana, Teus olhos fazem chorar

Outro em Ponte de Lima, E sofrer um coração,

Outro em Arga de Baixo, Mas não podes arrancar

Outro em Arga de Cima. Da minha alma esta paixão.

1330 1331

Tenho um amor em Viana, Toda a gente vejo vir;

Tenho outro em Santo Tirso; Só o meu amor não vem;

O de Viana é melhor, Ou o mataram a ele,

Minha avó me conta isso. Ou ele matou alguém.

1332 1333

Tenho um amor que me ama, Toda a vida desejei

Outro que me dá dinheiro, O meu amor Manuel;

Outro que me desengana, Agora tenho-o na mão,

É o mais firme e verdadeiro. Caiu-me a sopa no mel.

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1334 1335

*Tenho um amor, tenho dois, Todas as aves em Maio

Tenho três, não quero mais. Buscam o seu aposento;

Para que quero mais amores, Eu sem buscar, achei

Se me eles não são leais? Amores do meu contento.

1336 1337

Tenho uma pena em meu peito Todo aquele que não tem

No meio atravessada; No peito chama ardente

Se me o meu amor não tira... E o amor desconhece...

Tenho vida amargurada. Vive sempre descontente.

1338 1339

Tenho uma pena no peito Toma lá este raminho,

Dá-lhe o vento, voa bem; No meio leva goivos;

tenho o meu amor ausente Diz-me lá, ó menino,

Da freguesia de Dem. Quando estaremos noivos?

1340 1341

Tenho vinte e três amores, Toma lá este raminho,

Contigo são vinte e quatro. No meio leva morangos;

Ao chegar ao quarteirão, Diz-me lá, meu amor,

Vendo-os todos a pataco. Quando falamos ambos.

1342 1343

Toma lá meu coração, Triste de quem der um ai

Entrego-te fechadinho; Sem achar eco em ninguém;

Só eu queria, meu amor, Felizes os que têm pai,

Ter sempre o teu carinho. Mimosos os que têm mãe.

1344 1345

Toma lá meu coração Tua boca é um cravo,

Fechadinho à chave está; Teus dentes são as folhinhas,

Se tu não o quiseres abrir, As meninas dos teus olhos

Ninguém mais o abrirá. São duas lembranças minhas.

1346 1347

Toma lá o meu coração Tu andas atrás de mim

Porque sou eu quem to dou; Com braçadinhos de ramos;

Hoje passei por teu pai Tu andas para me enganar,

E nora me chamou. Mas eu não vou nos enganos.

1348 1349

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Toma lá meu coração Tu beijaste-me primeiro

Se o queres abrir, não sei; E eu beijei-te depois;

Ainda hoje passei pela tua mãe Tu beijaste-me, eu beijei-te,

Pois eu sogra lhe chamei. Empatamos dois a dois.

1350 1351

Tomara-te ver casado Tu também vês quanto te amo

Para te dar meus parabéns, E adoro juntamente,

Para ver se te acaba Decerto tu desconheces

Essa vaidade que tens. A dor que meu peito sente.

1352 1353

Topei um ninho de melro Tu chamaste-me inconstante,

Debaixo do teu balcão, Não pensaste o que disseste;

As moças que vão à fonte De tanto te ter amado,

Todas com o ninho me dão. É o pago que me deste.

1354 1355

Trazes o cordão ao peito, Tu dizes que eu que sou tua,

Brinquinhos a dar, a dar, Em que papel se assinou...

Olhinhos de querer bem, Eu sou rapariga nova,

Olhinhos de namorar. Sabe Deus para quem eu sou.

1356 1357

Trazes um cravo ao peito, Tu dizes que te menti,

É sinal de casamento; Verdade nunca falei;

Tira o cravo e põe a rosa Se menti alguma vez,

Que o casar ainda tem tempo. Desculpa que me enganei.

1358 1359

Tu dizes que vens de longe, Uma pena de pavão,

Deves vir bem fatigado; Sangue de uma cotovia,

Sinto que por minha causa Hei-de escrever uma carta

Chegaste aqui cansado. Ao meu amor d'algum dia.

1360 1361

Tudo o que te prometi Uma silva me prendeu,

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Eu desejo realizar; Outra me deu a prisão,

Eu só vivo para ti, Outra me deu o dinheiro

Isso te posso afirmar. Para a minha liberação.

1362 1363

Tu me fizeste esquecer Um delírio tão tristonho

Outro amor que já amei; Eu julgo que nunca vi:

Ao ver-te a vez primeira, Se durmo, vejo-te em sonho,

Meu amor, te consagrei. Se acordo, só penso em ti.

1364 1365

Tu não julgues por me rir Um dia te hei-de encontrar

Que já me tinhas na mão; Numa quelha sem saída;

Não sou eu tão rabaceira Eu te quero perguntar:

Que apanhe a fruta do chão. Que te importa a minha vida?

1366 1367

Tu tens olhinhos pretos Um gesto ganha sentido,

Como o retroz de coser; Quando disfarça o amor;

Nascemos um para o outro, Um rosto, quando é fingido,

Que lhe havemos de fazer? Fica por grande traidor.

1368 1369

Uma hora cada dia Vai, carta feliz, voando

Porque mais não pode ser; Pelas asas do avião,

Bem dabes que neste tempo Vai dizer ao meu amor

Tenho muito que fazer. Que o quero do coração.

1370 1371

Um amor como eu tenho Vai-te, carta feliz, voando

Julgo que ninguém o tem; Por essas terras sem fim,

Fala-me nas marés vagas, Vai dizer ao meu amor

Quando não há mais ninguém. Que se não esqueça de mim.

1372 1373

Uma noite, à meia-noite, Vai-te carta, vai-te carta,

Ouvi um belo cantar; Responde e sabe falar;

Eram os anjos do céu Já que eu não posso ir,

E a sereia do mar. Vai carta no meu lugar.

1374 1375

Vai-te, carta venturosa, Venho aqui de tão longe,

Que lindos olhos vais ver; Meu amor, p'ra te falar;

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Carta, põe-te de joelhos, Diz-me lá se sim ou não

Quando te forem ler. Me arranjas um lugar.

1376 1377

*Vai-te carta voando Venho aqui de tão longe,

Nas asas dum passarinho, Meu amor, só p'ra te ver,

Vai levar ao meu amor Passando altos e baixos

Um abraço e um beijinho. Em perigo de me perder.

1378 1379

Vai-te embora, meu amor, Venho aqui de tão longe

Não digas que vais daqui; Sem descanso nenhum ter,

Já tenho outra namorada, Rompendo montes e vales,

Já não preciso de ti. Meu amor, para te ver.

1380

Viva Arga, Castanheira,

Santo Aginha, Cabração,

Nestas quatro freguesias

Navega o meu coração.

QUADRAS DIVERSAS

Nesta secção, englobo todas as quadras que se não enquadravam com facilidade nos temas anteriores.

Aqui o leitor tem a oportunidade de encontrar, encerrados em quatro versos, autênticos conceitos da vida: Que

importa perder a vida / Em luta contra a «traição» / Se a razão mesmo vencida / Não deixa de ser razão ( A. Aleixo ).

Eis um retrato da vida quotidiana do povo, transmitido pela poesia.

A economia, o trabalho, o nascimento, o casamento, o falecimento, a educação, a religião, tudo faz parte da

vida e da poesia. Trabalhos e canseiras, vitórias e derrotas, alegrias e tristezas, esperanças e planos são objecto de

cantigas populares.

1381 1382

A água do nosso rio A carrasquinha do monte

Nasce à beira da açucena; Adivinha a Primavera;

Não faças pouco de mim, Eu só queria adivinhar

Que não te merece pena. A tua ideia qual era.

1383 1384

A água do rio Lima A carta que te mandei

Passa por debaixo da ponte; Foi escrita depois da ceia;

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Quem quiser a rosa alegre Uma notava, outra escrevia,

Ponha-lhe o cravo defronte. Outra pegava na candeia.

1385 1386

A azeitona miudinha Aceita o meu coração,

De madura escureceu; Não o dividas com ninguém;

Não há falas como as tuas, Não queiras que mais que uma

Nem coração como o meu. Chame sogra à tua mãe.

1387 1388

Abençoado jardim Adeus, que me vou embora

Que lindas rosas criou; Para a semana que vem;

Abençoadas as mãos Quem não me conhece, chora,

Que do jardim as tirou. Que fará quem me quer bem.

1389 1390

Abranda rapaz, abranda, À entrada desta rua,

Essa tua opinião; À saída desta terra,

As pedras também abrandam Prometeram-me uma rosa,

Aquelas que duras são. Não me vou daqui sem ela.

1391 1392

Abre-te, cana da Índia, À entrada desta rua

Que te quero ver o meio; Dei um ai que nunca dera;

Quantas vezes se não fala Recolheram-se as estrelas,

Por causa de ter receio. Saíu-me o sol à janela.

1393 1394

A cantiga que se canta *A folha da oliveira

Não se canta duas vezes; Deitada ao lume estala;

A semana tem sete dias Assim é meu coração,

E o ano tem doze meses. Quando para ti não fala.

1395 1396

A capa dos estudantes A folha da vinha branca,

É um jardim de flores; De amarela quer cair;

Toda cheia de remendos, Já me tiveste na mão,

Cada um de várias cores. Não me deixasses fugir.

1397 1398

A folha da vinha branca, *Agora é que eu vou cantar,

De noite relampedeja; Ajudai-me, raparigas;

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Dá-me o ar da tua graça, Agora é que eu vou saber

Desse que a ti te sobeja. Quais são as minhas amigas.

1399 1400

A flor da vinha bole, Agora é que eu vou cantar

Certo é que dá o vento; Na hora de Deus amem

Ninguém ponha seu sentido, Quem na hora de Deus canta

Onde não vê fundamento. Sempre lhe sucede bem.

1401 1402

A folha do castanheiro, Agora é que vou cantar

De amarela cai no chão; Para aliviar a minha ideia;

Muita menina se perde É um regalo cantar

Pela sua presunção. Depois da barriga cheia.

1403 1404

A folha do castanheiro Agora é que eu vou entrar

Tem biquinhos como a renda; Salinhas e corredores;

Quem tem o amor bonito Já me esquecia de dar:

Não pode ter melhor prenda. «Boas tardes, meus senhores».

1405 1406

A folha do sobreiro Agora já não se usa

É esbicada como a renda; Ir pedir a filha ao pai;

Quando chegar a casar, Entra-se pela porta dentro:

Quero homem, não fazenda. «Meu sogro, esta cá vai».

1407 1408

A formosura em ti Agora mais que nunca

É como a água no mar; Eu sinto bem o digo;

Por muito que se lhe tire Tu vai sonhando com Deus,

Nunca se pode acabar. Eu vou sonhando contigo.

1409 1410

A freguesia de Covas Agora, sim, já me lembra,

Tem leirinhas ao correr; Mas eu não conhecia,

É terra de muitas cabras, Deveras faz tanta diferença

Muitos cornos há-de haver. Como a noite faz do dia.

1411 1412

Agarrei o negro melro Agora vai-te gabar

Lá, debaixo do salgueiro; Que te dei um limão;

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Primeiro que o agarrasse Eu tirei-o do limoeiro,

Andei um ano inteiro. Tu tiraste-mo da mão.

1413 1414

Agora vou terminar Ainda ontem me perguntaram

Menino de perna alta; Que fiz à minha alegria:

A gente não deve dar Mandei-a para Lisboa,

Aquilo que lhe faz falta. Deve chegar qualquer dia.

1415 1416

Água leva o regadinho, Ainda te queria encontrar

Vai regar a quinta ao norte, Numa quelha sem saída:

Estes mocinhos de agora Que te queria perguntar

Pedem a Deus boa sorte. Que te importa a minha vida.

1417 1418

Água que nasce e não corre Ajuda-me aqui, ajuda,

Detrás da pedra faz lodo; Anda-me aqui ajudar;

Tu sabes com quem eu falo, Uma roda só não anda,

Não sabes por quem eu morro. Bem o podes considerar.

1419 1420

A guitarra quer que eu cante, A laranja de madura

A prima quer que eu padeça; Caíu ao tanque da neve;

O tocador da guitarra Mais vale a solteira triste

Quer que eu, por ele, endoideça. Que a casada bem alegre.

1421 1422

À guitarra toda oca A laranja foi à fonte,

Tiraram-lhe o coração, O limão foi atrás dela;

Por isso o andar de louca A laranja trouxe água,

A gemer de mão em mão. O limão o sumo dela.

1423 1424

Ai de mim, ai de você, Aldeia de Arga de Baixo,

Ai de nós ambos os dois; É um encanto de vida;

Ai de mim primeiramente, Tem um cravo na entrada,

Ai de você ao depois. Uma rosa na saída.

1425 1426

Ai de mim que já não posso Aldeia de Arga de Baixo,

Cantar como já cantei; Toda coberta de chita;

Com a água do rio Tejo No meio da Serra d'Arga,

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Minhas vozes derramei. Não há terra mais bonita.

1427 1428

*Ainda agora divisei Alegra-te coração,

Quem anda no terreiro; Que amanhã vamos embora;

Anda o cravo, anda a rosa, Vamos para a nossa terra

Anda o ramalhete inteiro. Dar alívio a quem chora.

1429 1430

Alegra-te, ó campo verde, À luz daquela candeia

Aí vem a Primavera; Tratei eu o meu casamento;

Aí vem o rouxinol Eu juro-te, candeiinha,

Cantar à tua janela. Que hás-de ir ao meu juramento.

1430 1431

*Alegria se a tenho, À luz deste candeeiro

Deu-ma Deus por natureza; Tratei o meu casamento;

Não posso considerar Não te apagues, candeeiro,

No meu coração tristeza. Que hás-de ir ao juramento.

1432 1433

Alegrias e tristezas A maçã da macieira

É conforme a criatura; É doce e a tona amarga;

Quantas vezes a pobreza É como o rapaz solteiro,

É mais feliz que a fartura. Hoje pega, amanhã larga.

1434 1435

Algum dia nesta terra A maçã do arcipreste

Tinha eu uma cadeira; Não apodrece nem cai;

Agora já se acabou Amizade que eu te tinha

Por causa da brincadeira. Era pouca, já lá vai.

1436 1437

Altas torres tem teu peito, A maçã que tu me deste

Eu a todas tenho ido; Não a comi, nem a dei;

Só ainda não pude ir Tenho-a na minha caixa,

Às torres do teu sentido. Com ela te pagarei.

1438 1439

Alumia-me, candeia, A maçã vermelhinha,

Que me quero ir deitar. Picada do rouxinol;

Eu não sei da tua cama, Se não fosse picadinha,

Como te hei-de alumiar? Era linda como o sol.

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1440 1441

Alumia-me, ó candeia, A maçã vermelhinha,

Que me quero ir deitar. Vermelhinha na macieira,

Sem torcida, nem azeite, Vermelhinha de casada,

Como te hei-de alumiar? Que faria de solteira.

1442 1443

À luz daquela candeia A minha mãe chamou-me Rosa,

Assentei meu casamento; Eu sou filha da roseira;

Não te apagues, luz acesa, Como me hei-de apartar

Hás-de ir ao meu juramento. Da rosa que tão bem cheira?

1444 1445

A minha mãe mandou-me à fonte, A mulher por ser pequena,

Eu quebrei-lhe a cantarinha; Ninguém tenha pena dela;

Ó minha mãe, não me ralhe, Pequena é pedra do sal,

A culpa não foi minha. Dá bom gosto à panela.

1446 1447

A minha mãe morreu ontem, A mulher que é mulher

Enterrei-a no palheiro, Não tem medo de ninguém;

Deixei-lhe um braço de fora Se não traz um pau com ela,

Para tocar o pandeiro. Outra ferramenta tem.

1448 1449

À minha porta está lama, Anda aqui para o pé de mim,

Menina, quem a faria? Anda aqui para a minha beira;

Fê-la quem anda de noite, Eu muito gosto de ver

Que eu só ando de dia. Os fatos à lavradeira.

1450 1451

À minha porta faz lama, Anda cá à minha beira,

À tua faz um lameiro; Chega-te para o pé de mim;

Tu nunca fales dos outros, Se as minhas falas são ásperas,

Sem olhares para ti primeiro. Meu coração não é assim.

1452 1453

A minha terra é prudente, Anda cá, amor ausente,

Uma vela muito antiga, Dar a mão à palmatória;

Qu'o passado foi história Um amor ausente de outro

Da sua gente tão amiga. Diz que vem ter à memória.

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1454 1455

Amor de mãe quem tiver Anda cá, meu bem deixado,

Deve guardá-lo no peito; Já te quero outra vez;

Não há amor de mulher Não quero que a gente diga

Que seja amor tão perfeito. Que eu te deixei de vez.

1456 1457

*A mulher é desgraçada, Anda cá, meu lindo bem,

Até no apertar da saia; Não me deixes ficar só;

Não há desgraça nenhuma Tu vais-te assim embora,

Que aos pés da mulher não caia. Sem consciência nem dó?

1458 1459

A mulher enquanto nova Anda cá para meus braços,

É a filha da loucura; Se tu vida queres ter;

Depois de que vai para velha Os meu braços são saúde

Nenhum diabo a atura. A quem está para morrer.

1460 1461

Anda cá que já te quero, Anda para a minha beira,

Nunca tu me queiras bem; Anda para o pé de mim,

Da fama sempre sou tua Se as minhas falas são ásperas,

Por esses mundos além. Meu coração não é assim.

1462 1463

Anda cá se queres água, Anda um peixe no mar

Os meus olhos te darão; Que se chama tubarão;

É pouca, mas bem clara, Se ele não comesse gente,

Nasce do meu coração. Dava-lhe o meu coração.

1464 1465

Anda comigo, Rosinha, Ando roto, esfarrapado,

Deixa a mãe que te criou; Bem pudera andar vestido;

Por muito que te ela dê, O ladrão do triste fado

Não te dá o que t'eu dou. Veste as meias comigo.

1466 1467

Anda comigo, Rosinha, A nossa serra de Arga

Deixa ficar a roseira; É uma serra de beleza;

Esta noite vem a chuva, Tem em todo o seu redor

Rosa molhada não cheira. Encantos da natureza.

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1468 1469

Andai moços, entrai todos, A nossa terra de Dem

No nosso serão gabado, Cheira muito a rosmaninho;

Que entra o sol pela porta É a aldeia mais bonita

E o luar pelo telhado. Que existe no nosso Minho.

1470 1471

Andais abaixo e acima, *Antoninho, ramo d'ouro,

Nem atais, nem desatais; Não vás à fonte beber,

Outros apanham peixinhos Está lá o ramo da morte,

Nos laços que vós armais. Não te posso ver morrer.

1472 1473

Andais a dizer que neve, Antoninho, ramo d'ouro,

Eu digo que já nevou; Fonte de toda a pureza;

À porta do meu amor Nos dias que te não vejo

A neve nunca coalhou. Sinrto em mim grande tristeza.

1474 1475

Andais sempre: À morte! À morte! Antoninho ramo verde,

A morte que culpa tem? Não vás à fonte beber;

A morte sem Deus querer Está lá o ramo da morte,

Nunca fez mal a ninguém. Não te posso ver morrer.

1476 1477

António, botão d'ouro, A oliveira do adro

Jardim da minha varanda; Tem a folha ao cai, cai;

Caixinha dos meus segredos, Ó que menino tão lindo

Onde o meu coração anda. Para genro de meu pai.

1478 1479

António de cabelo loiro, A oliveira que se queixa,

Caixinha dos meus anéis; Queixa-se e tem razão;

Se te queres casar comigo, Apanharam-lhe a azeitona

Vai preparar os papéis. E a rama fica no chão.

1480 1481

António, lindo António, *Ao loureiro de castigo

António, lindo rapaz, Deus lhe deu a baga preta;

Tens os olhos pisqueirinhos, Se te prometer, não falto,

Não sei se me enganarás. Pede a Deus que te prometa.

1482 1483

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António, lindo António, Ao saltar o regueirinho

Quem foi a tua madrinha, Pus o pé, molhei a meia;

Quem foi a santa mulher Não casei na minha terra,

Com os mesmos gostos que eu tinha? Fui casar à terra alheia.

1484 1485

António, ramo verde, A paz é muito abundante

Não vás à fonte beber; A todo o homem da terra;

Está lá o ramo da morte, O homem quer ir avante

Não te posso ver morrer. E vai procurar a guerra.

1486 1487

Ao amor dum franganote A pedra branca polida

Prefiro um homem feito; Que mói o trigo indiferente

Com lenha verde é difícil É como a roda da vida

Fazer fogueira de jeito. Que mói a vida da gente.

1488 1489

Ao lado da Serra d'Arga, A perdiz canta no monte,

Onde fica a minha aldeia, Sem ter medo de ninguém;

Na linda terra de Dem, Eu também canto sem medo,

Onde o meu amor passeia. Não devo nada a ninguém.

1490 1491

A oliveira do adro A pobreza não é crime,

Com certeza tem virtude; É crime ao dever faltar;

Passei lá, estava doente É crime não ter coragem,

E logo tive saúde. É crime não trabalhar.

1492 1493

A pomba leva no bico Aqui se aparta o caminho,

Dois suspiros floridos; Aqui se aparta a feição,

Dois corações separados Aqui se apartam os amores

Que esperam ser unidos. Do meu lindo coração.

1494 1495

À porta da minha sogra Aqui tens meu coração,

Estão dois cravos iguais; As chaves para o abrir;

Do mais velho gosto muito, Não tenho mais que te dar,

Di mais novo gosto mais. Nem tu mais que pedir.

1496 1497

À porta do cemitério Aqui tens meu coração,

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Está um letreiro de chumbo, Mata-o se queres, meu bem;

Aonde vão acabar Mas vê que estás dentro dele,

As vaidades deste mundo. Se o matas, morres também.

1498 1499

A Primavera ausentou-se, Aqui tens meu coração,

Deixou as flores do campo; Se o queres matar, podes;

Eu também me ausentei Mas tu andas dentro dele,

De quem me queria tanto. Se o matas também morres.

1500 1501

Aquela mulher casada Arcipreste de madeixas

Que tem com a minha vida? Foi causa que eu nunca vi;

Já não se lembra do tempo Não te gabes que me deixas,

Que ela era rapariga. Que eu nunca te pretendi.

1502 1503

Aquele menino pensa Arcipreste não se rega,

Que não há outro no mundo; Que ele na frescura nasce;

Não é o caldo tão gordo Amor firme não se muda

Que não se lhe veja o fundo. Por mais martírios que passe.

1504 1505

*Aquele navio novo Arcipreste verde e triste,

Jura que me há-de levar; Quando hás-de ser alegre?

Eu juro que não hei-de ir Esse teu corpo bem feito,

Passar as ondas do mar. Quando me há-de ser entregue?

1506 1507

Aqui me tendes, matai-me, A religião e a língua,

Se a morte vos mereço; Os costumes e a cultura

Quando não, aliviai-me Luz da civilização

Duma pena que padeço. Que ainda hoje perdura.

1508 1509

A rocha do mar batida As cantigas ao desafio

Não é mais firme do que eu; Comigo ninguém as canta;

Escusas de ter receio, porque Eu tenho quem m'as ensine,

Quem quer bem, nunca esqueceu. Meu amor é estudante.

1510 1511

A rolinha rola, rola A silva da minha casa

Po cima da oliveira; Vai beber à cantareira;

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Viva lá, senhor Agostinho Que alegria o meu pai tem

E mais a sua companheira. Por me ver sempre solteira.

1512 1513

*A rosa para ser rosa A silva nasce da silva,

Deve ser de alexandria; A silva nasce do chão;

A mulher para ser mulher O amor nasce da alma

Deve chamar-se Maria. Da raiz do coração.

1514 1515

A rosa que tens ao peito, *A silva que a mim me prende

Meu amor, quem ta deu? Da tua janela nasce;

Deita-me essa rosa fora, Não me prendeu vez nenhuma

Tua rosinha sou eu. Que eu dela não me vingasse.

1516 1517

Arregala-me esses olhos, A silva que me prende

Por baixo dessas pestanas, Da tua janela nasce;

Que eu quero ver ao meu gosto Nunca a silva me prendeu

As luzes com que me enganas. Que eu dela me não livrasse.

1518 1519

*A salsa é para o gosto, As meninas do Tojal

Eu também gosto de ti; São pequenas, mas valentes,

Se eu não te procurar, Trazem as pias dos porcos

Lembra-te que já morri. Atravessadas nos dentes.

1520 1521

A saltar o regueirinho, As moças da minha idade

Água sobe e água desce; Usam meias de canelo;

Dei a mão ao meu amor, Para não se ver o melhor,

Não quis que ninguém soubesse. Saias pelo tornozelo.

1522 1523

A saltar o regueirinho, As moças da minha terra

Ó priminho, dá-me a mão; São bonitas de verdade;

Se não fosses meu primo, Já sabem tirar cantigas

Ou ma darias ou não. Como poucas da cidade.

1524 1525

À sombra do ramadinho *As telhas do teu telhado

Estão chovendo umas pingas; Deitam água sem chover;

Todos bailam, todos cantam, Trocaste-me a mim por outra,

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Só eu estou torcendo linhas. Ainda te hás-de arrepender.

1526 1527

A sorte, nós bem sabemos, As tuas cartas eu tenho

É tal qual uma mulher; Dentro duma saudade;

Que quer, quando nós não queremos, Dentro de um cofre de mágoas

E, quando queremos, não quer. Para toda a eternidade.

1528 1529

As penas dos passarinhos As tuas palavras são

Não são iguais às da gente; Andorinhas a voar;

Quem me dera ter as deles Entram no meu coração,

E das minhas ver-me ausente. Mas lá não querem ficar.

1530 1531

As penas leva-as o vento, Até me custa contar-te

Aquelas que leves são; O sonho que eu sonhei;

Mas não há vento que leve Mas antes que me perguntes,

As penas do meu coração. Sempre então te contarei.

1532 1533

As raparigas do campo Atira ladrão, atira,

Ouvem-se ao longe cantar; À pomba que está na eira;

É como o sino da aldeia Ó ladrão, que me mataste,

Que até se ouvia no mar. Que era a minha companheira.

1534 1536

Asseei-me, penteei-me Atiraste ao meu peito

O meu cabelo ó p'ra trás, A parte mais delicada;

Com uma travessa de ouro A quem o meu peito atira

Que me deu o meu rapaz. Pouco bem lhe quer ou nada.

1537 1538

As sete estrelas caíram Atiraste e mataste,

Mesmo à beira do tanque; Coração d'alma perdida;

Quem vem aqui para te ver, Agora põe-te a chorar

Ainda te quer bastante. Que me querias dar a vida.

1539 1540

*As telhas do teu telhado, Atira-te daí a baixo,

As pedrinhas do teu muro, Encosta-te à fortaleza;

Essas o podem dizer Encosta-te ao ramo d'ouro,

As vezes que te procuro. Que o de prata é baixeza.

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1541 1542

Atirei com uma laranja A vida do marinheiro

Por cima de Braga fora; É uma verdade pura;

A laranja caiu dentro, Anda sempre navegando

Adeus, Braga, vou-me embora. Por cima da sepultura.

1543 1544

Atirei com um limão verde A vida tem rosas e espinhos

Por cima de Braga fora; E há beijos com tanto mel;

Adeus, meu amor, adeus, As cantigas são tão bonitas

Quarta-feira vou-me embora. Que enfeitam cravos de papel.

1545 1546

Atrás de ti, meu amor, Bebe muito pouco vinho,

Meus olhos chorando vão; Rejeita sempre a aguardente;

Como os soldados na guerra Quem deste líquido toma

Atrás do seu capitão. Por força quer ser doente.

1547 1548

A tua boca é uma rosa, Bem perdeu o senhor cuco

Os dentes são as folhinhas; Casar com a cotovia;

As tuas faces mimosas Mas não quer o senhor cuco

São duas lembranças minhas. Mulher que tanto assobia.

1549 1550

A tua imagem eu tenho Bons dias, ó camponesa,

Gravada no coração; Formosura de tentar;

O dia em que não te vejo, Por bondade me respondas:

Eu estalo de paixão. Que fazes neste lugar?

1551 1552

À tua porta briosa Bons dias, ó padeirinha,

Desejava eu morar; Não aumentes meus reveses;

Queria ver o teu brio Conversa um pouco comigo,

O que vinha ainda dar. Deixa esperar os fregueses.

1553 1554

À tua porta morri, Bota-me daí abaixo

Trata de me enterrar; Um cravo branco à rua;

Na tua mão tenho a vida, Que eu não me vou embora

Se tu ma quiseres dar. Sem uma lembrança tua.

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1555 1556

A vaidade é muito linda Bota-me daí a baixo

P'ra quem a puder manter; Um molhinho de goivos;

Quem julga que é mais, é menos, Este ano namoramos,

Toda a vida ouvi dizer. Para o ano seremos noivos.

1557 1558

Cabelinho aos anéis Cantai, raparigas todas,

Só o meu amor o tem; Guardai o que vosso é;

Se o meu amor não tivesse, Às que não cantam, nem dançam

Não o tinha mais ninguém. Também lhes escorrega o pé.

1559 1560

Cada vez que considero Cantai, raparigas todas,

Desta minha pouca sorte, Mas não canteis muito baixo;

Levanto as mãos a Deus Para cantar e dançar

Cem vezes, pedindo a morte. Cá estão os de Arga de Baixo.

1561 1562

Cada vez que considero Canta-me uma cantiguinha,

Esta minha infeliz sorte, Canta a quem as não sabe;

Levanto as mãos para Deus Antes que teu pai não queira,

Para Lhe pedir a morte. Menina, é da sua vontade.

1563 1564

Caia bem esta parede, Canta-me uma cantiguinha

Dá-lhe mais uma demão; Dessas que o meu amor sabe;

Toma cuidado, não caia As minhas estão na gaveta,

Alguma pinga no chão. Perdi o posto à chave.

1565 1566

Candeia que não dá luz Canta, minha voz dum anjo,

Não se põe na parede; Que eu por anjo te venero;

O amor que não é firme Se te chegar a lograr,

Não se faz firmeza nele. Nada mais no mundo quero.

1567 1568

Canta amor, que eu também canto, Canta, rapariga, canta,

Já que outra vida não temos; Não te estejas a trigar;

Anda a morte pelo mundo, O que tu não souberes,

Cedo nos apartaremos. Eu estou aqui p'ra te ensinar.

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1569 1570

Cantai, cantai raparigas, Canta, rapariga, canta,

Que eu vos ajudarei; Não tenhas opinião;

Se vos virdes afrontadas, Se tu cantas por dinheiro,

Eu vos desafrontarei. Toma lá meio tostão.

1571 1572

Cantai, raparigas todas, Canta, rapariga, canta,

Alegrai a vossa terra; Quero ouvir a tua voz;

O tempo da mocidade Que a trazes guardadinha

É como o da Primavera. Dentro da casca da noz.

1573 1574

Canta, rapazinho, canta, Canto bem e canto mal,

Cantigas que a gente ouça; Canto de toda a maneira

Se não sabes as cantigas, Tenho ouvido dizer

Vai roer tojo à bouça. Que o cantar não vai à feira.

1575 1576

Cantaste-me uma cantiga, Cãozinho que ladra, ladra,

Nela não estive atento; A gente deve sentir

Deitei a mão ao chapéu Malandros, que andam de noite,

Para não me fugir com o vento. Vão-se deitar a dormir.

1577 1578

Cantiga requer cantiga, Casei-me com uma velha

Uns cantam bem, outros mal; Por causa da filharada;

Para as tirar da memória, O diabo leve a velha,

Como eu não há igual. Deu-me dez duma ninhada.

1579 1580

Cantigas ao desafio Casinhas avarandadas

Comigo ninguém as cante; Só o meu amor as tem,

Eu tenho quem m'as ensine, Hei-de mandá-las fazer

O meu amor é estudante. Avarandadas também.

1581 1582

Cantigas quem quer as canta, Castanheira, minha terra,

Uns cantam mal, outros bem; Rio d'abutres, meu lugar,

Para as tirar da memória, E Arga é o desterro

Como eu não há ninguém. Onde me eu hei-de enterrar.

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1583 1584

Cantigas são cataratas, Castanheiro sem ouriços

As falas leva-as o vento; Que castanhas pode dar?

Quem se fia em cantigas E um pobre sem dinheiro

Ou é tolo ou não tem intendimento. Que amores pode tomar?

1585 1586

Cantigas são desafios, Chamais à amoreira, triste,

Já há tempo isso sei; Vós que tristeza lhe achais?

Vós cantais o que quiserdes, Amoreira dá a sede

Eu canto aquilo que sei. Com que vós vos saciais.

1587 1588

Cantigas são desafios, Chorai olhos, chorai olhos,

Nem as quero, nem as sei; Lágrimas caem ao chão;

Eu nunca fui à escola, Amanhã por esta hora

Nem o tempo lá passei. Eu estarei aqui ou não.

1589 1590

Chora, José do Egipto, Como a mãe ama o filho

Por seu pai que era Jacob; Com carinho e com ternura;

Eu também choro e grito Assim eu ati te amo,

Por me ver no mundo só. Inconstante criatura.

1591 1592

Cinco com quatro são nove, Como Arga e o Cerquido

Meu amor, já sei contar; Já não há no mundo todo;

Enganaste-me uma vez, Temos p'ra nossa defesa

Não me tornas a enganar. A raposa e o lobo.

1593 1594

Coimbra, nova cidade *Como as aves do campo

Onde se formam doutores, Eu me quero comparar;

Onde se andam formando Andar cobertas de penas

Os meu primeiros amores. E o seu regalo a cantar.

1595 1596

Coimbra sem estudantes Como és vil, humanidade,

É um jardim sem flores, Não olhes para as aventuras;

Uma guitarra sem cordas, As chagas da sociedade

Um coração sem amores. Podes curar e não curas.

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1597 1598

Coitadinho de quem tem Como quem vive nas trevas

Meninos para embalar Privado da luz do dia;

Quantas vezes a mãe canta Assim vive a minha alma,

Com vontade de chorar. Sem a tua companhia.

1599 1600

*Coitadinho do mentiroso, *Como os passaros do campo

Mente uma vez, mente sempre; Eu me quero camparar;

Ainda que fale verdade, Andam vestidos de penas,

Todos lhe dizem que mente. O seu alívio é cantar.

1601 1602

Coloquei o meu sentido Com três letrinhas apenas

Numa pedrinha no mar; Se escreve o nome mãe;

O meu sentido não se muda, É das letras mais pequenas

Só se a pedra mudar. A maior que o mundo tem.

1603 1604

Com andorinhas do campo Coração ao pé da boca

Eu me quero comparar; Faz o peito que regala;

Andam cobertas de penas, Em certas ocasiões

Seu alívio é cantar. Rebenta-se e não fala.

1605 1606

*Cravo roxo à janela Da banda de lá do rio

É sinal de casamento; Tem meu pai um castanheiro;

Menina, recolha o cravo, Dá castanhas em Agosto,

De casar ainda tem tempo. Uvas brancas em Janeiro.

1607 1608

Cravo vermelho ao peito Dai-me vinho, dai-me vinho,

É sinal de casamento; Água não posso beber;

Tira o cravo, põe a rosa, A água cria salgueiros,

Que o casar ainda tem tempo. Tenho medo de morrer.

1609 1610

Cuidado, menino, cuidado, *Da janela de meu pai

Não esperes que as voltas te mudem; Via o quintal do meu sogro;

Repara se estás enganado, Antes queria ver o filho

Porque as aparências iludem. Do que aquele quintal todo.

1611 1612

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Cuidas que não é pecado Dá-me água, dá-me água

Enganar uma donzela, Pelo jarro de beber;

Prometer-lhe casamento, Dá-me cá esses teus braços

Depois não casar com ela. Que neles quero morrer.

1613 1614

Cuidavas por me ver rir Dá-me uma pinguinha d'água

Que de paixão morreria; Das fontes desse teu peito,

Vai-se um amor, fica outro, Que daquela donde eu venho

Fico na mesma alegria. Nem as fontes águas deitam.

1615 1616

Cuidavas por me ver rir *Da minha janela à tua,

Que já me tinhas na mão; Do meu coração ao teu,

Eu não sou tão rabaceira Hei-de fazer um barquinho,

Que apanho fruto do chão. O navegante ser eu.

1617 1618

Cuidavas que eu te queria *Da outra parte do rio

Olhar o engano do mundo, Tem meu pai um castanheiro;

Já deitei meu pensamento Dá uvas brancas em Agosto

A outro poço mais fundo. E castanhas em Janeiro.

1619 1620

Da banda de lá do rio, Da rosa gosto do cheiro,

Da outra banda de lá Da rosa gosto do pé;

Tem meu pai um laranjal Gosto da folha do meio

Que muitas laranjas dá. E só na rosa tenho fé.

1621 1622

Das mentiras que disseste Deita-te daí abaixo,

Fiz um bonito colar; Laranja da laranjeira;

É verdade, não quiseste Eu te apanharei nos braços

O meu pescoço enfeitar. Ou no lenço da algibeira.

1623 1624

Davidinho treme, treme *Deitei o cravo de molho

Como o junco da junqueira; Fechado, saíu-me aberto;

Também eu lhe hei-de tremer É um regalo na vida

Rosinhas à cabeceira. Enganar a quem é esperto.

1625 1626

De andar de roda da eira, Deitei o preto por luto,

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Já quase me dava o sono; O branco por bezerria;

Dançai, raparigas todas, O verde por esperança

Trabalhai para o mesmo dono. De te lograr algum dia.

1627 1628

*Debaixo da malva rosa Deitei um limão rolando,

Está uma noiva a chorar; À tua porta parou;

Não chores noiva, não chores, O diabo do limão

Que é um regalo casar. Parece que adivinhou.

1629 1630

*Debaixoda pedra nasce Deitei um limão rolando,

Água clara sem lodo; À tua porta parou;

Todos ouvem meus suspiros, Quando o limão te quer bem,

Ninguém sabe por quem morro. Que fará quem o deitou.

1631 1632

Debaixo da trovisqueira Deitei um limão rolando,

Saíu a perdiz cantando; À tua porta parou;

Deixemos falar quem fala, Se te quero bem ou mal,

É mundo, vamos andando. O limão o demonstrou.

1633 1634

De encarnado veste a rosa, Dei um ai entre dois montes,

De verde o manjericão, Responderam-me as montanhas;

De branco veste a açucena, Meu amor, eu já não posso

De luto meu coração. Sofrer ausências tamanhas.

1635 1636

Deita o teu chapéu ao rio Dei um ai entre dois montes,

E faz dele embarcação; Respondeu-me uma montanha;

Lá em baixo encontrarás Eu não posso consentir

Pessoas da tua afeição. Ausência esta tamanha.

1637 1638

Dizeis que não pode ser Dizes que não pode ser

Laranjeira a dar limões; Uma silva dar um cravo;

Eu tenho no meu quintal Eu tenho aqui um ao peito

Nabiças a dar feijões. Que foi de lá tirado.

1639 1640

*Dizeis que não pode ser Dizes que não tenho cama,

Uma silva dar um cravo; Que dormia na terra fria;

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Aqui o trago ao meu peito Tenho cama, tenho roupa,

Na mesma silva pregado. Só me falta a companhia.

1641 1642

Dizeis que não tenho renda Diz-me por onde tens andado,

Para sustentar meu brio; Primavera das flores;

Tenho renda, faço renda, Já te rezei pela alma,

Ando com renda ao cutio. Lá o encontras quando fores.

1643 1644

Dizem bocas inocentes, Dói-me tanto a cabeça

Muitos corações palpitantes Que me quer cair ao chão;

Que os beijos mais ardentes Dai-me mais uma pinguinha

São os beijos dos estudantes. Para ver se ela cai ou não.

1645 1646

Dizem que a morte é negra, Do meu peito fiz igreja,

A morte que culpa tem? Do meu coração, altar;

A morte sem Deus querer Dos teus olhos, oratório,

Não leva de cá ninguém. Meu amor, para te adorar.

1647 1648

Dizem que é de justiça Donzela que está dormindo

O dar o seu a seu dono; Em cima do travesseiro;

Mas para que estragar as terras, Anda ver a triste sorte

Quem as deixa ao abandono. Que tem um rapaz solteiro.

1649 1650

Dizem que não há flores, Do outro lado do rio

Nem brancas, nem amarelas; Tem meu pai um castanheiro;

Mas esta nossa freguesia Dá castanhas todo o ano,

'Inda tem um ramo delas. Uvas brancas em Janeiro.

1651 1652

Dizes que morres por mim, E a freguesia de Dem

Eu isso não acredito; É pequena, mas tem graça;

Quem morre não vive mais, Tem um chafariz no meio,

Está no livro escrito. Dá de beber a quem passa.

1653 1654

É a guerra um martírio Em Trás-os-Montes alpestres

Envolvido na maldade; Com os seus vales sombrios,

É um imenso delírio Vi águas dos altos montes

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Que destrói a humanidade. Despenharem-se nos rios.

1655 1656

E depois dali para a frente Encantos e alegrias

Agora vos vou dizer; São frutos da natureza;

Não resisti a rasteira, Mas, por vezes, também há

Todos ma queriam meter. Lágrimas e muita tristeza.

1656 1657

E de tudo quanto vi Encontrei o dá e toma

Trouxe esta impressão afinal: Na rua do toma lá;

Que não há terra tão linda Eu nunca vi dá, sem toma,

Como o nosso Portugal. Nem toma, sem deita cá.

1658 1659

E mais ao sul, no Algarve, E no Douro verdejante

Terra das amendoeiras, Com vinhedos e choupais,

Vi os quentes, doces frutos Ouvi rouxinóis à noite

Que prendem lá das figueiras. Cantar suspiros e ais.

1660 1661

É mais difícil achar Entre as mãos frias de neve

Um verdadeiro carinho; Um raminho me hás-de pôr;

Do que conseguir pescar Pôr-me-ás cravos e rosas,

Um salmão no rio Minho. Esquecerás uma flor.

1662 1663

É meia-noite em ponto, E por isso a nossa terra

Está por nascer o luar; Tem um encanto de um jardim;

Nas faltas das cantadeiras Onde cresce o rosmaninho

Estou eu aqui para te ajudar. E viceja o alecrim.

1664 1665

É mesmo agora que eu canto, É porque no meu quintal

É mesmo agora que eu brinco, Pegadas de ladrão achei;

É mesmo agora que eu estou Se comeu das minhas uvas,

Na idade dos vinte e cinco. Isso agora é que eu não sei.

1666 1667

Em sonhos não há firmeza, Eras a luz dos meus olhos,

Toda a vida ouvi dizer; Eras o ser do meu ser;

São meus sonhos, fantasias, Eras a minha alegria,

Que não deviam ser. Eras todo o meu prazer.

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1668 1669

Escreveste o nome na água, Esta nossa freguesia

Coisa que não se podia; Cheia de uma paz total,

Mas o teu nome é tão lindo Onde há luz e verdade

Que até na água se lia. E o amor fraternal.

1670 1671

Escrevia-te uma carta, Esta rua escura, escura,

Se tu a soubesses ler; Não se vê nada por ela;

Para dar a ler aos outros, Bem podias, meu amor,

Tudo se vem a saber. Pôr candeias à janela.

1672 1673

Escrevi teu lindo nome Estes senhores que pedem

Na branca areia do mar, Que lhes cante uma cantiga;

Mas as ondas malcriadas Cantar-lhes-ei três ou quatro,

Vieram logo apagar. Que querem, senhores, que eu diga?

1674 1675

Escrevi teu lindo nome Estou aqui à tua beira,

Na branca areia do mar; Aqui à tua beirinha;

veio uma onda, levou-o Estou ao pé da tua graça,

E teu nome foi navegar. Ao pé da tua gracinha.

1676 1677

Escrevi o teu nome em água, Estou rouca, enrouquecida,

Coisa que não se podia; Não me passa a rouquidão,

Mas o teu nome é tão lindo Foi de cantar e bailar

Que até na água se lia. Na noite de S. João.

1678 1679

Esta alegria que eu tenho Estudante, deixa os livros

Deu-ma Deus por natureza; Esses grandes calhamaços;

Que eu não posso consentir Que a ciência, hoje em dia,

No meu coração tristeza. Está nas mãos e nos braços.

1680 1681

Estais mortos por chegar Eu andei no cemitério

Ao meu coletinho branco; Da meia-noite para a uma,

Ao colete chegareis, O meu dote respondeu;

À forma não, por enquanto. Não tens planta nenhuma.

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1682 1683

Esta noite choveu ouro, Eu armei uma gaiola

Diamantes orvalhou; Em cima do teu telhado;

Aí vem o sol divino Eu armei-a, desarmei-a,

Enxugar quem se molhou. Tenho o melrinho caçado.

1684 1685

Eu ausente, tu ausente, Eu fiz um juramento

Vivemos os dois assim; Que espero não o quebrar,

Diz-me lá, ó meu amor, É conservar-me solteiro,

Quando a ausência terá fim. Enquanto não me casar.

1686 1687

Eu bem sei que sabes, sabes, Eu fui nascida em Dem

Eu bem sei que sabes bem, E também fui baptizada,

Eu bem sei que sabes dar Eu cá tenho o meu amor

A razão a quem a tem. E cá hei-de ser casada.

1688 1689

Eu bem sei que estás rindo Eu fui uma das que disse,

Do meu alegre cantar; Encostada à solidão:

Eu sou rapariga nova, Qual é a tola da mulher

Só canto para não chorar. Que por homens tem paixão?

1690 1691

Eu bem sei que tu te rias, Eu gostava de poder

Se eu caísse no chão; Dizer-te tudo o que sinto,

Mas, se caíssemos juntos, Mas é melhor não dizer

Que tal era o trambolhão! Para não pensares que minto.

1692 1693

Eu casei-me com uma velha Eu gostava de ser homem,

Por ter medo à filharada; Só para poder ser soldado;

Mas o diabo da velha Não me escapava uma moça,

Trouxe sete duma ninhada. Quando andasse fardado..

1694 1695

*Eu casei-me por um ano Eu hei-de ir a Braga

Para ver a vida que era; Comprar uma carapuça;

O ano vai acabando, Quem tem raiva que enraiveça,

Solteirinha, quem me dera. Quem tem catarro que tussa.

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1696 1667

Eu conheço no moinho Eu hei-de ir ao céu em vida

Quando ela pede grão; Para ver o que lá vai:

Eu conheço nos teus olhos, Tantas mulheres sem marido,

Se me queres bem ou não. Tantos filhinhos sem pai.

1668 1669

Eu cortei à minha saia, Eu hei-de ir ao teu jardim,

Já de mim não falarão; Se achar a porta aberta;

Não pensei que a minha saia A flor de Alexandria

Causasse murmuração. Onde está, logo penetra.

1670 1671

Eu hei-de ir para o Brasil, É um regalo na vida

Ainda que não ganhe dinheiro; À beira da água morar;

A qualquer parte que chegue: Quem tem sede, vai beber,

Viva o senhor brasileiro. Quem tem calma, vai nadar.

1672 1673

Eu hei-de mandar fazer, É um regalo na vida

Ou ele já estará feito, Ter amores ao desdém;

Um anel para o meu dedo Mostrar carinhos a todos,

E um cravo para o teu peito. Não ter amor a ninguém.

1674 1675

Eu hei-de mandar fazer Eu passei no cemitério

Uma chave ao serralheiro, Com a gravata encarnada;

P'ra fechar teu coração Eu pensei que isto era um baile,

Na gaveta do dinheiro. Afinal é uma tourada.

1676 1677

Eu hei-de mandar fazer Eu passei no cemitério

Um parapeito de vidro Da meia-noite para a uma;

Fechado de diamantes De lá me responderam:

Para me fechar contigo. Não tens vergonha nenhuma.

1678 1679

Eu ia por aqui abaixo Eu pedi o leite à vaca,

Com o meu machadinho às costas, A vaca pediu-me a erva;

Todo o mundo me dizia Eu pedi a erva ao campo,

Que eu ia cortar canhotas. O campo pediu-me a rega.

1680 1681

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Eu ia visitar-te, Eu não sei o que é que ouvi

Tropecei na calçada; Lá para os lados do nascente;

Quando bati à janela, Uma voz de uma flor

Já tu estavas deitada. Que cantava lindamente.

1682 1683

Eu já fui ao teu pombal, Eu não sei o que fazia,

Eu já fui ao teu pombeiro; Se algum dia te encontrasse;

Eu já comi dos teus frutos Talvez de tanta alegria,

E não fui o primeiro. Em lugar de rir, chorasse.

1684 1685

Eu moro mesmo no adro, Eu não sei porque razão

Mesmo detrás da igreja; Certos homens, a meu ver...

Rezo as minhas orações Quanto mais pequenos são,

Onde todo o mundo veja. Maiores querem parecer.

1686 1687

Eu não sei que quer Viana Eu sempre gostei de ouvir

Que tanto chama por mim; Quem no mundo canta bem;

Ou eu quero ver Viana, Quem não tem com que pagar,

Ou Viana ver-me a mim. Pagará, cantando também.

1688 1689

Eu não sei que significa *Eu sou cravo, tu és rosa,

O nevoeiro na serra; Qual de nós valerá mais?

Significa lealdade, Tu és cravo dos jardins,

Pouco vejo nesta terra. Eu sou rosa dos quintais.

1690 1691

Eu queria ir ao céu Eu sou livre como as aves

Para ver o paraíso, E passo a vida a cantar;

Para ver se lá encontro Coração que nasce livre

Gente nova com juízo. Não se pode suportar.

1692 1693

Eu queria, meu amor, Eu sou o sol, tu és a sombra,

Ter poder de adivinhar Qual de nós será mais firme?

O que estão a ver teus olhos, Eu como sol a querer-te,

Quando te vejo a pensar. Tu como sombra a fugir-me.

1694 1695

Eu queria, se morresse, Eu sou o sol, tu és a sombra,

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Tornar a ressuscitar Qual de nós será mais querido?

Para vir do outro mundo, Sombra de Verão é regalo,

Depois a este contar. Sol de Inverno é apetecido.

1696 1697

Eu sei que queres chegar Eu num dia fui à feira,

Ao meu coletinho preto; Não sei como aquilo foi;

Ao colete chegareis, Comprei uma vaca leiteira,

À forma não vos prometo. Cheguei a casa era um boi.

1698 1699

Eu semeei no meu quintal Eu vim de tão longe,

Uma semente de repolho, Somente para te ver;

Nasceu-me um velho careca Queria dar-te duas falas,

Com uma batata no olho. Diz-me lá, se pode ser.

1700 1701

Eu sempre disse e digo Eu vou-me daqui embora,

E não me passa de ideia; Antes que me mande alguém;

Nunca foi o meu costuma O muito tempo enfada,

Gabar-me em terra alheia. O pouco parece bem.

1702 1703

Eu vou por aqui abaixo Fui à fonte dos amores,

Como quem vai a nada; Vim pela dos namorados;

Vou ver a minha «preirinha» Enchi o cântaro de rosas,

Que nunca foi abanada. Fiz a rodilha de cravos.

1704 1705

Falai por eu usar calça, Fui ao céu por uma linha,

Isso não é o bastante; De uma nuvem fiz encosto;

A calça faz, para mim, Dei um beijo numa estrela,

Toda a mulher elegante. Pensando que era teu rosto.

1706 1707

Faz calor que queima o mundo, Fui ao céu por uma linha

À beira da água vai vento; E desci por um novelo;

Muito enganado anda Não há coisa que mais custe

Quem comigo perde tempo. Que a dor de cotovelo.

1708 1709

Faz-me pena esta Maria Fui ao jardim das flores,

Que é muito boa pequena; Nenhuma pude arranjar;

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Mas é raríssimo o dia Apanhei as saudades,

Que não lhe esqueça a pena. Meu amor, p’ra te mandar.

1710 1711

*Fechei na mão um sorriso *Fui ao jardim passear

Da tua boca formosa; Para espalhar uma dor;

Quando fui abrir a mão, Encontrei o teu retrato

Tinha-o todo em cor-de-rosa. Na mais brilhante flor.

1712 1713

Fragalheira, monelheira, Fui ao mar buscar laranjas, Vizinha da minha porta; É fruta que o mar não tem;

Mete-te na tua vida Venho toda molhadinha

Que a minha pouco te importa. Das ondas que vão e vêm.

1714 1715

Fui à fonte de mil cravos Fui ao mar para ver peixes,

E passei por a de mil rosas; Ao jardim para ver flores,

Enchi o cântara de cravos À igreja para ver Santos,

E fiz a rodilha de rosas. Aqui para ver amores.

1716 1717

*Fui à fonte dos amores, Fui ao rio para pescar,

Regressei pela dos cuidados; Ao jardim para ver flores,

Enchi o cântaro de rosas, À igreja para ver Santos,

Fiz a rodilha de cravos. À aldeia para ver amores.

1718 1719

Fui confessar-me e disse: Gosto de quem canta bem,

Cometi um grande pecado, Que é uma prenda bonita;

Comi carne à Sexta-feira Não empobrece ninguém,

Um franganito assado. Assim como não enrica.

1720 1721

Fui lavar ao Rio Minho, Gosto de quem canta bem,

Escorregou-me o sabão; Que é uma prenda das boas;

Abracei-me com as rosas, Não enriquece ninguém,

Ficou-me o cheiro na mão. Mas dá valor às pessoas.

1722 1723

Fui nascida em Lisboa, Gosto muito de andar

Fui baptizada em Braga, Passo a passo sempre à frente;

Tirei licença no Porto, Quando dou passos atrás,

Para em Arga ser casada. Não fico nada contente.

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1724 1725

Fui rasgar as tuas cartas Gosto muito de passear

Nos escuros pinheirais, Pelos campos e jardins;

Para ver se me esquecias, Só não consigo espalhar

Cada vez me lembro mais. Estas mágoas sem fim.

1726 1727

Fui roubar um limão verde Gosto muito dos teus olhos,

Ao limoeiro do rei Muito mais gosto dos meus;

Para te curar o fastio, Se não fossem os meus olhos,

Se algum dia to causei. Não podia ver os teus.

1728 1729

Garganta, minha garganta, Gosto tanto da tristeza,

Garganta, minha beleza; Sinto-me tão bem assim,

Tu és a minha alegria, Que às vezes chego a Ter pena

Quando eu tenho tristeza. De quem tem pena de mim.

1730 1731

Gargantinha tinha eu, Goza enquanto puderes,

Se não estivesse tão rouca; Enquanto não te gozam a ti,

Comi sardinha salgada, Que eu sempre te gozei

Fez-me mal e era pouca. Desde o dia em que te vi.

1732 1733

Gostava de te dizer Há duas coisas no mundo

Uma coisa que cá sei; Que eu não posso compreender:

Mas quem cala, consente, Ser padre e ir para o inferno,

Tu consentiste e eu calei. Ser doutor e também morrer.

1734 1735

Há muitas estrelas no céu, Hei-de tirar um limão

Mas só uma ao pé da lua; Ao limoeiro do rei,

Há muitas caras bonitas, Para te tirar o fastio,

Mas nenhuma como a tua. Se fui eu que tu causei.

1736 1737

Há, na verdade, um assunto Herda-se toda a riqueza

Que me ficou bem na ideia: E conquista-se o poder;

O sujeito quando mata Mas amor e felicidade

Entra logo na cadeia. Precisamos de os merecer.

1738 1739

Hei-de amar-te às avessas, Hoje aqui neste deserto

Tu, mesmo assim, mo ensinas; Desgraça aonde me tem;

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Ó meu lindo amorzinho, Falo, ninguém me responde,

Seguirei tuas doutrinas. Olho, não vejo ninguém.

1740 1741

Hei-de cantar, hei-de rir, Igreja de Arga de Baixo

A tristeza não faz bem; Hei-de mandar-te varrer

Ainda não vi a tristeza Com uma vassoura de prata

Dar de comer a ninguém. Que de ouro não pode ser.

1742 1743

Hei-de casar-me para o ano Indo eu por aqui abaixo

Que é o ano de muito milho; À procura dos amores,

A sogra dá-me o moinho, Encontrei uma laranjeira

Mais o paspalhão do filho. Carregada de flores.

1744 1745

Hei-de ir daqui embora, Indo eu por aqui abaixo,

Sequer um ano ou dois; Às costas com o meu machado,

Quero ver as chocalheiras Toda a gente me dizia

O que dizem ó depois. Que eu era o meu pai pintado.

1746 1747

Hei-de perguntar um dia Indo pela rua abaixo,

Ao vento o que diz às flores; Olhei para trás e vi

Para saber se é só uma Um letreiro que dizia

A linguagem dos amores. «Não hei-de ser para ti».

1748 1749

Hei-de plantar um pinheiro Já comi e já bebi,

Na esquina do teu telhado; Já molhei minha garganta;

Quando o pinheiro der pinhas, Eu sou como o rouxinol,

Andarei ao teu mandado. Apenas bebe, logo canta.

1750 1751

Já comi uvas maduras Já não quero ser juiz

Da videira mal podada Vou entregar os papéis,

Da videira mal podada; Quero ser tabelião

Mais vale um pobre alegre Desses teus olhos cruéis

Que uma rica apaixonada.

1752 1753

Já fui canário do rei, Já não tenho coração,

Já lhe fugi da gaiola; Já mo tiraram do peito,

Agora sou pintassilgo No lugar dele ficou

Destas mocinhas d’agora. O mais belo amor perfeito.

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1754 1755

Já lá vai Abril e Maio, Janela de pau de pinho,

Já lá vão estes dois meses, De pau de pinho janela,

Já lá vai a liberdade Quem me dera estar ao lado

Com que te falava às vezes. De quem está nela.

1756 1757

Já lá vai o sol abaixo Janela sobre janela,

Deixai-o ir que eu não choro; Janela rente ao chão;

Cá na terra ainda fica Tanta menina bonita,

Outro sol que eu mais adoro. Nenhuma na minha mão.

1758 1759

Já lá vai o sol Já passei o mar a nado

Metido numa «mação»; Nas ondas do teu cabelo,

Já lá vai o brio todo Agora já não posso dizer

Ás moças da Cabração. Que passei o mar sem medo.

1760 1761

Já lá vai pelo mar dentro Já por ti tive paixão,

Quem Deus criou para mim, Já vivi apaixonada;

Ainda que o mar se torne em rosas Agora já não a tenho,

E o navio num jardim. Já vivo mais descansada.

1762 1763

Já me vejo no mar largo, Já puxei a giesta branca,

Perdi as vistas da terra; Já lhe fiz a diligência;

Já não vejo senão água, Ninguém deixe o sentido

Mar e vento eu me leva. Onde outro faça assistência

1764 1765

Já não quero ser artista, Já te não vale chorar

Já entreguei meus papéis; Lágrimas ao pé de mim;

Quero ser tabelião Sabias que eu era homem,

Desses teus olhos cruéis. Não te fiasses em mim.

1766 1767

Já tenho um vestido preto Josezinho, Carpinteiro,

Para vestir na tua ausência, Faz-me um carro com três rodas!

Tem colchetes de bondade Que eu quero ir a Lisboa

E botões de paciência. Buscar o livro das modas.

1768 1769

Já te paguei por amor Julga-se o baixo, subido

Muito mais do que devia; Por não conhecer quem é,

Vê lá se fazes favor Os argueiros nos seus olhos

De me dares a demasia. É coisa que ninguém vê.

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1770 1771

Já te podia Ter dado Julgavas que por m’eu rir

As chaves da minha vida; Que já me tinhas na mão;

Mas tornei-me a considerar Olha que o meu rir engana,

Que ainda era rapariga Não te quero, rapaz, não.

1772 1773

Já te quis, Já te não quero; Juraste aos altos céus

Já te perdi a afeição, Que me nunca deixarias;

Já te arrumei a um canto Agora já te não lembras

Fora do meu coração. Das juras que então fazias.

1774 1775

Já tive um gosto na vida, Juventude é alegria

Graças a Deus acabou; Que Deus ao mundo deitou;

Vou andando e vou olhando, Também me sinto feliz,

Feitio que me ficou. Que da juventude sou.

1776 1777

Joguei as cartas contigo, Lá na rua do Eirado

Perdi o meu coração; Anda tudo de amarelo;

Agora brincas comigo Chegando ao mês de Maio,

Por teres os trunfos na mão. Nem farinha, nem farelo.

1778 1779

José é Pinheiro verde Lá vem o barco à vela,

Que me dá sombra todo o Verão; Lá vem a andar de brio;

Todas as sombra acabam, Lá vem a casa amarela,

Só a tua, José, não. Que de longe mete fastio.

1780 1781

José, o teu nome é jóia, Lá vem o sol a nascer

Teu nome, jóia, José, Por entre nuvens sombrias;

Jóias trago-as em meu peito Quem diz que o sol é velho,

E José do meu peito é. Se nasce todos os dias?

1782 1783

Lembram-me esses teus olhos Limão, verde limão,

Essas faces tão coradas; Ó limão do recém nascido!

Essa boca tão bonita Ó limão que fazes andar

Que dá meiguinhas palavras Meu coração pensativo.

1784 1785

Lê-se um livro com carinho Limoeiro da calçada

E, ao deixá-lo, a prisão passa; Já não torna a dar limões

E ninguém segue o caminho Já lhe cortaram as guias

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Que a moral dos livros traça. Para prender os corações.

1786 1787

Leva-lhes esta última benção Limoeiro da calçada

Que derradeira lhe dou; Já não torna a dar limões

Vou partir! A sociedade Que lhe tiraram as folhas

Vingada, nisto ficou. Para unir os corações.

1788 1789

Levantei-me, fui à fonte Limoeiro da calçada

Ainda de madrugada; Que te hei-de dar um abano;

Meteram-me uma rasteira Ou tu hás-de dar limões

P’ra escorregar na calçada. Ou laranjas todo o ano.

1790 1791

Levantei-me um dia cedo Limoeiro da calçada,

E fui passear para o campo, Vou-te roubar um limão

Encontrei o teu nome Para tirar uma nódoa

Gravado num lírio branco. Que tenho no coração.

1792 1793

Levar a cruz ao Calvário Lisboa, praça das armas,

Nas altas ondas do mar Coimbra, dos estudantes,

É o fundo do rosário O Porto, dos mercadores,

Que a mulher reza no lar. Vila real, dos aviantes.

1794 1795

Liberdade, liberdade, Luar, linda e bela,

Quem a tem chama-lhe sua; Desliza, à vela, um barquinho;

Eu não tenho liberdade Enquanto à luz duma vela,

De sair de noite à rua. A mãe vela o seu filhinho.

1796 1797

Liberdade, liberdade, Malmequeres, bem-me-queres

Quem a tem chama-lhe sua; Tenho eu no meu jardim;

Quem me dera, João Brandão, Bem-me-queres acabou,

Ver-te no meio da rua. Malmequeres nunca têm fim.

1798 1799

Mandaste-me aqui vir, Manuel é pano fino

Que aqui havias de estar, Que se vai comprar à feira;

Eu vim e tu não viestes; Manuel é bonitinho,

Aqui não hei-de voltar. Não faltará quem o queira.

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1800 1801

Manda-te daí abaixo, Manuel, Manuelzinho,

Cara de limão maduro; Meu rico lau das tendas;

Eu te apanho nos braços, Se te quiserem falar,

Ou no chão, que é mais seguro. Diz que andas de encomenda.

1802 1803

Mandei buscar um limão * Manuel, Manuelzinho,

Ao limoeiro do rei, Tens nome do Senhor;

Para te tirar o fastio, Manuel, se fores padre,

Se fui eu que to causei Serias meu confessor.

1804 1805

Mandei fazer um relógio Manuel, tu és a neve,

Das pernas dum caranguejo, Da neve se gera o frio,

Para contar os minutos Também se pode gerar

Das horas que te não vejo. Um limão para o fastio.

1806 1807

Mandei-te um ramalhete Maria da Piedade;

De dois ais e um suspiro; Que piedade é a tua?

Deu-lhe o vento, desfolhou-se, Mataste o teu marido,

Não chegou ao seu retiro. Deixaste-o ficar na rua.

1808 1809

Manhã fresca de luar, Maria é moça nova,

À sombra da bela aragem, Solteira e não tem juízo;

Pus-me a contar as estrelas, Os passeios da Maria

Vi no céu a tua imagem. Só podem dar prejuízo.

1810 1811

Manuel é nome santo, * Maria, minha Maria,

Nunca me pode esquecer; Esta não é como as outras;

É o meu maior tesouro, Umas são Marias várias,

Eu por ele hei-de morrer. Outras são Marias loucas.

1812 1813

Manuel é pano fino Maria, minha Maria

Que se merca no mercado; Maria, meu ai Jesus!

Mercai, raparigas todas, O dia que te não vejo

Desse pano entrançado. Nem a candeia dá luz.

1814 1815

Maria, minha Maria, Matei a sede com água

Maria, minha beleza! A filhos de gente nobre;

Hei-de pintar o teu nome Hoje escondem-se de mim

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Numa maça camoesa. E riem-se de eu ser pobre.

1816 1817

Maria, minha Maria, Meiga lua, se pudesses

Negra vida te hei-de dar; Tudo o que vês escrever;

Nem hei-de casar contigo, Sem verter pranto, ninguém

Nem te hei-de deixar casar. Podia o teu livro ler.

1818 1819

Maria, minha Maria, Menina das laranjinhas,

Olhos de cão desarmado; Quantas dá por um vintém?

Se tu não me dizes nada; Dou uma a quem dá duas,

Fico para sempre enjoado. Dou três a quem me quer bem.

1820 1821

Mariana diz quem tem Menina de entre as meninas,

Sete saias de veludo; Eu não sei qual delas é;

Rompe, rompe, Mariana, Mandou-me aqui não sei quem;

Que o dinheiro paga tudo. Que vá lá, não sei onde é.

1822 1823

Marias da minha aldeia, Menina de olhos bonitos,

Todas vós sabeis urdir Foge de quem tem feitiço,

Dum certo linho uma teia, Que virtudes nas mulheres

Onde todas vão cair. Como o vidro é quebradiço.

1824 1825

*Maria, tu és na terra Menina do amarelo,

O que os anjos no céu são; Diga-me quanto custou

Se tu morresses, Maria, Que me quero vestir dele,

Morria o meu coração. Já que tanto me agradou.

1826 1827

*Mariquinhas, teu pai deu-te Meninas dos carrapichos,

Bem te podia matar Do cabelo aos anéis,

Por não teres o caldo feito Dorme com ele na cama

E a loiça por lavar. Embrulhado em papéis.

1828 1829

Mar sagrado, mar sagrado, Menina não tenhas prosa,

Quantas almas tens em ti; Tu não és menos, nem mais;

Já tens a do meu amor, Debaixo da terra fria

Já te vingaste de mim. Todos somos iguais.

1830 1831

Menina, prenda o seu melro Minha amora madurinha,

Que me vem ao meu quintal; Diz-me quem te amadurou:

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Se lhe solto o meu canário, Foi o sol e ageada,

O seu melro fica mal. O calor que me apanhou.

1832 1833

Menina, que estás a janela Minha gatinha parda,

A comer pão com queijo; Que em Janeiro me fugiu;

Faça da boca espingarda, Quem viu a minha gatinha?

Atire para cá um beijo. Você sabe, você viu?

1834 1835

Meu coração está fechado, Minha laranjinha doce,

A chave tem-na meu pai; Meu pessegueiro molar;

Quem está cá fora, não entra, Não passeia nesta terra

Quem está lá dentro, não sai. Quem a mim me há-de lograr.

1836 1837

Meu peito é uma sala Minha linda freguesia,

Que fecha dois cadeados; Carreirinho das formigas,

Por um lado fecha amores, Onde os rapazes se perdem

Por outro penas e cuidados. Por causa das raparigas.

1838 1839

Meu peito é um relógio Minha maçã madurinha,

Que de dentro tem gavetinhas, Navega, não vás ao fundo;

Onde guardo meus segredos, Ainda que eu queira, não posso

A mais as tuas falinhas. Tapar as bocas do mundo.

1840 1841

Meus senhores, não se admirem *Minha maçã vermelhinha

De eu cantar e não saber; Picada do rouxinol;

Eu sou rapariga nova, Se não fosses picadinha,

Tenho tempo de aprender. Eras linda como o sol.

1842 1843

Meus senhores, não se admirem Minha maçã vermelhinha

De eu cantar e ser casada; Picada dos passarinhos;

Eu canto com alegria A quem destes os abraços

De me ver bem empregada. Vai também dar os beijinhos.

1844 1845

Milho alto, milho alto, Minha maçã vermelhinha,

Milho alto sem pendão; Quem dela comerá?

À sombra do milho alto Quem falar para o meu amor

Namorei teu coração. Nunca vergonha terá.

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1846 1847

Minha maçã vermelhinha, *Minha mãe é minha amada

Vermelhinha da macieira, Quando coze, faz um bolo;

Vermelhinha de casada, Quando se zanga comigo,

Que faria de solteira. Dá-me com a pá do forno.

1848 1849

*Minha mãe, case-me cedo, *Minha mãe mandou-me à fonte,

Enquanto sou rapariga, Eu quebrei a cantarinha;

Que o milho sachado tarde Minha mãe, não me bata,

Nem dá folha, nem dá espiga. Que eu ainda sou pequenina.

1850 1851

*Minha mãe, case-me cedo, Minha mãe, minha mãezinha,

Que eu já sei fiar na roca; Minha mãe, minha amada;

Em quatro meses e meio Quem tem uma mãe, tem tudo

Fiei uma maçaroca. Quem não tem mãe, não tem nada.

1852 1853

Minha mãe casou–me em Braga Minha mãe, minha mãezinha,

Com uma mulher de feição; Não se pode ser mulher;

Ela bonita não era, Ás bonitas põem-lhe fama,

Pobre sim, honrada não. Ás feias ninguém as quer.

1854 1855

Minha mãe chama-me Rosa, Minha mãe, para m’eu casar

Eu Rosa não quero ser; Prometeu-me três ovelhas,

Baptizei-me por Maria, Uma manca, outra cega,

Sou Maria até morrer. Outra mona sem orelhas.

1857 1858

Minha mãe chama-me Rosa, Minha mãe, por eu me casar,

Eu Rosa não quero ser; Prometeu- me quanto tinha;

Sou Maria, sou Maria, Agora que foram os votos

Sou Maria até morrer. Deu-me um fole sem farinha.

1859 1860

Minha mãe chama-me Chasca, Minha mão na tua enleias,

Minha avó Chasca Maria; Estão enleadas as duas,

Eu também me chamo Chasca, Eu senti nas minhas veias

Sou filha da Chascaria. Correr o sangue das tuas.

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1861 1862

*Minha mãe, dê-me a chave; Minha sogra diz que tem

Eu quero ir ao jardim; Uma prenda para me dar;

Quero ir buscar um cravo A não ser o filho mais novo,

Para eu dar ao Joaquim. Bem que a pode guardar.

1863 1864

Minha sogra diz que tem Muito me agradas, amor,

Uma prenda para me dar; Pelo teu desembaraço;

Se a prenda não é o filho, Eu nunca fiz ninguém

Então pode-a guardar. Carinhos que te a ti faço.

1865 1866

Minha sogra morreu ontem, Muito queria ser a água

Enterrei-a no palheiro Para duma fonte nascer;

Deixei num braço de fora dava um beijo nos teus lábios,

Para tocar o pandeiro. Quando lá fosses beber.

1867 1868

Minha sogra morreu ontem, Muito se engana quem cuida,

Foi direitinha ao paraíso Quem cuida, se engana bem;

Deixou-me uma manta velha, Segredinhos do meu peito

Não posso chorar com o riso. Ainda não os disse a ninguém.

1869 1870

Minha sogra ralha, ralha, Muitos querem dois primos,

Por eu com o filho falar O mesmo sangue os obriga!

Ela ralha e tem razão, São dois corações sós,

Que eles custam a criar. Não têm quem os contradiga.

1871 1872

Moro à beira do mar, Murmurai, murmuradeiras,

Moro mesmo à beirinha; Murmurai ao vosso gosto;

Da janela do meu quarto O inferno não foi feito

Vejo a saltar a sardinha Para cadeiras de encosto.

1873 1874

Muito bem fica o sapato Murmurai, murrmuradeiras

À porta do sapateiro; Vós não tendes que dizer;

Muito bem fica uma moça Assim se vos ponha a língua

Ao pé dum rapaz solteiro. Como a tinta de escrever.

1875 1876

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Muito custa a quem não pode Na corola duma rosa,

Subir a esta calçada; De beleza peregrina,

Muito mais a quem não sabe Brilha uma gota formosa

Converter a namorada. De água pura e cristalina.

1876 1877

Muito gostos dos Antónios, Na entrada desta rua,

Muito mais dos Manuéis, Na primeira casa não

Que os trago nos meus dedos Tenho eu lá uma rosa

Retratados por anéis. Que ninguém lhe põe a mão.

1878 1879

Na entrada desta terra Não digas que me conheces,

Há um portal encarnado, Lá por me veres a sorrir;

Onde mora a minha sogra, Parece que não te lembras

A mãe do meu namorado. Do que se chama mentir.

1880 1881

Na esquina do meu telhado Não é fineza nenhuma

Pinheiro não hás-de pôr; A rosa em botão cheirar,

Quando o pinheiro der pinhas Fineza é, depois da seca,

Agradeço-te o favor. O mesmo cheiro deitar.

1882 1883

Na minha terra não há cravos, Não fales com tanto firmeza,

Já secaram os craveiros; Mentiras não servem para mim;

Os cravos da minha terra Se a gente não tem a certeza;

São os rapazes solteiros. Não pode afirmar que sim.

1884 1885

Na minha terra se apanha *Não há dinheiro que pague

O alecrim às mãos cheias; A filha do lavrador;

Tanto custaram a Deus Anda ao sol e anda à chuva

As bonitas; como as feias. E tem sempre a mesma cor.

1886 1887

Não canto por bem cantar, Não há dinheiro que pague

Nem por Ter falta de amante; A filha do pescador;

Canto só por dar gosto De noite vai para a sardinha,

A quem me pede que cante. De dia vai para o amor.

1888 1889

Não creias em quem promete Não há machado que corte

Com os lábios a sorrir; A raiz ao meu desejo;

Já sabes que tenciona Não há coração que logre

A promessa não cumprir. Dois olhos que eu daqui vejo.

1890 1891

Não creias, se te disserem Não há melhor bebida

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As penas terem bom fim; Do que um copo de bom vinho;

Porque todas essas penas Não há cantiga mais linda

Te deixaram com dó de mim. Que o nosso vira do Minho.

1892 1893

Não creio nas tuas juras, Não há nada como a morte

Elas todas falsas são; Para acabar a presunção,

Tua boca diz que sim, Com quatro metros de pano

Teus olhos dizem que não. E quatro palmos de caixão.

1894 1895

Não há nada neste mundo Não me importa o que não vejo,

Comparante à água fria; Só me importa o que se vê;

Se ela não refrescasse; Eu nasci para ser livre,

Neste mundo nada havia. A razão não sei porquê.

1896 1897

Não há palavra mais santa, Não me metas mais rasteiras,

Nem mais terna de expressar Ó desprezo sem vergonha,

Que o doce nome da mãe, Que eu agora vou à fonte

O primeiro a murmurar. De sapatinhos de lona.

1898 1899

Não há que acreditar nos homens, *Não me ponha a mão na saia,

Mesmo que estejam a dormir; Diga de longe o que quer;

Por fora fecham os olhos, Não perde você que é homem,

Por dentro estão-se a rir. Perco eu que sou mulher.

1900 1901

Não há que fiar nos homens, Não me ponhas a mão na cinta,

Nem nas falas que eles dão; Não me ponhas a mão no peito;

Juram muito com a boca, Atrás dessa já vem outra,

Mas mentem muito com o coração. Assim se perde o respeito.

1902 1903

Não há quem possa entender Não me queres por ser pobre,

Os caprichos da mulher; A pobreza Deus a amou;

Não diz nada, se não gosta, Não me viro para ti,

Diz sempre não, quando quer. Pobrezinha como sou.

1904 1905

Não há vida mais bonita Não me queres por ser pobre,

Que a duma rapariga; Eu a ti por seres judeu;

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Andando bem asseada; Olha a diferença que faz

Não tendo que se lhe diga. O teu sangue para o meu:

1906 1907

Não jures para que eu creia, Não olhes para mim, não olhes,

Nem creias que eu me iludo; Que o jardim mais rosas tem;

Jurara é escrever na areia, Olha que tu não encontras

Vem a onda, apaga tudo. Quem te queira tanto bem.

1908 1909

*Não me atires com pedrinhas, Não passas de franganito,

Que estão a lavar a loiça; Queres passar por ser leão;

Atira-me com falinhas Ainda hás-de dormir

Com que a minha mãe não oiça. Num ninho de qualquer cão.

1909 1910

Não pode o ar dispensar Não quero nada de nada,

Quem a vida quer segura; Eu do nada, nada quero;

É que o melhor p’ra saúde Não quero nada de ti,

É bom ar e água pura. Porque de ti nada espero.

1911 1912

Não posso andar de noite, Não quero sapato alto,

Nem de manhã muito cedo, Que se me enterra na areia;

Que eu ando ameaçada Não quero amor da vila,

De quem tenho pouco medo. Que os tenho cá na aldeia.

1913 1914

Não posso andar descalça, Não sabes o que sinto,

Nem em cabelo no Verão; Quando te vejo passar;

A areia pica nos pés, Na minha ideia nascia

O sol no coração. Vontade te falar.

1915 1916

Não posso andar descalça Não se cortam as oliveiras

Que me picam as areias; Nem se lhes põe o machado,

Ainda tenho dinheiro Que é o que dá azeite

Para sapatos e meias. Para alumiar o sagrado.

1917 1918

Não procurei aventuras, Não sei qual o motivo,

Mas enfim sou venturosa Nem tão pouco a razão,

Em ser por ti amada, Que um beijo dado na boca

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Eu me julgo bem ditosa. Se sente no coração.

1919 1920

Não queiras fingir-te alegre, Não sei se cante, se chore,

Julgando que me enganas; Se me tudo cause pena;

Eu sei ler a tua sina Se canto, tudo me esquece,

Como das mãos das ciganas. Se choro, tudo me lembra.

1921 1922

Não queiras o que é demais, Não se me dá de quem fala,

Limita-te à tua parte; Nem de quem me põe a fama;

A água que mata a sede Eu sou como a oliveira

Pode também afogar-te. Que sempre conserva a rama.

1923 1924

Não quero mal aos teus olhos, Não sou pedra que rebola,

Pois deles não tenho queixa; Nem ladrilho mal assente;

Bem sei que me querem ver, Onde ponho meu sentido

Mas o dono é que não deixa. Fica firme para sempre.

1925 1926

*Não te encostes à barreira, Na rua do Eirado

Que a barreira deita pó; Anda tudo de amarelo;

Encosta-te ao meu peitinho, Chegando ao mês de Maio,

Sou solteira, durmo só. Nem farinha, nem farelo.

1927 1928

*Não te encostes ao loureiro, Nas acidentes Beiras

Que é verde, pode quebrar; Vi brilhar a branca neve;

Encosta-te ao meu peito, Perto das Penhas Douradas,

Que te pode acarinhar. Onde o ar é já mais leve.

1929 1930

Não te esquives, não me negues, Nas ondas do teu cabelo

Esse amor, calmo prazer; Fui-me deitar a afogar,

Dá-me a vida neste mundo, Para que saibas, meu amor,

Sem amor não há viver. Que há ondas sem ser no mar.

1931 1932

Não te namores da erva Nas ondas do teu cabelo

Por a veres florida; Fui-me deitar a nadar;

Namora-te da raiz É para que saibes, amor,

Donde ela vem descendida. Que eu nado sem ser no mar.

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1933 1934

Não tenho pai, nem mãe, Nas ondas do teu cabelo

Nem nesta terra parentes; Hei-de eu ir-me afogar

Sou filha das tristes ervas, Para que o mundo saiba

Neta das águas correntes. Que há ondas sem ser no mar.

1935 1936

Não terei lá harmonias Navalha, minha navalha,

Das aves, das virações; Navalha da meia-lua,

De natureza risonha Vai amar a quem quiseres,

Nada verei nos sertões. Que eu por agora não sou tua.

1937 1938

Não terei o cacho de uvas Nem que eu fosse pobrezinho,

Da videira nacional, Ficar de noite ao orvalho;

Não contes os teus segredos Eu a ti nunca te quis,

A quem não te é leal. Que és da raça do carvalho.

1939 1940

Não vou na tua cantiga, Nem tudo o que reluz é ouro,

Mas tu não acreditarás, Nem prata o que parece;

Tu tens outra rapariga, As falas dum lisonjeiro

Eu não tenho outro rapaz. Encantam quem não conhece.

1941 1942

Nesta terra não há cravos, * No alto daquela serra

Que secaram os craveiros; Está um sobreiro ao vento,

Os cravos da nossa terra Muito enganado anda

São os rapazes solteiros. Quem comigo perde o tempo.

1943 1944

Ninguém deve dizer mal, No alto daquela serra

Agora reparo eu; Fugiu o pombo à pomba;

Somos todos afinal, Na terra das cantadeiras

Cada um para o que nasceu. Não tenho quem me responda.

1945 1946

No Alentejo vi as messes No alto daquela serra

Ondeando como o mar; Não sei o que vi fugir;

E muita casinha brancas, Não sei se é prata se é ouro,

Como noivas a noivar. Se é espelho do meu vestir.

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1947 1948

No alto daquela serra No alto da serra d`Arga

Deixei lá o meu lenço Está um pinheiro ao vento;

Atadinho pelas pontas; Bem enganadinho anda

Cheio de bagadas dentro. Quem comigo perde o tempo.

1949 1950

No alto daquela serra No alto da serra d`Arga,

Está uma noiva a chorar; Onde perdi o meu lenço

Não chores, noiva, não chores, Atadinho pelas pontas,

Que é um regalo casar. Cheio de lágrimas dentro.

1951 1952

No alto daquela serra No alto da serra d`Arga,

Está um cruzeiro de vidro, Só ficaram nove rosas;

Onde todos vão chorar Três brancas, três amarelas,

Lágrimas de arrependido. Três encarnadas e formosas.

1953 1954

No alto daquela serra No alto do Cavalinho

Está um moinho de vento; Deixei lá o meu lenço

Muito enganado anda Atadinho pelas pontas,

Quem comigo perde o tempo. Cheio de lágrimas dentro.

1955 1956

No alto daquela serra No céu alto há uma estrela

Está um sobreiro ao vento; Que não pára com as demais;

Menina que fala a todos Anda a ver por todo o mundo

Não pretende casamento. Se há dois corações iguais.

1957 1958

No Domingo por mim passaste, Nós de cá e vós de lá,

Fingiste-te distraído, As abelhas numa cesta;

Não sei porque isso fazes, Nunca vencestes batalha

Se não foi nada comigo. Para vencerdes esta.

1959 1960

No jardim há tantas flores, Nos dias tristes, sombrios,

O cravo é que é o rei; Tão cheios dum mal secreto

Há tantos moços bonitos Vejo sol, sinto alegria,

E eu só contigo simpatizei. No mundo do nosso afecto.

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1961 1962

No lugar de Castanheira No seu quintal andei eu

Na primeira casa, não; E ramos de oiro descobri,

Ofereceram-me pancada: E juro-lhe à fé de quem sou

Saia cá o valentão. Que das suas uvas não comi.

1963 1964

No lugar de Varziela No telhado de S. Pedro

Não se pode namorar; Está um lindo craveiro;

De dia tudo são velhas, Dá-lhe o sol entre as folhas,

De noite, cães a ladrar. Todo recende do cheiro.

1965 1966

No mar alto anda guerra; No tronco da árvore seca

Eu bem oiço dar os tiros; Escrevi o nome teu;

Eu bem oiço combater Ao escrever tão lindo nome

Ao meus ais com os teus suspiros. O tronco reverdeceu.

1967 1968

No meio do mar há rosas, Numa quelha sem saída

Eu bem lhes vejo os botões; Eu queria-te encontrar;

Também vejo caras lindas; Se te devo alguma coisa,

Mas não vejo corações. Já te podia pagar.

1969 1970

No meio do pinheiral Nunca vi figueira branca

Uma rolinha colhi; Dar o fruto na raiz;

Todos falam e murmuram, Nunca vi rapaz solteiro

Ninguém olha para si. Cumprir aquilo que diz.

1971 1972

No nascer e no morrer O A é a primeira letra

Todos somos iguais; Que se escreve no papel;

Nas riquezas deste mundo Escrevi-te no meu sentido,

Uns têm menos, outros mais. Minha pedrinha de mel.

1973 1974

Ó água do rio Lima, Ó Ana, três vezes Ana,

Deixa passar a barrenta; Maria uma só vez;

O amor que não é firme Mais vale uma só Maria

No meu coração não entra. Do que as Anas todas três.

1975 1976

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O alecrim de Viana O anel que tu me deste

Com as folhas cobre o chão, Não o dei, nem o vendi,

Também as tuas ausências Deitei-o da ponte abaixo,

Cobrem o meu coração. Também te deitava a ti.

1977 1978

Ó alegria do mundo, O anel que tu me deste

Diz-me onde tens andado; No Domingo da Trindade,

Já corri mais de mil terras, Era-me largo no dedo;

Não te tenho encontrado. Apertado na amizade.

1979 1980

Ó alta serra de neve, O anel que tu me deste

Onde o penedo caiu; Tinha uma pedra a brilhar;

Ninguém diga o que não sabe, Por muito que ela brilhe,

Nem afirme o que não viu. Brilha mais o teu olhar.

1981 1982

Ó alto da Figueira Moura, Ó Arga, terra de encanto,

Aonde o penedo caiu; que mistério é o teu...

Ninguém diga o que não sabe, Chega a Ter saudades tuas

Nem afirme o que não viu. Quem nunca em ti viveu.

1983 1984

Ó alto da Serra d’Arga, Ó Aveiro, ó Aveiro,

Muito bem me podes querer; Que tens marinhas de sal,

Tenho os meus pés em chaga Não há terra mais bonita

De te subir e descer. No reino de Portugal.

1985 1986

Ó alto da Serra d’Arga, O barco Santa Maria

Muito bem me podes querer; Roubado no alto mar;

Trago as pernas cansadas Já tivemos alegria

De te subir e descer. De Lisboa o ver chegar.

1987 1988

Ó Alto do Cavalinho, * O cantar é Dom dos anjos;

Muito bem me podes querer; O bailar, das namoradas;

Tenho os meus pés em chaga Alegria das solteiras,

De te subir e descer. A tristeza das casadas.

1989 1990

O cantar é dos anjinhos, O casar é muito bom,

O dançar, dos variados; Qualquer tolo é casado;

É alegria dos solteiros Sustentar mulher e filhos

A tristeza dos casados. É que a porca torce o rabo.

1991 1992

O cantar e o dançar O cemitério de Arga

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É a memória que Deus dá; Tem a porta de chumbo,

Tenho ouvido dizer: Onde se vão acabar

Quem não sabe, não vai lá. As vaidades deste mundo.

1993 1994

O cantar e o dançar Ó Cerquido, ó Cerquido,

É uma vida estragada; Ó Cerquido lameirento,

O cantar puxa o peito, Quem namora no Cerquido,

O dançar logo enfada. Não diga que perde tempo.

1995 1996

O cantar é para os tristes; O cigarro diz que tira

Quem o pode duvidar? As mágoas ao coração;

Quantas vezes cantarei O cigarro bem se fuma,

Com vontade de chorar. As mágoas ainda cá estão.

1997 1998

O carrasquinho do monte O coelho é zagaio,

Adivinha Primavera; Dorme com os olhos abertos

Anda cá, meu amorzinho, Eu durmo com os olhos fechados

Que eu sou a que dantes era. E trago os meus amores certos.

1999 2000

O carvalho da Portela O coração compreende

Tem duas landras no pé; Dos olhos toda a expressão,

Alegrai-vos, raparigas, É que os olhos têm segredos

Que o carvalho vosso . Guardados no coração.

2001 2002

O carvão que já foi brasa, Ó coração da baeta,

Com pouco lume se acende; Daquela mais denegrida,

Só eu queria adivinhar Olha a paga que tu deste

Quem os teus olhos pretende. A quem por ti dava a vida.

2003 2004

O carvão que já foi lume, * Ó coração de pombinha,

Com pouco lume se acende; Ó asas de Primavera;

O amor que já foi d’alma Eu só queria adivinhar

Com poucos rogos se rende. A tua ideia qual era.

2005 2006

*O coração e os olhos * O cravo tem vinte folhas,

São dois amantes leais, A rosa tem vinte e uma;

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Quando o coração tem penas, O cravo anda em demanda

Logo os olhos dão sinais. Por a rosa Ter mais uma.

2007 2008

O coração é um tanque, O cravo vermelho pega

Cheio de água mete medo; No valado duma poça;

Alegra-te, coração, Não há rapaz que mereça

Vai regar o arvoredo. O coração duma moça.

2009 2010

O craveiro da minha sogra O cuco mordeu na poupa,

Foi só um cravo que deu; Tirou-lhe as penas do rabo;

Toda a gente tem inveja A poupa foi para a cadeia

De o Ter colhido e E o cuco foi degradado.

2011 2012

*O cravo bateu na rosa, * O diabo leve os homens,

A açucena vai jurar; Aqueles que bebem vinho;

Ó que lindo juramento O diabo não leve o meu,

Aquele jardim vai dar. Porque bebe poucochinho.

2013 2014

O cravo, depois de seco, O diabo leve os homens

Anda a rastos pelo chão; Enfiados num cordão;

A rosa ainda que seque O primeiro seja António,

Tem a mesma estimação. José, Joaquim e João.

2015 2016

O cravo, depois de seco, * O diabo leve os homens

Depois de seco mirrado Enfiados num cordel;

Foi-se queixar ao jardim O primeiro seja o António;

Que não o tinham regado. O segundo o Manuel.

2017 2018

O cravo, depois de seco, O diabo leve os homens,

Foi-se entregar ao jardim; Menos três que eu vou dizer:

A rosa lhe respondeu: Meu pai e meu padrinho,

Tudo o que nasce, tem fim. Meu marido que vai ser.

2019 2020

O cravo desceu, desceu, O diabo leve os homens,

Deu com uma folha no tanque; O primeiro seja o meu.

Quem aqui vem p’ra me ver Não ganhando ele dinheiro,

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Já me tem amor bastante. Para que diabo o quero eu?

2021 2022

*O diabo leve os ratos, Ó José, ó cara linda,

Quebre os dentes às formigas, Não saias de noite à rua.

Que me roeram os meus livros, Que as estrelas nunca viram

Onde eu estudava as cantigas. Cara linda como a tua.

2023 2024

O diabo tem sempre uma capa * Ó José, pinheiro verde,

Que tapa o que mais lhe convém; Sombrinhas de todo oVerão;

Mas esse maldito destapa, Todas as sombras acabam,

Com mais uma capa que tem. Só a tua, José, não.

2025 2026

Ó estação de caminha, O ladrão do milho verde,

Cercadinha de olivais; A manhã que ele trazia...

Ó freguesia de Dem, Metia a água na cama

Sepultura dos meus ais. P’ra beber durante o dia.

2027 2028

Ó estrelinha do norte, Ó Lanheses, ó Lanheses,

De mim tende piedade, Ó Lanheses lameirento,

Que me vejo sem namoros, Com os rapazes de Lanheses

Na flor da minha idade. Eu não perco o meu tempo.

2029 2030

Ó freguesia de Dem, Olha a triste viuvinha

Terra da minha alegria; Que na roda anda a chorar,

Onde eu tenho e não nego É bem feito, é bem feito,

Toda a minha simpatia. Ninguém a mandou casar.

2031 2032

O fumo sai da fogueira, Olha o diabo da velha,

A água passa no rio; Olha o que lhe havia de dar

As palavras saem da boca Para me chamar...

De quem canta ao desafio. E rir-se do meu cantar.

2033 2034

O fumo da fiadeira Olha para mim a direito,

Fia o linho bem fiado; Não estejas a recear,

A educação sai do lar Eu conheço no teu rosto

De quem não é mal educação. Que uma fala me queres dar.

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2035 2036

Ó João, ó Joãozinho, Olha para mim a direito,

Garrafinha de aguardente, Não olhes atravessado,

Ficas logo coradinho, Eu quero ver ao meu gosto

Quando passas pela gente. Essa boquinha de cravo.

2037 2038

Olha para mim a direito O limoeiro da calçada

Não olhes atravessado, Agora já não dá limões;

O lugar que tu pretendes Já lhe tiraram as folhas

Ainda está desocupado. Para unir corações.

2039 2040

Olhos azuis são ciúmes, O lindo rapazinho

Olhos pretos são ternura, À minha porta passou;

Os olhos acastanhados Queria falar com ele,

São os da minha loucura. Minha mãe não me deixou.

2041 2042

*Olhos azuis são ciúme, Oliveira, fonte seca,

Os meus alhos azuis são. Está coberta de algodão;

Tenho ciúmes nos olhos, Quem não quer que o mundo fale

Firmeza no coração. Não lhe dê aceitação.

2043 2044

*Olhos brancos, olhos pretos, Oliveira miudinha,

Olhos azuis, olhos verdes, Que azeitona pode dar

Estas quatro cores de olhos Eu também sou pequenina,

Em poucas caras os vejo. Mas sou firme no amar.

2045 2046

Olhos pretos, mar imenso, Oliveira pequenina,

Que nunca mudais de cor, Não te julgues desprezada,

São os dois em que eu penso, Por dares poucas azeitonas,

Alívio da minha dor. É melhor pouco, do que nada.

2047 2048

Olhos pretos, olhos pretos, Oliveira pequenina

Laços de prender quem ama; Que azeitonas podes dar?

Se os meus olhos pretos fossem, darás poucas: mas que importa?

Não os trazia à semana. Darás o que puderes dar.

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2049 2050

O limão é fruta azeda O loureiro é pau verde

Que se traz na mão por brio Que racha de nó em nó.

Quem me dera ser limão, Minhas falas são para todos,

Que te tirava o fastio. Meu coração p’ra ti só.

2051 2052

Ó limão, verde limão, O loureiro é pau verde

Ó limão recém nascido; Que racha de nó em nó;

Ó limão que fazes andar Sou filha de minha mãe

Ó meu coração pensativo. E neta da minha avó.

2053 2054

Ó loureiro, foste tolo O lugar de Santo Aginha

Nascer ao pé do caminho; É pequeno, mas tem graça;

Todos passam, todos tiram Tem uma fonte no meio,

Do loureiro um ramalhinho. Dá de beber a quem passa.

2055 2056

Ó loureiro, ó loureiro, O lugar de S. Lourenço,

Deita para cá um ramo; Cercado de pinheirais,

O meu amor é teimoso, Tem um castelo no meio,

Dura-lhe a teima um ano. Onde batem os meus ais.

2057 2058

O lugar de Arga de Baixo Ó malmequer mentiroso,

Cercado de pinheirais, Quem te ensinou a mentir;

Onde eu tenho o meu amor, Tu dizes que me quer bem,

Cada vez me lembra mais. Quem de mim anda a fugir.

2059 2060

O lugar de Arga de Baixo Ó mar alto, ó mar alto,

É pequeno, mas tem graça; O mar alto sem Ter fundo,

Tem um chafariz no meio, Mais vale andar no mar alto

Dá de beber a quem passa. Do que nas bocas do mundo.

2061 2062

O lugar de Arga de Baixo Ó Margarida moleira,

È um lugar encantador; Como se chama o teu nome

Toda a gente que cá vive Chama-se batata assada,

É gente de muito valor. Sem azeite, não se come

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2062 2063

O lugar de Arga de Baixo Ó Maria, dá-mo, dá-mo,

Não é vila, nem cidade, Que eu não te peço dinheiro

É uma aldeia pequenina, Peço-te uma anhinha moura

Onde brilha a mocidade. Para juntar ao meu carneiro.

2064 2065

Ó lugar de Castanheira, O mar pediu a Deus peixe,

A terra do meu Manuel; O peixe pediu fundura,

Todos os dias são cartas, O homem pediu ciência,

Barato é o papel. A mulher, formosura.

2066 2067

Ó lugar de Castanheira, Ó mar, tu és um leão

Terra da minha paixão, A todos tu queres comer;

Tenho os beijos da minha mãe Não sei como os homens podem

Gravados no coração. As tuas ondas vencer.

2068 2069

Ó menina, dá-me, dá-me, O muito falar faz sede,

Uma vez não é pecado, A muita sede, secura,

Uma brasinha de lume A muito sede, parede,

Para acender o meu cigarro A muito parede, altura.

2070 2071

Ó menina, não te cases, O mundo fala de mim,

Que casar é muito mau; O mundo quer que me eu tolha;

Mais vale andar na rua Eu sou como a oliveira,

A vender colheres de pau. Que sempre conserva a folha.

2072 2073

Ó menina, que está à janela, Ondas do mar, abrandai,

Com o seu relógio à cinta, Que eu quero pilhar um peixe;

Diga-me que horas são, Eu quero deixar o mundo,

Por favor não minta. Antes que ele a mim me deixe.

2074 2075

+ O meu amor afastou-se, Ondas do mar, deitai fora

Pena não tenho nenhuma, O que trazeis a nadar;

Ainda me deixou a tempo Uma fama sem proveito

De arranjar melhor fortuna. Não se pode perdoar.

2076 2077

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O meu nome vos ressalga Onde se mata um homem

Vossa boca delicada, Pôr uma cruz é preceito;

Mas toda essa arrogância Tu deves Ter, moreninha,

Está para mim espalhada. Um cemitério no peito.

2078 2079

O meu pai é lavrador, O nevoeiro de serra

No quinteiro deita canas; Significa amor perdido;

Compra milho onze meses, Quantas almas se condenam

Ainda mais quatro semanas. Por me ver falar contigo.

2080 2081

O meu peito é uma sala, O nosso lugar da Gandra,

Onde passeia a açucena; Lugar de muitos valados,

Amei-te com tanta gosto, Lugar das moças bonitas

Deixei-te com tanta pena. E dos moços engraçados.

2082 2083

O meu peito é uma sala, O nosso lugar da Gandra

Por dentro são duas gavetinhas Tem um jardim de roseiras;

Para guardar os teus segredos, Um rancho de raparigas

A mais as tuas falinhas. Vestidas à lavradeira.

2084 2085

Ó oliveira do adro, Ó que lindo chapéu preto

Não assombres a igreja; Naquela cabeça vai!

Que bem assombrado anda Ó que rapaz tão bonito

Quem não logra o que deseja. Para genro do meu pai!

2086 2087

O padre da minha terra Ó que lindo luar vai

Fez um sermão que jurou, Para apanhar a marcela

Pela boa sorte das filhas, No campo de Santo António,

Em como nunca pecou. Daquela mais amarela.

2088 2089

O padre, quando namora, Ó que lindo rapazinho

Põe sempre a mão na coroa; À minha porta passou!

Namora, padre, namora, Ele queria falar comigo,

Que Deus tudo perdoa. Minha mãe não deixou.

2090 2091

O pão roubado, não presta, Ó que moça tão bonita

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Coitado de quem o come; Picada do rouxinol!

Fica a boca a amargar, Se não fosses picadinha,

Não chega a matar a fome. Eras linda como o sol.

2092 2093

O papel em que te escrevo Ó que mocinhos tão lindos

Sai-me da palma da mão; Ó que linda mocidade!

A tinta sai-me dos olhos, Criadinhos numa aldeia,

A pena, do coração. Parecem duma cidade.

2094 2095

O perolino é torto, Ó que pinheiro tão alto

A mulher é encurcuvada; Com umas pinhas tão verdinhas!

Apartai, gente toda, Nunca vi rapaz tão novo

Deixai passar a jangada. Com umas falas tão meiguinhas.

2096 2097

Ò que caneca tão linda! Ó que pinheiro tão alto

Que água tão saborosa! Com um fio de ouro na ponta!

Quem a encheu foi um cravo, Os teus olhos, menino,

Quem a deu foi uma rosa. Já andam por minha conta.

2098 2099

Ó que desgraça tamanha! Ó que pinheiro tão alto

O que havia de passar: Com um fio de ouro no meio!

Ainda os filhos têm chupeta Ó que menina tão linda,

E já os querem casar! Filha dum homem tão feio!

2100 2101

Ó pinheiro tão alto ó Rosa maravilhosa,

Com um fio d’ouro na ponta! Do jardim mais excelente,

Tu de mim não fazes caso, Não me posso rir para ti,

Eu de ti não conta. Que me ralha a tua gente.

2102 2103

Ó que pinheiro tão alto! Ó rosa, não te desprendas,

Ó que pinhas tão verdinhas! Deixa-te estar na roseira;

Ó que amor tão verdadeiro! Enquanto estiver viçosa,

Ó que falas tão meiguinhas! Não faltará quem te queira.

2104 2105

Ó que pinheiro tão alto! Ó rosa, nunca consintas

Que lindo pau para colheres! Que o cravo te ponha a mão;

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As mentiras são dos homens, Uma rosa enxovalhada

As verdades, das mulheres. Já não tem aceitação.

2106 2107

Ó que pinheiro tão alto! Ó rosa, quando morreres,

Quem lhe há-de colher a rama1 Hás-de ir amortalhada

É uma menina do Porto Na folha da mesma rosa,

Que se chama Mariana. Na que for mais encarnada.

2108 2109

Ó que pinheiro tão alto! Ó Rosinha, anda comigo,

Só com uma pinha no meio! Deixa ficar a roseira;

Ó que menina tão linda! Esta noite vem a chuva,

Filha dum homem tão feio. Rosa molhada não cheira.

2110 2111

O que trabalha pelo bem O salgueiro ao pé da água

Merece um bom encosto, Deita a raiz p’ra onde quer;

Uma cadeira de ouro, É como o rapaz solteiro;

Uma moça a seu gosto. Enquanto não tem mulher.

2112 2113

O ribeiro de Arga de baixo Ó senhor José Maria,

Passa por baixo da ponte. O seu nome é como o meu;

Por causa das raparigas Você é José Maria,

Muito calçado se rompe. Maria José sou eu.

2114 2115

O rio para os peixes Ó senhor juiz de Braga,

E o mar para as areias; Ponha justiça na terra;

O meu coração para o teu, Estão aqui dois olhos

Se não mudarmos de ideias. Que me estão causando guerra.

2116 2117

Ó senhor juiz de paz, Os homens são como as cobras,

Ponha justiça na terra; Quando largam a peçonha;

Prenda-me aqueles dois olhinhos, Nem casados, nem solteiros,

Que estão naquela janela. Nem viúvos, têm vergonha.

2118 2119

O sete estrelo caíu Os homens são como o lobo

Numa rua, ficou coxo; Só lhes falta ter o rabo;

O lírio com saudades Aparecem às donzelas

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Logo se vestiu de roxo. Na figura do diabo.

2120 2121

Os homens e as galinhas Os homens são como os gatos,

São o bicho interesseiro; Eu no falar os entendo;

As galinhas pelo milho, Dizem sempre que não querem

Os homens pelo dinheiro. Por coisas que estão morrendo.

2122 2123

Os homens nunca deviam Os magalas são chalados;

Iludir-se nas palavras; Não se aproveita um somente;

É por isso que, às vezes, Eu já conheci um cabo

Há mulheres desconfiados. Que dava cabo de gente.

2124 2125

Os homens por serem homens Os meus olhos, a chorar,

Fiam-se na valentia; Fizeram covas no chão;

Se a força lhes faltasse, Coisa que os teus não fizeram,

Qual era a minha alegria. Nem nunca talvez farão.

2126 2127

Os homens, quando se juntam Os meus olhos, de chorarem,

A falar da vida alheia.... Fizeram covas no chão;

Começam na lua nova, Os teus não as fizeram,

Acabam na lua cheia. Que és duro do coração.

2128 2129

Os homens são como a cobra Os meus olhos, de chorar,

Quando perdem a peçonha; Já nenhuma graça têm;

Andam atrás das mulheres Hei-de dizer aos meus olhos

Cheios de maldade e ronha. Que não chorem por ninguém

2130 2131

Os homens são como a cobra Os meus olhos, pelos teus,

O primeiro é o meu home; Choram lágrimas sem fim;

Deitei-lhe o caldo na malga, Se me queres bem, amor,

O maldito não mo come. Não te esqueças de mim.

2132 2133

Os olhos do meu amor O sol prometeu à lua

São duas continhas pretas; E a lua ao luar;

Eu bem os soube esconder Meu amor me prometeu

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No jardim das violetas. De nunca mais me deixar.

2134 2135

Os olhos do meu amor O sol prometeu à lua

São pretos como o veludo; Uma fita de mil cores;

Ainda espero te lograr Quando o sol promete prendas,

Olhos, coração e tudo. Que fará quem tem amores?

2136 2137

Os olhos do meu amor O sol prometeu à lua

São pretos, não têm maldade; Um lencinho com mil cores;

Hei-de mandar fazer deles Quando o sol promete prendas,

O painel da piedade. Que fará quem tem amores?

2138 2139

Os olhos pretos são falsos, O sol vai alto, não queima,

Os russos são festeiros, assim mesmo faz calor;

Os olhos acastanhados Empresta-me o teu chapéu,

São os leais, verdadeiros. Antoninho, meu amor.

2140 2141

Os olhos querem os olhos, O sol vai para os baixinhos

Os corações, os corações; Contar as penas que tem;

Os meus olhos querem os teus Eu também contaria

Em todas as ocasiões. As minhas, se tivesse a quem.

2142 2143

Os olhos requerem olhos, Os peixinhos pedem água,

Os corações, corações; Os passarinhos, liberdade;

Também as boas palavras E eu peço para ti

Requerem boas acções. Uma grande felicidade.

2144 2145

O sol nasce para todos, Os pratos da cantareira

Todos somos iguais; Todos fazem tlim,tlim;

Tem menos valor somente, No reino da glória esteja

Quem julga que vale mais. Quem te criou para mim.

2146 2147

O sol pensa que me engana, Os pratos da prateleira

Mas eu sei andar a jeito; Estão sempre tlim, tlim;

Quando nasce, estou na cama, No reino do céu esteja

Quando se põe, já me deito. Quem te criou para mim.

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2148 2149

Os primeiros amores Os teus são meu gosto,

Mandei-os ao rosmaninho; Os teus braços, meu carinho;

E estes que agora tenho o teu amor, minha sorte,

Vão pelo mesmo caminho. O teu coração, meu caminho.

2150 2151

Os santos são adorados, Os vossos olhos são lindos,

Os anjos também o são; O vosso rosto tão igual;

Tu também tens um altar Não há nome mais bonito

Aqui no meu coração. Que é o nosso Portugal.

2152 2153

Os sete estrelas caíram O tempo que te amei

Numa beirinha do tanque; Foi sempre com falsidade;

Quem te amou tantos anos Mas agora já eu tenho

Ainda te quer amor bastante. Amor à minha vontade.

2154 2155

Os sinos da nossa igreja O tocador do harmónico

Tocam ambos ao bambom; Alguma coisa merece:

O pequeno toca o vira Uma maça vermelhinha

E o grande toca o malhão. Tirada do arcipreste.

2156 2157

Os teus olhos negros, negros, O trevo diz que se atreve

São duas Avé- Marias A prender quem está ausente;

Do rosário misterioso Eu, sem Ter trevo, me atrevo

Que rezo todos os dias. A prender-te para sempre.

2158 2159

Os teus olhos pestanudos O trevo diz que se atreve

São a minha tentação; A roer a folha ao trigo;

Pensava de ficar solteira, Eu também me atrevia

Mas mudei de opinião. A tomar amor contigo.

2160 2161

Os teus olhos são azuis, O velho e mais a velha

São como o alto mar; Foram ao Senhor do Monte;

Quem me dera ser navio O velho bebia vinho,

Para neles navegar. A velha, água da fonte.

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2162 2163

Os teus olhos são bonitinhos, O velho e mais a velha

Cheios de graças de Deus; Foram sachar os feijões;

Deus queira que os teus olhos À velha caíu-lhe a saia,

Venham cair sobre os meus. E ao velho os calções.

2164 2165

O velho e mais a velha Paga lá esta multa,

Foram sachar os feijões; Paga e não leves a mal;

Toparam a terra dura, Isto tudo é brincadeira,

Viraram-se aos bofetões. Nesta altura de Carnaval.

2166 2167

Ó velho, ó velhinho, Para além daquele mar

Do chapéu «arrebentado»; Há uma casa comprida

Tens piolhos na cabeça, Com um letreiro que diz:

Como o chavelhão do carro. Quem lá for, arrisca a vida.

2168 2169

Ó vida da minha vida, Para cantar, aqui estou eu,

Adeus, adeus, regalar; Para dançar, o meu irmão;

A água corre para o rio, Para tocar a concertina

Do rio corre para o mar. Viva quem a tem mão.

2170 2171

Ó vida da minha vida, Para Domingo que vem

Adeus, adeus, regalar; Hei-de ir à missa do dia

Bota o peixinho ao rio, Já que tanto me gabaram

Se o queres ver nadar. Essa tua freguesia.

2172 2173

Ó vida da minha vida, Para mim, agora que estás doente,

A minha vida vai andando; Com dores nas costelas,

Eu fiz a cama na folha, Diabo dê a sua ajuda

O vento ma vai levando. E te ofereça umas violetas.

2174 2175

Ó vida da minha vida, Passarinho voa, voa,

A minha vida vai boa; Caminho de S. Lourenço,

Amanhã vou-me casar, Leva cartas ao meu bem

Amanhã vou para Lisboa. Apertadinhas no bico.

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2176 2177

Ó vida da minha vida, Passaste por mim, coraste

Eu que melhor vida quero; Como lindo na imprensa;

Estou na minha liberdade, Fala para quem quiseres,

Vou e venho quando quero. Porque não me faz diferença.

2178 2179

Ó vida da minha vida, Passei pelo junco verde,

O meu amor é João; Dei um nó e fui andando,

É vermelhinho de cara, Não te quis e não te quero,

Alegre de coração. Porque te andas gabando.

2180 2181

Passo os meus dias, pensando Pega lá na minha chave,

O momento em que te vi; Abre aquele penedo;

Adormeço, em ti pensando, Não olhes atravessado,

Acordo, pensando em ti. Que eu nunca te tive medo.

2182 2183

Pede a Deus pelos teus filhos, Pelo céu vai uma nuvem

Lá no meio do sertão, Que leva as armas do rei;

Que Deus lhe dê melhor sorte Também leva um lencinho

E melhor inclinação. Do tempo que eu te amei.

2184 2185

Pediste-me à minha mãe, Pelo céu vai uma nuvem

Sem saber se queria eu; Que leva um relógio dentro,

Minha mãe em tudo governa, É para contar os minutos

Mas em mim governo eu. Do nosso afastamento.

2186 2189

Pediste uma laranja, Pelo céu vai uma nuvem

Meu pai não tem laranjal; Todos dizem bem a vi;

Se queres um beijo meu, Todos falam e murmuram,

Vai à porta do quintal. Ninguém olha para si.

2190 2191

Pedreiro pica na pedra, Penas do meu coração

Carpinteiro, na madeira, Ninguém as há-de saber;

Cada qual no seu ofício, Eu as fiz, eu as causei,

Eu também sou lavradeira. Eu as hei-de padecer.

2192 2193

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Pedrinhas da minha mata, Penedos desta calçada,

Hei-de-vos mandar picar Levantai-vos e dizei:

Com biquinhos de alfinete, Quem vos passeia de noite?

Para o meu amor passar. Que eu de dia bem o sei.

2194 2195

Pedrinhas da Serra d’Arga, Pensas que és mais do que eu

Vinde todas a rolar, Enganaste o coração.

P’ra fazer uma casinha Não, não és em formosura,

Para o meu amor morar. Nem também em geração.

2196 2197

Pedrinhas desta calçada, Pensavas que eu te queria,

Levantai-vos e dizei: Moncoso, vai-te assoar;

Quem vos passará de noite? Coitado de um pai que cria

Que eu de dia bem o sei. Uma filha p’ra te dar.

2198 2199

Percorri a Estremadura, Perguntaste donde eu era,

Que lindas, férteis campinas, Qual a minha freguesia;

Onde cresce o louro trigo Minha terra é em Dem

E pastavam vacas turinas. Lugar de Santa Luzia.

2200 2201

Perguntas porque te quero, Perguntaste donde eu era,

Não sei dar-te uma resposta; Que concelho é que eu tinha;

Gosta-se às vezes d’ alguém, Minha terra é em Dem

Sem saber porque se gosta. Meu concelho é Caminha.

2202 2203

Perguntaste como eu ando, Perguntaste donde eu era,

Graças a Deus, ando bem; Que concelho é que eu tinha;

Ando com os pés pelo chão, Sou de Arga de S. João,

Com tu andas também. Meu concelho é Caminha.

2204 2205

Perguntaste como eu ando, Perguntei ao sol se viu,

Graças à Virgem Maria, Ao luar, se conheceu,

Mas agora estou melhor Às estrelas, se encontraram

Com a tua companhia. Um amor que já foi meu.

2206 2207

Perguntaste de onde eu era, Perguntei a S. João

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Eu não te queria dizer; Qual era o maior pecado,

Moro em Arga de Baixo, Uma voz me respondeu:

Já o ficas a saber. Amar e não ser amado.

2208 2209

Perguntaste de onde eu era, Perguntei às caravelas

Que concelho é que eu tinha; Onde nascia o luar;

Minha terra é em Arga, Nos olhos dos marinheiros

Meu concelho é Caminha. Que são mares a brilhar.

2210 2211

Perguntaste donde eu era, Perguntei a um letrado

Deixa que eu já te digo; Qual era a pena mais viva;

Minha terra é em Arga, Se era a ausência do amor,

Dá passagem para o Cerquido se uma triste despedida.

2212 2213

Perguntaste donde eu era, Pesas as tuas palavras

Isso mesmo é que eu quero; Como ouro na balança;

Minha terra é Castanheira, Mas o verdadeiro amor

Meu lugar é o Castelo. Quando quer, tudo alcança.

2214 2215

Pinheiro, dá-me uma pinha, Por me deixares, amor,

Ò pinha, dá-me um pinhão; Não deixei de ser quem era;

Meu amor, dá-me uma fala, Por morrer uma andorinha

Que eu dou-te o meu coração Não acaba a Primavera.

2216 2217

Pinheiro, dá-me uma pinha, Portugal, terra tão linda,

Ó silva, dá-me uma amora; Como tu não há igual;

Meu amor, dá-me um beijo Ó terra dos meus avós,

Que me quero ir embora. Salvé, lindo Portugal.

2218 2219

Pinheiro do pinheiral, Primavera das flores,

Que te hei-de mandar cortar; Primavera florida;

Tu foste o causador Eu tinha gosto viver

Do meu amor me deixar. Os meus cem anos de vida.

2220 2221

Podes crer no que te digo, Primavera, Primavera,

Neste meu prometimento; Primavera dos boieiros,

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Jurei-te um amor eterno, Coitadinhos dos pastores

Não quebro meu juramento. Que dormem pelos chiqueiros.

2222 2223

Podes dizer, não me iludes, Prometeis um mundo novo

Que o teu amor é sincero: Vós que estais no vosso império;

Pois, nas mentiras que dizes Calai-vos que pode o povo

Acredito, quando quero. Quer um mundo novo a sério.

2224 2225

Pões os teus olhos em brasa, Pus-me a contar ao contrário

Quando algum noivado vês; As pedras duma coluna:

Deixa lá casar quem casa, Nove, oito, sete, seis,

Que ninguém nos tira a vez. Cinco, quatro, três, duas, uma.

2226 2227

Ponte de Lima é lima, Pus-me a contar as estrelas

Viana é um limão; À esquina duma coluna;

E boucinho é um ramo Nove, oito, sete, seis,

Do verde manjericão. Cinco, quatro, três, duas, uma.

2228 2229

Por cima de que navios Pus-me a contar as estrelas

Duas gaivotas irão Com a ponta da espada;

Gritando a ventos opostos, Comecei à meia-noite,

Sofrer sim, esquecer não. Acabei de madrugada.

2230 2231

Pus-me a contar as estrelas, Quando eu era sacristão,

Contei duzentas e doze, Já fazia diabruras.

Com mais duas no teu rosto Molhava o pão no azeite

São duzentas e catorze. E punha os santos às escuras.

2232 2233

Pus-me a contar as estrelas, Quando eu era solteirinha,

Só a do norte deixei; Usava fitas aos molhos;

Por ser a mais bonitinha Agora já sou casada,

Contigo a comparei. Trago lágrimas nos olhos

2234 2235

Pus-me a cortar e cortei, Quando eu era solteirinha

O pescoço à cabaça; Usava fitas e laços;

Meu pai é cantador, Agora que sou casada

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Eu saio à mesma raça. Uso os filhos nos braços.

2236 2237

Pus-me um dia a percorrer Quando eu quis, tu não quiseste

Este lindo Portugal, Comigo tomar amores;

Pois queria ver, sentir Agora queres, eu não quero,

Seus encantos sem igual. Já tenho outros melhores.

2238 2239

Qual será o candeeiro Quando falavas comigo,

Que irá iluminar as sete salas; Tua mãe que te dizia?

Qual será o coração Que eras pano do alto preço,

Que irá ouvir tuas falas? Eu que te não merecia.

2240 2241

Quando andares bem disposto, Quando for a tua casa,

Antes do alvorecer, Hei-de dar-te um beijinho

Vai à rua do sol posto Para nunca te esquecer

Para ver o sol nascer. Que és o meu amorzinho.

2242 2243

Quando canto, canto raiva, Quando leres esta carta,

É bem para quem me entende; vais ficar admirado;

Agora anda a moda Mesmo que tu não quisesses,

De comprar a quem me vende. Por mim foste enganado.

2244 2245

Quando estava à tua beira, Quando li a tua carta,

Parecia-me estar no céu, Com ela tive alegria,

Eu nunca no mundo vi Com ela passo na mão

Um prazer igual ao teu. Uma hora cada dia.

2246 2247

Quando olhava os teus olhos, Quatro coisas quer o amo

Dava-me vontade de chorar; Ao criado que o serve:

Pois eu sei que te amo Deitar tarde, erguer cedo,

E não sei se me estás a amar. Comer pouco, andar alegre.

2248 2249

Quando o mar deitar à praia Quatro coisas são precisas

Uma açucena perdida! Para saber namorar:

Uma fama sem proveito Olho fino e pé ligueiro,

Nunca é mais restituída! Memória e saber falar.

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2250 2251

Quando o sobreiro der baga, Quatro com cinco são nove,

A cortiça for ao fundo, Agora já sei contar;

Só então hão-de acabar Quem me enganou uma vez

As más línguas deste mundo. Não me torna a enganar.

2252 2253

Quando o sol se esconde Quatro com cinco são nove,

E o dia chega ao fim, Com mais nove são dezoito,

Eu veja teus olhos castanhos Com mais seis são vinte e quatro,

A olharem para mim. Com mais quatro são vinte e oito.

2254 2254

Quando ouço a tua voz, Quatro com cinco são nove,

Eu sinto grande harmonia; Para doze faltam três;

Desaparecem as trevas, Se algum dia te faltei,

Ressurge claro o dia. Aqui me tens outra vez.

2255 2256

Quando te vi, ó ferreiro, Quatro flores em meu peito,

Deu-me vontade de rir Todas quatro desmaiadas;

Com a cara ensarralhada Cravo roxo, amor-perfeito,

Com olhos a reluzir. Rosa branca e encarnada.

2257 2258

Quarenta metros de altura Que andas a fazer, espantalho

Subiu a nossa amizade, De loureiro em loureiro

Subiu e tornou a descer O espantalho quer casar

Pela tua falsidade. E o espantalho está solteiro.

2259 2260

Quatro castanhas assadas Que importa perder a vida

Quatro pingas de aguardente, Em luta contra a traição;

Quatro beijos de uma moça Se a razão mesmo vencida

Já põem um velho contente. Não deixa de ser razão?

2261 2262

Que lindo botão de rosa Quem me dera que viesse

Que aquela roseira tem: O tempo que há-de vir...

Debaixo ninguém lhe chega, O tempo das desfolhadas

Acima não vai ninguém. Para me eu divertir.

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2263 2264

Que lindo cabelo tens, Quem me dera uma lima

Todo encaracolado; Para limar a garganta...

Em cada cabeleirinho; Para cantar como a rola,

Trazes um anjo pintado. Como a rola ninguém canta.

2265 2266

Quem dois ama ao mesmo tempo Quem me dera uma mãe

Tem talento de mão cheia; Inda que uma silva fosse;

Ainda que uma luz se apague Mesmo que a silva picasse,

Nunca fica sem candeia. O nome de mãe é doce.

2267 2268

Quem fala de mim, quem fala? Quem namora os estudantes

Quem fala de mim, quem é? Faz dois pecados mortais:

Deve ser algum chinelo Tira-os a eles dos estudos,

Que me não serve para o pé. Dão desgostos a seus pais.

2269 2270

Quem me dera adivinhar, Quem quiser comprar, eu vendo

Mas não adivinho nada; Meu coraçaõ que é de prata;

Um momento em cada dia Vai no Domingo à missa,

P’ra viver descansada. Lá no adro se remata.

2271 2272

Quem me dera adivinhar, Quem quiser que a água corra,

Um momento em cada dia, Faça-lhe o rego bem feito,

Para ver teu coração Quem quiser ser respeitado,

P?ra que lado pretendia. Tem de se dar ao respeito.

2273 2274

Quem me dera agora estar Quem se senta ao soalheiro

Onde está meu coração... É quem não quer trabalhar;

Lá no campo das saudades, Leva a tesoura na língua

Onde os meus suspiros vão. Para dos outros cortar.

2275 2276

Quem me dera ir ao Porto, Quem sobe ao nosso Calvário,

Ao porto de Matosinhos: Ainda que seja ao teu,

Quem me dera ser caixeira Vendo tão belo cenário

Da loja dos teus carinhos. Julga-se às portas do Céu.

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2277 2278

Quem tem telhados de vidro Raparigas, cantai todas

Não pode atirar pedradas Um pouquinho e bem

Eu fui atirar às dos outros O muito cantar enfada,

Eu achei as minhas quebradas. Um pouco parece bem.

2279 2280

Que passarinho é aquele Raparigas, cantai todas

Que canta na oliveira... Vamos todas ao terreiro,

É o galo do abade Vamos pequenas e grandes,

Que fugiu à cozinheira. Toda a palha faz palheiro.

2281 2282

Que te importa a minha saia, Raparigas do meu tempo,

Ou o balão que ela tem’ Guardai o que é vosso é

Comprei-a com o meu dinheiro, Às que não cantam, nem dançam,

Não devo dela a ninguém. Também lhes escorrega o pé.

2283 2284

Rapariga não te cases Raparigas do meu tempo,

Com homens que viuvaram; Rapazes da minha idade,

Não queiras aninhar pintos Casai-vos aos trinta anos,

Que outras galinhas deixaram. Gozai bem a mocidade.

2285 2286

Rapariga não te cases Raparigas do meu tempo,

Que é a desgraça de muita gente. Vede lá por onde andais;

Os homens não pensam em nada, A honra é como o vidro,

Só querem dormir no quente. Quebrando, não solda mais.

2287 2288

Rapariga não te cases Rapariga, tu és tola,

Que o casar é sempre mau. O teu juízo «vareia»;

Mais vale andar pelas ruas Deitaste água no lume,

A vender colheres de pau. Aguardente na candeia.

2289 2290

Rapariga opiniosa, Rapariga, tu és tola,

Guarda a tua opinião. Se choras por mim, és louca!

Os rapazes são baratos, Eu vou por aqui abaixo,

A dez reis o quarteirão. Largo uma, pego noutra.

2291 2292

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Raparigas, cantai todas, Rapaz de sapato baixo;

Rapazes, cantai com elas; Não entras no meu quinteiro;

Aqui não há que dizer, O meu pai diz que não quer

Nem dos rapazes, nem delas. Ter um genro brasileiro.

2293 2294

Rapazes, quando eu morrer Retirai-vos, mocidade,

Levai-me devagarinho. Que o terreiro é estreito;

À porta do cemitério Eu quero dar duas voltinhas,

Descansai um bocadinho. Quero-as dar ao meu jeito.

2295 2296

Rapazes, quando eu morrer Rico filho, rica pomba,

Não quero choros, nem gritos, Rica estrelinha do norte;

Só quero à minha beira Estás a defender a Pátria,

Garrafão de cinco litros. Deus te dê boa sorte!

2297 2298

Rapazes, não cases comigo, Rosa branca, não consintas

Que a tua mãe quer riquezas; Que o cravo te ponha a mão.

Se algum dia fores à França, Rosa branca enxovalhada

Traz de lá uma francesa. Já não tem aceitação.

2299 2300

Rapaz, não te namores Rosa branca, toma a cor,

Da bonita dançadeira, Não sejas desbotada;

Namora-te com quem tenha Em frente das outras rosas

O canastro defronte da eira. Rosa branca não és nada.

2301 2302

Rebento de Portugueses Rosa branca, tu não deixes

De outros tempos, de outras eras, O cravo pôr-te a mão;

A alma dos brasileiros A rosa enxovalhada

É como a nossa, deveras. Perde toda a estimação.

2303 2304

Repara bem, ó Joana, Rosa cortada à roseira

Que não precisei de ti; Depressa perde a formosura,

Encontrei na chaminé Filha roubada a seus pais

O fato que vês aqui. É rosa que pouco dura.

2305 2306

Resineiro engraçado, Rosa que estás na roseira,

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Engraçado no cantar; Fechadinha no botão;

Eu hei-de ir à terra dele, Deixa-te estar fechadinha

Se me lá quiser levar. Que lá te procurarão.

2307 2308

Respira sempre bom ar, Rouxinol de bico preto,

Ar puro pelos pulmões; Deixa a baga no loureiro;

Mas foge do ar encanado deixa dormir o meu amor

Que conduz constipações. Que está no sono primeiro.

2309 2310

Rouxinol que tão bem cantas, Se algum dia te quis bem,

Onde aprendestes a cantar? Esse tempo já passou;

No cimo do pinheiro alto; Se ainda olho para ti,

Ninguém pode lá chegar Foi jeito que me ficou.

2311 2312

Rua abaixo, rua acima, Se à minha porta está lama,

Todo o mundo me quer bem À tua está um lameiro;

Só a mãe do meu amor Quando falares de mim,

Não sei que raiva me tem! Olha para ti primeiro.

2313 2314

Saberás o que eu sinto Se a perpétua cheirasse,

Por estar longe de ti; Eras a mais linda flor,

As mágoas sinto-as eu, Mas como a perpétua não cheira

Sinto-as dentro de mim. Por isso não tem amor.

2315 2316

Sabes cantar e não cantas, Se chegar a casar,

Deus te queira castigar. Há- de ser com um primo meu;

Sabes cantigas bonitas, Se chegarmos a ralhar,

Não mas queres ensinar. Primo, não é mais do que eu.

2317 2318

Salgueiro da minha porta, Se Domingo fores à missa,

Deita raiz para onde quer; Põe-te em local que t’eu veja;

É como os moços solteiros, Não faças andar meus olhos

Enquanto não têm mulher. Em balanços na igreja.

2319 2320

Salgueiro de ao pé da água Se Domingo fores à missa,

Dá-lhe o vento, cai-lhe a folha. Põe-te na igreja ao centro;

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Tens quem te queira bem, O padre vai dizer missa,

Eu muito mais onde escolha. Nós, tratar o casamento.

2321 2322

Salgueiro pega de estaca, Se em ti eu vivo, chorando,

Amieiro de raiz; É terrível meu sofrer;

Fala lá como quiseres; Antes a morte eu prefiro

Mas fui eu te não quis. Que ausente de ti viver.

2323 2323

Sapato branco, bicudo, Se entra o sol pela janela,

Não entra no meu quinteiro; Corro a fechá-la com medo;

Meu pai é lavrador, Não vá o sol, tagarela,

Não quer genro cabaneiro. Revelar o meu segredo.

2324 2325

Se eu com lágrimas pudesse Se eu tivesse que dar, dava,

Suspender a tua ida... Não tenho que dar, aceito

Eu diria aos meus olhos Aceito cravos e rosas

Que chorassem toda a vida. Do jardim desse teu peito.

2326 2327

Se eu entrasse no teu peito, Se fores ao mar pescar,

Sabia o teu interior; Pesca-me uma laranjinha;

Assim, como lá não entro, Na tua mão é azeda,

Não sei se tens outro amor. Na minha é docinha.

2328 2329

Se eu fosse rapaz, não queria Se fores ao mar pescar,

A prender para tocador; Pesca-me uma laranjinha;

Andar agarrado às tábuas Ainda que seja azeda,

A desprezar o seu amor. Da tua mão é docinha.

2330 2331

Se eu juntasse as minhas penas, Se fores ao meu jardim,

Quando estás longe de mim... Tira a flor que quiseres;

A vida seria apenas Só te peço que me deixes

Um mar de penas sem fim. A flor do bem- me-queres.

2332 2333

Se eu soubesse namorar Se fossem pedras as lágrimas

Como sei cantar cantigas, Que eu por ti tenho chorado,

Eu fazia rir as pedras, Já se fazia uma ponte

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Quanto mais as raparigas. Por cima do mar salgado.

2334 2335

Se eu soubesse que morria, Segredos da minha vida

Mandava fazer a cova Só à noite os sei contar;

No lugar da Aldeia, Só ela me viu sorrir,

À porta da minha sogra. Só ela me viu chorar.

2336 2337

Se eu tivesse dinheiro Segunda-feira te amo,

Como sei cantar cantigas; Na terça te quero bem,

Eu fazia rir as pedras, Na Quarta digo que morro,

Quanto mais as raparigas. Na Quinta digo por quem.

2338 2339

Se eu tivesse que dar, dava, Se houvesse flores pretas,

Como não tenho, aceito; Pretas da cor do carvão...

Aceito cravos e rosas Eu mandava-as cultivas

Do jardim desse teu peito. Dentro do teu coração.

2340 2341

Sei de um ninho de andorinha Semeei na minha horta

No pessegueiro da horta. Os cacos duma caneca;

Quando vou buscar as couves, Nasceu-me uma burra velha

Andorinha, abre-me a porta. A tocar numa rabeca.

2342 2343

Sei dum ninho de andorinha Semeei, não apanhei

No pessegueiro da horta. Erva cidreira na areia;

Quando vou buscar as couves, Quem semeei, não apanha,

Andorinha, fecha-me a porta. Que fará quem não semeia?

2344 2345

Sei que a tua indiferença é aparente Se me queres chamar, ama,

Sei que o meu ciúme te tortura; Se não, regala-te bem;

Eu sei que essa frieza não a sente O mundo é muito grande,

Teu pobre coração que me procura. Não falta quem queira bem.

2346 2347

Sei um cento de cantigas, Se me quiseres falar,

Mais uma canastrada; Vai à fonte, se puderes;

Se as canto hoje todas, A água não vai contar

Amanhã não canto nada Os braços que me deres.

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2348 2349

Sei um cento de cantigas, Se me tivesse amor

Mais uma taleigada; Se me tivesse carinho...

Posso cantar toda a noite, Escrevia-te uma carta

Mais toda a madrugada. Nas asas dum passarinho.

2350 2351

Se juras para que eu creia, Se me vires no mar perdida,

Não creias que me iludo; Não me trates com desdém;

Jurar é escrever na areia, Olha que Deus também castiga,

Vem a onda, apaga tudo. Não diz quando, nem a quem.

2352 2353

Semear e não colher Se morrer o meu rival,

É que atrasa o lavrador; Tenho o luto comprado;

Eu também ando atrasada Uma saia cor-de-rosa

Nas falas ao meu amor. E um avental encarnado.

2354 2355

Semeei e não colhi, Sempre gostei de cantar

Pois bem pudera colher; Cantigas ao desafio;

Semeei os teus carinhos, E nunca sequei a boca,

Não me quiseram nascer. Nem fui beber água ao rio.

2356 2357

Se eu fosse a mulher Se passares pelo adro,

Dar ao homem educação... No dia do meu enterro...

Seriam mais ferozes Pede à terra que não gaste

Que o tigre e o leão. As tranças do meu cabelo.

2358 2359

Se o bem querer fosse crime, Se pensas que és mais do que eu,

Eu era das criminosas; Nem és menos, nem és mais;

O bem querer não é crime, Debaixo da terra fria

É raiva das invejosas. Todos somos iguais.

2360 2361

Se o bem querer se pesasse Se pretendes minha mão,

Com a balança na mão, Vai pedi-la ao meu pai...

Do meu dependia Se ele disser que está longe...

Ir a balança ao chão. Ao longe também se vai.

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2362 2363

Se o bem querer se pesasse Se quereis que eu cante a gota,

Na balança da razão Dai-me vinho ou dinheiro;

Da minha banda, menina, Esta minha gargantinha

A balança ia ao chão. Não é forja de ferrreiro.

2364 2365

Se cantar desse dinheiro, Se queres comprar, eu vendo

Até eu seria rico; Um amor que já foi meu;

Mas como não dá nada, Era lindo como um cravo

Pobre sou e pobre fico. Mas falso como um judeu.

2366 2367

Se o mar tivesse varandas Se quiseres que a água corra,

Como tem embarcações... Deita pedras à levada.

Ia-te ver ao Brasil Se quiseres o amor firme,

Em certas ocasiões. Cala-te e não digas nada.

2368 2369

Se o teu novo amor, Ser pobre não é vergonha,

Souber contas de somar... Nem razão para tristeza;

Não lhe contes o passado, A pobreza Deus a amou

Pois terá muito que contar. Com toda a delicadeza.

2370 2371

Se ouvires dizer que eu morro, Ser pobre não é vergonha,

Não metes a roupa à tinta; Nem razão para tristeza;

Eu morro e vou p’ro Céu, Quantos nos seus sentimentos

Tu ficas na tua quinta. Têm a maior riqueza.

2372 2373

Sete estrelas vão altas, Se tu visses o que eu vi

Mais alto vai o luar, No buraco da parede...

Mais alto vai a aventura O sardão a mais a cobra

Que Deus tem para nos dar. A dançar a cana verde.

2374 2375

Se tu me quiseres bem Se tu visses o que eu vi

Como de boca o dizes... No cantinho da Galiza...

Já podias Ter ganhado A mulher a bater no homem

No meu coração raízes. Com a fralda da camisa.

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2376 2378

Se tu partires um dia, Siga a rusga, siga a rusga,

Sentar-me-ei à tua espera. Eu também lá quero ir,

Tu irás sem alegria, Sou rapariguinha nova,

Eu espero a Primavera. Tenho que me divertir.

2379 2380

Se tu soubesses, Maria, Siga a rusga, siga a rusga

Não sabes, valha-me Deus! Siga a rusga, trema a terra;

Quantas coisas te diria, Venha lá o que vier

Se fosse um brinco dos teus. Nossa ronda não arreda.

2381 2382

Se tu visses o que eu vi, Silva verde, não me prendas,

Ainda te havias de admirar, Olha que me não seguras;

Um cadela com pintainhos, Eu tenho rebentado

Uma galinha a ladrar. Outras cadeias mais duras.

2383 2384

Se tu visse o que eu vi Silva verde, não me prendas,

Choravas o que eu chorei.... Olha que me não seguras;

A cobra a deitar água Olha que eu tenho quebrado

Como o chafariz do rei. Outras, algumas mais duras.

2385 2386

Se tu visse o que eu vi Silva verde, não me prendas,

Lá no Rio de Janeiro, Que eu não tenho quem te corte;

Um macaco a bater sola Não sejas tu, silva verde

No nariz de um sapateiro. A causa da minha morte.

2387 2388

Se tu visse o que eu vi Só a flor do suspiro

Na Rua de Guimarães, Tem para mim estimação;

Um macaco sem orelhas Todas as rosas se vendem,

A fazer a barba aos cães. Só os suspiros se dão.

2389 2390

Sonhei de noite e acordei, Sou fonte e morro de sede

Vi o céu estrelado; Mistérios que a vida tem;

As estrelas são sinais Passai-vos anos e vede,

Com muito significado. Não mato a sede a ninguém.

2391 2392

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Sou da Gandra, sou da Gandra; Sou pequena, pequenina,

Sou da Gandra no cantar; Delgadinha como a cana;

Para ver se sou ou não, Sou nfilha dum lavrador,

Reparem no meu trajar. Nenhum garoto me engana.

2393 2394

Sou de Arga, sou de Arga, Sou pequena, pequenina,

Sou de Arga natural. Sou mulher da minha casa.

Quem não conhece Arga Se não chegar à masseira,

Não conhece Portugal. Ponho-me em cima da rasa.

2395 2396

Sou de Arga, sou de Arga, Subi à amendoeira,

Sou da Arga no cantar. Toda me enchi de flores;

Para ver se sou ou não, Tão pequenina que eu era,

Reparem no meu trajar. Tão pretendida de amores.

2397 2398

Sou de Dem, sou de Dem, Subi ao altar-mor

Sou de Dem no cantar; A acender a vela ao trono;

Quem não quer acreditar Nunca gostei de falar

Vem ver aqui o meu trajar. Com amor que tenha dono.

2399 2400

Sou de Dem, sou de Dem, Subi ao céu e sentei-me,

Sou de Dem no cantar; Duma nuvem fiz encosto;

Sou da mesma freguesia, Dei um beijo numa estrela,

Moro no mesmo lugar. Cuidando que era o teu rosto.

2401 2402

Sou do Minho, sou do Minho, Subi ao limoeiro,

Do Minho sou natural; Cheguei ao meio e caí;

A freguesia de Arga de Cima Quem quiser tomar amores

É minha terra natal. Suba, que eu já desci.

2403 2404

Sou do Minho, sou do Minho, Subi ao limoeiro,

Do Minho e quero ser; Cheguei ao meio e caí;

Sou do Minho, meu amor, Se o limoeiro é morte,

Sou do Minho até morrer. Ai Jesus, que já morri.

2405 2406

Subi ao limoeiro, Tendes pescoço de neve,

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Um limão verde cortei; Nele se pode escrever.

Para te cortar o fastio, Pudera eu ser estudante

Se fui eu que to causei. Que nele aprendera a ler.

2407 2408

Subi ao penedinho, Tenho à minha janela

Ouvi cantar e parei; Alecrim às manadinhas;

Ó que cantiga tão linda, Se eu soubesse quem tu eras,

Quem a cantava não sei! Não ouvias falas minhas.

2409 2410

Subi ao teu coração, Tenho à minha janela

Nunca tão alta me vi; Brilhantinas por abrir;

Subi, estava lá outra, Quem por mim perdeu o sono,

No mesmo instante desci. Agora pode dormir.

2411 2412

Subi um ramo verde, Tenho à minha janela

Corri-o de nó em nó; O que tu não tens à tua;

Minhas falas são p’ra todos, Tenho cravos e rosas

Meu coração para ti só. Viradinhos para a rua.

2413 2414

Também lá na vossa rua Tenho à minha janela

De tudo topo bastante! Um canivete dourado

Mas, quando eu vou com o saco, Para partir as fatias

Já vos lá topo diante. No dia do teu noivado.

2415 2416

Tanta silva, tanta silva, Tenho carta no correio,

Tanta silva, tanta amora; Ai Jesus, de quem será?

Tanta menina bonita Se é do António, não quero,

E meu pai sem uma nora. Se é do José, vou lá já.

2417 2418

Teima, meu bem, teima, Tenho corrido mil terras,

Quem teima, sempre vence; Ainda mais arraiais;

Eu também hei-de teimar Tenho visto caras lindas

A parte que me pertence, Como a tua, muito mais.

2419 2420

Tendes olhos, mercai olhos Tenho corrido mil terras,

Ó que bela mercancia! Vila Nova de Cerveira;

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Mercai também os meus Vou-te dar os parabéns,

Para a vossa companhia. Minha linda cantadeira.

2421 2422

Tenho corrido mil terras, Tenho dentro do meu peito

Vila Nova, Vila Mou, Uma pena de andorinha;

Tenho visto caras lindas, Tenho o meu amor ausente

Só a tua me agradou. Lá na vila de Caminha.

2423 2424

Tenho dentro do meu peito Tenho dentro do meu peito

Dezanove gavetinhas; Um copinho d’aguardente

Para guardar tuas falas, Para dar ao meu amor

Já que não guardas as minhas. Que está na cama doente.

2425 2426

Tenho dentro do meu peito Tenho dentro do meu peito

Dois moinhos a moer; Chegadinho ao coração,

Um anda outro desanda, Duas palavras que dizem:

Assim faz o bem querer. Amar e deixar-te, não.

2427 2428

Tenho dentro do meu peito Tenho galos e galinhas,

Duas escadas com flores: Também tenho uma perua;

Por uma descem saudades, Tenho galado galinhas

Por outra sobem amores. Com crista maior que a tua.

2429 2430

Tenho dentro do meu peito Tenho na minha janela

Duas espinhas de peixe: Brilhantina aos molhos;

Uma diz-me que te amo, Tenho à minha frente

Outra diz-me que te deixe. A prisão dos meus olhos.

2431 2432

Tenho dentro do meu peito Tenho no meu quintal

Laranja sobre limão; Dois pessegueiros a abrir;

Para Ter de toda a fruta Ninguém sabe o meu intento,

Falta-me o teu coração. Nem o que eu hei-de seguir.

2433 2434

Tenho dentro do meu peito Tenho o catarro num dedo, Uma laranja partida Constipação num braço; Para dar ao meu amor Tenho uma espinha no peito

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Que anda de beiça caída. Que me atravessa o cachaço. 2435 2436 Tenho dentro do meu peito Tenho ouro, tenho prata, Uma laranja partida; Também tenho algum cobre; Para dar ao meu amor Tenho de tudo bastante, Que lhe quero mais que a vida. Só de amores estou mais pobre. 2437 2438 Tenho ouvido dizer Tenho visto alguns olhos Ao lavrador da cidade: Que têm um grande defeito: Quem semeia em boa terra Olham para mim de lado, Colhe boa novidade. Não podem olhar a direito. 2439 2440 Tenho raiva à gente gorda, Tenho visto muita dama, Que o meu amor é magrinho. Muitas mais ainda verei; No domingo vi à missa, Tenho visto caras lindas, Parece-me um fidalguinho Só da tua me agradei. 2441 2442 Tenho tosse no cabelo, Tenho visto raparigas Dor de dentes no cachaço; Entristecendo seus rostos, Abanam-se as sobrancelhas, Somente pelos rapazes Não vejo nada de um braço. Lhes darem vários desgostos. 2443 2444 Tenho uma bola de vidro, Tens loureiro à porta, Se se aperta na mão, quebra Tens o balcão sombrio; Assim é você comigo, Quem tem sombra, tem regalo, Julga que o vento me leva. Quem tem regalo, tem brio. 2445 2446 Tenho uma casa no mar Tinha eu dezoito anos, Com vinte e cinco varandas; Na flor da minha idade; Hei-de subir à mais alta Ensinaram-me a mentir, Para ver onde tu andas. Nunca mais falei verdade. 2447 2448 Tenho uma casa no monte Tive um sonho esta noite Atrancada com sete trancas; Que muito me incomodou. Está um burrinho lá dentro Um sonho todo de luto Que rincha como tu cantas. Que seis vezes me acordou.

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2449 2450 Tenho uma silva na casa Toda a água vai para o rio, Que bebe na cantareira; Toda vai parar ao mar; Tenho a minha mãe contente Todo o tonho namora, Por eu não ter quem me queira. Todo o tonho quer casar. 2451 2452 Tenho num nome gravado Toda a moça que é bonita Com a maior alegria Nunca havia de nascer; Na freguesia de Arga, É como a pera madura, Terra de Santa Maria. Todos a querem comer. 2453 2454 Toda a mulher que se casa Toma lá uma laranja, Grande castigo merece. Não digas que eu ta dei, Larga o pai e larga mãe Que en não tenho laranjeira, E vai com quem não conhece. Por tua causa a roubei. 2455 2456 Toda a vez que em ti penso, Trazes um cravo ao peito, Se uma estrela se apagasse; É sinal de casamento; Talvez que no céu imenso Tira o cravo e põe a rosa, Nem uma estrela brilhasse. Que o casar ainda tem tempo. 2457 2458 Toda a vida desejei Trepei ao pinheirinho, O que nunca pude alcançar: Trepei com os pés de ponta; Uma casa no Brasil Não me olhes com ciúme, Com as varandas para o mar. Não estou por tua conta. 2459 2460 Toda a vida fui pastor, Tu dizes que me namoras, Toda a vida guardei gado; Andas-te aí a gabar; Tenho corcunda nas costas O peixe morre pela boca, De me encostar ao cajado. E tu perdeste em falar. 2461 2462 Toda a vida fui pastor, Tudo é casar, casar, Toda a vida guardei gado; Eu também me casaria, Tenho uma nódoa no peito Se a vida casada fosse De me encostar ao cajado. Como a do primeiro dia. 2463 2464 Todas as ervas se secam Tudo o que é triste no mundo Nas resinas do Verão; Tomara que fosse meu; Tudo torna a renovar, Para ver se tudo junto

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Só a mocidade não. Era triste como eu. 2465 2466 Toma lá esta laranja, Tudo o que é verde, seca, Tira-lhe o que tem dentro; Lá no final do Verão; Da tona faz um barquinho, Tudo torna a renovar, Embarca teu pensamento. Só a mocidade, não. 2467 2468 Toma lá, que te dou eu, Tu és cravo, eu sou rosa, Do meu coração, falinhas, Qual de nós valerá mais? Já que te não posso dar Tu és cravo da janela, Dos meus olhos, as meninas. Eu sou rosa dos quintais. 2469 2470 Tu és sombra, eu sou o sol, Varejai, varejadores, Qual de nós é mais querido? Apanhai, apanhadeiras, Sombra do Verão é regalada, Apanhai bagos de ouro Sol do Inverno é apetecido. Que caem das oliveiras. 2471 2472 Tu não vais à procissão Vejo Vigo, vejo Vijo, Para rezar à Virgem Mãe; Também vejo Redondela! Vais, para aqueles que lá vão Vejo os campos da Galiza, Verem que tu vais também. Caminhos da minha terra. 2473 2474 Tu pensas que és mais que eu, Venha, venha vinho, Engana-te o coração, Venha mais meia canada Se o és em formosura, O dinheiro paga tudo, Não o és em geração. Não se fica a dever nada. 2475 2476 Tu pensas que és mais que eu Verde foi o meu nascimento Por andares asseada; E de luto me vesti, Vai levar a roupa ao dono Para dar a luz ao mundo Que a trazes emprestada. Mil tormentos padeci. 2478 2479 Uma silva me prendeu, Viana já foi Viana Outra soltar me queria. E agora é Vianinha; A silva que a mim prende Até agora foi do rei, É da nossa freguesia. Mas agora é da rainha. 2480 2481 Uma velha, muito velha, Viana por ser Viana, Fez um chuçador de pau Por ter o nome que tem... Chuça velha, chuça velha, Não há terra como a minha,

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Que o chuçador não é mau. Para amar e querer bem. 2482 2483 Uma velha, muito velha, Vila Praia, claro está, Mais velha que o meu chapéu, Não é nenhuma prisão; Falaram-lhe em casamento, Mas quem lá vai, fica lá, Ergueu as mãos para o céu Ou volta sem coração. 2484 2485 Vai-te embora, mês de Maio, Vinde moços, vinde todos, Deixa a flor da giesta; alegres do coração, Queria deixar, não posso, Trabalhar, depois dançar Não sei que cegueira é esta. Para este belo serão. 2486 2487 Vi o teu nome escrito Viva quem nos tem amor Na palma da tua mão; E nos quer auxiliar; Tão lindo que ele era, Viva o nosso professor Que me ficou no coração. E a nossa caixa escolar. 2488 2499 Virai, rapazes, virai Vós dizeis que não há rosas, As costas à terra fria; Nem brancas, nem amarelas! A terra é quem nos come, Ide ao lugar do Torno, Mas também é quem nos cria. Que lá há um ramo delas. 2500 2501 Viva Arga, viva Arga, Vós dizeis: Viva Covas, Terra de poucos valados. Não sei que graça lhe achais; Terra das moças bonitas Terrra do milho miúdo, E dos moços engraçados. Alimento dos pardais. 2502 2503 Viva a súcia, viva a súcia, Vós sois todos uns tratantes, Viva a súcia, trema o chão! Disso está o mundo cheio; Vivam todos aqueles Tanto velhos como novos, Que na nossa súcia vão. Um casado ou um solteiro. 2504 2505 Viva Dem, viva Dem, Vou cantar uma cantiga, Santo Aginha e Cabração. Com esta já lá vão duas; Nestas lindas freguesias Não me vou daqui embora, Navega meu coração. Sem ouvir uma das tuas. 2506 2507 Viva o lugar de Dem, Vou cantar uma cantiga, Terra das ameixoeiras, Não sei se a saberei;

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Por baixo tudo são bruxas, Quem a usa não é mestre, Por cima são feiticeiras. Que eu também assim serei. 2508 2509 Viva o lugar de Santo Aginha, Vou cantar uma cantiga, Terra de grandes olivais, Por agora não canto mais; Terra das moças bonitas Já me dói o céu da boca, E rapazes muito mais. A mais os dentes queixais. 2510 2511 Viva o norte, viva o norte Vou dar-lhe a despedida, Eu também do norte sou: Como deu o Maio à flor; A mocidade do norte Quem se despede, cantando, Sempre foi a que brilhou. Não leva pena, nem dor. 2512 2513 Vou-me por aqui abaixo, Vou perguntar ao coveiro Como quem não vai a nada, Que tempo leva a enterrar Abanar a pereirinha Esta homem tão maldito Que nunca foi abanada. Que se me anda a tentar.

2514

Vou-te dizer adeus, Que este adeus custa a vida;

Custa-me mais do que a morte Esta nossa despedida.

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APÊNDICE

Neste apêndice, o leitor poderá encontrar cerca de duas centenas de

quadras inéditas, ou seja, que não foram publicadas em anteriores edições do

"Cancioneiro da Serra D'Arga".

2515

A Virgem Nossa Senhora

Fêz um milagre no monte

O menino pediu água

Logo se abriu uma fonte

2516

À uma hora nasci

Às duas foi bptizaado

Às três estava de amores

Às quatro estava casado.

2517

Há na vida quatro coisas

De que mais se aformoseia

Um palmo de terra, a enxada

A mulherzinha, a candeia.

2518

Nossa Senhora da Lapa

É pequena e bem feitinha

Comadre da minha mãe

Senhora minha madrinha.

2519

Não queiras saia de chita

Que te hão-de chamar senhora

Antes saia de estamenha

Que é traje de lavradora.

2520

O homem em seus amores

Veja bem as suas passadas,

Pois as mulheres são flores

Que não merecem, ser pisadas

2521

O f é a primeira letra

Que no peito escrevi;

Se alguém padece no mundo

Sou eu por causa de ti.

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2522

Ó estação de Caminha

Cercada de cravos brancos,

Onde o meu amor passeia

Domingos e dias-santos.

2523

Ó estação de Caminha

Cercadinha de Olivais;

Ó cidade de Viana,

Sepultura dos meus ais.

2524

Ó Apóstolo S. Pedro,

Tendes uma rosa no punho

Que te puseram os Anjos

No dia vinte e nove de Junho

2525

Ainda que agora cante

Também já hoje chorei;

Deitei lágrimas douradas

Por um amor que deixei.

2526

Ai Jesus que eu não posso

Com tantas penas amar-te,

São tantos os pretendentes,

Estou resolvida a deixar-te.

2527

Ai de mim que já não posso

Cantar, como já cantei;

Bebi água dos teus olhos,

Minhas vozes derranquei.

2528

A cana verde do mar

Está enterrada no lodo;

Quem a fôr desenterrar,

Ganha um cruzado novo.

2529

A flor que tu me deste

No meu peito deu entrada,

Nunca via prenda tão linda,

Nem coisa tão delicada.

2530

Ai Jesus! Onde estou!

Minha terra onde fica!?

Já não há para o meu mal

Remédio nesta botica.

2531

A cereja vermelhinha

O rouxinol a namora,

Põe o pé no ramo verde

Assobia, vai-se embora.

2532

Aceita tantas lembranças

Como areias tem o mar;

Já que de ti estou longe,

Falas não tas posso dar.

2533

A cana-verde no mar

Deita raízes na areia;

Sou vale a todo o mundo

Todo o mundo me falseia.

2534

A cana-verde no mar

Rebenta logo ao nascer;

Assim rebentam os olhos

A quem não me pode ver.

2535

Meu a mor esta carta

Vai-a ler a um jardim

Dá lá um beijo num cravo

Faz de conta que foi a mim.

2536

De cada vez que me lembro

Que de ti me hei-de afastar

Enchem-se-me os olhos de água

Não fazem se não chorar.

2537

Das lágrimas faço contas

Em que rezo às escuras

Ó morte que tanto tardas

Ó vida que tanto duras.

2538

Da minha janela á tua

Vai uma longa cadeia

Toda cheia de suspiros

Toda de suspiros cheia.

2539

Minha mãe é minha amiga

Quando coze faz-me um bolo

Quando se zanga comigo

Dá-me com a pá do forno.

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2540

A noite só num olhar

Meu coração adivinha

Deus fez as almas aos pares

Fez a tua e fez a minha.

2541

O Sol alto vai doente

A Lua vai-o sangrar

A estrelinha do norte

Sustem a malga no ar.

2542

Vai-te carta aventureira

Ao meu bem depressa acode;

Via-lhe dar uma visita,

Já que o meu coração não pode.

2543

Uma velha cozeu papas,

O pote deitou-lhas fora;

Há um ano que isso foi

E ainda hoje a velha chora.

2544

Vi-te há tempos passeando

De palhaço com chapéu ao lado;

E se julgas que sou quem pensas,

Também estás enganado.

2545

Um astro veio à terra

Ver os Santos de Belém;

Também a luz dos teus olhos

Veio até mim, também.

2546

Tenho o que Deus me deu,

Sem ti que valor terá?

O meu coração é teu,

E o teu de quem será.

2547

Tão bonito e formoso

Que te tornaste e és...

Que as pedrinhas da calçada

Até te beijam os pés.

2548

Tu fingiste que me amaste,

Eu fingi que acreditei;

Foste tu que me magoaste

Ou fui eu que te enganei?

2549

Teus beijos sedosos e quentes

Acabam com o meu sofrer;

As tuas palavras de amor,

Dão-me forças para viver.

2550

Toda a vida desejei

Ter um amor em Venade;

Agora já o arranjei,

Já me Deus fez a vontade.

2551

Sonho contigo acordada,

Sonho contigo a dormir,

Sonho com um grande amor

Que sempre nos há-de unir.

2552

Se tivesse que dar, dava,

Não tenho que dar aceito;

Aceito apenas mágoas

E saudades do teu peito.

2553

Saudade é folha caída

Que o vento lança na lama;

É o pecado na vida

Que se dá a quem se ama.

2554

Se soubesses o quer sofro

Até junto de mim virias.

Para dar-te o meu amor

E tu... amor que farias?

2555

Se eu falasse com Deus,

Duas coisas lhe pedia:

Uma era a salvação;

Outra, a tua companhia.

2556

Viver, casar e amar

Não é difícil papel

Mais difícil é conservar

A eterna lua-de-mel.

2557

Agora te vou dizer

Nossa vida era um mealheiro;

Se fosse da tua vontade

Não estavas mais solteiro.

2558

Amor, não tenhas motivo

Para de ti duvidar;

Mas há sonhos de tal ordem

Que não são de acreditar.

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2559

Cala-te não digas nada

Não recordes o passado

Se fui feliz não o digas

Deixa-me ser desgraçado

2560

Terras de castanheira

Com as leirinhas a descer

No meio de tanta cabra

Algum corninho há-de haver

2561

Coitadinho de quem morre

Se para o Paraíso não vai;

Quem cá fica come e bebe

E logo se lha paixão vai.

2562

O coração que me quer mal

Arrancado visse-o eu

Apresentadinho num prato

A pedir perdão ao meu.

2563

Santo Aginho está a cair

Aldeia já está no chão

Só o lado da Boucinha

É que vai tendo mão.

2564

Chorai olhos chorai olhos

Que o chorar não é desprezo

Que a Virgem também chorou

Quando viu seu filho preso

2565

Viva Deus e Orbacém

S. Lourenço e Cabração

Nestas quatro freguesias

Navega o meu coração.

2566

As asas dos passarinhos

Foram feitas para voar;

Os corações das pessoas

Foram feitos para amar.

2567

Às vezes tenho vontade

De perguntar ao senhor.

Se o amor nasce do beijo

Se o beijo nasce do amor.

2568

Ao passar à tua porta

Vi teu rosto encantador,

Tão formoso que te vi

Que jurei ser teu amor

2569

Assim eu me dirijo

Através deste papel,

Peço-te que me respondas

Se tens coração fiel.

2570

Com pena peguei na pena,

Na pena para te escrever;

A pena caíu-me ao chão

Com pena de te não ver.

2571

Com amor te peço um beijo

É o beijo do sucesso;

Na margem esquerda está escrito

Aquilo que eu te peço.

2572

Amor não sejas ingrato,

Vai viver para a ingratidão;

Deixa ficar em paz

O meu triste coração.

2573

A cana-verde no mar

Dá-lhe o vento faz balanço;

O ladrão do meu amor

Nem na cama tem descanso.

2574

As cartas que tu me escreves

São romances de amor,

Rodeadas de tristeza,

E também cheias de dor.

2575

A cana-verde no mar

Dá-lhe o vento, rebaldeia;

É como o moço solteiro

Que toda a noite passeia.

2576

À Sexta por ti amor,

Ao Sábado por mais ninguém,

Ao Domingo vou à missa.

Para ver quem quero bem.

2577

A ausência tem uma filha

Que se chama saudade;

Eu sustento mãe e filha,

Bem contra a minha vontade.

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2578

À Segunda-feira te amo

À Terça te quero bem,

À Quarta darei suspiros,

À Quinta direi por quem.

2579

A pensar em tudo isto

Vou dizer-te duas palavras;

Espero que elas fiquem

No teu coração gravadas.

2580

As telhas do meu telhado

Deitam água sem chover;

Assim é o meu coração

Quando não te pode ver.

2581

Andas sempre atrás de mim

Passas teu tempo assim;

Mas nunca te compreendi

Porque não gostas de mim.

2582

A flor da fava é branca,

Cai no chão, faz-se amarela;

Ninguém vai pedir a moça,

Sem ter falado com ela.

2583

As estrelas miúdinhas

Todas bordam um cordão,

Para te prender amor,

Junto ao meu coração

2584

As saudades são lágrimas

Que eu choro todos os dias,

Recordando os tempos belos

Enquanto para mim vivias.

2585

Amar e ser amado

È um capricho do amor;

Amar e ser desprezado

È o mais perturbador.

2586

Abre-te campa sagrada

Que eu meu amor quero ver;

Quero-lhe dar um abraço,

Antes da terra o comer.

2587

Abre-te campa sagrada

Desaperta-te caixão;

Pois morreu-me meu amor

Quero-lhe ir pedir perdão

2588

Alegria com paixão

Tudo por mim tem passado;

Se muito me tenho rido

Muito mais tenho chorado.

2589

Alegria não a tenho

Sou um poço de paixão;

Toda a tristeza tem fim

Só a minha alma é que não.

2590

Ai! Ó que rico lencinho

Eu agora arranjei;

Que me deu o meu amor,

Com que sentido, não sei.

2591

O J quer dizer já estou

Meu amor neste teu jeito

Estou presa nesses teus braços

Com laços de amor perfeitos

2592

O F é ser-te fiel

Bem fiel te tenho sido

Adorada prenda minha

Perdição de meu Sentido

2593

O H quer dizer a Hora

Que te comecei amar

Ainda espero em Deus

Meu amor de Lugar

2594

Não me digas mal dos Homens

Que eu isso não quero querer

Eu tomara os ver a todos

Numa panela a ferver

2595

Quem me dera ser a pedra

Que lavas a tua roupa

Faria-te mil carinhos

Mas a minha sorte é pouca

2596

Heide cantar heide rir

Heide ser pantomineira

Heide deitar palha aos moços

Enquanto estiver solteira

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2597

Tenho um chapéu novo

Isto é que é coisa "chica"

Não tem aba nem tem copa

Falta-lhe deitar a fita.

2598

Ainda ontem fui à feira

Lá comprei uma gravata

Já ma vieram pedir

Para "ensôga" de uma vaca

2599

Também tenho um colarinho

Que me custou um tostão

Já me vieram pedir

Para coleira dum cão.

2600

Se não queres casar comigo,

Diz-me já que não queres;

Se há muitos homens na terra,

Também há muitas mulheres.

2601

Se tu queres, eu também quero,

Estamos os dois a querer;

Vamos lá buscar o padre,

Que nos venha receber.

2602

Também tenho um casaco

Feito de novo modelo

Não tem costas nem dianteira,

Está roto no cotovelo.

2603

Eu tenho um colete novo,

Muito justinho ao peito,

Remendo sobre remendo,

Já não sei de que foi feito.

2604

Também tenho uma camisa,

Feita de pano de linho,

Não tem mangas nem tem costas,

Está rota no colarinho

2605

Coitado do pai que cria

Uma filha para a má sorte;

Mais valia que ao nascer,

O Senhor lhe desse a morte.

2606

Cabelos soltos ao vento,

Pés de leve sobre a grama;

A vida é todo o momento

No coração de quem ama.

2607

Aqui vai meu coração

Repartido numa flor;

Quem dá o seu coração

É certo que tem amor.

2608

As pedras também têm alma

Se as pisam choram de dor;

Mas antes chorar as pedras

Que os olhos do meu amor.

2609

Ando triste, muito triste

Mais triste não posso andar;

Só tu meu amor podias

Esta tristeza libertar.

2610

À noite quando me deito,

Na cama para descansar,

O sono de mim se afasta

Em ti me ponho a pensar.

2611

Comprei um cravo fechado

E depois saíu-me aberto

É um regalo na vida

Enganar a quem é esperto.

2613

Anda cá meu bem não fujas,

Eu não como gente viva

Se não queres falar não fales

Meu amor ninguém te obriga.

2614

Passas por mim e não falas

Guardas respeito a alguém

Podes passar e falar

Respeita quem te quer bem.

2615

Oliveira que se queixa

Que se queixa tem razão

Apanharam-lhe azeitona

A rama ficou no chão.

2616

Ó vida da minha vida

Quem diz o contrário mente

Quem diz mal do meu amor

Meu coração não consente.

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2617

Oliveira pequenina

Que azeitona pode dar

Eu também sou pequenina

Mas sou firme no amar.

2618

Segunda-feira te amo

Na Terça te quero bem

Na Quarta choro suspiros

Na Quinta direi por quem.

2619

Eu hei-de pedir ao padre

Que me dê um dia santo

Para ver o meu amor

Que o Domingo tarda tanto

2620

Tenho muitas meias novas

Só de pares tenho dez

Quando as calço todas juntas

Ficam-se-me a ver os pés.

2621

Tenho uns sapatos novos

Destes da moda de agora

Fui ontem para calçá-los

Saíram-me os dedos p'ra fora.

2622

Tenho umas calças novas

Comprei-as ontem na feira

Já mas vieram pedir

Para espantalho da figueira

2623

Agora queria saber

Uma tua opinião;

Se me amas contrariado

Ou se é do coração.

2624

Falai-me meu Deus, falai-me

De dentro dessa vidraça;

Que vos quero perguntar

Se a minha está em graça

2625

O meu amor de brioso

Não leva chapéu á missa

Leva contas de bogalhos

Padres nossos de cortiça.

2626

O meu amor de brioso

Não assenta o pé no chão

Assenta meu bem, assenta

Não tenhas opinião.

2627

Se passares pelo adro

No dia do meu enterro

Pede á terra que não gaste

As tranças do meu cabelo.

2628

Sou cantadeira afamada

Tiro cantigas do fundo

Sou filha de Adão e Eva

Lá dos pricípios do mundo.

2629

Sobreiro baixo e grosso

Que no meio canta a cobra

Quanto mais canta a cobra

Mais o nosso amor dobra.

2630

Á noite menina à noite

À noite ao cantar o galo

O teu pai é muito fino

Mas nós vamos enganá-lo

2631

Amor e felicidades

E os jovens corações

Fazem criar as amizades

E também as ambições.

2632

Aos pés da Virgem Maria

Rezei, e tanto pedi

Que tu me amasses tanto

Como eu te amo a ti.

2633

Assim passo a vida triste

Enquanto por aqui andar;

De me ver de ti ausente

Sem te poder abraçar.

2634

A folha do castanheiro

Nem é longa, nem comprida;

Nela se pode dizer

Amizade de uma amiga.

2635

Amo-te mais cada dia

Longe de ti, que sou eu?

Sou como a concha vazia

De quem o mar se esqueceu.

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2636

As águas claras regam,

Meu amor toda a verdura;

A regar esses teus olhos,

Meu amor de pouca aventura.

2637

As rosas que te mandei,

Mataram o meu desejo;

Em troca do que te dei,

Recebi de ti um beijo.

2638

À porta do meu amor

Nascem roseiras aos ventos;

As brancas são saudades,

As vermelhas sentimentos.

2639

A colcha da minha cama

Fui eu mesmo que a teci;

Os beijos que te não dei

Foi nela que os escondi.

2640

Ainda que visse um ventinho

Que levasse os estudantes,

Ficava Viana livre

De garotos e tratantes.

2641

Tenho uma camisola nova

Destas de ponto inglês

'steve um ano na figueira

Vesti-a ontem outra vez.

2642

As lágrimas são a tinta,

A caneta o sofrimento;

Nunca pensei que tivesses

Amor por tão pouco tempo.

2643

A minha cara é branca,

É branca, côr do papel;

Quando me dás um beijo

Parece que sabe a mel.

2644

C'uma pena de pavão,

E sangue da Cotovia

Hei-de escrever uma carta

Ao meu amor d'algum dia.

2645

Adeus que me vou embora

Para onde não te digo;

Se queres saber para onde,

Prepara-te, anda comigo.

2646

Bem longe te procurei

E bem perto te segui;

Agora que te encontrei

Nos teus braços me perdi.

2647

Até a flor mais linda

Algum dia murchará;

Mas a nossa amizade,

Nunca mais acabará.

2648

Chamas ao meu cabelo

Um ninho de passarinhos;

Eu chamo á tua boca

A caixa dos meus beijinhos.

2649

Cada vez que penso em ti,

Nasce uma rosa a meu lado;

De tanto pensar em ti,

Já tenho um jardim formado.

2650

Chamaste-me tua vida,

Em tua alma quero ser;

A vida acaba com a morte

E a alma não pode morrer.

2651

Coitadinho do meu peito

Que deita sangue pisado;

A culpa tive-a eu

Que te amei demasiado.

2652

A freguesia de Dem

Ao longe parece vila

Tem um cravo na entrada

Uma rosa na saída.

2653

à perdiz devora o monte

À procura de bichinhos;

Quem me dera devorar

Teus lábios só em beijinhos.

2654

A vida é uma estrada

Que temos que atravessar,

Com aqueles rapazinhos

Que nos vieram buscar.

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2655

Apalpei o lado esquerdo

Não sinto o coração;

De repente me lembrei

Que estava na tua mão.

2656

As pedras desta calçada

São de subir e descer;

Alguns mocinhos de agora

São de levar e trazer.

2657

Amor com amor se paga

Não há verdade mais justa;

Paga-me com lealdade,

Meu amor, pouco te custa.

2658

O amor do estudante

É caldo verde amornado;

À mais pequena fervura

Fica o caldo entornado.

2659

O amor de uma viúva

É como o comer sem sal;

É como a fruta sombria

Que nem sabe bem, nem mal.

2660

O amor nasce do dia

E morre no coração,

Vive de correspondência

E morre de ingratidão.

2661

O amor é um presente

Que temos como nenhum;

"Eu" e "Tu", sinceramente,

Nós somos apenas um.

2662

O amor é um pensamento

E é de responsabilidade;

O amor começa no baile

E acaba na maternidade.

2663

O amor é igual ao lume

E à chama que nos aquece;

Amor traído é ciúme

Que o homem nunca esquece.

2664

Ao ver o teu lindo rosto

Eu não sei o que senti;

Só sei que fiquei cativa

Só estou bem ao pé de ti.

2665

A espiga do trigo é verde,

Não é como a da cevada;

A minha amizade amor

Ao pé da tua dobrada.

2666

Adeus meu doce encanto,

Não tardes a responder

A quem tanto te adora,

Tu não deixes mais sofrer.

2667

Agora é que eu vou cantar

Padre, Filho, Espírito Santo;

Seja a primeira cantiga

Que neste auditório canto.

2668

O Senhor deitou ao mundo

Três filhas ao jardim

Uma delas já morreu

Tu não eras para mim.

2669

Meu amor cabelos louros

Pelas costas ao comprido

Heide-os mandar prender

Com um fio d'ouro batido.

2670

Anda cá meu bem querido

Eu te quero outra vez

Não quero que o Mundo diga

Que eu já te deixei de vez.

2671

Semeei trigo no monte

Só me nasceu numa leira

Quando nasceram os homens

Nasceu fraca a sementeira.

2672

O cantar á meia noite

É um cantar excelente

Acorda quem está a dormir

Alegra quem está doente.

2673

Fui cavar penas ao mar

Ficaram brancas de neve

Pois a maré ao baixar

Disse-me adeus até breve.

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2674

Eu fui ao teu coração

Mais valia lá não ir

A chave correu deu volta

Não pode de lá sair.

2675

Dizes que eu não sei cantar

Eu bem sei como se canta

Dá-se um jeitinho à boca

Um romance na garganta.

2676

Quer no Douro quer no Minho

Quer no pátrio torrão

Há-de ouvir-se o folgadinho

Das noites de S. João.

2677

Caí no mar e salvei-me

Nele não me pude afogar

Afoguei-me nos teus olhos

Mais profundos que o mar.

2678

Ai senhora do meu peito

Triste coisa é querer bem

Quanto mais a gente sofre

Mais amor a gente tem.

2679

Vale mais pouco e seguro

Do que muito e incerto

O pouco ninguém nos tira

O muito nunca está certo.

2680

A vida que leva o vento

Na sua roda sem fim

É como a vida que eu penso

E foge sempre de mim.

2681

Como a rosa desfolhada

Vai voando na corrente

O meu pensamento

Voa para ti constantemente.

2682

Uma mulher com formusura

Nunca havia de nascer

É como a pêra madura

Todos a querem comer.

2683

A costela de uma pulga

O coração de um piolho

Há-de ser o teu jantar

Há-de fazer um bom molho.

2684

Lá vai o barco á vela

Lá vai a sardinha boa

Lá vai o meu amorzinho

Sentadinho na proa

2685

Adeus meu amor adeus

Sombra da minha paixão.

Quer de noite, quer de dia

Não me sais do coração.

2686

Tenho à minha janela

O que tu não tens à tua

Um vaso de mangerico

Que dá cheiro a toda a rua.

2687

O meu amor é um cravo

Eu bem o soube escolher

No craveiro não há outro

Só se lhe agora nascer.

2688

Toda a vida fui alegre

Toda a vida o hei-de ser

Se eu soubesse que não era

Mais me valera morrer.

2689

Ó luar da meia noite

Ó luar da caridade

Ó luar que me tens presa

Toda a mina liberdade.

2689

Não cortes a oliveira

Nem lhe ponhas o machado

Ilumina a noite inteira

A Jesus crucificado.

2690

O meu coração é oiro

É oiro tem gavetinhas

Onde guardo os meus segredos

Mais as tuas falinhas.

2691

O pangaio anda anda

De loureiro em loureiro

O pangaio quer casar

O pangaio está solteiro.

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2692

Uma velha muito velha

Mais velha que a saragoça

Falaram-lhe em casamento

A velha tornou-se moça.

2693

Ó moças casai comigo

Que eu tenho muito dinheiro

O meu pai está no Brasil

Sou filho de um brasileiro.

2694

Gravata vermelha é guerra

Meu amor nesse teu peito

Diz ao teu pai que te case

Que eu para nora tenho jeito.

2695

O reino nasceu para o trono

Os peixinhos para o mar

Também eu nasci no Mundo

Somente para te amar.

2696

Sou mais alta do que Deus

Mais alta do que Deus eu Sou

Eu sou mais alta em pecado

Porque Deus nunca pecou.

2697

O papel com que eu te escrevo

Sai-me da palma da mão

A tinta sai dos olhos

A pena do coração.

2698

Ao fechar esta cartinha,

Ao fechar meu coração,

As saudades são tantas,

Como as letras que aí vão.

2699

Ai quem me dera ser lágrima

Para nos teus olhos nascer,

Deslizar pela face abaixo

E na tua boca morrer.

2700

Amar e saber amar

São pontinhas delicadas;

Os que amam não têm conta,

Os que sabem são contados.

2701

Amar e saber amar

Tudo isso sei fazer;

De amor é que não sei nada,

Ando agora a aprender.

2702

Anda cá ó meu amor

Anda que te quero ver,

Estou a rezar a Deus

Para à tua beira morrer.

2703

O amor quando se encontra

Mete susto, até dá gosto...

Sobressalta o coração,

Faz alegrar a côr ao rosto.

2704

Recebi a tua carta,

Confesso que não gostei;

Pois nela de volta vinha

O beijo que te mandei.

2705

Rapaz tu nunca namores

Com menina de camisola;

Ela é de fora da terra

Faz o frete e vai-se embora.

2706

Se me souberes amar,

Com lealdade e amor;

Então tu poderás ser

Do meu coração, Senhor.

2707

Suspiros são desabafos

Dos corações magoados,

Corações que não suspiram,

São corações enamorados.

2708

Se eu soubesse quem tu eras

A mais quem vinhas a ser...

Segredinhos de meu peito,

Não os vinhas a saber.

2709

Se a lama te salpica

Vem da roda, não me rala;

Na roda da gente rica

Há mais lama e ninguém fala.

2710

Subi ao limoeiro

Cinco folhas te tirei.

Cinco sentidos que eu tinha

Todos em ti empreguei.

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2711

Eu sou de Dem sou de Dem

Não nego a freguesia

Em Gondar fui baptizado

Naquela sagrada pia.

2712

Olha o tolo, olha o louco

Pensa que eu o adoro

Pensa que eu choro por ele

Sabe Deus por quem eu choro.

2713

O pandeiro que toca

Não é meu é de Maria

Fui-lhe pedir emprestado

Para levar à romaria.

2714

Dizeis que cante, que cante

O cantar também quer hora

Cantei muito ontem à noite

Não posso cantar agora.

2715

Não tenho medo à Políca

Nem à Guarda-Fiscal,

Tenho medo ao juíz

Que me chame ao tribunal.

2716

Não te rias de quem chora

Que é coisa que Deus ordena

Pode a roda desandar

Caíres na mesma pena.

2717

O amor da Mariana

Era de papel e molhou-se

Agora Marianinha

O teu amor acabou-se.

2718

Se eu morrer tu põe três cravos

Sobre a cruz do meu caixão

Quero levar meu amor

Sinal da tua paixão.

2719

Na porta de cemitério

Tem uma placa de chumbo

Onde vão acabar

As más línguas deste Mundo.

2720

A freguesia de Dem

Hei-de-a mandar varrer

Com uma vassoura de prata

Que d'oiro não pode ser.

2721

A freguesia de Dem

Hei-de-a mandar dourar

De pedrinha em pedrinha

Para o meu amor passear.

2722

Ó oliveira do adro

Ramo dela tem virtude

Passei por ela doente

E agora logro saúde..

2723

É triste andar a penar

É triste viver assim

Mas o mais triste é gostar

De quem não gosta de mim.

2724

Ó que pinheiro tão alto

Com um fio d'oiro no meio

Tantas meninas tão lindas

Filhas de um homem tão feio.

2725

Coloquei o meu sentido

Numa pedrinha do mar

Meu sentido não se muda

Só se a pedra se mudar.

2726

Nem meu pai nem minha mãe

Nem duzentos confessores

Me tiram a liberdade

De eu falar aos meus amores.

2727

Tens os olhos pisqueirinhos

A boca namoradissa

Quem tem olhos pisqueirinhos

Na casa tem a justiça.

2728

Manuel, Manuelsinho

Manuel das pernas tortas

Hás-de ser o meu cortiço

De eu botar as massarocas.

2729

As ondas do mar são brancas

No meio são amarelas

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Eu não posso fazer carinhos

A quem me faz caretas.

2730

Os olhos do meu amor

São dois navios de guerra

Quando vão pelo mar fora

Deitam faíscas para terra.

2731

A cana-verde do mar

Dá-lhe o vento torce, torce,

Assim fez o meu amor

Quando de mim tomou posse.

2732

O meu pai é Jesus Cristo

Meu padrinho é S. João

Os anjos são os parentes

Ò que linda geração.

2733

Carta feliz vai voando

Nas asas de um rouxinol

Vai visitar os olhos mais lindos

Que cobre a rosa do sol.

2734

Quando eu passei e vi

Em frente ao teu lugar

Uma estrelinha brilhante

Que me fez imaginar.

2735

Aqui nesta rua mora

Quem cuida que arrasa o Mundo

Não há local tão escuro

Que se não veja o fundo.

2736

Não te empresto a minha saia

Nem a roda que ela tem

Foi paga com o meu dinheiro

Não devo nada a ninguém.

2737

A freguesia de Dém

Terra de muitos valados

Terra das moças bonitas

E dos moços alentados.

2738

Tu pensas que és mais do que eu

Mais do que eu não o és

Tomaras pôr a tua cara

Onde ponho eu os pés.

2739

A água vai para o rio

Do rio vai para o mar

Todo o charisco namora

Todo o tonho quer casar.

2740

O cantar é dos anjinhos

Senhora da Conceição

Eu quando canto alivio

Penas do meu coração.

2741

Tu és o sol eu sou a lua

Qual de nós será mais firme

Eu como o sol a pilhar-te

Tu como a sombra a fugir-me.