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do desenvolvimento Outubro de 2007 • Ano 4 • nº 36 Exemplar de Assinante desafios Outubro de 2007 • Ano 4 • nº 36 www.desafios.ipea.gov.br Francisco Gaetani Política de gestão facilita a vida, mas tem pouco apelo popular Investimentos Bom sinal para o futuro da economia brasileira Melhores práticas A sustentabilidade como é vista pelas pessoas simples desafios Pesquisa compara políticas educacionais de 49 países O dilema da repetência e da evasão Capa Desafios_36.qxd 22.10.07 19:23 Page 1

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do desenvolvimento

Outubro de 2

00

7 • A

no 4 • nº

36

Exemplar de Assinante

desafiosO u t u b r o d e 2 0 0 7 • A n o 4 • n º 3 6 w w w. d e s a f i o s . i p e a . g o v . b r

Francisco GaetaniPolítica de gestãofacilita a vida, mas tempouco apelo popular

InvestimentosBom sinal para o futuro da economiabrasileira

Melhores práticasA sustentabilidadecomo é vista pelaspessoas simples

desafios

Pesquisa compara políticas educacionais de 49 países

O dilema darepetência

e da evasão

Capa Desafios_36.qxd 22.10.07 19:23 Page 1

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4 Desafios • outubro de 2007

Mola fundamental do desenvolvimento, a educação tem merecido a atenção das pessoas preocupadas com o futuro do país. A revista Desafios doDesenvolvimento vem refletindo a importância do tema em praticamente todas as suas edições e no exemplar que o leitor tem agora em mãos dedicamos a esseassunto a reportagem de capa.

São muitos os aspectos que demandam análise mais profunda e uma ampladiscussão na sociedade para que as melhores soluções sejam encontradas e,principalmente, implementadas com sucesso. A reportagem desta edição traz uma abordagem especial sobre um detalhe que não é um mero detalhe: arepetência e sua cara-metade, a evasão escolar.

Os mais recentes indicadores econômicos sobre a produção e a importação de bens de capital e os números macroeconômicos relativos ao nível deinvestimentos no Brasil sinalizam uma excelente notícia: que o crescimento queestamos experimentando tem tudo para ser um fenômeno duradouro e diferentedo que aconteceu nas últimas décadas, conforme afirmam especialistas queexpõem suas observações na reportagem que abre esta edição.

Há ainda uma reportagem sobre a inevitável disputa entre Brasil e Argentina se manifestando também no campo da inovação nas empresas, com vantagem dasfirmas brasileiras ante as argentinas na diferenciação de produtos; outra sobre osaperfeiçoamentos introduzidos neste ano nas estatísticas das contas nacionais,por meio das quais se faz o cálculo do PIB, com a incorporação de novas fontes;e uma matéria sobre o teste de eficiência dos municípios brasileiros, que é a menordependência de recursos federais e estaduais.

A ética no comércio está impulsionando a geração de emprego e renda nas maisdistantes partes do país, o que produz também histórias de vida emocionantes,contadas na reportagem mensal dedicada às melhores práticas. Desta vez podemoscompartilhar casos emblemáticos que mostram como a sustentabilidade é vista e praticada pelas pessoas simples que fazem a riqueza da nação.

Na entrevista mensal o leitor encontrará um tema de pequeno apelo popular,e por isso pouco considerado pela classe política, mas que deveria ser uma dasprioridades de todas as pessoas preocupadas com o desenvolvimento brasileiro:a gestão pública. É por meio dela que podemos melhorar a vida de cada cidadão,restabelecer a respeitabilidade do Estado em todos os seus níveis e combater acorrupção.

Gostaria finalmente de pedir sua especial atenção para a seção Indicadores,que traduz sucintamente algumas das importantes revelações trazidas pelaPesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2006, divulgadas no mês passado. Trata-se de um retrato da nova face que o país está adquirindo,e que vai ser ampliado em reportagens que já começamos a preparar para apróxima edição, que será inteiramente dedicada ao tema.

A todos uma boa leitura!

Roberto Müller Filho, editor-chefe

Carta ao leitor

Cartas ou mensagens eletrônicas devem ser enviadas para: desaf [email protected] de redação: SBS Quadra 01, Edifício BNDES, sala 906 - CEP 70076-900 - Brasília, DFVisite nosso endereço na internet: www.desaf ios.ipea.gov.br

Governo FederalMinistro Extraordinário de Assuntos EstratégicosRoberto Mangabeira UngerNúcleo de Assuntos Estratégicos da Presidênciada República

PRESIDENTE Marcio Pochmann

URL: http://www.ipea.gov.brOuvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria

COORDENADORA EDITORIAL Giovana TizianiCOORDENADORA ADMINISTRATIVA Mary Cheng

CONSELHO EDITORIAL Alexandre Marinho, Bruno Araújo,Divonzir Gusso, Giovana Tiziani, João CarlosMagalhães, Jorge Luiz de Souza, Leonardo Rangel,Luiz Fernando L. Resende, Marina Nery, Mary Cheng,Murilo Lôbo, Pérsio Davison e Roberto Müller Filho

www.desafios.ipea.gov.br

RedaçãoEDITOR-CHEFE Roberto Müller FilhoEDITOR-EXECUTIVO Jorge Luiz de SouzaEDITOR – BRASÍLIA Sérgio GarschagenEDITORA – RIO DE JANEIRO Fátima BelchiorEDITORA DE ARTE Débora de Bem ASSISTENTE DE ARTE Fabiana Guedes ViannaJORNALISTA RESPONSÁVEL Roberto Müller Filho

ColaboradoresFOTOGRAFIA Antonio Cunha e Paulino MenezesILUSTRAÇÃO Erika OnoderaREVISÃO Mauro de BarrosFOTO DA CAPA Latinstock

Cartas para a redaçãoSBS Quadra 01, Edifício BNDES, sala 906 CEP 70076-900 - Brasília, [email protected]

[email protected](061) 3315-5251

ImpressãoCromos – Editora e Indústria Gráfica Ltda.

AS OPINIÕES EMITIDAS NESTA PUBLICAÇÃO SÃO DE EXCLUSIVA EDE INTEIRA RESPONSABILIDADE DOS AUTORES, NÃO EXPRIMINDO,NECESSARIAMENTE, O PONTO DE VISTA DO INSTITUTO DE PESQUISAECONÔMICA APLICADA OU DA SECRETARIA DE PLANEJAMENTO DELONGO PRAZO DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA.

É NECESSÁRIA A AUTORIZAÇÃO DOS EDITORES PARA AREPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DO CONTEÚDO DA REVISTA.

DESAFIOS (ISSN 1806-9363) É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DO IPEA,PRODUZIDA PELA SEGMENTO RM EDITORES LTDA.

SEGMENTO RM EDITORES LTDA.RUA CUNHA GAGO, 412 - 4º ANDAR - CJ. 43 - PINHEIROS - SÃO PAULO - SP

CEP 05421-0011 - TEL. (11) 3094-8400

desafiosdo desenvolvimento

1 B - 10/25/2007 15:58:03

Desaf ios • outubro de 2007 5

Camillo de Moraes BassiA redução do déficit habitacional

José Celso Cardoso Junior e

Henrique Júdice MagalhãesTrabalho, Previdência e inclusão social

Marcelo Abi-Ramia CaetanoDesafios para a Previdência no Brasil

Giovanni QuagliaPela redução do número de vítimas

desafiosdo desenvolvimento

8

14

20

28

34

46

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Entrevista – Francisco GaetaniPolítica de gestão pública facilita a vida das pessoas, mas tem baixo apelo político

Investimentos – Bom sinal para o futuro da economiaIndicadores econômicos sobre bens de capital sinalizam crescimento duradouro

Inovação – A inevitável disputa entre Brasil e ArgentinaEmpresas brasileiras estão à frente das argentinas na diferenciação de produtos

Contas Nacionais – Um retrato mais abrangente do paísAperfeiçoamentos introduzidos neste ano incorporam novas fontes ao cálculo do PIB

Ensino – O dilema da repetência e da evasãoPesquisa compara educação de 49 países e progressão continuada sai em vantagem

Gestão – O teste de eficiência dos municípiosMenor dependência de recursos federais e estaduais incentiva o gasto mais eficiente

Melhores práticas– A sustentabilidade das pessoas simplesÉtica no comércio impulsiona geração de emprego e renda em diversas partes do país

27

44

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Sumário

Artigos

Giro

Circuito

Estante

Indicadores

Cartas

6

60

62

64

Seções

14

Ilustr

ação

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28

Foto

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6 Desafios • outubro de 2007

GIROPor Sérgio Garschagen

Estudos recentes do ServiçoBrasileiro de Apoio às Pequenase Médias Empresas (Sebrae) in-dicam que houve melhora signi-ficativa na taxa de sobrevivênciadas empresas, atribuída à ele-vação do nível educacional e aoaumento na busca por infor-mações na gestão dos negócios.O estudo foi encomendado peloSebrae ao Instituto Vox Populi e

contemplou 14.181 empresasem todo o país, constituídas nosanos 2003, 2004 e 2005, commargem de confiança de 95%.O resultado mostra que 78%das empresas abertas em 2005continuavam em atividade noprimeiro semestre de 2007, oque revela uma taxa de mortali-dade de 22%. Em 2000, ano emque o Sebrae começou a investi-

gar a taxa de mortalidade dasmicro e pequenas empresas(MPE), esse número chegava a59,9%. A grande redução damortalidade empresarial emcinco anos indica que houveavanços consideráveis na gestãodas pequenas empresas, princi-palmente no que se refere aocomportamento e à atuação dosempresários.

Pesquisa Sebrae

Melhoria da gestão aumenta perenidade das empresas

O Brasil registra nota 3,5, nu-ma escala de zero a 10, no Índi-ce de Percepção da Corrupção(IPC) de 2007, elaborado pelaorganização Transparência In-ternacional. No ranking de 180países avaliados, o Brasil ocupamodesta 72ª posição. Na faixada nota brasileira, a corrupçãocomeça a ser considerada endê-mica, prejudicando a vida dasociedade em todos os níveis.

Dinamarca, Finlândia e NovaZelândia, com nota 9,4, estão notopo da lista. No rodapé estão oIraque (nota 1,5), Somália eMianmar (1,4 cada um).

Ao divulgar esses resultados,a Transparência Internacionalinformou que os números deum ano para outro não sãocomparáveis devido à entradade novos países na análise.

A posição do Brasil melhorouem 2 décimos em relação a 2006,quando mereceu nota 3,3. Oporta-voz da Transparência In-ternacional no Brasil, BrunoSpeck, ressaltou que essa peque-na melhora é apenas um “passopara o lado”na percepção públi-ca do combate à corrupção.

Considerando-se os anos de1995 a 2007, o Brasil melhoroulevemente na percepção da cor-rupção, de 2,7 para 3,5.

Transparência

Corrupção

no Brasil

já é endêmica

É fato conhecido que a elevação do nível dos ma-res e oceanos inundará áreas costeiras e diversas ilhas.As Maldivas, na Ásia, por exemplo, estão ame-açadas e seus habitantes já iniciaram conversaçõescom o governo australiano no sentido de recebê-los,se a ameaça se tornar realidade. Serão os primeirosrefugiados ambientais do mundo. Segundo o chefedo Alto Comissariado das Nações Unidas para osRefugiados (Acnur), António Guterres, ex-primei-ro-ministro de Portugal, as mudanças climáticas au-mentarão o número de pessoas que emigrarão de

regiões pobres do mundo para os países ricos.Guterres convocou a comunidade internacional

a intensificar seus esforços para enfrentar os proble-mas responsáveis por alimentar os fluxos migrató-rios.“Quase todos os modelos de previsão sobre osefeitos de longo prazo das mudanças climáticasapontam para uma contínua desertificação, a pon-to de várias partes do globo tornarem-se inabi-táveis”, disse. “E, para cada centímetro de elevaçãono nível dos oceanos, mais de 1 milhão de pessoasserão expulsas de suas casas.”

Aquecimento global

Êxodo migratório será de refugiado ambiental

Foto: Sxc.hu

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Desaf ios • outubro de 2007 7

A área metropolitana de SãoPaulo responde por 1% de todosos homicídios do planeta, apesarde ter apenas 0,17% da popu-lação mundial, afirma relatórioda Organização das Nações Uni-das (ONU).A estatística faz par-te de um documento do Centrodas Nações Unidas para Assen-tamentos Humanos (UN-Habi-tat), que marca o Dia Mundialdo Habitat, comemorado dia 2de outubro. O relatório utiliza ocaso de São Paulo para ilustrar

como a expansão caótica das cidades colabora para a eleva-ção das taxas de criminalidadenos centros urbanos. De acordocom a ONU, a área metropolita-na de São Paulo se expandiu àimpressionante taxa de 5% entre1870 e 2000, quando bateu os 18milhões de habitantes. Entre1940 e 1960, a população cres-ceu 171%. No mesmo período,a migração do campo para a ci-dade fez a periferia metropolita-na inchar 364%.

Criminalidade

Homicídios aumentam com maiorconcentração urbana

O Banco Mundial e a Orga-nização das Nações Unidas(ONU) lançaram em setembroum programa, denominadoStar, destinado a ajudar os paí-ses a localizarem recursos des-viados ilicitamente. O desvioanual estimado pelas duas ins-tituições, em todo o mundo, éda ordem de US$ 1,6 trilhão(R$ 3 trilhões). Só o pagamen-to de propinas a servidores pú-blicos em países em desevolvi-mento consome entre R$ 20bilhões e US$ 40 bilhõesanualmente. Essa perda foi cal-culada a partir de dados mé-dios calculados sobre a apu-ração de superfaturamento deprojetos.

Desvio de recursos

Banco Mundiale ONU ajudampaíses a recuperar R$ 3 trilhões

Foto: Sxc.hu

Avançou para 61,5%, em2006, a parcela das residênciasbrasileiras que contam com ser-viços simultâneos de saneamen-to (água, esgoto e lixo), segundomostra a Síntese de IndicadoresSociais divulgada pelo InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatís-tica (IBGE). Em 1996, a pro-

porção de domicílios com essesserviços era de 54,7%. Mas as di-ferenças regionais permanecemelevadíssimas na última pesqui-sa: 89,1% dos domicílios do Es-tado de São Paulo contavamcom serviços simultâneos de sa-neamento, enquanto no Amapáa proporção era de 1,9%.

A Comissão de Constituição eJustiça (CCJ) da Câmara dosDeputados aprovou a “admissi-bilidade” da proposta de emendaconstitucional que acaba com acobrança da contribuição previ-denciária de aposentados e pen-

sionistas. Isso significa que aemenda teve o seu caminho libe-rado para ser votada nas seguin-tes instâncias de deliberação: porcomissão especial, que agora serácriada para examinar a propostade emenda, e pelo Plenário da

Câmara. Para que a matéria sejaaprovada, no entanto, ela deveter, primeiro, três quintos dos vo-tos dos deputados, em dois tur-nos de votação. Depois, precisarátambém do mesmo número devotos no Senado.

Emenda Constitucional

Contribuição previdenciária de aposentados pode acabar

Indicadores sociais

Diferenças regionais em casas com água, esgoto e lixo

Foto: Sxc.hu

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8 Desafios • outubro de 2007

ENTREVISTA Políticas de gestão afetam a administração pública e facil itam a vida

Gestão

Francisco Gaetani

à br

asile

ira Foto: Antônio Cunha

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Desafios - O que é uma política de gestão pública?

Gaetani - São políticas sistêmicas, queafetam o conjunto da administraçãopública. Por exemplo, quando a gentediscute as dificuldades da área da edu-cação ou os problemas ambientais,muitas vezes a solução não está nasrespectivas áreas, mas na gestão pú-blica gerenciada em outro lugar. Aspolíticas de gestão pública são pilo-tadas pelos ministérios centrais, Pla-nejamento e Fazenda, e pela Controla-doria Geral da União (CGU).

Desafios - Como f ica a relação da política de gestão

com as políticas do governo?

Gaetani - Além de sistêmicas, elas sãopolíticas implícitas – não estão muitoclaras. Por isso, embora sejam políti-cas, têm baixo apelo político e as clas-ses políticas não estão muito interes-sadas nelas. E estão em ministériosmais técnicos, ocupados por profis-sionais de suas áreas. Quais são essas

políticas? Serviço público, modela-gem organizacional, auditoria e con-trole, compras governamentais, go-verno eletrônico, planejamento eorçamento.

Desafios - Também cabe à política de gestão pública

simplif icar modelos, processos e reduzir a burocracia?

Gaetani - Sim. O governo eletrônico étodo orientado à simplificação deprocessos. É importante destacar queo governo federal tem, relativamente,pouco contato direto com a popula-ção. Quais as áreas em que o governose relaciona mais de perto com os ci-dadãos? Somente nas áreas de previ-dência social, saúde, receita e, umpouco menos, no Ministério do Tra-balho há um contato direto. Os go-vernos estaduais e municipais têm,sim, uma interface mais direta com asociedade. Então, grande parte do es-forço de racionalização de processos é feita entre organizações públicas.

s experiências de outros países em políticas de

gestão têm sido boa fonte de referência para as

inovações adotadas pela administração pública bra-

sileira. Por exemplo, a Lei de Responsabilidade Fiscal foi

inspirada nas reformas realizadas pela Nova Zelândia. O

atual secretário de Gestão do Ministério do Planejamento,

Orçamento e Gestão, Francisco Gaetani, defende uma apro-

ximação com os aprimoramentos recentes adotados por

Portugal e Espanha, que estão culturalmente mais pró-

ximos do Brasil, mas ele também procura soluções locais.

A

das pessoas, mas têm baixo apelo popular e não despertam o interesse de pol í t icos

Desafios • outubro de 2007 9

P o r S é r g i o G a r s c h a g e n , d e B r a s í l i a

Simplificar processos é uma das prio-ridades do atual governo. Só que issonão é necessariamente percebido pelaopinião pública, pois os governos quemais têm contato com os cidadãos sãoos estaduais e municipais.

Desafios - Estados e municípios têm bons exemplos

de políticas de gestão que tenham dado certo?

Gaetani - Posso citar vários. Na área de atendimento ao cidadão, o PoupaTempo, em São Paulo, é um bomexemplo. O Serviço de Atendimentoao Cidadão (SAC) da Bahia é outro.Minas Gerais também introduziu umasérie de iniciativas. Há muitas políticasde gestão pública inovadoras nos esta-dos. Por quê? Porque os estados têm-se beneficiado do aprendizado que ogoverno federal está tendo e que tendea se derramar às administrações esta-duais e municipais. É o caso, porexemplo, dos pregões eletrônicos,compras de remédios e outros. Por ou-

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10 Desafios • outubro de 2007

tro lado, há também um movimentoinverso. Se a experiência federal trans-borda para os estados, há experiênciasestaduais que estão subindo para oPlanalto. Basta dizer que, se formosrastrear a origem do Programa BolsaFamília, vamos chegar às experiênciasdos governos Cristovam Buarque, noDistrito Federal, e da Prefeitura deCampinas, em São Paulo.

Desafios - É sua a expressão, dita em palestra recen-

te, de que a arquitetura organizacional brasileira convive

com uma “babel” de interesses institucionais. Que inte-

resses são esses?

Gaetani - É verdade. A expressão que

costumo usar é cacofonia organiza-cional. No passado tivemos o surgi-mento das autarquias, que possuíamalguma autonomia em relação à ad-ministração direta. Nos anos 1950,vieram as empresas estatais, como Pe-trobras e Banco Nacional de Desen-volvimento Econômico e Social (BN-DES); depois vieram as empresas deeconomia mista, as fundações pú-blicas de direito privado. Na Era Var-gas, havia ainda os serviços sociais au-tônomos. Em 1988, numa reação aoregime autoritário, a Assembléia Na-cional Constituinte deu um tratamen-to um pouco brusco a essa situação eenrijeceu essas figuras organizacio-nais. Os constituintes tinham umapreocupação de restabelecer o contro-le democrático sobre o aparelho doEstado, viciado no regime autoritário,e subordinaram várias dessas figurasjurídicas à administração direta. Tive-mos a transformação em servidoresestatutários de uns 400 mil a 500 milservidores e várias instituições quefuncionavam sob o manto do direitoprivado passaram ao direito público,como o Instituto Brasileiro de Geo-

Os constituintes tinham uma

preocupação de estabelecer

o controle democrático sobre o

aparelho do Estado.

Várias instituições e servidores

passaram para

o direito público

Há apenas quatro meses à frente da Secretaria de

Gestão do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão,

o economista mineiro Francisco Gaetani tem como sua

principal bandeira a luta contra o que denomina “cacofonia

organizacional” brasileira, em que convivem diferentes es-

truturas administrativas: autarquias, empresas estatais,

fundações de direito privado e de economia mista e, mais

recentemente, as agências reguladoras.

Doutor em Ciência Política (2006) e mestre em

Administração Pública (1989), ambos pela London School of

Economics and Political Science, na Inglaterra, após gra-

duação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal

de Minas Gerais (UFMG), em 1984, e vários cursos de

especialização.

Gaetani assumiu a Secretaria em junho deste ano.

Antes, coordenou, em Brasília, a área de governo do Pro-

grama das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

Foi também diretor de Formação da Escola Nacional de

Administração Pública (Enap), no Distrito Federal, em 2002;

diretor-geral da Escola de Governo da Fundação João Pi-

nheiro (FJP) em Belo Horizonte (MG), de 1993 a 1997; e

assessor de Planejamento da Companhia Vale do Rio Doce

(CVRD), de 1985 a 1986.

Entre seus trabalhos publicados estão os livros Con-

cessão de Serviços Públicos e Regulamentação, edição da

Fundação João Pinheiro, Belo Horizonte (MG), 1998; Una

Lunga marcia verso il liberalismo, edição da Ideazione, Roma

(Itália), 1995; e Descentralização e Reforma do Estado,

edição do Ipea, Brasília (DF), 1994.

Em artigo publicado pela revista Desafios do Desen-

volvimento em agosto de 2005, sob o título “A ef iciência

do combate à corrupção”, Gaetani diz que o Brasil tem

um respeitável aparato institucional para lidar com a cor-

rupção, mas que isso tem sido insuf iciente para enfrentar

problemas que se confundem com valores aceitos pela cul-

tura política nacional.

Gaetani é reconhecido pela sua visão crítica dos

problemas mais agudos da máquina administrativa brasileira.

Ele é contra os controles rígidos que impedem a admi-

nistração, por exemplo, de ir ao mercado contratar os es-

pecialistas de que necessita, tendo que se suprir de pro-

f issionais recém-formados que conseguem bons resultados

nos concursos de seleção.

Para combater a corrupção, ele defende a criação de

uma burocracia prof issional, com quadros de carreira e do-

tada de processos transparentes, além de estruturas

enxutas e ágeis.

Uma cacofoniaorganizacional

Foto: Antônio Cunha

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Desaf ios • outubro de 2007 11

grafia e Estatística (IBGE), o Institutode Pesquisa Econômica Aplicada(Ipea) e a Fundação Instituto Oswal-do Cruz (Fiocruz). Entre 1988 e 1994,o Estado truncou. Não conseguiu semover. Foi um período conturbado danossa história, em que tivemos a hipe-rinflação no final do governo José Sar-ney, os problemas do governo Fer-nando Collor e a transição do governoItamar Franco.

Desafios - Essa cacofonia ainda vigora?

Gaetani - Quando o governo Fernan-do Henrique Cardoso começa, o mi-nistro Luiz Carlos Bresser Pereira trazuma proposta para redesenhar esseproblema, mas essa proposta pratica-mente faz tábula rasa do que havia an-tes. Eram novas fórmulas organizacio-nais, algumas inspiradas em modelosinternacionais, como as organizaçõessociais e as agências reguladoras. Essasfórmulas não decolaram, tiveram umaadesão baixa. O próprio governo não“comprou” o novo modelo, assim co-mo os órgãos de controle – a CGU e oTribunal de Contas da União (TCU) –entenderam que essas organizaçõestêm de prestar contas e funcionar deacordo com a Lei nº 8.666, que estabe-lece normas gerais para licitações econtratos. Bem, o tempo passou e opresidente Luiz Inácio Lula da Silva foieleito...

Desafios - Qual é a proposta do atual governo?

Gaetani - Estamos colocando na rua aidéia das fundações estatais de direitoprivado para tentar criar um caminhopara gerenciar com flexibilidade organi-zações que não têm como funcionar noâmbito do regime único estatutário e dacontabilidade pública. Os casos clás-sicos são os hospitais e as instituições deciência e tecnologia, da área ambiental eda área de cultura. Essas instituições játêm casos similares no país e não sãomonopólio do setor público.

Desafios - Como, por exemplo, o Hospital Sarah Ku-

bitschek?

Um concurso sob o regime

da CLT se faz em um ou

dois meses, e no regime

estatutário leva no mínimo seis

meses, com muito mais

formalidades, de modo a evitar

recursos na Justiça

Gaetani - Sim, esse é um modelo. É umserviço social autônomo. Tem umahistória idiossincrática, muito centra-da na liderança do médico AloysioCampos da Paz. Mas tem-se uma si-tuação em que a tipologia de organi-zações é muito grande e há uma certafluidez, em que cada um resolve a suavida como acha melhor, mas não ne-cessariamente no melhor interesse dopaís. Por exemplo, o TCU e a CGUtratam todas essas organizações damesma forma, como se fossem admi-nistração direta, o que não é o caso.Então, existe uma situação em quenão temos consenso no mundo jurídi-co, não temos consenso no Executivo,não temos consenso entre os partidospolíticos e precisamos facilitar os en-tendimentos em relação ao problema.Se o Brasil não encontrar mecanismocapaz de gerar incentivos para que asorganizações funcionem eficientemen-te, vamos sempre ficar oscilando entrea rigidez absoluta e o descontrole.

Desafios - Essa falta de consenso acarreta, por

exemplo, perdas f inanceiras ou mesmo mau gerencia-

mento dos recursos públicos?

Gaetani - Claro que sim. Vamos suporque eu gerencie uma instituição de

pesquisa. Se eu gerar receitas próprias,tenho que mandá-las para o TesouroNacional e não vou ver a cor desse di-nheiro nunca, porque o Tesouro nãovai me devolver, e assim não possoreinvesti-lo em novas pesquisas. Se eutrabalho com hospital público, eu nãoposso oferecer um serviço diferencia-do, de modo que quem possa pagarpague um pouco mais, e assim rein-vestir na modernização do hospital.Se trabalho com cultura, não possocaptar recursos do setor privado e via-bilizar as atividades, porque vai tudopara o caixa único do Tesouro.

Desafios - Em relação ao quadro de servidores, quais

são os estudos em análise?

Gaetani - Analisamos mudanças nascontratações.Veja o exemplo dos con-cursos públicos: no caso de um con-curso para contratação sob o regimeda Consolidação das Leis do Trabalho(CLT), faz-se em um ou dois meses.No regime estatutário, seis meses é omínimo exigido, e mesmo assim exi-ge-se muito mais formalidades, demodo a se evitarem recursos na Jus-tiça. É rígido demais, e acabo contra-tando não quem eu preciso, mas simpessoas que aqueles tipos de regrasme permitem recrutar. Estamos ten-tando mudar isso. Essas provas demúltipla escolha em que se pega o mí-nimo denominador comum. Tudobem, temos de ter um sistema de mé-rito, mas tem de ser inteligente e não

Foto: Antônio Cunha

5 A - 10/25/2007 15:58:03

12 Desafios • outubro de 2007

Ninguém vai defender

os critérios republicanos

de políticas de gestão

pública, a não ser o

governo. Os grupos

de interesses se

manifestam em torno

de causas particulares e

não em causas universais

doenças e para debater políticas degestão pública temos de trazer o con-traditório. Vamos fazer concursos ourecrutar cargos de confiança? Gastarem investimentos ou gastos correntes?Reforçar as áreas fim ou as atividadesmeio? Todas essas discussões estãoaparecendo com maior nitidez atual-mente.

Desafios - Mas pouco se fala ainda das carreiras tí-

picas de Estado...

Gaetani - É porque elas estão mais oumenos arrumadas. O problema nãoestá mais nessas carreiras típicas deEstado, mas nas carreiras que fazemgol. Os ministérios finalísticos estão apé. São os ministérios do PAC: Trans-portes, Minas e Energia, IntegraçãoNacional, Cidades. Agora, estamoscriando uma carreira de analista deestrutura para povoar esses ministé-rios, que são vulneráveis às atividadesdos grupos de interesse, com profis-sionais dotados de expertise.

Desafios - Os ministérios sociais também sofrem es-

sa inf luencia dos grupos de interesse?

Gaetani - A área social realmente nãoé muito diferente, só que o Ministérioda Educação (MEC) se apóia nas uni-versidades e o da Saúde nas institui-ções consolidadas há anos, como Fio-cruz, a Fundação Nacional de Saúde(Funasa) e outras. Mas são ministé-rios que também carecem de quadrosqualificados. O Ministério do Desen-volvimento Social e Combate à Fome(MDS), que é uma pasta nova, aindatem uma estrutura muito frágil. Te-mos um desafio, que não é de agora,mas é histórico do país, de construiruma administração direta efetiva.Não temos ainda uma administraçãodireta estruturada.

Desafios - Essa fragilidade pode ser responsável pe-

los problemas na infra-estrutura rodoviária, ferroviária e

em outros setores?

Gaetani - Acredito que sim. Para terinfra-estrutura é preciso ministérios

homogeneizante. É preciso criar con-dições de escolha. O serviço públiconão consegue contratar ninguém comexcelentes qualidades. Sempre tende acontratar na base da carreira, no pri-meiro nível, pessoas recém-formadaspelas universidades ou gente que tevetempo para se preparar para as pro-vas. Você não consegue, por exemplo,contratar um profissional com 15 anosde experiência e que seja um quadroexcepcional naquela área, porque elenão vai parar a vida dele para estudardireito, contabilidade, português eeconomia, embora ele seja ótimo na-quilo que faz.

Desafios - O que deve ser feito para articular, de mo-

do homogêneo, esse conjunto de medidas e mudanças na

área de gestão pública?

Gaetani - Não eu, mas o ministro Pau-lo Bernardo (do Planejamento), quetem se empenhado em coordenar es-sas políticas de gestão, juntamentecom o Ministério da Fazenda e a CasaCivil. Muitas dessas políticas estão su-bordinadas ao Planejamento.A gestãoestá aqui, um pessoal que está sob anossa responsabilidade. Plano Plu-rianual, Orçamento da União, em-préstimos internacionais e patrimô-nio da União também estão aqui. OPrograma de Aceleração do Cres-cimento 2007-2010 (PAC) está na Ca-sa Civil, mas também tem uma pe-quena parte conosco. O ministro seesforça para coordenar essas políticasde gestão entre o Ministério do Plane-jamento e procura trabalhar em sinto-nia com a Casa Civil e a Fazenda.

Desafios - Esses projetos estão sendo tocados com

que prazo?

Gaetani - O governo se organizou nosegundo mandato em torno do PAC.A prioridade é o PAC. Quanto maior acoordenação, maior a eficiência;quanto maiores a dispersão e a frag-mentação, menor o resultado.

Desafios - Em um país em que a res publica (coisa

pública, em latim) muitas vezes é confundida como

propriedade privada, há setores que solapam as ba-

ses das políticas de gestão pública e se opõem às me-

didas que trazem mais transparência?

Gaetani - Eu diria que as políticas degestão pública enfrentam esse proble-ma. Muitas vezes não avançam por-que as questões têm raízes fortes eprofundas. Não vamos nunca encon-trar manifestações favoráveis aos con-cursos públicos, mas há diversas ma-nifestações de grupos de interessedefendendo a efetivação como servi-dores públicos, com direito a estabili-dade e aposentadoria diferenciada.Ninguém vai defender os critérios re-publicanos de políticas de gestão pú-blica a não ser o governo. Os gruposde interesses se manifestam em tornode causas particulares e não em causasuniversais. Num país como o Brasil,que teve dois períodos autoritários noséculo XX, que deixaram seqüelas, es-tamos ainda exercitando a nossa de-mocracia. Com a eleição do presiden-te Lula, eu diria que o Brasil chega àsua maturidade. Em que sentido? To-dos os grandes partidos políticos che-garam ao poder. Agora somos nor-mais. A democracia brasileira estámadura e as escolhas se dão em tornodas opções políticas da sociedade.Não há messianismo nem soluçõesmágicas. Estamos curados de certas

5 B - 10/25/2007 15:58:03

Desaf ios • outubro de 2007 13

a França e o Reino Unido também ti-veram experiências interessantes nes-sa área. Há um debate internacionalfluindo e procuramos acompanharaqui no Brasil. Acho que temos deprestar atenção nos países com osquais temos um parentesco culturalmaior, como Portugal e Espanha, quese modernizaram bastante recente-mente. São países cuja matriz jurídicae tradições culturais são mais próxi-mas das nossas. Defendo ainda umdiálogo mais estreito com os EstadosUnidos, país federalista e presidencia-lista como o Brasil. Eles têm expe-riências ótimas, principalmente nosgovernos estaduais, grandes inovado-res na gestão.

Desafios - Em relação ao Programa das Nações Uni-

das para o Desenvolvimento (Pnud), há alguma coope-

ração com o Brasil neste campo?

Gaetani - O Pnud tem se estruturado.A Organização das Nações Unidas(ONU) pegou todas as conferênciasmundiais realizadas, incluindo a Rio-92, e as consolidou nos Oito Objeti-vos do Milênio. E tem procuradoconsolidar a sua atuação no mundointeiro em torno desses objetivos.Aqui no Brasil, a gente vê que váriosestados têm produzido relatórios,também muitos municípios pro-duzem seus documentos. Então, o desenvolvimento humano, que é amarca do Pnud e já é uma política decantada e conhecida, evoluiu paraos estados e municípios, que perse-guem esses alvos. São oito objetivos,18 metas e 48 indicadores. O Brasilcorre atrás e está se saindo muito bemno objetivo número 1, que é o com-bate à pobreza. E agora se volta tam-bém para melhorar os índices nacio-nais na área de saneamento básico.Pela primeira vez na história, o Brasilreduziu as suas desigualdades. Os dados da Pesquisa Nacional porAmostra de Domicílios (Pnad) di-vulgados recentemente mostraramisso muito bem. d

que pilotem os investimentos. Saímosdo período autoritário para duas dé-cadas de luta contra a inflação. Traba-lhamos com o ajuste estrutural por 15anos e agora, quando o país retomauma trajetória de crescimento, as per-guntas são: como, com quem, de quejeito? As nossas instituições ainda nãoestão aparelhadas para um novo ciclode crescimento, e é nisso que estamosapostando agora. Não adianta acharque isso vai ser resolvido apenas naCasa Civil.

Desafios - Como ex-diretor da Escola Nacional de Ad-

ministração Pública (Enap), em sua opinião, a formação

da mão-de-obra destinada à administração pública é

adequada?

Gaetani - Mais que ex-diretor daEnap, fui diretor da Escola de Go-verno de Minas Gerais, que foi oprimeiro curso de administraçãopública do Brasil, em um rankingde 1.435 escolas. Acredito na for-mação como uma política de longoprazo e acho que temos de investirsimultaneamente na formação, naeducação continuada, na profissio-nalização, em cursos públicos, e is-

so tem de ser feito constantemente,e não espasmodicamente. A Enap éimportante ao coordenar as váriasescolas de governo da adminis-tração federal. No plano estadual,estamos mandando para a Europaum conjunto de profissionais de vá-rias escolas de governo, e achamosque isso tem de ser institucionaliza-do. A capacitação é uma dimensãoda política de profissionalização dagestão.

Desafios - O Brasil analisou e aproveitou alguma

das experiências de gestão realizadas por outros países,

como a Nova Zelândia?

Gaetani - É preciso salientar que asmudanças da Nova Zelândia começa-ram em 1992. A Lei de Responsabi-lidade Fiscal – e poucos sabem disso –foi inspirada na Nova Zelândia. É umpaís que tem uma população menorque a da cidade de Belo Horizonte eum rebanho de 80 milhões de ove-lhas. Temos que ver sempre o que éfactível de aproveitar, e com muitocuidado. Eles começaram muito anteso processo de modernização do Esta-do, e isso prossegue até hoje. O Chile,

Foto: Antônio Cunha

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INVESTIMENTOS

Bom sinal para o futuroda economia

Os investimentos das empresas em máquinas e

equipamentos de procedência nacional ou importada,

e também na construção civil, lideram as estatísticas

de crescimento da economia e sinalizam um fenômeno

mais conseqüente e duradouro do que vinha

acontecendo nas últimas décadas

P o r J o r g e L u i z d e S o u z a , d e S ã o P a u l o

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16 Desafios • outubro de 2007

Segmento de bens de cap i ta l c resce 21 ,0% em 12 meses a té agosto des te ano,

ma das principais dificuldadespara o Brasil recuperar a capaci-dade de desenvolvimento econô-mico tem sido historicamente o

nível insuficiente de investimentos e deformação de capital, mas as estatísticasrecentes do Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística (IBGE) relativas àscontas nacionais e à atividade industrialtêm apresentado um importante alento.

Com base nesses números, as previ-sões feitas pela equipe do Instituto dePesquisa Econômica Aplicada (Ipea) queelabora o Boletim de Conjuntura indicamque o investimento, no conceito de For-mação Bruta de Capital Fixo (FBCF),deverá crescer 10% este ano e 9,6% em2008, ante 8,7% em 2006, puxado prin-cipalmente pelo item máquinas e equi-pamentos, que em 2006 cresceu 9,6% edeverá crescer 14,8% em 2007 e 13,3%em 2008.

No segundo trimestre deste ano, aFBCF teve expansão de 13,8% sobre omesmo período do ano anterior, e dadospreliminares de julho mostram um ce-nário similar. O ambiente favorável paraos investimentos vem sendo impulsiona-do pelos crescentes níveis de utilização dacapacidade instalada e dos estoques den-

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Produção Exportações Importações

O salto nas importações de bens de capitalComponentes da Formação Bruta de Capital Fixo - Máquinas e equipamentos - taxa trimestral (trimestre sobre quatro trimestres antes) - (em %)

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Fontes: IBGE e Funcex. Elaboração: Ipea

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Desaf ios • outubro de 2007 17

com r i tmo bem ac ima da méd ia do se tor, de 6 ,6%, segundo pesqu i sa i ndus t r i a l

ta nesta questão porque os fundamentosestão bons”.

Para Camargo Conceição, “apesar dea macroeconomia ser fundamental, ocrescimento tem um caráter de não serdeterminado do macro para o micro-econômico. Ao contrário, o micro é oambiente de tomada de decisão, funda-mental para construir um cenário decrescimento de longo prazo. E me pareceque estamos conseguindo isto”.

E quanto à possibilidade de choquesexternos que poderiam abalar a ma-croeconomia, elevando a taxa de jurosou até o próprio câmbio, o professor dizque “há uma expectativa no ambiente mi-croeconômico do seguinte tipo: os em-presários foram extremamente cautelo-sos nas últimas duas décadas, e agora estáhavendo algum sinal de que é possível ou-sar um pouquinho. Isto me parece ser abase do crescimento futuro da economia”.

ESTATÍSTICAS Na nova série estatísticadas Contas Nacionais Trimestrais relati-vas ao segundo trimestre deste ano, se-gundo o IBGE, “dentre os componentesda demanda interna, o maior destaquefoi o crescimento de 13,8% da FormaçãoBruta de Capital Fixo, explicado, princi-palmente, pelo aumento da produção eda importação de máquinas e equipa-mentos (taxa trimestral em relação aomesmo trimestre do ano anterior)”.

No conceito de taxa acumulada nosúltimos quatro trimestres (em relação aomesmo período do ano anterior), diz oIBGE, a FBCF apresentou crescimentode 9,8%, a décima terceira expansão tri-mestral consecutiva, e os fatores quepossibilitaram este incremento foram “odesempenho da construção civil, quevem se recuperando desde o terceiro tri-mestre de 2004, nessa base de compara-ção, e o crescimento da importação demáquinas e equipamentos, favorecidapela valorização do real frente ao dólar”.

O setor máquinas e equipamentos es-tá aquecido também entre os fabricantesnacionais. Outro levantamento periódi-

Ilustração: Erika Onodera

tro do desejado e planejado, segundo informações do setor industrial, alia-dos a uma a forte demanda interna e à estabilidade da economia, o que me-lhora a confiança do setor privado paraaumentar sua capacidade de produção,conforme a análise da equipe do Ipea.

O professor de economia da Univer-sidade Federal do Rio Grande do Sul(UFRGS) Octavio Augusto CamargoConceição, que também é diretor-téc-nico da Fundação de Economia e Es-tatística (FEE), diz que “o quadro atual é fruto do amadurecimento do ambien-te da economia brasileira”, e identificacondições “para se darem saltos maio-res porque está se construindo uma nova trajetória. Sou bastante otimis-

co do IBGE, a Pesquisa Industrial Men-sal de Emprego e Salário, também reve-lou em agosto deste ano, na comparaçãocom agosto de 2006, que a liderança docrescimento coube à produção de bensde capital (expansão de 21,0%), com rit-mo bem acima da média industrial (quefoi de 6,6% no período). No indicadoracumulado de janeiro a agosto deste ano,frente a igual período de 2006, para umcrescimento de 5,3% na produção das 20 atividades pesquisadas, a fabrica-ção de máquinas e equipamentos cres-ceu 17,5%, mantendo a liderança emtermos de impacto sobre o índice geral.

CONSTRUÇÃO O outro pé do crescimentodo investimento é o setor imobiliário,que deverá crescer entre 7,9% e 9,3% es-te ano, ante 4,6% em 2006, segundo pro-jeções da FGV Projetos. Entre 1995 e2005, o Produto Interno Bruto (PIB)cresceu, em média, 2,38% ao ano e a par-ticipação da construção civil foi de 0,2ponto percentual, mas este ano a partici-pação está projetada para alcançar 0,6ponto percentual, um patamar seme-lhante ao verificado no Brasil no períodode 1975 a 1985 e ao que ocorre atual-mente em outros países emergentes.

O número de imóveis vendidos comfinanciamento este ano deverá atingir185 mil, número inferior apenas ao doperíodo de 1980 a 1982, segundo a FGVProjetos. O número de unidades finan-ciadas em 2006 foi de 61,6 mil e, em2007, de 98,8 mil. Os principais fatoresque contribuíram para esse desempenhodo setor imobiliário são a queda dos ju-ros, o aumento de prazos de financia-mento para o patamar médio de 20 anose a capitalização das empresas do setorno país por meio do lançamento deações na Bolsa de Valores – já são mais de20 empresas nos últimos dois anos.

BRADESCO Outras fontes também con-firmam esses acontecimentos. Pesquisado banco Bradesco junto a empresas in-dustriais mostra um aumento cada vez

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18 Desafios • outubro de 2007

Q u e d a d o c u s to d e o p o r t u n i d ad e p r ovo c ada p e l a d im i n u i ç ã o d a t a x a d e j u r o s

mais generalizado no investimento.“Há um ano e meio ou dois anos, o in-vestimento estava concentrado no setorde commodities. Agora, acontece um es-praiamento do investimento privado”,diz o economista Octavio de Barros,diretor de Pesquisas Macroeconômicasdo Bradesco.

Segundo ele, “por causa da queda docusto de oportunidade provocado peladiminuição da taxa de juros, as pesqui-sas do banco mostram atualmente o ápi-ce da série histórica com relação ao ape-tite dos empresários para tomar risco”.

Barros acrescenta que “o câmbio temefeito positivo inequívoco, na medidaem que barateia o custo dos bens de ca-pital importados. Tem correlação diretacom a FBCF. Mas, em alguns setores comvocação exportadora, o câmbio atualpode sugerir sinal inverso”.

Segundo o pesquisador José RonaldoC. Souza, do Ipea, os investimentos co-meçaram a acelerar desde o início da re-cuperação da economia, no último tri-mestre de 2003.“Para haver crescimentosustentável, é preciso que o investimentocontinue a crescer. O crescimento que

aconteceu é importante, mas é precisoobservar que cresceu sobre uma base pequena”, diz o pesquisador, explican-do que “uma grande ajuda tem sido ataxa de câmbio, porque muito do in-vestimento que é feito, especialmente emmáquinas e equipamentos, utiliza a im-portação. Importar bens de capital é im-portante porque agrega tecnologia eajuda a elevar a produtividade”.

ESTABILIDADE O pesquisador diz aindaque “a estabilidade econômica e a esta-bilidade política influenciam decisiva-

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

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Posição firme, mas ainda insuficienteTaxa de investimento nominal trimestral (em %)

Fontes: IBGE e Ipea

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

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3

0

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Recorde de mais de uma décadaFormação Bruta de Capital Fixo - taxa trimestral (trimestre sobre quatro trimestres antes) - (em %)

Fontes: IBGE e Funcex. Elaboração: Ipea

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Desaf ios • outubro de 2007 19

e l e va o ape t i te dos empresár i os para tomar r i sco ao áp i ce da sér i e pesqu i sadaIlu

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era

mente o nível de investimento. O cenárioestá favorável tanto dentro do país comono campo internacional. Essa combina-ção do cenário internacional com o am-biente interno está provocando elevadoingresso de capitais. Como também ataxa de juros básica da economia brasi-leira está caindo, há estímulo ao investi-mento em atividade produtiva”.

O nível do investimento também po-derá ser melhorado se o governo criar incentivos para o setor privado investir em infra-estrutura: transportes, energia e saneamento, acrescenta José Ronaldo Souza. “Depende do sistema regulatório.Há discordâncias que geram impasses queprejudicam o investimento. As parceriaspúblico-privadas (PPPs) são um instru-mento interessante, com o investimento

público e o privado se complementando.Dependendo da rentabilidade de cadasituação, há diferentes instrumentos paraatrair o investimento”, diz o pesquisador.

“O fundamental na taxa de cresci-mento é crescer lá na ponta, nos bens decapital. Isto é o que dá sustentação aoprocesso. É claro que a taxa cambial aju-da, mas, por outro lado, também preju-dica. E, no entanto, essa taxa cambial,mesmo que esteja extremamente apre-ciada, não está freando o investimento –porque estão comprando equipamentos.Este é o entendimento empresarial frenteà expectativa futura: equipar a economiapara poder se lançar ao crescimento”, dizo professor Camargo Conceição.

Segundo o professor, “essa idéia deque o crescimento brasileiro é um vôo

de galinha, de que não tem condiçãode se sustentar, que volta e meia surge nos debates, não parece ser o casoagora”. Ele diz que “o crescimento deagora não é tão acelerado quanto foinaquele período dos anos 1970, mas a economia brasileira está dando pas-sos mais conseqüentes e duradouros do ponto de vista de se ter uma traje-tória sustentável”. Para o professor daUFRGS, “parece que a economia estámais bem ancorada, com melhores fun-damentos. Antes de uma conquistamacroeconômica, por mais importan-te que seja de fato, é uma conquista deum novo desenho institucional, maisestrutural, mais voltado para o longoprazo, e menos baseado em episódiosconjunturais”. d

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INOVAÇAO

A inevitável disputa entre

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Desaf ios • outubro de 2007 21

Não é só no futebol que Brasil e Argentina se enfrentam

com freqüência. A própria similaridade dos parques

industriais dos dois países torna suas economias

competitivas no mercado mundial. Empresas de uma

ou de outra nacionalidade estão sempre se esbarrando

ao tentar abrir novos mercados. Uma das saídas é

inovar e diferenciar produtos, e o Brasil está na frente

nesse assunto, embora ainda precise se aperfeiçoar

P o r S é r g i o G a r s c h a g e n , d e B r a s í l i a á mais similaridades produtivasdo que diferenças entre os par-ques industriais do Brasil e daArgentina. Essas similaridades é

que tornam as duas economias compe-tidoras no mercado internacional, se-gundo conclusão do pesquisador Bruno César Araújo, do Instituto de PesquisasEconômicas Aplicadas (Ipea).

Ele é um dos 21 pesquisadores – 13brasileiros e oito argentinos – que anali-saram as inovações tecnológicas e o po-tencial exportador dos dois países. Umadas observações dos pesquisadores é a deque há no Brasil muitas empresas demédio porte que têm todas as condiçõespara exportar, mas esbarram no fato deos argentinos já terem conquistado o

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10 A - 10/25/2007 15:58:03

Núme ro d e emp r e s a s b ra s i l e i r a s q u e i n o vam e d i fe r e n c i am p r o d u to s é ma i o r

Embora comparativamente seja um gigante no campo econômico, oBrasil tem muito a avançar na área social. O Produto Interno Bruto (PIB)brasileiro – de US$ 505,6 bilhões em 2003 – é muito maior do que oargentino – de US$ 127 bilhões –, mas, levando-se em conta as respec-tivas populações, o PIB per capita argentino alcança US$ 3.400, anteUS$ 2.800 no Brasil.

O nível de escolaridade argentino também é superior ao brasileiro, as-sim como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), na faixa de 0,86, queé similar ao de países desenvolvidos, enquanto o brasileiro (0,79) é quali-ficado como nível médio de desenvolvimento humano, provocado principal-mente por diferenças regionais e pela exclusão social.

O IDH, que varia de 0 a 1, é composto por quatro indicadores: PIBper capita, expectativa de vida, taxa de alfabetização de pessoas com 15anos ou mais de idade e taxa de matrícula bruta nos três níveis de ensi-no (relação entre a população em idade escolar e o número de pessoasmatriculadas nos ensinos fundamental, médio e superior), em que os ní-veis da Argentina são superiores aos brasileiros.

Assim, a maior diferença existente é no campo econômico, em queo Brasil atualmente passa uma imagem de estabilidade, enquanto a Argentina ainda transmite insegurança aos investidores estrangeiros,

apesar do bom desempenho de sua economia nos últimos anos – com taxas elevadas de crescimento do PIB – e da retomada dos inves-timentos produtivos.

Apesar das similaridades existentes no segmento industrial, quetransformam os dois países em competidores nos mercados interno e externo, o chefe da Divisão da América Meridional I do Ministério das Relações Exteriores (MRE), ministro João Luiz Pereira Pinto, res-ponsável pelas relações com o Cone Sul, aponta alguns setores em que essa cooperação torna-se possível em decorrência da grande diferença tecnológica, principalmente no nível de desenvolvimento entre os dois países.

É o caso, por exemplo, do setor nuclear. O Brasil é mais competitivo noque diz respeito à área de construção civil pesada, mas a Argentina é maisavançada tecnologicamente na área de instrumentação (operação e contro-le de equipamentos), tendo mesmo suplantado recentemente a França emlicitação internacional para fornecer um reator à Austrália. Há um campode cooperação a ser explorado conjuntamente.

Há ainda, ressalta o diplomata, um outro setor que pode ser traba-lhado em conjunto: educação. Os argentinos, que já tornaram obrigató-rio o ensino da língua portuguesa no curso médio, têm interesse em co-

Vantagens de cada lado

nicho de mercado que elas almejam. “Arecíproca também é verdadeira. Os ar-gentinos encontram dificuldades de ex-portar porque empresas do Brasil já do-minam o mercado”, diz.

As coincidências têm bases históricas.Os dois países, que basicamente exporta-vam produtos agrícolas até os anos 1930,investiram em políticas de substituiçãode importações no pós-guerra, prati-camente nos mesmos setores – metalur-gia, mineração e bens de capital –, sofre-ram restrições macroeconômicas nosanos 1980 e abriram as economias nadécada de 1990.

O trabalho dos 21 pesquisadores re-sultou no livro “Technological Innova-tion in Brazilian and Argentine Firms”,editado pelo Ipea e ainda inédito. A obraé parte de projeto desenvolvido pelo Ipeapara produzir estudos que tenham comofoco as estratégias de negócios entre osdois países, com o objetivo de facilitar aformatação de políticas públicas. A corrente de comércio bilateral este ano chegará a US$ 20 bilhões e poderia ser ampliada se os dois…

22 Desafios • outubro de 2007

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Desaf ios • outubro de 2007 23

que o de empresas argen t i nas , mas, em termos percen tua i s , a Argen t i na vence

Foto:Tuca Vieira/Folha Imagem

nhecer os mecanismos operacionais de duas importantes instituiçõesbrasileiras no ensino superior – a Coordenação de Aperfeiçoamento dePessoal de Nível Superior (Capes) e o Conselho Nacional de Desenvol-vimento Científico e Tecnológico (CNPq) –, no que diz respeito à área decursos de pós-graduação.

O ministro Pereira Pinto explica que, à época em que o Brasil deci-diu investir no desenvolvimento de cursos de especialização stricto sen-su, apostou-se na capacidade das universidades brasileiras. A Argenti-na, ao contrário, optou por um caminho diferente: a concessão de bolsasde estudo no exterior para os seus estudantes que queriam fazer mes-trados ou doutorados.A crise de 2001 causou a suspensão do pagamen-to das bolsas e, em conseqüência, uma grande evasão de técnicos paraoutros países. A Argentina atualmente repensa a sua política na for-mação de especialistas e pode vir a adotar o modelo brasileiro.

Na perspectiva de ações comuns que envolvam três ou mais paísesdo Mercosul, o diplomata brasileiro lembra que há um longo caminho nosentido de compatibilizar as normas técnicas dos associados às exigên-cias do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade In-dustrial (Inmetro) ou da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvi-sa), quando se trata de associações farmacêuticas.

Outra barreira quase intransponível é o tamanho do mercado dos de-mais países membros do Mercosul – Paraguai e Uruguai. Um caso cos-tumeiramente citado é o de uma solicitação de uma empresa paraguaiaenviada ao Itamaraty para exportar detergente para o Brasil. O assuntoentrou na pauta do grupo, mas a indústria paraguaia não cumpria exigên-cias técnicas brasileiras e tinha capacidade para produção que não ul-trapassava o volume de vendas de uma única loja de supermercado emCuritiba (PR) – não almejava sequer a rede de lojas do supermercado.

Segundo Alexandre Messa Silva e Wilson Suzigan, se as duas maioreseconomias do Mercosul – Brasil e Argentina – apresentam poucos setoresem que podem investir e explorar em conjunto, isto significa que não estãono mesmo patamar em termos de países em desenvolvimento.“Há evidênciasfortes de que o Brasil, apesar de medidas protecionistas e subsídios agríco-las e industriais por parte das economias mais fortes, desenvolveu um par-que industrial diferenciado,‘atípico’, entre as décadas de 1930 e 1980.”

O modelo básico brasileiro não foi diferente em relação a outrospaíses que se industrializaram à mesma época. O que torna a economiabrasileira atípica é o significativo grupo de empresas exportadoras deprodutos com média e alta tecnologia agregada e que já respondem por25% da renda industrial nacional.

Brasil investe mais

Investimentos de empresas brasileiras

e argentinas em pesquisa e

desenvolvimento – 2000/2001 (em %)

Fonte: Ipea/Livro Technological Innovation in Brazilian andArgentine Firms.

Brasil – US$ 2,0 bilhões

Argentina – US$ 186 milhões

91,5

8,5

FOCO Segundo os pesquisadores do IpeaJoão Alberto de Negri e Lenita Turchi,que coordenaram o trabalho, diversostestes estatísticos, com diferentes indica-dores e critérios, foram utilizados, ado-tando-se um esquema de classificaçãoque foi considerado como o mais ade-quado: empresas dos dois países que ino-vam e diferenciam os seus produtos; em-presas que exportam mas não inovam e nem diferenciam os seus bens; e, final-mente, empresas que nem diferenciam etêm baixa produtividade.

O número de grandes empresas bra-sileiras que inovam e diferenciam produ-tos é maior que o de empresas argenti-nas, segundo a pesquisa, mas, em termospercentuais, 18% das firmas da Argen-tina investem em pesquisa e desenvol-vimento (P&D), ante apenas 7% no Bra-sil. Apesar disso, os investimentos dasempresas brasileiras somaram US$ 2 bi-lhões no ano 2000, dez vezes acima dos…países não competissem pelos mesmos nichos

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24 Desafios • outubro de 2007

O Bras i l d i r ig iu sua indústr ia para o mercado interno, obtendo uma das ma iores

US$ 186 milhões investidos por partedas empresas argentinas.

A assessora do Ministério do Desen-volvimento, Indústria e Comércio Exte-rior (Mdic) Fernanda De Negri, em tesede doutorado que acaba de ser defendidana Universidade Estadual de Campinas(Unicamp) sobre as relações entre o Bra-sil e a Argentina, analisou os investimen-tos dos dois países em pesquisa e de-senvolvimento e concluiu que o Brasilcompromete uma parcela superior do fa-turamento da sua indústria em pesquisaquando comparado com a Argentina.

Para barrar o crescimento das expor-tações do Brasil, a Argentina provocou a criação do Mecanismo de AdaptaçãoCompetitiva (MAC), destinado a impe-dir que setores econômicos do país fos-sem imobilizados pelo maior poder dooutro lado. O sistema, que possibilita aadoção de salvaguardas, impediu queeletrodomésticos, sapatos e têxteis brasi-leiros ampliassem demais sua participa-ção no mercado vizinho.

As dificuldades comerciais entre Bra-sil e Argentina acabam por diminuir aimportância do Mercosul como meca-nismo de incentivo ao comércio entre ospaíses do subcontinente americano. Nãoé segredo que os dois países têm peso de-cisivo na região: economicamente falan-do, somam 36,5% do Produto InternoBruto (PIB) e 41% das populações dospaíses da América do Sul.

Reação no mesmo sentido decorreudos investimentos brasileiros na indústriaargentina, depois da desvalorização dopeso. Em 2002, a AmBev assumiu a cerve-jaria Quilmes, a maior do país, a Petrobrasadquiriu a empresa Perez Companc e aConstrutora Camargo Correa comprou aempresa argentina Loma Negra. Setoresindustriais argentinos argumentam que apolítica de crédito brasileira favorece a am-pliação das companhias além-fronteiras.

COMPARAÇÕES O pesquisador Fer-nando Peirano, do Centro de Estudiossobre Ciencia, Desarrollo y Educación

nomia à dinâmica do mercado internacio-nal, mas ter dirigido a sua política indus-trial ao mercado interno, o que acarretouuma das maiores diversificações da indús-tria entre economias latino-americanas,incluindo Argentina e México.

O Brasil, de modo atípico, se diferen-ciou em relação às demais economias emdesenvolvimento, que se caracterizampelo fornecimento de mão-de-obra maisbarata e de recursos naturais. No casobrasileiro, isso em parte é real – os salá-rios são mais baixos e as matérias-primassão abundantes –, mas os investimentosem pesquisa e desenvolvimento sãomaiores. Embora não tenha alcançado opadrão econômico dos países menos de-senvolvidos da Europa, o país se afastabastante em relação à maioria dos vizi-nhos da América Latina.

OPORTUNIDADE O professor Wilson Su-zigan, da Unicamp, o coordenador dolivro, João Alberto De Negri, e o pesqui-sador do Ipea Alexandre Messa Silva,num texto que ocupa o capítulo 1 do tra-balho, fazem referência a que, no caso do Brasil, essa diversificação industrial,decorrente do grande mercado interno,permitiu o surgimento de empresas demédio porte exportadoras de produ-tos com pequena e média agregação tec-nológica. Essas empresas já geram 25%da renda industrial nacional.

Segundo os pesquisadores, após a po-lítica de substituição das importações e apartir dos anos 1970, houve uma oportu-nidade de transição para a indústria bra-sileira, que poderia ter corrigido o seucurso e reduzido o protecionismo, agre-gando novas tecnologias e se integrandoà dinâmica do mercado, mas a oportuni-dade não foi aproveitada. Em decorrên-cia da crise macroeconômica e da insta-bilidade decorrente, o setor estagnou nodecorrer da década de 1980, interrom-pendo o processo de industrialização.

A abertura da economia nos anos1990, especialmente a liberalização do co-mércio, colocou a indústria nacional fren-

Parceria crescente

Corrente de comércio Brasil-Argentina

– 2002/2006 (em US$ bilhões FOB)

2002 2003 2004 2005 2006

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic)

2,4

4,7

4,6

4,7

7,4

5,6

9,9

6,2

11,7

8,1

Exportação Importação

Superior (Redes), da Argentina, analisouo ganho financeiro que as inovações tec-nológicas embutem no retorno financei-ro das indústrias. Ele selecionou oito paí-ses – Alemanha, Itália, Brasil, Espanha,Holanda, Bélgica, Portugal e Argentina –e comparou os respectivos investimentosem inovação, utilizando bases de dadosdo Ipea, do Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística (IBGE) e de insti-tuições semelhantes da Argentina e daUnião Européia.

A Argentina ficou em última posiçãono que diz respeito ao retorno financeiroindustrial. O Brasil ocupou surpreen-dentemente o terceiro lugar entre asnações selecionadas, embora ele ressalveque, se analisados outros parâmetros dacomposição dos gastos desses países emP&D, a posição do Brasil poderia vir a serreconsiderada.

Uma das explicações para essa situaçãoúnica do Brasil entre as nações em desen-volvimento deve-se ao fato de o país nãoter perseguido uma integração da sua eco-

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Desaf ios • outubro de 2007 25

diversif icações da indústria entre economias latino-americanas, incluindo Argentina e México

gentina esse número era de 14 mil em2001. Entre o grupo de firmas que inovame diferenciam seus produtos, o númeromédio de trabalhadores em P&D era de23,8 no Brasil e de 6,03 na Argentina.

MULTINACIONAIS “Estamos analisandomecanismos que possam elevar de 0,6%para 1,5% os investimentos em ino-vações por parte das empresas brasilei-ras”, destaca De Negri,“de modo a elevaro faturamento das firmas nacionais dosatuais R$ 5,1 bilhões para R$ 13 bilhõesao ano, além de dobrar o número de gra-duados e pós-graduados em pesquisa edesenvolvimento.”

Para o pesquisador, isso é possível pe-lo fato de o Brasil ter esse diferencial, queé o seu parque produtivo diversificado ecom escala de produção capaz de inovar.

Essa pode ser a explicação para o fato deas multinacionais estarem mais inclina-das a investir em processos de inovaçãono Brasil que na Argentina. Além disso,ele acredita que para o país alçar de vez ogrupo dos países desenvolvidos deve in-vestir mais em inovações tecnológicasnos próximos anos.

Como ressalta o economista RenatoBaumann, diretor do escritório no Brasilda Comissão Econômica para a AméricaLatina e Caribe (Cepal), cada ponto per-centual de aumento nas aplicações empesquisa e desenvolvimento garante umretorno médio de 3% nas exportações,pela agregação de valor.

Outro dado que comprova a liderançabrasileira em P&D é o número de pesso-as envolvidas nos dois países: 20 mil noBrasil e 2 mil na Argentina.

Foto: Arnd Wiegman/Reuters

te a dois desafios: competir no mercadodoméstico e também no internacional aomesmo tempo. Em um cenário de econo-mia adversa, a única resposta possível foireduzir custos e aumentar a eficiência.

O pesquisador João De Negri com-prova esse fato com dados: o Brasil pos-suía, em 2000, cerca de 72 mil empresascom dez ou mais empregados, ante 11mil na Argentina em 2001. Além disso,971 firmas brasileiras e 413 argentinas seenquadravam na categoria das que inves-tem em inovação e diferenciação de pro-dutos. Enquanto o retorno das empresasbrasileiras nessa categoria atingia R$ 80,6milhões, a contrapartida argentina era deUS$ 26,8 milhões.

No ano 2000, cerca de 67 mil trabalha-dores brasileiros estavam engajados emalgum tipo de pesquisa, enquanto na Ar-

Quase mil firmas brasileiras se enquadram na categoria das que investem em inovação e diferenciação de produtos, ante pouco mais de 400 firmas argentinas

12 A - 10/25/2007 15:58:03

comparação a 28% nas subsidiárias ar-gentinas.“O Brasil, em decorrência do ta-manho das subsidiárias, proporciona escalas de operação superiores às empre-sas estrangeiras, o que favorece a reali-zação de atividades tecnológicas”, con-clui a pesquisadora.

A política brasileira nesse segmento éainda tímida. O percentual de firmasinovadoras que receberam financiamen-tos públicos para inovação no Brasil é de apenas 10%, ante 52% na Áustria,51% na Finlândia, 37% em Portugal,30% na França e 19% na Suécia. Segun-do a pesquisadora, o Brasil tem um me-canismo de financiamento que alcançounível de excelência – o sistema adota-do pelo Banco Nacional de Desenvol-vimento Econômico e Social (BNDES)para financiar bens de capital –, que de-veria ser utilizado como modelo para ofinanciamento à inovação.

CRISE O livro analisa ainda a crise ar-gentina recente. Os pesquisadores Ber-nardo Kosacoff, diretor do escritório daCepal na Argentina, e Adrian Ramos,também economista da Cepal, dizemque a volatilidade econômica do país co-brou um preço muito alto em termos so-ciais (aumento dos índices de pobreza) e,mais ainda, em relação à performance daeconomia industrial, o que afeta o pro-cesso de tomada de decisões quanto a in-vestimentos e progresso tecnológico.

As empresas que não são encoraja-das a adotar estratégias de crescimentopermanecem em posição defensiva, oque afeta o seu desenvolvimento eco-nômico, no longo prazo, dizem os doispesquisadores.

Para outros dois analistas argentinos,Gustavo Lugones e Diana Suárez, queanalisaram os sistemas de inovação dosdois países, a Argentina deveria aumen-tar os seus investimentos em P&D, en-quanto o Brasil deveria dar priorida-de ao aumento do número de pesquisa-dores em todos os setores do seu parqueindustrial.

26 Desafios • outubro de 2007

Juntos os do is pa íses somam 36% do PIB e 41% da popu lação da Amér ica do Su l

d

Sobre esse aspecto, a pesquisadora Fer-nanda De Negri, do Mdic, ressalta que osinvestimentos das empresas multinacio-nais podem ser motivados pela existênciade pessoal qualificado e custos mais bai-xos que nos países desenvolvidos.

Para os pesquisadores Eduardo Gon-çalves, Mauro Borges Lemos e João Alber-to De Negri, as corporações transnacio-nais estariam mais inclinadas a investir noBrasil do que na Argentina. O retorno fi-nanceiro no Brasil é cerca de quatro vezesmaior, apesar de o pesquisador BrunoAraújo ter comprovado que o coeficientede exportação das firmas argentinas é su-perior ao das empresas brasileiras.

MÃO-DE-OBRA A falta de mão-de-obraqualificada preocupa mais as empresasargentinas do que as brasileiras, segundoas firmas inovadoras que afirmam ser es-te um obstáculo para o desenvolvimentode pesquisas. Conforme a pesquisadoraFernanda De Negri, 38% das multinacio-nais investem em inovação no Brasil, em

O saldo da balança comercial do Brasil com a Argentina até setembro deste ano é da or-dem de US$ 3 bilhões, favorável ao Brasil. Mantida a média mensal atual, deverá ultrapassaros USS 3,6 bilhões do ano passado.

A corrente de comércio bilateral este ano chegará a US$ 20 bilhões, mas poderia serampliada, caso as duas maiores economias do Mercosul não competissem pela conquista dosmesmos nichos no mercado externo e, nas relações bilaterais, a maior escala de produção ecompetitividade da indústria brasileira não levasse os argentinos a posições defensivas emrelação ao seu mercado interno.

Politicamente está tudo bem entre os dois países, mas na área econômica, informa o di-plomata João Luiz Pereira Pinto, ministro-chefe da Divisão da América Meridional I do Minis-tério das Relações Exteriores (MRE), ambos tentam encontrar saídas para suplantar os pro-blemas que dificultam parcerias comerciais bilaterais.

O quadro torna-se ainda mais favorável ao Brasil devido aos “soluços”que acometerama economia argentina nos últimos anos: o primeiro foi a crise financeira de 2001; o segun-do, a falta de energia elétrica durante a campanha eleitoral de 2003, em decorrência da fal-ta de investimentos na infra-estrutura energética do país. Por causa das eleições presiden-ciais, os cortes de fornecimento foram direcionados ao parque industrial, para nãodesagradar os eleitores.

Saldo brasileiro é crescente

Brasil bem posicionado

Investimentos em P&D em relação

ao PIB – 2002 (em %)

Fonte: Rede Ibero-americana de Indicadores em Ciência e Tecnologia (Ricyt)

Estados Unidos

União Européia

Ásia

Oceania

Brasil

Espanha

Chile

Panamá

México

Argentina

Venezuela

Uruguai

Colômbia

2,60

1,73

1,71

1,50

1,04

1,03

0,57

0,40

0,39

0,39

0,38

0,22

0,12

12 B - 10/25/2007 15:58:03

Desaf ios • outubro de 2007 27

C a m i l l o d e M o r a e s B a s s iARTIGO

stima-se que o déficit habitacional brasi-leiro ronda 19 milhões de unidades.A cifra,cômputo das dimensões quanti/qualidadedo problema – ausência de habitações (7.2

milhões) + (des)qualificação das existentes (12milhões) –, reside majoritariamente entre as ca-madas de baixa renda (supera os 80% entre fa-mílias com renda familiar inferior a três saláriosmínimos), em mais uma clara demonstração deque os processos excludentes são multifatoriais.

Exacerbando – e justificando – o problema, ofato é que, no Brasil, salvo a parceria CEF/FGTS,são escassas as linhas de financiamento habita-cional direcionadas a este núcleo de “habitaçõesdesprovidas”.Na verdade,nada assim tão surpre-endente aos que conhecem os critérios de seleçãode crédito do main stream financeiro, recorrente-mente pró-franja superior da curva distributiva.

Lastreando-nos nestas considerações prévias éque inserimos nossas instituições micro-financei-ras – IMFs – como instrumento auxiliar à reduçãode nosso déficit habitacional. Mesmo porque suaprópria gênese foi uma espécie de resposta à blin-dagem imposta pelas instituições de crédito for-mal às camadas de baixa renda, acontecimentoque, per si, dribla como um dos obstáculos maissignificativos ao acesso a financiamentos.Seu mo-delo operacional,materializável em quesitos comomenor burocracia, colaterais alternativos, agentesde crédito e capacitação do tomador,torna as con-cessões bem mais robustas, evitando, entre outrascoisas, a inadimplência, questão de suma relevân-cia à sustentabilidade da empreitada.

Obviamente, nossas IMFs padecem de umasérie de fragilidades à tarefa que propomos atri-buí-las. São, primeiramente, neófitas – legalmen-te reconhecidas somente a partir de 1999 –, o que rebate tanto no número de instituições eclientes como no montante dos desembolsos efetuados: totalizam 177 instituições, distribuídasentre sociedades de crédito ao microempreende-dor (SCMs), organizações não-governamentais(ONGs), organizações sociais civis de interessepúblico(Oscips), fundos públicos (em sua maio-ria, os denominados “Bancos do Povo”) e o Cre-diamigo (braço institucional do Banco do Nor-

deste),atendendo a pouco mais de 300 mil indiví-duos e com desembolsos que mal ultrapassam R$ 262 milhões.

Mas as fragilidades não param por aí. Pode-seconcomitantemente destacar que: a) operam,por imposição legal, estritamente com “créditoprodutivo”; b) não captam recursos, tambémpor imposição legal, junto ao público; e c) exce-tuando-se as SCMs, não são supervisionadaspela autoridade monetária, o que faz dassituações contábeis verdadeiras “caixas-pretas”.

Cabe-nos, então, diante dos comentários des-feridos, algumas “sugestões corretivas”. De pron-to, diríamos que a flexibilização do marco regu-latório – pelo menos em relação às SCMs que jásão supervisionadas pelo Banco Central –, per-mitindo que provenham linhas de financiamen-to outras, seria o estopim de todo processo.

A reboque desta ação inicial, a captação de re-cursos junto ao público, preferencialmente comprazos de maturidade não tão descasados dasoperações ativas, é conhecida por urbi et orbi queas camadas de baixa renda também poupam, oque facilitaria, e muito, uma fonte segura de fun-ding ao crédito imobiliário – não nos esqueçamosde que o Sistema Brasileiro de Poupança e Em-préstimo (SPBE) age exatamente assim,ao proverlinhas de financiamento imobiliário às classesmédia e média/alta –, quiçá dispensando aportesestatais, tão escassos nestes tempos de persecuçãoferrenha de superávits primários.

Ademais, a expansão da escala operacional,via incorporação de novos serviços e agentes àcarteira das IMFs, seria uma maneira de reduziras taxas de juros praticadas – diga-se de passa-gem, nada módicas na atualidade –, tornandomais amistosas as concessões longoprazistas.

Enfim, o desafio está lançado. A proposta po-de ser ruidosa, mas cacofonia e inovação costu-mam, historicamente, caminhar lado a lado. Co-mo atenuante, a possibilidade de equilibrar a gan-gorra societária no Brasil, intento remoto, masainda não concretizado.

A redução do déficit habitacional

A proposta pode

ser ruidosa,

mas cacofonia e

inovação costumam,

historicamente,

caminhar lado a lado.

Como atenuante,

a possibilidade de

equilibrar a gangorra

societária, intento

remoto, mas ainda

não concretizado,

no Brasil

E

Camillo de Moraes Bassi é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (Ipea)

13 A - 10/25/2007 15:58:03

CONTAS NACIONAIS

Um retrato mais abrangente do país

13 B - 10/25/2007 15:58:03

Após as modif icações introduzidas

neste ano no sistema que calcula o

Produto Interno Bruto (PIB), novos

aperfeiçoamentos já estão em estudo

pelo Instituto Brasileiro de Geograf ia e

Estatística (IBGE), como a incorporação

das contas de patrimônio e das

contas f inanceiras no consolidado

das contas nacionais

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P o r F á t i m a B e l c h i o r , d o R i o d e J a n e i r o

primoramentos significativos foram introdu-zidos neste ano pelo Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística (IBGE) no Sistema deContas Nacionais, que inclui o cálculo do Pro-

duto Interno Bruto (PIB). Foram incorporados dadosque permitem uma visão mais próxima da realidade doBrasil de hoje. O novo formato passa a adotar estatís-ticas de outros sistemas do próprio IBGE e também seabre para outras informações relevantes sobre a eco-nomia brasileira elaboradas por outras instituições.

Por exemplo, foram incluídos dados anuais da De-claração de Informações Econômico-Fiscais da PessoaJurídica (DIPJ), elaborados pela Secretaria da ReceitaFederal (SRF), e informações da Pesquisa de Orçamen-tos Familiares (POF) de 2003 e do Censo Agrope-cuário de 1996, além de terem sido atualizados vários conceitos, introduzindo recomendações recentes daOrganização das Nações Unidas (ONU) e de outrosorganismos internacionais.

A

14 A - 10/25/2007 15:58:03

30 Desafios • outubro de 2007

Por d i ferenças na c lass i f i cação de a t i v i dades e produ tos, fa l tava s i nerg ia entre

O resultado causou impacto porquemudou o tamanho do PIB brasileiro dosúltimos anos. “O que as novas contas na-cionais fazem é juntar um conjunto de da-dos dispersos em um quadro integrado”,afirma o coordenador de Contas Na-cionais do IBGE, Roberto Olinto, habi-tuado, durante 28 anos de trabalho noórgão, a conviver com constantes adapta-ções das estatísticas à economia brasileira.

O valor do PIB do ano 2000 ficou7,1% maior, ao ser reestimado para R$1,2 trilhão, na comparação com a sérieanterior, e o de 2005 foi elevado em10,9%, contabilizado em R$ 2,1 trilhões.O Sistema de Contas Nacionais anun-ciado neste ano adota o ano 2000 comoreferência, mas, para o período anterior,houve uma retomada (retropolação, nalinguagem utilizada pelo IBGE) de dadosaté 1995, aproveitando-se o que havia deestatísticas disponíveis.

IPEA Os pesquisadores José RonaldoSouza Junior e Mérida Herasme Medina,do Instituto de Pesquisa Econômica Apli-cada (Ipea), que fizeram um estudo sobreessas mudanças, indicam que, em relaçãoà série antiga, a principal alteração é o

de trabalho permitiram reavaliar a estru-tura produtiva do país. Muitos dos ser-viços que eram contabilizados dentro daindústria ganharam vida própria no itemserviços, tais como segurança, limpeza,informática. Essa é uma das razões da re-levância maior do setor serviços na novametodologia.

INDÚSTRIA “Houve quem interpretasse aredução da participação da indústria co-mo algo mais grave. Mas, com estes nú-meros, não se pode, de forma alguma,dizer que houve ‘desindustrialização’,pois estamos comparando dados commetodologias diferentes. Houve, sim,uma reclassificação de atividades”, dizMérida Herasme Medina.“O peso da in-dústria está menor, na nova medida do

aumento da participação do setor deserviços no PIB em mais de 10 pontospercentuais – passou de 56,3% para66,7% na estatística referente ao ano2000. Algumas das atividades desse setor,entretanto, perderam peso: o item admi-nistração, saúde e educação públicas tevesua participação reduzida de 15,7% para14,9% no PIB de 2000.

Em compensação ao maior peso dosserviços, o valor agregado da agropecuá-ria teve sua participacão reduzida pelanova metodologia de 7,7% para 5,6% noPIB de 2000, e o da indústria caiu de36,1% para 27,7% no mesmo ano.

O IBGE informa que conseguiu, emtermos operacionais, um melhor aprovei-tamento dos levantamentos feitos por elepróprio e por outras instituições. Ocorriaque, por diferenças na classificação de ati-vidades e produtos, faltava sinergia entreas diversas pesquisas do próprio IBGE. Aadoção, por exemplo, da Classificação Na-cional de Atividade Econômica (CNAE),do Ministério da Fazenda, permite a in-tegração e uniformização das estatísticas.

Além disso, o maior detalhamento ediversificação das atividades econômicase as mudanças nas relações no mercado Na nova série, o peso do valor agregado da…

Inclinação positiva

Variação acumulada do Produto Interno Bruto (PIB) em quatro trimestres, séries antiga x nova, do 1º trimestre de 2000 ao 4º trimestre de 2006 (em %)

Fonte: IBGE/Nota técnica do Ipea

6,0

5,0

4,0

3,0

2,0

1,0

0,02000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

y = 0,052x + 2,164

y = 0,009x + 2,381

Metodologia antiga Metodologia nova

Linear (Metodologia antiga) Linear (Metodologia nova)

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Desaf ios • outubro de 2007 31

as d i ver sas pesqu isas do própr io IBGE , prob lema que agora es tá superado

…construção civil caiu de 12,9% para 8,6%

Foto: Renato Stockler/Folha Imagem

Serviços com maior peso

Alterações do peso no Produto Interno Bruto (PIB) das atividades econômicas,em 2000 (em %)

Classes e atividades série antiga série nova

1 - Agropecuária 7,7 5,6

2 - Indústria 36,1 27,7

Extrativa mineral 2,5 1,6

Transformação 21,6 17,2

Produção e distribuição de

eletricidade, gás e água 3,3 3,4

Construção Civil 8,7 5,5

3 - Serviços 56,3 66,7

Comércio 7,1 10,6

Transporte, armazenagem

e correio 2,6 4,9

Serviços de informação

Telecomunicações —— 1,8

Atividades de informática —— 1,1

Serviços cinematográf icos

e de vídeo —— 0,2

Rádio, televisão e

agências de notícias —— 0,5

Intermediações f inanceiras,

seguros, previdência

complementar e serviços 5,2 6,0

Atividades imobiliárias

e aluguel 12,2 11,3

Outros serviços 10,8 15,4

Administração, saúde

e educação pública 15,7 14,9

Fonte: IBGE

PIB, mas isto não quer dizer que houveredução de importância. Ficou diferenteapenas pela forma de contabilizar”, es-clarece Souza Junior.

Alguns segmentos do setor de servi-ços – como telecomunicações e software,por exemplo – ganharam importânciaque não tinham antes. Essa evolução foiqualificada pelos dois pesquisadores doIpea como típica de qualquer país emdesenvolvimento, que tem elevado cres-cimento nessas áreas.

A atualização da metodologia decálculo das Contas Nacionais promoveuuma maior abrangência para o item ser-viços de informação, que passa a incor-porar as atividades de telecomunicações,de informática, cinema, vídeo, rádio,televisão e agências de notícias.

15 A - 10/25/2007 15:58:03

32 Desafios • outubro de 2007

J á e s t á p r o g r a m a d a p a r a 2 0 1 2 a a d o ç ã o , n a s c o n t a s r e l a t i v a s a o a n o d e

“A dinâmica destas atividades noBrasil é muito forte. É um fenômenomundial, uma questão de avanço tec-nológico”, comenta Souza Junior, des-tacando que “o recém-criado item ser-viços de informação já entra com peso de3,6% do PIB, o que é significativo, consi-derando-se que a agropecuária participacom 5,6%.”

FONTES Para Olinto, as novas contasnacionais ganharam também com a in-corporação de dados do imposto de rendadas pessoas jurídicas –“de forma agregada,não se identificando informações indivi-duais de cada empresa”. A partir daítornou-se possível medir também institui-ções sem fins lucrativos,de saúde privada ede educação privada, entre outros.

“Foi um passo fundamental, porque o trabalho deixa de ser uma produçãosomente do setor de estatísticas, e passa a usar outras fontes, como a Receita Fe-deral”, destaca o coordenador. Ele expli-ca que “montar as contas nacionais nãoé somente usar informações do IBGE,mas ter dados da Secretaria da Recei-ta Federal, da Secretaria de ComércioExterior (Secex), do Banco Central (BC) e de outras fontes – tudo isto fazparte da construção do Sistema de Con-tas Nacionais”.

O coordenador do IBGE reconheceque outras informações se revelaram im-pactantes, ainda que o PIB tenha subidopor conta de “uma metodologia aprimo-rada”.Houve,por exemplo,uma mudançasignificativa, pois a dívida pública melho-rou. Por outro lado, revelou-se queda nataxa de investimentos.

“A sensação que eu tenho é a de que seesperava que a revisão fosse mudar funda-mentalmente os resultados, mostrar umoutro país. A estrutura da economia temmudanças, mas não uma mudança de vi-são. O que se viu foi que os indicadores doPIB melhoraram”, comenta Olinto.

A análise das novas Contas Nacionaisa partir das despesas indica que a parti-cipação do consumo das famílias no PIB é maior na nova série – 83,5%, ante80% na série anterior. Revela tambémuma participação menor na Forma-ção Bruta de Capital Fixo (FBCF), de16,8%, ante 19,3% na série antiga, emdecorrência da redução do valor agre-gado da construção civil, que saiu dopatamar de 12,9% para 8,6%.

O fato de o item máquinas e equipa-mentos ter ampliado a sua participação noPIB de 5,3% para 7,2% – quase dois pon-tos percentuais – não foi suficiente para aampliação do resultado final da FBCF, quepassou de 21,5% para 18,3%. Já na ava-liação da composição do PIB pela ótica darenda, revela que da série antiga para anova houve aumento de 37,9% para40,5%, na participação da remuneraçãodos empregados.

Diferença visível

Fonte: IBGE

Evolução do Produto Interno Bruto (PIB), séries antiga x nova, de 2000 a 2005(em R$ trilhões)

2000 2001 2002 2003 2004 2005

2,2

2,0

1,8

1,6

1,4

1,2

1,0

Série antiga Série nova

As seguintes ações se destacaram naelaboração da série das contas nacionaisdivulgada em março de 2007:

1) Nova classificação de produtos e ati-vidades integrada com a Classificação Na-cional de Atividade Econômica (CNAE).

2) Dados das pesquisas anuais contínuasrealizadas pelo IBGE: Pesquisa Anual da Indús-tria (PIA), Pesquisa Anual de Serviços (PAS),Pesquisa Anual de Comércio (PAC) e PesquisaAnual da Indústria da Construção (PAIC).

3) Dados da Declaração de Imposto deRenda da Pessoa Jurídica (DIPJ) para com-plementar o universo e para a construçãodas contas das empresas.

Principais mudanças

4) Dados da Pesquisa de OrçamentosFamiliares (POF) de 2000, como referênciapara o consumo das famílias.

5) Uso de software específico para con-tas nacionais, permitindo a articulação dire-ta entre as operações de bens e serviços esetores institucionais.

6) Desagregação dos trabalhos por mo-do de produção, possibilitando a realizaçãode estimativas, considerando determinadascaracterísticas das unidades produtivas.

7) Desenvolvimento da metodologia de cál-culo do consumo de capital fixo por instituiçõespúblicas ou privadas sem fins de lucro, permi-tindo estimar seus valores de produção brutos.

15 B - 10/25/2007 15:58:03

Desaf ios • outubro de 2007 33

2 0 1 0 , d a n o v a v e r s ã o d o m a n u a l d a O N U q u e s e r á p u b l i c a d a e m 2 0 0 8

A contabilidade nacional da economiabrasileira começou a ser feita pelo Centrode Contas Nacionais da Fundação GetulioVargas (FGV) do Rio de Janeiro, em 1947, apartir de informações sobre a renda nacional.Embora já naquela época fosse atribuiçãolegal do Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística (IBGE), ficou sob a responsabili-dade da FGV até 1989.Tratava-se de um sis-tema simplificado, que sofria revisões a ca-da censo econômico.

Também em 1947, a Comissão de Esta-tística da Organização das Nações Unidas(ONU) reuniu-se, pela primeira vez, com oobjetivo de analisar proposta de um manualde recomendações metodológicas para ospaíses elaborarem contas nacionais compa-ráveis. Em 1953, a ONU publicou a 1ª versãodo Manual de Contas Nacionais. Em 1968,saiu a 2ª versão e, em 1993, a 3ª. Para o anoque vem, a Comissão de Estatística das Na-ções Unidas programou publicar a 4ª versãodo manual.

“Nós estamos muito próximos dos pa-drões internacionais”, afirma o coordenadorde Contas Nacionais do IBGE, Roberto Olinto,acrescentando que “o trabalho da FGVavançava de acordo com as normas

Em 1947, as contas nacionais eram calculadas pela FGV

internacionais, na medida em que a ONU fazianovas adaptações”.

Em 1989, o Centro de Contas Nacionais daFGV foi absorvido pelo IBGE, que criou um de-partamento próprio.“Trabalhávamos um sistemamais moderno do que o da FGV, que tinha umpadrão de 1968. O IBGE fez, no início dos anos1980, um acordo de cooperação técnica com oInstitut National de la Statistique et des ÉtudesÉconomiques (Insee), da França. Em paraleloaos trabalhos da FGV, o IBGE já trabalhava nestaárea”, explica Roberto Olinto.

No entanto,segundo o coordenador do IBGE,nomanual da ONU de 1993 “houve um avanço, com acontribuição de vários organismos internacionais”,como Banco Mundial, Fundo Monetário Internacio-nal (FMI) e Eurostat, serviço de estatística da UniãoEuropéia.Assim, muitas das recomendações meto-dológicas do manual de 1993 foram incorporadaspelo IBGE na publicação da base de 2000.

A maior mudança se deu em 1997: o IBGE

adotou a 3ª versão do Manual de Contas daONU, realizando uma profunda alteração nosistema, que não afetou apenas a base dedados, mas a sua própria estrutura, que foiampliada. Essa mudança provocou adivulgação de uma nova série das contasnacionais, de 1990 a 1997, que estabeleceuo Sistema de Contas Nacionais do Brasil, talcomo vigora até hoje.

A história das estatísticas brasileiras mos-tra que, até 1990, elas eram baseadas, funda-mentalmente, em censos. A cada cinco anoshavia o censo econômico – indústria, comér-cio, serviços e agropecuário. E, a cada dezanos, havia o censo demográfico.“Esta era aarquitetura do sistema”, conta Olinto. Hoje, oque se faz é um trabalho por amostragem,mais ágil e de menor custo.

“No governo Fernando Collor, em 1990,o orçamento do IBGE foi praticamente des-truído. Cancelaram-se os censos de 1990 –econômico, agropecuário e demográfico. E oIBGE ficou perdido por dois ou três anos, semsaber o que fazer. Em 1992, realizou a toquede caixa a contagem da população. Com ofim do governo Collor, o IBGE redefiniu seusistema estatístico, em 1995”, relembra ocoordenador.

FUTURO O IBGE já trabalha com novaspropostas para aprimorar seus cálculos,como tem feito ao longo de toda a suahistória. Algumas das novas mudançaspoderão ser adotadas ainda neste ano.

“São caminhos para amarrar melhoras contas nacionais”, comenta RobertoOlinto. Um dos alvos, conta ele, será

ampliar o universo das estatísticas men-sais e trimestrais, pois o IBGE tem seconcentrado nos resultados anuais.

Além disso, o IBGE estuda a possibi-lidade de incluir as contas de patrimônio(estoque de máquinas e equipamentosexistentes no país) e as contas financeirasde quem produz, de quem consome ou

mesmo de quem financia a economia noconsolidado das contas nacionais. Essesaprimoramentos, por exemplo, deverãoser publicados ainda neste ano.

Está programada para 2012 a adoção,nas contas relativas ao ano 2010, do ma-nual da Organização das Nações Unidas(ONU) que será publicado em 2008. d

Ilustração: Divulgação/Museu Oscar Niemayer

16 A - 10/25/2007 15:58:03

ENSINO

34 Desafios • outubro de 2007

O dilema darepetência e da evasão

Foto: Fernando Vivas/Editora Abril

16 B - 10/25/2007 15:58:03

baixa qualidade do ensino bási-co brasileiro, traduzida pelos al-tos índices anuais de repetência eevasão escolar, reflete os defeitos

históricos da própria sociedade brasilei-ra, que é excludente. “Nosso desafio, empleno século XXI, é estruturar uma es-cola republicana que seja realmente paratodos, o que muitos países fizeram noséculo XIX, outros no século XX e o Bra-sil, infelizmente, não conseguiu até hoje.”

A

Desaf ios • outubro de 2007 35

P o r S é r g i o G a r s c h a g e n , d e B r a s í l i a

A maioria das crianças

brasileiras não consegue

concluir o ensino fundamental

aos 14 anos de idade, como

deveria acontecer, e uma

parte importante jamais

termina, porque, após repetir

duas ou mais séries, acaba

desertando da escola.

Enquanto o Brasil não se

decide, uma pesquisa analisa

políticas educacionais de

49 países e conclui que os

resultados mais efetivos

obtidos no ensino básico

foram observados entre

os que adotaram o regime

de progressão continuada

17 A - 10/25/2007 15:58:03

36 Desafios • outubro de 2007

Apenas 15% das cr i anças de zero a t rês anos de i dade têm acesso às creches,

O sistema de progressão continuada,que consiste na identificação das difi-culdades de cada aluno no ano letivo e suapronta resolução, de modo a evitar a re-provação, não significa aprovação auto-mática. É uma alternativa que está sendoadotada com sucesso por diversos países,

Esta dura avaliação é da secretária deEnsino Básico do Ministério da Educação(MEC), Maria do Pilar Lacerda Almeida eSilva. Ela defende a mudança da culturaarraigada no país, que impede a adoçãodefinitiva da progressão continuada nasescolas.

segundo o pesquisador do Instituto de Pes-quisa Econômica Aplicada (Ipea) SergeiSuarez Dillon Soares, que avaliou as políticas educacionais de 49 nações detodos os continentes.

“Todas as pessoas que analisaram apesquisa também ficaram surpresas com oresultado”, diz Sergei Soares. Sua conclu-são é que as melhores notas e os resultadosmais efetivos obtidos no ensino básico fo-ram observados exatamente entre os queadotaram o regime de progressão conti-nuada. Ele descobriu também que o per-centual de repetência escolar brasileira é o segundo mais alto do mundo, menorapenas que o de Angola.“A repetência afetaa auto-estima das crianças, além de seruma das principais causas do baixo ren-dimento e da evasão escolar”, diz opesquisador.

Além do desgaste emocional, arepetência tem um custo financeiro.“Paracada ano repetido na escola, o custo daeducação aumenta em pelo menos 50%.Embutido nesse custo há uma mina deouro a ser explorada racionalmente pelasescolas, capaz de aumentar em igualpercentual, só com o fim da repetência, osinvestimentos destinados à educação”, diz– uma argumentação também defendidapela secretária de Ensino Básico.

COMPARAÇÕES Para o pesquisador doIpea, forçar um aluno a repetir o ano,após meses de esforço a fim de aprenderalgo, em escolas com professores desmo-tivados e mal pagos, significa carimbá-locom um atestado de incompetência, o

Foto: Lalo de Almeida/Folha Imagem

Ensino básico foi democratizado, mas falta investimento na educação infantil

Maior concentração dos 6 aos 14 anos

Números de matrículas em 2006 (em milhares)

1.427,9 5.588,2 33.282,7

Pré-escola

4 a 5 anosFundamental

6 a 14 anosMédio

15 a 18 anos

Creche

0 a 3 anos

17 B - 10/25/2007 15:58:03

Desaf ios • outubro de 2007 37

s e g men to em q u e o a t e n d ime n to p r i v a d o é s u p e r i o r a o d a s e s c o l a s p ú b l i c a s

que é ainda mais dramático quando oaluno tem origem social humilde, compais analfabetos, e percebe que a maiorparte de seus colegas progride. “Essascrianças, discriminadas e desmotivadas,aprendem menos ainda quando repetema mesma série e acabam por abandonar aescola, mesmo quando gostam de fre-qüentá-la, pela convivência com outrascrianças da mesma idade”, afirma.

Outros estudos e vasta literatura espe-cializada a respeito do tema comprovamque a evasão escolar ocorre realmenteapós múltiplas repetências. Os pais dascrianças têm consciência da importânciado ensino para o futuro dos filhos e, antesda desistência definitiva, insistem emmantê-los nas salas de aula, mesmo quedesmotivados.

Especialista em educação há pelo me-nos dez anos e com base nos resultados dapesquisa, Sergei Soares advoga a tese deque a repetência escolar deveria ser ime-diatamente proibida, pelo menos até oquarto ano do ensino fundamental, em to-do o país, nas escolas públicas e privadas.

Os dados dos levantamentos são cla-ros: nos países que aprovaram a adoçãoda política de progressão continuada,sem repetência, independentemente deserem ou não desenvolvidos, em geral osalunos apresentam as melhores notas emtestes padronizados destinados a medir aqualidade de ensino em diferentes países.O estudo identificou apenas quatro exce-ções – Cingapura, Hong Kong, Bélgica eLituânia, que adotam o regime de repe-tência parcial.

HADDAD No lançamento do Plano deDesenvolvimento da Educação (PDE),em abril deste ano, o ministro da Educa-ção, Fernando Haddad, destacou em dis-curso no Palácio do Planalto que gostariade “desmontar duas indústrias criadas nopaís”, referindo-se ao que chamou de in-

A conclusão é de que essa política deprogressão não tem qualquer impactonegativo sobre o desempenho escolar. Aocontrário, o que ocorre mesmo é um im-pacto positivo sobre os resultados dosexames e uma elevação da qualidadeeducacional.

Foto: Sxc:hu

Direito de matrícula não foi acompanhado de mudança na cultura elitista das escolas públicas

8.906,8

Fonte: Ministério da Educação (MEC)

18 A - 10/25/2007 15:58:03

38 Desafios • outubro de 2007

D e sde 1996 , q uando a a t u a l Le i d e D i r e t r i z e s e Bases e s t abe l e c eu a s n o rmas

Resultados de Matemática no Timms* (em pontos)

600

550

500

450

400

350

300

250

200

Promoção

automática

Retenção

restrita

Repetência

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Nova

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Coré

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Áfric

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Sul

Chile

Mar

roco

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O pesquisador do Instituto de PesquisaEconômica Aplicada (Ipea) Sergei SuarezDillon Soares analisou a política educacio-nal de 49 países em diversos continentes,com base em dados provenientes de duasinstituições avaliadoras, a Trends in Interna-tional Mathematics and Science Study(Timms) e o Progress in International Rea-ding Literacy Study (Pirls), responsáveis pe-las provas de conhecimentos internacionaisaplicadas a estudantes do ensino funda-mental nas áreas de matemática, física eleitura. Os resultados dessas provas formamum ranking dos países de melhor aprovei-tamento escolar.

Os países foram divididos em três gru-pos, segundo as políticas educacionais ado-tadas. O primeiro grupo é formado por aque-les que proíbem pura e simplesmente a

reprovação de alunos e adotam a política deprogressão continuada. Os estudantes sórepetem o ano escolar em casos de doença graveou problemas que impossibilitem a freqüência àsala de aula por longos períodos.

No segundo grupo foram listados os paísesque têm algum tipo de restrição à repetência ouimpõem cotas máximas, como o Chile, que só per-mite a reprovação após a quinta série, comoCingapura, que só permite reprovações após asexta série, ou como Hong Kong, onde o índice derepetência não pode ser superior a 3%.

Finalmente, no terceiro grupo, as nações queadotam a repetência escolar em qualquer nível doensino fundamental – Arábia Saudita, Botsuana,Filipinas, Líbano, Indonésia e Itália, cujo desem-penho é dos mais baixos da União Européia.

A análise de regressão adotada pelopesquisador permite comparar o impacto da pro-

Metodologia que proíbe proibir

gressão continuada em países com diversosníveis de Produto Interno Bruto (PIB), taxa de anal-fabetismo e a distribuição de renda (coeficientede Gini).

Os resultados dos três grupos, segundo opesquisador, comprovam a superioridade das no-tas e do aproveitamento escolar por parte dosalunos dos países que proíbem a repetência es-colar em relação tanto aos que adotam uma proi-bição parcial quanto aos que adotam a política derepetição do ano letivo com base em notas mí-nimas de aprovação.

Dois países ficaram fora da análise: os Es-tados Unidos e o Brasil. O primeiro pelo fato deque são os diretores das escolas de ensino funda-mental que decidem qual sistema adotarão. E oBrasil não foi considerado, em parte, pelo envol-vimento emocional que poderia influenciar os re-sultados das análises e também por não partici-

* Brasil e Estados Unidos f icaram fora da análise (ver texto nesta página)

18 B - 10/25/2007 15:58:03

Desaf ios • outubro de 2007 39

f u n d a m e n t a i s d a e d u c a ç ã o n a c i o n a l , s e f a l a n o f i m d a r e p e t ê n c i a e s c o l a rAu

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par do Timms ou do Pirls. O Brasil está incluídoem outras duas avaliações internacionais: Pro-gramme for International Student Assessment(Pisa) e Laboratório Latinoamericano de Evalua-ción de la Calidad de la Educación (Llece).

Os gráficos do Timms referentes aos testesde matemática, por exemplo, sugerem que os paí-ses que proíbem a repetência têm notas melhoresque os países que adotam a política de reprova-ção, mesmo que parcial, embora haja exceções,como Hong Kong,Cingapura,Bélgica e Lituânia,paí-ses que, apesar de acatarem a repetência restrita,têm notas excelentes nos testes internacionais.

Os mesmos resultados altos ocorrem em re-lação aos testes de leitura. Os alunos de três paí-ses que baniram a repetência – Suécia, PaísesBaixos (Holanda) e Inglaterra – obtiveram os me-lhores resultados e ainda as melhores médiasponderadas.

O estudo considera ainda o argumento deque os países que proíbem a repetência esco-lar, como Suécia e Dinamarca, podem pagar osaltos custos da qualidade educacional. SergeiSoares diz que a correlação entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento foi condi-cionada a diversas variáveis destinadas a ser-vir de controle, como a taxa de alfabetização dapopulação com mais de 15 anos de idade, o PIB per capita medido em paridade de poder de compra, a expectativa de vida ao nascer e o coeficiente de Gini (que mede a distribuiçãoda renda).

Ainda em relação ao Brasil, o pesquisador dizhaver necessidade de medidas a serem tomadascom o fim da repetência, como o treinamento docorpo docente, para que os professores aprendama lidar com os seus alunos nesse novo ambientede ensino.

Foto: Sxc:hu

Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)

19 A - 10/25/2007 15:58:03

milhões em 2005. Segundo ele, essa velo-cidade gerou desequilíbrios e perda dequalidade.

A secretária Maria do Pilar reforça esseargumento. Segundo ela, a democratiza-ção do direito de matrícula não foi acom-panhada por uma mudança da culturahistórica e elitista das escolas públicasbrasileiras.“O inchaço das salas de aula, amaioria com média de 40 alunos,e o baixosalário do corpo docente fizeram com quea classe média mudasse os filhos para asescolas privadas e as crianças oriundas dasclasses sociais menos favorecidas pas-saram a conviver com a baixa qualidadede ensino, as repetências e a exclusãoescolar”, acrescenta.

Segundo números divulgados emsetembro deste ano pelo Instituto Bra-

40 Desafios • outubro de 2007

O B r a s i l s e c a r a c t e r i z a p o r um a l t í s s im o n í v e l d e r e p e t ê n c i a e s c o l a r – em

sileiro de Geografia e Estatística (IBGE),de 1996 a 2006, a taxa oficial de anal-fabetismo no Brasil, entre maiores de dezanos, caiu de 13,7% para 9,6%, o que nãofoi suficiente para tirar o país do penúl-timo lugar no ranking de alfabetização daAmérica do Sul. Proporcionalmente, onúmero de brasileiros que não sabem lernem escrever é inferior apenas ao daBolívia, onde a taxa de analfabetismo erade 11,7% em 2005.

Outra pesquisa, do Sistema deAvaliação da Educação Básica (Saeb),mostra que em São Paulo,Estado mais ricodo país, 43% dos estudantes concluem oensino médio com uma bagagem em es-crita e leitura que se esperava encontrarem alunos da oitava série. A prova é apli-cada pelo Saeb a cada dois anos nas quar-

dústrias da repetência e da progressãocontinuada. “Nenhuma das duas nos in-teressa. Queremos a progressão dos alu-nos, mas aprendendo de acordo com assuas possibilidades”, destacou o ministro.

A secretária Maria do Pilar acrescentaque a melhoria do ensino nacional de-pende também de outros fatores, como aremuneração dos profissionais envolvi-dos. Nesse sentido, se mostra confiantena aprovação, pelo Congresso Nacional,da proposta de emenda constitucionalque fixa o piso salarial dos professores em R$ 950 mensais, com jornada de 40 horassemanais.

Outro aspecto abordado pela secretá-ria é a democratização das escolas de en-sino básico. Nos anos 1990, diz ela, houveo esforço para garantir direito de matrí-cula para todas as crianças, o número decrianças matriculadas aumentou conside-ravelmente em todo o país e o governo fe-deral, à época, focou a educação básicacomo prioridade. “Não houve qualquerinvestimento na educação infantil e muitomenos no ensino médio”, diz.

Até hoje, explica a secretária, isso sereflete no fato de que apenas 15% dascrianças de zero a três anos de idade têmacesso às creches, segmento em que oatendimento privado é superior ao dasescolas públicas, com 50% das criançasentre quatro e cinco anos de idade fora daescola. Elas entram no ensino fundamen-tal sem nunca terem passado por umaescolinha infantil.

FUNDEB O pesquisador Jorge Abrahão deCastro, do Ipea, ressalta que a criação doFundo de Manutenção e Desenvolvi-mento do Ensino Fundamental e de Va-lorização do Magistério (Fundef), em1996, transformado em janeiro deste anoem Fundo de Manutenção e Desenvolvi-mento da Educação Básica (Fundeb),transferiu de forma rápida e crescente oensino fundamental das esferas estaduale federal para os municípios. As matrí-culas nas escolas municipais aumenta-ram de 14,1 milhões em 1995 para 23,2

Em São Paulo, 43% dos estudantes concluem o ensino médio com uma bagagem em escrita e leitura…

19 B - 10/25/2007 15:58:03

Desaf ios • outubro de 2007 41

t o d o o m u n d o a p e n a s A n g o l a t em t a x a s t ã o a l t a s q u a n t o a s b r a s i l e i r a s

tas e oitavas séries do ensino fundamentale no terceiro ano do curso médio. A desteano será em novembro.

NOVA ESCOLA Desde 1996, quando a atualLei de Diretrizes e Bases estabeleceu asnormas fundamentais da educação nacio-nal, se fala no fim da repetência escolar –uma das principais causas da evasão – e naadoção do sistema denominado de “pro-gressão continuada”. Para a secretária Maria do Pilar, esse sistema não significaaprovação automática, como está sendoentendido por vasta parcela da população.

“Aprovar estudantes que nada apren-deram em um ano de estudo para umasérie seguinte é uma política tão exclu-dente quanto o modelo atual, de repe-tência de ano, pois ambos, mais cedo ou

mais tarde, vão levar o aluno a abandonara escola”, diz. O objetivo da progressãocontinuada é permitir que os professoresconcentrem esforços nas deficiências dosalunos desde as primeiras semanas de au-la, impedindo assim, de forma natural, areprovação, defende a secretária.

“As escolas que têm feito mudançaspositivas e radicais, como nos municí-pios de Nova Iguaçu (RJ) e Belo Hori-zonte, são as que aboliram o velho sis-tema de ensino elitista, excludente, e seorganizaram a partir das necessidadesdos alunos, e não dos professores. Sãocrianças que, mal ou bem, se informampela televisão e via internet em temporeal sobre o que está acontecendo emqualquer outro lugar do mundo, mesmoque de forma superficial. Não se pode

mais pensar em uma escola em que oprofessor é o dono da verdade e mantémo controle por meio da ameaça dereprovação”, diz.

O cientista político Alexandre Barros,pró-reitor de mestrado da UniversidadeEuro-Americana de Brasília, aponta umacontradição no ensino brasileiro, princi-palmente no segmento privado, que,segundo ele, faz um estudante conviver,diariamente, com realidades típicas deépocas distintas.“Pela manhã, ele sofre emuma escola com ensino retrógrado, pro-fessores mal pagos e que ministram aulasexatamente como se fazia no século XIX –quadro negro, giz e nenhuma interaçãoentre os sentidos, pois é obrigado a ficarquieto e ouvir um monólogo desin-teressante. É claro que ele se rebela”, diz.

A situação do Nordeste, que tem o maiselevado índice de analfabetismo do Brasil, é apior entre as cinco regiões do país. Na média,um em cada cinco nordestinos não sabe lernem escrever. Se fosse um país independente,o Nordeste teria o 5º pior desempenho em al-fabetização de toda a América Latina e Caribe,à frente apenas de Honduras,Guatemala,Nica-rágua e Haiti.

O Brasil está para outros países latino-americanos como o Nordeste está para o país.Na comparação de dados de população urba-na da Pesquisa Nacional por Amostra de Do-micílios (Pnad), elaborada pelo Instituto Bra-sileiro de Geografia e Estatística (IBGE), comos da Comissão Econômica para América La-tina e Caribe (Cepal) em 2005, o Brasil sesaiu pior do que vizinhos com Índice de De-senvolvimento Humano (IDH) mais baixo,comoPeru,Venezuela e Colômbia.

A taxa brasileira de analfabetismo, de11,1% entre os maiores de 15 anos em 2005,

ficou acima da média desses países, que erade 9,95%. O número divulgado recentementepelo IBGE, referente a 2006, de 10,4% deanalfabetos entre a população maior de 15anos, também está acima dessa linha.

Dados da Pnad de 2005 indicam que nafaixa etária brasileira entre 15 e 19 anos, oque significa uma população de 18 milhõesde pessoas, apenas 45% encontravam-se ma-triculados no ensino médio.

O contingente de analfabetos no Brasilacima de 15 anos é estimado hoje em 14 mi-lhões de pessoas,o que coloca o Brasil no gru-po das 11 nações de todo o mundo com maisde 10 milhões de não-alfabetizados,ao lado deEgito, Marrocos, China, Indonésia, Bangladesh,Índia, Irã, Paquistão, Etiópia e Nigéria.

Esse grupo é considerado prioritáriopara a Organização das Nações Unidas paraa Educação, Ciência e Cultura (Unesco), quecriou programa de metas de erradicação deanalfabetismo até 2015.

Tristes trópicos

Foto: Sxc:hu

…que se esperava em alunos da oitava série

20 A - 10/25/2007 15:58:03

42 Desafios • outubro de 2007

C r i anças d i sc r im i nadas e desmot i vadas aprendem menos a i nda quando repe tem

“À tarde, em casa, esse mesmo jovemmanipula softwares sofisticados desen-volvidos por técnicos de altíssimo nível,muito bem pagos, sejam japoneses,coreanos ou americanos. Participa detorneios e jogos que envolvem jovens deoutros países e dialoga com outrascrianças de todo o mundo por e-mail,Messenger, etc. Está inserido nos avan-ços propiciados pela tecnologia do sécu-lo XXI. Isto é uma contradição terrível e desfavorável ao conceito de escolacomo centro irradiador de conhecimen-tos”, completa.

LÓGICA A realidade conflitante explicaparte da indisciplina das escolas atuais,segundo a secretária de Ensino Básico doMEC. Nas raras aulas em que o professoré sintonizado com a realidade dos alunos,é possível capturar a atenção da classe,diz.“Mudar a lógica na escola é muito di-fícil, é um processo lento, porque a escolatrabalha com a lógica do ensino, e não doaprendizado. O professor se considera oeixo organizacional, quando o corretoseria levar em consideração a realidadesocial do aluno”, afirma a secretáriaMaria do Pilar.

Para ela, a progressão continuada so-fre com a resistência da sociedade porquea cultura da reprovação, já abolida emdiversos países, sempre foi método decontrole no Brasil. “Mudá-la significatirar poder dos professores que ganhammal e têm de trabalhar em três ou quatroescolas diariamente.”

O pesquisador Sergei Soares diz que “aameaça de não passar de ano é argumentoterrorista utilizado pelos professores dospaíses que não investem na qualificaçãodos seus profissionais de ensino funda-mental e,por isso,eles desconhecem meto-dologias modernas, que adotam princí-pios lúdicos ou baseados no prazer doaprendizado e do conhecimento”.

Atualmente, dos 4 milhões de estu-dantes que ingressam no ensino básico,em todo o Brasil, apenas 3 milhões ini-ciam o ensino médio. “O normal seria

A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) daUnião permite desde 1996 a adoção da po-lítica de progressão continuada no Brasil. Osestados de São Paulo e Rio de Janeiro sãoos que mais avançaram no processo. Há 15anos, cerca de 40% das crianças matricu-ladas nas escolas de ensino fundamental dopaís eram reprovadas, principalmente nosquatro primeiros anos. A taxa de reprovaçãocaiu bastante nas últimas décadas.

Nos anos 1990, o Brasil investiu na uni-versalização do acesso às escolas públicas,mas medidas para reduzir a repetência nãoforam adotadas igualmente em todo o país.“São Paulo, principalmente, adotou medi-das no sentido de reduzir essas altas taxasde repetência escolar e trabalhar no senti-do efetivo de dar um basta à repetên-cia escolar”, diz o pesquisador Sergei Soa-res, do Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada (Ipea).

A persistência de elevada taxa de anal-fabetismo no país (apesar da rápida reduçãoverificada nos últimos dez anos) leva o pesqui-sador Sergei Soares a dizer que “está na horade se fazer uma análise isolada dos progressos

alcançados pelas escolas de São Paulo”, quetêm apresentado os melhores resultados dopaís no Índice de Desenvolvimento de Educa-ção Básica (Ideb), indicador criado pelo Minis-tério da Educação este ano para orientar odirecionamento de verbas da educação.

O índice mostra que 64,6% dos muni-cípios brasileiros, incluindo o DistritoFederal, têm avaliação, numa escala de zeroa dez, abaixo de quatro, no ensino públicoaté a quarta série. São 2.814 municípiosdentre os 4.349 avaliados. Boa parte dascidades com as piores notas se encontra noNorte e Nordeste do país, e a maioria entreas que ficaram com as dez melhores notasestá no Estado de São Paulo.

As medidas destinadas a diminuir as ta-xas de reprovação tiveram um reflexo posi-tivo na qualidade geral do ensino. Ao afastara barreira que segurava os estudantes nasprimeiras séries, reduziram a convivência deestudantes que nunca foram reprovados e es-tavam matriculados na série correspondenteàs suas idades com outros, mais velhos, des-motivados e que acabavam por abandonar asescolas.

São Paulo e Rio saem na frente

Foto: Lalo de Almeida/Folha Imagem

20 B - 10/25/2007 15:58:03

Desaf ios • outubro de 2007 43

que todos que entram no ensino fun-damental concluíssem o ensino médio”,diz a secretária. Segundo as estatísticasdo MEC, o país deveria ter 12 milhões dealunos no ensino médio, mas tem apenas9 milhões. A diferença de 3 milhões deestudantes constitui a evasão escolar, queo deputado federal Alceni Guerra (DEM-

a m e s m a s é r i e e a b a n d o n a m a e s c o l a , m e s m o s e g o s t a m d e f r e q ü e n t á - l a

A batalha contra a evasão escolar

Fonte: Ministério da Educação (MEC)

Variação dos índices de promoção, repetência e evasão escolar no Brasil –Ensino fundamental (em %)

1991 2001 2002 2003 20041981

Promoção Repetência Evasão

57,560,4

74,6 74,1

35,2

7,2

33,2

6,4

20

5,4

19,6

6,3

74

19,2

6,8

72

21,1

6,9

Gastos do Ministério da Educação com educação básica

Fonte: Ministério da Educação (MEC)

Inclui ensino técnico prof issional e transferências a estados, Distrito Federal emunicípios; não inclui gastos com inativos, dívidas e precatórios (em R$ bilhões)

2004 2005 2006 2007* 2008*2003

9,110,8 11,4

12,5

9,6

15,4

27,425,2

19,6

2009* 2010* 2011*

*estimativas

PR) denomina de contribuição escolar àgeração anual de marginais sociais.

Quando era prefeito do município dePato Branco (PR), Guerra implantou au-las de oito horas diárias “sem investir umcentavo em novas salas, porque todo o re-curso foi destinado à atividade fim, oensino”, com as horas adicionais preen-

chidas por meio de convênios firmadospela prefeitura com salões paroquiais,clubes de serviços, esportivos e sociais,entre outros, para oferecer atividade físi-ca, artística e musical às crianças.

O índice de aprovação, em Pato Bran-co, diz ele, chegou a 95%, com um resul-tado inesperado no nível de empregosfemininos na cidade.“As mães dos alunos,livres da atividade de babás dos própriosfilhos, passaram a contribuir com o orça-mento doméstico”, diz o parlamentar. Aexperiência, porém, não prosseguiu.

A secretária Maria do Pilar diz quealgo semelhante está sendo realizado emNova Iguaçu (RJ) e em Belo Horizonte.Nessas cidades, os gestores das escolasbuscam parcerias com a comunidade.“Infelizmente, ainda não foi realizadaqualquer avaliação sobre os resultados”,diz. Para acabar com a exclusão, “timi-damente, há dez anos, se idealiza a im-plantação desse sistema de progressão,em que São Paulo é o Estado que maisavançou nesse sentido.”

Matemático e consultor da FundaçãoCesgranrio, no Rio de Janeiro, o profes-sor Rubens Klein prega uma mudança namentalidade brasileira, que aceita a repe-tência. “Raramente um repetente é recu-perado”, diz. Para Klein, é preciso idea-lizar um processo de acompanhamentocontínuo dos alunos, a fim de que haja re-cuperação imediata assim que se percebaa existência de problemas no aprendizado,o que não é realizado no Brasil.

Além disso, a educação básica precisater foco que garanta a qualidade do quese vai ensinar e de como se vai ensinar,acabando ainda com o currículo globalpara todos os níveis, que varia de ano pa-ra ano e de uma escola para outra, o quedificulta a continuidade do aprendizado,sobretudo se o aluno muda de uma es-cola para outra. “A evasão só vai acabarquando houver garantias de que o alunoestá aprendendo. Quem aprende nãosai”, garante Klein.

Colaborou: Fátima Belchior, do Rio

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21 A - 10/25/2007 15:58:03

J o s é C e l s o C a r d o s o J u n i o r

e H e n r i q u e J ú d i c e M a g a l h ã e sARTIGO

direito à aposentadoria e demais modali-dades de proteção previdenciária foi umabandeira permanente do movimento sin-dical e do conjunto das forças progressis-

tas atuantes na sociedade brasileira durante o sé-culo XX. A exemplo de outros institutos típicosdo estado de bem-estar, sua conquista em largaescala dá-se nos anos 1930/40 – restrita, de início,ao segmento formal urbano da força de trabalho.A partir de então, a luta política das classes traba-lhadoras passa a orientar-se por dois eixos: o aper-feiçoamento desses institutos para os segmentos jáatendidos por eles e sua extensão aos demais.

Com esta orientação, foram conquistadasgrandes vitórias.A mais recente – e maior desde alegislação social de Vargas –, ainda que incomple-ta, deu-se por ocasião da Assembléia Constituintede 1987/88. Contudo, depois de quase 20 anos devigência da Constituição que consagrou comoprincípio a universalidade da cobertura previden-ciária, a proteção oferecida aos trabalhadores bra-sileiros é ainda muito frágil. Para uma populaçãode aproximadamente 121 milhões de pessoas(Pnad 2006) maior de 15 anos e não vinculada aregimes próprios, não mais que 72,5 milhões en-contravam-se, em alguma extensão, cobertos –como beneficiários efetivos ou potenciais – peloRegime Geral de Previdência Social (RGPS).

Para este quadro concorrem vários elementos.O principal deles é a estruturação do plano de be-nefícios da Previdência como seguro vinculado àinserção no mercado formal de mão-de-obra. Is-to num país onde as relações de trabalho são mar-cadas pela informalidade,alta rotatividade e baixaremuneração. O agravamento desses aspectos aolongo do período 1980/2000 seria, por si, sufi-ciente para piorar as condições de cobertura pre-videnciária da população brasileira. No entanto,há que se acrescer ainda outro fator: a precari-zação, no mesmo período, por sucessivas contra-reformas legais e pela prática administrativa doINSS, da proteção oferecida inclusive aos traba-lhadores inseridos no setor formal do mercado demão-de-obra.

É digna de reconhecimento a pequena melhoraverificada em alguns indicadores relativos ao mer-

cado de trabalho nos últimos anos; ela é, todavia,insuficiente para ensejar uma mudança substancialno quadro de (des)proteção social. Este resulta doestrutural descompasso entre as condições sociola-borais da população e a concepção norteadora doplano de benefícios da Previdência.A reversão des-se descompasso deveria ser, portanto, o norte dequalquer proposta de reforma previdenciária noBrasil, ou seja, orientação inversa à das reformasprevidenciárias da última década.

O grande desafio da Previdência Social é, paranós, atender à metade da população passível decobertura pelo RGPS que se encontra sem acessoa ela e aprimorar as condições de proteção tam-bém da outra metade. Num país em que a maio-ria da força de trabalho tem rendimentos baixos einstáveis,os requisitos contributivos definidos pe-la legislação atual são inatingíveis para um amplocontingente de trabalhadores.

Medidas tendentes a ampliar o grau de cober-tura do RGPS e a romper este círculo vicioso têmque passar, necessariamente, portanto, pela supe-ração da lógica securitária. Para garantir proteçãoprevidenciária às dezenas de milhões de trabalha-dores que se encontram em situação de pouco ounenhum acesso a ela – e estamos falando de maisda metade de uma geração, talvez de duas –, só háum caminho, aliás já apontado há 20 anos e ins-crito na Constituição: a universalização da Pre-vidência. Para que ela possa efetivamente prestar-se ao fim que a origina, é necessário encará-lacomo direito básico de cidadania e serviço públi-co essencial nos mesmos moldes da educação eda saúde, às quais todos têm direito independen-temente de contribuição.

Naturalmente, a viabilização disto pressupo-ria mudanças na correlação de forças existentehoje entre os diversos setores sociais com inte-resse no tema. Cabe à população trabalhadora eàqueles que ela designar como interlocutores pe-rante o Estado produzir as condições políticasnecessárias para tanto.

Trabalho, Previdência e inclusão social

Os requisitos

contributivos definidos

pela legislação atual

são inatingíveis para

um amplo contingente

de trabalhadores.

Isto faz com que a

insuficiência de renda

durante a vida ativa

ou parte dela

desdobre-se em

insuficiência de renda

na inatividade, por

não terem sido

atendidos os critérios

de acesso aos benefícios

da Previdência

44 Desafios • outubro de 2007

O

José Celso Cardoso Junior (foto) é pesquisador do Instituto de Pesquisa

Econômica Aplicada (Ipea) e Henrique Júdice Magalhães é jornalista e pes-

quisador de Seguridade Social

21 B - 10/25/2007 15:58:03

Desaf ios • outubro de 2007 45

M a r c e l o A b i - R a m i a C a e t a n oARTIGO

á são por demais conhecidos os diversosreflexos da previdência social brasileirano quadro econômico nacional. O paga-mento de aposentadorias e pensões para

os setores público e privado soma aproximada-mente 12% do Produto Interno Bruto (PIB) doBrasil. Em outras palavras, de cada R$ 10,00 pro-duzidos no país,mais de R$ 1,00 se aloca ao paga-mento dos benefícios previdenciários. Se, por umlado, essa estatística representa o avanço nacionalem questões de cobertura previdenciária eredução potencial de pobreza, em especial paraidosos,há,por outra perspectiva,o custo de opor-tunidade pela não aplicação desses recursos emáreas com potencial de sustentar maiores taxas decrescimento, como, por exemplo, investimentopúblico, educação ou saúde.

De modo análogo, o financiamento de eleva-dos gastos dificulta a redução de carga tributária,o que poderia auxiliar o desenvolvimento e aabertura de novos empreendimentos. Esse custode oportunidade é particularmente expressivopara um país que necessita potencializar o seucrescimento para retirar dos estratos de pobrezauma grande parcela da população por meio dacapacidade própria de geração de renda.

Uma forma de averiguar se esse dispêndio éalto ou baixo se faz por meio de comparaçãointernacional. Em termos absolutos, os gastosbrasileiros com previdência como proporção doPIB são indubitavelmente elevados. Entre 113países, o Brasil ocupa a 14ª posição, situando-sejunto a países europeus com população maisenvelhecida e conhecidos por suas extensas redesde proteção social, tais como Itália, Alemanha,França, Suíça, Bélgica e Suécia.

Apesar de fornecer um bom panorama geral,esses dados representam valores absolutos e mere-cem alguma relativização. Por exemplo, o Brasilpode gastar muito com previdência em termosabsolutos em decorrência da falta de limite míni-mo de idade para aposentadoria ou, então, porcobrar taxas de contribuição elevadas que permi-tem um maior dispêndio com previdência social.

Para construir uma ordenação que leve emconsideração diversos fatores que influenciam o

gasto com previdência social, fez-se uso dométodo de Data Envelopment Analysis (DEA).

A técnica empregada é puramente empírica,e não paramétrica. A posição mais elevada noranking indica tão-somente que o país gastamuito, dadas as diversas variáveis utilizadaspara a análise.

Os resultados obtidos mostram que o Brasillidera o ranking daqueles que mais gastam comseu regime previdenciário, dadas as variáveisexplicativas referentes à estrutura demográfica eao desenho do plano previdenciário, quaissejam: razão de dependência demográfica, apo-sentadoria como percentual da renda média, alí-quotas de contribuição, contribuintes como per-centual da força de trabalho e idades mínimasexigidas para aposentadorias programadas.

A elevada posição brasileira no ranking gerainterpretações contraditórias. Do lado positivo, aextensão da rede de proteção social mostra a pre-vidência brasileira bastante evoluída, composição superior, em termos relativos, a algunspaíses da Organização para a Cooperação eDesenvolvimento Econômico (OCDE). A essesganhos contrapõem-se os custos fiscais. Emresumo, mesmo para uma comparação interna-cional que leva em consideração países ricos,envelhecidos e com ampla cobertura de suas pre-vidências, o Brasil aloca em termos proporcio-nais muitos recursos para sua proteção social.

Uma possível interpretação para essa contra-dição é que os benefícios de curto prazo para amelhoria dos indicadores sociais causados pelaprevidência podem ser a raiz de sua debilidadefutura por alocar o gasto público em áreas combaixo potencial de estímulo às condições de ofer-ta e, de modo concomitante, por compelir altatributação que desestimula um ambiente propí-cio aos negócios e à tomada de riscos. É funda-mental conciliar a repartição da riqueza presentecom a geração de renda futura.

Desafios para a Previdência no Brasil

Em nenhum

momento se busca

determinar o valor

ótimo da relação

entre a despesa

previdenciária e o

PIB de um país, mas

apenas indicar para

as nações em análise

se seus gastos

previdenciários estão

elevados, considerados

as características

demográficas e o

desenho do plano

previdenciário

J

Marcelo Abi-Ramia Caetano é pesquisador do Instituto de Pesquisa

Econômica Aplicada (Ipea) – artigo baseado no Texto para Discussão nº 1.302,

do Ipea – “Comparativo Internacional para Previdência Social” –, escrito em

co-autoria com Rogério Boueri Miranda

22 A - 10/25/2007 15:58:03

GESTÃO

O teste de eficiência dos municípios

22 B - 10/25/2007 15:58:03

Os municípios com

menor participação nas

transferências orçamentárias

(estaduais e federais)

mostram maior capacidade

na gestão administrativa,

indicando que a menor

dependência dos recursos

federais e estaduais incentiva

o gasto mais ef iciente

P o r F á t i m a B e l c h i o r ,

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23 A - 10/25/2007 15:58:03

48 Desafios • outubro de 2007

A me n o r d e p e n d ê n c i a d o s r e c u r s o s fe d e r a i s e e s t ad u a i s t em r e l a ç ã o c om a

cia, sobretudo em empresas, pois consi-derou fundamental a correlação da ges-tão com a economia política. “Uma in-dústria pega insumos e transforma emprodutos. É mais eficiente quanto maisbarato consegue produzir. Nosso resulta-do para o município não é a venda deprodutos, mas a oferta e a qualidade doserviço público”, diz ele.

“Os modelos de produtividade da in-dústria não estão sujeitos a influências e decisões políticas”, destaca Seroa daMotta. No entanto, numa administra-ção municipal, a eficiência será revelada,por exemplo, pelo resultado dos serviços,como nas áreas de saúde e saneamento. Eo órgão regulador, neste caso, é o eleitor.

O que se observa no estudo, porém,é que o eleitor tem uma grande dificulda-de de observar a responsabilidade do pre-feito nos resultados da gestão de um mu-nicípio. Numa epidemia de dengue, porexemplo, é difícil saber se a responsabi-lidade pela proliferação do mosquito éfederal, estadual ou municipal. “Nas cri-ses, todo mundo é culpado”, diz Seroa da Motta.

lgumas perguntas aparentemen-te simples acerca da gestão dosmunicípios brasileiros – Por queum município brasileiro é mais

eficiente do que outro? Qual a correlaçãoentre a escolha de um eleitor e o trabalhodo prefeito de sua cidade? O municípiomais eficiente é aquele que recebe maisrecursos constitucionais? – revelaramgrandes surpresas, entre elas o quanto adecisão de voto dos eleitores está desco-lada da eficiência da gestão de seus pre-feitos. “A eficiência dos gastos públicossignifica como o governo consegue trans-formar dinheiro do orçamento em quali-dade de vida”, diz Ronaldo Seroa daMotta, pesquisador do Instituto de Pes-quisa Econômica Aplicada (Ipea). Ele eAjax Moreira, também pesquisador doIpea, são os autores do trabalho “Eficiên-cia na Gestão Municipal no Brasil – 1989a 2000”. Seroa da Motta conta que foramcruzados os dados de 4.266 municípiosbrasileiros em 1990 e de 5.567 em 2000.

A metodologia adotada para o trabalho,relata Ajax Moreira, diferenciou-se de ou-tros voltados para resultados de eficiên-

O trabalho dos dois pesquisadoresaponta que fatores tecnológicos, políticose institucionais afetam a eficiência dogasto público municipal e seus efeitos so-bre a melhoria da qualidade de vida dosmunicípios.

O estudo é bem claro ao revelar que osmunicípios com menor participação nastransferências orçamentárias (estaduais efederais) mostram maior capacidade nagestão administrativa – a menor depen-dência dos recursos federais e estaduaisincentiva o gasto mais eficiente, tendo emvista que o gestor trabalhará diretamentecom recursos dos seus contribuintes.

A pesquisa observou também que acompetição eleitoral não estimula umagestão mais eficiente dos recursos públi-cos e que a eficiência não é aumentadapela informatização, tampouco pela ter-ceirização de serviços, ou pela existênciade conselhos municipais.

Os pesquisadores assinalam tambémque quanto maior é a população total do município e maior é a parcela urbana,menores serão os gastos per capita paraobter desempenho similar dos indicado-

A

Foto: Sérgio Dutti/Editora Abril

A eficiência nos serviços públicos dos municípios, como saúde e saneamento, é revelada pelos resultados, mas, neste caso, o órgão regulador é o eleitor

23 B - 10/25/2007 15:58:03

Desaf ios • outubro de 2007 49

e f i c i ê n c i a n o s g a s to s p o r q u e o ge s to r u s a r e c u r s o s d o s s e u s c o n t r i b u i n t e s

res selecionados. Além disso, mostramque o desmembramento dos municípiosaumentou esses gastos e que vantagenseleitorais obtidas pelo governador nomunicípio afetaram negativamente ogasto médio.

Na prática, os pesquisadores observa-ram que o tamanho dos gastos necessá-rios para atender a certo nível de qualida-de de vida está associado às característicasdos municípios. O fato de as variáveis po-líticas não terem maior significância evi-dencia um “alto grau de assimetria de in-formação no processo eleitoral local”,comenta Seroa da Motta.

ABRANGÊNCIA O estudo sobre Eficiênciana Gestão Municipal baseou-se em quatrofontes: indicadores extraídos do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), emgrande parte derivados dos censos de 1991e 2001; os resultados eleitorais do TribunalSuperior Eleitoral (TSE); os dados da Pesquisa de Municípios do Instituto Bra-sileiro de Geografia e Estatística (IBGE); econtas de gastos anuais dos municípios,produzidas pelo Ministério da Fazenda.

ra um bom desempenho administrativo”.Dois aspectos, segundo ele, determi-

nam o fato de um município ser mais efi-ciente do que outro. Primeiramente, ra-zões de ordem logística (entre as quais se destaca a existência de aeroporto, deuma estrutura portuária e de rodovias), o

Godofredo Pinto, prefeito de Niterói, ci-dade que ficou em terceiro lugar no IDH de2000 entre todos os municípios brasileiros,apóia a conclusão dos dois economistas noque se refere ao bom aproveitamento dos re-cursos constitucionais.Para ele,“a capacida-de de gerar recursos próprios é decisiva pa-

Os 10 maiores

e os 10 menores

Índice de Desenvolvimento

Humano (IDH) de

Municípios Brasileiros,

em 2000

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil

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As pessoas vivem nos municípios e é nas jurisdições municipais que os serviços são efetivamente prestados

Foto: Valéria Gonçalvez/Ag. Estado

24 A - 10/25/2007 15:58:03

50 Desafios • outubro de 2007

Com uma gestão def i c i ente perdem-se duas opor tun idades : a redução de custos,

padrão educacional, as riquezas naturais ea localização geográfica – todos fatores in-dependentes do gestor.O outro aspecto é acapacidade gerencial do administrador,também determinante para a eficiência.

ARTICULAÇÃO A eficiência municipal temmerecido atenção especial do governo fe-deral, que criou o Comitê de ArticulaçãoFederativa (CAF), vinculado à Secreta-ria de Relações Institucionais da Presi-

dência da República. Dividido em váriosgrupos, o CAF é integrado por outrosórgãos do governo federal, além de enti-dades municipalistas, tais como a Frentedos Prefeitos, a Confederação Nacionaldos Municípios e a Associação Brasileirade Municípios.

“Estamos preocupados com a ges-tão municipal porque as pessoas vivemnos municípios e é lá que os serviçossão efetivamente prestados. É lá tambémque detectamos grande parte dos pro-blemas de aplicação financeira dos re-cursos para a geração desses serviços.Sabemos que uma melhoria nos pro-cessos de gestão e na entrega dos resul-tados e produtos pode significar eco-nomia para os cofres públicos e umaampliação da qualidade e quantidadedesses serviços públicos”, diz o pesqui-sador do Ipea Rogério Boueri Miran-da, que faz parte do CAF. Ele destaca aimportância da redução de custos nes-se processo.

“Dinheiro caído do céu é mais fácil dese gastar”, diz o pesquisador do Instituto dePesquisa Econômica Aplicada (Ipea) RogérioBoueri Miranda. “A maior participação dastransferências no orçamento geral torna osmunicípios menos eficientes.”

O pesquisador é co-autor do trabalho“Evolução dos Aspectos Legais e dos Mon-tantes de Transferências Realizadas peloFundo de Participação dos Municípios(FPM)”, feito em parceria com o professorda Universidade Católica de Brasília CarlosEduardo Gasparini. Boueri Miranda con-sidera que o FPM foi muito importante parao sistema federativo brasileiro, em especialno período da redemocratização. “Afinal,evitou que os municípios ficassem à mercêdos governos estaduais e municipais”,argumenta.

Atualmente, diante das evidências do quequalifica como mau aproveitamento do FPM pormuitos dos municípios, ele defende que o sis-tema seja repensado.“Foi e é importante, masestá na hora de ser aperfeiçoado”, afirma,acrescentando que já começou a estudar oassunto.

Boueri Miranda diz que já existem váriasidéias em discussão para o aprimoramento dadistribuição do FPM.Destaca,entre elas,a criaçãode contrapartidas para o fundo que se traduzamem resultados sociais para o município; e a suavinculação a áreas específicas, a exemplo do quejá ocorre com o Sistema Único de Saúde (SUS),vinculado aos gastos com saúde. O FPM, diz ele,ao contrário, não está vinculado a nada.

“Acho que agora é a hora para reformu-lação do sistema, de forma a corrigir incentivoserrados que ele gera para os municípios, como,

Melhor distribuição dos fundos

por exemplo, a tendência à ineficiênciaapontada pelos estudos feitos no âmbito dogoverno federal”, acrescenta.

O objetivo do trabalho de Boueri Mirandae de Gasparini é descrever o funcionamentolegal e econômico do FPM. Divide os muni-cípios por região, estado e faixa de popu-lação e analisa o recebimento conforme es-tas categorias.

Na análise do FPM, segundo critériospopulacionais, a região Nordeste foi a maiorrecebedora (35,28% do total) bruta do fun-do, em 2005, em função da grande popu-lação e do grande número de capitais combaixa renda per capita. Já para a região Su-deste, que tem 42,61% da população bra-sileira, de acordo com o Instituto Brasileirode Geografia e Estatística (IBGE), recebeu31,27% das transferências.

Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)

8,85

35,28

7,2331,27

17,37

Nordeste fica com

mais de um terço

Valores distribuídosagregadamente pelo Fundo de Participação dos Municípios (FPM), por Região, no ano de 2005 (em %)

24 B - 10/25/2007 15:58:03

É fato, alerta ele, que quando a gestãoé deficiente na esfera municipal, perdem-se duas oportunidades: a redução de cus-tos, com um refresco no bolso dos con-tribuintes, e a melhor gestão dosserviços. “Boa gestão implica mais ser-viços, mais qualidade e menos gastos”,diz ele.

O resultado dos trabalhos do CAF se-rá apresentado ao presidente Luiz InácioLula da Silva entre os preparativos para apróxima marcha dos prefeitos, progra-mada para ocorrer no primeiro trimestredo próximo ano. O governo federal pre-tende deixar esses estudos como um le-gado para os próximos eleitos.

Um dos elementos utilizados peloCAF é o trabalho dos pesquisadores Se-roa da Motta e Ajax Moreira. “O estudofornece elementos para que possamosdeterminar referenciais de boa gestão. Oreferencial parte da premissa de que ogestor eficiente é o que faz mais com me-nos recursos”, comenta Boueri.

O CAF tem ainda várias questões semresposta. Por exemplo, a relação entre aterceirização da contratação de mão-de-obra especializada e a melhoria da pres-tação de serviços. Ele cita que há casos demunicípios que têm contabilidade pró-pria, com qualidade dos serviços melhor,mas também há municípios nos quais aterceirização se revelou conveniente.

Na prática, o CAF está fazendo “umpente fino sobre os programas do governofederal de apoio à gestão municipal, desdea conceituação do que é um municípioeficiente”, diz.“Queremos formar referen-ciais nessa área, saber quais programaspodem reduzir os gargalos da tecnologiada informação, um instrumento funda-mental em qualquer setor, e não seria dife-rente na gestão municipal”, acrescenta. Se-gundo o pesquisador, analisa-se tambémcomo simplificar os programas de apoiodo governo federal e como podem chegarde forma mais eficiente e simples aos mu-nicípios interessados.

Desaf ios • outubro de 2007 51

com um ref resco no bo lso dos contr i bu in tes, e uma me lhor gestão dos ser v i ços

d

Foto: Fabiola Salles/Folha Imagem

Controlar a eficiência apresenta dificuldades em algumas atividades, como projetos artísticos e culturais Colaborou: Sérgio Garschagen, de Brasília

25 A - 10/25/2007 15:58:03

G i o v a n n i Q u a g l i aARTIGO

egundo as estimativas da Organização dasNações Unidas (ONU), mais de 2,5 mi-lhões de pessoas são vítimas do tráfico acada ano no mundo todo. Um comércio

ilícito que movimenta mais de US$ 32 bilhõespor ano.

Geralmente de origem pobre, as vítimas sãopessoas que buscam uma vida melhor em outropaís, estado ou município mais rico. Acabamacreditando em falsas promessas e caem na arma-dilha: exploração, cativeiro e perda de domíniosobre o próprio corpo.

Segundo o relatório sobre os padrões mun-diais do tráfico humano, publicado pelo Escritó-rio das Nações Unidas contra Drogas e Crime(Unodc) no ano passado, mais de 80% dasvítimas do tráfico no mundo são mulheres ecrianças. São aliciadas para exploração sexual outrabalho análogo à escravidão.

Países ricos e em desenvolvimento precisamenfrentar o problema.

É necessário reduzir a demanda pelos serviçosque esses “escravos modernos” prestam. As ví-timas estão por todos os lados: em sweatshops(fábricas em que empregados são explorados),em minas, fazendas, carvoarias, etc. Fazem tra-balhos ilícitos, muitas vezes perigosos, ou são ex-ploradas sexualmente. Os consumidores tambémestão em todos os continentes. Querem produtose serviços sempre baratos. O preço a pagar podeser a exploração.

Também é preciso reduzir a oferta de vítimas,bem como a vulnerabilidade de certos grupos.Sem dúvida, o cumprimento dos Objetivos deDesenvolvimento do Milênio (ODM) já será umdesincentivo às buscas de muitos jovens,cujos so-nhos acabam sendo aproveitados por traficantesde seres humanos.

Atingir os ODM, com a redução da pobreza,das desigualdades de gênero, mais acesso à edu-cação, saúde e emprego, é um importante passona redução das vítimas potenciais do tráfico hu-mano – tanto doméstico quanto transnacional.Por isso é fundamental focar no cumprimentodos ODM em todas as regiões, pois os indica-dores gerais de um país nem sempre refletem o

desenvolvimento desigual interno, especialmenteno Brasil, que tem dimensões continentais.

Quando analisamos dados do projeto doUnodc com o Ministério da Justiça (MJ), publi-cados em 2005, referentes ao mapeamento reali-zado em Goiás e no Ceará (principais pontos dealiciamento de vítimas), Rio de Janeiro e São Pau-lo (principais portas de saída do tráfico interna-cional), vemos que a maioria das vítimas são mu-lheres, entre 18 a 21 anos e de baixa escolaridade.A grande maioria (68%) é solteira. Já o perfil dosaliciadores é diferente: maioria de homens, sendoque 32% revelaram ter ensino superior completo e25% disseram ter ensino médio completo.

Estudo deste ano do MJ mostra que a maioriados que buscam melhores oportunidades noexterior é formada por jovens de renda relativa-mente baixa. Dos 73 entrevistados, 55% tinhamentre 20 e 29 anos. Mais da metade possuía rendaentre 1 e 3 salários mínimos; 26% ganhavamentre 4 e 6 salários mínimos; e cerca de 5%obtinham renda superior a 7 salários mínimos.

Sem dúvida, a garantia de mais oportunidadesde emprego e a redução da pobreza e das desigual-dades de gênero estão no centro do enfrentamentoao tráfico humano, na diminuição da oferta de ví-timas potenciais. Mas também são cruciais a pre-venção ao tráfico, a condenação dos criminosos ea proteção às vítimas. Esta será a implementação,de fato, do Protocolo da ONU contra o Tráfico dePessoas, do qual o Unodc é guardião.

O enfrentamento ao tráfico de pessoas – assimcomo o cumprimento dos ODM em todas as re-giões, estados e municípios – força governos esociedade a olhar para grupos historicamente ex-cluídos.A encruzilhada política colocada é a deci-são de investir, mesmo que tardiamente, emsegmentos populacionais específicos. Isso deveocorrer não necessariamente porque o número devítimas justifica a opção nem porque haverá forteapoio a esses mesmos grupos, mas sim porque setrata de uma grave violação de direitos – umaofensa inaceitável para toda a humanidade.

Pela redução do número de vítimas

Enfrentar o tráfico

de pessoas força

governos e sociedade a

olhar para grupos

historicamente

excluídos.

A encruzilhada

política é a decisão de

investir. Isto deve

ocorrer porque se trata

de uma grave violação

de direitos e uma

ofensa inaceitável para

toda a humanidade

52 Desafios • outubro de 2007

S

Giovanni Quaglia é representante regional do Escritório das Nações Unidas

contra Drogas e Crime (Unodc) para Brasil e Cone Sul

25 B - 10/25/2007 15:58:03

A sustentabilidadedas pessoas simples

MELHORES PRATICAS

Ética no comércio é a mola que está impulsionando a geração de emprego

e renda em diversas partes do país – uma atividade iniciada por instituições

internacionais que compravam artesanato e produtos agrícolas de países do

Terceiro Mundo e que hoje ganha corpo também no mercado interno brasileiro

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P o r S é r g i o G a r s c h a g e n , d e B r a s í l i a

Desaf ios • outubro de 2007 53

Foto: Divulgação/Coopalegre

26 A - 10/25/2007 15:58:03

54 Desafios • outubro de 2007

Afa s t ado o impe ra t i vo d i á r i o d e p ensa r u n i c amen te n a s ob r e v i v ê n c i a , a r t e s ã s

ão sei falar essas palavras bonitasque vocês falam aí não, masaprendi o que é sustentabilidade.A gente poluía o rio, agora não

polui mais. Protegemos o rio. Antes, agente sobrevivia. Hoje, temos trabalho,nossos maridos nos ajudam, e está tudodividido: tem um grupo que compra,outro que vende e ainda tem um grupopara produzir. Nós estamos tão organiza-dos que o nosso trabalho não vai acabarnão. Sabe por quê? Porque nós entende-mos de sustentabilidade. Nós vamos ficartrabalhando por nossa conta. Isso paramim é sustentabilidade.”

O curto depoimento da artesã MariaCélia Alves de Assis emocionou a platéiade 35 representantes de associações ecooperativas, durante seminário sobrecomércio solidário realizado este ano, emFortaleza. O encontro foi promovido pe-lo Banco Interamericano de Desenvolvi-mento (BID), em parceria com a WorldVision (Visão Mundial), organizaçãonão-governamental (ONG) cristã, hu-manitária e de desenvolvimento criadanos Estados Unidos em 1950 e presenteno Brasil desde 1975.

Piauiense, 56 anos de idade, MariaCélia trabalha desde os seis, quando ar-ranjou o primeiro emprego: babá.Apren-deu sozinha a ler e escrever “algumaspoucas coisas”.Aos 14, foi morar em For-taleza e trabalhou em casas de famíliaapenas pela comida. Engravidou aos 25 eresolveu criar o filho em uma cidadezi-nha menor. Maracanaú, município in-dustrial a 18 quilômetros de Fortaleza, foio local escolhido, por causa das empre-sas, onde poderia trabalhar. Mas nãoconseguiu emprego. Sobrevivia catandosobras nas feiras e na Ceasa. Foi uma dasprimeiras pessoas a montar o seu barracona favela Alto Alegre, quando começou ainvasão do terreno, situado às margensdo rio Maranguapinho.“Lá, o pessoal pe-lo menos conseguia se sustentar extrain-do areia e barro para as olarias.”

A atividade – predatória – foi proi-bida pelo Ibama. Ela lembra com tristezado período em que ficou impedida decatar barro. Dias depois caiu em umpoço de seis metros de profundidade equebrou várias vértebras. Foram mesesde imobilização, sem poder catar restosde verduras e legumes na Ceasa. “Che-

guei a desmaiar de fome e tive de sersocorrida por vizinhos.”

COOPALEGRE Quando convidada paradepor no seminário sobre a mudança emsua vida, proporcionada pelo comérciosolidário, Maria Célia falou na condiçãode presidente da Cooperativa de Mu-lheres Artesãs e Costureiras de Alto Ale-gre (Coopalegre). A cooperativa funcio-na em barracão, na antiga invasão, e as 80 associadas trabalham com palha decarnaúba e produzem cestos de diversosformatos e tamanhos, além de jogos demesa do tipo americano.

Afastado de vez o imperativo diáriode pensar unicamente na sobrevivência,

N“

Em sua simplicidade, a artesã Maria Célia diz que “nosso trabalho não vai acabar... ...porque nós aprendemos o que é...

Foto: Divulgação/Coopalegre

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agora p l ane j am man te r c reche da comun i dade e re f l o res ta r as margens do r i o

as artesãs agora têm dois projetos: man-ter a creche da comunidade e reflorestaras margens do rio com carnaúba, paragarantir a reposição da matéria-prima deque necessitam.

O trabalho desenvolvido pelas artesãscearenses na Coopalegre é resultado doapoio que receberam de entidades na-cionais e internacionais especializadasem comércio justo e solidário – que é in-ternacionalmente conhecido como fairtrade, e no Brasil como equo-solidário ouainda ético solidário.

Este tipo de associação, segundo opesquisador Luiz Eduardo Parreiras, doInstituto de Pesquisa Econômica Aplica-da (Ipea), é o mais viável e apropriado

para as populações excluídas e pobresconseguirem acesso à renda e superarema falta de capital e de conhecimento. “Éeste desafio que está sendo trabalhado otempo todo nos projetos.”

Com a ajuda da empresa Ética – Co-mércio Solidário, organização sem fins lu-crativos criada pela Visão Mundial paraescoar a produção desses segmentos aosmercados nacional e internacional,as cincomil peças artesanais produzidos anual-mente pela Coopalegre estão sendo co-mercializadas por uma rede de lojas espe-cializadas em decoração, em todo o país.

A história de Maria Célia sintetiza amudança que este tipo de negócio, nosentido lato do termo latino – negação do

ócio – proporciona às comunidades ca-rentes que encontram uma fonte de ren-da. Como as senhoras de Alto Alegre, aspessoas beneficiadas deixam de apenassobreviver para produzir em conjunto ese apoiarem mutuamente. Aprenderam o significado do termo cooperação quegarante o sustento de todos, em um climade harmonia.

“É uma alegria saber que há pessoasque gostam e compram o que fazemos”,diz Maria Célia.

QUESTIONAMENTOS Este tipo de comer-cialização, solidária, nasceu na Europalogo após a Segunda Guerra Mundial,mas ganhou impulso apenas nos anos1960, quando diversas entidades religio-sas, empresas importadoras e organiza-ções de apoio social iniciaram a impor-tação de artesanato e produtos agrícolasde países do Terceiro Mundo. Uma par-cela desses consumidores questionava aorigem e só adquiria produtos oriundosde países pobres ao ter certeza de que nãoexploravam mão-de-obra infantil ou es-cravizada. Mais tarde, passaram a exigirtambém que os produtos não causassemdanos ao meio ambiente.

Em termos sociais, seria uma contra-posição,embora minúscula,de setores dassociedades ricas ao processo de globali-zação, que garante aos consumidores, emtodo o mundo, acesso a produtos descar-táveis e cada vez mais baratos, fabricadospelas grandes empresas multinacionaisnos países subdesenvolvidos e de mão-de-obra barata. É um tipo de exigênciaque se faz cada vez mais presente. Consu-midores japoneses de carne de rã, porexemplo, exigem que as importações se-jam provenientes de criadores cadastradose fiscalizados e não de caça predatória.

Em palestra no Serviço Social doComércio de São Paulo (Sesc-SP), oeconomista Paul Israel Singer, titular daSecretaria Nacional de Economia Solidá-ria (Senaes), do Ministério do Trabalho eEmprego (MTE), ressaltou que a cons-cientização cada vez maior dos consumi-...sustentabilidade. Antes, a gente apenas sobrevivia. Hoje, temos um trabalho organizado”

Foto: Divulgação/Coopalegre

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Uma parce l a dos consum idores ques t i ona se os p rodu tos , na o r i gem, exp l o ram

dores obriga as empresas capitalistastradicionais a se adequarem às pressõesdo mercado no sentido de que elas as-sumam, cada vez mais, responsabilida-des sociais.

Exigências com relação à origem dosprodutos gradativamente se espalharampelo mundo em ondas concêntricas queacabaram por beneficiar o processo degeração de renda no Brasil, onde atual-mente cerca de 2 milhões de pessoasestão envolvidas diretamente em coope-rativas especializadas no comércio justo e solidário.

Como ressalta a consultora VirgíniaLacerda, representante no Brasil do Con-sorzio del Prodotto Giusto, Etico e Solida-le (Conges), entidade tradicional no seg-mento solidário, “nos últimos cinco anosesse tipo de empreendimento cresce à taxaanual entre 45% e 50% em todo o mundoe, mais que os resultados financeiros em si,ou a busca pelo maior lucro líquido, seufoco principal é garantir trabalho e renda”.Para ela, infelizmente, o Brasil demoroudemais a embarcar no processo.

A consultora Virgínia Lacerda, representante no Brasil do Consor-zio del Prodotto Giusto, Etico e Solidale (Conges) e envolvida há 15anos no processo de disseminação do comércio ético-solidário noBrasil, diz que está atualmente preocupada com uma nova barreiracomercial européia aos produtos agrícolas brasileiros oriundos dascooperativas solidárias.

Apesar de reconhecer as vantagens do sistema e o crescimentodo consumo de produtos éticos e solidários, especialmente nos paí-ses da União Européia, destino de 70% das exportações mundiais, elase preocupa com a manutenção de práticas protecionistas dos paísesricos em relação a esses produtos.

Diversos grupos privados do Hemisfério Norte se organizarampara estabelecer normas próprias na certificação dos produtos daeconomia solidária em seus mercados, e foi estruturada uma federa-ção privada multinacional para criar um único selo certificador, aFair Trade Labeling Organization, para itens originários dos paísessubdesenvolvidos ou em desenvolvimento.

“Infelizmente, essa entidade vem certificando linhas de produtosde marca própria de empresas multinacionais que, historicamente,têm sido responsáveis pela construção e manutenção do fosso entreos pequenos produtores e os mercados mais ricos”, diz Virgínia.

Os nomes dos produtores, segundo a consultora, são pratica-mente ilegíveis nas embalagens, o que, para ela, fere princípios im-portantes do comércio ético e solidário, como o de estimular o co-nhecimento dos consumidores, com informações adequadas sobre osprodutores e critérios de ética nos processos e eqüidade nas rela-ções comerciais, além da proibição de ações monopolizadoras.

Virgínia Lacerda defende a qualificação pelos países produtores.Sobre esse tema, o economista Paul Israel Singer, titular da Secre-taria Nacional de Economia Solidária (Senaes), do Ministério do Tra-balho e Emprego (MTE), defende dois tipos de selo brasileiros: o ver-de (ambiental) e o vermelho, que atestaria a inexistência de qualquertipo de exploração trabalhista no processo de produção e comer-cialização dos produtos ligados ao comércio solidário.

Equo monopólio

As trocas comerciais solidárias ganha-ram dimensão internacional e, segundodados da Fair Trade Europe – organiza-ção que garante a origem dos diversosprodutos comercializados em todo omundo – movimentam atualmente US$230 bilhões anuais, sendo US$ 180 bi-lhões certificados pela Fair Trade Labe-ling Organization, responsável pela certi-ficação dos produtos.

BRASIL O comércio solidário noBrasil, na avaliação do dire-tor de Estudos e Divul-gação da Senaes, Ro-berto Marinho Alvesda Silva, se desenvolveunaturalmente a partirda década de 1990.

Segundo a Cartilha daCampanha Nacional de Mo-bilização Social,editada em 2006 pelaSenaes, “esse crescimento foi uma estra-tégia de enfrentamento aos processos deexclusão social e precarização do trabalhoque acompanham o desenvolvimento do

capitalismo – marcado pela contradiçãode produzir riquezas gerando miséria –nos últimos dois séculos”.

O objetivo da Senaes, criada em 2003, éoferecer subsídios à formulação de po-líticas públicas e realizar o mapeamento daeconomia solidária no Brasil. Com esseobjetivo foi desenvolvido o Sistema Nacio-nal de Informações em Economia Solidá-

Foto: Divulgação/RAF Comunicações

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mão- de -obra i n fan t i l ou esc rav i z ada ou cau sam danos ao me i o amb i en te

ria (Sies), composto por informações dosempreendimentos econômicos solidáriose entidades de apoio, assessoria e fomento.

Além disso, no início de 2006 a Secre-taria iniciou uma série de conversaçõescom pessoas ligadas ao segmento de eco-nomia solidária sobre a criação de umsistema brasileiro de comércio solidário.O objetivo é integrar todas as expe-riências existentes no país de modo apermitir a adoção de políticas públicasfavoráveis ao crescimento da atividade.

Essas negociações levaram o MTE adefender a agregação do termo “justo” –comércio justo e solidário – a esse mo-delo de negócio, de modo a deixar maisbem estabelecida a necessidade da cor-reta valorização do trabalho realizadopelas pessoas envolvidas na produção.

MERCADO INTERNO Ainda na avaliaçãodo diretor da Senaes, impulsionar a eco-nomia solidária é uma forma de coopera-ção dos países desenvolvidos em relaçãoao mundo em desenvolvimento, quesempre participou do processo comosimples fornecedor, embora obtendo nasexportações um valor unitário superiorao das vendas internas.

O governo federal, entretanto, pre-tende focar o desenvolvimento do setorno mercado interno brasileiro, gerandoemprego e renda por meio de um sistemaque seja competitivo e forneça certifica-dos participativos de produtos não am-bientalmente agressivos e oriundos derelações igualitárias, sem exploração.

Um dos nichos que podem ser maisexplorados, por exemplo, é o da merendaescolar, com incentivo às atividades pro-dutivas regionais, substituindo produtosindustrializados nas escolas.

Os mais recentes levantamentos daSenaes comprovaram a existência de21.857 empreendimentos envolvidos nocomércio justo e solidário em todos osestados brasileiros, sendo que 50% estãoligados à agricultura familiar, o que faci-lita o envolvimento com o processo dealimentação escolar.

Em conjunto, as atividades solidáriasgeram 2 milhões de empregos diretos emovimentam, em média, recursos daordem de R$ 627 milhões mensais, so-mando R$ 7,5 bilhões por ano, informaMarinho.

Mas, apesar do atraso brasileiro emembarcar no processo econômico soli-dário, novas cooperativas estão sendoformadas e não são constituídas apenaspor agricultores, costureiras e artesãos.Há também cooperativas especializadasem reciclagem de resíduos sólidos – vi-dro, alumínio, garrafas plásticas e outrosmateriais –, setor com maior nível deadesão recente, ao lado da metalurgia. Otratamento estatístico da base de dadoscolhidos pela Senaes está sendo realiza-do pelo Ipea.

De certa forma, o real valor dos custosda produção já está sendo reconhecidoem alguns segmentos. Matéria-prima ven-dida a preço duas vezes maior que o pagopelas empresas convencionais não causa

espanto entre o pessoal envolvido ideolo-gicamente com o comércio solidário.

ALGODÃO Exemplo típico é o da cadeiaagroecológica gaúcha Justa Trama, espe-

Consumo de algodão da Justa Trama(em toneladas)

Crescimento vertiginoso

Fonte: Justa Trama

1,5

2005 2006

2,5

10

2007

Consumidores valorizam artesanatos como blocos de notas que reutilizam coadores de café

Foto: Divulgação/RAF Comunicações

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cializada em produtos confeccionadoscom algodão natural, sem uso de agrotó-xicos ou de produtos transgênicos.A Jus-ta Trama agrega agricultores, coletores desementes, fiadores, tecedores, artesãos ecostureiras.

A encarregada da Justa Trama, NelsaInês Fabian Nestolo, informa que o al-godão ecológico, oriundo de seis muni-cípios do Ceará e também da região nor-te do Paraná, é plantado por mais de 200famílias. É necessária essa combinaçãode fornecedores, explica, porque a épocade colheita no Nordeste difere em relaçãoao Sul.“Quando os produtores cearensesconcluem as suas colheitas, os paranaen-ses garantem o abastecimento e vice-versa.”

Este ano a Justa Trama – fundada há11 anos como uma associação de pe-quenos empresários que desejavam ape-nas aumentar o volume de compras paraobter melhores descontos – vai importarduas toneladas de algodão cearense e oitotoneladas de algodão paranaense.

A carga será transportada para aCooperativa Nova Esperança, em NovaOdessa (SP), encarregada da produçãode fios que, por sua vez, serão transfor-mados em malhas e tecidos na coope-rativa Stylo, em Santo André. Finalmen-te duas outras cooperativas – a FioNobre, em Itajaí (SC), e a Unidas Ven-

ceremos (Univens), de Porto Alegre,confeccionam as roupas com a marcaJusta Trama.

AGROTÓXICOS “Pagamos R$ 2,00 por qui-lo aos produtores desse algodão natural,para garantir a sua pureza,quando o preçopago pelo comércio tradicional é R$ 1,00.Sabemos das dificuldades de se colher umproduto que é facilmente infestado porpragas e que, por essa razão, é borrifado

constantemente com venenos”, diz Nelsa.As compras vêm crescendo nos últimos

três anos: 1,5 tonelada em 2005, 2,5 tone-ladas em 2006 e 10 toneladas este ano. Opróximo passo é a produção de jeans semagrotóxicos, que envolverá, da mesma for-ma, diversas cooperativas em vários esta-dos brasileiros, todas preocupadas com amesma cadeia produtiva. Todo o algodãoadquirido pela Justa Trama é certificadopor instituições confiáveis, incluindo téc-

Con s c i e n t i z a ç ã o d a p o pu l a ç ã o o b r i g a a s emp r e s a s c a p i t a l i s t a s t r ad i c i o n a i s a

Algodão ecológico de seis municípios do sertão do Ceará

e do interior do Paraná abastece a produção de roupas e

sustenta uma extensa rede de transporte e comércio solidário

Na oficina da Justa Trama, a matéria-prima é o algodão natural, sem uso de agrotóxicos

Foto: Paulino Menezes

Foto: Paulino Menezes

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nicos do Ministério da Agricultura. “Nos-sos clientes são pessoas que freqüentamfeiras ecológicas e têm consciência ecoló-gica.Não se importam de pagar um poucomais por uma camiseta livre de venenosque poluem o ambiente.”

Nelsa afirma ainda que uma camisetacomum de algodão pesa 250 gramas erecebeu cerca de 200 gramas de venenosvariados, e diz temer que isso se torne umargumento a ser utilizado pelos que de-fendem o plantio de sementes de algodãogeneticamente modificado.

A Justa Trama é um dos poucos se-tores da economia solidária que obtive-ram linha de crédito de R$ 105 mil juntoao Banco do Brasil, para financiar asdiversas operações da sua cadeia produ-tiva. A empresa quer agora levantar re-cursos para adquirir equipamentosnovos e atender às novas encomendas daFrança, Itália e Espanha, para onde jáexportam pequenas quantidades.

CRÉDITO O crédito é outro problemacitado pelo setor como um dos fatoresque amarram o comércio justo e soli-dário no Brasil. Apenas 16% dos em-

preendimentos nacionais do setor tive-ram acesso a alguma linha de finan-ciamento, além de problemas associadosà dificuldade de assistência técnica e paracomercialização.

O diretor da Senaes, Roberto Mari-nho, diz que há negociações junto aoBanco Nacional de DesenvolvimentoEconômico e Social (BNDES), com oobjetivo de tornar mais flexíveis as exi-gências burocráticas para a obtenção definanciamentos, levando-se em conside-ração que a maior parte dos empreen-dimentos não tem como atender às exi-gências de garantias reais para levantarempréstimos, como as empresas tradi-cionais. “A maioria dos empreendimen-tos que necessitam de recursos deinvestimentos é formada por coope-rativas que arrendam plantas industriaisde empresas que estão sub judice.”

Para Marinho, o êxito dos empreendi-mentos voltados ao comércio solidáriodepende de quatro características bási-cas: cooperação entre o pessoal envolvi-do em toda a cadeia, da produção à co-mercialização; autogestão, que se traduzpela propriedade coletiva dos meios de

produção; a dimensão econômica doempreendimento, que exige o esforçogeral de todos no foco do projeto na ge-ração de renda e melhoria da qualidadede vida de todos os participantes; e, “fi-nalmente, solidariedade, um leque querefresca a todos internamente e ainda ge-ra uma aragem capaz de manter aceso odesejo de todos em relação aos processosde conquistas – da terra ao crédito e emrelação à manutenção da atividade”.

As particularidades do comércio soli-dário, que o distinguem da gestão dosnegócios capitalistas comuns, são apon-tadas no livro “Negócios Solidários emCadeias Produtivas”, sobre a experiênciada Fundação Banco do Brasil na execu-ção de projetos de estruturação de em-preendimentos solidários. Seu autor,o pesquisador do Ipea Luiz Eduardo Par-reiras, destaca a exigência de transpa-rência e o caráter participativo dos seusprocessos decisórios.

“Pode-se afirmar sobre essas caracte-rísticas que elas constituem duas exigên-cias radicais. A falta de transparência ne-cessária nos empreendimentos não ape-nas resulta em dificuldades intranspo-níveis à participação consciente e efetivados associados, como costuma ser o co-meço do processo de discórdia que minaa confiança entre as pessoas e leva à im-plosão dos empreendimentos”, diz.

Para o pesquisador do Ipea, “feliz-mente já existem sistemas de informa-ções gerenciais que se constituem em re-curso efetivo para a disponibilizaçãoautomática de dados e relatórios e são su-ficientes para garantir a maior parte datransparência requerida para um funcio-namento sem sobressaltos”.

Roberto Marinho, do MTE, por suavez, considera a autogestão como o pontomais sensível na manutenção das ativida-des produtivas no comércio solidário, se-ja nos estágios iniciais ou nos mais avan-çados do processo. “É preciso que hajaunanimidade e respeito às decisões cole-tivas e sobre a aplicação dos resultados daatividade.”

a s s um i r, c ad a ve z ma i s , r e s p o n s ab i l i d ad e s s o c i a i s e p r o j e to s s o l i d á r i o s

A cadeia ecológica agrega agricultores, coletores de sementes, fiadores, tecedores e costureiras d

Foto: Paulino Menezes

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CIRCUITOciência&inovação

Pesquisadores do Departa-mento de Física da Universidade deBrasília (UnB) desenvolveram, comfinanciamento da Agência EspacialBrasileira (AEB), um protótipo depropulsor a plasma capaz de au-mentar a vida útil de satélites depequeno e médio porte. O Phall-I,como é denominado o equipamen-to, utiliza técnica inovadora paracorrigir a órbita de satélites, comgrande economia de energia elétri-

ca. Foram utilizados ímãs comofonte de campo magnético, combi-nados com um campo elétrico ge-rado por um anodo no interior deum cilindro em que o plasma é pro-duzido e, ao ser expelido, faz comque o satélite se movimente emresposta ao empuxo produzido.Plasma é um gás altamente ioniza-do e constituído por elétrons e íonspositivos livres, de forma que acarga elétrica total é nula. Segun-

do o coordenador do trabalho,José Leonardo Ferreira, chefe doLaboratório de Plasma da UnB, atécnica permite a diminuição ematé 30% da energia elétrica. Ostestes com o Phall-I foram reali-zados em uma câmara de vácuocom dois metros de comprimentoe pressão um milhão de vezesmenor do que a atmosférica, quetambém foi construída pelos pes-quisadores na UnB.

Aquecimento global

Águas profundas para salvar algas

O cientista e ambientalista James Lovelock, profes-sor da Universidade de Oxford, na Inglaterra, propôs, emartigo publicado na revista Nature, o bombeamento deágua do fundo dos oceanos para a superfície, com oobjetivo de estimular a reprodução das algas.A medidaestimularia a capacidade de o planeta Terra curar a simesmo, com tratamento de emergência para o quechama de “patologia do aquecimento global”. O textofoi publicado em co-autoria com Chris Rapley, do Museude Ciência de Londres. Lovelock é o criador da hipóte-se de Gaia, sugerida para explicar o comportamentosistêmico do planeta Terra, encarado como um grande

organismo. A idéia é de instalar tubos com até dezmetros de diâmetro, que, com o movimento das ondas,bombeariam para a superfície a água que está entre100 metros e 200 metros de profundidade.A mistura deáguas ricas em nutrientes sob a termoclina – regiãoonde há um decréscimo brusco de temperatura da água– com a água relativamente estéril da superfície esti-mularia o crescimento das algas. “A água bombeadafertilizaria as algas na superfície e estimularia seudesenvolvimento. Isso diminuiria o dióxido de carbono eproduziria dimetil sulfito, o precursor dos núcleos queformam nuvens refletoras de luz solar”, diz o artigo.

O Conselho Nacional de De-senvolvimento Científico e Tecnoló-gico (CNPq) destinará R$ 500 milpara projetos de capacitação derecursos humanos em biossegu-rança de organismos geneticamen-te modificados (OGMs). As propos-tas poderão ser apresentadas porcoordenadores de curso, profes-sores e pesquisadores com títulode doutor, vinculados a programas de pós-graduação em instituiçõesbrasileiras de ensino superior, ins-titutos ou centros de pesquisa e de-senvolvimento, públicos ou priva-dos.As inscrições estão abertas atéo dia 12 de novembro.Serão apoia-dos projetos na área de saúde hu-mana, animal, vegetal, meio am-biente, fluxo gênico e medidas demanejo e procedimentos de des-carte de OGMs. Segundo o CNPq,serão apoiados até dez cursos decurta duração no valor máximo deR$ 50 mil cada, em nível de pós-graduação, direcionados a estudosbásicos e aplicados na área.

60 Desafios • outubro de 2007

OGMs

CNPq investeem cursos debiossegurança

Pesquisa e texto Sérgio GarschagenFoto: Sxc.hu

Foto: Sxc.hu

Satélites

UnB desenvolve propulsor para agência espacial

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Pesquisa realizada por 41 cien-tistas de diversos países com bacté-rias de Salmonella typhimuriumcomprovou que elas ficaram três ve-zes mais virulentas após uma curtaviagem espacial.Durante vôo do ôni-bus espacial, em setembro de 2006,a astronauta Heidemarie M. Ste-fanyshyn-Piper ativou o crescimentoda bactéria, comum em intoxicaçãoalimentar, em recipientes isolados efixou as culturas após um dia decrescimento com mudanças nos ní-veis de expressão de proteínas.

A análise posterior feita peloscientistas, liderados por James Wil-son, da Universidade do Estado doArizona, nos Estados Unidos, verifi-cou alterações importantes. Compa-rados com amostras da mesma bac-téria que foram armazenadas emfrascos na Terra e ativados simulta-neamente, os microrganismos queforam ao espaço tiveram alteraçõesna expressão de 167 genes. Surpre-sa maior foi descobrir que o períodoem órbita da Terra foi suficiente pa-ra torná-los mais perigosos.

A capacidade de infecção foiverificada em camundongos. O estu-do será publicado no site e naedição impressa da revista Proce-edings of the National Academy ofSciences (Pnas). Segundo os auto-res, uma importante proteína, a Hfq,pode ser a responsável pelo aumen-to na capacidade infecciosa. O arti-go Spaceflight alters bacterial geneexpression and virulence and reve-als, de James Wilson e outros, pode-rá ser lido por assinantes da Pnasno site www.pnas.org.

Desaf ios • outubro de 2007 61

Efeito colateral

Antidepressivo causa perda ou ganho de peso

Pesquisa realizada na Faculda-de de Ciências da Saúde da Univer-sidade de Brasília (UnB) destacouque os efeitos colaterais de antide-pressivos causam perda ou ganhode peso nos pacientes. O trabalhode Helicínia Giordana Peixoto, apre-sentado como dissertação de mes-trado, verificou o perfil nutricionale sua associação com antidepressi-vos utilizados por 300 indivíduoscom transtorno depressivo, de ida-

des entre 18 e 60 anos, assistidosno ambulatório do Hospital São Vi-cente de Paula, ligado à Secretariade Saúde do Distrito Federal e es-pecializado no atendimento de pa-cientes psiquiátricos. A grandemaioria dos indivíduos analisadosera do sexo feminino (89%). Daamostra analisada, 62% dos pa-cientes estavam acima do peso –34% com sobrepeso e 28% eramobesos. Além disso, 5% apresenta-

ram algum grau de desnutrição.“Otranstorno depressivo leva à dimi-nuição da serotonina, um hormônioresponsável pelo prazer, fazendocom que os pacientes apresentemtristeza e desânimo. Nesse contextoos antidepressivos podem tanto es-timular o apetite e gerar compulsãoalimentar, o que pode levar ao ganhode peso, como os indivíduos podemter o apetite diminuído e perder pe-so”, conclui a pesquisadora.

Saúde

Apnéia obstruiartérias

Pesquisadores brasileiros doInstituto do Coração (Incor) e doHospital das Clínicas da Faculdadede Medicina da Universidade deSão Paulo (USP) comprovaram queo tratamento da apnéia obstrutivado sono (AOS) pode prevenir a ar-teriosclerose, diminuindo o riscode ataques cardíacos e acidentesvasculares. O trabalho está publi-cado na edição de outubro do Ame-rican Journal of Respiratory andCritical Care Medicine, revista daSociedade Torácica Norte-Ameri-cana. De acordo com Luciano Dra-ger, principal autor do artigo, pelaprimeira vez um estudo demonstrauma relação direta entre a AOS e aarteriosclerose. “O avanço que apesquisa traz à área, que elaacrescenta na literatura, é que aapnéia é um novo fator de riscopara a arteriosclerose”, diz.

Bactéria

Salmonella mais virulenta após viagem espacial

A área cultivada com cana-de-açúcar no Centro-Sul do país au-mentou 12,3% em um ano.Só no Es-tado de São Paulo, responsável por68% da cana cultivada na região, ototal subiu de 3,04 milhões para3,35 milhões de hectares entre assafras 2005/2006 e 2006/2007.Osdados são do Instituto Nacional de

Pesquisas Espaciais (Inpe), que des-de 2003 utiliza imagens de senso-riamento remoto, fornecidas porsensores dos satélites Landsat eCbers, para mapear e quantificar aárea cultivada em oito estados:Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso,Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro,Espírito Santo, Paraná e São Paulo.

Sensoriamento remoto

Aumenta área plantada com cana em São Paulo

Foto: Sxc.hu

Foto: Sxc.hu

Foto: divulgação

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Dinastias: esplendores e infortúnios dasgrandes famílias empresariaisDavid LandesEditora Elsevier, 2007, 373 páginas, R$ 75,00

62 Desafios • outubro de 2007

Aristocracia empresarial

ESTANTElivros e publicações

elites são invejadas e, não raro, ava-liadas depreciativamente, o que é pa-radoxal. A despeito do preconceitofreqüentemente exibido por alguns

donos do poder, o Brasil tem muito a se or-gulhar de velhas famílias que estão na ori-gem do capitalismo nacional. Foram em-preendedores familiares os que, em grandemedida, construíram empresas bem-suce-didas, que ganharam o respeito internacio-nal e que, hoje, suscitam a admiração e a co-biça dos novos membros da nomenklatura ede velhos políticos fisiológicos. São elas queproduzem a riqueza que alimenta oficial-mente os cofres públicos e, oficiosamente,os cofres desses “sócios”indesejáveis.

David Landes, conhecido por duas ou-tras obras – Prometeu Desacorrentado e ARiqueza e a Pobreza das Nações –, retraça ahistória dos maiores empreendimentos fa-miliares, do século XVIII à atualidade, emtrês campos de atividade: a intermediaçãobancária, teatro de grandes ganhos, mastambém de desastres monumentais; a in-dústria automobilística, que ainda define,com o petróleo,nossa civilização industrial;e os “tesouros da terra”– os barões do petró-leo e da siderurgia. São doze dinastias, quenada ficam a dever, ao menos em termos deriqueza e prestígio – apenas, talvez, com umpouco menos de charme e poder –, às famí-lias monárquicas de tradições seculares.

Quem são? Os Barings, os Rothchilds eos Morgans, para a atividade bancária;Ford, Agnelli, Peugeot, Renault, Citroën eToyoda, para os veículos; e os Rockefellers,os Guggenheims, os Schulemberger e osWendels, para os “frutos da terra”.

Ainda que muitos acreditem que em-presas familiares sejam inerentemente instá-veis,que elas acabam acumulando prejuízose entrando em crise, em virtude da saga tor-tuosa que parece acometer a maioria – se-gundo o roteiro do avô empreendedor, quefaz do filho um milionário, e o neto incom-petente que dilapida o patrimônio familiar–, o fato é que a maioria das empresas nomundo atual ainda é de base familiar.A mo-derna teoria da administração pretende quenegócios bem geridos, hoje em dia, são es-sencialmente de natureza corporativa, comdireção profissional e executivos bem pa-gos, focados exclusivamente nos resultadosdo trimestre, em vez de caprichos familiaresque consomem lucros e diminuem as possi-bilidades de investimentos inovadores, da-do o conservadorismo inerente a descen-dentes acomodados no sucesso da geraçãoanterior. Landes demonstra, com base nãoapenas na reconstituição da trajetória de“suas” dinastias, mas também em dadosobjetivos de balanços, que não é bem assim:empresas familiares podem ser tão bem ge-ridas e inovadoras quanto as grandes cor-porações. Estruturas gerenciadas podemesconder fabulosas fraudes, como o caso daEnron ainda o demonstrou recentemente.

Começando pelos Barings, Landes re-traça sucessos e fracassos das doze di-nastias. Nem sempre foi fácil o acesso àsfontes. Um biógrafo dos Agnelli, um jorna-lista inglês do Financial Times, relata, porexemplo, que foi hostilizado pela família: elao chamou de “neocolonialista, racista, agen-te do Mossad, assecla da extrema-direita doPentágono”. Com Landes não chegaram a

tanto: algumas o convidaram para suntuo-sos almoços em castelos franceses. Certosfundadores enganaram despudoradamenteacionistas minoritários, outros ficaramconhecidos como “barões ladrões” e algunsramos desapareceram na voragem da glo-balização, como a família Baring, que “aca-bou sufocada pelo próprio sucesso”. Centoe setenta anos depois de ter realizado omaior lucro já obtido em uma única ope-ração – US$ 150 milhões, em valores de ho-je – e após ter sido salvo pelo Bank of En-gland,ao custo atual de US$ 1 bilhão,graçasàs suas conexões políticas, o banco Baringsoçobrou, vítima de um desses garotos queespeculam com derivativos: foi vendido poruma libra a uma companhia de seguros ho-landesa. Uma dinastia a menos...

Qualquer que seja o futuro das dinastiasremanescentes, o mundo, segundo Landes,precisa do capitalismo familiar. Caçadoresde fortunas também...

Paulo Roberto de Almeida

E

30 B - 10/25/2007 15:58:03

Abrindo asAssembléias

eedição, revista e sensivelmente am-pliada, da coleção de pronuncia-mentos feitos pelo Brasil na abertu-ra de cada Assembléia Geral da Or-

ganização das Nações Unidas (ONU), jácoletados previamente, até 1995, no livro A Palavra do Brasil nas Nações Unidas. Oembaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêateve o cuidado de recolocar no contextohistórico essas exposições sobre a posturado Brasil no cenário internacional, exami-nando as circunstâncias que presidiram atomada de certas posições. De uma formageral, os discursos permitem ao pesqui-sador acompanhar a evolução do pensa-mento oficial em temas de grande relevân-cia na agenda mundial.

Muitos temas são previsíveis: reformada Carta, ingresso do Brasil no Conselhode Segurança das Nações Unidas, priori-dade latino-americana seguida da opçãopreferencial pela América do Sul, integra-ção regional e apego ao multilateralismo e àsolução pacífica de controvérsias. Algumasdiferenças transparecem, como as mençõesàs crises financeiras e à globalização, nosgovernos Fernando Henrique Cardoso, e a ênfase na justiça social e na correção dasdesigualdades, no primeiro mandato dopresidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Paulo Roberto de Almeida

Desaf ios • outubro de 2007 63

Brasil e Argentina: reincidentes no erro?

Sistema Internacional com Hegemonia das Demo-cracias de Mercado: Desafios de Brasil e ArgentinaEduardo Viola e Héctor Ricardo LeisEditora Insular, 2007, 232 páginas, R$ 30,00

s autores simbolizam a história dra-mática dos dois maiores países daAmérica do Sul: vindos da esquerdae da luta pelo socialismo, se natura-

lizaram no país que os abrigou de uma ter-rível ditadura. Estão, portanto, preparadospara analisar a trajetória do Brasil e da Ar-gentina no contexto das democracias demercado. A descoberta de realidades políti-cas similares, ainda que sob roupagens dis-tintas, e o comparatismo inevitável que essetipo de situação cria permitiram-lhes cons-tatar como os mesmos diagnósticos equivo-cados feitos por lideranças políticas, lá eaqui, redundam em perda de oportunidadesde inserção no atual mundo globalizado.

Roberto Campos costumava dizer que oBrasil é um país que não perde a oportuni-dade de perder oportunidades. Nessa com-petição, a Argentina ganha do Brasil: a suatrajetória em direção à decadência foi maisprofunda. No caso do Brasil, pode-se aplicaro dito de Mário de Andrade: “Progredir,progredimos um tiquinho, que o progressotambém é uma fatalidade”.

O fato é que, a despeito de uma históriasingular, que corre em trilhas próprias, Bra-sil e Argentina reproduzem equívocos simi-lares de políticas públicas cometidos por di-ferentes regimes políticos ao longo do séculoXX: a maior parte dos problemas deriva deerros de gestão macroeconômica e de esco-lhas infelizes das elites nas respostas aos de-safios internos e externos.

O livro discute as novas condições daeconomia global e os padrões atuais de orga-nização política, que os autores chamam de“hegemonia das democracias de mercado”.Eles constatam como são anacrônicas as de-mandas de militantes de causas equivoca-das, com slogans retirados de um já mundodesaparecido nas dobras da história – comoos conceitos de “dependência” ou de “an-tiimperialismo” –, e que insistem em defen-der causas que não são mais de vanguarda,sequer progressistas.

O

R

O Brasil nas Nações Unidas, 1946-2006Luiz Felipe de Seixas Corrêa (organizador)Funag, 2007, 768 páginas, R$ 62,00

A oposição a reformas que permitiriaminserir mais rapidamente os países da Amé-rica Latina nas correntes dinâmicas da glo-balização – reformas política, previdenciá-ria, trabalhista, tributária, sindical oueducacional – não é conservadora; ela é reacionária, em vista dos imensos proble-mas acumulados em áreas que têm a ver com as perspectivas de emprego, renda eoportunidades de ascensão social de imen-sas massas ainda hoje excluídas de qualquerpossibilidade de inserção produtiva.

Os autores confessam sua decepção comos intelectuais que exibem um agudo sensode anticapitalismo, o que os faz cúmplicesobjetivos das piores barbaridades cometidascontra os direitos humanos e a democracia,como em certa ilha,por exemplo.Na Améri-ca Latina, a insistência em velhas soluções, arepetição dos erros do passado,a tendência aencontrar bodes expiatórios no exterior e aalimentar teorias conspiratórias sobre as razões do fracasso local são tão mais sur-preendentes quando estão disponíveis boasanálises sobre as razões da trajetória erráticae da miopia das elites.Este livro constitui umbom diagnóstico e um excelente antídotointelectual.

Paulo Roberto de Almeida

31 A - 10/25/2007 15:58:03

INDICADORES

p o r J o r g e L u i z

d e S o u z a

64 Desafios • outubro de 2007

Pnad 2006

As mudanças recentes naestrutura social brasileira, es-pecialmente as verificadas nosentido da inclusão social,aparecem claramente nas pri-meiras análises feitas peloInstituto de Pesquisa Econômi-ca Aplicada (Ipea) com basenas informações levantadaspela Pesquisa Nacional porAmostra de Domicílios (Pnad)de 2006, divulgada recente-mente. Entretanto, dadas asdistâncias históricas, aindanão foi possível vislumbrarmudanças que aproximem oBrasil dos países de elevadobem-estar social. Alcançar ospadrões de distribuição derenda que constituem os me-lhores exemplos mundiais ain-da poderá demandar décadas.Há, entretanto, avanços nos as-pectos demográficos, nas es-truturas familiares e na edu-cação, e um claro efeito dapolítica de seguridade social.

É a criação de um produto ou processoque seja novo para o mercado ou novoapenas para a empresa. Mas é preciso queseja algo tecnologicamente novo ousubstancialmente aprimorado. Inovar podeser simplesmente adquirir uma máquinanova, desde que não signifique apenassubstituir a anterior, mas mude a forma deproduzir. Inovar para a empresa pode seradotar algo que já existe no mercado.Também há inovação para determinadopaís ou região, ou até mesmo para omercado internacional. Desde 1997, oManual de Oslo define inovação e dá asbases para sua medição quantitativa,levando em conta o que a empresadeclara sobre ter produzido ou não algoinovador. Pelo manual, a pesquisa é vistanão como uma fonte de idéias inventivas,mas como um “solucionador deproblemas”. No Brasil, a taxa de inovaçãoé medida pela Pesquisa Industrial deInovação Tecnológica (Pintec), do InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatística(IBGE).A primeira Pintec compreende o período 1998-2000, a segunda,2001-2003, e a mais recente, 2003-2005.

O que é?

Inovação

Retrato dasmudançassociais

Taxa de inovação

Participação percentual das empresas

que implementaram inovações, Brasil

40

30

20

10

0

Fonte: IBGE/Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (Pintec)

1998 - 2000 2001 - 2003 2003 - 2005

31,533,3 33,4

Década de 1990 2001 a 2005 2006

UF Saldo Saldo Saldo

Acre 4.073 -724 4.608

Alagoas -41.516 -43.952 -35.125

Amapá 19.427 11.201 -1.946

Amazonas 5.580 -611 -2.808

Bahia -220.850 -39.409 33.017

Ceará -14.277 31.705 38.329

DF 62.643 -34.147 -12.784

Espírito Santo 63.637 39.741 55.351

Goiás 39.754 135.567 73.560

Maranhão -67.684 -71.919 -66.707

Mato Grosso 31.612 88.794 56.512

Mato Grosso do Sul -1.507 15.734 39.818

Minas Gerais 35.435 47.360 39.435

Pará -98.703 10.795 23.432

Paraíba -12.018 10.200 -25.661

Paraná -47.844 -21.887 -11.919

Pernambuco -113.576 -10.221 -10.044

Piauí -21.286 -8.103 -11.352

Rio de Janeiro -109.219 -78.433 -41.596

Rio Grande do Norte 7.164 24.886 30.423

Rio Grande do Sul -15.096 -27.391 -37.493

Rondônia -17.221 -22.493 -20.801

Roraima 14.911 21.010 29.531

Santa Catarina 47.391 76.783 89.946

São Paulo 400.880 -126.943 -207.098

Sergipe 3.276 -3.291 -6.303

Tocantins 45.015 -24.255 -22.325

Migrações invertem o sinal em vários Estados

Saldo migratório dos Estados brasileiros, 1992 a 2006 (média anual)

Fonte: IBGE/Pnads 1992 a 2006. Elaboração: Ipea

80

70

60

50

40

30

20

10

0Casal sem

f ilhosCasal com

f ilhosMulhersozinha

Mãe comfilhos

Pai comf ilhos

Homemsozinho

Fonte: IBGE/Pnads de 1985 e 2006. Elaboração: Ipea

11,8

14,3

68,9

52,8

6,08,3

10,915,3

1,1

7,3

1,4 1,9

1985 2006

Casal com filhos é maioria,

mas está em rápida queda

Distribuição percentual dos arranjos

familiares pelo tipo de arranjo

Os Estados que perdem e os que

ganham migrantes

Unidades da Federação com saldo positivo

e saldo negativo, em 2006

Fonte: IBGE/Pnads de 1992 a 2006. Elaboração: Ipea

Saldo positivo

Saldo negativo

31 B - 10/25/2007 15:58:03

Desaf ios • outubro de 2007 65

1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006

Norte 13,3 12,4 13,5 12,6 12,3 11,2 10,4 10,6 10,2 9,4 9,1

Nordeste 30,5 28,7 29,4 27,5 26,6 24,3 23,4 23,2 22,4 21,9 20,7

Sudeste 9,3 8,7 8,6 8,1 7,8 7,5 7,2 6,8 6,6 6,5 6,0

Sul 9,1 8,9 8,3 8,1 7,8 7,1 6,7 6,4 6,3 5,9 5,7

Centro-Oeste 13,3 11,6 12,4 11,1 10,8 10,2 9,6 9,5 9,2 8,9 8,3

Brasil 15,6 14,7 14,7 13,8 13,3 12,4 11,8 11,6 11,2 10,9 10,2

Analfabetismo declina em todas as regiõesTaxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade – Brasil e grandes regiões – 1995 - 2006

Fonte: Pnad/IBGE. Elaboração: Disoc/Ipea (exclusive as áreas rurais dos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima)

Emprego formal toma lugar do informalPercentual das ocupaçoes informais e dos empregos com carteira assinada

E. Unidos Uruguai1México Portugal2Canadá Inglaterra

50

40

30

20

10

0

A distância que separa os brasileiros - distribuição de renda

Anos para o Brasil alcançar o coef iciente de Gini de diversos países

14 14 16

2527

45

Mais pobres acumulam maior recuperação

Crescimento dos rendimentos por décimos da distribuição (do décimo mais

pobre ao décimo mais rico, em %)

1 32 54 6

25

20

15

10

5

0

12,913,1

12,7

9,47,8

10,59,9

9,5

11,6

7 8 9 10

12,6

8,97,7

7,4

10,8

7,6 7,76,5 5,7

4,86,4

2006-2005 2005-2004

24

Dinamarca3

1 melhor da América Latina, 2 pior da Europa, 3 melhor do mundoFonte: IBGE/Pnad, Census Bureau, Inegi e Statistics Canada. Elaboração: Ipea

Fonte: IBGE/Pnads de 2004 a 2006. Elaboração: Ipea

Fecundidade sobe apenas na renda mais baixa

Taxa de fecundidade das mulheres de 15 a 19 anos por quintil de renda

(Brasil, 1992 e 2006 - do quinto mais pobre ao mais rico)

2 Quintil1 Quintil 4 Quintil3 Quintil 5 Quintil

Fonte: IBGE/Pnads de 1992 e 2006. Elaboração: Ipea

0,130,14

0,13

0,11

0,08

0,060,05

0,030,04

0,02

1992 2006

Tendência de queda no desemprego

Taxa de desemprego (em %)

2001

10

9,5

9

8,5

8

9,4

9,2

9,7

8,9

9,3

8,4

2002 2003 2004 2005 2006

Fonte: Pnad/IBGE (até 2003, exclusive a população da área rural de Rondônia,Acre,Amazonas, Roraima, Pará e Amapá)

2001

48

46

44

42

40

38

36

34

322002 2003

A recuperação dos rendimentos do trabalhoRendimento médio mensal de todos os trabalhos (em R$ de setembro de 2006)

2004 2005 2006

Informal Com carteira

Fonte: Pnad/IBGE

2001

900

800

7002002 2003 2004 2005 2006

Fonte: Pnad/IBGE (exclusive a população da área rural de Rondônia,Acre,Amazonas, Roraima, Pará e Amapá)

33,82 33,7234,35 34,79

35,5736,17

45,95 46,1645,46 45,35 44,50

43,78

878

792 792

857

888

828

32 A - 10/25/2007 15:58:03

Gostei muito da matéria “OsCustos da Violência”, na ediçãode Desafios de setembro. Saberque desperdiçamos R$ 92 bilhõesanuais – mais de 5% do PIB –com as conseqüências da violên-cia urbana é estarrecedor. Mais deR$ 60 bilhões foram gastos pelosbrasileiros com segurança. Ouseja, além dos tributos altíssimos,somos levados a pagar pela edu-cação, pela saúde e mais recente-mente na contratação de segu-ranças, além dos gastos comcondomínios fechados.

A nossa taxa de 27 homicídiospor grupo de 100 mil habitantesnão deve ficar longe dos países em guerra. Quando lemos que há mais de 100 mil mandados de prisão que não podem sercumpridos por falta de vagas nascadeias, entendemos o que é a sen-sação de impunidade dos homi-cidas. Mais ainda, entendemosmenos ainda a nossa sensação deque não podemos mais ir e vircom tranqüilidade.

Não deve ser difícil resolver esseproblema.Afinal, a nossa violêncianão tem causas étnicas. Acredi-tamos que, se atacados os pro-blemas sociais do país, os índicesde violência serão cortados. NovaYork e Bogotá são exemplos de queo problema pode ser resolvido.

Mas há outros tipos de vio-lência, como o trânsito brasileiro,onde a impunidade também é aregra.A diferença de 7,6 anos entreos sexos também se explica porfatores biológicos e ambientais.Um dos principais é a maior fre-qüência de mortes por causas ex-ternas (violência e acidentes) entreos homens, na faixa dos 15 aos 35anos. Segundo li na imprensa, em1980, as mulheres viviam 6,1 anosa mais que os homens. Em 1991, adiferença aumentou para 7,7 anose, em 2000, continuou no mesmopatamar. Em 2002, caiu ligeira-mente, para 7,6 anos. Obrigado.

Ricardo de FreitasBrasília/DF

Com base nos dados da Pes-quisa Nacional por Amostra deDomicílios (Pnad), recentementedivulgados, tomamos conheci-mento do aumento do número deidosos no Brasil,nos últimos anos.

Mas as matérias dos jornais dei-xaram de lado as conseqüências demédio e longo prazos de umamudança tão drástica na socie-dade brasileira. Não se fala, porexemplo, que há apenas 50 anos osavós começavam a trabalhar pelomenos uma década antes dos ne-tos,que, para conseguirem vaga nomercado de trabalho têm de cursarmestrados, doutorados ou MBAs.

Acontece que os avanços damedicina permitiram um cresci-mento significativo do número deidosos. Não sei por que razão,ainda convivemos com uma prá-tica cultural, nascida na revoluçãoindustrial, que dispensa trabalha-dores, preparados ou não, na faixados 40 a 50 anos. Começa-se a tra-balhar uma década mais tarde doque nas gerações anteriores e asempresas mantêm a mesma prá-

tica de dispensa dos seus quadrosna faixa dos 50 anos.Os 20 anos ou30 anos a mais que ganhamos daciência servem apenas para au-mentar os dispêndios da Previ-dência Social?

Uma pesquisa publicada pelaimprensa mostra que a populaçãobrasileira tem envelhecido. Osegmento de 75 anos ou mais, porexemplo, representou 26,1% dapopulação de idosos brasileirosem 2006. Dez anos antes, corres-pondia a 23,5%. De 80 anos oumais, que correspondia a 11,5%dos idosos em 1996, passou a13,2%, em 2006. Essa populaçãoestá crescendo em todos os países.No Japão, a expectativa de vidaestá em quase 80 anos.

Os “novos idosos” – entre 60 e64 anos – cresceram a um ritmomenor entre 1996 e 2006. Eleseram 32,3% da população idosa epassaram a 30,5%. E 45% dos ido-sos vivem em apenas três Estados:São Paulo (4,4 milhões), MinasGerais e Rio de Janeiro, com 2,1milhões cada. No Rio, a propor-ção de idosos supera 14%.

A síntese mostra ainda que emrazão da violência e das condiçõesde vida mais precárias a propor-ção de idosos negros e pardos é in-ferior à de idosos brancos. En-quanto os brancos correspondiama 57,2%, os negros e pardos, a41,6%. Isso, claro, devido às piorescondições de vida dos negros.

Queria ver esse tema mais bemexplorado nas páginas desta revis-ta, que aprofunda os temas, assimcomo uma outra matéria maiselaborada sobre a taxa de analfabe-tismo no Brasil, que esbarra nos11% da população e ainda por ci-ma nos faz passar vexames nos tes-tes de matemática e ciências apli-cados em diversos países. Li que oBrasil, em matéria de educação,perde até para o Haiti, Nicarágua,Guatemala, Honduras e outrospaíses bem menos ricos.

Parece que estamos em umaencruzilhada: ou mantemos umaescola de bom nível para poucosprivilegiados da elite ou democra-tizamos e pioramos nosso ensino.Não daria para democratizar asescolas e manter o bom nível doensino? São coisas excludentes?Acho que a revista poderia explo-rar esses temas sociais. São desa-fios. Obrigada pela atenção.

Rosália FigueiredoRio de Janeiro/RJ

Nota da Redação: Nesta edição,os leitores encontrarão informaçõesextraídas da Pnad na seção Indi-cadores (páginas 64 e 65). E pedi-mos atenção para a próxima edição(novembro de 2007), na qual outrosaspectos abordados pela Pnad serãoo tema de reportagens de maiorprofundidade.

CARTAS A cor r e s pond ê n c i a p a ra a r e d a ç ão d e ve s e r e n v i ad a p a ra d e s a f i o s@ip e a . g ov. b r

ou para SBS Quadra 01 - Ed i f í c io BNDES - Sa la 1515 - CEP: 70076-900 - Bras í l i a DF

Repr

oduç

ão

66 Desafios • outubro de 2007

Acesse o conteúdo da revista Desaf ios do Desenvolvimento no endereço:

www.desafios.ipea.gov.br

Aos leitores,Desafios do Desenvolvimento agradece as pautas sugeridaspor diversos leitores que escreveram. Todas aquelas que aten-derem à linha editorial da revista serão analisadas e apuradaspela equipe de reportagem no devido tempo.

32 B - 10/25/2007 15:58:03