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A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E A SUPEREXPLORAÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO Clarissa Tenório Maranhão Raposo 1 Resumo [comunicação oral] RESUMO A nova processualidade histórica brasileira na entrada do século XXI revela aspectos econômicos e políticos inerentes às determinações gerais da crise do capitalismo contemporâneo. Este artigo analisa as expressões objetivas da precarização do trabalho e as tendências atuais de superexploração da força de trabalho, no contexto do capitalismo brasileiro contemporâneo, as quais se manifestam através das mudanças na organização, no processo e nas relações de trabalho em diversos ramos e/ou setores produtivos. Pretende demonstrar que a precarização do trabalho e a superexploração da força de trabalho constituem categorias centrais à apreensão das recentes mudanças no mundo do trabalho. . Palavras-chave: capitalismo contemporâneo, precarização do trabalho e superexploração da força de trabalho, Abstract The new Brazilian historical process at the beginning of the 21st century reveals economic and political aspects inherent to the general determinations of the crisis of contemporary capitalism. This article analyzes the objective expressions of the precariousness of work and the forms of superexploitation of the labor force in the context of contemporary Brazilian capitalism, which are manifested through changes in organization, process and labor relations in various branches and / or Productive sectors. It aims to demonstrate that the precariousness of work and the overexploitation of the labor force are central categories to the apprehension of recent changes in the world of work. Keywords: Contemporary capitalism, labor casualization and exploitation of the workforce . 1 Professora Adjunto da FSSO/UFAL. Doutora em Serviço Social. Universidade Federal de Alagoas (UFAL). [email protected]

capitalismo contemporâneo, precarização do trabalho e … · & Carcanholo (2012), ao analisarem as características próprias da acumulação capitalista nos países dependentes

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A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E A SUPEREXPLORAÇÃO DA FORÇA

DE TRABALHO

NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Clarissa Tenório Maranhão Raposo1

Resumo [comunicação oral]

RESUMO

A nova processualidade histórica brasileira na entrada do século XXI revela aspectos econômicos e políticos inerentes às determinações gerais da crise do capitalismo contemporâneo. Este artigo analisa as expressões objetivas da precarização do trabalho e as tendências atuais de superexploração da força de trabalho, no contexto do capitalismo brasileiro contemporâneo, as quais se manifestam através das mudanças na organização, no processo e nas relações de trabalho em diversos ramos e/ou setores produtivos. Pretende demonstrar que a precarização do trabalho e a superexploração da força de trabalho constituem categorias centrais à apreensão das recentes mudanças no mundo do trabalho. .

Palavras-chave: capitalismo contemporâneo, precarização do trabalho e superexploração da força de trabalho,

Abstract The new Brazilian historical process at the beginning of the 21st century reveals economic and political aspects inherent to the general determinations of the crisis of contemporary capitalism. This article analyzes the objective expressions of the precariousness of work and the forms of superexploitation of the labor force in the context of contemporary Brazilian capitalism, which are manifested through changes in organization, process and labor relations in various branches and / or Productive sectors. It aims to demonstrate that the precariousness of work and the overexploitation of the labor force are central categories to the apprehension of recent changes in the world of work. Keywords: Contemporary capitalism, labor casualization and exploitation of the workforce .

1Professora Adjunto da FSSO/UFAL. Doutora em Serviço Social. Universidade Federal de Alagoas (UFAL). [email protected]

I. INTRODUÇÃO

Considerando o processo de restauração do capitalismo, e suas

determinações macro econômicas, evidencia-se que, em nível mundial, novas

exigências configuram estratégias encontradas pelo próprio capital para sair da

crise. Ou seja, em decorrência da liberalização, desregulamentação e

privatização tem-se uma dinâmica de acumulação flexível e uma economia

baseada na exploração da força de trabalho barata e precária, como elementos

constitutivos da reprodução ampliada do capital na atualidade.

Não por acaso, tem-se o aumento do desemprego, da informalidade e a

precarização do trabalho, que repercutem na redução dos salários e no

agravamento do quadro das desigualdades sociais, principalmente nos países

periféricos.

Com efeito, no atual estágio do capitalismo brasileiro, configuram-se alguns

traços singulares e particulares do processo de reestruturação produtiva do

capital, que, conforme Antunes (2006), estão associados às formas

multifacetadas e heterogêneas da organização do trabalho, num contexto

marcado pela mundialização, transnacionalização e financerização dos capitais.

O novo estatuto do trabalho no Brasil sob a reestruturação produtiva do

capital, conforme Antunes (2006), vem se efetivando mediante a implementação

de formas diferenciadas de organização e gestão do trabalho, que se

caracterizam pela mescla entre elementos do fordismo periférico e elementos

oriundos das novas formas de acumulação flexível e/ou influxos do toyotismo, as

quais se manifestam através da flexibilização, subcontratação, terceirização e

desregulamentação dos direitos sociais, em praticamente todos os ramos e

setores do espaço produtivo. Além disso, deve-se acrescentar que a

combinação entre padrões produtivos tecnologicamente mais avançados e uma

melhor qualificação da força de trabalho, resultam no aumento da

superexploração 2 da força de trabalho, traço constitutivo e marcante do

capitalismo brasileiro.

Partindo dessas considerações, este artigo propõe-se a refletir sobre as

tendências atuais de superexploração da força de trabalho e de precarização do

trabalho no contexto do capitalismo brasileiro da entrada do século XXI, que se

manifestam através das mudanças nas formas de organização, gestão e nas

relações de trabalho.

Dito de outra maneira, o nosso objeto de análise são as atuais formas de

trabalho precário no Brasil, cujas mediações particulares se articulam à

superexploração da força de trabalho, categoria teórica central da economia

política da dependência .

II. DESENVOLVIMENTO

Na entrada do século XXI, novas determinações, expressas pelas tendências

do capitalismo mundial, pelo neodesenvolvimentismo e pela ideologia do social-

liberalismo, inauguram uma nova processualidade histórica brasileira e

provocam profundas mudanças no âmbito da economia e da política.

É fato relevante que sob o predomínio do capital financeiro tem-se uma

conjuntura brasileira marcada pela desestruturação do mercado de trabalho e

pelo crescimento do desemprego aberto. Todavia, observa-se que nas duas

últimas décadas a diminuição relativa das taxas de desemprego aponta uma

série de elementos contingentes que merecem ser investigados. Um indicador

de análise, conforme Alves (2014) refere-se às taxas de formalidade, as quais

refletem um crescimento no período de 2003-2007.

Em relação à renda, ao investimento e ao emprego, pode-se dizer que, na

atualidade, situações de emprego consideradas atípicas passaram a ser típicas

e, dessa maneira, a precariedade expressa um processo de institucionalização

da instabilidade no emprego e no trabalho.

Nesse sentido, a queda do desemprego, juntamente com o crescimento da

taxa de ocupação, reflete uma processualidade contraditória (grifo nosso). De

acordo com o referido autor, o aumento do número de pessoas que ingressaram

no mercado de trabalho expressa, na realidade, “o movimento para a

2 No plano da teoria da dependência, “a superexploração não é apenas um conjunto de mecanismos

que levam à elevação da taxa de mais-valia, mas, para além disso, constitui-se em uma categoria central – aliás, a mais importante – da teoria marxista da dependência” (CARCANHOLO, 2013: p.81).

formalização dos trabalhadores domésticos, dos empregadores e dos

trabalhadores por conta própria que passaram, deste modo, a contribuir para a

Previdência Social” (Idem, p. 65).

Com efeito, no decorrer da década de 2000, na era do

neodesenvolvimentismo, configura-se uma nova macroeconomia do trabalho

(ALVES, 2014b, p. 55), a qual se expressa na caracterização de um novo e

precário mundo do trabalho no Brasil.

Diante desse quadro, pode-se inferir que na entrada do século XXI, as formas

multifacetadas e heterogêneas da organização do trabalho no Brasil, como

demonstram as recentes pesquisas no mundo do trabalho – Mota (2013);

Antunes (2006) (2013) (2014); Luce (2013) e Alves (2014b), expõem um quadro

de precarização estrutural do trabalho.

Partindo de uma reflexão crítica sobre as determinações inerentes ao

capitalismo brasileiro contemporâneo e suas inflexões no âmbito do trabalho,

Mota (2013) problematiza a relação entre precarização do trabalho e

superexploração da força de trabalho (grifo nosso).

Neste ensaio, Mota (2013) utiliza a expressão precarização do trabalho ou

trabalho precário para designar os estatutos jurídicos, as condições e as

relações de trabalho que imperam no mundo do trabalho na atualidade. E, ao

citar Vasapollo (2006), afirma que em geral este conceito designa a emergência

do que aquele autor denomina trabalho atípico (grifo nosso). Este, por sua vez,

se manifesta no trabalho temporário, contratos a termo, trabalho em tempo

parcial, em domicílio, por peça − sejam eles considerados formais ou informais,

e até clandestinos –, e adquire uma dimensão estrutural e permanente para os

trabalhadores que são subordinados a modalidades de trabalho instável, flexível

e desprotegido.

De acordo com os estudos de Mota (2013), na atual fase de subsunção

formal e real do trabalho ao capital, a potenciação da exploração do trabalho,

através da sua precarização, pode ser compreendida como um processo de

desvalorização da força de trabalho, que ocorre mediante as seguintes

condições: a violação do valor do trabalho socialmente necessário – baixos

salários, salário por produção ou salário por peça; métodos de assalariamento

disfarçado como bônus salarial – que convertem o trabalhador à condição de

mera mercadoria (força de trabalho); a redução da qualidade e do tempo real de

vida do trabalhador, pelo desgaste psicofísico do trabalho, através do

prolongamento da jornada de trabalho, como os acordos de banco de horas,

que, apesar de facilitarem o acesso a bens necessários à sobrevivência do

trabalhador, reduzem o tempo de descanso necessário para repor o desgaste

físico e mental de longas e intensas jornadas de trabalho; o sitiamento de

qualquer projeto de vida do trabalhador e sua família, que se manifesta

atualmente nas formas sutis de controle do tempo de trabalho, da padronização

de procedimentos, da ideologia do trabalhador-colaborador que mistifica a ideia

do “valor do trabalho” como uma necessidade humana; e, por fim, a fratura da

organização e da solidariedade coletivas das classes trabalhadoras,

determinada pelo esgarçamento da vivência coletiva do trabalho e pela

concorrência entre os trabalhadores, a qual se expressa através das formas de

envolvimento e cooptação dos trabalhadores etc.

No tocante à relação entre exploração da força de trabalho e precarização do

trabalho, Mota (2013) defende que a violação do valor do trabalho expressa a

usurpação do único meio de que dispõe o trabalhador para reproduzir a própria

vida – a venda da sua força de trabalho em troca do salário para atender às suas

necessidades de sobrevivência –, como expressão do processo de

superexploração da força de trabalho, fundamentada em Rui Mauro Marini.

A autora ressalta que “o capitalismo desenvolve duas formas de exploração: o

aumento da força produtiva do trabalho e a exploração do trabalhador” (MOTA,

2013, p. 6). No primeiro caso, a exploração apoia-se no aumento da capacidade

produtiva do trabalho; mais mercadorias são produzidas no mesmo tempo de

trabalho, devido à racionalização da produção e ao uso de tecnologias. No

segundo caso, estão implicados o aumento da jornada, a maior intensidade do

trabalho e a redução de consumo mínimo para a reprodução do trabalhador, por

meio da usurpação do fundo de consumo do trabalhador, o que o obriga a se

submeter a uma remuneração abaixo do seu valor normal. Segundo Mota

(2013), esses três processos, associados, consubstanciam a categoria da

superexploração da força de trabalho, formulada por Ruy Mauro Marini.

Enriquece a discussão sobre a superexploração da força de trabalho, Amaral

& Carcanholo (2012), ao analisarem as características próprias da acumulação

capitalista nos países dependentes. A partir do estudo da categoria da

superexploração da força de trabalho e dos processos de transferência de valor

(dos países periféricos para os países centrais), os autores concluem que esta

consiste no fundamento da reprodução ampliada do capital na particularidade

dos países periféricos. Ou seja, na visão desse autor, a condição essencial à

acumulação de capital na periferia, reside no aumento da produção excedente,

que se dá através dos mecanismos de superexploração da força de trabalho.

Um outro aspecto analisado pelos referidos autores refere-se à relação

existente entre a superexploração do trabalho e a lei geral da acumulação

capitalista, ao problematizarem a funcionalidade do exército industrial de

reserva para a acumulação capitalista e a sua disfuncionalidade, em relação aos

impactos que este provoca na classe trabalhadora em geral. Portanto, a

considerar a dinâmica de acumulação capitalista e a sua disfuncionalidade,

constata-se a formação de um exército industrial de reserva que traz consigo a

possibilidade crescente de exploração capitalista dos assalariados , seja em

termos de extensão da jornada de trabalho, seja pela intensificação do trabalho

numa mesma jornada, seja, ainda, em termos de arrocho salarial.

Sob esta perspectiva de análise, depreende-se que, nos países de

capitalismo dependente e periférico, a exemplo do Brasil, a tendência de

elevação da taxa de lucro, fundamenta-se na relação imediata entre os

mecanismos de superexploração da força de trabalho e a formação de um

exército industrial de reserva.

No tocante às transformações no mundo do trabalho sob a reestruturação

produtiva, os estudos produzidos por Antunes (2006) (2013) (2014), demonstram

que os modos de ser do trabalho, das terceirizações, das informalidades e das

precarizações, configuram aspectos centrais que sintetizam a posição na cadeia

produtiva; as mutações tecnológicas; a organização do trabalho e as formas de

gestão da força de trabalho; o perfil da força de trabalho e as mudanças de suas

qualificações; as mudanças na estrutura do emprego e as formas de

flexibilização do trabalho; os mecanismos de apropriação da força de trabalho;

as relações das empresas com os sindicatos; as respostas dos trabalhadores

e/ou organismos sindicais. A nosso ver, essas mudanças compreendem um

conjunto de mediações particulares que articulam precarização à

superexploração da força de trabalho no Brasil, do século XXI.

Com relação às mudanças introduzidas na indústria têxtil, com base na

pesquisa de Jinkings & Amorim (2006), realizada na filial da multinacional Lévi

Strauss do Brasil, localizada em Cotia (SP),observou-se que a organização do

sistema de trabalho em domicílio e de cooperativas de trabalho, bastante

utilizados neste ramo produtivo, representam formas acentuadas de

terceirização e subcontratação. Tal como foi mostrado nesta pesquisa, as

formas atuais de “cooperativismo” representam mecanismos de flexibilização

do contrato direto de trabalho, os quais se expressam “ [...] por uma forma de

assalariamento disfarçado que procura ocultar um novo tipo de exploração e de

dominação política, ao eliminar direitos e benefícios trabalhistas, como também

ao contribuir com o enfraquecimento da ação sindical”. (Idem, p. 379)

No caso das costureiras que trabalham em domicilio, apesar de se sentirem

proprietárias da sua própria empresa, elas são submetidas a uma jornada

extenuante e à flexibilização do contrato direto da força de trabalho.

Ainda com base nesta pesquisa, foi possível constatar que a ampliação da

terceirização favoreceu um aumento da produtividade e a extensão do trabalho

excedente sobre o trabalho necessário, por conta dos mecanismos de

prolongamento da jornada de trabalho e da intensificação do ritmo do trabalho.

Além disso, a subcontratação denota que houve uma redução da força de

trabalho direta, a qual repercutiu diretamente para o aumento do grau de

exploração e uma redução dos salários das trabalhadoras empregadas.

Uma outra pesquisa realizada no setor de telecomunicações e telemarketing,

em uma empresa de telecomunicações, a Sercomtel S.A. Telecomunicações,

pertencente ao Grupo Londrina (PR), ressalta que a terceirização associada à

automatização do trabalho, configuram as principais mudanças na organização

do trabalho, as quais se manifestam pelas jornadas parciais e atividades

marcadas pela acentuada intensificação dos ritmos e pelo aumento da

exploração da força de trabalho.

Ainda com relação aos trabalhadores de telemarketing ou operadores de call

center, em outra pesquisa desenvolvida por Braga (2012), percebe-se uma

associação bastante clara entre a intensidade dos ritmos de trabalho e o

processo de adoecimento do teleoperador. Dentre os fenômenos mais comuns,

destacam-se: “estresse decorrente das metas, negligência com a ergonomia,

temperatura do ambiente de trabalho, exíguos intervalos durante a jornada de

trabalho, folgas insuficientes e intensificação dos ritmos de trabalho

proporcionados pela constante renovação tecnológica” (Idem, p. 191).

Enriquece a discussão sobre a precarização a abordagem desenvolvida por

Braga (2012), que trata sobre o precariado como “proletariado precarizado”, ou

seja, o segmento da classe trabalhadora preponderantemente inserido no setor

de serviços; este, segundo o autor, abrange “[...] excluídos deste segmento,

tanto o lumpemproletariado quanto a população pauperizada, [...] relacionando-

se ao que Marx chamou de ‘superpopulação relativa’” (Idem, p. 18).

Na visão de Braga (Idem), existe uma diferenciação entre pauperismo (o

lumpemproletariado) e precariado, uma vez que os trabalhadores precarizados

devem ser identificados como aquele segmento da classe trabalhadora que se

encontra “em permanente trânsito entre a possibilidade de exclusão

socioeconômica e o aprofundamento da exploração econômica” (Idem, p. 19).

Ainda com relação ao precariado, este, segundo Braga (2012), compreende a

fração mais mal paga e explorada do proletariado urbano e dos trabalhadores

agrícolas, sendo excluída, portanto, a população pauperizada, por considerá-la

própria à reprodução do capitalismo periférico.

Para além das expressões objetivas da precarização do trabalho, a nosso

ver, a noção de precariado, defendida por Braga (2012), representa uma chave

analítica para apreender as diversas formas de trabalho precário, no contexto

do capitalismo brasileiro dependente e periférico da entrada do século XXI.

De um modo geral, o quadro de degradação do trabalho, nos leva a refletir

sobre as tendências atuais de superexploração da força de trabalho, que se

evidenciam na particularidade do capitalismo brasileiro dependente e periférico..

Dentre as tendências de incremento da superexploração da forma de

trabalho, analisadas por Luce (2013), evidencia-se que, nas duas últimas

décadas, apesar da melhora relativa no poder de compra e dos reajustes no

valor do salário mínimo em relação à inflação – tão propagados nos anos Lula e

Dilma, e na comparação aos anos 90 – o valor atual do salário mínimo não

cobre as despesas necessárias à reprodução da força de trabalho. Dessa forma,

esta é uma evidência da violação do valor da força de trabalho, a qual expressa

uma primeira modalidade da superexploração.

Outra modalidade da superexploração, analisada por Luce (2013), refere-se

ao prolongamento da jornada de trabalho, o qual se expressa através de várias

formas, principalmente mediante o uso sistemático de horas extras , que

embora represente uma remuneração adicional pelas horas trabalhadas além da

jornada de trabalho, provoca um desgaste da corporeidade viva do trabalhador.

Assim como o prolongamento da jornada de trabalho, o aumento da

intensidade do trabalho também representa um desgaste da corporeidade viva

do trabalhador.

Conforme destaca Luce (2013), na atualidade, alguns exemplares de

trabalhos mais intensos, demonstram a presença dessa modalidade de

superexploração da força de trabalho, tais como: o metalúrgico na linha de

montagem, que poderá executar um trabalho com intensidade mais elevada,

conforme aumente a velocidade da esteira que regula o ritmo da produção; o

caso do controlador de tráfego aéreo, que trabalha sob a intensidade

proporcional ao tempo em que deve manter-se no controle do painel, sem piscar

os olhos e muitas vezes, sem direito a intervalos ou pausas; o caso do carteiro,

que expressa a alta intensidade de seu trabalho ao carregar em sua bolsa

funcional um sobrepeso, que, pelos anos de serviço pode até comprometer a

sua saúde com problemas de joelho e prováveis cirurgias para implantação de

próteses.

Nesse sentido, o autor ressalta que, dependendo de cada trabalho útil, o

aumento da intensidade ou o dispêndio de atos de trabalho sob intensidade

elevada (grifo nosso), costuma se dar de várias maneiras e também de forma

combinada com o aumento dos níveis de produtividade. Entre os casos

exemplares que demonstram a ocorrência da superexploração mediante a

combinação entre o aumento da intensidade e da produtividade do trabalho, o

autor evidencia: o caso do trabalhadores da indústria automobilística; os

cortadores manuais de cana-de-açucar, ligados ao setor sucroralcooleiro, que

trabalham em condições alarmantes; e o caso dos trabalhadores de

telemarkating, que trabalham em um ritmo ou intensidade elevadas com

jornadas menores ou part-time.

Uma última modalidade de superexploração da força de trabalho, analisada

por Luce (2013), refere-se ao hiato entre o aumento do elemento histórico-

moral3 do valor da força de trabalho e o pagamento da remuneração recebida.

Ao observar o acesso do segmento da população da “classe C” aos bens de

luxo, como televisores e máquinas de lavar, o autor enfatiza que esse consumo

se dá somente à custa da redução do fundo de consumo do trabalhador e de

seu fundo de vida. Por sua vez, este fato comprova que no contexto atual do

capitalismo dependente e periférico, o capital não tende a gerar concessões às

classes trabalhadoras, como no capitalismo dominante. Porquanto, essa suposta

ascensão de uma “nova classe média”, configura uma forma renovada da

superexploração da força de trabalho.

3 Segundo Osório, “o elemento histórico-moral é conceituado por Marx, ao comprovar o desenvolvimento material da sociedade e a generalização dos novos bens que, em épocas determinadas vão se transformando em bens necessários à reprodução do valor da força de trabalho”. (OSÓRIO, apud LUCE,2013)

III. CONCLUSÃO

A nova prossessualidade histórica brasileira, na entrada do século XXI, expõe

o novo e precário mundo do trabalho no Brasil 4 , assim como denomina

Alves(2014), constituído principalmente a partir de duas camadas importantes: o

precariado e os novos assalariados flexíveis, que não conseguem fugir da

frustração profissional, em virtude do esvaziamento do sentido da ação laboral,

por conta das novas condições de organização do trabalho.

Sabe-se que o Brasil não escapou às determinações da reestruturação

produtiva do capital, cuja globalização, em tese, pretendeu igualar países

desiguais. Evidentemente, o Brasil tem sido submetido aos mesmos princípios,

regras e protocolos comuns a todo o mundo capitalista. Em termos conceituais,

“os métodos japoneses são, no Brasil, utilizados como ferramentas de

racionalização do já existente, sem nada mudar das lógicas fundamentais

tayloristas e fordistas que constituem o fundamento da indústria tradicional”

(CORIAT, 1994: p. 12).

Nesse sentido, a reestruturação produtiva através da introdução de novas

tecnologias e novos métodos de gestão do trabalho tem implicações

devastadoras sobre o mercado de trabalho. Decorrente disso, como produtos da

desregulação do mercado, tem-se o desemprego e um processo generalizado

de precarização das condições de trabalho, o qual se expressa através de

“formas de contratação instáveis, prolongamento da jornada de trabalho,

redução de rendimentos e demais benefícios, flexibilização de direitos

trabalhistas e ampliação da informalidade” (FILGUEIRAS et ali,2010: p.41).

Diante deste quadro de desregulamentação do trabalho, evidencia-se a

própria tendência estrutural do trabalho capitalista, analisada por Braverman

(1974) em sua obra clássica Trabalho e Capital Monopolista, o qual demonstrou

historicamente a degradação das ocupações profissionais mais especializadas,

cujas ações tornam-se esvaziadas de sentido, pela intensificação da ação

laboral (gestão toyotista acoplada às novas tecnologias informacionais), sem, no

entanto, abrir mão da orientação antecedente.

A considerar o aumento da informalidade e os projetos de regulamentação

das atividades de terceirização, que defendem a ampliação das terceirizações,

através da divisão de atividades-meio e atividades-fim, estas mudanças,

apontam para uma “nova era de transformação estrutural do mercado de

4 Alves, G. derrelição de Ícaro, disponível em: http://blogdaboitempo.com.br/2014/06/02/a-derrelicao-de-icaro/, publicado em 02/06/2014. Acesso em 05/07/2014.

trabalho brasileiro”, onde a terceirização aparece como “a grande expressão da

tragédia do trabalho no Brasil” (BRAGA, 2015, p. 1)5.

Por trás do discurso da empresa moderna, encobre-se o objetivo principal

dos projetos de Lei 4.330 (colocado em discussão pelo Senado Federal), e da

Lei da Terceirização ( projeto 4302 ) —, votada no último mês, pela Câmara de

Deputados— é de ampliar as possibilidades de terceirização para qualquer tipo

de serviço. Dito de outra maneira, reedita-se o discurso da modernização ou da

busca de regulamentação da terceirização, sob uma suposta defesa de maior

autonomia para o trabalhador. Mas o que se vê claramente é o aprofundamento

da deterioração das condições de trabalho e o consequente manejo degradante

da força de trabalho, que se refletem no aumento dos acidentes de trabalho, no

acesso restrito ao seguro-desemprego e na redução de gastos com direitos

sociais, à custa do aumento da exploração e da degradação do trabalho

assalariado. Corroborando Braga (2015), revela-se com clareza que a

“militarização do conflito social” e a “transição para um modelo apoiado na

pilhagem dos direitos sociais e trabalhistas” estão em curso avançado no Brasil.

Acrescenta-se ainda que, o incremento das formas de superexploração da

força de trabalho expressam-se por uma combinação de informalidade e

terceirização, e atestam, portanto, a condição dos trabalhadores precarizados no

contexto atual do capitalismo brasileiro dependente e periférico, no sentido da

expropriação dos direitos ao contrato direto de trabalho e da proteção legal ao

trabalho. Este fato denota que a superexploração da força de trabalho segue

uma tendência de desvalorização da força de trabalho, que se dá mediante “a

redução da qualidade e do tempo real de vida do trabalhador pelo desgaste

psicofísico do trabalho; e do sitiamento de qualquer projeto de vida do

trabalhador e sua família (ético-político, pessoal, social), a empobrecer suas

objetivações e ideários, dada a centralidade da luta pela sobrevivência, a

insegurança, as incertezas e os riscos do trabalho” (MOTA, 2013, p. 4).

Em suma, no contexto atual do capitalismo brasileiro contemporâneo, o

incremento da superexploração da força de trabalho se dá tanto na esfera

produtiva por conta do aumento da taxa de mais-valia absoluta e mais-valia

relativa, como na esfera jurídico-política através da expropriação do contrato de

trabalho e desregulamentação dos direitos e benefícios na área trabalhista,

5 Sobre isso, ver BRAGA (2015), A Era da Pilhagem, publicado em 25.05.2015. In: http://blogdaboitempo.com.br. Acesso em 10.06.2015.

como fundo de garantia, aviso prévio, contribuição previdenciária, décimo

terceiro salário, férias etc., além da ausência de proteção social ao trabalho.

Diante do exposto, podemos concluir que a precarização e a superexploração

da força de trabalho constituem as mediações essenciais para apreender as

metamorfoses e as atuais transformações no mundo do trabalho.

REFERÊNCIAS

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