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Segunda Seção A ANÁLISE DO COMPORTAMENTO CAPITULO 4 REFLEXOS CONDICIONADOS OU NÃO O HOMEM-MÁQUINA O comportamento é uma característica primordial dos seres vivos. Quase o identificamos com a vida propriamente dita. Qualquer coisa que se mova é tida como viva — especialmente quando o movimento tem direção ou age para alterar o ambiente. O movimento acrescenta verossimilhança a qualquer modelo de um organismo. O fantoche come ça a viver quando se move, e (dolos que se movam ou lancem fumaça infundem mais pasmo. Autômatos e outras criaturas mecânicas nos entretêm só porque se movem. E há certo significado na etimologia do desenho animado. As máquinas parecem viver simplesmente porque se movem. E lendária a fascinação pelas escavadeiras mecânicas. Máquinas menos familiares podem parecer realmente assustadoras. Sabemos que somente os povos primitivos confundem-nas, hoje em dia, com criaturas vivas, mas houve tempo em que elas eram estranhas para qualquer um. Quan do Wordsworth e Coleridge certa vez passavam por um engenho a vapor, Wordsworth comentou que era quase imposs(vel evitar a impressão de vida e volição. “Sim”, disse Coleridge, “é um gigante com uma idéia fixa.” Foi um brinquedo mecânico que imitava o comportamento humano que levou à teoria do que atualmente chamamos ação reflexa. Na primeira metade do século dezessete certas figuras que se moviam foram instaladas em jardins públicos e privados, como meios de diver timento. Eram operadas hidraulicamente. Uma jovem passeando por um jardim poderia pisar sobre uma pequena plataforma oculta. Isto abriria uma válvula, por onde entraria água em um pistão, e uma figura assusta dora poderia saltar dos arbustos para amedrontá-la. René Descartes sabia como esses mecanismos funcionavam, e sabia também o quantO se pareciam com criaturas vivas. Considerou a possibilidade de usar o siste

Capítulo 4 - Reflexos condicionados ou não

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Capítulo 4 - Reflexos condicionados ou não

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Page 1: Capítulo 4 - Reflexos condicionados ou não

Segunda Seção

A ANÁLISE DO COMPORTAMENTO

CAPITULO 4

REFLEXOS CONDICIONADOS OU NÃO

O HOMEM-MÁQUINA

O comportamento é uma característica primordial dos seres vivos. Quase o identificamos com a vida propriamente dita. Qualquer coisa que se mova é tida como viva — especialmente quando o movimento tem direção ou age para alterar o ambiente. O movimento acrescenta verossimilhança a qualquer modelo de um organismo. O fantoche come ça a viver quando se move, e (dolos que se movam ou lancem fumaça infundem mais pasmo. Autômatos e outras criaturas mecânicas nos entretêm só porque se movem. E há certo significado na etimologia do desenho animado.

As máquinas parecem viver simplesmente porque se movem. E lendária a fascinação pelas escavadeiras mecânicas. Máquinas menos familiares podem parecer realmente assustadoras. Sabemos que somente os povos primitivos confundem-nas, hoje em dia, com criaturas vivas, mas houve tempo em que elas eram estranhas para qualquer um. Quan do Wordsworth e Coleridge certa vez passavam por um engenho a vapor, Wordsworth comentou que era quase imposs(vel evitar a impressão de vida e volição. “Sim”, disse Coleridge, “é um gigante com uma idéia fixa.” Foi um brinquedo mecânico que imitava o comportamento humano que levou à teoria do que atualmente chamamos ação reflexa. Na primeira metade do século dezessete certas figuras que se moviam foram instaladas em jardins públicos e privados, como meios de diver timento. Eram operadas hidraulicamente. Uma jovem passeando por um jardim poderia pisar sobre uma pequena plataforma oculta. Isto abriria uma válvula, por onde entraria água em um pistão, e uma figura assusta dora poderia saltar dos arbustos para amedrontá-la. René Descartes sabia como esses mecanismos funcionavam, e sabia também o quantO se pareciam com criaturas vivas. Considerou a possibilidade de usar o siste ma hidráulico para explicar também o funcionamento dos seres anima 55

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A análise do comportamento

dos. Um músculo aumenta de volume quando move uma perna — talvez seja inflado por fluido vindo do cérebro através dos nervos. Os nervos que se estendem da superfície do corpo ao cérebro podem ser os fios que abrem as válvulas.

Descartes não afirmou que o organismo humano funciona sempre desta maneira. Defendia a explicação principalmente para os animais, mas reservou uma esfera de ação para a “alma racional” — talvez sob pressão religiosa. Contudo, não muito tempo depois foi dado o passo seguinte, com a doutrina completa do “homem-máquina”. A doutrina não deveu sua popularidade à plausibilidade — não havia apoio digno de confiança para a teoria de Descartes — mas ante às chocantes implica ções teóricas e metafísicas.

De lá para cá duas coisas aconteceram: as máquinas tornaram-se mais parecidas com criaturas vivas, e os organismos vivos têm sido enca rados cada vez mais como máquinas. As máquinas contemporâneas não são apenas mais complexas, mas são deliberadamente

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preparadas para operar de modo muito semelhante ao comportamento humano. Enge nhos “quase humanos” fazem parte de nossa experiência diária. Portas que nos vêem chegar e abrem-se para que passemos. Elevadores que memorizam nossas ordens e param no andar certo. Mãos mecânicas que retiram itens imperfeitos em uma linha de montagem. Outras que escre vem mensagens bastante legíveis. Calculadoras mecânicas ou elétricas que resolvem equações muito difíceis ou muito demoradas para os matemáticos. Em resumo, o homem criou a máquina à sua própria ima gem. E, como resultado, os organismos vivos perderam algo de sua sin gularidade. Ficamos muito menos assustados pelas máquinas que os nossos ancestrais, e menos inclinados a atribuir ao gigante sequer uma idéia fixa. Ao mesmo tempo, descobrimos mais sobre como funciona o organismo vivo e somos mais capazes de reconhecer as propriedades que têm em comum com as máquinas.

AÇÃO REFLEXA

Descartes deu um passo importante ao sugerir que parte da espon taneidade das criaturas vivas era apenas aparente e que, às vezes, o comportamento podia ser iniciado por uma ação externa. A primeira grande prova de que ele havia imaginado corretamente a possibilidade de um controle externo surgiu dois séculos mais tarde com a descoberta de que a cauda de uma salamandra, quando uma parte fosse tocada ou perfurada, mover-se-ia mesmo que a cauda já tivesse sido cortada do

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corpo. Fatos desta ordem são hoje corriqueiros, e há muito adaptamo

-nos às crenças para que deles déssemos conta. Ao tempo da descoberta, contudo, houve grande agitação. Viu-se nisso uma injúria às teorias predominantes da responsabilidade dos agentes internos pelo comporta mento. Se o movimento da cauda amputada podia ser controlado por forças externas, seria este comportamento de natureza diferente quando efetuado pela salamandra intacta? Se não, que dizer das causas internas usadas até então para explicá-lo? Como resposta sugeriu-se seriamente que a “vontade” deveria coexistir com o corpo e que alguma parte dela ainda estaria investida na parte amputada. Mas o fato de que se tinha identificado um evento externo que poderia substituir, como na arroja da hipótese de Descartes, a explicação interior, permaneceu.

O agente externo veio a ser denominado estímulo. O comporta mento por ele controlado denominou-se resposta. Juntos compreendem o que foi chamado um reflexo — segundo a teoria de que os distúrbios causados pelos estímulos passavam pelo sistema nervoso central e eram “refletidos” outra vez para os músculos. Cedo verificou-se que causas externas semelhantes podem ser demonstradas no comportamento de grandes porções do organismo — por exemplo, no corpo de uma rã, um gato ou um cão em que a corda espinhal tenha sido seccionada na base do crânio. Logo reconheceram-se reflexos que incluem partes do cére bro, e agora é de conhecimento comum que no organismo intacto diversas espécies de estimulações levam a reações quase inevitáveis da mesma natureza reflexa. Muitas características desta relação foram estu dadas quantitativamente. O tempo que decorre entre o estímulo e a resposta (a “latência”) tem sido medido com precisão. A magnitude da resposta vem sendo estudada como função da intensidade do estímulo. Descobriram-se outras condições do organismo que são importantes para uma descrição completa — por exemplo, pode haver “fadiga” em um reflexo pela repetição rápida da eliciação.

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O reflexo foi a princípio estreitamente identificado com eventos neurais hipotéticos no assim chamado “arco reflexo”. A divisão cirúr gica do organismo foi uma útil ponta de lança, pois fornece método simples e eloqüente para a análise do comportamento. Mas a análise cirúrgica deixou de ser necessária logo que foi entendido o princípio do estímulo e logo que foram descobertas as novas técnicas para manipular de outras maneiras conjuntos complexos de variáveis. Eliminando algu mas condições, outras mantendo constantes e variando outras ordenada mente, as relações básicas puderam ser estabelecidas sem dissecção e expressas sem teorias neurológicas.

58 A análise do comportamento

Diante de uma violenta oposição foi que se estendeu o princípio do reflexo para abranger comportamentos que incluíssem cada vez mais todo o organismo. A natureza reflexa do animal espinhal foi criticada pelos proponentes de uma “vontade espinhal”. O argumento que ofere ciam para sustentar uma causa interior residual consistia em que certos comportamentos aparentemente não podiam ser inteiramente explica dos em termos de estímulos. Quando as partes superiores do sistema nervoso foram inclu (das, e quando o conceito se estendeu ao organismo intacto, encontrou-se o mesmo tipo de resistência. Mas os argumentos de espontaneidade, e os de entidades explicativas que a espontaneidade parece exigir, assumem formas tais que precisam sempre recuar ante o acúmulo dos fatos. A espontaneidade é uma prova negativa; mostra a fraqueza da atual explicação científica, mas não demonstra por si pró pria a versão alternativa. Por sua própria natureza, a espontaneidade deve cair por terra com o avanço da análise científica. Quanto mais o comportamento dos organismos for explicado em termos de estímulos, mais e mais se reduzirá o território ocupado por explicações interiores. A “vontade” bateu em retirada pela espinha dorsal, primeiro das partes inferiores e depois das partes superiores do cérebro, e finalmente, com o reflexo condicionado, escapou pela fronte. A cada estágio, parte do controle do organismo passou de uma entidade interior hipotética para o meio ambiente exterior.

O ÂMBITO DA AÇÃO REFLEXA

Certa parte do comportamento é, pois, eliciada por estímulos, e é especialmente precisa nossa previsão desse comportamento. Quando fazemos incidir um raio de luz sobre o olho de uma pessoa normal, a pupila se contrai. Há secreção de saliva quando sorvemos suco de limão. Quando elevamos a temperatura de um quarto a um certo ponto, os pequenos vasos sanguíneos da pele se dilatam e o sangue vem à super fície da pele “enrubescendo-a”. Usamos estas relações para muitos pro pósitos práticos. Quando é necessário induzir vômitos, empregamos um estímulo adequado — um líquido irritante ou colocando um dedo na garganta. A atriz que precisa chorar lágrimas verdadeiras recorre ao sumo de cebola borrifado no lenço.

Como estes exemplos sugerem, muitas respostas reflexas são exe cutadas pelos músculos lisos (por exemplo, os músculos das paredes dos vasos sanguíneos) e pelas glândulas. Estas estruturas relacionam-se particularmente com a economia interna do organismo. São provavel

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mente de maior interesse para o conhecimento dos comportamentos reflexos emocionais a serem discutidos no capítulo X. Outros reflexos empregam os músculos estriados que

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movem o arcabouço esqueletal do organismo. Exemplos: o reflexo patelar e os outros que os médicos utilizam para diagnóstico. Mantemos nossa postura, estando em pé ou andando, com a ajuda de uma rede complexa destes reflexos.

Não obstante a importância que os exemplos sugerem, é verdade ainda que, se reunirmos todos os comportamentos que caem na catego ria de simples reflexo, teremos apenas uma pequena fração do compor tamento total do organismo. Não era isto que esperavam os primeiros investigadores. Vemos agora que o princípio do reflexo ficou sobrecar regado. A entusiasmante descoberta do estímulo levou a exageros. Não é nem plausível nem aconselhável conceber o organismo como um complicado joão-minhoca, com um vasto repertório de truques, cada qual posto em movimento pelo cordel apropriado. A maior parte do comportamento do organismo intacto não está sob este tipo de controle primário. O ambiente afeta o organismo de várias maneiras que não podem ser convenientemente classificadas como “estímulos” e, mesmo no campo da estimulação, apenas uma parte das forças que agem sobre o organismo eliciam respostas no modo invariável da reflexa. Igno rar inteiramente o princípio do reflexo, entretanto, seria igualmente

desarrazoado.

REFLEXOS CONDICIONADOS

O reflexo tornou-se um instrumento mais importante para a análi se quando se demonstrou que novas relações entre estímulos e respostas podem ser estabelecidas durante a vida do indivíduo através de um processo primeiro estudado pelo fisiólogo russo 1. P. Pavlov. H. G. Wells certa vez comparou Pavlov a outro de seus contemporâneos ilustres, George Bernard Shaw. Considerou a importância relativa para a socie dade do tranqüilo trabalhador de laboratório e do habilidoso publicista e expressou sua opinião descrevendo uma situação hipotética: se os dois homens estivessem se afogando e só houvesse um salva-vidas, escolheria Pav Iov.

Evidentemente isto não agradou a Shaw, que, depois do que pare ce ter sido uma rápida olhada nos trabalhos de Pavlov, vingou-Se. Seu livro, Aventuras de uma negrinha à procura de Deus, descreve as experi ências de uma menina em uma selva de idéias. A selva é habitada por muitos profetas, alguns antigos e outros bem modernos, como um “ve

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lho míope” que tem uma estreita semelhança com Pavlov. A negrinha encontra Pavlov logo após ter-se assustado com um rugido amedronta dor do profeta Micah. Recompõe-se no meio da fuga, pára e exclama:

“Por que estou fugindo? Não tenho medo deste bom velho.”

“Teus temores e tuas esperanças são apenas fantasias disse uma voz próxima a ela, vinda de um velhinho muito míope e de óculos, sentado sobre um tronco nodoso.

“Ao fugir você está agindo por um reflexo condicionado. muito simples. Vivendo entre leões, você, em sua infância, associou o som de um rugido ao perigo de morte. Daí sua fuga precipitada quando aquele supersticioso e velho asno gritou com você. Esta notável descoberta custou-me vinte e cinco anos de pesquisa devotada, durante os quais cortei o cérebro de inúmeros cães, e observei o cuspo deles, fazendo cavidades em suas faces para que salivassem por ali ao invés de através da língua. O mundo científico em peso prostra-se aos meus pés, admi rando minha obra colossal e agradecendo a luz que lancei sobre os gran des problemas da conduta humana.”

“Por que você não me perguntou?” disse a negrinha. “Eu poderia contar-lhe em vinte e cinco segundos, sem maltratar aqueles pobres caes.”

“Sua ignorância e sua presunção são inauditas” disse o velho míope. “Ë claro que o fato era do conhecimento de qualquer criança; mas nunca tinha sido provado experimentalmente no laboratório; e não era conhecido cientificamente. Chegou a mim como uma conjectura disforme: transformei-o em ciência. Você alguma vez já conduziu um experimento?”

“Muitas” disse a menina. “Vou fazer um agora. Você sabe onde está sentado?”

“Estou sentado sobre um tronco encanecido pela idade e com uma pouco confortável superfície enrugada.”

“ engano seu”, disse a menina. “Você está sentado sobre um crocodilo adormecido.”

Com um grito que faria inveja ao próprio Micah, o míope levan tou-se e fugiu espavorido, subindo a uma árvore vizinha com uma agili dade felina nada própria de um cavalheiro na sua idade.

“Volte aqui” disse a menina. “Você deveria saber que os croco dilos somente são encontrados nas proximidades dos rios. Eu estava apenas fazendo um experimento. Volte aqui.”

Mas o velho míope é incapaz de descer e pede à menina que faça outro experimento.

“Eu o farei” disse a menina. “Há uma cobra na árvore, farejando

seu pescoço.”

O míope estava no chão em um instante.( 1

E fácil ver que Shaw aprendeu o espírito de uma ciência do com portamento. Inegavelmente a negrinha era uma boa engenheira de com portamentos. Em dois exemplos

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muito claros de controle por estímulos ela induz a respostas precisas o velhote míope. (Cujo comportamento não exemplifica, como veremos depois, nem reflexos simples, nem condicionados.) Mas se o autor está bem a par das potencialidades de um controle prático do comportamento, não é tão forte em teoria, pois a passagem exemplifica um mal-entendido comum a respeito das realiza ções da ciência. Raras vezes os fatos da ciência são inteiramente desco nhecidos “para qualquer criança”, O menino que apanha uma bola no ar conhece bastante sobre trajetórias. A ciência pode precisar de muito tempo para calcular a posição da bola a um dado momento, muito mais que o tempo que a criança precisa para “calcular” para apanhá-la. Quan do o conde Rumford carregava canhões no arsenal militar em Munique demonstrou que poderia produzir qualquer quantidade desejada de calor sem combustão, mudou o curso do pensamento cienti’fico a res peito das causas do calor; mas não tinha descoberto nada que já não fosse do conhecimento dos selvagens que acendem um fogo com fricção de varetas, ou do homem que esquenta suas mãos em uma fria manhã esfregando-as vigorosamente.

A diferença entre uma conjectura informe e um fato científico não está simplesmente na demonstração. Sabe-se há muito que a criança pode chorar antes de ser maltratada ou que a raposa pode salivar ao ver um cacho de uvas. Aquilo que Pavlov acrescentou será melhor compre endido se nos detivermos em sua história. Originalmente estava interes sado no processo da digestão, e estudou as condições sob as quais os sucos digestivos são secretados. Várias substâncias químicas colocadas na boca, ou quando no estômago, resultam na ação reflexa das glându las digestivas, O trabalho de Pavlov foi suficientemente excepcional para merecer o Prêmio Nobel, mas não estava de modo algum completo. Pavlov continuou preocupado com uma determinada secreção nao explicada. Ainda que o alimento posto na boca possa eliciar uma quan tidade de saliva, muitas vezes a saliva é abundantemente segregada mes (11 George Bernard Shaw, The Adventures of the B/ack G,r/ ,n Her Search for God,

copvright, 1933, by George Bernard Shaw, usado com permiss5o do PubIic Trustee e da So ciety ofAuthors.

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mo quando a boca esteja vazia. Não nos surpreendamos ao saber que isto era denominado de “secreção psíquica”. E era explicada em termos que “qualquer criança pode entender”. Talvez o cão estivesse “pensan do na comida”. Talvez a cena do investigador preparando o próximo experimento “lembrasse” ao cão o alimento recebido em experimentos anteriores. Mas estas explicacões em nada contribuem para levar a im previsi’vel salivação a enquadrar-se em um relato rigoroso dos fenôme nos da digestão.

O primeiro passo de Pavlov foi controlar as condições, de maneira a que as “secreções psíquicas” diminuíssem o mais possível. Planejou uma sala em que o contato entre o cão e o experimentador ficasse redu zido ao mínimo. A sala, tanto quanto possi’vel, estava isenta de estímu los acidentais. O cão não podia ouvir o som dos passos nos quartos vizinhos ou farejar odores chegados casualmente pelo sistema de venti lação. Depois disso, Pavlov construiu uma “secreção psíquica”, passo a passo. Ao invés do estímulo complicado que consistia no experimenta dor preparar uma seringa ou encher uma vazilha com alimento, introdu ziu estímulos controláveis que pudessem ser facilmente descritos em termos físicos.

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Em lugar de ocasiões acidentais nas quais um estímulo poderia preceder ou acompanhar a comida, Pavlov preparou esquemas precisos nos quais os estímulos controláveis e o alimento eram apresen tados em determinada ordem. Sem influenciar o cão de nenhuma outra maneira, podia produzir um som e inserir alimento na boca do animal. Deste modo pôde mostrar que o som adquiriu a propriedade e a secreção, e foi também capaz de estudar o processo pelo qual isto acontece. Uma vez conhecedor deste fato, pôde dar uma explicação satisfatória para toda secreção. Recolocou a “psique” da secreção psí quica em determinados fatos objetivos componentes da história recente do organismo.

O processo de condicionamento, como foi relatado por Pavlov em seu livro Reflexos condicionados, é um processo de substituiçâ’ode estímulos. Um estímulo antes neutro adquire o poder deeliciarares posta que originalmente era eliciada por outro estímyjp. A mudança ocorre quando o estímulo neutro for seguido ou “reforçado” pelo estímulo efetivo. Pavlov estudou o efeito do intervalo de tempo que decorre entre o estímulo e o reforço. Investigou até onde as várias propriedades dos estímulos podem adquirir controle. Estudou também o processo inverso pelo qualo estímulo condicionado perde seu

de evocar a resposta quando deixa de ser que chamou de “extinção”.

Reflexos Condicionados ou fio

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As propriedades quantitativas que descobriu não são de maneira alguma “conhecidas de qualquer criança”. E são importantes. A utili zação eficaz dos reflexos condicionados no controle prático do compor tamento geralmente requer informações quantitativas. Uma teoria satisfatória faz as mesmas exigências. Não possuindo explicações imagi nárias, por exemplo, não podemos estar certos de que um evento do tipo “secreção psíquica” não seja responsável pelo que estamos estudan do, até que possamos prever a quantidade exata de secreção em qual quer momento determinado. Somente uma descrição quantitativa nos dará a certeza de que não há um processo mental adicional pelo qual o cão “associa o som à idéia de alimento”, ou pelo qual salive porque “espera” que o alimento apareça. Pavlov pôde dispensar conceitos deste tipo apenas quando obteve uma descrição quantitativa completa da salivação em termos de estímulos, respostas, e história de condiciona mento.

Pavlov, como fisiólogo, interessava-se em saber como o estímulo se convertia em processos neurais e como outros processos levavam o efeito, através do sistema nervoso, às glândulas e aos músculos. O sub título de seu livro é “Uma investigação da atividade fisiológica do córtex cerebral”. A “atividade fisiológica” era ilativa. Contudo, pode mos supor que processos comparáveis poderão finalmente ser des critos em termos apropriados a eventos neurais. Tal descrição virá preencher intervalos temporais e espaciais entre as primeiras investiga ções históricas do condicionamento e os resultados atuais. Este relato adicional será importante para a integração do conhecimento científico, mas não tornará a relação entre estímulo e resposta mais ordenada ou mais útil à previsão e ao controle do comportamento. A obra de Pavlov foi a descoberta, não do processo neural, mas de relações quantitativas importantes que nos permitem, independentemente de hipóteses neuro lógicas, dar uma descrição direta do comportamento no campo do refle xo condicionado.

O “VALOR DE SOBREVIVÊNCIA” DOS REFLEXOS

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Os reflexos relacionam-se intimamente com o bem-estar do orga nismo. O processo da digestão não pode continuar se certas secreções não começarem a correr quando determinados tipos de alimentos chegam ao estômago. O comportamento reflexo que envolve o meio ambiente externo é também da mesma maneira importante. Se um cão machucar a pata pisando em um objeto cortante, é importante que a

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perna possa ser rapidamente flexionada para que o pé seja retirado. A chamada “flexão reflexa” é responsável por isso. Igualmente, é impor tante que a poeira que porventura entre no olho seja retirada por uma abundante secreção de lágrimas, que um objeto rapidamente movido contra o olho seja evitado pelo pestanejar, e assim por diante. Estas vantagens biológicas “explicam” certos reflexos em um sentido evolu tivo: os indivíduos que mais provavelmente se comportaram de maneira semelhante, presumivelmente tiveram maiores probabilidades de sobre viver e transmitir a característica adaptativa à prole.

O processo de condicionamento também tem valor de sobrevivên cia. Como o ambiente muda de geração para geração, mais o ambiente externo que o interno, respostas reflexas apropriadas não se podem desenvolver sempre como mecanismos herdados. Assim um organismo pode estar preparado para secretar saliva, quando certas substâncias químicas estimulam sua boca, mas não pode adquirir a vantagem adi cional de salivar antes que o alimento seja realmente degustado, sem que a aparência física dos alimentos permaneça a mesma de ambiente para ambiente e de tempos a tempos. Desde que a natureza não pode prever, por assim dizer, que um objeto com uma aparência particular será comestível, só o processo evolutivo pode fornecer um mecanismo, pelo qual o indivi’duo possa adquirir respostas a configurações parti culares de um dado ambiente, depois de terem sido encontradas. Onde o comportamento herdado é insuficiente, a mutabilidade herdada processo de condiçionamentode

Não se conclui que todo reflexo condicionado tenha valor de sobrevivência, O mecanismo pode funcionar ao contrário. Certos pares de estímulos, como a aparência e o gosto do alimento, podem ocorrer juntamente de um modo persistente que seja importante para o indiví duo durante toda a sua vida, mas não há nenhuma garantia de que não ocorra condicionamento quando o emparelhamento de estímulos for temporário ou acidental. Muitas “superstições” dão exemplos derespos tas condicionadas por contingências acidentais. Este comportan]en deve a uma associação real de estímulos, mas o reflexo condicionado resultante não é útil. Damos a alguns desses reflexos a denominação de “irracionais”. Uma criança atacada por um cão pode vir a temer todos os cães. O estímulo visual proporcionado pelo cão ficou associado com a amedrontadora estimulação do ataque físico. Mas esta associação não acontece com todos os cães. Quando posteriormente a resposta é elicia da ante a visão de um cão inofensivo, não tem função útil. Não obstan te, se deve a um processo que provou sua utilidade em situação anterior.

Todos somos afetados por este desvio de processo evolutivo quando apresentamos respostas estereotipadas. O comportamento agressivo apropriado à visão de alguém que det padesereliciado por outras pessoas parecidas, vestindo o mesmo tipo de roupas, etc. Efeitos menores do mesmo tipo causam menos problemas. Uma reação nostál gica a uma canção

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que foi popular durante um velho caso de amor é uma resposta condicionada originada por uma associação acidental de estímulos, mas a isso não chamamos de supersticioso ou irracional.

O ÂMBITO DOS REFLEXOS CONDICIONADOS

Mesmo ampliando enormemente a esfera de ação dos estímulos eliciadores, o processo de condicionamento não abrange todo o com portamento do organismo controlado por esses estímulos. De acordo com a fórmula da substituição de estímu precisamos eliciar uma reSpQsIa antes de condicioná-la. Destarte, todos os reflexos condiciona dos baseiam-se em reflexos incondicionados. Mas já vimos que as respos tas reflexas são apenas uma parte do comportamento total do organis mo. O condicionamento proporciona novos estímulos controladores, mas não pode acrescentar novas respostas. Assim, ao usar o princípio, não estamos presos a uma “teoria de reflexos condicionados” para todo o comportamento.

O uso dos reflexos condicionados no controle prático do compor tamento dá uma boa medida de seu campo de ação. Os reflexos relati vos à economia interna do organismo raramente são de importância prática para outras pessoas, mas pode haver ocasiões em que estejamos interessados em fazer alguém ruborizar-se, ou rir, ou chorar, e então recorremos a estímulos condicionados ou incondicionados. freqüen temente intenção da literatura promover comportamentos desta manei ra. O drama de “derramar lágrimas” tem um sentido literal. Muitos efeitos mais sutis são semelhantes: é importante ao entender o efeito de um poema notar que respostas condicionadas podem ser eliciadas por estímulos verbais como “morte”, “amor”, “tristeza”, etc., o que é muito diferente do efeito causado por um trecho de prosa com O mes mo significado que o poema. Os efeitos emocionais de música e de pintura são em grande parte condicionados.

Também usamos o processo para dispor o controle do comporta mento em ocasiões futuras. Na educação patriótica e religiosa, por exemplo, as respostas emocionais a bandeiras, insígnias, sínibolos e rituais estão condicionadas de modo que estes estímulos sejam eficazes

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em ocasiões futuras. Uma das “curas” comumente propostas para o fumar ou beber excessivo consiste em adicionar substâncias que indu zam a náuseas, indisposições, e outras conseqüências da bebida ou do fumo. Quando mais tarde a bebida ou o fumo forem vistos ou provados, respostas semelhantes são eliciadas como resultado do condicionamen to. Estas respostas podem competir com o comportamento de beber ou fumar, como que lhes “tirando toda a graça”. Um condicionamento desta espécie consiste no tratamento de um sintoma, e não da causa, mas isto ajuda o paciente a parar de beber ou fumar por outras razões.

Treinar um soldado é em parte condicionar respostas emoçio.nais. Se retratos do inimigo, sua bandeira, etc., forem associados a histórias ou fotografias de atrocidades, uma reação agressiva semelhante prova velmente ocorrerá quando o inimigo for encontradó. As reações favorá veis são obtidas em geral da mesma maneira. Respostas a alimentos apetecíveis são facilmente transferidos para outros objetos. Assim como “detestamos” a bebida ou o fumo

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que nos deixam doentes, também “gostamos” dos estímulos que acompanham alimentos agradáveis, O vendedor bem-sucedido é aquele que paga bebidas ao seu cliente ou convida-o para jantar. O vendedor não está apenas interessado nas rea ções gástricas, mas sim na predisposição favorável do cliente a seu res peito e com relação a seu produto; esta predisposição, como veremos mais tarde, também decorre da associação de estímulos. O churrasco grátis em um comício político tem um efeito semelhante. Da mesma forma, os confeitos que o pediatra dá ao seu jovem paciente. Mostrou-

-se experimentalmente que muita genta começa a “gostar” de música moderna se a ouve enquanto come. Entre os judeus, quando a criança começa a aprender a ler, beija uma página sobre a qual uma gota de mel foi depositada. O importante não é que posteriormente ela vá salivar sempre que vir um livro, mas que terá uma predisposição ‘ aos livros. Nem todos os reforços que estabelecem predisposições desta espécie são gastronômicos. Como os publicitários bem o sabem, as res postas e as atitudes eliciadas por lindas garotas, bebês e cenas agradáveis podem ser transferidas para marcas, produtos, estampas de produtos, e assim por diante.

Algumas vezes estamos interessados em induzir a uma resposta emocional que vá contra outra ou equilibre seu efeito, O dentista, por exemplo, encontra-se frente a um problema prático que consiste em ter que recorrer a estímulos dolorosos. Estes estão relacionados a estímulos fornecidos pela sala de espera, à cadeira de dentista, aos instrumentos, ao som do motor, que finalmente eliciam uma variedade de reações

emocionais. Algumas destas classificamos, grosso modo, de ansiedade, Um bonito livro de estampas na sala de espera pode eliciar respostas incompatíveis com a ansiedade e que até certo ponto a cansem. Este efeito momentâneo exemplifica o uso de estímulos já antes condiciona dos, O efeito “educacional” do livro ao criar uma atitude menos desfa vorável ao dentista exemplifica o uso de condicionamento no controle do comportamento. Flores e músicas nos velórios e enterros têm um efeito imediato que se contrapõem às reações eliciadas por um corpo sem vida, e através do processo de condicionamento criam uma predis posição mais favorável no futuro para com as práticas funerárias.

Outro problema prático comum é o de eliminar respostas condicio nadas. Por exemplo, podemos querer reduzir as reações de medo elicia das por pessoas, animais, incursões aéreas, ou combates militares. Seguindo os métodos do experimento com reflexo condicionado, apre sentamos um estímulo condicionado e omitimos o estímulo reforçador responsável pelo seu efeito. Um passo decisivo no tratamento da gaguei ra, por exemplo, é a extinção de reações de ansiedade ou embaraço geradas por pessoas irresponsáveis que riram do gago ou foram impa cientes com ele. Uma técnica bastante comum é encorajá-lo a falar a todos que encontre. As respostas funcionais de embaraço e ansiedade geralmente são condicionadas na primeira infância. Se o adulto gago não é há muito caçoado, as respostas podem se extinguir. A terapia con siste apenas no encorajamento da conversação de modo que o estímulo assim automaticamente gerado possa ocorrer sem ser reforçado.

Se o estímulo condicionado elicia respostas muito fortes, pode ser necessário apresentá-lo em doses gradativas. Se a uma criança que foi assustada por um cão se der um c a semelhança entre o animal zinho e o cão assustador não é tão grande a ponto de eliciar uma respos ta de medo condicionada muito forte. Qualquer resposta pouco intensa que possa surgir se extingue. Como o cãozinho cresce, assemelhando-se gradativamente ao animal

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que ocasionou o medo, a extinção vai se pro cessando por etapas. As vezes se usa uma técnica semelhante na redução de reações emocionais excessivas a bombardeios aéreos, combates, e condições traumáticas semelhantes. A extinção começa com estímulos que eram a princípio apenas um pouco perturbadores — ruídos vagos, sirenas fracas, ou sons distantes de bombas explodindo. Apresentam-se os estímulos visuais em filmes, sem os sons que os acompanham no combate real. A medida que a extinção ocorre, a semelhança com esti mulos verdadeiros aumenta. Finalmente, se o tratamento for bem-Suce dido, nenhuma ou quase nenhuma resposta será eliciada pelos estimulos reais.