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CAPÍTULO 7 - O Caso Throttleman
A Throttleman (TH) é uma rede de comércio de vestuário a retalho, fundada em
1991, no Porto. Em 1993, a empresa iniciou uma estratégia de crescimento através de
unidades franqueadas. Com o início do processo de internacionalização, em 1996, esta
estratégia foi ainda mais reforçada. Em 2001, no seguimento de problemas com a
expansão internacional, tomou posse uma nova administração que traçou um novo rumo
para a organização. A empresa redireccionou a sua atenção para o mercado interno e
regressou a uma estratégia de crescimento através de unidades próprias.
Actualmente, a Throttleman tem 55 unidades, 45 das quais se encontram
integradas na empresa e as restantes 10 são franqueadas. No exterior, existem apenas 3
unidades próprias em Madrid. Apesar de, inicialmente, a empresa se dedicar apenas à
comercialização de vestuário masculino, hoje, apresenta também colecções
direccionadas aos segmentos feminino e infantil.
Tal como no caso anterior, e tendo como objectivo a elaboração de um estudo
longitudinal, dividiu-se a narrativa inicial em dois períodos. Os principais
acontecimentos na vida da empresa, em cada um desses períodos, encontram-se
registados cronologicamente na Tabela 8 e são descritos na primeira parte do caso. Em
seguida, apresentam-se algumas características importantes da rede, nomeadamente, a
gestão das unidades franqueadas, as rotinas de replicação das unidades e dos
procedimentos, os mecanismos de supervisão e controlo e a gestão da reformulação do
conceito dentro da rede. Finalmente, tendo em conta os objectivos propostos para este
trabalho, elabora-se uma análise ao caso, focalizando-nos no papel das competências na
emergência, desenvolvimento, manutenção e termo dos relacionamentos inseridos nesta
rede.
188
Tabela nº8 - Periodização do Caso Throttleman
Período Acontecimentos Relevantes Número UP
Número UF
Número Unidades no Exterior
1991 – Lançamento da marca Boxer Shorts
1993 – Início do franchising 3 I
(1991 1996 – Internacionalização da marca Throttleman
3 17 6
A 1997 - Crescimento através de UF 7 31 14 2001) 1998 - Crescimento através de UF 2 23 ?
1999 - Crescimento através de UF 9 38 23 2000 - Crescimento através de UF
5 39 18
2001 – Nova Gestão
22
20
11
II 2002 - Crescimento através de UP 25 18 8 (2001 2003 - Crescimento através de UP 28 18 7
A 2004 - Crescimento através de UP 32 17 6 2006) 2005 - Crescimento através de UP 44 12 4
2006 - Crescimento através de UP
45 10 3
7.1. Descrição do Caso
7.1.1. Período I - de 1991 a 2001: A Fundação e o Franchise da
Rede
A Boxer Shorts surgiu em 1991, no Porto, fundada por quatro sócios. A empresa
dedicava-se à comercialização de camisas, gravatas e boxer shorts, tendo como
segmento alvo a classe média alta. A imagem da marca procurava combinar elementos
que traduzissem uma mensagem clássica mas, simultaneamente, um pouco irreverente,
apelativa aos jovens executivos portugueses. Para esse efeito, a empresa combinava
uma oferta de camisas e gravatas clássicas com boxer shorts elaborados com o mesmo
padrão das camisas ou com motivos ‘divertidos’. Num espaço de tempo relativamente
curto, a Brasopi, SA, empresa detentora da marca, abriu três lojas próprias, no Grande
Porto. Neste período, o negócio cresceu de forma muito rápida. Dois anos após o início
da actividade, em 1993, a empresa iniciou uma estratégia de crescimento através de
unidades franqueadas, sendo o recrutamento dos franqueados realizado a partir dos
contactos pessoais dos membros da direcção da empresa. Segundo o entrevistado, Pedro
Pinheiro, um dos administradores actuais da empresa, a opção esteve relacionada com a
necessidade de capital para crescer.
Em 1996, a empresa iniciou a expansão internacional. Esta decisão estratégica
influenciou definitivamente o futuro da empresa. Em primeiro lugar, a empresa viu-se
obrigada a mudar o nome da marca, para entrar no mercado inglês. A legislação inglesa
não permitia registar a marca Boxer Shorts, por se tratar do nome de um produto.
Assim, a empresa teve que adoptar uma nova marca, Throttleman. De forma a manter a
uniformidade, a empresa iniciou o processo de substituição da marca em Portugal, com
a utilização de uma marca transitória, Boxer Shorts by Throttleman, até deixar cair
totalmente em desuso a marca inicial e passar a utilizar apenas a nova marca. Neste
período, a gestão da empresa adicionou um conjunto de novos artigos ao leque de
produtos iniciais. Entre os novos produtos, destacam-se, por exemplo, os acessórios de
vestuário masculino, como os cintos, os sapatos, os suspensórios e os botões de punho,
bem como os artigos de viagem, as malas, os necessaires e os chinelos de quarto e,
190
ainda, outros artigos como os pijamas, os calções e as toalhas de praia.
Simultaneamente, a empresa adoptou também um design mais moderno e jovem para as
lojas. As cores e materiais utilizados foram substituídos. Por exemplo, a cor verde
escura inicial foi substituída pelo verde-água e a madeira utilizada na construção dos
móveis da loja foi também trocada por uma de aspecto mais leve. A frente das lojas,
localizadas em centros comerciais, foi alterada para que não existisse qualquer
obstáculo na entrada dos clientes na loja. Para isso, a empresa optou por eliminar as
montras e as portas, transformando toda a loja numa enorme montra e toda a frente da
loja numa grande porta. Desta forma, o início da loja pouco se distinguia do fim do
corredor.
O projecto de internacionalização exigiu um investimento elevado por parte da
empresa, o que fez com que, em 1998, se tenha verificado uma alteração da estrutura
accionista, com a entrada da empresa de capital de risco do BPI e do FIEP. Nesse
mesmo ano, a empresa decidiu franquear as unidades, anteriormente integradas
verticalmente. Segundo o entrevistado, o principal objectivo do franchise dessas
unidades foi aliviar a empresa da preocupação com a gestão das lojas localizadas em
território nacional. Em Portugal, nesse período, a Brasopi manteve apenas uma das
unidades na sua propriedade. Esta unidade, localizada no Aeroporto Francisco Sá
Carneiro, era considerada a montra da marca e a unidade piloto onde as novas ideias
iam sendo testadas. No exterior, nessa fase, a empresa detinha directamente a maior
parte das unidades. Esta opção resultou de constrangimentos de ordem legal, pois, em
alguns países, a legislação não permitia que uma empresa iniciasse as operações em
franchising, sem que antes tivesse operado verticalmente durante algum tempo. Por
outro lado, o desconhecimento da marca no exterior também dificultava o franchise
desta, nessa fase inicial do processo.
Como foi referido, nesta fase, em Portugal, a empresa apostou fortemente no
crescimento através de franchising. Assim sendo, entre 1998 e 2000, a empresa
participou nas feiras de promoção de venda de franchises e fez publicidade nos Guias
de Oportunidades em Franchising. É exactamente neste período, que a empresa
franqueadora Brasopi S.A., iniciou o seu relacionamento com a empresa Hozar
Portugal, Lda., que adquiriu o direito a explorar uma das unidades da rede, situada no
centro comercial GaiaShopping em Vila Nova de Gaia. O relacionamento entre as duas
191
empresas surge através da relação de amizade existente entre um dos sócios da Hozar
Portugal e o Responsável pelo Franchising da Throttleman. Em dois anos, a Hozar
Portugal adquiriu o franchise de mais 5 lojas da marca, localizadas no Porto, Lisboa,
Cascais, Aveiro e Braga, tornando-se no principal franqueado da rede.
7.1.2. Período II - de 2001 a 2006: Regresso à Integração Vertical A partir de 2000, a Brasopi começou a sentir algumas dificuldades no projecto
de expansão. As vendas nas unidades do exterior não atingiam os objectivos, os custos
eram superiores ao esperado e os resultados negativos avolumavam-se. Os accionistas
da empresa procuravam soluções e começaram a ponderar a hipótese de encontrar
compradores para a marca. Nessa altura, a gestão da Hozar Portugal apercebeu-se que
se encontrava extremamente dependente do que poderia acontecer com a empresa
franqueadora. Apesar de explorar outros negócios, a maior parte do seu volume de
vendas dependia da facturação das lojas da rede da Throttleman e uma boa parte do seu
investimento tinha sido realizado nesses franchises. Assim, neste processo, a empresa
franqueada acabou por adquirir 51% da empresa franqueadora e assumir a gestão da
empresa. Mais recentemente, a estrutura accionista voltou a modificar-se com a saída do
Capital de Risco do BPI e a entrada Grupo Regojo, um dos maiores grupos de retalho,
que detém marcas como, por exemplo, a Massimo Dutti. A empresa Hozar Portugal
continua a gerir e a deter a marca Throttleman.
A nova administração adoptou uma perspectiva estratégica diferente da seguida
pela anterior gestão. A focalização estratégica da empresa redireccionou-se para o
mercado nacional, restringindo o investimento no estrangeiro. Assim, a nova gestão
iniciou uma estratégia de recompra dos principais franchises existentes, nomeadamente
as lojas localizadas no Grande Porto e na Grande Lisboa. A gestão da Throttleman
alterou mais uma vez a imagem da marca e introduziu produtos novos, de forma a
alargar a oferta ao total look. Mais recentemente, a linha de senhora e de criança foram
também introduzidas. Esta ampliação da gama de produtos teve consequências ao nível
da dimensão das lojas que, em termos médios, aumentou significativamente.
192
Com a nova gestão, a empresa regressou à integração vertical como estratégia
preferencial. Apesar do crescimento através de franchising continuar a ser uma
estratégia seguida pela empresa, a gestão deixou de procurar activamente franqueados.
Quando decide abrir numa determinada localização, não está dependente da existência
de potenciais candidatos a franqueados. Se, por acaso, existir um potencial parceiro e
este tiver as qualidades consideradas relevantes para que se inicie o relacionamento,
então a Throttleman abre uma loja franqueada, caso contrário, abre uma loja própria.
Segundo Pedro Pinheiro, as características principais que esta empresa procura
encontrar num potencial franqueado é que este “consiga aceitar e perceber a nossa
forma de gerir, que aceite os procedimentos que propomos, para que a rede toda
funcione como deve”1.
Não publicitando a venda do franchise, a procura por parte de potenciais
franqueados resulta, na opinião do entrevistado, quer da reputação do franqueador,
enquanto contraparte no relacionamento de franchising, quer da notoriedade da marca.
Na opinião do entrevistado, contudo, a notoriedade do conceito está mais relacionada
com a experiência pessoal que os potenciais franqueados têm com a marca, enquanto
consumidores, do que com o facto da Throttleman aparecer (à data das entrevistas) na
lista dos TOP30 do Instituto Português de Franchising. Isto é, o que determina o
interesse do candidato a franqueado pelo início do relacionamento com a Throttleman, é
a opinião que este forma sobre o conceito, quando vai a uma das suas lojas e simpatiza
com o serviço prestado pelos vendedores e com o design e qualidade dos produtos
oferecidos. Ainda de acordo com Pedro Pinheiro, a reputação do franqueador é mais
apreciada pelos franqueados que já têm experiência no franchising, do que por aqueles
que procuram iniciar um relacionamento deste tipo pela primeira vez. Finalmente, a
empatia gerada entre os potenciais parceiros durante a fase de negociação é também um
aspecto importante a considerar.
1 Pedro Pinheiro, entrevista em 19/12/2005.
193
7.1.3. As Unidades Franqueadas na Throttleman
Tal como noutras redes de franchising, na Throttleman, o franqueador realiza as
actividades relacionadas com a concepção e marketing do produto. Ao franqueado,
cabe-lhe a gestão do ponto de venda, destacando-se a gestão da carteira de clientes, a
gestão de stocks, a gestão de pessoal e a gestão administrativo-financeira da unidade.
A gestão do relacionamento com o cliente é a principal competência que o
franqueador procura obter no franqueado. Na verdade, na óptica deste franqueador,
presentemente, esta é a principal vantagem decorrente do relacionamento de
franchising. O entrevistado considera que o conhecimento sobre o mercado local se
pode dividir no ‘conhecimento relativo ao cliente’ e no ‘conhecimento relativo ao
produto’. A este nível, o franqueador dá especial importância ao primeiro tipo de
conhecimento, o relativo ao cliente. O franqueador define este know-how como a
capacidade de atrair o cliente e mantê-lo fiel à marca. Nesse sentido, é fundamental
existir um atendimento personalizado do cliente.
O segundo tipo de conhecimento local, que este franqueador denomina ‘relativo
ao produto’, diz respeito às preferências do cliente relativamente ao produto oferecido
pela marca. Como consequência deste conhecimento, o franqueado tem também um
papel relevante no desenvolvimento do produto. Durante o processo de
desenvolvimento da colecção para o ano seguinte, os franqueados são chamados a
participar, contribuindo com o seu conhecimento local relativo às preferências dos
clientes.
Em contrapartida, a gestão de stocks das unidades é a principal preocupação do
franqueador, que gostaria de a poder realizar. A gestão operacional dos stocks das
unidades da rede é um dos factores que mais influenciam a sua rendibilidade. Para esse
efeito, a empresa franqueadora dispõe de um software que permite realizar previsões
das vendas semanais, por unidade, a partir dos valores históricos. Com base nos
resultados obtidos, a empresa envia, semanalmente, uma sugestão de encomenda para as
unidades franqueadas. No caso das unidades próprias, essa previsão é vinculativa e
determina os produtos que são enviados para a unidade. Nas unidades franqueadas, o
gestor local pode alterar essa estimativa e realizar a sua própria encomenda.
194
Nesse ponto, os franqueados divergem, alguns mantém a sugestão do
franqueador, outros decidem alterá-la. Alguns franqueados, temendo que alguns
produtos que se encontram no topo das vendas esgotem, sobredimensionam as suas
encomendas. Outros franqueados, receosos de não efectuarem as vendas de todos os
artigos em stock, subdimensionam-na. Ambas as situações são contraproducentes.
No primeiro caso, as estimativas resultantes da aplicação do software de gestão
de stock saem também sobredimensionadas. Como o franqueador gere o seu próprio
stock tendo em conta essas previsões, a rede como um todo acaba por ser prejudicada,
pois as existências em armazém aumentam significativamente, traduzindo-se num
aumento do fundo de maneio necessário, o que tem, obviamente, custos financeiros para
a empresa.
O segundo caso, resulta, muitas vezes, no mau desempenho da unidade que,
evidentemente, não pode vender produto que não tem em armazém. O facto de o nível
de stocks da unidade aumentar, possibilita, imediatamente, um acréscimo das vendas.
De acordo com o franqueador, o desempenho da unidade está fortemente relacionado
com uma boa gestão dos stocks. Normalmente, quando um franqueado está descontente
com a performance da sua unidade, e se este estiver de acordo, a primeira medida
tomada pela empresa franqueadora é assumir a gestão de stocks dessa unidade, tal como
se fosse uma unidade própria. Em média, as vendas sobem 20%.
Actualmente, “em casos muito específicos”, o franqueador identifica benefícios
associados a algumas unidades franqueadas. Estes são, para o franqueador, “exemplos
de bons franqueados, que contribuíram com aquilo que é essencial para a cadeia, que é
ter uma clientela fidelizada e ter um bom atendimento. […] Mas, vem com um preço. E,
o preço é a partilha do poder que está na rede. Isso é necessário gerir e ter a consciência
que vai sempre haver atritos e problemas”2.
Na opinião do franqueador, o relacionamento com o franqueado não é muito
fácil, pois o franqueado nunca está satisfeito. As vendas na sua unidade podem estar a
crescer significativamente, mas o franqueado encontra sempre motivos para protestar,
muitas vezes por coisas que, na opinião do franqueador, são pouco significativas, como
por exemplo o facto de um certo e particular produto não ter sido entregue. Esta
situação gera um desgaste no relacionamento entre o franqueador e o franqueado e
2 Pedro Pinheiro, entrevista em 19/12/2005.
195
obriga a que a empresa franqueadora tenha de consumir recursos na resolução de
conflitos, que de outra forma poderiam estar alocados a outras funções mais rentáveis.
Na verdade, o franqueador encontra, ainda, outros problemas nos
relacionamentos em franchising. Em primeiro lugar, existe um problema de natureza
jurídico-legal que se traduz na dificuldade de vincular as partes envolvidas num
contrato de franchising, recorrendo aos tribunais portugueses. Este constrangimento
leva o franqueador a procurar mecanismos alternativos, para se proteger relativamente a
comportamentos desviantes do franqueado. A forma encontrada consiste em deter a
propriedade do imóvel onde se encontra o estabelecimento franqueado ou,
alternativamente, o contrato de arrendamento desse espaço, repassando esse direito ao
franqueado. Apesar de dispor desta ferramenta, considerada pelo franqueador como
muito poderosa, a empresa não a utiliza para expulsar os franqueados sem que haja uma
razão válida.
Segundo, o franqueador considera que não existe uma partilha do risco do
investimento entre o franqueador e o franqueado. Nas poucas vezes em que um
investimento não se traduziu nos resultados esperados, devido, por exemplo, a uma má
localização, a Throttleman assumiu a maior parte do prejuízo.
Em terceiro lugar, existe um problema relacionado com a devolução, no final da
época, dos artigos da colecção. A gama de produtos oferecidos pela marca divide-se em
dois tipos, os produtos contínuos que estão sempre à venda na loja e os produtos da
colecção relativa a uma estação específica. Estes últimos encontram-se à venda apenas
durante a época em causa. No fim da estação, são recolhidos e substituídos pelos da
nova colecção. No caso das unidades franqueadas, isto traduz-se, em termos financeiros,
na devolução de mercadoria ao fornecedor. Esta mercadoria tem, nessa fase, um valor
de mercado muito inferior ao que teve durante a época transacta, pois não pode ser
vendida através dos pontos de venda normais. Esta dificuldade torna-se tanto mais
difícil de gerir, quanto maior o número de unidades franqueadas. Na maior parte das
vezes, o franqueado tem um ciclo de tesouraria positivo, pois compra a prazo a
mercadoria ao franqueador e vende a pronto pagamento ao cliente final. Assim, tende a
aplicar os fluxos de tesouraria excedentários, resultantes do ciclo de exploração, em
artigos da colecção que, caso não sejam vendidos durante a época normal, poderão ser
196
devolvidos no final. Do lado do franqueador, fica o problema de gerir essa mercadoria
devolvida.
Finalmente, o poder de reacção da rede é menor. Não só, e como se verá, quando
surge uma nova localização para uma unidade já existente que se pretende ampliar, mas,
também, quando o franqueador pretende lançar, rapidamente, uma campanha
promocional. Por exemplo, se houver problemas com as vendas das gravatas, a sede da
Throttleman poderá decidir realizar uma campanha em que “na compra de uma gravata
se oferece outra”. Contudo, nas lojas franqueadas, é muito difícil, moroso e complicado
introduzir uma campanha deste estilo, porque a primeira reacção do franqueado é a de
discutir quem irá abdicar da margem.
Para este franqueador, os franqueados são heterogéneos, diferindo, sobretudo, na
atitude que têm para com a empresa franqueadora. Designadamente, os franqueados
diferenciam-se pelo “grau de obediência às instruções” dadas pelo franqueador. Os
franqueados distinguem-se também no acompanhamento dado ao seu ponto de venda, o
que origina desempenhos diferentes. Alguns franqueados são muito presentes e estão
frequentemente no ponto de venda, outros vêem o franchise como um investimento por
onde passam de vez em quando, finalmente, há ainda os franqueados que se demitem
completamente da gestão da sua unidade.
Entre os franqueados da rede, o franqueador destaca um em particular. Este
franqueado é considerado pelo franqueador como um caso exemplar. De tal forma que,
quando abriu um novo centro comercial numa determinada localização, a Throttleman
procurou este seu franqueado, que vamos denominar X, para que este aí abrisse uma
loja. No entanto, o franqueado X mostrava pouco interesse nessa perspectiva. Contudo,
o franqueador desejava abrir essa loja com a cooperação desse franqueado, a quem
reconhecia “competências extraordinárias de relacionamento com os clientes”. Assim,
como forma de o convencer a cooperar, a Throttleman propôs-lhe a constituição de uma
nova sociedade franqueada, cujo capital é detido pela empresa franqueadora e pela
antiga empresa franqueada.
197
7.1.4. Replicação: Uniformização da Imagem
O franchising numa rede de retalho pressupõe a replicação de um determinado
modelo nas diferentes lojas. Teoricamente, o cliente entra numa loja e ela é igual, ou
muito semelhante, a uma outra que está num outro ponto do país. No entanto, o
franqueador da Throttleman considera que a replicação perfeita das unidades é
impossível. Na verdade, existe uma grande diversidade dentro da rede. À medida que o
conceito foi evoluindo, foram introduzidos novos produtos e o design e a dimensão das
lojas foi mudando. As novas lojas foram adoptando a nova imagem e os franqueados
foram sendo convencidos a investir na remodelação da sua unidade, nomeadamente
através da pressão exercida pela possibilidade da não renovação do contrato, mas
também pela demonstração da rendibilidade e valor gerados pelo investimento. No
entanto, subsistem, ainda, lojas com estilos de decoração anteriores ao actual e com
diferentes dimensões. Por exemplo, a última loja aberta pela rede tem 180 metros
quadrados e o último modelo de decoração, enquanto que a mais pequena tem apenas 5
metros quadrados e ainda o primeiro tipo de decoração da marca. Mesmo em termos do
produto oferecido, não existe homogeneidade entre as lojas da rede. Tendo em conta a
sua dimensão e localização, algumas lojas vendem apenas roupa de homem e criança.
Outras vendem só a linha funny, uma linha de t-shits e boxers com bonecos.
Esta constatação, no entanto, não significa que não exista uma preocupação, por
parte do franqueador, quanto à uniformização da imagem e do serviço prestado aos seus
clientes. No caso da Throttleman, tal como em todas as redes que operam na área do
retalho, esta uniformidade é, em primeiro lugar, garantida pela estratégia de marketing
decidida centralmente. Apesar de eventuais disparidades locais, todos os produtos
oferecidos pelas unidades da rede fazem parte da colecção da marca e são vendidos ao
mesmo preço. Por outro lado, todos os artigos da marca são vendidos exclusivamente
pelas lojas da rede. A promoção da marca é, também, realizada a nível central,
destacando-se a publicidade realizada em outdoors, muppies e nos meios de
comunicação social. Além disso, existem eventos pontuais a que a marca se associa,
procurando ganhar notoriedade, como o patrocínio de determinados actores em
programas televisivos ou campanhas de lançamento das novas colecções com a
presença de celebridades nacionais ou modelos internacionais.
198
Nesta rede, existem ainda ‘rotinas de replicação’ que garantam a coerência da
imagem da marca. O processo de abertura de uma nova unidade é semelhante ao de
outras redes replicadoras e não é muito diferente se se tratar de uma unidade franqueada
ou própria. Este processo envolve a selecção da localização, a construção e o arranque
do funcionamento de uma nova loja. Estas três fases são acompanhadas de perto pelo
franqueador. Em primeiro lugar, esta decisão é sempre alvo de um estudo relativo à
viabilidade económica do investimento, em determinado local. Apenas se se demonstrar
rentável, e independentemente de se tratar de uma loja própria ou franqueada, o projecto
passará para a fase de construção. Nesta fase, existe um conjunto de elementos que
deverão ser respeitados, destacando-se, em primeiro lugar, o projecto arquitectónico e,
ainda, os materiais de construção (por exemplo, o pavimento a utilizar ou a tinta a
aplicar nas paredes), o mobiliário e a decoração da loja. No dia anterior à inauguração, o
stock inicial é enviado para a unidade, onde é colocado nos expositores e registado no
software de gestão de existências da unidade. Este processo é acompanhado pelos
funcionários da sede.
Após o arranque do funcionamento da unidade, para tentar assegurar a
uniformidade da imagem, nomeadamente da exposição do produto, do atendimento e da
gestão da loja, a empresa franqueadora recorre, sobretudo, aos responsáveis pela
supervisão das unidades. Além do departamento de supervisão, existe também um
departamento de merchandising que define as montras, isto é, determina qual a
decoração e que produtos deverão estar expostos. Os vitrinistas do franqueador
deslocam-se às unidades para ajudar na preparação da montra.
O franqueador reconhece que estes mecanismos poderiam ser complementados
através da formação dos colaboradores das várias unidades próprias, dos franqueados e
seus empregados. No entanto, nesta rede, normalmente, a formação é realizada, apenas,
no período de abertura de uma nova unidade. Na primeira semana de funcionamento da
unidade, é fornecida formação ao franqueado relativa à gestão de stocks e formação on-
the-job aos restantes funcionários. Não havendo mais formação e dada a grande
rotatividade dos vendedores, normalmente, passado um ano, já não se encontram
funcionários formados pela marca, a trabalhar na loja. Os novos empregados são
formados quer pelos franqueados, quer pelos gestores das unidades próprias. Ainda que
reconhecendo que esta é uma área onde a gestão da marca poderia melhorar, a empresa
199
franqueadora considera difícil a implementação de formação adicional. Por um lado,
após a inauguração, os funcionários trabalham por turnos nas lojas, muitas das quais
abertas 14 horas por dia, 7 dias por semana, o que torna difícil encontrar disponibilidade
para realizar formação adicional. Por ouro lado, o próprio investimento nessa formação
pode não se demonstrar rentável, dada a grande rotatividade de pessoal.
7.1.5. Sistemas de Informação e Supervisão A actividade de supervisão assume um papel fundamental nesta rede. Além da
função controlo, que ajuda a garantir a uniformidade entre as diferentes unidades, é
também considerada como sendo uma forma de excelência, para transmissão de
informação entre a sede e as unidades e vice-versa.
Existem 4 funcionários responsáveis por visitar as lojas, mensalmente. A
atribuição das unidades a cada um dos supervisores é realizada com base na sua
distribuição geográfica e não na propriedade da unidade. Assim, existe um responsável
pela supervisão e quatro supervisores, dois responsáveis pela zona Norte e dois pela
zona Sul. Ao visitar as lojas, os supervisores preocupam-se em verificar se a unidade
está organizada de acordo com o pretendido. Isto é, por exemplo, se as montras, os
artigos expostos nas prateleiras, o número e a apresentação dos vendedores estão de
acordo com o definido pela sede. Nas lojas próprias, estes supervisores verificam,
também, os stocks, os gastos em telefone e a realização dos depósitos. Para o
franqueador, o negócio corre bem numa unidade própria, quando as vendas estão a
alcançar os objectivos, a loja está bem organizada, não há desvio de stocks ou de
depósitos, nem há custos demasiado elevados com telefones e telemóveis.
Além da função controlo, estas visitas têm, também, um papel importante a nível
da transmissão de informação do franqueador para as unidades e vice-versa. No fundo,
estes desempenham um papel de ligação entre a sede e as unidades locais. Por exemplo,
a informação sobre campanhas novas ou directrizes relativamente a certos produtos são
enviadas da sede para as lojas, através dos supervisores. Também antes do início das
campanhas de pré-saldos, é necessário informar todas as lojas que certos clientes, a
quem foi enviado um postal, terão direito a comprar a preço de desconto, num
200
determinado período de tempo. O mesmo acontece sempre que há uma campanha de
muppies, pois as lojas terão que reforçar as encomendas. Finalmente, os supervisores
transmitem, também, às unidades informações de carácter mais operacional, por
exemplo de recursos humanos, como as férias ou os horários.
Além do acompanhamento de supervisão mensal já referido, nas unidades
franqueadas, o controlo incide na avaliação das vendas da unidade. De acordo com a
empresa franqueadora, o controlo não incide directamente sobre a gestão da unidade,
mas sobre os seus resultados. Se o volume de vendas for abaixo do esperado, então o
franqueador assume que o problema reside na gestão da unidade. Pelo contrário, se as
vendas forem superiores ao previsto, o franqueador atribui esse resultado a uma boa
gestão a nível local.
O controlo financeiro dos pagamentos devidos por estas unidades é muito
simples. Em primeiro lugar, os franqueados usam o mesmo programa de facturação do
franqueador, que tem acesso on-line às suas vendas, tal como às das lojas próprias.
Segundo, os franqueados pagam um fee fixo mensal pelas montras e serviços de
marketing, mas, este fee é, de facto, uma percentagem muito pequena do ganho. A
maior parte do lucro proveniente das unidades franqueadas está na margem do produto.
Finalmente, como as unidades franqueadas só vendem o produto que lhes foi fornecido
pelo próprio franqueador, é simples, para este, controlar quanto é que as unidades
próprias estão a facturar.
7.1.6. Gestão da Inovação: Criação e Difusão de Conhecimento Nesta rede, cabem ao franqueador as actividades de geração de ideias e de
definição estratégica que depois são transmitidas ao franqueado. Este é sempre descrito
como alguém que o franqueador quer que seja muito passivo. Do lado do franqueado, o
franqueador espera o input dos conhecimentos locais e a participação na escolha da
colecção. Existem duas reuniões por ano, onde todos os franqueados se reúnem com o
franqueador. Nesses dias, os franqueados deslocam-se às instalações da sede da
Throttleman e reúnem-se com designers, responsáveis comerciais, membros da
administração e outros colaboradores da empresa franqueadora. Estas reuniões têm
201
como principal objectivo a transmissão de informação entre o franqueador e o
franqueado. Em particular, o franqueador apresenta as propostas para a colecção do ano
seguinte e recebe o feedback dos franqueados quanto ao que estes consideram ser as
preferências locais dos seus clientes. Mas, a participação do franqueado, no processo de
inovação, não excede esta contribuição. Na Throttleman, não há registo de, alguma vez,
uma ideia de um franqueado ter introduzido valor na rede como um todo. O
franqueador diz ter uma atitude de resignação, pois não espera que o franqueado tenha
boas ideias, como, de facto, considera que este poderia ter, por estar mais próximo do
mercado.
O franqueador reconhece que a reformulação do conceito pode levantar
problemas difíceis de resolver numa rede franqueada. No entanto, há um factor
importante que tem contribuído para a difusão das inovações na rede, que reside no
facto desta dispor de muitas unidades próprias, e, portanto, nunca pedir ao franqueado
para realizar um investimento que ainda não tenha sido testado e aprovado. Este foi, por
exemplo, o caso da introdução da linha de senhora que se demonstrou uma boa aposta e,
como tal, foi simples convencer os franqueados a iniciar a sua comercialização, apesar
de isso se traduzir num maior investimento a nível do fundo de maneio necessário. No
entanto, o facto de a marca vender um leque mais alargado de produtos, tornou
necessário o aumento da dimensão média das unidades. Na maioria dos casos, isto
traduz-se no abandono da loja antiga e na abertura de uma nova, ainda que na mesma
localização. No entanto, o franqueador não tem tido grande dificuldade em convencer o
franqueado a investir na remodelação das lojas, pois tem conseguido demonstrar-lhes
que ficam a ganhar se o fizerem. De qualquer forma, o franqueador utiliza sempre a
possibilidade da não renovação do contrato como uma forma de pressão. Caso o
franqueado não pretenda realizar o investimento de expansão, o franqueador espera até
ao fim do contrato ou negocia a antecipação do fim do contrato e investe directamente.
O único problema que o franqueador encontra é a capacidade de reacção ser
mais lenta. Por exemplo, quando o franqueador pretende expandir uma das suas lojas
localizadas num centro comercial, tem que esperar até que surja uma loja para arrendar.
Se a loja nesse centro comercial for franqueada, torna-se então necessário convencer o
franqueado a trocar o espaço antigo pelo novo espaço. Se este processo de negociação
com o franqueado for demasiado prolongado, a loja pode ser arrendada a um terceiro e a
202
empresa franqueadora perde a oportunidade de ampliar a actividade nessa localização.
Assim, por vezes, a Throttleman negocia com o franqueado a antecipação do fim do
contrato, permitindo alterar a loja, tal como o pretendido, e sem que o franqueado se
sinta penalizado. Esta situação cria alguns entraves à eficiência da rede como um todo.
203
7.2. Análise do Caso
7.2.1. O Papel das Competências no Relacionamento
A abordagem do franchising, sob o prisma das Competências Organizacionais
em Redes de Relacionamentos, implica, em primeiro lugar, a identificação das
competências existentes em cada um dos lados do relacionamento. Do lado do
franqueador da Throttleman, verifica-se a existência de competências na gestão da
marca e do conceito de negócio, o que inclui o know-how relativo à sua definição,
manutenção e desenvolvimento. Encontram-se, também, presentes competências
relativas à captação de franqueados, replicação de rotinas, criação, codificação e difusão
do conhecimento através da rede. Do lado dos franqueados, encontra-se o know-how
relativo à gestão corrente da unidade e ao mercado local. Os franqueados da
Throttleman são responsáveis pela gestão do ponto de venda, evidenciando-se, entre as
tarefas que desenvolvem, a gestão dos relacionamentos com os clientes como a
principal competência que o franqueador procura obter nos franqueados. A esse nível, o
franqueador dá especial importância à capacidade dos franqueados para atrair os
clientes e mantê-los fiel à marca. Um outro tipo de conhecimento local, também
importante para o franqueador, diz respeito às preferências dos clientes relativamente ao
produto oferecido pela marca. Como consequência deste conhecimento, os franqueados
participam no processo de desenvolvimento do produto.
Assim, verifica-se que as empresas pertencentes a esta rede acedem aos recursos
e às competências das suas contrapartes (Axelsson e Easton, 1992). Por um lado, os
franqueados acedem às competências do franqueador, enquanto que, por outro lado, o
franqueador acede ao know-how dos seus franqueados. Verifica-se, também, que tanto
cada participante na rede, quanto os relacionamentos que se estabelecem entre eles, têm
características únicas (Hakansson e Snehota, 1995). O franqueador reconhece que os
franqueados da rede são heterogéneos, diferindo no “grau de obediência” às suas
instruções e no acompanhamento dado ao seu ponto de venda, o que origina
desempenhos diferentes nas várias unidades franqueadas.
204
Contudo, a análise deste caso não demonstrou que as competências dos
franqueados dessem um contributo significativo na explicação da emergência do
franchising ao nível do negócio. Na verdade, a análise deste caso permite-nos concluir
que, nesta rede, o início dos relacionamentos em franchising parece encontrar-se
associado à restrição de recursos. Numa primeira fase, a expansão da empresa implicou
uma necessidade de capital que esta não podia suprir de forma imediata. Na fase
seguinte, o forte crescimento do número de unidades franqueadas encontrou-se
associado à necessidade de libertar os recursos humanos da sede para se dedicarem ao
novo projecto de internacionalização. Finalmente, neste caso, também não se encontrou
suporte empírico para a Teoria da Agência do Franchising. Estas conclusões serão
analisadas em maior detalhe nos parágrafos seguintes.
Na primeira fase, em 1993, a empresa adoptou uma estratégia de crescimento
através de unidades franqueadas, como forma de contornar constrangimento de recursos
financeiros, em linha com o proposto por Caves e Murphy (1976). Mais tarde, em 1998,
a empresa decidiu franquear as unidades próprias localizadas em território nacional,
tendo como objectivo libertar a empresa da sua gestão. Nesse momento, dada a entrada
do BPI e do FIEP no seu capital social, a empresa não sofria de constrangimentos de
natureza financeira. No entanto, esta decisão estava relacionada com a falta de recursos
humanos de gestão. Esta constatação está de acordo com o proposto por Penrose (1959)
que explica como os recursos humanos de gestão impõem um limite à taxa de
crescimento da empresa. A disponibilidade de gestores experientes, que não podem ser
adquiridos no mercado, limita a expansão que se pode planear e realizar, dentro de um
determinado período de tempo, na medida em que a coerência da organização depende
deles. Esta é também a explicação encontrada por Thompson (1994) que considera que
o franchising surge por ser mais fácil obter ‘bons franqueados’ do que ‘recrutar gestores
talentosos’. Por último, tal como o referido anteriormente, este caso não dá suporte
empírico à Teoria da Agência do Franchising. Esta perspectiva poderia explicar o
franchise das unidades no exterior, onde os custos de supervisão são superiores por se
encontrarem mais distantes da sede, mas não o franchise das unidades em Portugal.
Nesta rede, existem mais dois factores que não se enquadram na perspectiva de
Agência. O primeiro tem a ver com o facto de se encontrarem unidades detidas
verticalmente na proximidade de unidades franqueadas. O segundo tem a ver com a
205
atribuição de várias unidades, com localizações distantes entre si, a um só franqueado.
Por um lado, Minkler (1990) refere que a Teoria da Agência não justifica a existência
de unidades integradas e unidades franqueadas em localizações próximas. Da mesma
forma, é difícil compreender, à luz da Teoria da Agência, o mix organizacional da
Throttleman. Por exemplo, em 1999, a uma distância de 20 km da sede, encontravam-se
uma unidade própria e cinco unidades franqueadas. Entre 20 e 100 km a partir da sede,
localizavam-se uma unidade própria e duas franqueadas. A mais de 100 km da sede,
encontram-se sete unidades próprias e trinta e uma franqueadas.
Por outro lado, de acordo com Kaufmann e Lafontaine (1994), por vezes, os
franqueadores atribuem mais do que uma unidade a um franqueado, como forma de os
recompensar seu pelo esforço na gestão do ponto de venda. Contudo, as unidades
atribuídas ao mesmo franqueado deverão localizar-se em áreas muito próximas. Assim,
sob um ponto de vista de agência, parece estranho que, no caso particular desta rede,
entre 1998 e 1999, a empresa tenha atribuído a um único franqueado 6 unidades
localizadas em seis cidades diferentes, as mais afastadas distando entre si mais de 300
km. Tal como referem Brickley e Dark (1987), se numa unidade franqueada, a
propriedade e a gestão estão separadas, então existe um nível adicional de problemas de
agência. Na verdade, a atribuição a um único franqueado de mais do que um ponto de
venda pode originar duplicação dos problemas de agência do franchising, se o
franqueado deixar de assumir o papel de proprietário- gestor. Se o franqueado não for o
gestor das unidades, ele terá que contratar gestores para cada um dos pontos de venda.
Essa situação implicará problemas de prevaricação por parte dos gestores das unidades.
No entanto, a eliminação dessa prevaricação apresenta-se como a grande vantagem do
franchising, na perspectiva da agência.
No entanto, ao nível da unidade, a decisão relativa ao tipo de propriedade de
uma unidade parece, pelo menos em certos casos, ser influenciada pelas competências
necessárias para gerir essa unidade e pelo modo como essas competências se podem
combinar com as outras competências existentes na rede. Esta situação é exemplificada
pelo caso do franqueado X. Abrindo uma excepção relativamente à sua estratégia, o
franqueador abriu algumas unidades em parceria com este franqueado. Esta excepção
resulta do facto de o franqueado X possuir “competências extraordinárias de
relacionamento com os clientes”. Esta perspectiva poderá também ajudar-nos a
206
compreender porque razão a empresa franqueadora concordou em vender o franchise de
6 unidades a um único franqueado. Tal como foi referido, esta situação não se enquadra
numa perspectiva de agência. Mas numa perspectiva de competências, a empresa poderá
optar por essa via, pois pretende utilizar as competências de um franqueado em
particular, a quem reconhece competências importantes na gestão do ponto de venda.
Esta situação demonstra que, mesmo numa rede, como a Throttleman, onde o
franqueador vê os franqueados como actores passivos que deverão obedecer às suas
instruções, as competências dos franqueados assumem, por vezes, uma função
importante. Este ponto será explorado em seguida.
Foi já anteriormente argumentado que a diversidade de franqueados poderá ser
uma questão importante, especialmente no que diz respeito à criação de conhecimento
(e.g. Cliquet e Ngoc, 2003). As diferentes localizações, as experiências e os percursos
passados dos vários franqueados, poderão torná-los em fontes importantes de
competências dinâmicas da rede. No entanto, aparentemente, os franqueadores parecem
negligenciar este papel potencial dos franqueados (e.g. Langenham 2003) e procurar
obter o controlo da rede. Contudo, o controlo da rede poderá ser prejudicial, pois impõe
um limite à heterogeneidade e, portanto, à criação de conhecimento e inovação
(Hakansson e Snehota, 1995). Este parece ser o caso da empresa em estudo.
De facto, constatamos que, neste caso, as características principais que a
Throttleman procura num potencial franqueado são a obediência e a passividade. Nesta
rede, o franqueador tem a actividade de definição estratégica, de geração de ideias que
depois são transmitidas aos franqueados. Trata-se um relacionamento do estilo “top-
down”, onde “o franqueado é percepcionado como sendo um bom franqueado, se fizer o
que o franqueador deseja”, tal como Elango e Fried (1997, pp. 76) descrevem. Os
franqueados utilizam o conhecimento e expertise do franqueador e não são capazes de
contribuir para o sistema. Neste caso, não há registo de algum franqueado ter
acrescentado valor à rede através da geração de inovações. Mais ainda, o franqueador
não espera que os franqueados contribuam com boas ideias. Os franqueados são vistos
como “a antítese do empreendorismo e do pensamento estratégico” (Croonen, 2003, pp.
8).
A análise do caso permitiu-nos, ainda, confirmar a importância das
competências indirectas do franqueador para o início e manutenção dos
207
relacionamentos. Tal como já foi referido, de acordo com Loasby (1998), as
competências indirectas são aquelas que permitem a uma empresa aceder às
competências de outras. Assim, as competências indirectas do franqueador parecem
reflectir o seu know-how para captar bons franqueados, criar um conceito atractivo, criar
e manter uma boa reputação no mercado, codificar e difundir conhecimento e replicar
rotinas.
Numa fase inicial do franchise, as principais competências indirectas do
franqueador, que facilitaram o início dos relacionamentos, traduziram-se na sua
capacidade para motivar os franqueados a aderirem a um conceito ainda muito jovem
que ainda não tinha desenvolvido uma imagem forte. Por isso mesmo, em 1993, quando
a empresa iniciou a estratégia de crescimento através de unidades franqueadas, o
recrutamento dos franqueados realizou-se com base nos contactos pessoais dos
membros da direcção da empresa. Mais tarde, depois da Throttleman se ter já afirmando
no mercado, as competências relativas à criação e manutenção da reputação no mercado
ganharam preponderância. Nesse sentido, entre 1998 e 2000, a empresa participou nas
feiras de promoção de venda de franchises e fez publicidade nos Guias de
Oportunidades em Franchising. A partir de 2001, a Throttleman deixou de procurar
activamente franqueados. Não publicitando a venda do franchise, a procura por parte de
potenciais franqueados resulta quer da reputação do franqueador, enquanto contraparte
no relacionamento de franchising, quer da notoriedade da marca, resultante da
experiência pessoal dos potenciais franqueados enquanto consumidores. Também
importantes para a manutenção do relacionamento são as competências relativas à
replicação das unidades e as relativas à sua supervisão.
7.2.2. A Dependência do Percurso e a Dinâmica do mix UP/UF
A análise do trajecto da Throttleman, desde 1991 até ao momento presente,
ilustra a presença de uma dependência do percurso que determina as suas competências
e os seus relacionamentos, bem como a evolução do mix de unidades próprias e
unidades franqueadas, ao longo do tempo.
A empresa iniciou a sua actividade em 1991 e, em apenas dois anos, abriu três
lojas próprias. Num espaço de tempo relativamente curto, a Throttleman desenvolveu
208
competências associadas à gestão da marca e do conceito de negócio, destacando-se,
por exemplo, as competências relativas ao posicionamento e imagem da marca e à
escolha do leque de produtos oferecidos. Simultaneamente, nesse mesmo período, a
Throttleman desenvolveu competências de replicação e de gestão de rede, de onde se
destaca o know-how relativo à escolha das características a replicar nas várias unidades
(Winter e Szulanski, 2000), à transferência e difusão de conhecimento dentro da rede e
à supervisão das unidades após a replicação.
Apesar se ter divido a trajectória da empresa, até ao momento presente, em dois
períodos, encontram-se três diferentes fases quanto ao posicionamento da rede
relativamente aos relacionamentos de franchising. A primeira fase inicia-se em 1993.
No seguimento de constrangimentos de natureza financeira (Caves e Murphy, 1976), a
empresa iniciou uma estratégia de crescimento através de unidades franqueadas, tirando
partido das competências de replicação, entretanto adquiridas, e iniciando o
desenvolvimento das competências indirectas (Loasby, 1998) que lhe permitiriam
aceder aos recursos e competências dos seus franqueados. Nesta fase, tal como já foi
referido, tiveram particular importância as competências indirectas do franqueador que
lhe permitiram vender um conceito ainda muito recente e, portanto, pouco testado e
desenvolvido.
Em 1996, a empresa iniciou a estratégia de expansão internacional. Esta decisão
influenciou de forma significativa o trajecto posterior da empresa. A internacionalização
da marca foi extremamente exigente em termos do consumo do tempo dos gestores da
sede. A empresa viu-se obrigada a mudar o nome da marca, a adicionar um conjunto de
novos artigos ao leque de produtos iniciais e a adoptar um novo design nas lojas.
Finalmente, tendo em conta a sua elevada exigência financeira, este projecto fez com
que a administração da empresa procurasse financiamento, o que teve como
consequência a entrada do BPI e do FIEP no capital social da empresa. Todas estas
circunstâncias conduziram à necessidade de reorganizar a empresa. Segundo o
informante, “ao iniciarem o processo de internacionalização, quiseram, na prática,
livrar-se da gestão das lojas cá”, como forma de permitir um maior enfoque de todos os
recursos humanos de gestão da empresa no novo projecto (tal como em Penrose, 1959).
Assim, a internacionalização da marca surge associada à segunda fase de crescimento
através do franchising. Neste período, a empresa desenvolve as competências relativas à
209
criação e manutenção da reputação no mercado, importantes na captação de
franqueados. Nesse sentido, a empresa participou nas feiras de promoção de venda de
franchises e fez publicidade nos Guias de Oportunidades em Franchising.
Em 1998, a empresa Hozar Portugal adquiriu o direito a explorar uma das
unidades da rede, anteriormente detida pela empresa franqueadora, situada no centro
comercial GaiaShopping, em Vila Nova de Gaia. O início do relacionamento surge
através da relação de amizade pessoal existente entre o Director de Franchising da
Throttleman e um dos sócios da Hozar Portugal. Esta situação evidencia a importância
das relações sociais e extra-profissionais no início dos relacionamentos inter-
organizacionais (Hakansson e Snehota, 1995). Entre 1998 e 1999, a Hozar Portugal
adquiriu outros 5 franchises da marca, tornando-se no principal franqueado da
Throttleman. Esta situação resulta de vários factores. Em primeiro lugar, a Hozar
Portugal pretende crescer e vê no relacionamento com este franqueador a possibilidade
de atingir esse objectivo. Segundo, a empresa franqueadora deseja prosseguir o seu
plano de expansão a nível nacional, através de unidades franqueadas. No entanto, tendo
em conta o número e a urgência com que necessita obter franqueados para as diferentes
lojas já existentes, assim como as que ainda pretende abrir em Portugal, a empresa não
consegue realizar uma selecção criteriosa de novos e diferentes franqueados. Neste
contexto, a Hozar Portugal apresenta-se como um franqueado que o franqueador
conhece e em que reconhece as competências necessárias para a realização de uma boa
gestão desses pontos de venda. Finalmente, a relação de amizade extra-profissional já
referida entre os dois membros pertencentes a cada uma das duas organizações poderá
também ter contribuído para solidificar o relacionamento entre as duas empresas
(Hakansson e Snehota, 1995), nomeadamente pelo seu efeito nas percepções do
franqueador, quer quanto aos custos de transacção dinâmicos, quer aos benefícios
relativos à utilização das competências desse franqueado na gestão dessas unidades.
O facto de possuir 6 lojas da rede fez com que ao Hozar Portugal ficasse a
conhecer muito bem o negócio do franqueador. Na verdade, em 2000, quando a gestão
da empresa franqueadora começou a sentir algumas dificuldades no projecto de
expansão, a Hozar Portugal já detinha as competências específicas relativas ao negócio.
Adicionalmente, a Hozar Portugal detinha também competências relativas à criação e
manutenção de um conceito franqueado, à replicação de unidades e de gestão de rede.
210
Estas últimas competências foram desenvolvidas pela Hozar Portugal através da
criação, replicação e franchise de um conceito novo, a rede de restauração Storia del
Caffe. De facto, a empresa Hozar Portugal tinha mais do que um negócio. Além de
explorar as 6 lojas da Throttleman, a empresa explorava também, em regime de
franchising, três lojas da marca suíça de relógios Swatch e tinha ainda criado e
desenvolvido um novo conceito de negócio, um café temático, Storia del Caffe.
Dado o elevado nível de envolvimento da Hozar Portugal na rede da
Throttleman, o que se traduzia num investimento elevado em activos específicos, e
tendo em conta que este franqueado dispunha já das competências que lhe permitiriam
gerir essa rede, a empresa franqueada foi, de alguma forma, empurrada para a aquisição
da empresa franqueadora. Assim, no seguimento dos problemas enfrentados pela
Brasopi, a empresa franqueada acaba por adquirir 51% da empresa franqueadora e
assumir a sua gestão. Com a nova gestão, a empresa regressou à integração vertical
como estratégia preferencial. A focalização estratégica da empresa redireccionou-se
para o mercado nacional, restringindo o investimento no estrangeiro. A nova gestão
alterou mais uma vez a imagem da rede e introduziu produtos novos.
211
7.3. Conclusões
A análise deste caso permitiu verificar que a Throttleman é uma rede de
empresas heterogéneas que interagem no sentido de partilhar recursos e competências
(Hakansson e Snehota, 1995). Por um lado, os franqueados acedem às competências do
franqueador, relativas à sua gestão da marca e ao conceito de negócio. Por outro lado, o
franqueador acede ao know-how dos seus franqueados relativo à gestão corrente da
unidade e ao mercado local. Em particular, a gestão do relacionamento com os clientes
é a competência mais valorizada pelo franqueador. Esta competência traduz-se na
capacidade dos franqueados para atrair os clientes e mantê-los fiéis à marca. O
contributo dos franqueados é também importante no que diz respeito às preferências dos
clientes relativamente ao produto oferecido pela Throttleman. Assim sendo, os
franqueados participam no processo de desenvolvimento do produto.
Apesar desta constatação, verificou-se também que, nesta rede, o relacionamento
existente entre o franqueador e os franqueados é do estilo “top-down”, onde “o
franqueado é percepcionado como sendo um bom franqueado, se fizer o que o
franqueador deseja” (Elango e Fried, 1997, pp. 76). O franqueador tem a actividade de
definição estratégica, de geração de ideias que depois são transmitidas aos franqueados.
Os franqueados utilizam o conhecimento e expertise do franqueador mas não são
capazes de contribuir para o sistema.
Verificou-se, também, que tanto cada participante na rede, quanto os
relacionamentos que se estabelecem entre eles, têm características únicas (Hakansson e
Snehota, 1995). O franqueador reconhece que os franqueados da rede são heterogéneos,
diferindo no “grau de obediência” às suas instruções e no acompanhamento dado ao seu
ponto de venda, o que origina desempenhos diferentes nas várias unidades franqueadas.
Contudo, a análise deste caso não demonstrou que as competências do
franqueador e dos franqueados dessem um contributo significativo na explicação da
emergência do franchising ao nível do negócio. Na verdade, a análise deste caso
permite-nos concluir que, nesta rede, o início dos relacionamentos em franchising se
encontra associado à restrição de recursos (e.g. Oxenfeldt e Kelly, 1969). Finalmente,
neste caso, também não se encontrou suporte empírico para a Teoria da Agência do
Franchising (e.g. Brickley e Dark, 1987).
212
No entanto, ao nível da unidade, a decisão relativa ao tipo de propriedade de
unidade, parece, pelo menos em certos casos, ser influenciada pelas competências
necessárias para gerir essa unidade, e de como essas competências se podem combinar
com as outras competências, existentes na rede. Esta situação demonstra que mesmo
numa rede, como a Throttleman, onde o franqueador vê os franqueados como actores
passivos que deverão obedecer às suas instruções (e.g. Elango e Fried,1997), o papel as
competências dos franqueados assume por vezes uma função importante.
A análise do caso permitiu-nos ainda confirmar a importância as competências
indirectas (Loasby, 1998) do franqueador quer para o início quer para a manutenção dos
relacionamentos. Mais ainda, este caso evidenciou a importância dos relacionamentos
extra-profissionais existentes entre os membros das empresas envolvidas no
relacionamento como um factor influenciador do início e desenvolvimento do
relacionamento (Hakansson e Snehota, 1995) de franchising.
Finalmente, a análise do trajecto da Throttleman, desde 1991 até ao momento
presente, ilustra a presença de uma dependência do percurso que determina as suas
competências e os seus relacionamentos (e.g. Mota e de Castro 2004), bem como a
evolução do mix de unidades próprias e unidades franqueadas, ao longo do tempo.