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108 Capitulo 7 Ótica de partículas carregadas versão 2008.2 O que há em comum entre um canhão de elétrons de um osciloscópio ou de um tubo de TV com sistemas óticos como maquina fotográfica, microscópios, etc...? Todos os sistemas citados acima funcionam seguindo os mesmos princípios de um sistema ótico, que o design dos aceleradores de partículas carregadas também se baseia nos mesmos fundamentos, além dos microscópicos óticos e eletrônicos. Em várias situações práticas faz-se necessário transportar e controlar feixes de partículas carregadas, o que pode ser feito com o auxílio de lentes. As lentes possuem uma ação focalizadora que maximiza a eficiência de transmissão do sistema de transporte. Lentes podem ser constituídas de campos elétricos e/ou magnéticos. Trataremos aqui apenas de lentes eletrostáticas. Elas são apropriadas para várias aplicações, são fáceis de construir e operar. A faixa de velocidades das partículas que trataremos aqui é da ordem de alguns keV, e efeitos relativísticos serão desprezados. A equação diferencial que descreve a deflexão de partículas carregadas por campos puramente eletrostáticos não inclui nem a massa nem a carga da partícula. Assim, com as voltagem e polaridade apropriadas,um sistema eletrostático de lentes pode igualmente ser utilizado para qualquer partícula, independente da sua carga e massa. Os íons são mais pesados do que elétrons, então viajarão muito mais lentamente do que os elétrons, mas seguirão as mesmas trajetórias. Refração de um feixe de partículas Em uma lente eletrostática, a distribuição de potenciais não pode ser geralmente expressa em termos de uma função exata, nem é possível deduzir matematicamente a trajetória do elétron mesmo que o campo tenha sido experimentalmente mapeado. Nestes casos, é útil introduzir a idéia de refração de um feixe de elétrons numa fronteira de potencial. Já sabemos de cursos elementares que o elétron tente a se mover na direção oposta ao campo elétrico. Vamos agora pensar em termos de linhas (ou superfícies) de potencial e discutir a deflexão de elétrons em termos de estágios sucessivos de refração quando passando de uma região equipotencial para outra. O campo na verdade variar de forma não abrupta, sem descontinuidades. Um meio com índice de refração que varia continuamente não é fácil de tratar, então é mais fácil trocá-lo por uma série de camadas com uma ‘densidade’ crescente, como se faz quando tratamos refração na atmosfera. Um campo elétrico exerce uma forca sobre uma partícula de carga q φ - = = r r v q E q F que e sempre perpendicular a superfície ϕ=constante.

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108

Capitulo 7 Ótica de partículas carregadas

versão 2008.2

O que há em comum entre um canhão de elétrons de um osciloscópio ou de um tubo de TV com sistemas óticos como maquina fotográfica, microscópios, etc...? Todos os sistemas citados acima funcionam seguindo os mesmos princípios de um sistema ótico, que o design dos aceleradores de partículas carregadas também se baseia nos mesmos fundamentos, além dos microscópicos óticos e eletrônicos. Em várias situações práticas faz-se necessário transportar e controlar feixes de partículas carregadas, o que pode ser feito com o auxílio de lentes. As lentes possuem uma ação focalizadora que maximiza a eficiência de transmissão do sistema de transporte. Lentes podem ser constituídas de campos elétricos e/ou magnéticos. Trataremos aqui apenas de lentes eletrostáticas. Elas são apropriadas para várias aplicações, são fáceis de construir e operar. A faixa de velocidades das partículas que trataremos aqui é da ordem de alguns keV, e efeitos relativísticos serão desprezados. A equação diferencial que descreve a deflexão de partículas carregadas por campos puramente eletrostáticos não inclui nem a massa nem a carga da partícula. Assim, com as voltagem e polaridade apropriadas,um sistema eletrostático de lentes pode igualmente ser utilizado para qualquer partícula, independente da sua carga e massa. Os íons são mais pesados do que elétrons, então viajarão muito mais lentamente do que os elétrons, mas seguirão as mesmas trajetórias. Refração de um feixe de partículas Em uma lente eletrostática, a distribuição de potenciais não pode ser geralmente expressa em termos de uma função exata, nem é possível deduzir matematicamente a trajetória do elétron mesmo que o campo tenha sido experimentalmente mapeado. Nestes casos, é útil introduzir a idéia de refração de um feixe de elétrons numa fronteira de potencial. Já sabemos de cursos elementares que o elétron tente a se mover na direção oposta ao campo elétrico. Vamos agora pensar em termos de linhas (ou superfícies) de potencial e discutir a deflexão de elétrons em termos de estágios sucessivos de refração quando passando de uma região equipotencial para outra. O campo na verdade variar de forma não abrupta, sem descontinuidades. Um meio com índice de refração que varia continuamente não é fácil de tratar, então é mais fácil trocá-lo por uma série de camadas com uma ‘densidade’ crescente, como se faz quando tratamos refração na atmosfera. Um campo elétrico exerce uma forca sobre uma partícula de carga q

φ∇−==rrv

qEqF

que e sempre perpendicular a superfície ϕ=constante.

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O espaço entre qualquer eletrodo é então representado como preenchido por uma série de superfícies equipotenciais cuja distribuição de densidades pode ser ajustada de acordo com a precisão desejada. Suponha que um elétron de velocidade vo se aproxima de uma equipotencial que divide dois meios de potenciais V1 e V2. Os ângulos de incidência i e de refração são definidos com em ótica com respeito à perpendicular no ponto de incidência. Supondo que o elétron foi acelerado a partir do repouso

q(V1 –Vo )= ½ mv12

Quando cruza a superfície equipotencial, a componente tangencial de sua velocidade (vosenθi) não mudará, mas a componente normal (vocosθi) mudará para vocos(θr). Então

ri senvsenv θθ 21 =

2

1

2

1

2

1

)(

)(

n

n

VV

VV

v

v

sen

sen

o

o

r

i =−

−==

θθ

onde n1 e n2 são definidos como índices de refração. Esta razão é constante para qualquer elétron e é análoga à lei de Snell para a refração ótica. Exercício 7.1. Mostre que fazendo 12 VVV −=∆ e

oVVV −= 1 a razão entre os índices de

refração e escrito por V

V

n

n ∆+= 1

1

2 , mostrando que n2/n1 depende somente da diferença

de potencial entre os meios 2 e 1 e a energia cinética inicial da partícula.

V1V1 V2 V2

dE = 0 E = 0

θi

θr

E = (V2 –V1)/d

v1x

v1y

v2y = v1y

v2x

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Revisão de ótica geométrica Vamos começar ilustrando a propriedade focalizadora de uma lente devido a curvatura de sua superfície limite. A figura abaixo mostra duas regiões, tendo índice de refração n1 e n2, separadas por um contorno de raio R. Raios de luz incidem paralelamente ao eixo, e para pequenas distancias h1 e h2 são refratados no limite de tal modo que cruzam o eixo nos pontos F1 e F2, respectivamente. Estes são o primeiro e segundo pontos focais desta lente simples onde as distancias são medidas a partir do limite. Supomos h<<R de tal modo que os senos e tangentes dos ângulos podem ser aproximados pelos próprios ângulos. Então

1

243

2

121

23

11

3241

2211

f

h

f

h

R

h

R

h

nn

nn

=−

=−

=

=

=

=

αα

αα

α

α

αα

αα

eliminando os ângulos encontramos

Rn

nn

f

Rn

nn

f

11

11

2

12

2

1

21

1

−=

−=

ou ainda

1

2

1

2

n

n

f

f−=

O sinal e uma conseqüência da definição de distancia focal medida a partir do limite da superfície.

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Fig. 1- Refração da luz em contorno esférico entre dois meios . O detalhe mostra a convenção de sinais. Os ângulos α1 e α2 são positivos assim como os ângulos entre os raios e o eixo nos pontos focais. A convenção dos ângulos e que medidos a partir do eixo ao raio são positivos se a rotação e horária. Estas convenções faz com que os ângulos tenham o sinal de suas tangentes.

F2

F1

n1n2

R

h1

h2

α 1

α 4

α 2

α 3

-+

+-

F2

F1

n1n2

R

h1

h2

α 1

α 4

α 2

α 3

-+

+-

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112

lente delgada

fqp

111=+

Analogia com lentes óticas

f f

p

q

f f

p

q

+

+

-

-

+

+ +

++

+

-

-

+

+ +

+

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Qualquer campo eletrostático com simetria rotacional possui propriedades para formar imagens. Partículas carregadas com a mesma energia, partindo de pontos em um plano objeto, são focalizadas em pontos em um plano imagem, se suas trajetórias são paraxiais, ou seja, se elas são bastante próximas ao eixo e sempre possuem uma inclinação pequena em relação a ele. Tais raios geram uma imagem estigmática (correta ponto a ponto) magnificada ou diminuída.

Magnificação e posição de uma imagem dependem da energia das partículas: Há uma dispersão em energia; a formação da imagem é perturbada por uma aberração cromática. Uma lente eletrostática consiste de dois ou mais eletrodos mantidos em potenciais diferentes. Quando planejando sistemas de lentes eletrostáticas é freqüentemente útil relembrar a analogia que existe entre estas lentes e os sistemas óticos mais familiares em ótica geométrica. No entanto, no caso de lentes eletrostáticas, ao contrário da ótica geométrica, a focalização pode ser alcançada com a mudança da energia cinética do feixe. Outra diferença é que lentes eletrostáticas possuem muito mais aberrações do que as suas contrapartidas óticas. Isto significa que a abertura, ou o número f ( f# ) de uma lente eletrostática é usualmente limitada de modo a manter estas aberrações num nível tolerável. Raios fora do eixo, ao contrário do raios paraxiais, não são focalizados em um mesmo ponto. O conjunto de ponto de interseção de todos os raios adjacentes, partindo do mesmo ponto objeto forma uma camada cáustica: A imagem é afetada por aberrações geométricas. Para nossa sorte, este problema não é tão fundamental na maioria dos casos, uma vez que estas lentes são utilizadas para o transporte de partículas e não para a formação de imagens. Outra diferença é a repulsão coulombiana no caso de feixes carregados, que pode limitar a corrente de partículas, mas pode ser desprezado para feixes pouco intensos ( da ordem de nA). Para focalizar um feixe com simetria rotacional, a área em torno do eixo é utilizada. Com a demanda crescente na qualidade da imagem (como em um microscópio eletrônico, por exemplo), requer uma abertura, tão pequena, que a difração na borda do buraco do diafragma influência a qualidade da imagem. Para analisadores eletrostáticos (analisadores de velocidade), no entanto, há vantagem no fato de ocorrer uma aberração cromática forte. Lentes eletrostáticas também podem atuar como filtros para selecionar um certo intervalo de energias do feixe.

Colimação e definição de um feixe de partículas carregadas Em qualquer aplicação é necessário definir a extensão espacial e angular do feixe. Isto pode ser feito definindo duas aberturas físicas, conforme ilustrado na Fig. 1. A primeira abertura, A1, define o tamanho radial do feixe e é chamada de a janela (window) do sistema. As partículas são supostamente emitidas isotropicamente de cada ponto dentro da janela. A segunda abertura, A2, determina a extensão angular do feixe e é chamada de pupila. Cada ponto dentro da janela dá origem a um pincel ( pencil) de raios, cujo meio ângulo, θP, é dado por θP ≈ rp/L, onde rp é o raio da abertura da pupila e L a distância entre a janela e a pupila.

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Fig. 1 – definição radial e angular de um feixe por uma janela e pupila.

Brilho O brilho β de um ponto sobre um objeto luminoso é determinado pela corrente diferencial ∆I, que passa através de um elemento de área ∆A em torno de um ponto, e ilumina em um ângulo sólido ∆Ω:

∆Ω∆∆

=A

Iβ (µAcm-2sr-1) (1)

A janela é geralmente uniformemente iluminada pelo feixe de partículas. Fica como exercício (exercício 1) mostrar que o brilho do objeto descrito pela janela

A lei de Helmhotltz-Lagrange

Uma lente eletrostática produz imagens de aberturas físicas que definem o feixe, e o planejamento de lentes pode ser considerado em termos destas janelas e pupilas. Isto é ilustrado na Fig. 2, onde a lente produz uma imagem da janela: tais imagens são chamadas de janelas virtuais. O raio da imagem r2, relaciona-se com o raio da janela, r1, por uma magnificação linear da lente, M = r2/r1. Passando através da lente, do potencial V1 para o potencial V2, ocorre também uma mudança na energia da partícula e uma

rj rp

A1

A2

janelapupila

θF

θP

rj rp

A1

A2

janelapupila

θF

θP

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mudança no ângulo do pincel (θ). A lei de Helmholtz-Lagrange relaciona estas quantidades

2/1222

2/1111 VrVr θθ = (2)

ou seja, o produto rθV1/2 é uma grandeza conservada. É importante notar que os ângulos nesta relação são os ângulos do pincel e não os ângulos do feixe. Uma vez que o ângulo do pincel seja determinado em algum ponto do sistema ótico pelas aberturas físicas, estará automaticamente determinado em um outro ponto pela lei de Helmholtz-Lagrange. Na Fig. 3 a pupila foi posicionada no plano focal da lente. Isto faz com que a imagem da pupila vá para o infinito e produz um ângulo de feixe nulo na imagem. A Eq. 1 mostra que o ângulo do pincel aumenta se a energia do feixe diminui.

Fig. 2- Uma ilustração da lei de Helmholtz-Lagrange e o posicionamento da pupila para produzir um ângulo de feixe zero.

Definições e medidas das tensões das lentes É essencial que as tensões aplicadas V1, V2, etc... sejam medidas com respeito à uma referência correta que freqüentemente não é zero. A referencia correta é energia

r1

r2

Imagem dajanela

janela pupila

L

FV1

V2

r1

r2

Imagem dajanela

janela pupila

L

FV1

V2

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cinética zero da partícula, ou seja, a referencia é escolhida tal que a partícula terá energia cinética igual à qV quando está numa região de potencial V.

Ótica de partículas em campos axialmente simétricos Na ausência de campos magnéticos, a equação do movimento de uma partícula carregada e escrita como

xq

dt

xdm

∂∂

2

2

x

qdt

xdm

∂∂

2

2

x

qdt

xdm

∂∂

2

2

Na ausência de fontes, a equação de Lapace pode ser escrita como

02

2

2

2

2

2

=∂

∂+

∂+

zyx

φφφ

De modo geral, não há solução analítica para a maioria dos casos, mas pode-se resolver numericamente. A maioria das lentes eletrostáticas, sao feitas por campos elétricos com simetria axial, obtidas por tubos ou aberturas cilíndricas.

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Fig. Lente eletrostática consistindo de dois tubos cilindricos. a) representação esquemática, b) o potencial e sua segunda derivada, c) analogia com a ótica geométrica. O sistema de coordenadas apropriado e o cilíndrico, r, z, φ. Como o sistema e axialmente simétrico, o potencial não depende do angulo, mas somente de r e z. Para r = 0 a primeira derivada do potencial é nula, o que não acontece para r diferente de zero. Ou seja, a força atua naquelas partículas que se movem fora do eixo de simetria da lente. Na figura acima, elétrons provenientes da esquerda, são atraídos em direção ao eixo de simetria (note que a força é sempre perpendicular a linhas equipotenciais). Para φ2 > φ1, os elétrons são acelerados quando se movem do primeiro para o segundo tubo. Sua velocidade é maior no tubo a direita do que o da esquerda. Isto significa que o efeito divergente da direita é menor do que o efeito focalizador da esquerda. O sistema funciona como uma lente focalizadora. Para φ2 < φ1 o sistema funciona como uma lente divergente.

Representação de uma lente espessa Em ótica elementar, a refração de um raio de luz por uma lente supostamente ocorre abruptamente em um plano que situa-se no centro da lente. No caso de uma lente eletrostática, a refração ocorre através de uma distância não nula, e a lente é descrita como espessa. Esta descrição é ilustrada na Fig. 3. A lente é representada por dois planos principais, P1 e P2, cada qual tem um comprimento focal correspondente, f1 e f2 com pontos focais F1 e F2, respectivamente. As posições dos planos principais, dos pontos focais e também do objeto (P) e imagem (Q), são medidas com respeito ao plano de referência que é usualmente escolhido ser o plano de simetria da lente. As trajetórias assintóticas das partículas podem ser determinadas como se segue:

i) A partícula entrando na lente paralela ao eixo ótico segue uma linha reta até o plano principal P2, onde a trajetória é refratada de tal modo que passa pelo ponto focal F2.

ii) A partícula passando pelo ponto focal F1 segue uma linha reta até o plano principal P1e é então refratada de tal modo que deixa a lente paralela ao eixo ótico.

iii) Trajetórias paralelas na entrada, se cruzam no ponto focal F2. Algumas relações úteis podem ser obtidas a partir da lente espessa:

2121 ))(( ffFQFP =−− (2)

2

2

1

1 )(

)( f

FQ

fP

fM

−−=

−−= (3)

onde M é a magnificação linear (r2/r1). Para uma imagem real, M é negativa, mas é comum referir à magnificação como se fosse positiva.

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Fig. 3 – Representação de uma lente espessa.

Geometria de lentes

F1

F2

f1f2

F1 F2

P

Q

objeto

imagem

Plano de referência

P2P1

F1

F2

f1f2

F1 F2

P

Q

objeto

imagem

Plano de referência

P2P1

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Os dois tipos mais comuns de lentes eletrostática são as lentes cilíndricas e as lentes de abertura circular, cuja simetria cilíndricas são bem apropriadas para feixes cilíndricos. As propriedades focais das lentes dependem do número de eletrodos que ela contém, além das dimensões e voltagens aplicadas. Lentes cilíndricas tendem a ser mais fortes e a produzir menos aberrações do que as de abertura circular. De modo geral, quanto mais eletrodos possuir uma lente, maior será o grau de controle sobre suas propriedades focais. Discutiremos aqui somente lentes cilíndricas, embora os mesmos princípios s e apliquem a lentes de abertura circular.

Fig.4 – Lentes de 2, 3 e 4 elementos.

Lentes com dois elementos

D

0.1 D

V1 V2

0.1 D

V1 V2

0.1 D

V1 V2

0.1 D

V3 V4

V3

D

D

D

0.1 D

V1 V2

0.1 D

V1 V2

0.1 D

V1 V2

0.1 D

V3 V4

V3

D

D

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Fig. 5 Tais lentes consistem de dois cilindros separados por uma distância (gap), g, que é tipicamente 0.1D (D = diâmetro da lente). O comprimento de cada cilindro deve ser com este diâmetro, de tal forma que o potencial axial possa alcançar seu valor assintótico (sem efeitos de borda). Na prática, isto significa que cada comprimento deva ser maior do que 1.5 D. Os parâmetros focais f1, f2, F1 e F2, dependem da razão das voltagens V2/V1, aplicadas aos eletrodos. Parâmetros para vários valores de V2/V1 são apresentados em [3]. Estes parâmetros são apresentados freqüentemente na forma de curvas PQ. Em ótica elementar de lentes, as distâncias do objetos e imagem estão relacionadas por hipérboles, ou seja, 1/P + 1/Q = 1/f, onde f é a distância focal. De forma similar, curvas PQ para lentes são representadas por hipérboles, cada correspondendo a um valor particular de V2/V1. Tal família de curvas PQ para uma lente de dois elementos é mostrada na figura abaixo. Estas curvas também fornecem diretamente a magnificação M. A desvantagem de uma lente de dois elementos é que, para uma posição do objeto fixa, a posição da imagem mudará se V2/V1 mudar. Este problema é resolvido como uma lente de três elementos.

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Fig.6 – Curvas PQ para uma lente de dois elementos. Referencia [4]

Lentes com três elementos

Fig. 7

As lentes com três elementos são mostradas na Fig. 4. O comprimento do

elemento central é tipicamente 0,5 ou 1,0 D, sendo que o valor maior fornece uma faixa maior de razões entre as voltagens. As propriedades focais deste tipo de lente depende da razão entre as voltagens, ou seja, V3/V1 e V2/V1, o que dá a esta lente uma propriedade muito útil: a razão V3/V1 pode ser variada mantendo fixas as distâncias do objeto e da

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imagem, simplesmente mudando a voltagem de focalização V2/V1. Por causa desta propriedade estas lentes são as vezes chamadas de lentes zoom . Esta é uma propriedade muito importante porque na prática os objetos e as imagens, ou seja, fontes de partículas, detetores, e analisadores de energia, são freqüentemente fixos. O valor V3/V1 pode ser maior, menor ou igual a unidade, quando esta lente recebe o nome de lente einzel, que é muito utilizada para focalização. Curvas PQ para lentes de três elementos são mostradas na Fig. 8, onde A representa a largura do elemento central.

Fig. 8

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Método Matricial Uma descrição útil para as trajetórias de partículas carregadas através de um sistema focalizador pode ser formulado usando matrizes. A trajetória de uma partícula através de um sistema que é cilindricamente simétrico em torno do eixo z é determinada pelo vetor (r, dr/dz, z), onde r é a distância radial da trajetória ao eixo z e dr/dz é o ângulo que o raio faz com o z. Suponha que os valores destes parâmetros em dois planos distintos do sistema (entrada e saída) são r1r1’ e r2r2

’, respectivamente, conforme

mostrado na figura abaixo. Então na aproximação paraxial, há uma relação linear ente eles na forma

r2 = A r1 + B r1’

r2’= C r1 + D r1

ou em notação matricial

=

'' 1

1

2

2

r

r

DC

BA

r

r

onde

=

DC

BAM

é chamada matriz de transferência de raios. Seu determinante é geralmente 1. A trajetória através de um plano perpendicular ao eixo central z é representado pelo vetor

= 'rdz

drr

O efeito de um deslocamento em uma região livre de campos de z1 até z2 é dado por

→=

121

2

2

')(

'1

r

rzzM

r

r

onde a matriz de transferência de raios é

∆=→

10

1)( 21

zzzM ,

12 zzz −=∆

Uma lente pode ser representada como se seu efeito fosse confinado a uma região entre os planos principais. A matriz operando entre os planos principais é dada por

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Fig. Esquema generalizado de um sistema ótico,mostrando uma trajetória típica e seus parâmetros paraxiais nos planos de entrada e de saida

Projetando sistemas eletrostáticos (incompleto) Regras úteis: 1 – duas aberturas físicas, e não mais, devem ser utilizadas para definir o feixe (a janela e a pupila) ; 2- Aberturas físicas devem estar localizadas longe o suficiente de uma lente de modo a não perturbar o campo elétrico da lente. Na prática isto significa que qualquer abertura deve estar localizada há um ou dois diâmetros da lente. 3-É preferível usar lentes de três elementos ao invés de dois elementos pois a primeira têm menos aberrações e permite um controle melhor das propriedades focais; 4– Quando utilizando lentes de três elementos, as quais possuem dois valores possíveis para o potencial do foco (V2/V1), é preferível usar o maior valor de modo a minimizar aberrações;

Programas de simulação SIMION é o programa mais amplamente utilizado bidimensional e utiliza o método das diferenças finitas para calcular o potencial eletrostático. Neste método, o espaço ocupado pelos eletrodos não é tratado como contínuo, mas como uma rede de pontos discretos. O potencial de todos os pontos é obtido usando uma aproximação numérica da equação de Laplace (∇2φ = 0), fazendo uso dos potenciais conhecidos nos pontos de contorno. A interpolação é utilizada para encontrar o potencial em qualquer ponto intermediário.

Plano de entrada Plano de saida

Planos principais

h1 h2

r1

r1’

r2

r2’

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O SIMION 3D é o software de simulação padrão para a criação de sistemas óticos.A versatilidade e o poder do SIMION 3D permitem a simulação de uma grande variedade de sistemas, tais como: ions atravessando lentes eletrostáticas e magnéticas simples, passando por instrumentos altamente complexos,por exemplo, instrumentos de tempo de vôo (TOF),armadilhas de íon,quadrupolos, fonte do íon e sistema ótico de detectores.

Figura 01: painel principal do Simion

Neste roteiro, veremos os procedimentos para que possamos construir e analisar sistemas que utilizem lentes eletrostáticas. Neste caso, como exemplo, vamos construir três pares de lentes deste tipo:

1. Antes de construir o esquema das lentes, é preciso definir que tipo de geometria iremos trabalhar, bem como estipular as dimensões da área de trabalho. Para isto, basta clicar no botão New do painel principal;

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Figura 02: definições feitas a partir do ícone New

2. Feitas as definições, o novo arquivo já está pronto pra ser modificado, ou seja, já podemos desenhar a configuração do sistema na ‘área de trabalho’ (pontos verdes). Clicando no botão Modify, todas as definições feitas anteriormente aparecerão para serem aplicadas na geometria em questão.

3. Para desenhar no Simion, selecione uma área qualquer (compatível ao projeto em

questão), indique que esta área selecionada é um eletrodo, numere-a e clique Replace – Yes .

Figura 03: Vista de como deve ser desenhado qualquer projeto no Simion, a partir do

Modify

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4. Uma vez desenhado, o projeto deve ser imediatamente salvo. Ainda na janela do botão Modify, clique em Keep – ele manterá o projeto do jeito que foi feito para ser salvo. Feito isto, ele voltará ao painel principal e lá, você deve clicar em Save. Quando o nome do arquivo for dado em File, ele deverá ter obrigatoriamente a extensão .PA# se for salvo pela primeira vez. Esta extensão indica ao programa o ‘desenho-base’ do projeto e a partir dele, todas as alterações numéricas que forem feitas sobre ele terão uma extensão numérica.

Exemplo: Einzel. PA# ------- desenho-base; Einzel. PA0 ------- primeira alteração numérica feita sobre o anterior; Einzel. PA1 ------- segunda alteração numérica feita sobre o PA#; etc. 5. Após salvar, o projeto deve ser refinado, isto é, o programa faz uma avaliação

dentro da sua rotina de trabalho (método de relaxação) em toda a área definida no item 1, deixando os eletrodos prontos para receberem um valor de potencial qualquer.

6. Todos as partes do projeto que foram denominadas de eletrodos e que receberam

um valor que as diferenciam, vão receber o(s) valor(es) original(is) do potencial a que elas serão submetidas. Depois que o projeto já estiver refinado, você retornará à tela principal e clicando no ícone Fast você vai poder ajustar os valores pretendidos dos potenciais para o projeto. Para ter o valor do potencial ajustado, basta clicar em Fast Adjust PA.

Figura 04: Vista do Simion do projeto depois de refinado e já no Fast

7. Quando os potenciais forem ajustados, a tela principal reaparece e agora, só falta

ver o projeto em 3D e ver o comportamento das partículas carregadas nos eletrodos que foram feitos. Para ver o projeto pronto, com todas as definições feitas no item número 1 e com todos os procedimentos feitos até aqui, basta clicar em View.

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Figura 05: Visão do plano XY do projeto, já no View

As partículas carregadas são definidas nesta janela também. Note que, quando aparecer esta janela aparece na parte superior o ícone Íons e logo ao lado dele têm dois ícones: Def e Rerun. Quando o ícone Rerun estiver vermelho, significa que após a definição dos íons eles irão passar indefinidamente pelos eletrodos; já quando pressionado o ícone Def aparecerá a seguinte janela:

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Nesta janela definimos tudo: se as serão elétrons ou prótons, qual a sua massa, a quantidade de partículas que passará pelos eletrodos, onde será a saída dessas partículas e também você poderá guardar este procedimento clicando em Record. Veja um exemplo em 3D com 20 partículas (elétrons) passando por três eletrodos, onde o primeiro e o terceiro estão a zero volts e o do meio tem 110V. Esta configuração recebe o nome de ‘Einzel lenses’.

Figura 06: Visão 3D de uma configuração do tipo Einzel .

Para maiores informações e aprofundamento sobre o programa, vá até www.simion.com .

Mãos a obra!!!!! Projeto:

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Utilizando o programa SIMION, construa uma lente eletrostática de 3 elementos tipo Einzel (V3 = V1) , e estude suas propriedades focais.

1) Construa uma lente com três elementos de diâmetro D (sugestão D =1,0 cm). O gap entre os elementos deve ser 0,1D.

2) fazendo uma fonte virtual de elétrons de energia variável (100 eV –1 keV) no infinito (P = ∞, ou seja, raios paralelos) incidir na lente, obtenha o plano focal desta lente.

3) Monte curva(s) PQ para esta lente (você pode utilizar os dados dos outros grupos)

Exercícios

1) Com base na figura 1, mostre que o brilho dado pela equação 1 pode ser expresso

como 2)( pjrI

θπβ = ou 2)( pjrr

ILπ

β =

2) Um elétron parte do repouso até uma região de V1 = +100 V incidindo a 30o com a normal de uma fronteira de uma região de V2 = 225 V. Calcule o ângulo de refração do elétron.

3) Uma lente eletrostática e formada por dois meios de potencial constante V1 e V2, respectivamente, separados por uma superfície esférica de raio R, conforme a figura abaixo. Mostre que as razões entre as distâncias focais é dada por f1/f2 = (V1/V2)

1/2. (Considere a aproximação paraxial de tal forma que sen α ≈ α)

4-A figura abaixo mostra uma lente eletrostática de dois elementos com potenciais V1 e V2. Na figura, PR representa o plano de referência e H1 e H2 representam os planos principais objeto e imagem, respectivamente. O eixo ótico esta dividindo em unidades arbitrarias (u). Um objeto (pode ser um colimador)

V1V2

f1

f2

V1V2

f1

f2

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esta a uma distância P = 5 u de PR , F1 = 2 u e F2 = 4u, conforme ilustrado na figura.

a)Traçando os raios que partem de P, obtenha a posição Q da imagem b) Determine pela figura as distâncias focais f1 e f2. c) verifique que a equação 2121 ))(( ffFQFP =−− e calcule a magnificação linear 5- Verifique que no caso de lente fraca, ou seja f1 ≈ f2 ≈ f, a equação

2121 ))(( ffFQFP =−− reduz a 1/p +1/q = 1/f. Agradeço a Juliana M. Pereira, aluna de IC e monitora do curso pela texto referente ao programa SIMION.

V1 V2

PR H1 H2

F1 F2

V1 V2

PR H1 H2

F1 F2

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Referências: [1] V. E. Cosslett, Introduction to electron optics, Oxford, Clarenton Press 1946 [2] G. C. King, Electron and ion optics, Atomic, Molecular, and optical physics: Charged particles, Edited by F. B. Dunning and Randall G. Hullet, Volume 22A, Experimental methods in the physical sciences, Academic Press [3] E. Harting e F. H. Read, Eletrostatic Lenses, Elsevier, Amsterdam, 1976. [4] F. H. Read, A. Adams, e J. R. Soto-Montiel, Journal of Physics E: Scientific Instruments 4, 625 (1970). [5] J. H. Moore, C. C. Davis, M. A. Coplan, Building Scientific Apparattus [6] V. Ovalle, D. R. Otomar, J. M. Pereira, N. Ferreira, R. R. Pinho, and A. C. F. Santos, Eur. J.Phys. 29 (2008) 251-256.