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Paulo Victorino CAPÍTULO SEIS ADMINISTRAÇÃO TURBINADA O GOVERNO DE JUSCELINO KUBITSCHEK Às vésperas das eleições, o jornalista e deputado Carlos Lacerda lança uma nova confusão ao publicar a chamada Carta Brandi. Escrita em papel timbrado original da Câmara de Corrientes supostamente por um deputado argentino, Antonio Jesus Brandi, era dirigida ao candidato a vice-Presidente, João Goulart. Nela se estabelecia um suposto contato entre Jango e a Embaixada Argentina no Rio de Janeiro para ultimar o processo de envio de armas de guerra ao Brasil, visando o início de uma revolução sindicalista nos moldes do governo de Juan Domingo Perón. Publicada pela Tribuna de Imprensa e pelo jornal O Globo e lida por Carlos Lacerda na televisão, essa carta provocou a maior celeuma, prejudicando bastante as candidaturas JK-Jango. Ficou provado (depois das eleições), que tal documento tinha sido forjado pelo escritório Cordeiro e Malfussi, cujos sócios foram presos na Argentina. O próprio Carlos Lacerda acabou reconhecendo a falsidade da carta, o que não anulou seus efeitos eleitorais, favorecendo a União Democrática Nacional. Ao clarear do dia 24 de agosto de 1954, a população brasileira, incrédula e estarrecida, toma conhecimento da morte trágica do presidente Getúlio Dorneles Vargas, vítima do esquema de segurança que montara em torno de si, mas vítima, também, de forças reacionárias que não queriam vê-lo no poder e que, por qualquer pretexto, ou por pretexto nenhum, queriam desalojá-lo.

CAPÍTULO SEIS ADMINISTRAÇÃO TURBINADA O GOVERNO DE ... · Juscelino Kubitschek de Oliveira nasceu em 1902 na cidade de Diamantina, Estado de Minas Gerais, um lugar revestido de

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Paulo Victorino

CAPÍTULO SEIS

ADMINISTRAÇÃO TURBINADA

O GOVERNO DE JUSCELINO KUBITSCHEK

Às vésperas das eleições, o jornalista e deputado Carlos

Lacerda lança uma nova confusão ao publicar a chamada Carta

Brandi. Escrita em papel timbrado original da Câmara de

Corrientes supostamente por um deputado argentino, Antonio

Jesus Brandi, era dirigida ao candidato a vice-Presidente, João

Goulart. Nela se estabelecia um suposto contato entre Jango e a

Embaixada Argentina no Rio de Janeiro para ultimar o processo de

envio de armas de guerra ao Brasil, visando o início de uma

revolução sindicalista nos moldes do governo de Juan Domingo

Perón. Publicada pela Tribuna de Imprensa e pelo jornal O Globo

e lida por Carlos Lacerda na televisão, essa carta provocou a maior

celeuma, prejudicando bastante as candidaturas JK-Jango. Ficou

provado (depois das eleições), que tal documento tinha sido forjado

pelo escritório Cordeiro e Malfussi, cujos sócios foram presos na

Argentina. O próprio Carlos Lacerda acabou reconhecendo a

falsidade da carta, o que não anulou seus efeitos eleitorais,

favorecendo a União Democrática Nacional.

Ao clarear do dia 24 de agosto de 1954, a população brasileira, incrédula e

estarrecida, toma conhecimento da morte trágica do presidente Getúlio Dorneles

Vargas, vítima do esquema de segurança que montara em torno de si, mas

vítima, também, de forças reacionárias que não queriam vê-lo no poder e que,

por qualquer pretexto, ou por pretexto nenhum, queriam desalojá-lo.

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O dia começa tenebroso. O perigo de tumulto nos locais de trabalho leva

patrões a suspender a jornada naquele dia, fazendo com que a agitação se

transfira para as ruas das grandes cidades. Horas depois, às pressas, é

declarado feriado nacional, com o que o trabalho fica suspenso também nas

raras casas que ainda haviam ousado abrir suas portas.

Nos locais públicos, protestos e depredações, ocasionando confrontos com a

polícia, cuidadosa em não complicar uma situação que já era, por si só, bem

difícil.

Em Belo Horizonte, o governador do Estado, Juscelino Kubitschek de

Oliveira, toma conhecimento de que uma grande concentração ia se formando

na avenida Afonso Pena, junto às escadarias da Igreja de São José. Eram já

mais de 50 mil pessoas, ouvindo calorosos discursos de líderes políticos e

sindicais, em ambiente inflamado, e num estado de comoção muito grande, tudo

levando a crer que, em breve, começariam tumultos impossíveis de se controlar.

O governador não tem dúvidas. Sozinho, sai do palácio, percorre a avenida e

sobe as escadarias, aproximando-se dos líderes da manifestação, como conta

Hélio Silva:

"Juscelino Kubitschek pediu licença e, declarando-se o

governador do Estado, dirigiu umas palavras à multidão. Estavam

todos vivendo um momento doloroso para a nação. Era preciso que

o povo, que sofria com a perda de Vargas não transformasse suas

expansões num movimento de desordem. Por isso, o governador

convidava a todos para subirem, a pé, em direção ao Palácio das

Laranjeiras [o palácio do Governo], onde poderiam ficar em seus

parques, todo o dia, trocando ideias. Suas palavras

impressionaram, pois falou emocionado.

"Assim, a multidão o acompanhou até o palácio, lá passando

todo o dia. Mas os últimos grupos só se dissiparam por volta das

23 horas. Foi então que Juscelino pôde vir ao Rio de Janeiro, para

visitar o corpo do presidente, no velório do Palácio do Catete,

regressando, ainda pela madrugada, a Belo Horizonte."

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Assim era JK: arrojado, mas sem pedantismo, aparentemente calmo,

mesmo que em seu interior se arrastasse um turbilhão de emoções. Apresentava

sempre uma serenidade que irritava seus adversários, muitos dos quais a

confundiam como um ato de cinismo e de provocação.

Com tal equilíbrio, é até compreensível que entre 1926 a 1985, abrangendo

um período de 59 anos, Juscelino Kubitschek torna-se o único Presidente civil

a concluir seu mandato, vencendo todas as tentativas, primeiro para impedi-lo

de tomar posse, depois para impedi-lo de governar.

Havia pedras no caminho

Como se recorda, a trajetória de JK a caminho da Presidência transcorreu por

uma estrada pedregosa e acidentada, que teria levado à desistência qualquer

outro, menos afeito às ciladas políticas e menos prevenido contra ações efetivas,

realizadas à margem da lei.

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Primeiro, a tentativa de se adiar as eleições gerais (exceto para Presidente),

marcadas para 3 de outubro de 1954, dois meses após a morte de Vargas.

Experiente na política, JK sabia que, uma vez suspenso este pleito, seria meio

caminho para cancelar também as eleições presidenciais de 1955, e se opôs

fortemente à proposta, trazida ao seu partido pelo governador de Pernambuco,

Etelvino Lins de Albuquerque.

Depois, a ação do Presidente Café Filho, recém empossado, induzindo o

postulante a desistir à sua candidatura, já que esta ainda nem havia sido lançado

por seu partido. Outra negativa. Seguiu-se, uma ação mais concreta do mesmo

Café Filho, ao apresentar um manifesto do Exército por uma candidatura única

e de militar, segundo eles, a única alternativa viável para a manutenção da

ordem.

Lançada de fato e de direito a chapa Juscelino-João Goulart pelo Partido

Social Democrático e pelo Partido Trabalhista Brasileiro, coube à União

Democrática Nacional, sua opositora, agir firme junto ao Tribunal Superior

Eleitoral, durante o processo de regulamentação das eleições visando melar o

processo.

Não conseguindo impor sua tese de maioria absoluta (50% do eleitorado), a

UDN obteve pelo menos a aprovação da cédula única que, embora evitando a

fraude, trazia um novo complicador: sua distribuição por todo o país era difícil, o

que favorecia a UDN, cujo eleitorado se concentrava nos grandes centros.

Foi preciso, então, que o PSD providenciasse transporte próprio para fazer o

material chegar aos rincões mais distantes. Ainda assim, houve núcleos

eleitorais que deixaram de votar por não receberem a tempo a cédula única.

Às vésperas das eleições, o jornalista e deputado Carlos Lacerda lança uma

nova confusão ao publicar a chamada Carta Brandi. Escrita em papel timbrado

original da Câmara de Corrientes supostamente por um deputado argentino,

Antonio Jesus Brandi, era dirigida ao candidato a vice-Presidente, João Goulart.

Nela se estabelecia um suposto contato entre Jango e a Embaixada Argentina

no Rio de Janeiro para ultimar o processo de envio de armas de guerra ao Brasil,

visando o início de uma revolução sindicalista nos moldes do governo de Juan

Domingo Perón.

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Publicada pela Tribuna de Imprensa e pelo jornal O Globo e lida por Carlos

Lacerda na televisão, essa carta provocou a maior celeuma, prejudicando

bastante as candidaturas JK-Jango. Ficou provado (depois das eleições), que

tal documento tinha sido forjado pelo escritório Cordeiro e Malfussi, cujos sócios

foram presos na Argentina. O próprio Carlos Lacerda acabou reconhecendo a

falsidade da carta, o que não anulou seus efeitos eleitorais, favorecendo a UDN.

Eleito Juscelino Kubitschek, surgiram os acontecimentos de novembro de

1955, com o discurso intempestivo do coronel Mamede junto ao túmulo do

general Canrobert, conforme narrado no capítulo anterior, originando dois

contra-golpes promovidos em conjunto pelos generais Teixeira Lott e Odilio

Denys, para garantir a posse do eleito.

Inicia-se, então conspiração para um levante armado, que deveria eclodir em

Recife em 17 de janeiro de 1956 (14 dias antes da posse), comandado pelo

Almirante Sílvio Heck, com apoio, no Rio de Janeiro, dos almirantes Pena Botto

e Amorim do Vale, todos envolvidos nos acontecimentos de novembro. Teria

também o apoio do brigadeiro Eduardo Gomes, que se deslocaria a Recife, para

dar cobertura junto à Aeronáutica. Todavia, a mobilização em Recife não teve os

esperados desdobramentos no Rio e em outras partes do país, abortando-se o

movimento antes mesmo que ele viesse a eclodir.

Seria ingenuidade supor que, diante desse clima, o governo a ser empossado

transcorreria sem ameaças de subversão. Juscelino tomou posse, sim, mas sua

permanência na Presidência só se tornou possível por sua tolerância, por vezes

até exagerada, e por seu espírito de conciliação, que desarmou, uma a uma, as

tentativas de desestabilização institucional.

Dependeu muito, também, da presença de seu ministro da Guerra, general

Henrique Duffles Teixeira Lott, elemento de coesão dentro do Exército e

respeitado em todas as Forças Armadas.

O professor Francisco de Assis Silva, em seu livro História do Brasil, sintetiza

com felicidade o perfil do novo Presidente:

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"Dotado de uma capacidade rara de perceber a importância do

momento histórico pelo qual passava o país, o mineiro de

Diamantina, dono de uma sensível vocação para a política,

conseguiu ‘trabalhar’ com a oposição, evitando confrontar-se com

ela. (...)

"A aproximação com os militares foi muito além da anistia. (...)

Com Juscelino, as Forças Armadas passaram a ocupar um lugar

de destaque nas decisões do Estado, compondo, juntamente com

a alta burocracia civil, a burocracia estatal. (...) A aliança com os

militares talvez explique o fato de Juscelino ter mantido o vice-

presidente João Goulart sem traumas com as Forças Armadas."

Quem era Juscelino

Kubitschek

Juscelino Kubitschek de Oliveira nasceu em 1902 na cidade de

Diamantina, Estado de Minas Gerais, um lugar revestido de grande simbolismo,

servindo de berço a um dos grandes estadistas de nossa República.

Diamantina fica na Serra do Espinhaço, um divisor de águas entre os rios que

se destinam à bacia do São Francisco, a oeste, e os rios que vão desaguar

diretamente no Atlântico, a Leste. O governo JK foi também um divisor entre o

Brasil agrícola e o Brasil industrial.

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Diamantina é o centro geográfico de Minas Gerais e seu mais famoso filho

sempre procurou o centro: literalmente, com a construção de Brasília;

alegoricamente, por suas posições equilibradas, na busca do consenso e da

conciliação.

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Em 1927 formou-se em medicina e, no início de sua carreira, trabalhou junto

a hospitais de sangue. Com o apoio e incentivo do governador Benedito

Valadares, iniciou a carreira política, elegendo-se deputado federal em 1934,

prefeito de Belo Horizonte em 1937, governador de Minas em 1950 e, finalmente,

presidente da República em 1955.

Arrojo e determinação sempre foram características de sua personalidade.

Belo Horizonte é a primeira cidade traçada no papel e construída pela vontade

do então governador Afonso Pena, contra os que queriam manter a capital em

Ouro Preto. Juscelino, quando prefeito da capital mineira, acrescentou a ela

outra obra controvertida: o conjunto arquitetônico de Pampulha, formado por

um lago artificial e prédios construídos por Oscar Niemeyer (1907-2012 ).

Uma dessas obras, a igreja de São Francisco teve painéis e azulejos pintados

por Cândido Portinari (1903-1962), gerando um impasse com a Arquidiocese,

que se recusou a consagrar esse templo ao culto religioso, achando um abuso

a arquitetura avançada do edifício e um sacrilégio a deformação dos ícones

representando os santos no melhor estilo modernista.

A quebra da tradição secular de fazer igrejas com torres feito setas apontando

para o céu e com santos gorduchos, de rostos arredondados, custou uma boa

briga com o clero, mas a igreja de São Francisco foi, finalmente reconhecida e

consagrada. Era o rompimento com a inércia e o início do movimento em direção

à modernidade.

Acrescente-se, de passagem, que tanto Niemeyer, o arquiteto, como

Portinari, o pintor, eram comunistas e ateus, o que trazia um complicador na

avaliação de suas obras, mormente as de caráter religioso. Muito mais tarde, em

1981 e morto Juscelino, o arquiteto Oscar Niemeyer foi incumbido de construir o

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Monumento a JK que, em princípio, teve sua inauguração contestada por alguns

setores das forças armadas porque, à distância, segundo esses opositores,

poderia se confundir com o símbolo comunista da foice e o martelo. Afinal, foi

inaugurado.

O Ministério

Durante a campanha eleitoral, Juscelino levava consigo uma proposta, que

chamou de nacional-desenvolvimentista, a qual incluía trinta metas

objetivando gerar o progresso e criar a modernização do país. A essas metas,

acrescentou mais uma, a construção da nova capital federal no centro geográfico

do país, assunto que será tratado em separado no próximo capítulo.

Assim, seja pela necessidade de governar com todas as forças políticas

influentes na vida brasileira, seja pela dinâmica de seu governo, que pretendia

avançar 50 anos em 5, JK teve de compor e recompor várias vezes os vários

escalões do governo, inclusive e principalmente o Ministério, que sofreu

contínuas modificações.

Para citar um só, o Ministério de Relações Exteriores, por ele passaram

José Carlos de Macedo Soares, Décio Honorato de Moura, Francisco Negrão de

Lima, Antônio Mendes Viana, Fernando Ramos de Alencar, Horácio Lafer,

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Edmundo Pena Barbosa da Silva, Afonso Arinos de Melo Franco, Vasco Tristão

Leitão da Cunha e Ilmar Pena Marinho. Dez titulares num período de cinco anos.

Destaque-se que um deles, Afonso Arinos, era fundador e líder incontestável

da UDN, o qual, em tempos passados, fora um ferrenho opositor de JK.

O primeiro Ministério ficou assim formado:

Relações Exteriores, José Carlos de Macedo Soares; Justiça,

Francisco Menezes Pimentel, substituído pouco depois por Nereu

Ramos; Fazenda, deputado José Maria Alkimin; Agricultura,

Ernesto Dorneles; Educação e Cultura, Clóvis Salgado da Gama;

Trabalho, Indústria e Comércio, Nelson Bachel Omegna,

substituído em seguida por José Parsifal Barroso; Viação e Obras

Públicas, capitão Lúcio Martin Meira; Saúde, Maurício Campos de

Medeiros, seguido pelo general Mário Pinotti; Guerra, general

Henrique Duffles Teixeira Lott, que ficou durante os cinco anos de

mandato; Marinha, almirante Renato de Almeida Guilhobel, (do

último ministério de Getúlio), logo substituído pelo almirante

Antônio Alves Câmara Júnior; Aeronáutica, brigadeiro Henrique

Fleiiuss, depois substituído pelo brigadeiro Vasco Secco.

Para a Casa Militar foi designado o general Nelson de Melo; para a Casa Civil,

Álvaro de Barros Lins; Chefe de Polícia, general de brigada Augusto Magessi

Pereira.

Um ponto sensível, neste momento, era o comando da 1ª Região Militar que,

por nomeação do ministro da Guerra, foi entregue ao seu companheiro do

contra-golpe de novembro de 1955, o general Odílio Denys.

Vários postos de direção em estatais e autarquias também foram entregues

a oficiais superiores do Exército, destacando-se a presidência da Petrobrás e,

mais tarde, a da Sudene (fundada em 15 de dezembro de 1959), criando-se

um vínculo seguro da administração com as Forças Armadas, o que também

garantiu a estabilidade do governo.

A eminência parda do regime

A expressão eminência parda foi usada pela primeira vez para designar o

Cardeal de Richelieu (1585-1642), Primeiro-Ministro de Luís XIII, o qual,

exercendo forte influência sobre o soberano francês, sustentou o regime,

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neutralizando o poder dos nobres e estabelecendo a monarquia absoluta na

França. Daí em diante, o termo passou a indicar todos aqueles que, pela sua

ascendência e peso nas decisões, foram um fator preponderante de estabilidade

de um regime.

Assim, no governo de JK, foi considerada como eminência parda a presença

destacada e contínua de seu ministro da guerra, o general Teixeira Lott. Com

certeza, há algum exagero nisso. Juscelino governava de fato e de direito e,

embora fizesse concessões às forças ao seu redor, a verdade é que nunca abriu

mão de sua autoridade de Presidente, tomando decisões e sustentando-as,

recuando às vezes para escolher um melhor caminho, mas jamais afastando-se

dos alvos propostos, que levou, todos eles, a bom termo.

Diga-se, a favor de Juscelino, que, mesmo nos momentos mais difíceis,

jamais transferiu a outrem a prerrogativa de governar.

Não obstante, é fato incontestável que seu governo só se tornou possível pela

influência de seu ministro da Guerra junto às Forças Armadas. Em 1955, Lott

tornara-se o fiador da transição, derrubando, num espaço de dez dias, dois

presidentes da República: Carlos Luz, que ficou quatro dias no poder, e Café

Filho, impedido de retornar ao cargo após sua alta hospitalar. Garantida a posse,

Lott ficou os cinco anos ao lado do governo e, em alguns momentos, sua figura

teve tal destaque que se confundiu com a própria administração central.

Foi assim, por exemplo um mês após a posse de JK, quando mais de oito mil

pessoas se concentraram na Esplanada do Castelo para fazer um ato de

sustentação ao ministro da Guerra. Na ocasião foi aprovada moção nos

seguintes termos:

"O povo, reunido em praça pública, neste memorável comício da

Capital da República, no dia 9 de março de 1956, manifesta todo

seu apreço ao general Teixeira Lott, por sua atitude em defesa da

Constituição em 11 e 21 de novembro de 1955 e pelos inestimáveis

serviços à nação brasileira. Às injúrias, ao ódio dos inimigos da

democracia, responde o povo com o calor desta homenagem,

expressão da solidariedade de todos os brasileiros."

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Em 11 de novembro de 1956, aniversário do movimento que tirou Carlos Luz

do poder, ocorre uma nova concentração, desta vez em frente ao ministério da

Guerra, reunindo perto de 15 mil pessoas. O local era área de segurança

nacional, vedado a comícios, mas, neste encontro, o próprio Ministro subiu ao

palanque, para receber a homenagem que lhe estava sendo prestada.

Pelas mãos do vice-Presidente, João Goulart, foi-lhe entregue uma espada

de ouro, fabricada em Caxias do Sul, tendo as seguintes inscrições: "Civis e

militares oferecem ao general Lott" (...) "A espada de novembro".

Um longo discurso de Jango, seguido de uma resposta, igualmente longa do

general, marcaram a importância do momento, jamais igualado em qualquer

manifestação que se tenha feito ao efetivo presidente da República, Juscelino

Kubitschek.

A par da fundamental importância de Lott na preservação do governo, há

também que registrar a presença de seu colega, general Odilio Denys no

comando da 1ª Região Militar, sediada no Rio de Janeiro, que continuava sendo

a Capital Federal. A figura deste militar em posto de tão alto comando

desestimulava qualquer movimento de rebelião dentro do Exército para pôr fim

ao governo JK.

Verdade é que, para preservá-lo no comando, foi preciso recorrer a um

casuismo, criando lei que permitia ao Presidente suspender a reforma

compulsória de oficiais cujos serviços, a seu julgar, ainda fossem necessários ao

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país. Um terno sob medida e de alta costura, destinado a prorrogar a

permanência, na ativa, do comandante da 1ª RM, evitando que este caísse na

compulsória.

Não por acaso, a mensagem que o Presidente enviou ao Congresso ficou

conhecida como Projeto Denys. Não por acaso, também, que a tramitação

começou pelo Senado, onde a aprovação se deu com facilidade, para só então

seguir para a Câmara Federal, onde também foi aprovado, mas usando-se de

artimanhas para vencer a resistência da UDN. Aprovada a lei, a oposição

ameaçou impetrar recurso junto ao Supremo Tribunal Federal, mas acabou se

conformando e ficou o dito por não dito.

As "Revoltas dos Escoteiros"

Não haviam se passado duas semanas da posse do novo Presidente, e um

movimento sedicioso ocorria dentro da Aeronáutica, liderado pelo major-aviador

Haroldo Coimbra Veloso e pelo capitão-aviador José Chaves Lameirão. Pela

precipitação com que foi deflagrada a ação, e pelo amadorismo com que ela se

desenvolveu, houve quem a comparasse a uma revolta de escoteiros, uma

injustiça cometida contra o barão de Baden-Powell e seus juvenis seguidores,

que sempre primaram pelo método, pela organização e pelo respeito à ordem

vigente.

As trapalhadas começam já pelo dia escolhido para o levante: um sábado de

Carnaval, 11 de fevereiro de 1956. Na hora aprazada, os dois comandantes se

perderam um do outro vindo a se reunir somente horas depois. Em seu primeiro

alvo, o Campo dos Afonsos, os contatos falharam e, não havendo adesão da

guarda, a praça teve de ser tomada à força e o avião de caça, pilotado por eles

mesmos, levantou voo sem autorização da torre de comando, provocando um

alerta geral que prejudicou as etapas seguintes.

Fazendo uma primeira escala na base aérea do Cachimbo (Planalto

Central), os revoltosos seguiram depois para Jacareacanga, às margens do rio

Tapajós, a sudoeste do Pará e a 700 quilômetros de Altamira, quase já na divisa

com o Estado do Amazonas.

Essa escolha não era casual. O major Veloso havia participado da

construção da base de Jacareacanga tornando-se conhecido dos índios e

caboclos ali residentes, sobre os quais tinha forte ascendência. A estes foram

distribuídas armas e munições para garantir a praça durante algum tempo.

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Não tardou que o governo mandasse tropas, em avião pilotado pelo major

Paulo Vitor da Silva e pelo tenente Carlos César Petit. O primeiro aderiu à

revolta e o segundo foi aprisionado, juntamente com as tropas legalistas.

Veloso e Lameirão, os revoltosos

Voando em seguida em direção à foz do rio Tapajós, na confluência deste

com o Rio Amazonas, os oficiais rebeldes se apossaram de Santarém, onde

repórteres de rádios e jornais haviam se instalado para acompanhar o

movimento.

Fracassado o contra-ataque pelo ar, o governo manda, então, o navio

Presidente Vargas com novas forças, para atacar por terra.

Daí por diante, tudo o mais deu errado para os românticos revolucionários.

As adesões de outras bases não aconteceram e, menos ainda, tiveram apoio da

Marinha e do Exército.

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Em Jacareacanga, os prisioneiros não eram trunfo, mas sim um peso a mais,

pois tinham de ser vigiados e alimentados. Isolados em Santarém, os rebeldes

confundiram um vapor de carreira com o navio que transportava as tropas

legalistas e, temerosos, recuaram até o povoado de São Luís do Tapajós, onde,

dias depois, passaram a ser caçados pelos legalistas.

O comandante, avisado a tempo, conseguiu escapar, refugiando-se na mata,

mas acabou sendo denunciado por um caboclo, já cansado de tanta aventura.

Então uma patrulha se dirigiu local indicado e o major Haroldo Veloso,

surpreendido em uma casa, sentado em uma cadeira de balanço, não ofereceu

resistência.

E os demais? O major Paulo Vitor da Silva e o capitão Lameirão conseguiram

reparar as avarias do avião de que haviam se apossado e levantaram voo em

direção a Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, onde pediram asilo político.

Em 29 de fevereiro de 1956, dezoito dias após aquele fatídico sábado de

Carnaval, terminou o levante, com a frase conciliatória de JK:

“Vamos virar a página, passar uma esponja em todos os

acontecimentos e começar vida nova, porque o país deseja paz

para trabalhar.”

Ato contínuo, enviou ao Congresso Nacional uma mensagem, transformada

em projeto de lei que, depois de aprovado e sancionado, deu anistia plena não

só aos revoltosos de Jacareacanga, mas também aos envolvidos nos

acontecimentos de 1955, quando pretendiam impedir a posse do Presidente

eleito.

Esse ato foi interpretado por alguns como sinal de fraqueza e, em 1959

ocorreu a segunda revolta de escoteiros, desta vez em Aragarças, Estado de

Goiás, às margens do rio Araguaia, sob o comando do tenente-coronel da

Aeronáutica João Paulo Moreira Burnier.

Igualmente, não houve adesão e os revoltosos foram para Buenos Aires,

onde pediram asilo. Utilizando-se da lei anteriormente sancionada, JK anistiou a

este novo grupo, apostando sempre na pacificação nacional.

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As metas de governo

Vencidas as primeiras reações à sua presença no governo, Juscelino

Kubitschek pôs-se a trabalhar em seu plano de modernização do país, intitulado

por ele de nacional-desenvolvimentismo, um nome arrevessado e de difícil

aplicação.

Nacionalista o plano não era, pois ia buscar no exterior os capitais de que

necessitava, seja na forma de empréstimos, seja principalmente na atração de

investimentos de empresas estrangeiras no país, favorecidas com a promessa

de liberação total da remessa de lucros ao exterior, a câmbio subsidiado.

Ficava com o capital estrangeiro a parte mais rendosa dos empreendimentos,

com a construção e exploração de empresas de alta lucratividade. Ao governo

cabia investir da indústria de base, que absorve grandes capitais, com retorno

financeiro muito duvidoso.

E como o Brasil não dispunha de capitais, a gambiarra passou a funcionar

com toda intensidade, produzindo moeda além do que o mercado podia suportar,

o que gerou uma inflação sem precedentes.

Não obstante, os resultados não tardaram a aparecer. O progresso do Brasil

não estava mais associado à agricultura, que foi relegada ao quase abandono,

mas à atividade industrial, concentrada sobretudo em São Paulo, Rio de Janeiro

e Minas Gerais.

O programa de metas, cumprido em sua quase totalidade, prometia dobrar a

capacidade de geração de energia elétrica e previa a construção de uma usina

atômica piloto na Universidade de São Paulo, o aumento na produção de carvão

e na exploração e refino de petróleo, o reaparelhamento das ferrovias, a

implantação de vasta malha rodoviária e a ampliação da capacidade de

transporte aéreo e marítimo.

Previa também, mas não com tanta ênfase, a ampliação da capacidade

brasileira na produção de alimentos, construção de silos, armazéns e

matadouros, facilidade na aquisição de tratores, adubos e inseticidas.

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A indústria de base dobrou a produção de aço, celulose e borracha e

quintuplicou a produção de alumínio. A fabricação deste, por sinal, dependia da

ampliação da capacidade de produção de energia elétrica, elemento

indispensável para transformar a alumina no produto acabado.

Automóvel, o símbolo

da riqueza

De todas as metas, exceto Brasília, nenhuma outra se destacou mais e influiu

tanto no orgulho brasileiro como a da implantação da indústria

automobilística no Brasil. A produção de carros se apresentou como o símbolo

do progresso e da riqueza nacional, embora tenha sido talvez o mais equivocado

de todos os projetos na era JK.

Com efeito, as indústrias automobilísticas que se instalaram no país tinham

sido atraídas apenas pelos incentivos oferecidos na produção e seu objetivo era

atender ao mercado interno, não lhes interessando tornar o Brasil competitivo e

concorrente no mercado internacional, onde todas elas iam muito bem, obrigado.

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Isso gerou um crescimento distorcido que até hoje não conseguimos corrigir.

O Brasil encerrou o milênio com uma produção de quase um milhão e meio de

carros por ano, despejados no mercado nacional, atulhando as estradas e,

paradoxalmente, gerando problemas de desemprego, justamente o inverso do

objetivo proposto por ocasião da sua implantação.

Não foi assim, no princípio. A indústria automobilística chegou a manter cerca

de 140 mil empregos na região do ABC (Santo André, São Bernardo e São

Caetano), gerou o desenvolvimento da indústria de auto-peças e alavancou o

progresso de cidades até então pobres, como era o caso de São Bernardo do

Campo.

Até então, a rigor, o Brasil dispunha apenas de duas indústrias

automobilísticas de peso: a General Motors, em São Caetano, e a Ford, no bairro

do Bom Retiro em São Paulo.

Em verdade, só a GM podia ser considerada uma fábrica, pois detinha um

parque industrial completo. Já a Ford se instalara em um simples galpão, onde

recebia dos Estados Unidos, completos, carros desmontados e encaixotados.

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Seu trabalho, pois, não era fabricar e sim colocar os componentes em seus

lugares, montando o que já fora fabricado inteiramente no exterior.

Um exemplo de progresso: São Bernardo do Campo, nos anos cinquenta,

era uma cidade-dormitório, e os poucos empregos ali gerados estavam ligados

à indústria de móveis, pequena, mas tradicional, e à Brastemp, fábrica de

eletrodomésticos, ainda sem mercado suficiente para se expandir.

Uma única via pública, a rua Marechal Deodoro, atravessava a cidade de

ponta a ponta. Dela saiam as transversais, todas de terra esburacada,

lamacenta, e onde a água se empoçava nos dias de chuva..

O sistema telefônico em São Bernardo tinha pouco mais de 300 aparelhos

instalados, ligados a um PBX, onde as competentes telefonistas completavam

as ligações, conectando as pegas de um telefone ao outro. Tudo como nos

românticos tempos de Alexandre Graham Bell.

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De moderno, em São Bernardo, havia apenas a Cia. Cinematográfica Vera

Cruz, que rendia muita publicidade, mas nenhum dinheiro aos cofres públicos.

E, como toda ilusão, acabou fechando e corroendo o patrimônio de seus

empreendedores..

Ao contrário, a indústria automobilística, construída às margens da via

Anchieta, mudou prodigiosamente a face do município e o perfil de seus

moradores, criando uma classe média, impulsionando o consumo e gerando

impostos que permitiram a construção de uma cidade moderna, capaz de

competir com suas vizinhas.

Dotada de mão-de-obra altamente especializada, e de uma população

fortemente politizada, São Bernardo tornou-se, mais tarde, o elemento chave da

modernização sindical, ousando sustentar uma greve de grande duração em

plena vigência do Ato Institucional nº 5, e servindo de base para a criação do

Partido dos Trabalhadores (PT) com doutrina própria e raízes bem definidas.

Todo esse progresso não saiu de graça ao governo federal. A demanda por

matérias primas fundamentais dependeu da expansão da indústria de base que,

como dissemos, não interessava ao capital estrangeiro, tendo de ser bancada

com dinheiro público, conseguido com empréstimos e emissão de moeda, vale

dizer, com inflação. A maneira como o Brasil suportou essa pressão inflacionária

revela um país já consolidado, capaz de enfrentar e vencer desafios maiores,

quebrando sua dependência quase que exclusiva da agricultura.

Um pouco de folclore

Nem tudo foi róseo no governo JK e alguns acontecimentos, pelo inusitado

das situações criadas, acabaram se tornando folclóricos.

Um deles, foi a compra do porta-aviões Minas Gerais. Pura sucata,

imprestável para o uso, foi descartado pela Inglaterra por um preço muito

superior ao que realmente valia, se é que valia alguma coisa. Ainda por cima,

foram necessários reparos nos estaleiros brasileiros, que nos custaram uma

pequena fortuna.

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A ideia era agradar a Marinha e a Aeronáutica, mas acabou por criar uma

disputa feroz sobre quem devia comandar o navio. "É um porta-aviões, portanto

o comando deve ser da Aeronáutica", diziam uns. No lado oposto outros

replicavam: "Serve de pouso a aviões, é verdade, mas está dentro da água, e

água é exclusividade da Marinha".

A discussão se tornou tão acalorada que já estava ameaçando trazer uma

desavença entre as duas forças. Finalmente chegaram a um consenso. As

operações de manobras aéreas ficariam sob o comando da Aeronáutica e as

manobras de navegação do porta-aviões permaneceriam sob o comando da

Marinha. Uma e outra força agiriam em harmonia, dentro de um objetivo comum.

Um ovo de Colombo. Como não haviam pensado nisso antes?

Terminada a guerra, o compositor Juca Chaves ironizou o assunto em uma

de suas músicas: "O Brasil já vai à guerra, comprou porta-aviões. / Dois vivas

pra Inglaterra, 82 milhões! Mas que ladrões! / Porém há uma peninha: de quem

é o porta-aviões? / É meu! diz a Marinha; ‘é meu!’ diz a aviação. / Ah! Revolução!"

Sem folclore, mas de consequências mais graves foi o conflito estabelecido

com o Fundo Monetário Internacional, que desaprovou a política inflacionária de

JK, exigindo do Brasil um plano financeiro mais ortodoxo, que contivesse a a

moeda, mesmo à custa do desenvolvimento. Juscelino não se submeteu e

rompeu com o FMI, perdendo o aval deste para novos empréstimos externos.

Como isso também não era interessante ao capital internacional, que havia

encontrado seu paraíso no Brasil, as coisas foram se acomodando e o governo,

afinal, continuou obtendo os empréstimos de que necessitava para concluir sua

obra.

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Prós e contras no

governo JK

Ninguém, no bom uso de suas faculdades, há de negar que o governo JK

modernizou o Brasil, desenvolvendo seu parque industrial, sistematizando a

administração pública, criando uma classe média consistente, integrando os

vários Estados e consolidando a nação sem ferir o princípio federativo adotado

desde a primeira Constituição republicana.

Entretanto, o desenvolvimento, representado na expressão 50 anos em 5,

deixou uma lacuna, a maior e mais grave de todas, que alimentou os críticos de

Juscelino: seu governo criou uma classe média forte mas aumentou a

miséria do proletariado. O grande desafio brasileiro, que sempre foi a redenção

dos humildes, não se concretizou no governo JK e diga-se, a bem da verdade,

também não mereceu a atenção dos governos seguintes.

A implantação de indústrias altamente especializadas favoreceu o pessoal

técnico e empobreceu o trabalhador braçal, conhecido eufemisticamente como

ajudante geral.

Por outro lado, nacional-desenvolvimentismo privilegiou os grandes centros

industriais, fazendo piorar as condições de vida nos sertões brasileiros e

aumentando escandalosamente a desigualdade de renda.

A inflação gerada para a expansão das indústrias de base e a construção de

Brasília atingiu em cheio os menos favorecidos, que não encontraram como

defender os poucos tostões amealhados em seu duro trabalho.

A modernização também não foi um fator de assentamento das populações

em suas raízes, muito pelo contrário. Atraída pelo sonho, a população rural

passou a migrar com maior intensidade para os centros de progresso, inchando

as grandes cidades e iniciando um processo de favelização que nunca mais foi

estancado.

São Paulo é um exemplo disso. Sua primeira favela, a de Vila Prudente,

surgiu nos anos 50, como um processo temporário de assentamento.

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O problema não foi equacionado nos anos seguintes e as favelas começaram

a se multiplicar como um câncer. Ao contrário do Rio de Janeiro, onde a

favelização obedece a uma certa ordem, em São Paulo os barracos são erguidos

indiscriminadamente, em qualquer canto disponível, sob viadutos, à margem de

córregos imundos ou em qualquer ponto que se encontre próximo aos locais de

trabalho.

Em se livro “Quarto de Despejo”, um diário escrito em papel

de embrulhar pão, Carolina de Jesus descreve a vida surreal

de moradores de favela na cidade de São Paulo

Outro caso é o de Brasília. Os candangos que construíram a cidade não

estavam nos planos da Novacap e, ao concluir a obra, uma vez dispensados,

deveriam retornar aos seus pontos de origem.

Só que se recusaram a fazê-lo. A exuberante capital não era um simples local

de trabalho, era o seu orgulho, a sua alma, a sua vida. Transformando-se em

questão de fato, essa disposição dos operários em permanecer deu origem não

só às cidades satélites, núcleos de miséria, como até a favelas construídas à

volta do majestoso avião desenhado pelo arquiteto Lúcio Costa.

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Em resumo, o governo JK trouxe a riqueza, mas não extinguiu a miséria.

Desenvolveu os grandes centros mas empobreceu o restante do país. Suas

estradas uniram os pontos geográficos, mas, longe de levar o progresso,

serviram tão só para escoamento de grandes e contínuas levas de migrantes,

rumo ao sudeste, em busca de um sonho que, muitas vezes, não passava de

uma linda e colorida bolha de sabão.

O resgate do povo brasileiro não se deu no governo de Juscelino e as grandes

massas ainda esperam por quem promova sua redenção. É o sebastianismo,

presente na alma brasileira, que lhe sustenta a fé e lhe traz alento para caminhar

em busca do futuro.

Para concluir. Deixando a Presidência, JK elegeu-se senador, mas foi

cassado pelo governo Castelo Branco, tendo seus direitos políticos suspensos

por dez anos, com o que passou a viver no exílio, em Nova York e Paris.

Não teve dos governos militares o respeito que merecia. Tendo de vir ao

Brasil para acompanhar o velório de um familiar, foi detido e submetido a um

intenso interrogatório que se estendeu por várias horas, comprometendo sua

saúde, já abalada com problemas cardíacos. Foi preciso que políticos influentes

agissem junto às autoridades para que ele fosse enviado de volta ao exílio.

Autorizado, mais tarde, a voltar ao país, passa a escrever suas memórias,

mas não consegue vê-las publicadas. Em 22 de agosto de 1976, JK perde a

vida em um estranho acidente automobilístico próximo a Resende (Rodovia

Presidente Dutra) o qual, na opinião de alguns, nunca foi convincentemente

explicado.

Com a trágica morte, sela-se o destino de um dos maiores vultos da

República, cuja presença na história brasileira é hoje assinalada com o Memorial

JK, a última homenagem de Oscar Niemeyer ao seu chefe e amigo.