78
AGIR EM SAÚDE um desafio para o público EMERSON ELIAS MERHY (ORG) ROSANA ONOCKO (ORG) LIVRO PUBLICADO EM 1997 HUCITEC SÉRIE DIDÁTICA NA SEQUÊNCIA CAPÍTULOS 2 E 3 1

Capitulos-03 Trabalho Vivo

Embed Size (px)

Citation preview

  • AGIREMSADEumdesafioparaopblico

    EMERSONELIASMERHY(ORG)ROSANAONOCKO(ORG)

    LIVROPUBLICADOEM1997HUCITECSRIEDIDTICA

    NASEQUNCIACAPTULOS2E3

    1

  • EMBUSCADOTEMPOPERDIDO:AMICROPOLTICADOTRABALHOVIVOEMATO,EMSADE

    EmersonEliasMerhy

    OTRABALHOVIVONOPODEEMATO, NO INTERIORDOPROCESSODETRABALHO,LIBERTARSEPLENAMENTEDOTRABALHOMORTO,MASTEMCONDIESDECOMANDLOSECONSEGUIRAPRENDERAINTERROGLO,ADUVIDARDOSEUSENTIDOEAABRIRSEPARAOSRUDOS/ANALISADORESPRESENTESNOSEUCOTIDIANO.COMISSO,EDEPOSSEDEUMACAIXADEFERRAMENTASQUETENHAOCOMPROMISSOCOMOSUJEITODAAO,EEMAO,PODESEREINVENTARALGICADOPROCESSODETRABALHO,SUA GESTO, ORGANIZAO E FINALIDADE, EM ATO, COLETIVA EPUBLICAMENTE.

    APRESENTAO

    Notemsidomuitoestranho,paraosqueestonasmaisdiferentesfrentesde lutas e aes na defesadeumsistemadesadepara todos universal,igualitrio,dequalidadee implicadonaconstruodacidadaniaqueumdostemasmaistratadoseproblemticosnaorganizaodeste,vemsendoomodocomoestruturamseegerenciamseosprocessosdetrabalho,nosdistintostiposde estabelecimentos que ofertam servios de sade, essencialmentecomprometidoscomadefesadavidaindividualecoletiva.

    Alis,nocampodasadecoletiva,estetemafazpartedeumadiscussomuitoinstigante,jhalgumtempo,travadaentrevriospensadoresemilitantesdareformasanitriabrasileira.Paradoxalmente,porm,entendemosqueesteexatamenteumdosgrandesnscrticosdasdistintaspropostaseexperinciasvivenciadas nestes ltimos anos, que apostam e apostaram na mudana dadireoefetivadoatualmodelotecnoassistencialdaspolticasdesade,quetemsemostradocomprometidocommuitostiposdeinteresses,excetocomasadedoscidados.

    Nestes muitos anos de militncia e de acumulao de experinciasvivenciadas na busca da mudana do modo de se produzir sade no Brasil,aprendemosque:ouestaumatarefacoletivadoconjuntodostrabalhadoresdesade,nosentidodemodificarocotidianodoseumododeoperarotrabalhonointerior dos servios de sade, ou os enormes esforos de reformas macroestruturaiseorganizacionais,nasquaisnostemosmetido,noserviroparaquasenada.

    Assim, de alguns anos para c, temos tentado construir processos deintervenesinstitucionaisemdiferentesestabelecimentosdesadequetomem

    2

  • comodesafiocentral aproduodeumareformapublicizantedosistemadedireodestesservios, que impliquememumacoletivizao dagestodosprocessosdetrabalhoemsade,cotidianamente,tomandocomorefernciachaveointeressedo(s)usurio(s)dosservios,representadoenquantonecessidadesdesade.

    Esta foi a direoquevivenciamosemalgumasexperinciasmunicipaisnestes ltimoscinco anos, dentre as quais destacamosas dosmunicpios deIpatinga1eBeloHorizonte,emMinasGerais(BR),equeserviramdebaseparaareflexo que se segue, na tentativa de compreender melhor a dinmicamicropolticadotrabalhoemsade,parapermitiraconstruodedispositivosdemudanas que busquemno usurio final dos servios de sade o seu maisprofundosignificado.

    Nestecaminho,estaremosdialogandocomosmodoscomo,nodiaadia,ostrabalhadores de sadeeosusuriosdosserviosproduzemsemutuamente,comoumamquinapermanentedeproduesdesubjetividades,demodosdesentir,derepresentaredevivenciarnecessidades,nabuscadeumtempoperdidoporns,reformadoresdemodelosdeatenosade.

    INTRODUO

    DetalhandooproblemaemdiscussoTentandofacilitaracompreensodoscomplexostemasacimaabordados,

    vamos iniciarnossotrabalhoapresentandoumjeitodeseolharumserviodesade, de qualquer natureza, que permita perceber algumas situaes ecaractersticasimportantessobreofazerasade,equepermitarefletirsobrecomootrabalhonodiaadiadosservios,oquelheprprio,quemtrabalhaecomoofaz,paraque,porque,aquemecomoserve,etc.

    Para isto, vamos trabalhar comuma certa ferramenta de anlise quepermiteajudarnabuscadasrespostasparaestasperguntaseque,comoregra,todosnsfazemosquandoestamosdiantedotematrabalhoemsade.

    Antes,contudo,devemosdizerquenestemomentonopretendemos,comesta"ferramenta"deanlise,compreendertodasestasquestesemtornodestetema, pois temos como pretenso inicial apenas possibilitar a formulao dealgumasrespostaseaproduodenovasperguntasparaaaberturadeumnovoprocessodereflexoquepermitarespondlas.

    A"ferramenta"quevamosusarchamamosde"fluxogramaanalisadordomodelodeatenodeumserviodesade"e,hipoteticamente,vamosrestringironossolocaldeanliseaumserviodesade(comoporexemploumcentrodesade),paramaisadianteousarmosumvoanalticosobreumconjuntomaiordeservios.

    Ofluxograma,deummodomuitosimples,umdiagramamuitousadopor

    1Vejacaptulo3dolivroInventandoamudananasade,organizadoporLuizCarlosdeOliveiraCeclio,pelaeditoraHucitec,noqualfazemosumadenossasprimeirasreflexesnestadireo.

    3

  • diferentescamposdeconhecimentos,comaperspectivade"desenhar"umcertomododeorganizaodeumconjuntodeprocessosdetrabalhos,quesevinculamentresiemtornodeumacertacadeiadeproduo.

    Alguns dos smbolos utilizados para a construo deste diagrama sopadronizadosuniversalmente.Porexemplo,comodesenhodeumaelipse(confiraodiagramamaisadiante),mostrasetantoocomeodacadeiaprodutiva,quantoofim,chamandoaistoumarepresentaodaentradaedasadadoprocessoglobaldeproduo,emanlise.Pormeiodeumretngulomostraseosmomentosnosquaisserealizametapasdetrabalhosimportantesdacadeiaprodutiva,nasquaisserealizamconsumosderecursoseproduodeprodutosbemdefinidos,quevoservirparaabrirnovasetapasnacadeia,atoseufinal.

    Atravsdeumlosango,representasemomentosemqueacadeiaprodutivaenfrentasecomumprocessodedecisodecaminhosaseremseguidos,queaparecem normalmente aps cada etapa, e que so sempre momentos dedecisesedepossibilidadesdepercursospara seatingir etapasseguintesedistintas.

    Na nossa ferramenta analisadora, alm de procurar com o diagramarepresentaroqueacontececomqualquerserviodesade,particularmenteosligadosaumtrabalhodiretamente"assistencial"queaquinotemosignificadodeser s mdico, mas sim todos os trabalhos que comsuas aes (saberes eprticas),fazemintervenestecnolgicastipicamenteemsade,tantoindividuale/oucoletiva,comoporexemploaesmdicas,sanitrias,educativas,docampo"psi",odonto,entrevriasoutrastemosapretensodeoperar,emprimeiroplano,comumdiagramaresumo,quepermitaesquematizardeummodobsico,comoqueuma"janelasntesedetodososprocessoschavequeocorremecaracterizamumdeterminadoserviodesade,equepossaservirdeguiaparaaconstruodosoutrosprocessosnelepresentes.

    Estamosusandoumaidiasemelhanteadeumprogramadecomputadorbemconhecido,oWindows,quefuncionacommecanismosdesobretextoseque,quandoligado,mostranomonitorumatelabsicaapartirdaqualpodemosabriremostrarnovostextos,desenhosouprogramas,queestavamocultos(virtuais),como"clique"deummouseemumadadaimagem.

    Esteprimeirodiagrama,nonossocasoofluxogramaresumo, temestamesmaperspectiva, isto, adeserumaprimeirajaneladetodooprocessoprodutivobsicodeumserviodesade,permitindoaaberturadenovos"textos"queestoembutidosneleequepodemser"acionados"conformeasquestesouperguntasqueagentefaacomoumolharanalisador,revelandoomodelodeateno sade cotidianamente realizado, em um processo reflexivo eacumulativo.

    Emsntese,consideramosquequalquerservioassistencialdesadepodeserenquadradonaseqnciamostradapelodiagramaabaixo:

    4

  • ENTRADARECEPODECISOCARDPIOSADADEOFERTAS

    Z+10010090SIM9010NO

    Aqui a entrada (representada simbolicamente por uma elipse) pode seranalisadapelomovimentoqueemumdiasefazna"porta"deumadadaunidadedesadeenoqualalgunsdosusuriosacabamporchegarnaetapadarecepoenquantooutros,no.PorissosimbolizamosqueantesdaentradatemosZ+100usurios (este nmero fictcio, pois ele obtido anotandose de fato o quechegounarecepoduranteumdiapreviamenteselecionadoparaoestudo,pelaprpriaequipedetrabalhadoresdeumaunidadequalquer).ComoZprocuramosmostrarquehpessoasqueouchegamenoesperamparaentrar,oumesmopor"experincia"nemvoaoservioporsaberemque issonoadianta,poisnoserorecebidas.Mas,apesardadificuldadede seconheceroseutamanho,importanteteremmenteasuaexistnciaparasepoderregistrarainformaodequeumapartedosusuriosprocura,masnoentranoservio.

    UmapartedesteZpodesermedidodealgummodo,pormistoexigeumainvestigaomaisapuradaeprpria.Aqui,nestemomento,entretanto,nonosinteressamuitomedilo,porqueanossapreocupaomaioreinicialprocurarentenderquemsoeoqueocorrecomoscemqueentraram.Elespodemserbemconhecidoseanalisadospeloservio,comoporexemplo:deondevm?quemso?sodareadoservio?porqueoprocuraram?pertencemcidade?,etc.

    Oscemqueentraramvoserrecebidosdealgumamaneiraeporgruposmuito distintos de trabalhadores, mesmo se considerarmos os serviossemelhantesdeumamesmarede. Porexemplo, seanalisarmosumarededeCentrosdeSadedeummesmomunicpio,vamosverificarquehunidadesemqueumapartedoscemchegademadrugadaeficaesperandosuaaberturaporumvigiaepelaentregadesenhasquedefinirosetaispessoasvoounoseratendidas,sevoounoteracessoaoque"desejam"(aquicomoexpressodiretadeumavontadeimediata).Almdisso,umaoutrapartepodetersidoagendadaparaviremumdadohorrioeprovavelmenteserrecebidadiferentemente.Outroschegaronomeiodeumperododeatendimentoevoserrecebidosdeummodoaindadiverso.

    Comosenobastasseestadistinonoprprioservionestemomentoda"etaparecepo",seolharmoscomatenoosvriosCentrosdeSade,vamosverqueumrecebedeumjeitodistintodooutro.Hunidadesemqueosusurios

    5

  • nochegamdemadrugada,poistodosquequeremseratendidos,aqualquerhora,soouvidosporumaequipenarecepoealgumaformadeintervenosempreesboada. H outras que deixamcartazes na porta dizendo quantos vo seratendidos,indicandoqueapartirdestenmeroosprpriosusuriosnodeveminsistir.

    Abemdaverdade,seformosdescrevertudoqueconhecemosteramosquerelatar uma quantidade enorme de distintos modos de recepes, o queevidenciariaoquejfalamosantes.Mas,aqui,gostaramosdemostrarumaoutraquesto,adequeelesseconstituememprocessosdetrabalhosdiferentesdeconstruodestaetapa.Valendoregistrar,porenquanto,emcadaservio,comooscemforamrecebidos,quaisasmaneirasdistintasqueomesmoserviopratica,quemfazestetrabalho,emquemomento,ondeosusuriosficam,etc.

    Parans,chamaaatenoqueotrabalhadordesadeeaquimesmoumvigiatornaseumtrabalhadornestesentido 2,tendoumacertaautonomiaparadecidircoisasnesteseuencontrocomousurio.

    Mesmoovigiadominaumcertoespaonoprocessodetrabalho,comsuasabedoriaeprtica,exercendoumcerto"autogoverno"paraintervirnestemododereceberosusurios, paraalmdetudoqueestivernormatizadoeprotocoladocomoo"mododeatuar".Poiselepodeterumarelaomais"acolhedora"ouno,podedecidirse"quebraogalho"daqueleusurio,podeatdecidirseousurioest emsituaodemaioroumenor "necessidade"por servios, eassimpordiante.E,destemodo,comoqualqueroutrotrabalhadordasadepodeinterferirclaramentenocontedodeumadadaetapadoprocessodetrabalho,oumesmodetodooprocesso.

    Mesmo que ainda no nos debruemos sobre algumas das principaisquestesenvolvidasat agora,valedeixarregistradoqueoencontroentreumusurio, portador de umadada necessidade de sade, com um trabalhador,portador de um dado arsenal de saberes especficos e prticas, envolve umencontrode situaesnonecessariamente equivalentes. Um, ao "carregar" arepresentaodeumdado"problema"como"problemadesade/necessidadedesade",procuraobternesteencontro,nomnimo,umarelaodecompromissoquetenhacomobasea"sinceridade", a"responsabilizao"ea"confiananainterveno,comoumapossvelsoluo";ooutro,tambmestprocurandonestarelao algumas coisas, tambm tem necessidades, mas esta procura nonecessariamentetemalgoavercomoqueooutroespera.

    Alm do mais, o trabalhador de sade opera em um espao de"autogoverno" que lhe d inclusive a possibilidade de "privatizar" o uso desteespao,conformeomodelotecnoassistencial,semterqueprestarcontadoqueedo como est atuando. Mais tarde, veremosque isto tema ver tanto coma

    2Estaidiaserdesenvolvidanocorrerdestetexto,masvaleassinalarqueemqualquerlugardeumestabelecimentodesadeondeocorreumcontatoentreumtrabalhadoreumusurio,comonocasodovigia, h a produode umprocesso de trabalho emsadeatravs dasrelaesdeacolhimento,devnculo,comfortecontedodeintervenoteraputica.

    6

  • dimensoticopolticadoprocessoinstitucional,quantoindividual.Porm,vamosver agoraalgumasdascaractersticasdoqueacontecenospassosseguintes,representadospelofluxogramaresumo.

    Apsaetapadarecepo(representadaporumretngulo),hummomentode deciso (representado por um losngulo), no qual procurase registrar osdistintoscritriosdequeosserviosseutilizamparapoderdizerseoqueousurioest trazendocomoum"problemadesade" ser ou noobjetodeaodoservio,enquantoumacertaintervenotecnoassistencial.

    Sabemosqueoscemquechegaramnarecepovoserargidossobreoqueoslevaramaoservioe,apsesta"pesquisa",otrabalhadorqueosestarrecebendo,ir"decidir"sobreparaondeencaminhlos.Decidesevaimandlosparaaprximaetapadoprocessodetrabalhoaserrealizadodentrodoprprioservio,queadaintervenotecnolgicaemsadepropriamentedita,ouseirmandlosparaumoutroservio,oumesmosesimplesmentenegarqualqueralternativadeassistncia.

    importanteperceberqueoscritriosadotadosparaestasdecisessomuitosebemvariados.svezes,paraanegaodainterveno,usaseafaltadevagas,svezesainexistnciadeofertadotipodeaoqueseimaginaqueeleprecisa,svezesoutroscritriosmuitoprpriosdequemestatendendo.

    Almdisso,importanterepararcomoesteatendimentoestsendofeitoemtermosdoprocessode"interseo"quearelaotrabalhador/usuriorepresentase,aonegarumaassistncia,istofeitocomoumasimplesrecusadousurioouse esta negao processada dentro de uma certa lgica "acolhedora" eassistencial (a qual destacamos como sendo, por enquanto, aquele espaointercessor trabalhador/usurio queseabreparaumprocessodeescutasdosproblemas,paraumatrocadeinformaes,paraummtuoreconhecimentodedireitos e deveres, e para um processo de decises que pode possibilitarintervenespertinentese/oueficazes,emtornodasnecessidadesdosusuriosfinais).

    importante tambmpercebermosqueos processosde "aceitao" do"problemadesade/necessidade" tambmsomuito variados, em termosdosdistintoscritriosadotados.Oquevalenestemomentopoderdescreveromaisdetalhadamentepossveltodososmecanismosutilizadosparadizersimouno,almdadescriodecomoistofeito,porquemfeitoeparaondemandado.Mapearcomooscemsedistribuemporestescritriosnosdestasinformaes.

    Muitorapidamente,podemosdizerquesoestescritriosquedoumcertosentidoeconcretudeaoconceitode"necessidadesdesade"queoservioopera,queoservioutiliza. aquiquesev seo"problemadesade/necessidade"representadopelousuriovaiserounobaseparaseconstruirumarelaocomele. Para o usurio, a "necessidade de sade", neste momento, est sendorepresentadaesentidacomo"umproblema"queele"sinceramente"vive,comoumsofrimento, ou risco desofrimento, e queele "traduz" comouma"questodesade"aserenfrentadacomaajudade"algum",pelomenosparaele,usurio.

    7

  • Vendoqueumapartedoscemvaiparaaprximaetapa,adaintervenotecnolgica e assistencial propriamente dita, vale verificarmos como esta estsendo traduzida no servio, a partir das ofertas de aes expressas por umverdadeiro cardpio de intervenes a serem realizadas pelos mais diferentesprofissionaisenosmaisvariadoslugares.

    O que conta que nesta etapa concretizase um trabalho que tomacentralmenteumconjuntodesabedoriasedeprticascomafinalidadederealizaruma interveno sobre um certo "problema de sade", conforme os critriosadotadospelomodelodeatenodoservio,considerandoocomoum"objetodeaodesade"emumdadoprocessoindividualoucoletivo,visandoalteraralgicadosofrimentorepresentadacomoproblemadesadepelousurioouoseupercursonoindivduoounocoletivo,oumesmoalterarasuaproduoaonveldoconjuntodasrelaessociais.

    Fazempartedestecardpiotantoostiposdeconsultasmaisclssicasqueummdicorealizaemumconsultrio,quantoasqueelerealizanocorredordeummodosimpleserpido.Elasrepresentamformatos(modalidades)tecnolgicoseassistenciaisdistintos.Omesmocontaquandopensamossobreotrabalhodeumaenfermeira ou outro trabalhador qualquer. O que interessa neste momento conseguirmosdescreveroquesefazcomosqueentram,comoequem.Epossvelsepercebercomfacilidade,comoaquiindiscutivelmenteo"autogoverno"dotrabalhadormuitoamplo,podendoexerclosobumprocessointensamenteprivatizado e fragmentrio, ou no, dependendo centralmente do modelo deateno,entrevriasoutrasintencionalidades.

    Finalmente, osquesofreram intervenesvosair. Edevemosprocurardescrevercomoelessaem.Classicamenteosserviosdesadedosadasdentrodeumatipologiarazoavelmenteprevista.Porexemplo:altaporcura,porbitoeporabandono(oufuga),encaminhamentoparaexamesouparaoutrosserviosassistenciaiseretornosdosmaisdiferentestiposparaoprprioservio.

    Descreverestefinal chaveparasepoderanalisartantoseoprocessointercessortrabalhador/usuriotambm"acolhedor"nasada,quantoquetiposde"resultados"acadeiaprodutivaestrealizando.Oqueservirparaaanlisedaprpria"adequabilidade"doprocessoaoquelhesolicitadopelousurioeaoqueeletemcapacidadedeatuar,inclusivedaprpriaanlisedaformacomo"resolve"osproblemasqueenfrenta,eatumadimensodosproblemasquenoenfrenta.Permitirequacionarasperguntaschavesobreumservio,dopontodevistadeumdadomodelodeateno:oqueseproduz,comoproduzido,porquem,paraque,paraquem,etc.

    Emsntese,esteofluxogramaresumo,analisadordomodelodeatenodeumservio.Temosvistoque,paramontlo,comoregrageral,bastaoestudodeumdiaparasevisualizaracomposiodeumaprimeira"janela".Eistoporque,dopontodevistadeummodelo,umdiaigualaooutro.

    Nasvriasexperinciasemquetemosparticipado,ousodetcnicasdevisualizaocoletivatemsemostradobemprodutivo,poisofluxogramapodeser

    8

  • desenhado em umpainel e exposto em uma sala do prprio servio, sendopreenchidoemumareuniocoletivapelosprpriostrabalhadores,permitindoqueaequipefiqueemsituaodeanlise,demodocrticoepblico.Elaoperaemummovimentodebuscadealternativas,desdequeinterroguemqueosentidoltimodequalquerserviodesadeodesecentrarnousurioeintervirapartirdeseusproblemas,procurandocontribuirparaumcaminharmaisautnomodaquele,noseu"mododeandaravida".

    Voltaremos a isto mais adiante. Agora, porm, temos como interesseaprofundaralgumasreflexesquenospermitamentenderumpoucomaisdesteespao intercessor e deste exerccio de autogoverno 3 na sade e a suaimportnciaparaanossadiscusso.

    ApresenadotrabalhovivoeaorganizaodoprocessodetrabalhoNestemomento,estaremosprocurandocompreendermelhorossignificados

    de vrias idias colocadas anteriormente, como por exemplo o "exerccio doautogovernopelostrabalhadoresdesade"eo"espaointercessorconstitudonarelaotrabalhadordesade/produtoreousurio/consumidor",equesereferemtemtica do modo de trabalhar em sade. Entretanto, antes de operarreflexivamentenestetemaemparticular, vamosprocurarnosaproximardeumentendimentomaisamplosobreaquestodotrabalhoemgeral.

    Paraisto,estaremosnosapropriandodemuitosconceitosformadospelacorrentemarxista,quetemelaboradomais"finamente"umacompreensosobreosentidoea"mecnica"dotrabalhohumano,sementretantotermosapretensodeexporplenamentesuateoriaemuitomenosdeesgotarmosodebatecomestacorrente.Iremos,dentrodeumcertopragmatismo,tirarproveitodeumapartedoconhecimentogeradoporestepensamentonestecampodeestudo.E,digasedepassagem,queteremoscomorefernciaoutrosautoresnareadasadequeseutilizamdeummodopioneiro e bemcriativo da abordagemmarxista sobre otrabalho humano, dentre os quais destacamos, em particular, a produointelectual de Ricardo Bruno Mendes Gonalves4 que tem se tornado umarefernciaobrigatriaquandootematrabalhoemsade5.

    3Oreconhecimentoeodebatesobreoexercciodeumcerto"autogoverno"dostrabalhadoresdesadejvemsendofeitoporoutrosautores,particularmentequandosereferemaotrabalhomdicoequandocitamasua"autonomia"noexercciodeseuprocessodetrabalho.Porm,estadiscussonotemsidoconsensualizadaevaledestacarcomorelevanteodebateentreGastoWagnerdeSouzaCamposeLiliaBlimaSchreiber.Nesteparticularver Sadepblica emdefesada vida eProgramaoemsadehojeamboseditadospelaHucitec,nacoleoSadeemDebate.4Semdvida,esteautorumdosprincipaisresponsveispelaproduointelectualemtornodoestudodotrabalhoemsade.SeguindoospassosabertosporM.CeciliaF.Donnangeloparaainvestigaodomundodotrabalhonasade,nosforneceuumobjeto(otrabalhoemsade),ferramentasanalticas(ateoriadotrabalho)

    etemasparaestudo(comoporexemploossabereseosmodelostecnolgicos).E,partindodeseuscaminhosquenesteestudoseprocuratomarodebatesobrea

    micropolticadoprocessodetrabalhoemsade,procurandoincorporaroutrosreferenciaisanalticosquepossamrecolocaratemticadofazercotidianodotrabalhoeo

    espaodeautonomiadotrabalhador. Adiante, istotornarse clarocomodebatedaproduodarea,inclusivecomacitaodasobrastomadascomointerlocutoras.

    5 No poderamos deixar de citar um outro autor, que tambm tem sido fundamental naabordagemdasadeequetrazgrandescontribuiesparaacompreensodesuasdimenses

    9

  • Parafacilitaranossacompreensosobreoprocessodetrabalhohumano,vamosnosvalerdeumaanlisecomparativarealizadaporMarxsobreotrabalhodeumaabelhaedeumarquiteto.Antes,porm,deveficarregistradoque,paraMarx,otrabalhonocompreendidosomenteemsuadimensomaisoperativaenquantoumaatividademas,antesdetudo,comoumaprxisqueexpearelaohomem/mundoemumprocessodemtuaproduo.E,assim,otrabalho"produz"ohomem,mesmoqueestesejaafontedaqueleeque,empotncia,demodovirtual,sejaolugardacriaoeomomentodeexistnciaeexpressodotrabalhovivo,ematividade.

    Vamosveristomaisdeperto,comacomparaodaabelhaeumarquiteto,paradepoisanalisarmosoprocessodetrabalhodeummarceneiroarteso.

    Marx, quando se utiliza destes "seres" para tentar entender algumascaractersticasdotrabalhohumano,afirmaqueumadasdiferenasmaisevidentesdotrabalhodaabelhaedoarquitetonaconstruodeuma"moradia"queaprimeira, como que por umcomando instintivo, fabrica sua colmia como seestivesseobedecendoaumcertocdigofixo,gerandosempreummesmoproduto:acolmia,comsuasfavas,formadaspelosmesmosdesenhosecomosmesmostamanhose,comoregrageral,produzidacomosmesmosmateriais.Aopontoquepodemosdizerquehumaabelhagenrica,umaabelhaemgeral,quedegeraoemgeraorepeteosmesmosrituais,damesmaforma.

    Comoarquiteto,ouqualquerhomemematividadedeproduodeumamoradia, vemos que o produto que realizar, antes de ser construdoconcretamente,jestpensado,jfoiconstrudomentalmente.Eestaconstruomentalseantepeaoprocessodetrabalhoemsi,eaeledumcertosentidodeperseguirafinalidadederealizaroprojetopensado.Comistoohomemtrabalhaapartirdeum"recorteinteressado"domundo,projetandooparaasatividadesqueirocomporoprocessodetrabalhoresponsvelpelaproduoda"moradia".

    Deummodoaindamuitosimples,possvelperceberquenosepodefalaremhomememgeral,nestecaso.Pois,diferentementedaabelha,oquemorareocomomorarnoseguemumcdigofixo.Nemosmateriaisaseremutilizadossero os mesmos. H uma certa relao de imbricamento entre o modointeressadocomooshomensconstroemsuasformasdemorareaorganizaodoconjuntodoprocessodetrabalho.Maisainda,parecequenestecasotemosquepensarsobrecomooprpriohomemseproduzdopontodevistadeconstruirseusinteressesedomodocomovaiserelacionandocomomundonoprocessodetrabalho,pararealizlos.

    Devemos tambm procurar entender como estes interesses se tornamnecessidadesexplcitasaserembuscadas,emesmoseestassosempretoexplcitas.Podemostambmprocurarcompreendercomoohomem,quetrabalhovivoempotncia,emvirtualidade,vaisendo"desenhado"paraconstruiruma"ao

    micropolticas . osanitaristaargentinoMario Testa, queatravsdesuasanlisessobreatemticadopodereasconfiguraespolticasdasdisputassobreosdistintosprojetosdesade,queoperamnointeriordasinstituies,temnosalimentadoreflexivamente.

    10

  • tecnolgica"emdireoaumacasanosmoldesatuais,comomoradiaunifamiliar,ouemdireoaumaocaquecontenhaumagrupamentofamiliar,oumesmoauma gruta. Considerando, a priori, que todas estas formas so "moradias" eexpresses de interesses, ao mesmo tempo que produtos realizadores dasatisfao de necessidades, mostrandose como produtos histricos e nonaturais,poismoraremcadasituaodestanoamesmacoisa.

    Vamosnosdebruarumpoucosobrea"mecnica"doprocessodetrabalhoparaentendermosmelhoroqueestamosdizendo,pormnosatendoaomundo"humano"dotrabalho,deixandoasabelhasparatrs,poisquejcumpriramseupapelnestadiscusso.Eagoraimaginaremos,comomaterialparaanossaanlise,asituaovivenciadanotrabalhoporumartesomarceneiro.

    Quandoumartesomarceneiroestproduzindo,porexemplo,umacadeira,nspodemosafirmarquenoseuprocessodetrabalhoexistemcomponentesqueestosemprepresentes,demodopermanente:otrabalhoemsidomarceneiro,oconjunto dos elementos que so tomados como matriasprimas, os que soutilizadoscomo"ferramentas"ouinstrumentosdotrabalho.

    Sabemos que se juntarmos estes componentes no necessariamenteteremos produo de cadeiras, pois fundamental que eles estejam sendoarticuladosporumcertomododeorganizlosemtornodarealizaodeumcertoprojeto.Eestemododeorganizlosseconstituiemumacertasabedoriaqueoartesopossui,comoqualificao,parajuntar todosestescomponentesecomseusatosvivos,permitirarealizaodeumcertoproduto:umacadeira.Isto,nobastaelesterpensadoantesoprojetosobreacadeira,eletemqueterumcerto "saber tecnolgico", umcerto modo de saber fazer, para juntar os trscomponentesanterioresetransformlosemumprodutoespecfico,aquelacadeirapensada,quepoderterquatropernas,outrs,umassentomaioroumenor,etc.

    Vamostentarveristomaisdepertoainda,comousododiagramaabaixo:

    ORGANIZAOTRABALHOEM+MATRIAS+INSTRUMENTOSPRODUTOSIPRIMASDOPROCESSO

    oartesoemmadeiraserroteaaodomarcecadeirareaatividadecolopregomarteloneirodentrodelizandoprocandoseutrab.umacertaformajetopensavivoemaodesabertrabalhdoarcomoaotecnolgica

    Como neste diagrama h muitas coisas a serem vistas, que envolvem

    11

  • questeslevantadasatagora,vamosprocuraranalislasporparte.Inicialmente,gostaramosdedestacartrsquestes:umasobreotrabalho

    vivoeotrabalhomorto;aoutrasobreanoodetecnologiae,porltimo,adeproduo, consumoe necessidade; entretanto, dentro do limite desta reflexoinicialcontidanodesenhodotrabalhodoartesomarceneiro.

    Chamamosdetrabalhomorto,nesteprocesso,atodosaquelesprodutosmeiosqueneleestoenvolvidosoucomoferramentaoucomomatriaprima,comoomartelo e a madeira e queso resultadosdeum trabalhohumanoanterior, isto , no existiam antes da sua produo como resultado de umprocessodetrabalho,anteriormenterealizado.Eoschamamosdetrabalhomortonesteprocessodomarceneiroporque,apesardeserprodutodeumtrabalhovivo,agoraeleincorporadocomoumacristalizaodestetrabalhovivo,edeumamaneiradistintadoprpriotrabalhovivoemsidomarceneiro,quenestemomento o trabalho em ato que permite a produo da cadeira, que alis ser umrepresentanteamaisdouniversodecristalizaodotrabalhovivoemmorto.

    Esta diferenciao no s didtica, tendo implicaes na anlise doprocessodetrabalhoempauta,poisotrabalhovivoematodomarceneironestemomentoo trabalhocriador, eo trabalhomortoqueele utilizapara realizar aproduodacadeirajestinstitudo,dado,elheofertadocomoumconjuntodesituaesqueentracomandandoumapartedesuaatividadeprodutivaecriativa.

    Assim, o seu trabalhovivo instituinte, queest emao, emumcertodando6,podetantofazerusodoqueestdado,quantoemumacertamedidaexercercomalgumaautonomiaesteusodoquej est dado.Omarceneiro,neste sentido, tambmpode ter umcerto autogoverno neste processo. Esteautogoverno,porsuavez,estarmarcadopelaaodoseutrabalhovivoematosobreoquelheofertadocomotrabalhomortoesfinalidadesquepersegue.

    Valeobservarque,nestasituao,hcomponentesdotrabalhomortoquesodistintos,comoj falamosatrsquandoapontamossuasdiferentesformascomoferramentaoucomomatriaprima. Comisto estamosquerendovoltar aateno sobre um destes termos em particular, que aquele que vai seconstituindocomoapartedotrabalhomortoquesefazpresente,tantocomoumacertasabedoriadomarceneiroartesoemsabersermarceneiroeassimoperaraproduo de determinados produtos tpicos deste trabalhador, quanto como otrabalho morto que se faz presente na forma de uma ferramenta da qual omarceneiroseutilizapararealizaroseutrabalhoespecfico.

    Estamos,assim,procurandodestacaraquelapartedotrabalho mortoqueest vinculadaaomododeatuar comomarceneiro, comoaquele conjunto desituaesquedefinemouniversotecnolgicodoartesomarceneiro,paramostrarque a idia de tecnologia est muito vinculada no s a de equipamentotecnolgico, mas tambmadeumcerto saber fazer, e aum ir fazendo, queinclusivedosentidosaoqueserounoarazoinstrumentaldoequipamento.

    6 Ousodestes termosdado oudando paramostrar queo institudoest constitudo, produzido, eo instituinteest emprocesso, produzindo. UsamolosinspiradosemFelixGuattari.ParaumamelhorexplicaodidticaconsultarCompndiodeanliseinstitucionaldeGregrioBaremblit,edioRosadosTempos.

    12

  • Chamamosaateno,portanto,paraumapartedesteprocessodetrabalho,constituda por algumas das suas dimenses tecnolgicas, que entra nestemomento como componente do conjunto do trabalho morto, porm no seapresentandocomoumelemento qualquer, massimcomo fundamental. Este,inclusive, captura o trabalho vivo em ato, de tal modo que ele pode noconseguir exercer nenhuma ao de forma autnoma, ficando, assim,completamenteamarradopelalgicadotrabalhomortoexpressoporalgumasdasdimensestecnolgicas.Aquihumadiscussointeressante,qualvoltaremosmaisadiante,vinculadapossibilidadedotrabalhovivoematoestarounosendoinstitudoplenamentepelotrabalhomortoque,paraserpensada,nosremeteltima das questes em pauta, que a de atentarmos para a temtica daproduo,consumoesatisfaodenecessidadequeestemjogonestetrabalhodoartesomarceneiro.

    Para falarmos um pouco sobre isto, pois voltaremos ao tema quandoanalisarmosespecificamenteoprocessodetrabalhoemsade,vamosconsiderarduassituaes:umanaqualoartesomarceneiroproduzacadeiraparaoseuprpriousoe,aoutra,quandoaproduovisaatrocadacadeiraporumoutroartefatoproduzidoporumoutrotrabalhador7.

    No primeiro caso, a cadeira produzida tem um valor de uso para omarceneiro,dadopelasuautilidadeprivada,porexemplo,emumusodomsticopelotrabalhadorqueaproduziuparadescansar,reunirsecompessoasnoseuespao,colocarcoisasemcimaparaseremguardadas,etc.Enfim,acadeirafoiproduzidaporqueseuconsumopoderiasatisfazerumanecessidadesentidapelomarceneiro. A cadeira tem neste caso um valor, medida que vai sendoconsumidapeloprpriotrabalhador,enasuaproduootrabalhadorpoder irdesenhando a cadeira do jeito que lhe interessar e em busca de muitasfuncionalidadesqueelapossaterparaele.Usarotrabalhomortocontidonasuatcnica,nosseusinstrumentosdetrabalho,apartirdaaodoseutrabalhovivoemato,comocomponentesdeumacaixadeferramentas(quecontmoconjuntode suas tecnologias como trabalhador da marcenaria) para elaborar cadeirasespecficas,parasi,queelesupeseremteisnoseuespaoprivado,mesmoqueusadaporoutrapessoadentrodesuacasa(adomarceneiro).

    Otrabalhovivo,nestasituao,sofreumacapturadesuaautonomiaporpartedoqueestdado,institudo,comoporexemploterdeproduzircadeiraenooutracoisaqualquer,oumesmoterdesatisfazernecessidadesdadasdesentar,masmesmoassimelepoder exercerumpoder instituintegrandesobrequecadeiraestardesejandoaqueleseuprodutor/consumidor.

    Nosegundocaso,acadeiraser produzidaporqueomarceneiropodertroclaporumoutroprodutoqualquercomoporexemplo,dinheiro,queumequivalentegeralnomercadoeque,porsuavez,podesertrocadoporqualqueroutroprodutoquepossaservirparaomarceneirorealizarousatisfazerumaoutranecessidadequalquer,novinculadaaoconsumodiretodoprodutocadeira.Nesta

    7EstaremosfazendousodeumapartedosestudosdeMarxsobreaTeoriadoValor,massemapretensodeatrelamentoatodasasimplicaesdeseusconceitos.

    13

  • situao,esteprodutocadeiratemumvalordeusoparaele,masquenodadonoseuconsumoimediato,esimodepodertroclaporoutrosbens.

    Nestecaso,acadeiravaiterumvalordetroca(dealgumaformaexpressanaquantidadededinheiroqueelevale)quesertilparaomarceneiroteracessoa um outro produto, que ter um valor de uso imediato, para ele. Agora, omarceneirovaiterqueserelacionar,atravsdomercado,comalgumquetenhanacadeiraasatisfaodeumanecessidadeequepossaproporcionarumatrocaque,nofim,permitaaobtenodeumoutrobempelomarceneiro,parasatisfazerasuanecessidadecomoconsumidorfinal.

    O mercado, que permite a troca, vai funcionar como um objetointermedirio paraoacessodoprodutor a outrosprodutos parapassar aserconsumidorfinal.Abemdaverdade,atoacessocomoprodutorparaaobtenodesuasferramentas,matriasprimas,dseemumaidaaomercado,earelaoproduo,consumoenecessidadeumaredebemcomplexa.Masanecessidadedomarceneiro,embuscadeumconsumonoimediatamenteprodutivo,vaiseexpressarporumduplomovimentodevaloresdeuso:odacadeira,cujovalordeusoodepodersertrocadopordinheiroououtrobem;eodoprodutoobtidonestatroca,cujovalordeusovaisatisfazerumanecessidadeaoserdiretamenteconsumido.Eoacessoaestatrocadevaloresdeusodarsedevidopresenade um intermedirio, o mercado de trocas, regido por valores de trocas, quepermite comparar, abstratamente, quantidades de trabalhos concretosdiferenciados.

    Destemesmomodo,aquestodasnecessidadesaparecetambmcomoduplos movimentos: de um lado, h umaprimeira necessidade sentida que otrabalhodomarceneironopodesatisfazer,queestrepresentadapeloconsumodoprodutofinal,masaoqualelepoderteracessoatravsdasatisfaodeumaoutranecessidadequeestexpostapelomercado,equeexpressatambmpeladeumoutroaquemrecorrecomosseusprodutosdetrabalho.Asnecessidadesevidenciadas,deusaredetrocar,tmqueserealizarparaque,noconsumodoproduto final, o marceneiro tenha sua necessidade como consumidor noimediatamenteprodutivosatisfeita,eassimpossacontinuartrabalhandocomotrabalhador/consumidor.

    Aproveitandoestasidias,GastoWagnerdeSousaCampos8dizque,nocasodasade,ousuriodeumserviovaiatrsdeumconsumodealgo(asaesdesade)quetemumvalordeusofundamental,caracterizadocomosendoodepermitirqueasuasadesejaoumantidaourestabelecidae,assim,atrocalhepermiteoacessoaalgoqueparaeletemumvalordeusoporproduzirumbemparaelecomumvalordeusoinestimvel,cujafinalidademantlovivoecomautonomiaparaexercerseumododecaminharnavida.

    Estasidiasdoautorestopostasaquiparapodermosimaginaroquantopossvelautilizaodoexemplodomarceneiroparaentendermosaquestoda

    8 Vejaemparticularseus textosdos livros Sade pblica em defesa da vida e Reforma dareforma,publicadospelaeditoraHucitec,1992.

    14

  • produo,consumoenecessidadesemsade.Poisparans,edeacordocomesteautor,estamosdiantedeumprocessoquetemespecificidadesmuitoprpriasquelhedocaractersticasumpoucodistintasparaoprocessodetrabalho,quandooqueest emdiscusso o temadanecessidadedesade. E,almdisso,tambmnospermite ficar atentosao fato deque, na sade, o consumopelousuriodseimediatamentenaproduodaao,estanoestsendoofertadano mercado como coisa externa, que se vai e pega (No confundir comoconsumo de procedimentos, como exames ou raiosx, que s vezes ocupamimaginariamenteolugardoconsumodasaesprodutorasdesade).

    E, destemodo,nocasodaproduo/consumonosmomentos finaisemsade, assistenciais, temos a construo de umespao intercessor 9 entre ousurioeotrabalhadorprodutordoato(eistovalemesmoparaaescoletivasdesade, para no ficarmos com a imagem que s existe nos momentosindividualizados), no qual o trabalhador vem instituindonecessidadesemodoscapturados (e emprocessode captura) de agir, e o usurio tambm.Nestemomento, temos um encontro e uma negociao, em ato, dos encontros denecessidades.

    No senso comum, e por influncia de uma longa tradio na qual seinscrevem o marxismo e a psicanlise, temos uma imagem de necessidadeexclusivadacarncia,comofaltadealgoqueprocuramosparaconsumir.Masefetivamente podemos afirmar que, alm deste formato especfico que asnecessidadesadquirem,hadimensodanecessidadecomoexpressodeumserqueempotnciadesejaser,desejapositivamenteexistir,sermundoepartedele, deseja como uma vontade de potncia de ser, como uma mquinadesejante 10. E, assim, aquele espao intercessor tambm expressa estapositividade,comoporexemplo,adousurioquebuscanosserviosdesadeummeiodesermaisautnomonoseumododecaminharnomundo11.

    Nestemomento,voltamosreflexoemtornodotrabalhodomarceneiroarteso,paraexploraroutrasdimensesimportantesdestetemadoprocessodetrabalho.

    Estetrabalhador,nasegundasituaopornsmostrada,adeproduziracadeiraparaatroca,aparentementenotertantaautonomiapara,noatoda

    9OtermoIntercessoresestsendousadoaquicomsentidosemelhanteaodeDeleuze,nolivroConversaes,doqualjfalamosequediscorresobreainterseoqueDeleuzeeGuattariconstituramquandoproduziramolivroAntiedipo,quenoumasomatriadeumcomooutroeprodutodequatromos,masuminter.Assim,usamosestetermoparadesignaroqueseproduznasrelaesentre"sujeitos",noespaodassuasintersees,queumprodutoqueexisteparaos"dois"ematoenotemexistnciasemomomentodarelaoemprocesso,enaqualosintersecolocamcomoinstituintesnabuscadenovosprocessos.Tratamoscommaisdetalhesdestaquesto,notextoOSUSeumdosseusdilemas:mudaragestoealgicadoprocessodetrabalhoemsade,publicadocomocaptulodolivroMovimentosanitrio:20anosdedemocracia,organizadoporSoniaFleuryTeixeira,emediocomemorativados20anosdoCEBES.10TomamosestetermodeFelixGuattarieGilesDeleuzequeafirmam,desdeaproduodolivroAntiedipo,queosvivosoperamcomomquinasdesejantes.Voltaremosaistoadiante.11EmtornodestasquestesfazemosumexercciosobreotemaUniversalidade,eqidadeeacesso,apresentadoemumtextoaoVEncontroMunicipaldeSadedeBeloHorizonte,em1996,eeditadonosCadernosdesteevento.

    15

  • produo,usaroseutrabalhovivosobreacaixadeferramentas(aqualcontmostrabalhosmortos:instrumentosetecnologias)eproduzircadeirasdeummodomuito livre, pois dever orientar esta produo com uma certa dose denormatizao em torno do que est sendo desejado por consumidores decadeirasque,almdomais,queiramfazertrocasconformeumcertoacordosocial(contratosocial)quedefinequemeleequemsoosoutros,dentrodeumacertaregrasocial,legtima,legaleimaginria.

    Assim,oseutrabalhovivoestarsendonoscomandadoporumapartedotrabalhomortocontidonoseuuniversotecnolgico,comotambmpelomodocomoseconstroemsocialmenteasnecessidadesdosconsumidoresdecadeiraseasmaneirassociaisdesatisfazlas.

    Otrabalhovivoematoestarsendoquasequeplenamentecapturadoporforasinstitudas(comoastecnologiasduras,representadaspelas mquinas;eleveduras, representadas pelos saberes estruturados12 da sua caixa deferramentas,omodocomosocialmenteseproduznecessidadeseosmodosdesatisfazlas), mas mesmoassimo trabalho vivo do marceneiro pode exercervariaesnoprocessodeproduodacadeira.Veremosque,emgrandeparte,istosedeveaofatodeestarmosfalandodeumarteso,poisasituaoseriabemdiferenteseestivssemosfalandodeumoperrioemumafbricadecadeirasemsociedadescapitalistas,ondeacapturadotrabalhovivoematopelocontrolecapitalistatemquesertotal.

    Maisadiantenotaremosque,quandosetratadetrabalhoemsade,estaautonomiadotrabalhovivoematobemampla,independentementedeestarounosob a formaempresarial, em relao aos movimentos de captura pelastecnologiasmaisestruturadas(duraseleveduras) 13epelasnecessidades.Poisambastecnologiasestruturadasenecessidadescapturamotrabalhovivoemato, no processo intercessor que, emsade, sempre umprocesso quaseestruturado.

    Para entendermos isto com mais detalhe, voltemos ao produtor econsumidor,nabuscadeumamelhorexplicitaodesteconceitodeintercessoresqueestamosutilizando.

    Estaidiadeintercessores,comojanotamosemrodap,estinspiradaemDeleuze,queaexpenolivro Conversaes, quandoprocuraexplicarqueseustextosproduzidosjuntocomGuattarinosoprodutosdesuassimplessomatrias,poisnascemdainterseoqueformavamnaquelaproduo.comestanooquegostaramosdetrabalharagora,adainterseoformadapeloprodutorepeloconsumidor, ecomoelaseapresentadistintaparaosprocessosnosquaisosprodutossoconsumidosemmovimentosseparadosdosdaproduo,dentroda

    12 Estaclassificaotipolgicadetecnologiasemsadeest maissistematizadanocaptuloadiante,EmBuscadeferramentasanalisadoras...13 Verificarse, mais adiante, que h uma terceira modalidade de tecnologias, no toestruturadasequedenominamosdeleves,quesoprodutorasderelaesintercessoras,comoocasodoprocessodeacolhimentooudevnculo,comoprticasintercessorasemsadeoumesmooprpriojogotransferencialdosprocessospsicanalticos.

    16

  • lgicadaempresacapitalista,daquelesnosquaisoconsumosedimediatamentena produo, como na sade, formatandose processos mais estruturados equaseestruturados14.

    Istoestsendolembradoparapercebermosquetantoosprodutorescomoosconsumidoressoinstituintesdenecessidadeseatuamcomoforasnoespaointercessor produo/consumo, expondo distintamente suas intencionalidades,desejos15, necessidades, processos de capturas que estejamsofrendo, etc.Portanto,interessanosperceberquenoprocessointercessorproduo/consumovaihaverumjogodeinstituintesentreprodutoreseconsumidores,noprprioatodeproduo,queospememconfronto, nemsempreconflituoso, apartir dedistintosformatosdenecessidadestantocomocarnciaquantocomopotnciae,tambm,dedistintasformasdesatisfazlas.Porexemplo,oprodutordeaesdesadepodeestarembuscadedinheiro,masoconsumidorestarsempre,bemoumal,atrsdedefenderumbem,asuasade,quelhedizrespeitoquantoasuacapacidadedecaminharpelavida,comumacertaqualidade.

    Nocasodomarceneiro,ainterseonosedentreeleeoconsumidordemododiretoe imediato,masmediadopelomercadoepelosdistintosprodutos,expressosrepresentativamenteemseusvaloresdetrocaedeuso.Nasade,elaseddemodoimediato,tudoaomesmotempo.E,nestesentido,importantenosdebruarmos um pouco mais delicadamente sobre este tpico processo detrabalho,odesade,refletirmosumpoucomaissobreoconjuntodestasquesteseomodocomoeleoperado,tantodopontodevistadaproduomaterialdeprodutos,benssimblicoscomooasade,almdetentarentenderque,enfim,falaremsatisfazernecessidadeserealizarfinalidadescolocanos,inevitavelmente,diantedeumadiscussonocampodasubjetividadehumana.

    Nos prximos itens, vamos nos expressar em torno da realidade doprocesso de trabalho emsade, tomando como referencial a micropoltica dotrabalho vivo em ato. E neste contexto que procuraremos operar com osconceitosbsicosparaestareflexoqueestamospropondo,buscandoexplicarosprocessosquecompemamicropolticadotrabalhovivonasadeesuaaonasdobrasdagestodosestabelecimentosdesade:comoolugarondesegovernaosprocessosinstitucionais,aoseroespaodaformulaoedecisodepolticas,ecomoolugarquepermiteimprimirdirecionalidadeaosatosprodutivos,nointeriordosservios,aogovernarprocessosdetrabalho.

    Primeiramente, temosque reconhecer queboaparte docontedodestedebate no tem sido de todo estranha aos estudos sobre a mudana dosprocessosdetrabalho,poishumconjuntodeidiasedeteoriasqueofocalizame que, em parte, o reconhecem. E, adiante, alm de tentarmos trazer esta

    14EsteusodeestruturadoequaseestruturadofeitodeemprstimodeCarlosMatusaofalardostiposdeproblemasqueosatoresemsituaesnomeiameque refletemasuamaioroumenorconsensualizao,emumdadojogosocialnoqualatuam, devidossuasvivnciasounodoproblemaepelapossibilidadedecompartilhlosouno.

    15Gostaramosdelembrarqueapalavradesejotemconotaesmuitoamplasconformeoreferencialqueautiliza,eaquinoestamostentandocobrirseupleno sentido psicanaltico associado questo libidinal, pois a estamos colocando como ummomento de expresso, inclusive de vontades mais ou menosconscientes.

    17

  • discussoparadentrodanossareflexo, iremostomarasuacontextualizaopartindodeumasituaomaisgenrica,isto,darealidadedomundodotrabalhonasorganizaes,paradepoisnosdebruarmossobreotemadasade.

    A MICROPOLTICA DO TRABALHO VIVO EM SADE: UMA QUESTOINSTITUCIONALETERRITRIODETECNOLOGIASLEVES

    MexeremprocessodetrabalhomexercomcabeaseinteressesAntesdemaisnada,valelembrarqueessadiscussoadamudanado

    processodetrabalhoemsade nonova.Nemdopontodevistadosetorpblicoeprivado,nemdopontodevistadamedicinaedasadepblica.Abemdaverdade,essaidiademudanadeprocessodetrabalho,emgeral,muitomaisabrangentedoqueoquesetemdemonstradonasanlisesdasmudanasdemodelosdeatenosade.

    Todaadiscussoatual sobreamudanadopadrodeorganizaodocapitalismonoBrasilenorestodomundo,deumcertomodo,passapelaquestodamudanadoprocessodetrabalhoemgeral.Algunsautoreschegamatratla,donossopontodevista, partindodealgumaspremissasconfusas,comoumadiscussosobrea"revoluotecnolgicadacomunicaoinformatizada".Outrosaconfundemcomamodernizaotecnolgicaearobotizaodosprocessosdetrabalho. Percebese pormque, de um modo ou de outro, estas diferentesperspectivasestotratandoereconhecendoqueasanterioresbasestecnolgicasdoprocessodeproduoestomudando.

    Dentro deste debate, interessante observar o que alguns autores,considerados "papas" da gesto empresarial e do processo de trabalho nasorganizaes,comoPeterDrucker,vmproduzindocomoreflexosobreotemadagestoorganizacionalnestemomentodemudana.

    Peter Drucker aponta algumasquestes interessantes ao afirmar que agrande caracterstica vivida pela revoluo tecnolgica hoje marcada pelacontaminaopredominantedosetortercirionomundodaproduomaterial,queeleentendecomosendoummovimentonosentidodeque:daetapainicialdassociedades, quandoaproduomaterial eramuitovinculadaaosetorprimrio(agricultura),passamosparaasprimeirasrevolues industriais,quandoobteverelevnciaosetorsecundrio,chegandoseinclusiveaopontodesepoderfalaremindustrializao do campo, da agricultura. A partir disto, contemporaneamente,atingimosaterceirizaodoprocessodeproduoindustrial.

    Mas vale a ressalva de que no dessa terceirizao que falamoscomumente, do ponto de vista de flexibilizao da fora de trabalho ou dacontrataodeumaoutraempresaprestadoraparafazerpartedealgumservio,comoporexemplo,alimpezadentrodeumhospital.Elenoestfalandosobreterceirizarasatividades.Oqueoautorestfalandosobreanaturezadoespaodaproduo.

    Mesmoconsiderandocomo limitadaestamaneira comoele compreende

    18

  • este processo ao vincullo ao conhecimento como principal fora produtiva,pareceserbemestratgicaaobservaoquefazaorelacionarestatransformaocomotendoalgoavercomopapelquevemdesempenhando,nestemomento,aquestodoconhecimento.Entretanto,nopareceperceberoqueestalmdestaquestodosaber,caracterizadacomoumadimensoquasequeexclusivaevitaldasubjetividadeeatcomorepresentativauniversaldesta,nodestacando,nointeriordosprocessosprodutivos,olugarocupadopelastecnologiasdecapturado trabalho vivo, isto , o quanto a atual revoluo tecnolgica vem sendomarcadapelopapelqueotrabalhovivoematovemadquirindonointeriordosprocessosdetrabalhoemgeral,noespaoterciriodaproduoemparticular,inclusive comoprodutor de mecanismosgerenciais quevisama captura dostrabalhosvivosdiretamentevinculados cadeiaprodutivamaterial. Esta umaquestoque,devidoasuaimportncia,retomaremosemdetalhemaisadiante,aotratarmosdasorganizaesedotrabalhovivo.Alis,digasedepassagem,fatonuncanegligenciadopelocapitalismocontemporneoquevemsealimentandodeum territrio especial de tecnologia para municiar os processos de mudanascapitalistas,equeadocampodagestodasorganizaesedamicropolticadoprocessodetrabalho.

    Humautorbrasileiro,PauloRobertoMotta,quedeumacertaformacaptaestasituaosobumaspectomuitointeressante,aodizerqueoenfrentamentodequestes destas ordens, atualmente, muito vinculado a um recurso vital: acapacidadedegesto16.Esteautor,emseutrabalho,mostracomohojeestamosvivendo uma situao histricosocial, que tem definido para as organizaesprodutivasumdesafioquespodeserenfrentadoatravsdosmodelosgerenciaiscadavezmenosburocrticos,equepermitemsorganizaesumaplasticidadeque as transformam quase em uma organizao inteligente 17, que consigaassimilar o que ocorre no seu interior e na sua volta, e elaborar soluesadequadasparacadaproblemanovoquelheaparece.Agestoseriaocampotecnolgicoparadarsorganizaesestaplasticidade.

    Entretanto,compreenderestaquestodentrodotemadestetrabalhoexigeumaprofundamentosobreadinmicadotrabalhovivonointeriordasorganizaesprodutivase,parafazeristo,usaremoscomoexemploacomparaoentreumafbricadeautomveiseumcentrodesade.Entretanto,estaremosutilizandoo,nestemomento,deummodobemsimplificado,poisparaexplorarmelhortodasasimplicaesdestareflexofazsenecessriaaconstruodeumtextoespecfico,quetenhacomoobjetivotratardasrelaesentreasorganizaeseotrabalhovivo,tematizandoemparticularagestocomoexpressodotrabalhovivoematoesuasdimensestecnolgicas.

    16Vejatanto AsSociedadePsCapitalistas,dePeterDrucker,editadopelaPioneira,quanto AGestoContempornea,dePauloRobertoMotta,editadopelaRecord.17Estetermonosso,poisP.R.Mottanooutiliza.Almdeconcordarmoscompartedesuasidias,achamosquetambmh,hoje,umprofundomovimentopararedefiniroquetrabalhoprodutivoeoquemercadoria,comomaisadiantediscutiremosaodizermosqueotrabalhoemsadeproduzbensrelaes.

    19

  • Paradarseqnciaanlisecomparativa,emprimeirolugar,necessrioimaginarmosqueaexperinciatayloristapodenosmostrarqueasorganizaescapitalistassempretiveramqueconvivercomaexistnciadeumcertoautogovernodotrabalhadornoprocessodetrabalhoequeaprenderam,emparte,adomesticloemesmootimizlo,parapodercaminharparaprocessosdeorganizaesdotrabalhonaslinhasdeproduodentrodosmoldesmaisclssicosdasempresas,comooqueocorreucomasautomobilsticas.

    Taylorsoubeperceberestasituaoe,apartirdeento,acabouporpropora conformao de uma certa tecnologia para operar estes contextosorganizacionaisprodutivos,mostrandocomopossvelatuartecnologicamentenoespao da gesto do processo de trabalho, no interior dos estabelecimentosprodutivos,equeacabamconstituindoseempoderososmeiosdeproduo,quemaistardeseconstituememumdoslugaresprivilegiadosdoexercciodaatualrevoluotecnolgica,comoveremosmaisadiante.Almdisso,esteprocessopodenosrevelar,emtermosdadiscussosobreotrabalhovivonasorganizaes,asmuitasperspectivasqueapontamparaamudanadosprocessosdetrabalho.

    Podemosdizer queodesenvolvimento douniverso tecnolgicoque temcomocentroagestodasorganizaesprodutivas,enquantoumatecnologiadotipo levedura 18, acompanhou quase passo a passo o que classicamenteentendemospordesenvolvimento tecnolgicodomundodaproduo,desdeaintroduodetecnologiadura,comoamquinaferramenta,quecadavezmaisnecessitademenostrabalhadoresparaobterporesmaioresdemaisvalia,equeoquesedenomina,nadiscussoclssicadomarxismo,demaisvaliarelativaeabsoluta.

    Com isso queremosdizer queas revoluesnomundo tecnolgico daproduonosefazems comaentradaemcenadenovasmquinas,mastambmdenovosmodosdegerirasorganizaes,afimdegarantiracapturadotrabalhovivoematonaproduo,permitindoqueosautogovernostenhamquesercoerentescomanaturezadoprocessoprodutivocapitalista.Almdeestarmossugerindoquequantomaisintensivaaexploraodiretadotrabalhovivonalinhadeproduo,hanecessidadedeseampliaracapacidadedecapturadesteporestratgiasorganizacionaislocalizadasnosprocessosdegestodoequipamentoinstitucional,devidoaodotrabalhovivonoduploespaodagesto:deumladoadobradagestonoespaodoprocessodetrabalho,deoutroladoadobranoespaodagestoorganizacionaldoestabelecimentoprodutivo.

    Porm, estas questes no se apresentamde modo idntico quando oprocessoprodutivoodasprticasdesade,porcausadesuanaturezamuitomenos estruturada e do fato de que, no interior destas prticas, estsepermanentementediantedaconstituiodeumespaointercessor trabalhadorusurio,comoolugarquedfactibilidadeaotrabalhovivoematoeaojogodenecessidades, que como vimos definese no interior de um processo quase

    18UmadiscussobemmaisdetalhadasobreestatipologiadastecnologiasencontrasenotextoEmbuscadeferramentas...,jcitadoacima.

    20

  • estruturado.Vejamosistomaisdepertonacomparaoentreocasodafbricaeodo

    centrodesade.Deummodobemgenrico,aodescrevermosaproduodeautomveisem

    umafbricabrasileira,podemosdizerquehumatalordemimpostaaoprocessoprodutivonalinhadeproduoque,seumareacomoaforjarianoseguirospadresdefinidosparaelanafabricaodeseuproduto,comoporexemploumacertaportadocarro,areaseguinte,comoadapintura,noirnemaceitaroprodutoofertadopelaforjaria.

    Destemodo,humalgicanalinhadeproduoquetemqueserseguidasempreemtermosdepadresaseremperseguidosparaoprodutodecadareade produoe, se estes padresno foremobedecidos, o trabalho vivo neleincorporado ser rejeitado. Isto , neste tipo de organizao, a captura dotrabalhovivodeversertotalecompletanalinhademontagemdoprodutofinal,poisestaorganizaonopodevivercomumautogovernodotrabalhadoraopontodestealterarospadresdosprodutosaseremmanufaturadoseasuavinculaocomojogodacriaodosvalores19.

    Logo,umaorganizaodestetipodevedesenvolverpermanentementeumconjuntodeaescujafinalidadeodegarantiraplenacapturanalinhadeproduo, do trabalho vivo emato, sendoqueestasaesdevematuar paraapararosentidodoautogovernocolocandoo,otempointeiro,aserviodasualgicacapitalistaempresarial,previamentedefinida.

    Podemosafirmar, ento, queumaorganizaodeste tipoagenabuscapermanentedeumprocessobemestruturadonasualinhadeproduofinal,equeparaseratingidadesenvolveumafrentedetrabalhocujoobjetivocontrolareviabilizaracapturadotrabalhovivonaqueleprocesso,estruturandoo.Estanovafrentedetrabalho,nodiretamentecomprometidacomaelaboraodoprodutofinal, dse no espao da gesto organizacional e graas a um conjunto detrabalhos vivos, tambm, que visam tornar o trabalho vivo diretamentecomprometido com a elaborao do produto final, um trabalho capturadoplenamentepelalgicacapitalstica,nonossocaso,dotrabalhomortoqueoperaepadronizaoprocessodiretamenteprodutivo.

    Umaorganizaodestetipocentraatenomuitoespecialnestetrabalhovivo,quetemcomomissomataredomesticaroautogovernodalinhadiretadeproduo,quepretendaalterarasualgica.E,seobservarmosomundo dasnecessidadesqueestosendosatisfeitas, podemosafirmarqueadopossvelusuriodoprodutofinalnosefazpresenteimediatamentenoatodaproduo,inclusivesendoencaradocomoalgoasercomandadoeestruturadopeloprprioprocessoprodutivo,queprocuracapturlotambm.

    Nestadinmicadecapturadotrabalhovivoematonalinhadiretadaproduo,emumafbricadeautomvel,realizadapeloscomponentesdotrabalhomorto,tantocontidonasmquinas(comotecnologiasduras),quantonossaberes

    19Jtratamosdissonaintroduoquandoabordamosateoriadovalor.

    21

  • normatizados (como tecnologias leveduras), como j expusemos, podemostambmsentirapresenadeumconjuntodeoutroscomponentesinstitudospordistintas lgicas, que atuamcomoprocessos de conteno das possibilidadesinstituintesdotrabalhovivoemato,produtordebensfinais.

    Em particular, destacamos os papis que jogam os processos deconstituioereproduodosterritriosexistenciaisautoreferenciaisaosquaisostrabalhadores esto colados, como resultado de processos agenciadoressubjetivantes,queosproduzemcomogrupossujeitados,nodizerdeGuattari.Vale, neste sentido, destacar tanto o papel capturante de subjetividades quedesempenham, por exemplo, as ideologias domesticadoras sobre ostrabalhadores,quantoasconformaessubjetivantesqueaprpriadinmicadotrabalhoimpeaomodelarocorpocomoferramentadetrabalho,seusespaos,tempos20,emesmomodosdesentir.

    Assim,omodocomoascabeasestosendofabricadastambmoperanamicropolticadoprocessodetrabalhovivo,comoforasinstituintesdeprocessosderesistnciasmudanas,comovemoscotidianamentenosserviosdesade;ou no, quando estamos diante de processos inovadores em termos deagenciamentoscomooscasosdemovimentosconstestadoreseantihegemnicos21.Entretanto,qualquerpossibilidadedemexeremprocessosdetrabalho encontra, como parte de seus desafios, mexer com as cabeas einteresses, e suas formas de representao como foras que atuammolecularmentenointeriordosprocessosmicropolticos22,23.

    Semdvida,dentrodasorganizaesbemestruturadascomoafbricaquetomamosparaanlise,temosdescriesderupturasdestascapturasemgeral,masistotemocorridocomumentesemmomentossociaisbemespeciais,quandoocorreaapariodeatoressociaisnovoseorganizadoscomcapacidadedeconfrontamentocomoprocessoinstitudo.

    Entretanto,svezesassistimosaprocessosintraorganizacionaisquetmapretenso de provocar mudanas de modo controlado e, neste sentido, valedestacarcomotemsebuscadoumconjuntodetecnologiasquetmcomodesafionosocontroledotrabalhovivoematonaproduodebens,mastambmodasua prpria capacidade de mudanas. Alis, este tem sido um tema bempermanente para algumas das correntes que compem a Teoria Geral daAdministrao,queforamesoproduzidascomafinalidadedeconstruirmodosdeaes,osquaisvisamaumagestoorganizacionalcapturadoradotrabalhovivo

    20NestadireoapontamosestudosdeFelixGuattari,nolivroCaosmose,edeMichelFoucault,nolivroMicrofsicadoPoder.21Aanlisequeserealizaaquiestabstraindoquemuitosoperriosinventammodosprpriosdegerirseucotidianonotrabalho, inclusivecomaperspectivadenoadesoaosprocessoscapturantes.Fatosquepodemserevidenciadospelasfaltas,peloquebramo,etc.Entretanto,comotendnciaorganizacional ,estessoeliminadossenoseconstituememummovimento.

    22Deveficarclaroqueosprocessosinstitudos,comoasideologiashegemnicas,comportamse tambmcomoinstituintesnosespaosmicropolticos,disputandocomoutrasforasinstituidoras,denaturezassemelhantesedistintas,processodeproduodegrupossujeitosnointeriordasorganizaesprodutivas.23ChamamosatenoaquiparaaobservaodeBaremblittdequenopodemosencararoinstituintecomopositivoeoinstitudocomonegativo.

    22

  • produtor de produtos finais e a sua direcionalidade, a fim de provocarmudanas24,25.

    Comovimosatagora,oprocessodetrabalhoemsadeatravessadopordistintaslgicasinstituintes,comoqualquerprocessodetrabalho,alis.Masnele,emparticular,ojogoproduo,consumoenecessidadestemumdinmicamuitopeculiar,quefazcomqueestejasempreemestruturao,dentrodeumquadropermanentementeincertosobreoqueopadrodoseuprodutofinal,realizado,eomododesatisfaoqueomesmogera.

    Assim,emumcentrodesade,diferentementedafbricaqueanalisamos,no possvel obterse estratgias plenamente competentes que consigamcapturarplenamenteotrabalhovivo,realizadorimediatodebensfinais,equeocorretantoaonveldaprticamdica,quantoaodequalqueroutraprticadesade.Acapturaglobaldoautogovernonasprticasdesadenosmuitodifcilerestrita,masimpossvelpelaprprianaturezatecnolgicadestetrabalho.

    Osserviosdesade tmqueatuaremsituaesnasquaiso jogodoprocesso de gesto do trabalho invade permanentemente o de gesto doequipamentoinstitucionaleestsemprenoslimitesdasrelaesentreopblicoeoprivado,entreaintencionalidadepolticaeadeproduodebens,tornandoseumdesafiopossvelparaeleabuscadeumaformadepublicizarestesespaosde gesto, em todas as suas dimenses, mesmo que em muitos projetos emodelostecnoassistenciaisestaformasedsobomodoprivatizante.

    Nosserviosdesade,o trabalhovivoemato, produtordebensfinais,intervempermanentementenadupladimenso(dobra)dagesto:aosobreoprocessodedefiniomicropolticodapolticaeaooperadoradaproduodebens.

    Nestesentido,fazerumaintervenoinstitucionalnadireodamudanadeprocessosde trabalhoedesistemasdedireono s ter umareceita deprogramaoparaesteprocessoeseguila,poisistomuitomaiscomplicado,particularmentenosambientesorganizacionaisdotipodeumserviodesade.Quando se chega num lugar como um Centro de Sade que possui trintatrabalhadores,porexemplo, necessariamenteestamosdiantedeumadinmicaprofundamente complexa se considerarmos o conjunto dos autogovernos emoperao,ojogodeinteressesorganizadoscomoforassociais,queatuamnamicropolticadoprocessodetrabalho,cotidianamente,eascabeaspresentesnestecenrio.Abemdaverdade,bastaaexistnciadeduaspessoas,emumatodeproduoeconsumoemsade,paraqueestasituaosetornealtamentecomplexa,emtermosdosdistintosprocessosinstituinteseinstitudosqueoperam

    24Adianteteremosumitemdestacandoaanlisedestasteoriasluzdestemodeloterico.Depoisseriainteressante,inclusive, vermoscomoficaestadiscussodiantedenovosprocessosprodutivosqueprocuramexploraroautogovernonalinhadeproduocomofatordequalificaodesteeretomar

    asreflexesdeDruckereMottasobreisto.

    25Umexemploparticulardecomoistoumfatoimportante,equehegemonizaestadiscussonointeriordasempresas,otemadagestodequalidadetotal

    que,apesardeserumcasoparticulardestaquesto,noimaginriodasociedadeconsideradacomoagestoestratgicadasinstituies,emboraestetemasejamaisamplo. Ademais, istoocorre, mesmoconsiderandosequeaanlisedosresultadosobtidoscomissonomostremnenhumasituaomuitofavorvel.PeterDruckerePauloRobertoMottafazemavaliaesdoimpactodessesprojetosindicandosuaslimitaes.

    23

  • nesteespao26.Comisto,talvez,fiquemaisclaroquepensaramudanadeumprocesso

    institucionalsemprenosposicionadiantedeumasituaodealtacomplexidade,equenobastapossuirmosocontroledeumareceitaparaaao,comtcnicaspuramenteadministrativas,mesmoconsiderando(ecomoqueconcordamos)quedeterocontroledetecnologiaspararealizarintervenesemorganizaes,quevisamamudanadeprocessosdetrabalho,sejaumcomponenteimportanteebsicodacaixadeferramentasdosgruposenvolvidos.Mas,semdvida,istonoosuficiente.

    Devemos compreender que os distintos gestores, micro e macro, quebuscam operar nesta perspectiva, tm a necessidade de procurar odesenvolvimento no s de uma postura mais ecltica sobre os vriosinstrumentaisqueestoemoferta,comotambmodenovaspossibilidadesdeaesinstrumentais,desdequepercebam:

    queterosemprequeenfrentarsituaesdealtacomplexidade,emtermosqualitativos,osquaiscaracterizamoconjuntodasinstituiesdopontodevista produtivo, emparticular as da sade. Eque, nestes processos, deveseprocurartrabalharcomacapacidadedeproblematizarcabeaseinteresses,emumprocesso institucional queatua sobre apermanente dinmicaprivatizao/publicizaodosautogovernosdostrabalhadores;e

    quedeverosemprebuscarinterrogaes,nofundosempreticopolticas, para poderem gerar processos de liberao, sobre o sentido dacapturadotrabalhovivoemato,pelasforasinstituintesdotrabalhomorto,queest cristalizadonosmeiosdeproduoenoprocessoj institucionalizadodomododetrabalhar,conformedeterminadossabereseinteressesquebuscamosquestionar.(Oquenosremete percepodequantoestaliberaopodesertransformadora,particularmentenotrabalhoemsade,almdoquantovitalolugarocupadopelotrabalhador,nestetipodeperspectiva27).

    Nestemomento, vamosdeixarestadiscussoeaanlise dos inmerosdesdobramentosqueelapossaterenosdebruarmaisaindasobreatemticadamicropolticadotrabalhovivoemsadeeseupapeltransformadordosentidodasprticas,parapodermoscompreendermelhorestadiscussodarelaoentreosprocessosorganizacionais e asdistintasestratgiasqueareadasade temadotado,visandoumaaonoespaodeintervenodotrabalhovivoemato.

    Opapeltransformadordotrabalhovivoematonasadeesuasdobrastecnolgicas

    Oprocessodetrabalhoemsuamicropolticadeveserentendidocomoum

    26 Jsugerimos,eestamossreforando,quealeiturado Compndio deAnlise Institucional, deGregrioBaremblitt, podeajudarnacompreensodestasquestes,bemcomootextosobrepsicanlisedolivroEncruzilhadadoLabirintoI,deCorneliusCastoriadis,editadopelaPazeTerra.

    27Valedizerque,emsuasdistintasproduestericas,GastoWagnerdeSousaCamposvemescrevendosobreolugarprivilegiadoqueostrabalhadorespodemocuparnopapeldereinventarosmodosdetrabalharcotidianamentenosservios.Emparticular,confiraseustextospresentesnoslivrosPlanejamentosemnormas,AsadepblicaemdefesadavidaeReformadareforma,editadospelaHucitec.

    24

  • cenrio de disputa de distintas foras instituintes: desde foras presentesclaramentenosmodosdeproduofixadasporexemplocomotrabalhomortoemesmooperandoenquantootrabalhovivoemato,atasqueseapresentamnosprocessosimaginriosedesejantes,enocampodoconhecimentoqueosdistintos"homensemao"28constituem.

    Namicropolticadoprocessodetrabalhonocabeanoodeimpotncia,poisseoprocessodetrabalhoestsempreabertopresenadotrabalhovivoemato, porque ele pode ser sempre "atravessado" por distintas lgicas que otrabalho vivo pode comportar. Exemplo disto a criatividade permanente dotrabalhadoremaonumadimensopblicaecoletiva,podendoserexploradapara inventar novos processos de trabalho, e mesmo para abrilo em outrasdireesnopensadas.

    Masnosepodedesconhecerqueistopodeocorrernosmomentosemqueabremse fissuras nosprocessos institudose emquea lgicaestruturadadaproduo,bemcomooseusentido,sopostosemxeque, incluindoaprpriamaneira como est sendo gerida pelos trabalhos vivos precedentes que secristalizaram,alis,napotnciadotrabalhador.

    Portanto,atuarnestesprocessostrabalhovivodependentes,permitenossairembuscadaconstruodedistintaslinhasdefuga,comoporexemploemrelaolgicaquepresideoprocessodetrabalhocomoproduoesatisfaodenecessidades;aomododecomosesabetrabalhar, isto, suaconfiguraotecnolgica;maneiracomooespaoinstitucional,dagestodesteprocesso,estordenado. Repensarmos a potncia e a impotncia como uma caractersticasituacionalquepodeseratravessadapordistintosprocessosinstituintesemesmoagenciadatornase,assim,umadasousadias.

    Umaanlisemaisdetalhadadasinterfacesentreossujeitosinstitudos,seusmtodosdeaoe omodocomoestessujeitosseinterseccionam,permitenosrealizarumanovacompreensosobreotemadatecnologiaemsade,aosetomarcomoeixonorteadorotrabalhovivoemato,queessencialmenteumtipodeforaqueoperapermanentementeemprocessoeemrelaes29.

    Fazemosumaapostanapossibilidadedeseconstituirtecnologiasdaaodotrabalhovivoematoemesmodegestodestetrabalhoqueprovoquemrudos,abrindofissurasepossveislinhasdefuganosprocessosdetrabalhoinstitudos,quepossamimplicarnabuscadeprocessosquefocalizemosentidodacapturasofridopelotrabalhovivoeoexponhamspossibilidadesde"quebras"emrelaoaosprocessosinstitucionaisqueooperamcotidianamente.

    Semmencionarqueistoimplicaemqueos"disparadores"destesprocessosdefugaestejamexplicitamentevinculadosaumolharticopolticointerrogadoreruidoso,maisdoquecentradosemumoutromodeloprviaetotalmentedefinido

    28Apretensoaquimarcarumaposiodistintadoracionalismoqueoperacomanoodehomemdarazo,subsumindoestaracionalidadeaosprocessosquegovernamohomememsituaoenaao.29Vejadenovootemadosintercessores,jabordadosanteriormente.

    25

  • quesecontraponhaglobalmenteaotrabalhomortocristalizadonoinstitudo30.Entenderestadupladimensodaaodotrabalhovivoemato,degerir

    processosinstitucionaisederealizarproduespropriamenteditas,assimcomoaspossibilidadesdetoclacomprocessosdiretamentereferentesaosseusmodostecnolgicosdeexistir,primordialnareflexoqueestamospropondo,poiscomela pretendemos interferir nos modos como o trabalho vivo opera uma dadaproduo concreta enquanto ummodo essencialmente intercessor de ser eatravsdesuasformastecnolgicaslevesdeagir,capturadasdedeterminadasmaneirasemrelaoaotrabalhomortoqueoperacoetneoconsigo,aomesmotempoemquepretendemostambmtocarnasmaneirascomoinstitucionalmenteesteprocessoumespaodeaogovernamental,privadoepblico,quedefineosprocessosdepenetrabilidademaisamplaourestrita, dasarenasondesedecidemosentidodainstituio.Queremospensartecnologiasquepossamtantoredefinirosprocessosdecapturadotrabalhovivoemato,enquantoumdadomodelodeateno,quantotornarmaispblicoosprocessosquegovernamasuadirecionalidade.

    Vale assinalar que, de uma certa forma, estas possibilidades no sototalmente estranhas a alguns pensadores, plenamente aderidos ao sistemacapitalistaatual,oquepodeserpercebidoquandoanalisamosalgumasproduescontemporneasnocampodagestoempresarial,noqualvamostambmbuscarinterlocutoresparapensarmosaquelastecnologias.

    Hautores,comoFernandoFlores31,quetmpercebidoqueoconjuntodascontribuies da Teoria Geral da Administrao 32 (TGA) tem aprisionado opotencial "revolucionrio" do trabalho vivo mesmo que no se utilize destadenominaoparaimplementarasmodificaesquesefazemnecessrias(ouqueele supe comonecessrias), hoje, no interior das empresas capitalistas.Partindo de uma leitura da administrao como fenmeno lingstico, procuraexplorarumadimensodaprticagerencialque,donossopontodevista,muitodevedoraaomomentodapresenadotrabalhovivoematonoprocessodegesto.Mesmo que este autor acabe propondo depois captlo com um mtodoinformatizado,atravsdoseuProgramaGerencial(software):ElCoordinador.

    Resumidamente,FlorescriticaatradiodaTGAdizendoque,apartirdeuma postura sistmicofuncionalista, as suas vrias correntes tm tratado os"quebras"cotidianosqueocorremnasprticasadministrativascomodisfunes,masnotmconseguidoperceberqueestes"quebras"soconstitutivosdestas

    3097VerGastoWagnerSousaCampos,emtextoimpresso,noqualfazumareflexosobreametodologiadetrabalhodoLAPAenoqualapontaque,maisdoqueportadoresdeummodelotecnoassistencial,devemosser"provocadores"deinterrogaes.

    31Paramaioresdetalhes,consultarolivroInventandolaempresadelsigloXXI,publicadopelaHachete,noChile.

    32Podemos,inclusive,apartirdestaperspectivamicropoltica,tratarasprpriastecnologiasparaaaodegovernarorganizaes,comoasproduzidaspelaTeoriaGeraldaAdministrao,comocontribuiesaseremconstitudasnaformadeferramentasdisponveisparaosujeitodaaoemsuaatividadedegestordoprocessodetrabalho,desdequesejam"desencarnadas"desuaslgicas instituintes dadas pelo trabalho morto que representame, deste modo, possamserapossadasporoutras(lgicasinstituintes).

    26

  • prticas,quecomofenmenoslingsticosexpemsempreumatodelinguagementrepares,queilocucionariamenteestopondoemjogooestabelecimentodeumcompromissodeao.E,nestesentido,apontaque,semprequeocorreumatodelinguagem,fazsepresenteumaintencionalidadeparaalmdaquelamaispresentenamensagememitida(aformalocucionriadoatodefala),equecomointenoilocucionria deste ato, est sempre criando uma situao comunicativa deexplicitaodeumdadocompromissoparaaao,quenoseddemaneiraimediatamentenafala,massimnosatos,oqualtemdeseraprendido,explicitadoecompreendidoparaque,noplanogerencial,possasercompatibilizadocomabuscadeumprocessocooperantedecompromissos,entreospares,nointeriordasempresas.

    Com isso, o cotidiano de uma organizao est sempre aberto possibilidadedeumnocompartilhamentooumesmodeumanoadequabilidadeentreocompromissoilocucionrioqueoatodelinguagemcomportaeasaes,quesetornamvitaisparaocumprimentodamissoinstitucional.Ocotidianoseria,ento,permanentementeatravessadoporestesrudos.Sergestor,nestasituao,seriadesenvolveracapacidadedeescutlos,construindoumprocessodebuscade entendimento deles e de um certo estado de nimo cooperativo para aexecuodamissoinstitucional.

    Mesmoconsiderandoseque,paraFlores,osinstituintescapitalsticos,queinstituirameinstituemoslugaresdos"falantes",eat oprocessodofalar, oparmetro do que so os interesses missionrios da organizao, a suacontribuioexpeumadimensomuitoprpriadeumdosmomentosdotrabalhovivoematonasorganizaes,que oexpressopela identificaodoatodas"conversas" quecriamcompromissosparaaao, entreasdistintasreasdeproduoeosdiferentesnveisorganizacionais.Tambmidentificaaaogestoracotidiana que todos detmcomo o lugar vital para se pensar o processoorganizacional.

    Naperspectivadoqueestamosbuscando,ouseja,apossibilidadedetomaros rudos cotidianos como "abridores" de linhas de fugas do institudo,consideramos limitada a perspectiva de Flores, pois no permite explorar os"quebras"comoanalisadoresqueviabilizamagenciamentosdenovosprocessosnocampodasubjetividadequeoperanosespaosdeautogovernodotrabalhovivoemato, possibilitandoa invenodenovas"misses"organizacionaisenovossentidosparaoprocessodetrabalho,aomesmotempoemquenocompreendecomclarezaadimensopropriamentetecnolgicadotrabalhovivoemato,nosprocessos produtivos propriamente ditos, com as suas aes tecnolgicasintercessoras.

    Mas,mesmoassim,Floresevidenciaoquantootrabalhovivoocupaumlugarestratgiconaaode"desenhar"aorganizao33,podendoseroperadocom certas ferramentas gerenciais que ponham sua captura em xeque,

    33Eque, aqui, nestetexto entendidomaisamplamente ainda, poiso tomamossubstancialmente comoespaodasubjetividadeemproduoque"carrega"emsimuitasoutrasracionalidades,paraalmdaqueaqueleautorapreendenadimensodalinguagemequeestimplicadocomotrabalhoemsi.

    27

  • tornandosefonteinesgotveldeproduodepossveisnovosmundosecenriosno interior do mundo do trabalho, dado o institudo em jogo que estejamosquestionandoequerendosuperar.

    Oprocessode trabalho, desta forma,podeserexpostonevralgicamentecomomicropolticae lugar estratgicodemudana, comovimosafirmandoaolongodotexto.

    Tirarproveitodestamaneiradeolharparaocampodagestodoprocessodetrabalhoemsadeoquesepretende,aopropormosumareflexoemtornodo:

    aprocessodetrabalhoemsadesobreaticadotrabalhovivo,comoumadimensoqueoabreparaprticascriadorasdepermanentesprocessos tecnolgicos para enfrentar a complicada temtica dasnecessidadesdesade,quedeveservistatambmsobaperspectivadesuainstituio;

    bprocessodetrabalhoemsadesobreaticadotrabalhovivo,comoumamaneiradeanalisaradistinoentreolugarqueocupaedaprpria forma de sua captura para um modelo como o mdicohegemnicoeaquelequepodeocuparparaumoutro,comoodedefesadavida(Nistotemosquereconhecerquetemospoucoacmulo,inclusiveparase criar detetores, como os indicadores de sade, da presena destatecnologiadotrabalhovivoemato,alm doquantoomodeloatualdeinformao centrado nos indicadores de trabalho morto do mdicohegemnico ou mesmo da sade pblica mais tradicional, criandonosdificuldadesadicionaisparaoperarmoscomestasnovasdimenses.Estetemaseralvodeanlisemaisapurada,entretanto, nocaptuloseguinte,sobreasferramentasanalisadoras);

    cprocessodetrabalhoemsadesobreaticadotrabalhovivo,abrindoumacaixapreta em torno da presena das "tecnologias leves",tecnologiade(edas)relaesdosintercessores,nointeriordosprocessosque podemgerar alteraes significativas no modo de se trabalhar emsadeea importnciadeseincorporarosinterrogadoresdosespaosintercessoresqueseconstituementreotrabalhadoremsadeeousurio(que portam processos instituintes distintos sob a forma de diferentesnecessidadesnaconstruodeseusespaos),sobumaticaanalisadorapautadapelaticadocompromissocomavidaeexpressasematonasdimensesassistenciais do trabalhovivoemsade, comoa relaodeacolhimento,acriaodovnculo,aproduodaresolutividadeeacriaodemaioresgrausdeautonomia,nomododaspessoasandaremavida34,35.

    34Esteselementosestopresentesemmaiores detalhes noscaptulosdolivro Inventandoamudanana sadeenoscaptuloseanexosexpostosadiantequandosetrabalhaaanlisedesituaesconcretas.Presentenotextoimpressodoautor,Atuaremsade.

    35Que, no nosso argumento, parecempermitir explorar a potncia reformadora do trabalho vivonamicropoltica doprocesso de trabalho emsade, ao seconstiturememdispositivosanalisadores,interrogadoresruidosos,docotidianoinstitucionalondeserealizaoagiremsadeenquantoservio,enoqualpodesepracapturadotrabalhovivoemxeque.Verestadiscussoemmaiordetalhenocaptulosobreasferramentasanalisadoras.

    28

  • TRABALHOVIVOEMSADEESUASTECNOLOGIASLEVESNOEXERCCIODOSAUTOGOVERNOSENOSPROCESSOSINTERCESSORES

    Como j dissemos, emmomentos anteriores deste trabalho, tomamosalgumasdascontribuiesdeRicardoBrunoMendesGonalvesedeCorneliusCastoriadisparaentenderasquestesquesereferemprpriacapacidadedotrabalhovivoematonasadeeminterrogarosentidodesuacaptura".Assimprocuramosconversar,mesmoquecorrendooriscodeemmuitoscasossermosbemsuperficiais,comaproduotericadestesautores,tentandocompreenderalgosobreatecnologiadotrabalhovivoematoesuarelaocomaprticadeduvidar, analisar e procurar revelar (atravs de dispositivos interrogadores) osentidoeadirecionalidade(intencionalidade)doprocessodetrabalhoemsadeeosseusmodosdeoperarcotidianamentenosprocessosprodutivos.

    ProcuramostrabalharcomareflexodesenvolvidaporRicardoBrunosobreo processode trabalhoemsadeeoseuolhar sobrea "micropoltica" desteprocesso,comaqualtentaapreenderocomandoqueotrabalhomortoinstitudo(comomodelotecnolgico)realizasobreotrabalhovivo,emsade,apartirdaconsagrao de alguns determinados modos de organizao do processo detrabalhoemsade,comoumadadasingularidadehistricaesocial.

    Ricardo Bruno apreende de forma bemcompetente a presena de umconjunto de foras instituintes do sistema capitalstico, na organizao doprocesso de trabalho emsade, a partir da compreenso do modo comoosprocessos molares 36 deste sistemase fazem"determinantes" no micropolticodestetrabalho.Instrumentalizanos,nestadinmica,quantopossibilidadedesedetectaralgunsmecanismosfundamentaisdecapturadotrabalhovivoemato,nasade, pelo trabalho morto "capitalisticamente" institudo; abrindo espectros deinterrogaessobreestacaptura",quepossampremxequeosseussentidos,pormquandopensaosprocessosalternativos,quandopensaamudanadestes,ficapresoaestasmesmaslgicas"determinantes"e,dongulodeanlisequetemosadotadoatagora,nesteestudo,noexploraariquezadamicropolticadoprocesso de trabalho do ponto de vista do "revolucionrio" que h deindeterminado,na"substncia"trabalhovivoematoenasuapotencialidadeparainterrogaremprocesso,emautogoverno,aintencionalidadedotrabalhoemsadequeoaprisionoueosseusmodosdeoperar.

    ComotrabalhodeCorneliusCastoriadis,jcitado,pretendemosexatamenteabrirestapossibilidadeanaltica,realizandoumareflexosobreotrabalhovivoemato, a partir do que este autor constata, quando afirma, dentre vrias outrasquestes,queumateoria,comoapsicanaltica,noconsegueenopodedar(etomar)contadetodasasdimensesdoprocessopsicanalticoaovivo.

    Dizque,diantedeumcasoconcretodeanlise,deumprocessointercessor

    36Nestaquestosomuitointeressantesostextoscontidosnolivro Revoluomolecular, deFelixGuattari,editadopelaBrasiliense,em1981.

    29

  • ematoentreterapeutaeterapeutizado,nopossvel,baseadonoarcabouoterico,nosaberestruturadoconstrudoapartirdele,dizerqualseroseucaminhoedesfecho,mesmoquereconheaqueateoriaeossaberespossamcontribuirparaestepercurso(lembrardestaposionomodocomodiscutimosatrssobre"caixadeferramentas").

    Castoriadisabre,assim,alternativastericasparacorroborarmosamaneiracomo estamos tratando, neste estudo, a dimenso mais processual etransformadoradotrabalhovivo(emato),aosugerirqueotrabalhopsicanalticoem ato tem algo que o faz singular, por ser um trabalho que tem suaessencialidadenaaoenoqueestatemdeprprionoseumomentodeestarsendo,assimcomonosmomentosemqueastecnologiasdestetrabalhovivoemato,produtorasdosprocessosintercessoresderelaes,comotecnologiasleves,constituemoprprioprocessoteraputico.

    interessante verificar que Freud, sem o denominar deste jeito, esttratandodesteuniversotecnolgicoaofalardaimportnciadatransfernciaedacontratransferncia como substrato deste processo. Baseados nesta mesmaabordagemquetratamosoacolhimentoeovnculocomocomponentesdesteuniversotecnolgicodotrabalhovivoematonasade,eosconsideramoscomoosubstratotecnolgicoquepodedarosentidodousurionointeriordoprocessodetrabalhoemsade,seforemcapturadosparacriaremaumentosdosgrausdeautonomia deste no seu modo de caminhar na vida, instituindo suas normasvitais37.

    EmRicardoBruno,apresenadomolar/institudocomodeterminantetemmuitaforaexplicativa,oquedificultaavisualizaodoque,nesteprocesso,podelheabrirasportas,nosentidodasuaprpriasuperao,quenesteautortratadocomoumapossibilidadeexterna,deummodeloversusoutromodelo,jdado,quecarregariaumaintencionalidadeestruturaldistinta,equeportadoradeumaoutradireoparaosentidodotrabalhoemsade,jinstitudaepolarizada.Nesteautor,cabe encontrar os agentes sociais deste novo modelo e no constitulos emprocesso, como resultados da produo de novos sujeitos, agenciados eagenciadores, na interrogaodoqueest dado, domodocotidianocomoseproduzereproduzoagiremsade.EmRicardoBruno,osmodelosemsitornamsesujeitosplenosdaconservaoe/oudamudana,eoshomenssosseussubstratos.

    Assim,nacontribuiodesteautorotrabalhovivopresentenoprocessodetrabalho emsade, sempre considerado emsua tica como aprisionado pelotrabalho morto contido na organizao de modelos tecnolgicos, deixa de serportadordeumapotnciade"desdobramento"emumuniversocriativoe"ruidoso",comreinvenesdasprpriastecnologiasdisponveis, como"produtos"dasuaaoemato.Deixadeserumtrabalhoinstituinte,nonecessariamentecristalizadoe condenado pelos saberes estruturados, mortos, presentes nas normas,

    37Nesteparticular,verOnormaleopatolgico,deG.Canguillen,editadopelaGraal,eAsadepblicaemdefesadavida,deGastoWagnerdeSousaCampos,editadopelaHucitec.

    30

  • procedimentoseinstrumentos.Este autor no consegue perceber o trabalho vivo como fonte de

    tecnologias,quereinventamosentidodoqueestcristalizado,construindooutrosuniversosinstitudos,aoabrirlinhasdefuganojdado,atravsdeumprocessode"revelamento", que pode ser explorado cotidianamente pelos dispositivosanalisadores prprios da natureza tecnolgica deste processode trabalho, emagenciamento, e quepememxequeosentido do trabalhar e sua captura,expondooanovasracionalidadeselgicasinstitucionais.

    Nos trabalhos de Ricardo Bruno 38, ou nele inspirados 39, revelase umpredomniodoaprisionamentodoprocessodetrabalhoemsadeaumalgicainstituda e dada estruturalmente, especialmente quando toma os saberestecnolgicosconstitudos,comoapresenainstituinteedeterminantedatotalidadehistricosocial,namicropolticadotrabalho.

    IstopodeservistonasseguintespassagenselaboradasporMariaIns,emuma apreenso bem precisa do pensamento daquele autor: " (...) dentro doprocessodetrabalhoemsade,asrelaesqueseestabelecementreobjeto, instrumento e produto, face das necessidades sugeridas e que direcionamafinalidadedomesmo,sodirigidaspelaintencionalidadedotrabalhofrenteaumcertosaberoperatrioqueencaminhaosagentesparaocumprimentodeumcertoprojeto de vida em sociedade"; e ainda, ao compreender que o modelo deorganizaotecnolgicadotrabalhocontmcomocaractersticas"osaber(...)umaintelecoanterioraomomentodotrabalho;osobjetos(...)nosodadosmaspensados pelo saber; cada objeto contma necessidade social que gerou o trabalho;osagentes,osobjetoseosinstrumentosdotrabalhosomomentosdeumsconjuntoquerealizainternaeexternamenteasnecessidadesdereproduosocial".

    Entendendoseoprocessodetrabalho,praticamentecomoaprisionadoporumadada lgica instituda, concebida a partir de umaposio totalizadora docapital como fora instituinte, emuma lgica de articulao entre o momentoprodutivoeasuacristalizaoinstitudapelalgicadotrabalhocriadordevalor.Otrabalhoabstratocomandandooconcreto,oprodutivodirigindooimprodutivo(digasedepassagemque,dopontodevistaterico,estassocategoriasanalticasclssicasdaeconomiamarxistaparacompreendermosoprocessooperatriodocapitalismo) e o trabalho vivo s como expresso do morto e, portanto, semchancesde,aoserumtrabalhocomsubstratotambmprprio,vivificarematoosagiresdotrabalho.

    Aotratarestemomentodaimplicaodocapitalsobreaorganizaodoprocessodetrabalhocomototalizador,perdeapossibilidadedecompreenderocomplexouniversoconstrudopelosoutrosprocessosinstituintes,presentesnestamicropoltica,emparticular,olugardotrabalhovivoemato.

    38Almdotrabalhocitado, vertambmPrticasdesade:processodetrabalhoenecessidades, publicadonos Cadernos Cefor , em1992,pelaSecretariaMunicipaldeSadedeSoPaulo.

    39ComoodeMariaInsB.Nemes,nasuadissertaodemestradoHansenaseeasprticassanitriasemSoPaulo,de1989,FMUSP.

    31

  • E,nestesentido,aquelaautora,centradanopensamentodeRicardoBruno,afirmaque: "(...)osinstrumentoscorrespondemformapelaqualaenergiaseincorporaaoprocessode trabalho...No trabalhoemsade, estes instrumentoscorrespondemsformasmateriaisenomateriaisquepossibilitamaapreenso doobjetodetrabalho...voltadoparaaconsecuodafinalidadedeatendimentodasnecessidadesdesade(...)necessidadecarecimentoqueorientaoprocesso detrabalho(...)aatividadehumanaarticuladaaumafinalidadesemprepresente, anteseduranteoprocesso." Sendonecessidadescompreendidascomo: " (...) criaessociais, i.e., davidacoletiva. (...) Asnecessidadesesuas formasde satisfaovariam, como tambmas relaessociais queos homensentre si estabelecematravsdeseustrabalhos.".

    E,denovo,devemosperguntar:qualenergiaseincorporaaoprocessodetrabalho? A do trabalho vivo capturado pelo trabalho morto, preso nasconfiguraestecnolgicasdosprocessosdetrabalho,comandadospelossaberesestruturados, pelas normas, pelas mquinas, pelos procedimentos, etc? E aenergiadotrabalhovivoematoeempotncia,oquetemavercomtudoisto?Ser queeleno umcomponentepermanentementeruidosodesteprocesso,portadordeoutraslgicastecnolgicas,paraalmdoqueestsendocapturadocomomodelotecnolgicodeorganizaodotrabalho?Tecnologiadotrabalhovivoemato,que epodeser fontede linhasdefugasaesteprocesso institudo,capitalstico, e queest na base de qualquer possibilidade de intervenonosentido da mudana, centrada no usurio, como o sentido ltimo do prpriotrabalhoemsade?

    Noserqueasubjetividadeemato,comoessencialidadedohomememao,noextravasaosujeitodaprtica,dasatividades,seestaforsentendidaexclusivamentecomomomentocapturado?Porqueser queaquele,comoumprocessoemato,temqueserpermanentementecapturado?Cremosquenavidaem movimento, o trabalho vivo em ato vai alm dos limites do institudo,provocandopermanentementenovasinstituies.

    Seassimfor,se possvelpensarotrabalhovivocomofontedenovosprocederes, comoalgoque temqueser plenamente capturadoparanoabriroutraslinhasdeaoeque,aomesmotempo,comonocasodasade,nopodeser globalmente capturado, expressandose como autogoverno e processosintercessores,porque,ento,estecomponentedaaonoprocessodetrabalhoem sade tem sido e ser permanentemente o lugar do novo e das novaspossibilidadesdeintervenes.

    partindo deste princpio que devemos, e podemos, refletir sobre umaclnicacomoatividadequeprocuratudocapturar versus umaoutraclnicacomoaoquese abre para novosprocessos territorializantes, embuscadenovassingularidadeseprocessosemancipadores,umaoutraclnicaquesefaaemato,centradanaincorporaotecnolgicacomandadapelatecnologialeve.

    Enestesentido,umaclnicapresentetantonamedicina,quantonasadepblica,poisumaclinicaqueenquantoaoseconstituicomoumespaode

    32

  • intervenoemprocessosdeintersubjetividades,comolugardosintercessores,noqualosinstituintessituadosdisputamadirecionalidadedoprocesso.

    Oolharinterrogadordesteprocessosersemprepercebidoatravsdeseusrudos,atravsdeindicadoresindiretosdesuaefetivaoporque,comojvimos,oatodeproduonotrabalhoemsadesednoimediatoatodeconsumir,eotrabalhovivoematoumprocessoqueserealizaimediatamentecomaproduo,sempreumsendo,umdando,emumespaopublicizado,ondepenetraalgicados intercessores, tambmemato, como constitutiva imediata deste trabalho.

    possvel considerarmos que a tecnologia do trabalho vivo em ato sempre um elemento ruidoso e permanente na construo dos sentidos dosprocessos de trabalho em sade, como j vimos na abertura deste texto nomomentodofluxogramaanalisadordomodelodeateno,revelandoapresenadosautogovernos.Eisto, porsuavez,mostracomorelativaadiscussodacaracterizaohistricosocial determinantedoprocessodetrabalhoemsade,pois h que se reconhecer que este est aberto para o que nele h deindeterminado,doquesedefineemato,emproduopermanente,nosespaosdasintersees,produeseconsumos.

    Comisto,oprpriomundodasnecessidadesestempermanenteprocessodecapturapelastecnologiasdossaberesestruturadosporquepodeedeveserinventadoemprocesso,nofazerdotrabalhovivoquesepublicizaparaumanovavalidaoticoestticanocampodotrabalhoemsade,portantonaintimidadeentre o repensar a micropoltica do processo de trabalho emsade e o seuprocessodegesto.

    Anecessidadeinstitudapressupequenohajasingularidade,masmodoscoletivosdeinstituir,quemassificamsentidosdenecessidades.Porm,aomesmotempo,estessesingularizamemterritriosexistenciaisautoreferenciaisquevivemsempre a possibilidade do atravessamento, da desterritorializao, da autoemancipao,deseragenciadaporprocessosdeoutraordem,inclusivepeloseuencontronoespaointercessorcomoutrasdireesqueotrabalhadorprocuraimprimircomsuaao.

    Nestecaminho,tomamoscomodesafioacriaodeprocessosdeoutraordemtecnolgicaparaotrabalhovivoematonasade,comoumpermanenteinterrogantedoinstitudo,comotrabalhomorto,edeseuscompromissosticopolticos, no que diz respeito natureza, digase sempre situacional, de seusprocedereseficazes,direcionalidadeseintencionalidades.

    Chamanosaateno,doquefalamosatagorasobreotrabalhovivoemato,ofatodehaveruma ntimarelaoentreaconstataodasuaexistnciaoperanteeadequetodososatoressociaisgovernam,comodizCarlosMatus.Comistoentendemosqueumadimensochavedotrabalhovivoematoodeestarsempreemsituaodegovernoe,assim,mantendosempreumaestreitavinculaocomadiscussosobreossujeitosem(eda)aoeoconjuntodeteorias (caixas de ferramentas) que tem procurado pensar esta questo, emparticularaquelasquecontribuemparaesclarecerarelaoentreosujeitoem

    33

  • ao e o permanente estado de governar cotidianamente o seu caminhar nomundoe,emparticular,oseutrabalharnomundo.

    Por este ngulo, procuramos abrir uma reflexo sobre os processosinstaladosnointeriordasinstituiesdesadecomoexercciosdegovernosqueoconjuntodosagentesrealizamequeoperamcomomecanismosinstituintesnocotidianoemumdadomododegeriroconjuntodotrabalhoemsade,dandolheumacaradeumdeterminadomodelotecnoassistencialemrealizao,abrindo,portanto,apossibilidadedecompreenderestesdistintosautogovernos,pondoosemxequeatravsdabuscademecanismosquepretendam"desprivatizlos",semanullos, massimexpondoosadiscussesmaispblicasdosseussentidos,submetendoos a um "controle" pelo coletivo dos interessados, presentes nointerior de um espao "publicizado" de gesto, tanto dos estabelecimentosinstitucionaisquantodosprocessosdetrabalhoemsade.

    Porumoutrongulo,tentamostirarconseqnciastambmdasdistintasescolastericasquepermitemrefletirsobreestatecnologiadotrabalhovivoemato,enquantoumdadomodooperatriodegovernarsituaes,cruzandocomestadiscussoas suas implicaescoma temtica eo debate sobre "o governarorganizaes".

    E, na busca de entender estas possibilidades de aprender o universotecnolgico do trabalho vivo em ato na sade, procuramos compreender astecnologiasqueateoriageraldaadministraoproduziu,nosentidodecapturarotrabalhovivoemato,tentandorefletirsobreapertinnciadosmodelosdegestodosequipamentosinstitucionaisqueaT.G.A.ofertaparaocampoparticulardotrabalhoemsade.Almdisso,tomandocomorelevanteoagirmicropolticodotrabalhovivo emato nasadecomo fora instituinte, queoperanosespaosintercessores e que intervem pela sua capacidade de gerir os processos detrabalho e os processos organizacionais, dentro da dobra da gesto comoprocessodeproduodepolticasedebens.

    Odesdobramentodestabuscadeferramentasquepossamexpressarestemododeagirdotrabalhovivoematopenosdiantedapossibilidadedeoperar,deumladocominstrumentosanalisadoresquepodemviabilizaracompreensodosprocessosgeren