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  cologiaProfunda  Um ovo Paradigma C-A:f>/<.A F A t ~ O\..  G I I ~ .  I A;/< 2oQ: 5 b r Este livro tem por tema uma nova compre en s ão c ie nfica da vida e m to dos os níveis do s sistemas vivos - o rg an is mo s  sist emas s oc ia i s e e c os s is t em a s. B a se i a -s e n um a nova pe r c ep çã o d a r ea li da de que tem profundas implicações não apenas para a ciência e para a fi l os of ia m as também para as at ividades comer ciais a política a assistência à saúde a e du ca çã o e a v ida c ot id ia na . P or ta n to é a pr op ri ad o c o me ç ar c om um es boço do amplo c o nt ex to s oc ia l e c ultural da nova concepção de vida. Crise de Percepção  c À m ed id a que o s éc ul o s e a pr ox im a do fim as p re oc up aç õe s com o meio a mb ie nt e a d q ui r em s u p re m a i m p o r tâ n c ia . D e f ro n t am o - no s c om t od a u ma sér iedeproblemasglobais q ue e s tã o d a ni fi ca n do a b i os fe ra e a vida humana de uma maneira alarmant e e que pode l og o s e t or na r i rr ev er sí ve l. T e mo s a mp la d oc um en ta çã o a respeito da extensão e da im p o rt â nc i a d e s ses p r o bl e m as . Q u a nt o m ai s e s t ud a m os os principais problemas de nossa época mais somos l ev ados a perceber que ele s n ão p o de m s er e nt en di do s i sola da me nte. S ão p ro bl em as sistêrnicos o que sig ni fi ca q ue e s tã o i nt erligadose s ão interdependentes. Por exemplo somente será p o ss í v e l esta bilizar a população qu ando a p ob re za fo r r ed uz id a e m â mb it o mu nd ia l. A extinçãode espéc ies a n im a is e v eg e ta is n um a e s ca la m a ss i va c on t in u ar á e nq ua nt o o H e m isfério Merid io n al e s ti v er s ob o f ar do d e e no rm es d ív id as . A e s ca s se z d os r ec ur s os ea d eg ra d aç ão d o m ei o a mb iente combinam-se c om p o pu l aç õ es e m r á p i da e xp an sã o  o que leva ao colapso das c om un id ad es l oc ais e à v io lê nc ia é tn ic a e tribal que se t om ou a c a ra c te r ís t i ca m ai s i m p or t a nte da era pós-gue r ra f ri a . Em última análise esses problemas precisam ser vistos exatamente como dife rent es  facetas de uma única crise que é em grande medida  u ~ a c r i se de p e rc e pção. E la d e r iv a do fato de que a maioria de n ós e e m e sp ec ia l n os sa s g ra nd e s i ns ti tu iç ões s oc ia is c on cordam com os conceitos de uma visão de mun do obsoleta uma percepção da real i d ad e i n a de q u ada p ar a l i da r mos com nosso mundo supe r p o vo a do ~ globalmente i r u m i g ~ d soluções para os pri ncipais problemas de nos s o t em po a l gu m a s d el as a té m e s mo s i mp l es. M as requerem u ma m u d a n ça r ad ic al em nossas per cepções no nosso pensame n to e nos nossos valores. B de f ato estamos agora no pri ncí p i o d e s sa mudança fun d am e n tal de visão do mundo n a ciência e na sociedade urna mudança d e paradigma o radi c al como o foi a revoluçã o c o p er n i ca n a . P or ém es s a compreensão ainda o d es po nt ou e ntre

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Ecologia Profunda - -Um Novo ParadigmaC-A:f>/<.A, 'F . A t ~ \ O\.. ' - G I I ~ .

I+..A;/< 2oQ:)/ 25""b r.Este livro tem por tema uma nova compreensão científica da vida em todos os níveis dos

sistemas vivos - o rgan ismos, sistemas sociais e ecossistemas. Baseia-se numa nova per

cepção da realidade, que tem profundas implicações não apenas para a ciência e para a

fi losofia, mas também para as atividades comerciais, a política, a assistência à saúde, a

educação e a vida cot idiana. Por tanto, é apropriado começar com um esboço do amplo

contexto social e cultural da nova concepção de vida.

Crise de Percepção ,c

À medida que o século se aprox ima do fim, as p reocupações com o meio ambiente

adquirem supremaimportância. Defrontamo-nos com toda uma série de problemasglobais

que estão danif icando a biosfera e a vida humana de uma maneira alarmante, e que pode

logo se tornar irreversível. Temos ampla documentação a respeito da extensão e da im

portância desses problemas.'

Quanto mais estudamos os principais problemas de nossa época, mais somos levados

a perceber que eles não podem ser entendidos isoladamente. São problemas sistêrnicos,

o que significa que estão interligados e são interdependentes. Por exemplo, somente será

possível estabilizar a populaçãoquando a pobreza for reduzida em âmbito mundial. A

extinção de espéc ies animais e vegetais numa escala massiva continuará enquanto o He

misfério Meridional estiver sob o fardo de enormes dívidas. A escassez dos recursos e a

degradação do meio amb iente combinam-se com populações em rápida expansão, o que

leva ao colapso das comunidades locais e à v io lênc ia é tn ica e tribal que se tomou a

característica mais importante da era pós-guerra fria.

Em última análise, esses problemas precisam ser vistos, exatamente, como diferentes

' facetas de uma única crise, que é, em grande medida, _ u ~ a crise de percepção. Ela derivado fato de que a maior ia de nós, e em especial nossas grandes insti tuições sociais , con

cordam com os conceitos de uma visão de mundo obsoleta, uma percepção da realidade

inadequada para lidarmos com nosso mundo superpovoado globalmente i r u m . i . g ~ d 2 .Há soluções para os principais problemas de nosso tempo, algumas delas até mesmo

simples. Mas requerem uma mudança radical em nossas percepções, no nosso pensamento

e nos nossos valores. B, de fato, estamos agora no princípio dessa mudança fundamental

de visão do mundo na ciência e na sociedade, urna mudança de paradigma tão radical

como o foi a revolução copernicana. Porém, essa compreensão ainda não despontou entre

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a maioria dos nossos líderes políticos. O reconhecimentode que é necessáriauma profunda

mudança de percepção e de pensamento para garan ti r a nossa sobrevivência ainda não

ating iu a maior ia dos l íderes das nossas corporações, nem os administradores e os pro

fessores das nossas grandes universidades.

Nossos líderes não só deixam de reconhecercomo diferentes problemas estão inter

relacionados; eles também se recusam a reconhecer como suas assim chamadas soluções

llJetam as gerações futuras . A partirdo ponto de vista sistêmico, as únicas soluções viáveis

são as soluções "sustentáveis". O conceito de sustentabilidade adquiriu importância-chave

no movimento ecológico e é realmente fundamental. Lester Brown, do Worldwatch Ins

titute, deu uma definição simples, clara c bela: "Uma sociedade sustentável é aquela que

satisfaz suas necessidades sem diminuir as perspectivas das gerações futuras. ,,2 Este, emresumo, é o g rande desaf io do nosso tempo: c ri ar comun idades sus tent ávei s - is to é,

ambientes sociais e culturais onde podemos satisfazer as nossas necessidades e aspirações .

sem diminuir as chances das gerações futuras.

A. Mudança de Paradigma

Na minha vida de físico, meu principal interesse tem sido a dramática mudança decon-

cepções e de idéias que ocorreu na física durante as três primeiras décadas deste século,

-e ainda está sendo elaborada em nossas atuais teorias da matéria As novas concepções

da física têm ger ado uma p ro funda mudança em nossa s v isõe s de mundo ; da v isão de

mundo .mecanlcista de Descartes e de Newton para uma visão holfstica, ecológica.

A nova visão da realidade não era , em absoluto, fácil de 'ser aceita pelos físicos no

começodo século. A exploração dos mundos atômicoe subatômico colocou-os em contatoc om u ma realidade estranha e inesperada. Em seus esforços para apreender e ss a n ov a

realidade, os cientistas ficaram dolorosamente conscientes de que suas concepções básicas,

sua l inguagem e todo o seu modo de pen sa r eram inadequados para descrever os fenô

menos atômicos. Seus problemas não eram meramente intelectuais, mas alcançavam as

proporções de uma intensa crise emocional e, poder-se-ia dizer, até mesmo existencial.

Eles precisaram-de um longo tempo para superar essa crise , mas, no f im, foram recom

pensados por profundas introvisões sobre a natureza da matéria e de sua relação com a

mente humana."

As dramáticas mudanças de pensamento qu e ocorreram na física no princípio deste

século têm sido amplamente discutidas por físicos e filósofos durante mais de cinqüenta

anos. Elas levaram Thomas Kuhn à noção de um 'Yl:U'adigma" científico, definido como

"uma constelação de realizações - concepções, valores, técnicas, etc. -i"êompartilhada poruma comunidadecientffica e utilizada por essa comunidadepara definir problemas e soluções

Iegúimos"," Mudanças de paradigmas, de acordo com Kuhn, ocorrem sob a forma de rupturas

,descontínuas e revolucionárias denominadas "mudanças de paradigma".

Hoje, v inte e cinco anos depois da análise de Kuhn, reconhecemos a mudança de

paradigma em física como parte integral de uma transformação cultural muitomais ampla.

A crise intelectual dos f ís icos quânt icos na década de 20 espelha-se hoje numa crise

cultural semelhante, porém muito mais ampla. Conseqüentemente, o que estamos vendo

é. u ~ a mudança de paradigmas que está ocorrendo não apenas no âmbito da ciência, mastambém na arena social, em proporções ainda mais arnplas.ê Para analisar essa transfor

maçãocultural, generalizei a definição de Kuhn de um paradigmacientífico até obter um

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paradigma social, que defino como "uma constelaçãode concepções, de valores, de per

cepções e de práticas compartilhados por uma comunidade, que dá forma a uma visão

particular da realidade, a qual constitui a base da maneira como a comunidade se orga

niza".6

O paradigmaque está agora retrocedendodominou a nossa culturapor várias centenas

de anos, durante as quais modelou nossa moderna sociedade ocidental e influenciou sig

nificativamente o restantedo mundo. Esse paradigma consiste em várias idéias e valores

entrincheirados, entre os quais a visão do universo como um sistema mecânicocomposto

de blocos de construção elementares, a v isão do corpo humano como uma máquina," i 'v isão da vida em sociedade como uma luta competi tiva pela existência, a crença no

.progresso material ilimitado, a ser obtido por intermédio de crescimento econômico et ecnológ ico , e - por fim, mas não menos impor tant e - a c rença einque uma sociedade

na qual a mulher é, por toda a parte, classificada em posição inferior à do homem é uma

sociedade que segue uma lei básica da natureza. Todas essas suposições têm sido decisi

vamente desafiadas por eventos recentes, E, na verdade, está ocorrendo, na atualidade,

uma revisão radical dessas suposições.

Ecologia Profunda

O novo parad igma pode ser chamado de uma visão de mundo holística, que concebe o

mundo como um todo integrado , e não como uma coleção de par tes d issociadas. Pode

também ser denominado visão ecológica, se otermo "ecológica" for empregado n ~ ! ! !sentido muito mais amplo 'emais profundo que o USUI'J. A percepção ecológica profunda

reconhece a interdependência fundamental dê todos os fenômenos, e o fato de que, enquanto indivíduos e sociedades, estamos todos encaixados nos processos cíclicos da na

tureza (e, em última análise, somos dependentes desses processos).

Os dois termos, "holfstico" e "ecológico", diferem ligeiramente em seus significa

dos, e parece que "holístico" é um poucomenos apropriado para descrever o IJOVO pa

radigma. Uma visão holística, digamos, de uma bicicleta significa ver a bicicleta como

um todo funcional e compreender, em conformidade com isso, as interdependências das

suas partes. .Uma visão ecológica da bicicleta inclui isso, mas acrescenta-lhe a percepção

de como a bicic le ta está encaixada no seu ambiente natural e socia l - de onde vêm as

matérias-primas que entram nela , comofoi fabricada, como seu uso afeta o meio ambiente

natural e a comunidade pela qual e la é usada, e assim por diante. Essa distinção entre.

"holfstico" e "ecolõgico" é ainda mais importante quando falamos sobre sistemas vivos,

para os quais as conexões com o meio ambiente são muito mais vitais.

O sentido em que eu uso o termo "ecológico" está associadocom uma escola filo

sóficaespecíficae, além disso, com um movimento popular global conhecido como ."eco- .

logia profunda", que está, rapidamente, adquirindo proeminência,"A escola filosófica foi

·fundada pelo filósofo norueguês Am e Naess,no início da décadade 70, com sua distinção

entre "ecologiarasa" e "ecologia profunda". Esta distinção é hoje 'amplamente aceita

como um termo muito útil para se referir a uma das principais divisões dentro dopensa

mento ambientalista contemporâneo.

A ecologia rasa é antropocêntrica, ou centralizada no ser humano. Ela vê os seres

humanos como situados acima ou fora da natureza , como a fonte de todos os valores, e

atribui apenas um valor instrumental, mi de "uso", à natureza. A ecologia profunda não

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separa ser es humanos - ou qua lque r out ra coi sa - do meio ambient e natur al . Ela vê o, mundo não como uma col cção de objetos isolados. mas como uma rede de fen ômenosque estão fundamentalmente interconectados e são interdependentes. A ecologia profundareconhece o valor int rínseco de todos os seres vivos e concebe os seres humanos apenas1:017\0 um fio par ticula r na teia da vida.

Em última análise. a percepção da ecologia profunda é percepção espiritual ou religiosa. Quando a concepçãode espírito humano é entendida como o modo de consciêncianoqual o indivíduo tem uma sensação de pertinência,de conexidade. com o cosmos como

um todo, torna-se c la ro que a percepção ecológica é espir itua l na sua essênc ia mais profunda. Não é, pois, de se sur pr eender o fato de que a nova v isão emergente da realidade

baseada na percepção ecológica profunda é consistente com a chamada filosofia perene

das tradições espirituais, quer falemos a respeito da espiritualidade dos místicos cristãos.da dos budis tas. ou da f ilosof ia e cosmologia subjacentes às tradições nativas norte-americanas.f

Há outro modo pelo qual.Arne Naess caracterizou a ecologia profunda. "A essênciada ecologia profunda". diz e le , " consis te em formular questões mais profundas , ,, 9 Étambém essa a essência de uma rr:udança de paradigma. Precisamos estar preparados paraquestionar cada aspec to isolado do velho paradigma. Eventualmente. não precisaremosnos desfazer de tudo, mas antes de sabermos isso, devemos estar dispostos a questionartudo . Portanto, a ecologia profunda faz perguntas profundas a respeito dos próprios fund ament os da nossa visão de mundo e do nosso modo de vida modernos, científicos,industr iais, orientados para o crescimento e materialistas. Ela questiona todo esse para

digma com base numa perspec tiva ecológica : a par ti r da perspec tiva de nossos re lacio

namentos uns com os outros, com as gerações futuras e com a teia da vida da qual somosparte.

Ecologia Social e Ecofcminismo

Além da ecologia profunda. há duas importantes escolas filosóficas de ecologia. a ecologiasocial e a ecologia femin ista, ou "ecoferninismo". Em anos recentes. tem havido um vivodebate. em periódicos dedicados à filosofia, a respeito dos méritos relativos da ecologiaprofunda. da ecologia s oci al e do ecofeminismo .'? Parece-me que cada uma das t rêsescolas aborda aspectos importantes do paradigma ecológico e, em vez de competir unscom os outros, seus proponentes dever iam tentar integrar suas abordagens numa visãoecológica coerente.

A percepção ecológica profunda parece fornecer a base filosófica e espir itua l ideal

para um estilo de vida ecológico e para o ativismo ambientalista. No entanto, não nos dizmui to a r espeito das carac te ríst icas e dos padrões cul tura is de organização soc ia l que

produziram a atual crise ecológica. É esse o foco da ecologia soc ia l. I I ..

O solo comum das vár ias escolas de ecologia soc ia l é o reconhec imento de que anatureza fundamentalmente antiecológica de muitas de nossas estruturas sociais e econô

micas está arraigada naquilo que Riane Eis ler chamou de "sistema do dominador" deorganização socíal .P O patriarcado. o imperialismo. o capitalismo e o r ac ismo são exemplos de dominação exploradora e antiecológica. Dentre as diferentes escolas de ecologiasocial. há vários grupos marxistas e anarquistas que utilizam seus respectivos arcabouçosconceituais para analisar diferentes padrões de dominação social.

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O ccoferninismo poderia ser encarado como uma escola especial de ecologia soc ial,uma vez que também ele aborda a dinâmica b ásica dedominaçãosocial dentro do contextodo patriarcado. Entretanto, sua análise cultural das muitas facetas do patriarcado e dasligações entre femin ismo e ecologia vai muito além do arcabouço da ecologia social. Osecofeministas vêem a dominação patriarcal de mulheres porhomens como o protótipo detodas as formas de dominação e exploração: hierárquica. militarista, cap italista e industrialista. Eles mostram que a exploração da natureza. em particular, tem march ado demãos dadas com a das mulheres, que têm sido identif icadas com a natureza através dosséculos. Essa antiga associação entre mulher e natureza l igaa história das mulheres coma história do meio ambiente, e é a fonte de um parentesco natural ent re feminismo eecologia.13 Conseqüentemente. os ecofeministas vêem o conhecimento vivencial feminino

como uma das fontes princ ipais de uma visão ecológica da realidade.!"

Novos valores

Neste breve esboço do paradigma ecológico emergente, enfatizei até agora as mudançasnas percepções e nas maneiras de pensar. Se isso fosse tudoo que é necessário, a transiçãopara um novo parad igma seria muito mais fácil. Há, no movimento da ecologia profunda,um número suficiente de pensadores articulados e eloqüentes que poderiam con vencernossos líderes polít icos e corporativos acercados méritos do novo pensamento. Mas istoé somente parte da história. A mudança de paradigmas requer uma expansão não apenasde nossas percepções e maneiras de pensar, mas também de nossos valores.

É interessante notar aqui a notável conexão nas mudanças entre pensamento e valor es.Arribas podem ser vistas como mudanças da auto-afirmaçãopara a integração. Essas duas

tend ências - J auto -afirmativa e a int eg ra ti va - são, ambas, aspectos essenciais de todo sos sistemas "V ivos. IS Nenhuma delas é, intrinsecamente, boa ou má. O que é bom, ousaudável, é um equil íbrio dinâmico; o que é mau, ou insalubre , é o desequi líbrio - aênfaseexcessiva em uma das tendências em detrimentoda outra. Agora , se olharmus paraa nossa cultura industr ial ocidental, veremos que enfatizamos em excesso as tendênciasauto-afirmativas e negligenciamos as integrativas. Isso é evidente tanto no nosso pensamento como nos nossos valores, e é mui to instrut ivo colocar essas tendências cpostas

lado a lado.

Pensamento Valores

Auto-afirmativo lnt egrativo Auto-afirmativo lntegrativo

racional intuitivo expansão conservação

análise síntese competição cooperação

reducionista holfstico quantidade qualidade

linear não-linear dominação parceria

Uma das coisas que notamos quando examinamos esta tabelaé que os valores autoafirmativos - competição. expansão, dominação - estão geralmente assoc iados comhomens. De fato. na sociedade patriarcal, eles não apenas são favorecidos como tamhémrecebem recompensas econôrnicas e pod er político. Essa é uma das razões pelas quai s a

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r iJ dança para um sistema de valores mais equil ibrados é tão difícil para a maioria dasr ~ s s o a s e especialmente para os homens.O poder. no sent ido de dominação sobre outros, é auto-afirmação excessiva. A es

trutura soc ia l na qual é exercida de maneira mais efetiva é a hierarquia. De fato, nossasestruturas políticas. mil itares c corporativas são hierarquicamente ordenadas, com os homens geralmente ocupando os níveis superiores, e as mulheres, os níveis inferiores. Amaioria desses homens. e algumas mulheres, chegaram a considerar sua posição na hierarqui a como parte de sua identidade,e, desse modo. a mudança para um diferente sistemade valores gera neles medo exist encial.

No entanto, há um out ro tipo de poder, um poder que é mais apropriado para o novoparadigma - poder como inf luência de outros. A estrutura ideal para exercer esse tipode poder não é a hierarquia mas a rede, que, como veremos, é também a metáfora centralda cco logia.!"A mudança de paradigma inclui, dessa maneira, uma mudança na organização social, uma mudança de hierarquias para redes.

Ética

Toda a questão dos valores é fundamental para 1' ecologia profunda; é, de fa to, sua característica definidora central. Enquanto que o velho paradigmaestá baseado em valoresantropocêntricos (centrali zados no ser humano), a ecologia profunda está alicerçada emvalores ecocêntricos (centralizados na Terra). É uma visão de mundo que reconhece o.valor inerente da vida não-humana. Todos os seres vivos são membros de comunidadesecológicas ligarias umas às outras numa rede de interdependências. Quando essapercepçãoecológica profund a torna-se parte de nossa consciênciacotidiana, emerge um sistema deética radicalmente novo.

Essa ética ecológica profunda é urgentemente necessária nos dias de hoje, e especialmente na ciência, uma vez que a maior parte daquiloque os cientistas fazem não atuano sentido de p romover a vida nem de preservar a vida, mas sim no 'sentido de destruira vida. Com os físicos projetando sistemas de armamentos que ameaçam eliminar a vidado planeta, com os quím icos contaminando o meio ambiente global , com os biólogospondo à solta tipos novos e desconhecidos de microorganismos sem saber as conseqüências, com psicólogos e outros cientistas torturando animais em nome do progresso científico - com todas essas atividades em andamento, parece da máximaurgência introduzirpadrões "eco éticos" na ciência.Geralmente, não se reconhece que os va lo re s não são periféricos à ciência e à tec

nologia, mas constituem sua própria base e força motriz. Durante a revolução científica

no século XVII, os valores eram separados dos fatos, e desde essa époc a tendemos aacreditar que os fatos científicos são independentes daqu ilo que fazemos , e são, portanto,independentes dos nossos valores. Na realid ade, os fatos científicos emergem de toda umaconstelação de percepções, valores e ações humanos - em uma palavra, emergem de umparad igma - dos quais não podem ser separados. Embora grande parte das pesqu isasdetalhadas possa não depender explicitamente do sistemade valores do cientista, o parad igma mais amplo, em cujo âmb ito essa pesquisa é desenvolvida, nunca será livre devalores. Portanto, os cientistas são responsáveis pelas suas pesquisas lião apenas intelectual mas também moralmente. Dentro do contexto da ecologia profunda, a visão segundoa qual esses valores são inerent es a toda a natureza viva está alicerçada na experiência

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profunda, ecológica ou espiritual, de que .a natureza e o e u são um só. Essa e x p a ~ s ~ o doeu até a identificação com a natureza é a instruçao básica da ecologia profunda, comoAme Naess claramente reconhece:

o cuidado flui naturalmente se o "eu" é ampliado e aprofundado de modo que a proteçãoda Natureza livre seja sentida e concebida como proteção de nós mesmos.. .. Assim comonão precisamos de nenhuma moralidade para nos fazer respirar... [da mesma forma) seo seu "eu", no sentido amplo dessa palavra, abraça umoutro ser, você não precisa deadvertências morais para demonstrar cuidado e afeição.. . você o faz por si mesmo, semsentir nenhuma pressão moral para fazê-lo.. .. Se a realidade é como é experimentadapelo eu ecológico, nosso comportamento, de maneira natural e bela , segue normas de

estrita ética ar'lbientaJista.

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o que isto implica é o fato de que o vínculo entre umapercepçãoecológica do mundoc o comportamento correspondente não é uma conexão lógica, mas psicológica.ISA lógicanão nos persuade deque deveríamos viver respeitando certas normas, uma vez que somosparte integral da teia da vida. No entanto, se temos a percepção, ou a experiência,ecológicaprofunda de sermos par te da teia da vida, então estaremos (em oposição a deveríamos

estar) inclinados a cuidar de toda a natureza viva. De fato, mal podemos deixar de responder dessa maneira.

O vínculu entre ecologia e psicologia, que é estabelecido pela concepção de eu ecológico , tem sido recentementeexplorado por vários autores.A ecologista profunda JoannaMacy escreve a respeito do "reverdecimento do eu" ;'" o filósofo Warwick Fox cunhouo termo "ecologia transpessoalvr'" e o historiador cultural Theodore Roszak utiliza o

termo "ecopsicolog ia'Y' para expressar a conexão profunda entre esses dois campos, osquais, até muito recentemente, eram completamente separados.

Mudança da Física para as Ciências da Vida

Chamando a nova visão emergente da realidade de "ecológica" no sentido da ecologiaprofunda, enfat izamos que a vida se encontra em seu próprio cerne. Este é um pontoimpor tante para a ciência , pois, no velho paradigma, a f ís icafoi o modelo e a fonte demetáforas para todas as outras ciências. "Toda a filosofia é como uma árvore", escreveuDescartes. "As raízes são a metafísica, o tronco é a fí sicae os ramos são todas as outrasciências.,,22 .

A ecologia profunda superou essa metáfora cartesiana. Mesmo que a mudança deparadigma em física ainda seja de especial interesse porque foi a primeira a ocorrer naciência moderna, a física não perdeu o seu papel como a ciência que fornece a descriçãomais fundamental da realidade. Entretanto, hoje, isto ainda Dão é geralmente reconhecido.Cientistas, bem como, não-cientistas, freqüentemente retêm a crença popular segundo aqual "s e você quer realmente saber a explicação última, taá de perguntar a um físico",o que é claramente uma falácia cartesiana. Hoje, a mudança deparadigma na ciência, emseu nível mais profundo, implica uma mudança da física para as ciências da vida.

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