22
13 CAPÍTULO 2 CONCEPÇÕES DE PROFESSORES Hoje, é reconhecido que o professor tem um papel fundamental em qualquer mudança que se pretenda introduzir no ensino das ciências. Com efeito, este é visto como um agente importante na implementação de uma reforma curricular mas, ao mesmo tempo, como o maior obstáculo (Prawat, 1992). Assim, o conhecimento das concepções dos professores pode contribuir para introduzir alterações no modo de pensar a formação de professores e de pôr o currículo em acção. Tendo em conta que este estudo tem como finalidade conhecer o impacte de um plano de formação, que visa promover o uso de actividades de investigação, nas concepções de ensino de professores de Física e Química, torna-se fundamental não só apresentar conceptualizações sobre o termo concepção, salientadas na literatura educacional, como também descrever estudos empíricos sobre concepções de ensino e mudanças nas mesmas. Este capítulo encontra-se dividido em três secções: concepções de ensino, estudos sobre concepções de ensino e estudos sobre mudança de concepções de ensino. Evidencia-se que para cada estudo se descreve o objecto de estudo, a metodologia seguida e os resultados obtidos.

CAPÍTULO 2 - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/1854/5/Cap. 2.pdffuncionando como um “elemento bloqueador em relação a novas realidades” (p. 185). Estas são resultado,

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

  • 13

    CAPÍTULO 2

    CONCEPÇÕES DE PROFESSORES

    Hoje, é reconhecido que o professor tem um papel fundamental em

    qualquer mudança que se pretenda introduzir no ensino das ciências. Com

    efeito, este é visto como um agente importante na implementação de uma

    reforma curricular mas, ao mesmo tempo, como o maior obstáculo (Prawat,

    1992). Assim, o conhecimento das concepções dos professores pode contribuir

    para introduzir alterações no modo de pensar a formação de professores e de

    pôr o currículo em acção.

    Tendo em conta que este estudo tem como finalidade conhecer o

    impacte de um plano de formação, que visa promover o uso de actividades de

    investigação, nas concepções de ensino de professores de Física e Química,

    torna-se fundamental não só apresentar conceptualizações sobre o termo

    concepção, salientadas na literatura educacional, como também descrever

    estudos empíricos sobre concepções de ensino e mudanças nas mesmas.

    Este capítulo encontra-se dividido em três secções: concepções de

    ensino, estudos sobre concepções de ensino e estudos sobre mudança de

    concepções de ensino. Evidencia-se que para cada estudo se descreve o objecto

    de estudo, a metodologia seguida e os resultados obtidos.

  • 14

    CONCEPÇÕES DE ENSINO

    O interesse pelo estudo da natureza das concepções e a sua influência

    nas acções dos indivíduos teve início nos primeiros anos do século XX

    (Thompson, 1992), tendo surgido a necessidade de definir a palavra concepção.

    Dewey (1998) relaciona-a com o termo significado, considerando que a

    concepção pode ser qualquer “significado padrão” (p. 150). Para o autor,

    quando várias pessoas falam sobre um determinado objecto que não está

    fisicamente presente todas conceptualizam o mesmo material. A mesma

    pessoa, em diferentes momentos, refere-se várias vezes ao mesmo objecto. A

    experiência sentida, as condições físicas, as condições psicológicas variam, mas

    o significado é conservado. As concepções são gerais devido ao seu uso e

    aplicação, ou seja, podem ser usadas em várias situações mantendo-se o seu

    significado. Assim, os significados atribuídos, que adquiriram alguma

    estabilidade, constituem as concepções do indivíduo. Ponte (1992) refere que

    “as concepções têm uma natureza essencialmente cognitiva”, sendo, por um

    lado, as responsáveis pelo sentido que os indivíduos dão às coisas, por outro,

    funcionando como um “elemento bloqueador em relação a novas realidades”

    (p. 185). Estas são resultado, quer do próprio indivíduo, a partir da sua

    experiência, quer da interacção social, através do confronto das suas

    concepções com as dos outros.

    Num sentido mais restrito, relacionado com a investigação educacional

    sobre os pensamentos dos professores, chegar a uma definição unânime para o

    termo concepção está longe de ser realidade. As investigações nesta área

    começaram a emergir em meados dos anos setenta para compreender as

    dificuldades reveladas pelos professores na implementação das reformas

    curriculares (Freire, 2004; Thompson, 1992).

    Os estudos pioneiros surgiram da língua inglesa, sendo associado a

    termos como conception (concepção), belief (crença) e knowledge

    (conhecimento). A própria literatura educacional é muitas vezes pouco clara

    quanto à distinção entre estes conceitos. Thompson (1992) utiliza o termo

  • 15

    concepção de ensino para se referir a “uma estrutura mental mais geral, que

    inclui crenças, significados, conceitos, proposições, regras, imagens mentais”

    (p. 130). Para Barbosa (1991), a concepção de ensino representa um sistema de

    ideias, crenças, conhecimentos e interpretações. Hewson e Hewson (1987)

    usam a expressão concepção de ensino como um conjunto de ideias e

    interpretações usadas pelos professores de ciências ao tomarem decisões

    curriculares. Consideram ainda que, tal como os alunos possuem concepções,

    ideias e comportamentos intuitivos, que interferem com a aquisição de

    conhecimentos científicos, também os professores possuem concepções de

    ensino. Anderson (1989) sugere que as concepções são “sistemas cognitivos de

    crenças e conhecimentos interligados que influenciam as percepções e o

    raciocínio” (p.85). As concepções dos professores são como teorias pessoais que

    influenciam as suas decisões sobre a prática. Ponte (1992) refere que “as

    concepções podem ser vistas como o pano de fundo organizador dos conceitos”

    (p. 196), dando a ideia do seu carácter geral e da possibilidade de constituírem

    “miniteorias” (Figura 2.1).

    Figura 2.1 Concepções, conhecimento e crenças (Ponte, 1992)

    Para Lam e Kember (2006), as concepções de ensino podem ser vistas

    como crenças que conduzem as percepções dos professores sobre uma

    determinada situação. As abordagens de ensino estão associadas à forma como

    as crenças dos professores são postas em prática.

    Concepções

    Crenças

    Conhecimento

  • 16

    Vários autores fazem a distinção entre crenças e conhecimento. Para

    Loucks-Horleys et al. (2003), crenças e conhecimento têm significados

    diferentes. O conhecimento refere-se à informação segura, sólida e suportada

    pela investigação. Portanto, distinto das opiniões que são pontos de vista que

    podem não ser suportados pelas evidências. As crenças relacionam-se com o

    que se pensa que sabe ou se pode ficar a conhecer com base em nova

    informação. Smith e Siegel (2004) identificam cinco relações distintas entre

    crenças e conhecimento: o conhecimento e as crenças referem-se a domínios

    separados com um impacte recíproco; as crenças podem incluir-se no

    conhecimento; o conhecimento e as crenças são inseparáveis; o termo crença é

    usado para identificar concepções e o termo conhecimento implica a presença

    de factos cientificamente aceites; os termos são usados de acordo com o

    contexto da investigação. Nespor (1987) identifica quatro características das

    crenças que as distinguem do conhecimento. Uma diz respeito ao facto das

    crenças incluírem ideias e representações de situações diferentes da realidade

    existente. Outra refere-se à existência de verdades pessoais relacionadas com a

    forma como o indivíduo se vê a si próprio e aos outros. Como terceira

    característica, menciona o facto de a componente afectiva e avaliativa poder

    interferir mais nas crenças do que no conhecimento. A quarta característica

    respeita à informação contida nas crenças. Deste modo, estas incluem

    informação recolhida a partir de diferentes fontes de transmissão de

    conhecimentos, da experiência pessoal ou de acontecimentos que constituem a

    “estrutura episódica”, já o conhecimento possui uma “estrutura semântica”.

    Pajares (1992) evidencia que as crenças influenciam a aquisição e interpretação

    de conhecimento, a definição das tarefas e a selecção e interpretação dos

    conteúdos. Para Lumpe, Haney e Czerniak (2000), as crenças não são

    conhecimento, atitudes, valores, concepções ou julgamentos. Estas estão

    relacionadas com o conhecimento, mas são diferentes deste. As crenças são

    convicções que não são dependentes da razão ou da evidência e que resistem à

    mudança. Para Ponte (1992), as crenças podem ser vistas como a parte menos

  • 17

    elaborada dos conhecimentos, não existindo necessidade de os encarar como

    incompatíveis.

    O contexto sociocultural, onde se incluem, por exemplo, a cultura, os

    alunos, os colegas, é definido por Jones e Carter (2007) como agente exterior

    que influencia as crenças dos professores (Figura 2.2).

    Figura 2.2 Modelo sociocultural e sistema de crenças (adaptado de Jones &

    Carter, 2007)

    No modelo apresentado, os conhecimentos, competências e motivação

    são pré-requisitos que envolvem a prática do professor. Para além do referido,

    Contexto Sociocultural

    Prática instrucional

    Reacção do meio

    Filtração

    Conhecimento, competências e

    motivação

    Atitudes relacionadas

    com a implementação

    Atitudes relacionadas com o ensino

    Crenças sobre • Ciência • Ensino de ciências

    • Aprendizagem de ciências

    Eficácia Normas sociais Constrangimentos do meio

    Sistema de Crenças

  • 18

    a construção de conhecimento leva à alteração das crenças. A motivação sofre

    influência de dois tipos de atitudes, ensino e implementação, que por sua vez

    fazem parte de um sistema de crenças. Como está indicado no modelo, as

    atitudes dos professores são fortemente influenciadas pelas suas crenças. De

    acordo com os autores, de um ponto de vista epistemológico, o conhecimento é

    socialmente construído, mas as crenças são individualmente construídas.

    Há autores que não distinguem crenças de conhecimento. Por exemplo,

    Hoy, Davis e Pape (2006) consideram as crenças e os conhecimentos constructos

    que se sobrepõem. Segundo os autores, o conhecimento profissional do

    professor pode ser visto como uma crença. Estes propõem um modelo para o

    conhecimento e crenças dos professores (Figura 2.3).

    Figura 2.3 Modelo de crenças e conhecimentos do professor (adaptado de Hoy,

    Davis & Pape, 2006)

    Professor Alunos Reforma Significado da

    Diversidade

    Significado do

    Ensino

    Currículo Sala de Aula

    Significado da

    Adolescência

    Avaliação

    Conteúdo

    Contexto Imediato

    Contexto Nacional e do

    Estado

    Contexto das normas culturais e valores

  • 19

    De acordo com esse modelo, o conhecimento e as crenças dos

    professores são influenciados pelo contexto imediato onde se inclui a sala de

    aula, os alunos e os conteúdos; pelos contextos alargados do estado e políticas

    nacionais, inserindo-se o currículo, as reformas curriculares e a avaliação; e

    pelo contexto das normas culturais e valores, como a diversidade, o ensino e a

    adolescência.

    As definições dos conceitos são convenções assumidas pelos

    investigadores permitindo-lhes defini-los de forma adequada ao seu problema

    (Pajares, 1992). Neste estudo, opta-se por usar a mesma definição de

    concepção de ensino definida por Freire (1999). À semelhança da autora,

    utiliza-se o termo concepção de ensino para descrever pensamentos dos

    professores, não distinguindo entre crenças e conhecimentos. Para além do

    referido, neste trabalho consideram-se as quatro componentes de concepção de

    ensino descritas por Freire (1991, 1999), que estão em sintonia com

    conceptualizações de Hewson, Kerby e Cook (1995) e Loucks-Horleys et al.

    (2003), nomeadamente, alunos e aprendizagem; professor e ensino; disciplina

    científica de ensino; e contexto de ensino. Contudo, tendo em conta a

    especificidade do ensino de ciências, outras concepções de ensino têm sido

    descritas. Por exemplo, Cachapuz, Praia e Jorge (2002) consideram, com base

    em quadros epistemológicos e psicológicos distintos, quatro perspectivas para o

    ensino de ciências: transmissão, descoberta, mudança conceptual e pesquisa.

    Os professores que valorizam um ensino por transmissão percepcionam o

    conhecimento científico como certo e inquestionável. Na perspectiva de um

    ensino por descoberta, para o professor o conhecimento deriva da experiência.

    Desta forma para que se aprenda tem que se seguir o método científico. Na

    perspectiva de ensino por mudança conceptual, o conhecimento científico

    passa a ser visto pelos professores como um percurso dinâmico, pouco

    estruturado e descontínuo. Os professores que valorizam um ensino por

    pesquisa reconhecem a importância da construção de conceitos, competências,

    atitudes e valores, dando oportunidade aos alunos de estudarem problemas do

    seu interesse e de âmbito Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente. Os

  • 20

    estudos que se apresentam na secção a seguir permitem enumerar outras

    concepções de ensino coexistentes na literatura.

    ESTUDOS SOBRE CONCEPÇÕES DE ENSINO

    Existem várias razões para os investigadores educacionais se debruçarem

    sobre o estudo das concepções de ensino de professores. Em primeiro lugar, o

    que se conhece e acredita influencia fortemente o que se aprende. Em

    segundo, nos cursos de formação este assunto não tem sido levado em conta,

    embora se reconheça que interfere com as aprendizagens proporcionadas. Em

    terceiro lugar, “o ensino não é um processo linear de transmissão de

    conhecimentos, envolve o aprendente num processo activo de aprendizagem”

    (Freire, 2004, p. 573). Diversos estudos empíricos têm sido realizados com a

    finalidade de identificar e caracterizar as concepções de professores, indo ao

    encontro dos três pontos anteriormente apresentados.

    O trabalho realizado por Mellado (1997a), com quatro professores

    estagiários de ciências, procura conhecer as suas concepções de ensino e

    aprendizagem. Os dados são recolhidos através de um questionário e uma

    entrevista semi-estruturada. Os resultados mostram que os professores

    valorizam um ensino tradicional utilizando a transmissão. Todos os professores

    referem que as suas ideias sobre o ensino e aprendizagem de ciência são

    influenciadas, fundamentalmente, pelas suas experiências vividas enquanto

    alunos e que estas sofreram poucas alterações durante a sua formação

    universitária. Para além do referido, os quatro professores reflectem uma

    orientação construtivista em relação à aprendizagem, como o uso das ideias

    prévias dos alunos e a relação do novo conhecimento com esses conhecimentos

    prévios. O autor investiga, também, as concepções destes quatro professores

    estagiários em relação à natureza da ciência (Mellado, 1997b). Os resultados

    mostram que todos reconhecem ter lacunas em relação a este aspecto, fazendo

    com que durante a reflexão mencionem “clichés” e ideias contraditórias. Não

  • 21

    revelam uma concepção do conhecimento científico coerente em todos os

    aspectos. Um professor menciona que as teorias reflectem o conhecimento da

    realidade, sendo fundamental existir uma verificação experimental para as

    comprovar. Além da verificação, o professor também valoriza uma perspectiva

    construtivista, evidenciando que pode existir reformulação ou substituição das

    teorias. Estas concepções incoerentes, explicitadas pelos participantes no

    estudo, levam o investigador a considerar essencial a introdução, na formação

    de professores, de assuntos relacionados com da natureza da ciência.

    Em Portugal, Freire (1991) procura, no estudo que realizou, comparar

    concepções de ensino de professores de Física e Química do 3º ciclo do Ensino

    Básico. Para isso, concebe um modelo de entrevista constituído por oito relatos,

    levando os participantes a reflectir sobre as componentes de concepção de

    ensino, mencionadas na secção anterior. As ideias dos professores são agregadas

    em quatro amplas categorias de concepções de ensino de ciências: tradicional,

    processual, social e mudança conceptual. Os resultados revelam que a maioria

    dos professores continua a privilegiar um ensino mais tradicional.

    Internacionalmente, outras investigações têm sido levadas a cabo. Por

    exemplo, Bryan (2003) realizou um estudo de natureza interpretativa que tem

    como finalidades conhecer as concepções de ensino de ciências de uma

    professora estagiária e compreender como essas se manifestam e influenciam a

    sua prática. O estudo, com a duração de um ano, divide-se em duas partes. A

    primeira, desenvolve-se durante um semestre onde a professora está envolvida

    num curso de formação, sendo encorajada a explorar uma variedade de

    estratégias de ensino e aprendizagem de ciências. Tem oportunidade de

    descrever as suas concepções de ensino e desenvolver actividades que

    promovem a mudança conceptual. Na segunda parte, a professora dá início à

    sua actividade profissional, não existindo influência da sua orientadora. Os

    dados recolhidos são incluídos em três categorias: valor da ciência e o ensino da

    ciência; natureza do conhecimento científico e finalidades de ensino de ciência;

    controlo da sala de aula. Durante o estudo, a professora revela que algumas das

    suas concepções estão bem desenvolvidas, enquanto outras vão mudando

  • 22

    constantemente. Por exemplo, os resultados mostram concepções antagónicas

    em relação ao modo como os alunos aprendem ciência. Dependendo das

    circunstâncias, enfatiza o ouvir ou o explorar. De acordo com a autora, “a

    metáfora dos ninhos parece particularmente apropriada porque captura a

    interligação e interdependência da natureza das suas concepções – muito

    parecido com os gémeos incluídos num ninho de pássaros” (p. 840). A

    investigadora chega às concepções da professora, tendo em conta que algumas

    são mais centrais que outras em relação a um determinado pensamento. Com

    efeito, os resultados revelam, para a primeira categoria de análise, que a

    professora valoriza a ciência, uma vez que considera que esta deve ser ensinada

    no primeiro ciclo. Quanto à segunda categoria, menciona que o conhecimento

    em ciência consiste em verdades e a finalidade do ensino é os alunos

    conhecerem-nas. Em relação à terceira categoria, valoriza a disciplina na sala

    de aula e o professor como controlador do processo de ensino.

    Outros autores, como Brown e Melear (2006), realizaram um estudo

    quantitativo e qualitativo com o objectivo de conhecer as relações entre a

    preparação dos professores para a introdução de um ensino por investigação na

    sua prática, as suas crenças sobre esse tipo de ensino e o seu uso na sala de

    aula. Os participantes seleccionados frequentaram um curso entre 1997 e 2001,

    designado por Knowing and Teaching Sicience: Just do It. Este curso foi dado em

    simultâneo por um geneticista botânico e por um investigador educacional,

    permitindo que os professores conduzissem investigações com organismos vivos

    e transpusessem as suas experiências para actividades que pudessem ser

    realizadas na sala de aula. Os resultados indicam que os professores valorizam

    as actividades de investigação desenvolvidas no âmbito do curso. No entanto,

    revelam comportamentos centrados no professor quando transpõe a experiência

    vivida para a sala de aula, permitindo verificar que as concepções expressas não

    são consistentes com as suas acções.

    Um estudo qualitativo foi levado a cabo por Kang e Wallace (2004) com a

    finalidade de conhecer as concepções de ensino de três professores de Química

    em relação ao uso de actividades laboratoriais. O estudo mostra que os

  • 23

    professores valorizam as actividades laboratoriais de verificação, estando em

    sintonia com a ciência canónica. Nenhum dos professores menciona a

    possibilidade de discutir com os alunos a relação entre os conhecimentos e as

    evidências recolhidas durante a experiência. Todos consideram importante

    repetir a mesma experiência, mas apenas para obter resultados correctos.

    Nenhum menciona o papel do aluno na discussão de resultados inesperados. Os

    professores participantes reconhecem a ciência como um corpo de

    conhecimento e os resultados obtidos no laboratório como correctos ou errados.

    Na investigação realizada por Crawford (2007), são estudadas as

    concepções de ensino de cinco estagiários sobre ensinar ciência recorrendo a

    um ensino por investigação. Os dados são recolhidos através de vários

    instrumentos: entrevistas semi-estruturadas, as planificações das aulas,

    conversações informais e observações na sala de aula. Os resultados mostram

    que as estratégias de ensino usadas variam do tradicional, como a exposição,

    para o inovador, como o uso de actividades abertas. As concepções dos

    estagiários sobre a escola, a aprendizagem dos alunos e a natureza do ensino

    por investigação influenciam as suas escolhas e o seu sucesso em ensinar através

    de um ensino por investigação.

    No estudo levado a efeito por Boulton-Lewis et al. (2001), estes procuram

    conhecer as concepções de ensino e aprendizagem de vinte e quatro professores

    do ensino secundário. Para além do referido, analisam a relação destas com a

    aprendizagem dos alunos e as suas práticas. Os dados são recolhidos a partir de

    entrevistas realizadas em duas fases distintas. A primeira é efectuada quatro

    meses após o início do ano escolar e a segunda doze meses depois da primeira.

    Após a análise das transcrições das entrevistas, emergem quatro categorias para

    as concepções de ensino: transmissão de conteúdos/competências,

    desenvolvimento de competências/compreensões, facilitação das

    compreensões, transformação dos alunos (foco no professor), e quatro para as

    concepções de aprendizagem: aquisição e reprodução de

    conteúdos/competências, desenvolvimento e aplicação competências/

  • 24

    compreensões, desenvolvimento das compreensões, transformação dos alunos

    (foco nos alunos).

    Na investigação conduzida por Tsai (2002), este procura caracterizar as

    concepções de ensino de ciências de trinta e sete professores de Física e

    Química em três componentes: ensino de ciência, aprendizagem de ciência e

    natureza da ciência. Para isso, realiza uma entrevista aos participantes

    procedendo, posteriormente, à sua transcrição e análise de conteúdo. As

    concepções dos professores são incluídas em três categorias: tradicional,

    processual e construtivista. Os resultados mostram que mais de metade dos

    professores revelam uma concepção tradicional em relação a todas as

    componentes mencionadas. A perspectiva construtivista é raramente focada

    pelos professores.

    As concepções de professores evidenciadas na implementação de uma

    reforma curricular têm constituído alvo de pesquisa. Levitt (2001) estudou as

    concepções de ensino de dezasseis professores que participam num programa de

    formação relacionado com a reforma curricular. O programa envolve a

    promoção do desenvolvimento profissional, o acesso a materiais de apoio, a

    construção de materiais relacionados com o ensino por investigação e a

    avaliação. Estes componentes são integrados no programa de forma a colmatar

    as dificuldades reveladas pelos professores em implementar as propostas da

    reforma curricular. Os dados são recolhidos através da observação das

    discussões que ocorrem durante o programa e de uma entrevista com questões

    direccionadas para o ensino e aprendizagem de ciência, para a natureza da

    ciência e para a reforma curricular. Os resultados indicam que as concepções

    dos professores variam entre tradicional, transicional e construtivista.

    Também Barak e Shakham (2008) investigam as concepções de

    professores de Física sobre a introdução da reforma curricular nas suas aulas.

    Usam como instrumento de recolha de dados a entrevista. Os onze professores

    participantes revelam concepções sobre o ensino, a aprendizagem e os

    objectivos institucionais, que raramente vão ao encontro do recomendado pelo

    currículo, uma vez que, de acordo com os professores, o que é preconizado

  • 25

    refere-se a uma perspectiva ideal do ensino. Para além do referido, a

    resistência dos alunos, a gestão do tempo, as normas do departamento e as

    expectativas acerca dos conteúdos são aspectos apontados como obstáculos

    para a implementação das propostas curriculares.

    Nos estudos apresentados, pode verificar-se que diversas concepções de

    ensino coexistem na literatura. Um outro exemplo é dado por Lam e Kember

    (2006), que ao realizarem entrevistas a dezoito professores, com o objectivo de

    conhecer as suas concepções de ensino, as incluem em quatro categorias:

    instrucional, disciplina por investigação, social e pessoal. Cada uma foi

    distinguida da outra tendo em conta seis dimensões: objectivo, conteúdo de

    ensino, papel do professor, papel do aluno, estratégias de ensino e avaliação.

    As concepções de ensino, as concepções epistemológicas, assim como a

    relação entre essas concepções foram alvo de pesquisa por Cheng et al. (2009).

    No estudo, participam alunos do último ano de uma licenciatura em educação.

    Os investigadores seguem uma metodologia qualitativa e quantitativa. Para as

    concepções epistemológicas, os autores definem como dimensões: habilidade

    inata ou adquirida; processo ou efeitos da aprendizagem; e conhecimento

    autoritário ou perito. Para as concepções de ensino definem duas categorias:

    tradicional e construtivista. Os resultados mostram que a maioria dos

    participantes valoriza que os efeitos da aprendizagem são mais importantes do

    que a habilidade inata e que o conhecimento é autoritário. Além disso, os

    participantes com concepções epistemológicas mistas apresentam concepções

    de ensino construtivistas ou mistas.

    Um estudo sobre as concepções de quinze professores estagiários acerca

    da natureza da ciência foi realizado por Irez (2006), com os dados recolhidos

    através de entrevistas. Os resultados indicam que a maioria dos participantes

    apresenta concepções “ingénuas” ou “ecléticas” sobre a natureza da ciência,

    resultado da sua própria experiência enquanto alunos. Estas concepções, com

    ideias inconsistentes, podem implicitamente ou explicitamente interferir com a

    sua prática.

  • 26

    Os estudos apresentados permitem identificar concepções de ensino dos

    professores. No entanto, nem sempre as concepções dos professores são as mais

    adequadas para a implementação de uma nova reforma curricular, existindo

    necessidade de proporcionar mudanças nas mesmas. Na secção que se segue,

    descrevem-se estudos realizados com o objectivo de caracterizar mudanças nas

    concepções de ensino de professores.

    ESTUDOS SOBRE MUDANÇAS DE CONCEPÇÕES DE ENSINO

    As concepções são indicadoras de decisões que os indivíduos tomam ao

    longo da sua vida, sendo as recentemente adquiridas mais fáceis de alterar do

    que as mais antigas (Pajares, 1992). As concepções mais centrais e enraizadas

    são mais resistentes à mudança (Kagan, 1992).

    Os professores mudam as suas concepções quando as colocam em questão

    ou são confrontados com outras mais significativas (Hewson, 1992; Hoy, Davis &

    Pape, 2006). Para que as concepções dos professores sofram mudanças, de

    acordo com Feldman (2000), é fundamental que estes observem a ineficácia e o

    insucesso das mesmas e disponham de uma nova orientação que lhes ofereça

    vantagens e esteja em sintonia com os seus objectivos pessoais. As mudanças

    não podem ser forçadas (Day, 2001) e dificilmente se concretizam se o professor

    estiver satisfeito com a sua prática ou se existirem factores no sistema

    educativo que reforcem perspectivas tradicionais para o ensino (Mellado, 2001,

    2003).

    A expressão mudança de concepção, usada por Murphy e Mason (2006),

    relaciona-se com outras representações mentais que podem ocorrer quando são

    proporcionadas experiências educacionais diferentes das que os professores

    habitualmente põem em acção. O processo de mudança não é linear, aliás é

    bastante complexo e envolve vários factores, tendo Glatthorn (1995) apontado

    três: pessoais, onde se enquadram a idade, motivação para ensinar,

    desenvolvimento cognitivos, experiência profissional e experiências vividas;

  • 27

    contextuais, que incluem todos os elementos do ambiente profissional;

    processuais, relacionados com a forma como o professor age profissionalmente.

    O processo de mudança trata-se de uma evolução gradual e progressiva que

    pode não ser simultânea em todas as concepções (Da-Silva et al., 2007).

    Segundo Tillema e Knol (1997), para que ocorram mudanças são necessárias

    quatro fases: reconhecimento das concepções actuais; avaliação e investigação;

    decisão de mudar; reconstrução e construção de concepções. O processo de

    mudança requer tempo, persistência e vários tipos de suporte, uma vez que as

    concepções foram formadas ao longo dos anos, estando associadas à experiência

    da vida real. Os professores foram ensinados de uma forma diferente do

    preconizado nas reformas curriculares para o ensino das ciências, aprenderam

    através da memorização de informação e do modelo transmissivo. Assim, para

    que ocorram mudanças, “as suas crenças são reestruturadas através de novas

    compreensões e experimentação com novos comportamentos” (Loucks-Horleys

    et al., 2003, p. 49).

    Com o objectivo de identificar mudanças de concepções de ensino de

    ciências, vários estudos têm sido levados a cabo. Em Portugal, Freire (1999)

    estudou a mudança de concepções de ensino de catorze professores estagiários

    de Física e Química, durante o estágio pedagógico. Estas são identificadas a

    partir dos argumentos expressos pelos participantes, usando uma entrevista

    sobre ocorrências, que se realiza em dois momentos distintos do estágio, no

    início e no final deste. Os resultados revelam, de acordo com a autora,

    A existência de um “núcleo duro” e de uma “coroa periférica” constituída por ideias, interpretações e conhecimentos acerca do ensino e aprendizagem de Física e Química (…) neste estudo sobre o estágio pedagógico as mudanças parecem situar-se a nível da “coroa periférica” da concepção de ensino de ciências, verificando-se, simultaneamente, estabilidade e mudanças na concepção de ensino de ciências. Estabilidade quando as ideias se situam no “núcleo duro” e instabilidade, zona de mudança conceptual, quando as ideias se situam na “coroa periférica.” (p. 646)

  • 28

    Para além do referido, a mudança é mais acentuada nas componentes

    professor e ensino e disciplina científica de ensino. Contudo, quer o conteúdo,

    quer a extensão das mudanças não são iguais para todos os estagiários. Tendo

    em conta as concepções de ensino dos estagiários, no estudo são ainda

    identificadas, com base nos argumentos expressos por estes, várias orientações

    para o ensino da Física e da Química: tradicional, experimentalista, pragmática,

    social e construtivista. A investigadora verifica quer na fase inicial, quer na fase

    final do estágio pedagógico, que a maioria dos estagiários expressa argumentos

    que se incluem no grupo tradicional. A posição construtivista é apenas

    evidenciada por dois estagiários, que simultaneamente privilegiam o grupo

    tradicional. Com efeito, alguns estagiários usam argumentos que parecem

    incompatíveis. Esta posição dualista, de acordo com a investigadora, leva o

    professor a colocar-se numa posição intermédia, alterando de uma posição para

    a outra.

    A partir de entrevistas semi-estruturadas, Luft e Roehring (2007)

    investigam mudanças nas concepções de ensino de professores. A realização da

    primeira entrevista leva-os à inclusão destas em cinco categorias: tradicional,

    caracterizada pela informação, transmissão, estrutura e fontes; instrutiva,

    relacionada com as tarefas a desenvolver sendo o foco no professor;

    transicional, orientada para a relação professor/aluno e responsabilidade

    afectiva; retroactiva, assente na colaboração, retroacção e desenvolvimento de

    conhecimento; e baseada na reforma curricular, orientada para o professor

    mediador do conhecimento dos alunos e interacções. Os investigadores estudam

    as concepções dos professores, durante dois períodos lectivos, tendo verificado

    algumas mudanças. Por exemplo, os professores com concepções transicionais

    apresentam uma maior disposição para mudar para concepções tradicionais ou

    relacionadas com a reforma curricular. A. As concepções de professores em

    início de carreira são mais fáceis de mudar do que as de professores

    experientes.

    Um estudo de caso envolvendo três professores inseridos num programa

    de formação para professores de ciência é relatado por Koballa, Glynn e Upson

  • 29

    (2005). A entrevista constitui o instrumento de recolha de dados privilegiado,

    tendo-se realizado ao longo do programa. Os resultados mostram que os

    professores valorizam dois tipos de concepções: as concepções “ideais”, que

    pretendem alcançar, e as concepções de “trabalho”. Por exemplo, um dos

    professores descreve como ideal o professor facilitador das aprendizagens dos

    alunos mas, por sua vez, assume que os seus alunos têm um baixo rendimento

    escolar, sentindo necessidade de manter a disciplina dentro da sala de aula

    (concepções de trabalho). Durante este estudo, os autores verificam que as

    concepções de ensino de ciências não sofrem grandes alterações, mostrando-se

    os professores resistentes à mudança.

    No trabalho realizado por Bhattacharyya, Volk e Lumpe (2009),

    participam catorze estagiários. Desses catorze, sete concordam em

    implementar actividades de investigação nas suas aulas, constituindo o grupo

    experimental. Os restantes sete constituem o grupo de controlo. Uma das

    finalidades do estudo é compreender em que medida as concepções de ensino

    dos professores mudam como resultado da implementação de actividades de

    investigação. Para medir as concepções de ensino dos participantes, usam um

    questionário constituído por vinte e seis itens e com uma escala de Likert com

    cinco pontos, que varia do “concordo fortemente” para o “discordo

    fortemente”. Para além do questionário, é realizada uma entrevista ao grupo

    experimental para recolher informação sobre as suas concepções. Os resultados

    indicam não existir alterações significativas nas concepções do grupo

    experimental, nem diferenças significativas entre este e o de controlo. Uma das

    razões apontadas para justificar os resultados é o facto da implementação desta

    estratégia de ensino na sala de aula representar uma dificuldade para os

    estagiários, desempenhando o orientador da escola um papel fundamental para

    os ajudar nessa tarefa.

    Conhecer as concepções de professores sobre o ensino por investigação e

    as mudanças que ocorrerem nas concepções, após um período de

    desenvolvimento profissional, constitui objecto de estudo de Lotter, Harwood e

    Bonner (2007). Este período inclui uma formação de duas semanas sobre ensino

  • 30

    por investigação, previamente à implementação de actividades na sala de aula,

    e a participação em workshops, que permitem aos professores partilhar ideias

    sobre as suas aulas, durante o período de implementação das actividades.

    Participam no estudo três professores, constituindo três estudos de caso. Os

    dados são recolhidos a partir de duas entrevistas semi-estruturadas, uma

    realizada antes da formação e outra após, com questões similares para poderem

    ser detectadas mudanças nas concepções dos professores. Além disso, são

    usadas entrevistas informais depois da observação das aulas e notas de campo.

    Após uma análise de conteúdo, emergem quatro categorias para as concepções

    dos professores: ciência, finalidades da educação, alunos e ensino. Os

    resultados indicam que o sucesso da implementação de um ensino por

    investigação está relacionado com a avaliação das concepções iniciais dos

    professores, uma vez que é importante conhecerem como estas podem

    interferir com a sua prática. Em relação à primeira categoria, as perspectivas

    dos professores variam entre a ciência como um corpo de conhecimentos que

    têm de ser memorizados e a ciência como um processo, enfatizando o

    desenvolvimento de competências e o mundo real da investigação científica.

    Relativamente às finalidades da educação, os três professores focam a

    preparação para a vida. Quanto aos alunos, as suas concepções variam entre o

    aluno com um papel passivo e o aluno com um papel activo. Por último, no que

    respeita ao ensino, um dos professores salienta a aplicação dos conhecimentos

    adquiridos, outro a relação professor/aluno e o terceiro a discussão de ideias

    em grupo. Após a implementação das actividades na sala de aula, emergem

    algumas mudanças nas suas concepções. Por exemplo, um professor que

    inicialmente valorizou um ensino por transmissão de conhecimentos, no final

    menciona a importância de levar os alunos a pensarem sobre os assuntos a

    partir do ensino por investigação.

    Mudanças nas concepções de duzentos e trinta e três professores que

    participam num programa, realizado no âmbito de um projecto de investigação,

    que envolve a implementação de um novo kit baseado no currículo de ciência,

    são investigadas por Fetters et al. (2002). Trata-se de um estudo qualitativo que

  • 31

    usa reflexões escritas pelos professores, notas de campo, gravações de vídeo e

    entrevistas como instrumentos de recolha de dados. Os resultados indicam que

    não existem praticamente mudanças nas concepções dos professores que têm

    uma perspectiva da ciência como elitista, difícil, e não relacionada com o dia-a-

    dia. A imagem que detêm da ciência, do cientista, do currículo e do ensino e

    aprendizagem de ciência tem um impacte profundo nas escolhas que fazem

    sobre o que ensinar na sala de aula, assim como nas ideias que expressam.

    Uma das finalidades da investigação realizada por Luft (2001) é conhecer

    as mudanças que ocorrem nas concepções de catorze professores de ciências

    sobre o ensino por investigação, quando estão envolvidos num programa de

    formação. O programa pretende proporcionar oportunidades de aprendizagem,

    permitir a reflexão sobre as propostas curriculares, promover o uso de

    actividades de investigação na sala de aula e a reflexão sobre a prática. A

    investigadora opta por uma metodologia de investigação mista. Após a análise

    da rubrica de observação e das entrevistas, realizadas no início e no final do

    programa, a investigadora verifica que alguns professores mudam as suas

    concepções, não sendo essas alterações significativas. Uma das mudanças

    refere-se ao papel do professor e do aluno na sala de aula. Efectivamente, a

    análise das entrevistas realizadas no final do programa indicam que alguns

    professores passaram a valorizar o papel activo dos alunos. Outra alteração

    verificada diz respeito à perspectiva dos professores sobre o ensino por

    investigação. Os resultados indicam que no final do programa alguns professores

    valorizam o seu uso na sala de aula, indicando que consideram importante levar

    os alunos a colocar questões, desenvolver investigações e representar os seus

    resultados em tabelas ou gráficos.

    Em Espanha, quatro investigadores, Da-Silva et al. (2007), descrevem um

    estudo de caso sobre as mudanças que ocorrem nas concepções de uma

    professora de Biologia com dezasseis anos de experiência profissional. A

    participante responde a um questionário em dois momentos distintos. O

    primeiro é em 1993 quando participa num curso de pós-graduação e o segundo

    em 2002 quando frequenta um curso sobre iniciação à investigação em educação

  • 32

    em ciências. Para além do questionário, é realizada uma entrevista para

    reconstruir o percurso da professora entre 1993 e 2002, com o objectivo de

    conhecer os factores que levam à mudança nas suas concepções. As concepções

    da participante são divididas em três categorias: natureza da ciência,

    aprendizagem de ciência e ensino de ciência. Em relação à primeira categoria,

    em 1993, a professora mostra concordar com itens do questionário que

    representam uma tendência tradicional e empirista para a natureza da ciência.

    Por exemplo, concorda com itens tais como: toda a investigação começa com a

    observação do fenómeno em estudo; a observação é influenciada pelas teorias

    prévias sobre o problema que está a ser estudado; a experimentação é usada

    em toda a investigação científica; a experimentação serve para verificar se uma

    hipótese é falsa ou verdadeira; a construção de uma teoria é a verdadeira

    reflexão da realidade quando é obtida no final de um processo rigoroso; e na

    observação da realidade é impossível haver uma certa distorção introduzido

    pelo observador. Após os nove anos, os investigadores verificam uma evolução

    notável das concepções da professora sobre a natureza da ciência, de um

    modelo empirista para um modelo que está de acordo com a nova filosofia da

    ciência. Na entrevista, a professora confirma essa mudança. Deste modo, os

    resultados revelam que esta passou a valorizar actividades mais abertas. Em

    relação à segunda categoria, aprendizagem de ciência, quer em 1993, quer em

    2002, a professora valoriza um modelo construtivista. No que respeita à terceira

    categoria, ensino de ciências, em 1993, a professora situa-se em duas posições,

    tradicional e construtivista, tendo mostrado no questionário concordância com

    itens correspondentes às duas perspectivas. Em 2002, a sua tendência

    construtivista é claramente indicada nas respostas do questionário. Em relação

    a esta mudança, na entrevista a professora esclarece que, em 1993, o seu

    modelo de ensino se baseava fundamentalmente na sua experiência enquanto

    aluna, imitando o modelo dos seus professores, tratando-se de uma questão

    cultural. As mudanças são progressivas, de um modelo centrado no professor

    para um outro centrado nos alunos.

  • 33

    A mudança de concepções sobre o ensino é também alvo de investigação

    por parte de Meirink et al. (2009). No estudo que realizaram, procuram

    compreender a relação entre a participação dos professores em determinadas

    actividades, onde é valorizado o trabalho colaborativo, e as alterações nas suas

    concepções. Participam na investigação, com a duração de um ano escolar,

    trinta e quatro professores pertencentes a cinco escolas diferentes. Os

    professores de cada escola organizam-se em equipas e trabalham

    colaborativamente. Os dados são recolhidos através de um questionário, tendo

    este sido respondido em duas fases distintas, antes e depois do estudo. Os itens

    que o constituem referem-se a três temas gerais: auto-regulação da

    aprendizagem; aprendizagem como construção activa do conhecimento; e

    natureza social da aprendizagem. Para classificar cada item, os professores

    usam uma escala com cinco pontos. Os resultados mostram que dezasseis

    professores mudam as concepções em relação ao papel do aluno e doze alteram

    as concepções relativamente aos conteúdos de aprendizagem.

    SÍNTESE

    As concepções de ensino de professores são determinantes na forma

    como pensam e agem, sendo percepcionadas pelos investigadores educacionais

    como guias dos professores, quer das decisões curriculares que tomam, quer das

    acções que desenvolvem na sua prática. Na literatura sobre esta temática

    surgem uma variedade de termos, como concepções, crenças e conhecimentos,

    cuja proximidade conceptual constituem uma dificuldade para fazer a sua

    diferenciação. Deste modo, coexistem posições distintas. Uns autores atribuem

    ao conceito de concepção um sentido amplo, englobando o conceito de crença e

    conhecimento (Anderson, 1989). Para outros, a noção de concepção e crença

    são equivalentes, mas diferentes do conceito de conhecimento (Loucks-Horleys

    et al., 2003).

    Os estudos empíricos analisados mostram que os professores têm uma

    diversidade de concepções acerca do ensino, da aprendizagem, da disciplina

  • 34

    científica, que influenciam o modo como ensinam e como colocam o currículo

    em acção. Tendo em conta os resultados da investigação, torna-se fundamental

    qualquer esforço para ajudar os professores a adquirir novas concepções de

    ensino consistentes com as reformas curriculares. No entanto, o processo de

    mudança é bastante complexo, requerendo tempo e persistência. Alguns

    estudos analisados revelam que nem sempre os professores mudam as suas

    concepções, oferecendo resistência ao processo de mudança. Algumas

    investigações mencionam o modo de conceptualizar essas mudanças,

    nomeadamente a participação em acções de formação, o uso de materiais

    educativos e a adesão às sugestões curriculares.