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capítulo 25 o AnSOlUTISMO [ O ANTIGO R[GIM[ o absolutismo nhuma relação com o amor individual entre um ho- mem e uma mulher. O seu objetivo era gerar her- deiros e assegurar a existência e o poder das famí- lias. Funcionava também como meio para estabele- cer alianças ou para uma família incorporar outra. Tanto a guerra quanto o casamento tinham por ob- jetivo supremo a criação de famílias mais e mais poderosas, possuidoras de grandes extensões de ter- ras e de grande número de vassalos. Porém, desde o século XIII, surgiu uma ten- dência que não cessou de se afirmar: o fortaleci- ..mento do rei e da família r~_é!l. Por meio de guerras bem-sucedidas e de alianças matrimoniais, os reis tornaram-se agentes da jmifica- -.S-ª9_J~_rr!tori.al E~.seprocesso ga- nhou impulso na Idade Moder- na e, quando se completou,-ha.- via feito da Europa um sistema de Estados nacionais. Esses Es- tados, comandados pelos reis, constituíam um poder interme- diário, situado entre o poder lo- cal, representado pelos senhores feudais e pelas cidades, e o po- der universal, representado pelo papa e pelo imperador. Os Estados nacionais mais representativos da Idade Moderna foram os da Es- panha, França e Inglaterra. Mas houve também exemplos de fracasso, representados pela Itália e pela Alemanha, que só vieram a constituir-se como Es- tados nacionais no final do século XIX - a Itália, em 1870, e a Alemanha, em 1871. 1. A ascensão da realeza. Desde a Idade Média, era hábito o rei ser escolhido entre os membros de uma única família. O rei era então considerado um ente sagrado e essa crença serviu para conter as usur- pações, favorecendo uma certa estabilidade e a for- mação de uma tradição. A família na qual se esco- lhia o rei formava uma dinastia. A família real, en- tretanto, não era necessariamente a mais poderosa: Também a nobreza organizava-se em famílias e mui--' tas delas podiam superar em poder a família dos reis. Na Alta Idade Média, a base do poder real era a posse de terras. Por isso, costu- mava-se recompensar os guerrei- ros com doações de terras. No tempo de Carlos Magno, esses guerreiros formaram a nobreza franca, que acabou se tornando independente do poder central. Assim,!!ª gRoca Moderna, tan- to o poder real quanto o' aristo~- ~rático (poder dos nobres) resi- dia na posse de terras, nas quais os reis e os grandes nobres insta- lavam seus vassalos e uma multidão de campone- ses. Possuir grandes domínios significava, portanto, dispor de um exército de vassalos, assim como de alimentos e outros bens necessários. Existiam, tradicionalmente, dois meios para ampliar o poder: a guerra e o casamento. O casa- mento era um instrumento político e não tinha ne- o fortalecimento do poder real deu origem aos Estados nacionais, comandados por reis, que tinham mais poder que os senhores feudais porém menos que os papas ou os imperadores.

capítulo 25 oAnSOlUTISMO [ O ANTIGO R[GIM[25.+O+Absolutismo+e...oAnSOlUTISMO [ O ANTIGO R[GIM[oabsolutismo nhuma relação com o amor individual entre um ho-mem e uma mulher. O seu

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capítulo 25

o AnSOlUTISMO [ O ANTIGO R[GIM[

o absolutismo nhuma relação com o amor individual entre um ho-mem e uma mulher. O seu objetivo era gerar her-deiros e assegurar a existência e o poder das famí-lias. Funcionava também como meio para estabele-cer alianças ou para uma família incorporar outra.Tanto a guerra quanto o casamento tinham por ob-jetivo supremo a criação de famílias mais e maispoderosas, possuidoras de grandes extensões de ter-ras e de grande número de vassalos.

Porém, desde o século XIII, surgiu uma ten-dência que não cessou de se afirmar: o fortaleci-

..mento do rei e da família r~_é!l.Por meio de guerrasbem-sucedidas e de alianças matrimoniais, os reis

tornaram-se agentes da jmifica--.S-ª9_J~_rr!tori.alE~.seprocesso ga-

nhou impulso na Idade Moder-na e, quando se completou,-ha.-via feito da Europa um sistemade Estados nacionais. Esses Es-tados, comandados pelos reis,constituíam um poder interme-diário, situado entre o poder lo-cal, representado pelos senhoresfeudais e pelas cidades, e o po-der universal, representado pelo

papa e pelo imperador. Os Estados nacionais maisrepresentativos da Idade Moderna foram os da Es-panha, França e Inglaterra. Mas houve tambémexemplos de fracasso, representados pela Itália e pelaAlemanha, que só vieram a constituir-se como Es-tados nacionais no final do século XIX - a Itália,em 1870, e a Alemanha, em 1871.

1. A ascensão da realeza. Desde a Idade Média,era hábito o rei ser escolhido entre os membros deuma única família. O rei era então considerado umente sagrado e essa crença serviu para conter as usur-pações, favorecendo uma certa estabilidade e a for-mação de uma tradição. A família na qual se esco-lhia o rei formava uma dinastia. A família real, en-tretanto, não era necessariamente a mais poderosa:Também a nobreza organizava-se em famílias e mui--'tas delas podiam superar em poder a família dos reis.

Na Alta Idade Média, a base do poder real eraa posse de terras. Por isso, costu-mava-se recompensar os guerrei-ros com doações de terras. Notempo de Carlos Magno, essesguerreiros formaram a nobrezafranca, que acabou se tornandoindependente do poder central.Assim,!!ª gRoca Moderna, tan-to o poder real quanto o' aristo~-

~rático (poder dos nobres) resi-dia na posse de terras, nas quaisos reis e os grandes nobres insta-lavam seus vassalos e uma multidão de campone-ses. Possuir grandes domínios significava, portanto,dispor de um exército de vassalos, assim como dealimentos e outros bens necessários.

Existiam, tradicionalmente, dois meios paraampliar o poder: a guerra e o casamento. O casa-mento era um instrumento político e não tinha ne-

o fortalecimento dopoder real deu origemaos Estados nacionais,

comandados por reis, quetinham mais poder que

os senhores feudaisporém menos que os

papas ou os imperadores.

CAPíTULO 25. 247

Para superar tanto o localismo quanto o uni-versalismo e impor o padrão de organização políticanacional, os reis foram obrigados a lutar e a vencer oautonomismo dos poderes feudais e a afastar a in-tromissão do papa e do imperador nos assuntos in-ternos de seus Estados. Devemos acrescentar aindaque as monarquias nacionais que então se formá-ram eram também rivais e, por isso, as guerras entreelas foram constantes.

Os reis da Espanha, Fernando de Aragão e Isabel de Castelo, estão representados nessas duasgravuras.

- 2. A unificação territorial. Na constituição dasmonarquias nacionais, o primeiro passo importan-te foi naturalmente a obtenção da unidade terri-toria!. Isso significa que os reis tiveram de com-bater por todos os meios os particularismos, reti-rando dos grandes vassalos o poder que exerciamsobre extensos territórios. Para isso, precisavamde exército próprio e recursos financeiros para co-brir os gastos. Os reis, assim como qualquer ou-tro senhor feudal, dispunham de vassalos obriga-dos a Ihes prestar serviços militares. Mas a tarefade unificação a que ambicionavam não podia fi-car sob responsabilidade de exército assim for-mado. Por outro lado, um exército competentepara esse empreendimento não poderia ser man-tido apenas com recursos oriundos exclusivamen-te dos domínios reais. Daí a necessidade de co-brar hnpostos de todo o reino. Esses impostos fo-ram concebidos como tributos de caráter bemdiferente do que tinham as antigas obrigaçõesfeudais, pois se baseavam na idéia de que to.d.Qs-ºeveriam contribuir com a sua parte para algo

comum, nascendo daí a idéiade coisa pública. Por isso, afim de obtê-los, os reis foramobrigados a submeter-~e àsassembléiás da~Jl9bIT'z-ª-e_ doclero, segmentos aos quais sejuntaram depois a burguesiadas cidade? Essas assem-bléias, que se denominaramEstados Gerais, na França,Parlamento, na Inglaterra, eCortes, na Espanha, eram asinstituições às quais os reisse viram obrigados a convo-car para votar os impostos.

À medida que a unifica-ção territorial e a centralizaçãopolítica avançavam, os reis fo-ram também obrigados a criar

uma administração. No início, o rei reunia um gru-po de pessoas de sua confiança, formando a suacorte. Aos poucos, conforme a administração foise tornando mais complexa, foram sendo criadosnovos órgãos, cada vez mais especializados.

Em qualquer sistema de dominação, man-da, em última análise, quem tiver maior capaci-dade de se impor pela força. Assim, o poder dosque dominam é proporcional ao tamanho e à for-ça do seu exército. Na Idade Média, isso signifi-cava ter mais vassalos, o que se relacionava dire-tamente à dimensão dos domínios de que dispu-nha um senhor. Contudo, qualquer que seja a so-ciedade, a dominação não perdura apenas me-diante o uso permanente da força. É necessárioque toda a sociedade aceite como se fosse naturala hierarquia existente, que considere uns mais im-portantes e mais dignos de respeito e reverên-cia que outros. Na época feudal, esse mecanismode obtenção pacífica da obediência era represen-tado pela prestação de homenagem de um vassaloao seu suserano ou senhor. Mediante esse ritual,o vassalo se comprometia a prestar serviço militarao suserano ou senhor.

No processo de fortalecimento do poder real,tal mecanismo foi amplamente utilizado pelos reis,que, como suseranos supremos que eram, estavamno direito de exigir de todos os seus vassalos, gran-des e pequenos, a prestação de homenagens. Alémdisso, a fim de evitar a quebra da hierarquia e a de-sobediência, os reis controlavam os casamentos dasviúvas e das filhas de seus vassalos, escolhendo fre-

CAPíTULO 25. 249

Absolutismosem inerentes à aristocracia, a função que, de fato,distinguia os nobres de outras camadas sociais era amilitar. Por isso, ser guerreiro era ser nobre. O pro-cesso de concentração do poder na Idade Modernafoi, assim, fundamentalmente caracterizado pela or-ganização, pelos reis, de exércitos próprios, de fei-ção mercenária, diferente do exército feudal, cons-tituído pelos vassalos (nobres).

O absolutismo despojou, desse modo, a nobre-za da função que a definia como tal, quando transfe-riu para mercenários contratados a responsabilidademilitar de defesa do território. Sem função militar edaí em diante simples proprietário de terras, um no-bre igualava-se a qualquer outro membro da socieda-de que dispusesse de recursos para tornar-se dono deextensões de terras semelhantes às de suas posses.Contudo, para evitar esse indesejável nivelamento dasociedade, o Estado absolutista concedeu inúmerosprivilégios à nobreza, como a exclusivídade no acessoaos altos cargos do governo e do exército, isenção deimpostos, sistema jurídico próprio, etc. Além disso,manteve a estrutura estamental da sociedade, queconferia à nobreza a posição social mais elevada e demaior prestígio. Mas havia uma desvantagem funda-mental nessa nova situação: a,nobreza passou a de-pender do Estado, pois os privilégios que a definiamcomo tal eram garantidos por ele.

O termo absolutista utilizado para carac-terizar os Estados nacionais na Idade Modernadeve-se ao fato de o poder real, não sendo entãoçontrolado por nenhum outro poder, externo ouinterno, ter se tornado em seu domínio próprio- o nacional- o poder supremo ou absoluto.Porém, é errado afirmar que o poder do rei ab-solutista não tinha limites. Ao contrário, ele es-ta~a limitado externamente pela presença ckoutros, Estados soberanos e absolutos e, inter-namente, pelos valores e crenças da época, quefaziam parte do que se chamava de leis funda-mentais do reino, às quais o rei era obrigado aobedecer caso quisesse manter a legitimidade.Um governante cujo poder não tem nenhum li-mite, orientando-se apenas pq,r sua vontade, éum déspota e não absolutista.

3. O absolutismo e a nobreza. As monarquiasnacionais absolutistas, apesar da novidade que repre-sentavam, limitaram-se a reunir e concentrar opoder feudal dos senhores. Assim, o poder mudoude mãos, mas não de na-tureza. A camada domi-nante continuou' sendo ~nobreza, representada pe-los mesmos grupos fami-liares da era medieval.Com uma diferença: assuas funções de governoforam transferidas para orei, assim como a tradicio-nal função militar que a le-gitimava' socialmente. As-sim'l3. nobreza reteve ape-nas- a condição de grandeproprietária de terras, o-que era insuficiente paradefinir, em termos tradicio-nais, a condição aristocrá-tica ou nobiliárquica. Em-bora na tradição ocidental,que remonta aos antigosgregos, as condições deguerreiros e de grandesproprietári~s de terra fos-

A batalha de Azincourt, de 1415, foi um dos confrontos entre franceses e ingleses durante a Guerra(em Anos. O estandarte francês no chão indica a vitória dos lanceiros ingleses.

250 • UNIDADE 4

4. Características do absolutismo. Como ex-pressão do poder aristocrático feudal, o absolu-tismo era bem diferente do Estado ou das formasatuais de governo em outro ponto: tinha por fun-ção garantir a desigualdade social por meios legais.Enquanto hoje partimos do princípio de que todossão iguais perante a lei, a essência do absolutismoera justamente o contrário. A sua base ou a· suarazão de ser consistia exatamente em manter a de-sigualdade entre os diferentes grupos sociais (no-breza, clero, comerciantes, camponeses, etc.) pe-rante a lei. Em vez de uma lei geral válida para to-dos, cada grupo socialera regido por um conjunto2.arti~~;r~d~ leis, Quanto mais baixo se encontras-se o grupo na hierarquia social, menos direitos eramconcedidos aos seus membros e maior era o rigordas leis a eles aplicadas.

O absolutismo era, pois, um sistema de go-verno baseado na desigual distribuição de direi-tos. Enquanto a nobreza desfrutava isenções eprivilégios, a carga tributária era particulamentepesada para as camadas mais pobres, que exis-tiam justamente para ser exploradas, conforme sepensava. Nada estava mais distante da mentali-dade da época do que um governo voltado para obem-estar da população. Como em períodos an-teriores, a atenção dos governantes estava voltadapara o exterior, de onde vinham as mais temíveisameaças. O gov~.rng.~xigüd.ll.D..d.éÚlleD~iÜrn.eJl.te.122Lª-.gªIantir a defesa territorial c.QDtra inimigosexternos, cabendo ao rei ª-bsQb.!..tisJªmanterajn-~~gQ.dade de se.LU~ri.t9.IAo. Nisso, a sua funçãonão destoava daquela que era a prioritária em to-das as formas anteriores de governo.' Havia, po-rém, um ponto em que o absolutismo era muitodiferente: sua enorme preocupação com a econo-mia, particularmente com o comérçio. Não parabeneficiar os comerciantes ou outro segmento so-

e cial qualquer, mas para desenvolveI~m.phª.L.asº,-ªses de arrecadação de impostos, pois do v;p!u-me de recursosassim ·09...J:.ido-ºsal,endia a dimen-sJllul.e, seu poder, A atenção dos reis absolutistasconcentrava-se especialmente na quantidade demetais preciosos amoedados (transformados emmoeda) existentes em seus domínios. Como a dis-ponibilidade de ouro e prata estava relacionada àlucratividade do comércio externo, os reis abso-lutjstasviram-se forçados a desenvolver a políticaeconômica conhecida como mercantilista (da qualtratamos no capítulo 22).

o Antigo Regime

1. O Antigo Regime. O absolutismo e a políticamercantilista eram, duas peças de um sistema maisamplo, denominado Antigo l1.§gi..1!1§,Esse nome só sur-giu muito tempo depois, com os franceses, que o uti-lizaram para nomear o sistema social que eles haviamdestruído por meio de uma revolução - a RevoluçãoFrancesa (1789-1799). Os historiadores adotaram otermo para designar osistema característico da IdadeModerna, cujos elementos básicos eram, além do ab-solutismo e do mercantilismo, a sociedade estamen-tal, a economia de mercado e o sistema colonial. Comose pode observar, entrelaçavam-se no Antigo Regimeos interesses aristocrático-feudais e burgueses. Esseentrelaçamento se dava, porém, de maneira muitoproblemática e em situação de permanente tensão,uma vez que se tratava de interesses fundamentadosem valores e visões de mundo conflitantes.

Situado na fronteira do feudalismo medieval edo capitalismo contemporâneo, oAntigo Regime podeser entendido como uma estrutura de transição, origi-nada da desarticulação do mundo feudal decorrentedas crises do século XIV e de sua rearticulação ocorri-da a partir do século Xv A organização estamental dasociedade nele verificada foi mantida e garantida pelamonarquia, o que significa que a sociedade continua-va então dividida em nobres e não-nobres, sendo os pri-meiros os representantes da camada superior, Reafir-mava-se, assim, a determinação da posição social doindivíduo pelo nascimento e não pela riqueza, afastan-do toda pretensão burguesa de ascender socialmente,À burguesia estava também bloqueada a participaçãono governo, uma vezque o rei concentrou em suas mãoso poder político antes disperso e manteve a burguesia,como classe, afastada do centro de decisão.

A força da monarquia absolutista começava nocampo e se estendia para as cidades apoiada nomercantilismo, política que, em poucas palavras,;significava o controle da economia pelo Estado, Masa burguesia, apesar disso, desfrutava de uma razoá-vel margem de liberdade de ação, como, por exem-plo, a de ir e vir, sem a qual não poderia haver de-senvolvimerito comercial e muito menos criação demercado mundial, a que ela estava se dedicandodesde a época das Cruzadas, A situação não era, afi-nal, tão adversa à burguesia, põíSnaVia também doladõ do rei o interesse em conceder essa liberdade,visto que º_c_o.m.çrJjofi.l.YQrecjaa monetização da vidaeconômica ea moeda (dinheiro) facilitava a cobran-ça de impostos e_a administração do Estado,'

248 • UNIDADE 4

va a esse papel. A noiva era inseparável do seudote em terras, sendo tão mais cobiçada quan-to maior fosse o dote, e a esposa, caso fosserepudiada, não importando o motivo, levavaconsigo o dote que recebera por ocasião do ca-samento.

qüentemente os seu maridos. Quer dizer, os reiscontrolavam a formação e a ramificação de famílias,fazendo disso um dos mais importantes instrumen-tos de sua política.

O casamento era utilizado para estabe-lecer alianças entre famílias, mas não se limita-

Um vassalo mais poderoso que o rei

Uma história famosa envolvendo a nobrezada França e da Inglaterra ilustra bem a questãodas alianças entre as famílias européias. Eleonor,duquesa da Aquitânia, era esposa do rei francêsLuís VII (1137-1180), mas ele a re-pudiou. Ela casou-se em segundasnúpcias com Henrique de Plantage-neta, levando consigo o seu dote: o du-cado da Aquitânia, um dos grandesfeudos franceses. Henrique de Plan-tageneta descendia, por parte de mãe,do rei inglês Henrique I (1100-1135),também duque da Normandia, e, porparte de pai, de Godofredo de Planta-geneta, conde deAnjou. Assim, por he-rança e por casamento, Henrique tor-nou-se rei da Inglaterra em 1154, con-de de Anjou, duque da Normandia e,

I com o dote de sua esposa, duque daAquitânia. O fato de Anjou, Norman-dia e Aquitânia serem feudos da Fran-ça levou Henrique de Plantageneta afigurar como vassalo do rei francêsLuís VII. Quer dizer, o rei da Inglater-ra, em razão de suas possessões emsolo francês, era vassalo do rei da Fran-ça. Com o seguinte detalhe: os domí-nios do rei inglês correspondiam a doisterços do território francês e, dentro

dele, Henrique de Plantageneta tornara-se maispoderoso do que o próprio rei da França. Foramessas as complicações que deram origem, no sé-culo XIV, à Guerra dos Cem Anos (1337-1453).

o império de Henrique "

OCEANOATLÂNTICO

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o 165 km~

N

s

o Terras herdadas de seu pai,Godofredo de Plantageneta,conde de Anjou

O Terras herdadas de sua mãe,a rainha Matilda

O Terras adquiridas medianteseu casamento com Eleonorda Aquitânia

Fonte: Bryn O'Callaghan. An illustrated lzistory af the Ellg1and. Harlow: Longman, 1990.

Casamentos be~-sucedidos resultavam emmaior poder territorial, que, contudo, nem sempretrazia tranqüilidade para os seus beneficiários. Acrés-cimo de poder costumava ser visto como ameaça aoutro poder e resultava normalmente em guerra. OsEstados ou monarquias nacionais constituíram-seassim umas contra as outras e viveram freqüenteme,n-te em guerras.

As monarquias nacionais que se formaram in-tegrando cidades e domínios feudais tornaram-segrandes demais para serem incorporadas pelo papa-do ou pelo império. Assim, a partir de 1450, elassuperaram e substituíram os poderes locais e uni-versais, convertendo-se na forma predominante depoder. Esse processo de afirmação do poder nacio-nal deu às monarquias a forma ahsolutista'que ascaracterizou na Idade Moderna.

CAPíTULO 25. 251

Nascimento do imposto

o historiador Philippe Wolff, estudando operíodo que ele denominou outono da IdadeMédia, identificou uma série de acontecimentosdos séculos XIV e XV que foram decisivos para aformação dos Estados modernos. Um deles foi acriação de impostos.

Por volta de 1300, ainda era corrente naFrança a noção de que o rei devia viver "por suaconta", ou seja, das rendas normais de seu do-mínio, como todo senhor - e que só podia re-correr à ajuda de seus vassalos (e, através de-les, de seus súditos) em casos bem definidospelo costume feudal: resgate em caso de cati-veiro, sagração de cavaleiro do filho primogéni-to, casamento da filha primogénita, partida paraa Cruzada. Esse sistema mostrava-se cada vezmenos apto a cobrir as despesas crescentes daCoroa: ainda era suficiente para as despesas dospalácios (do rei, da rainha, até dos príncipes),indispensáveis ao prestígio da monarquia. Masera necessário responder às despesas crescen-tes da administração, e o feudo-renda foi con-cebido para isso. Porém, cedo ou tarde, seriasubstituído pela concessão de verdadeiros esti-pêndios [tributos] [...]. Era necessário que o reisolicitasse a ajuda de seus súditos, mesmo quetivesse que discutir o assunto com seus repre-'sentantes. Os Estados Gerais, constituídos dedelegados do clero, da nobreza e do terceiro-estado, reunidos desde o fim do século XIII porocasião das lutas com o papado, foram o lugarnatural desses debates.

-, Nessa evolução, seria decisiva a crise de1355-13 56: o reiJoão, o Bom, fora aprisionadoperto de Poitiers. O direito feudal previa uma

Contudo, não se pode perder de vista o fatode que_o Antigo Regime era estruturalmente con-traditório, uma vez que o cornércio'Iora transforma-do, com o apoio do próprio Estado absolutista, noeixo ,central do desenvolvimento econômico, o queIazia da burguesia a detentora do poder econômico,'embora estivesse destituída do poder político, Des-de o início da Idade Moderna não era mais concebí-'ef uma economia rural desligada do mercado. Os

ajuda para o pagamento de seu resgate - masque resgate enorme, um ano não bastaria parapagá-Io! No dia seguinte à derrota, o delfim Car-los (futuro Carlos V) teve de reunir os EstadosGerais, mas, antes de tudo, para obter os subsí-dios necessários ao prosseguimento da guerra.Os representantes dos contribuintes concede-ram os subsídios, mas impuseram condições:sua utilização deveria ser controlada, a admi-nistração das finanças "extraordinárias" não se-ria confiada aos funcionários que geriam a for-tuna do rei, mas a "eleitos" que organizariam acoletoria e supervisionariam o uso. Instituiçãoduradoura: mesmo quando os "eleitos" passa-ram a ser nomeados pelo rei novamente pode-roso, o nome permaneceu, distinguindo finan-ças ordinárias e extraordinárias. Destacava-se aidéia de um imposto devido não à pessoa dorei, mas ao Estado.

Durante os meses que se seguiram, os Es-tados Gerais tornaram-se desacreditados com acrise política. E foi com as assembléias locais, ascidades e comunidades de habitantes que o del-fim teve que discutir para obter o montante ne-cessário ao resgate do rei. Exigiram também quea arrecadação fosse confiada a seus eleitos, e odelfim concordou ainda com mais boa vontade,já que as comunidades tornavam-se desse modoresponsáveis por essa arrecadação.

Assim foi criado o hábito do imposto. Nãosem protestos de ambas as partes, a quantia eraconcedida apenas por um certo tempo e para umobjetivo determinado. No meio do século xv, oimposto tornara-se praticamente permanente.

(Outono da Idade Média ou primavera dos tempos mo-dernos? São Paulo: Martins Fontes, 1988. p. 40-1.)

nobres, proprietários de terras, estavam condenadosa se subordinarem economicamente ao comércio(comandado pela burguesia) ou converterem-se elespróprios em empresários do tipo capitalista. Porém,tendo em vista que a sociedade era estamental, opoder econômico da burguesia não podia se tradu-zir em prestígio ou em ascensão social. A burguesiacontinuava, pois, sendo considerada uma classe in-ferior à nobreza.

252 • UNIDADE 4

2. Trajetórias políticas. No quadro geral da cons-tituição do Antigo Regime, a França, a Espanha e aInglaterra são as principais referências da IdadeModerna. A trajetória política da França pode serconsiderada clássica. Partindo da extrema fragmen-tação da época feudal, essa nação chegou à unifica-ção territorial e ao absolutismo no reinado de LuísXIV (1643-1715), vivendo um processo lento masmuito consistente de transformação. Na Espanha oabsolutismo teve seu apogeu atingido no século XVI,com Filipe 11(1556-1598), mas no século XVII jáestava muito enfraquecido. O absolutismo inglês,por outro lado, foi o primeiro a ser substituídopor um Estado burguês. À preponderância espanho-la no século XVI, seguiram-se as preponderânciasfrancesa (século XVII) e inglesa (século XVIII). Itá-lia e Alemanha experimentaram processos atípicosao se constituírem como Estados nacionais (estu-daremos cada um desses processos mais detalhada-mente nos próximos capítulos).

Conforme dissemos anteriormente, o proces-so de unificação territorial deu origem a muitos con-

flitos armados. No início da Idade Moderna essepadrão não se alterou, mas duas novidades compli-caram o quadro: a colonização da América e o nasci-mento e difusão do protestantismo.

Como vimos no capítulo 24, o protestantismocomeçou em 1517 na Alemanha, com Lutero, e re-cebeu rapidamente a adesão dos príncipes alemães,propagando-se, em seguida, para os países escandi-navos: Suécia, Dinamarca e Noruega. Vinte anosdepois, nascia uma nova corrente protestante, lide-rada pelo francês João Calvino, que instituiu emGenebra (Suíça), na década de 1540, uma verda-deira teocracia. O calvinismo propagou-se para osPaíses Baixos (Holanda), França, Escócia e Ingla-terra. Na França, os calvinistas tornaram-se conhe-cidos como huguenotes; na Escócia, como presbite-rianos; e, na Inglaterra, como puritanos. Na mesmaépoca em que o calvinismo se formava na Suíça, orei da Inglaterra, Henrique VIII (1509-1547), fun-dou o anglicanismo. Portanto, ainda no início da Ida-de Moderna, as questões religiosas permaneciambastante vinculadas às questões temporais.

~tividades

1. Qual era a base do poder da realeza e da nobreza na Idade Média?

2. Por meio de que mecanismos os reis conseguiram impor-se tanto diante do poder local como dopoder universal?

3. A quem cabiam as funções militares nos Estados nacionais? O que isso significava para aaristocracia?

4. Identifique no texto o sentido em que deve ser tomado o termo absolutismo e transcreva-o no seucaderno.

5. O absolutismo tinha por função garantir a desigualdade. Justifique essa afirmação.

6. "Da nobreza guerreira à nobreza cortesã". Com esse título, escreva um texto sobre as transforma-ções da nobreza no Antigo Regime.

7. Por que o Antigo Regime pode ser considerado uma estrutura de transição?

8. Leia este texto e responda à questão proposta.

[...] Para que haja realmente exército permanente, são necessárias várias condições:existência de estruturas regulares, independentes da renovação dos efetivos; desejo do poderem manter em serviço elementos de tropas, mesmo em tempos de paz; presença de jovensque projetem realizar verdadeiras carreiras militares, com a disponibilidade e a perda de liber-dade que uma tal vocação supunha; e, finalmente, instauração de rendas regulares, sufícien-

CAPíTULO 25· 253

tes para manter esse exército. Por volta de 1450, todas essas condições existiam na França, eCarlos VII tomou as medidas essenciais: procurou fixar a gente de guerra nas guarniçõesfronteiriças; reivindicou unicamente para si, e às custas dos príncipes, o recrutamento; ope-rou, entre os soldados disponíveis, uma triagem e os elementos foram agrupados em compa-nhias de ordenança com organização e armamento uniformes. Pôde mesmo despender o su-ficiente para lançar as bases do que seria a primeira artilharia do mundo de então. Acostumara opinião pública a essa novidade era uma tarefa árdua. Muito mais tarde interviria o aquarte-lamento, que terminaria tornando o homem de guerra simpático à população. A evolução eradesde então irreversível, e iria se generalizar fora da França.

(Philippe Wolff, op cit., p. 48.)

Que transformações se verificaram na formação dos exércitos europeus a partir da Idade Moderna.em relação ao modo como eram organizados na Idade Média?

9. Veja o que escreveu a filósofa Marilena Chaui a respeito da idéia de legitimidade:

A presença ou a ausência da lei conduz à idéia de regimes políticos legítimos e ilegítimos.Um regime é legítimo quando, além de legal, é justo (as leis são feitas segundo a justiça); umregime é ilegítimo quando a lei é imposta ou quando é contrário à lei, isto é, ilegal, ou, enfim,quando não possui lei alguma.

(Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1996. p. 384.)

Responda, com base no texto: Os regimes absolutistas podem ser legítimos? Justifique sua resposta.