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Capítulo II A evolução do sistema de organização da justiça após a Constituição de 1976 Introdução Como mostrámos no Capítulo anterior, os modelos estruturais de organização da justiça têm resistido, em vários países europeus, sem grandes alterações, às transformações sociais. Só muito recentemente, alguns países iniciaram o processo de reforma no sentido de adequar as estruturas da justiça, quer numa perspectiva territorial, quer organizacional, às novas configurações sócio-económicas que atravessam os diferentes países. Também em Portugal, o sistema de organização da justiça tem resistido às transformações políticas, sociais e económicas, mantendo uma linha de continuidade, que, no essencial, as alterações introduzidas não romperam, com excepção, naturalmente, das que derivaram do processo de democratização política 95 . Considerando as mudanças mais importantes que ocorreram na organização da justiça em Portugal após a Constituição de 1976, podemos identificar três períodos. O primeiro período, de 1977 a 1987, em que ocorre a transição e consolidação do Estado de direito democrático e em que se procedeu às reformas judiciárias necessárias à dignificação e democratização do poder judicial e ao corte com o sistema judicial vigente durante o Estado Novo. 95 Neste Capítulo, utilizamos ideias e parte do texto integrantes do Capítulo 2 do relatório do Observatório Permanente da Justiça “Os tribunais e o território: um contributo para o debate sobre a reforma da organização judiciária em Portugal” (Pedroso et al., 2002: 41-142). Para uma informação detalhada sobre a evolução da organização judiciária, designadamente no que se refere à criação de comarcas e de tribunais, Cf. Anexo B.

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Capítulo II

A evolução do sistema de organização da justiça após a

Constituição de 1976

Introdução

Como mostrámos no Capítulo anterior, os modelos estruturais de

organização da justiça têm resistido, em vários países europeus, sem grandes

alterações, às transformações sociais. Só muito recentemente, alguns países

iniciaram o processo de reforma no sentido de adequar as estruturas da justiça,

quer numa perspectiva territorial, quer organizacional, às novas configurações

sócio-económicas que atravessam os diferentes países.

Também em Portugal, o sistema de organização da justiça tem resistido

às transformações políticas, sociais e económicas, mantendo uma linha de

continuidade, que, no essencial, as alterações introduzidas não romperam, com

excepção, naturalmente, das que derivaram do processo de democratização

política95.

Considerando as mudanças mais importantes que ocorreram na

organização da justiça em Portugal após a Constituição de 1976, podemos

identificar três períodos.

O primeiro período, de 1977 a 1987, em que ocorre a transição e

consolidação do Estado de direito democrático e em que se procedeu às

reformas judiciárias necessárias à dignificação e democratização do poder

judicial e ao corte com o sistema judicial vigente durante o Estado Novo.

95 Neste Capítulo, utilizamos ideias e parte do texto integrantes do Capítulo 2 do relatório do Observatório Permanente da Justiça “Os tribunais e o território: um contributo para o debate sobre a reforma da organização judiciária em Portugal” (Pedroso et al., 2002: 41-142). Para uma informação detalhada sobre a evolução da organização judiciária, designadamente no que se refere à criação de comarcas e de tribunais, Cf. Anexo B.

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100 A Geografia da Justiça: para um novo mapa judiciário

O segundo período, de 1987 a 1999, dominado pela controvérsia sobre os

tribunais de círculo e pela crescente desadaptação dos tribunais ao

crescimento exponencial da procura.

E o terceiro período, de 1999 até à actualidade, em que se extinguiram os

tribunais de círculo e se registou uma tentativa de adaptação da oferta de

justiça à procura crescente, através da disponibilização de mais meios físicos e

humanos e do reforço da informatização, assim como da incorporação na

política pública de justiça das ideias de simplificação processual e de

desjudicialização, em especial através dos meios alternativos de resolução de

litígios.

Neste capítulo, mostramos a evolução da organização da justiça no

território português, privilegiando a análise da exposição de motivos das

propostas de leis e dos preâmbulos dos decretos-leis que moldaram essa

evolução.

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A evolução do sistema da organização da justiça após a Constituição de 1976 101

1. A reforma judiciária do pós 25 de Abril: o período entre 1977 e 1987

A primeira reforma da organização da justiça com implicações territoriais,

no período após a Revolução do 25 de Abril e a Constituição de 1976, operou-

se, no quadro da definição global de uma nova arquitectura do poder judicial96,

com a publicação da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 82/77, de 6

de Dezembro), regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 269/78, de 1 de Setembro,

cujas disposições se mantiveram inalteradas até 1987.

1.1. As principais alterações da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais de 1977

As alterações introduzidas por aquela reforma não foram, contudo,

suficientes para criarem rupturas com o sistema de circunscrição territorial e de

organização judiciária vigentes antes do 25 de Abril. Manteve-se o modelo de

proximidade geográfica da justiça face aos cidadãos, com a comarca como

matriz territorial do sistema judicial, bem como o tradicional agrupamento das

comarcas em círculos e em distritos judiciais. Deixou, no entanto, de ser

respeitada a tendência de coincidência entre a divisão judicial e a divisão

administrativa, defendendo-se uma divisão judiciária que incorporava alguns

elementos de flexibilidade. Embora a matriz da divisão territorial fosse a

comarca, a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais de 1977 previu a possibilidade

de criação de tribunais com competência territorial para um distrito ou círculo

judicial. Previa-se, ainda, a possibilidade de os diversos tribunais de comarca

poderem não estar todos concentrados na sede da comarca e um magistrado

poderia ter competência em mais de uma comarca.

96 Neste período foi publicado um conjunto de outra legislação fundamental, como o Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) – Lei n.º 85/77, de 13 de Dezembro; a Lei Orgânica do Ministério Público (LOMP) – Lei n.º 39/78, de 5 de Julho; e a Lei Orgânica do Centro de Estudos Judiciários (CEJ) – Decreto-Lei n.º 374-A/79, de 10 de Setembro.

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102 A Geografia da Justiça: para um novo mapa judiciário

Embora mantendo o pluralismo orgânico-judiciário, com a separação

entre as jurisdições administrativa, militar e comum, as principais inovações

desta reforma foram: a integração dos tribunais de trabalho na organização

judiciária comum, a criação dos tribunais de instrução criminal e a extinção de

todos os tribunais especiais ou órgãos com funções jurisdicionais. Realça-se,

ainda, a extinção dos corregedores97, das várias classes dos tribunais de

comarca, de vários órgãos jurisdicionais anteriores (tribunais de recurso das

avaliações, comissões de conciliação e julgamento ou comissões arbitrais de

assistência) e dos tribunais municipais de Lisboa e Porto, para além da

eliminação dos tribunais plenários (estes, logo após a queda do Estado Novo).

No que respeita aos tribunais de comarca, a lei previa a distinção entre

tribunais de competência especializada e de competência específica.

1.2. A Regulamentação de 1978 : os pressupostos e a prática

A Lei n.º 82/77, de 6 de Dezembro diferira a sua entrada em vigor para 31

de Julho de 1978, recaindo sobre o Governo a incumbência de publicar os

necessários diplomas regulamentares em tempo útil. Dado o volume e a

complexidade da tarefa, não foi possível cumprir tal prazo, pelo que apenas em

Setembro de 1978 surgiu o Decreto-Lei n.º 269/78, de 1 de Setembro, com o

intuito de conferir exequibilidade prática à Lei n.º 82/77.

Como se pode ver no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 269/78, de 1 de

Setembro, o diploma começa por chamar a atenção para o princípio de

proximidade geográfica que, tradicionalmente, estava no lastro da divisão

judicial do país, assentando o ordenamento judicial do território na ideia de que

o diploma designava de “justiça ao pé da porta”. Contudo, o legislador

reconhecia que o país se encontrava partilhado num número excessivo de

97 A composição dos tribunais colectivos deixou de ser fixada por lei, passando a ser regulada pelo Conselho Superior da Magistratura, como forma de imprimir maior flexibilidade ao sistema.

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A evolução do sistema da organização da justiça após a Constituição de 1976 103

circunscrições, algumas sem justificação, sobretudo numa época em que os

meios de comunicação eram já mais facilitados e os desequilíbrios

demográficos claramente visíveis. Defendia-se, por isso, como melhor critério

para a divisão judicial do país, o da “economia de meios”.

Apesar daquele entendimento, o Governo considerava ainda não ser a

altura para “proceder a modificações radicais”. Justificava essa posição com o

facto de “a situação do País não [ser] de molde a animar o acréscimo de

encargos que adviria da substituição de estruturas existentes; depois porque a

própria reformulação do sistema, onde avultam a integração de tribunais, a

reorganização das magistraturas e a redefinição constitucional da função do

juiz de instrução, aconselha[va] a um ensaio prévio e a que se postergu[ass]e

para momento ulterior o reexame profundo das questões relativas ao

ordenamento judicial do território” (Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 269/78, de 1

de Setembro).

Na prática, em clara oposição, quer com os pressupostos avançados,

quer com o caminho defendido, avançou-se para a criação de mais comarcas e

círculos judiciais, justificada por factores de densidade demográfica, de

desenvolvimento industrial ou de congestionamento dos serviços. Foram,

assim, criadas quatro comarcas (Alcanena, Peniche, Sesimbra e Vale de

Cambra) e oito círculos judiciais (Cascais, Covilhã, Matosinhos, Penafiel, Santo

Tirso, Sintra, Vila Franca de Xira e Vila Nova de Gaia). Fizeram-se

reajustamentos de áreas judiciais e foram convertidos os julgados municipais

em algumas comarcas (Alfândega da Fé, Almodôvar, Avis, Fornos de Algodres,

Mesão Frio, Monchique, Mondim de Basto, Nordeste, Oleiros, Pampilhosa da

Serra, Penamacor, Penela, Portel, Porto Santo, Sabrosa e Vila Nova de

Cerveira).

Em relação à integração dos tribunais de trabalho houve alguma

dificuldade, dada a descoincidência territorial da competência dos anteriores

tribunais de trabalho com as comarcas. O objectivo era o de conseguir uma

equilibrada cobertura do País por este tipo de jurisdição especializada. O

critério que se seguiu foi o da densidade laboral, ou seja, seriam criados

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104 A Geografia da Justiça: para um novo mapa judiciário

tribunais de trabalho em áreas de acentuada densidade laboral, atribuindo-se,

nas restantes, a competência laboral aos tribunais de comarca. Procurou-se,

ainda, aliviar os tribunais do trabalho de Lisboa e do Porto, retirando à sua

jurisdição zonas suburbanas que passaram a ter tribunais próprios.

Foram, também, tomadas medidas específicas com o objectivo de

descongestionar o serviço em comarcas com grande volume de deprecadas,

estabelecendo-se que os tribunais de Lisboa e Porto, dentro de certo

condicionalismo, passavam a poder praticar actos judiciais em comarcas

limítrofes.

Também no sentido de reforçar a eficácia na instrução criminal, previa-se

que os juízes de instrução criminal pudessem praticar actos em comarca

alheia, desde que respeitantes a processos que lhes estivessem afectos.

O Quadro II.1 mostra a organização judiciária de acordo com o

Decreto-Lei n.º 269/78, de 1 de Setembro.

Quadro II.1 Círculos, comarcas e tribunais - Decreto-Lei n.º 269/78, de 1 de Setembro98

Coimbra Évora Lisboa Porto TotalCírculos 9 7 9 14 39Comarcas 59 44 37 76 216Tribunais de comarca 49 40 25 61 175Juízos de competência genérica 25 11 29 34 99Tribunais de família 0 0 3 2 5Tribunais de menores 1 1 5 2 9Tribunais do trabalho 9 7 27 23 66Juízos cíveis 0 0 17 9 26Tribunais de instrução criminal 9 7 17 16 49Juízos criminais 0 0 4 2 6Juízos correccionais 0 0 10 5 15Juízos de polícia 0 0 3 2 5Tribunais de execução das penas 1 1 3 2 7

Fonte: OPJ

98 Em todos os Quadros deste Capítulo, os tribunais de competência especializada foram representados tendo em atenção o número de unidades orgânicas que os compunham, assim, se um tribunal de família tinha, por exemplo, dois juízos, foi contabilizado duas vezes.

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A evolução do sistema da organização da justiça após a Constituição de 1976 105

O período de vigência da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais de

1977 e da sua regulamentação

Após a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (LOTJ), de 1977, e da sua

regulamentação, de 1978, não houve alterações ao mapa judiciário durante

uma década.

Como vimos, apesar da reconhecida necessidade de inclusão de critérios

que permitisse uma melhor adequação da organização e divisão judiciárias a

uma dinâmica sócio-económica do território, a reforma manteve intacto o

modelo da justiça de proximidade geográfica, criando novas comarcas e

instituindo os julgados de paz. Contudo, embora a Lei Orgânica de 1978

pressupusesse a criação de julgados de paz e de juízes sociais com

intervenção em questões relativas ao arrendamento rural, à jurisdição de

menores e à jurisdição social, ambas as propostas encontraram muitas

resistências por parte dos operadores judiciários, o que levou ao seu

congelamento.

Em termos políticos, durante este período nunca foi possível a

estabilidade e o consenso necessários à introdução de uma reforma de fundo

da organização judiciária. Até à maioria absoluta do PPD-PSD, foram sendo

realizadas apenas algumas reformas consideradas necessárias para um

melhor funcionamento dos tribunais, nomeadamente, as introduzidas pelo

Decreto-Lei n.º 264-C/81, de 3 de Setembro, que teve o objectivo de introduzir

“algumas medidas necessárias à regularização de aspectos sectoriais do

funcionamento” do sistema judicial. Entre tais medidas salientava-se a

alteração do valor das alçadas em matéria cível99 e a alteração das

competências do presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), dos

99 A alçada dos tribunais de comarca passou a ser de Esc. 120.00$00 e de Esc. 400.00$00 a dos tribunais da relação (no âmbito da Lei n.º 82/77, as alçadas eram, respectivamente, de Esc. 80.00$00 e de Esc. 200.00$00).

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106 A Geografia da Justiça: para um novo mapa judiciário

presidentes dos tribunais de Relação e dos juízes de direito dos tribunais de

comarca100.

Em síntese, este período caracteriza-se por uma estabilidade institucional,

com o discurso político sobre o ordenamento judicial do território marcado com

os contrastes próprios de quem quer adequar o mapa e a organização

judiciária às transformações sócio-económicas operadas e reconhece a

impossibilidade de concretização prática dessa adequação.

100 O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça passou a exercer a acção disciplinar sobre os funcionários de justiça em serviço no tribunal quanto às penas de advertência e de advertência registada, havendo a possibilidade de reclamação para o Conselho Superior da Magistratura das decisões proferidas no exercício de tal competência. Idêntica competência passaram a ter também os presidentes dos tribunais de Relação e os juízes dos tribunais de comarca.

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A evolução do sistema da organização da justiça após a Constituição de 1976 107

2. O período entre 1987 e 1999: a experiência dos tribunais de círculo

Cerca de dez anos depois da sua publicação, é feita a primeira alteração

à LOTJ, através da Lei n.º 38/87, de 23 de Setembro, regulamentada pelo

Decreto-Lei n.º 214/88, de 17 de Junho. O objectivo central desta nova

organização judiciária era, segundo o legislador, o de banir certas deficiências

entretanto detectadas na anterior LOTJ, procurando melhorar a administração

da justiça e facilitar o acesso dos cidadãos aos tribunais.

2.1. As principais alterações da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais de 1987

Na exposição de motivos da Proposta de Lei101 que deu lugar à Lei

n.º 38/87,de 23 de Setembro e à sua regulamentação (Decreto-Lei n.º 214/88,

de 17 de Junho), referia o Governo a intenção de proceder a uma reforma

estrutural da organização dos tribunais judiciais102. Visava, ainda, o lançamento

de acções de ampliação e de reconversão de instalações e equipamentos,

dotando os tribunais, designadamente de meios informáticos para

documentação e gestão.

O ordenamento judicial do território foi um dos domínios no qual o

Governo procurou inovar. A circunscrição base continuou a ser a comarca,

apesar de, em alguns casos, se prever uma distribuição interna de jurisdição

por tribunais territorialmente diferenciados, como foi o caso dos tribunais de

círculo. A organização dos tribunais sofreu algumas alterações, entre as quais

101 Na origem da Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro, encontra-se a Proposta de Lei n.º 12/V, publicada no DAR IIª s., n.º 18, de 06 de Novembro de 1987. 102 O legislador incluiu neste diploma matérias complementares relativas designadamente, ao estatuto dos magistrados, com incidências na categoria e nos vencimentos, equiparando ao estatuto de juiz de tribunal de círculo os juízes em exercício nos tribunais de família e menores e o juiz-presidente do tribunal de trabalho. Foi, ainda, alterado o regime de preferências em futuros provimentos, com a precedência a recair sobre os juízes de tribunais extintos por este Decreto-Lei.

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108 A Geografia da Justiça: para um novo mapa judiciário

se destaca a eliminação dos julgados de paz e dos respectivos juízes de paz

como instrumentos de resolução de pequenos litígios.

A grande inovação desta reforma foi, contudo, a criação dos tribunais de

círculo. O legislador assume pretender solucionar a questão do tribunal

colectivo, visto esta questão não ter sido prevista em anteriores reformas e

constituir um factor de estrangulamento do sistema judicial, dado que não havia

qualquer diferenciação orgânica entre tribunal colectivo e singular, exercendo

os mesmos juízes a jurisdição a título singular e como vogais do tribunal

colectivo. Neste sentido, foram criados, nas áreas urbanas em que a densidade

populacional o justificasse, tribunais de círculo para julgar as causas que

determinassem a intervenção do colectivo ou do júri. Tais tribunais tinham

competência alargada a comarcas ou a grupos de comarcas limítrofes.

Embora aqueles tribunais estivessem sedeados na comarca sede do

círculo, era possível, em casos limite, reunirem fora da sua sede – um desses

casos seria quando o número e a residência dos intervenientes no processo,

conjugados com a eventual dificuldade dos meios de comunicação ou com

outros factores, tornassem difícil a prática dos actos na sede.

Foi, igualmente, prevista a criação de tribunais de pequenas causas, que

seriam orientados pela informalidade, oralidade, imediação e consenso. Esta

medida, no entender do legislador, implicaria uma aceleração dos processos

menos complexos, reduzindo os seus custos sociais e económicos. A LOTJ de

1987 admitiu, ainda, a criação de tribunais de competência especializada mista.

A Lei n.º 38/87 actualizou, também, as alçadas dos tribunais103 e alterou

as regras de funcionamento dos tribunais superiores104.

103 Em matéria cível, as alçadas passaram a ser, para a 1ª instância de Esc. 500.000$00 e para os tribunais de Relação de Esc. 2.000.000$00. 104 Ao nível do Supremo Tribunal de Justiça, procurou-se melhorar o seu funcionamento com a possibilidade de contratar assessores entre os magistrados de primeira instância, em consonância com a prática no Tribunal Constitucional e no Supremo Tribunal Administrativo, além de se criar a figura de Presidente de Secção. Relativamente aos tribunais de Relação, estabeleceu-se a possibilidade de criar secções destacadas, sempre que necessário, além de

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A evolução do sistema da organização da justiça após a Constituição de 1976 109

2.2. Os mapas judiciários do período 1987-1999

2.2.1. O Decreto-Lei n.º 214/88, de 17 de Junho

O Decreto Lei n.º 214/88, de 17 de Junho, regulamentou a Lei n.º38/87,

de 23 de Dezembro, introduzindo “intencionais e significativas inovações”, de

forma a “concretizar e adequar à realidade os princípios enunciados na Lei n.º

38/87”, designadamente na independência dos tribunais judiciais, no

funcionamento com eficácia na aplicação da justiça e no acesso dos cidadãos

aos tribunais e ao direito, dotando o sistema de justiça de meios que lhe

permitisse “assegurar efectiva capacidade de resposta”.

No que concerne ao ordenamento judicial do território, criaram-se novos

círculos judiciais, concretamente, os círculos de Abrantes, Alcobaça, Anadia,

Angra do Heroísmo, Chaves, Lisboa, Mirandela, Paredes, Pombal, Porto,

Santiago do Cacém, Torres Vedras e Vila do Conde. Os círculos judiciais de

Lisboa e do Porto foram redimensionados, abrangendo, respectivamente, as

comarcas de Almada, Loures, Oeiras e Seixal e as comarcas de Espinho,

Matosinhos e Vila Nova de Gaia.

Criaram-se as comarcas do Cadaval, Entroncamento, Nelas e Oliveira do

Bairro, “com vista a redimensionar, de uma forma equilibrada, as comarcas de

Torres Vedras, Golegã, Mangualde e Anadia, respectivamente” (Preâmbulo do

Decreto-Lei n.º 214/88, de 17 de Junho).

Foram criados tribunais de círculo em todos os círculos judiciais, com o

objectivo de, seguindo a lei, assegurar um melhor funcionamento dos tribunais

e um acesso efectivo à justiça. Entendeu-se que isto só seria alcançado com “a

existência de tribunais a funcionar com eficácia e de, gradualmente, se

suprimirem os entraves económicos, sociais e culturais que se interpõem entre

estes e os cidadãos” (Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 214/88, de 17 de Junho).

se permitir a reunião nas sedes das comarcas, mediante requerimento das partes. Surgiu uma nova figura, o Vice-Presidente, com a competência de coadjuvar e substituir os presidentes das relações.

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110 A Geografia da Justiça: para um novo mapa judiciário

A lei previa, também, a especialização dos tribunais nas comarcas de

Lisboa e Porto, que passaram a poder funcionar como varas cíveis e juízos

criminais. Deste modo, descongestionava-se os tribunais de comarca que

integravam estas grandes áreas urbanas e aliava-se “a especialização à

proximidade territorial, com vista a uma maior celeridade no funcionamento

destes tribunais” (Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 214/88, de 17 de Junho).

Ainda dentro desta matriz, previu-se a possibilidade de criar tribunais de

círculo auxiliares e de varas cíveis e de juízos criminais auxiliares nos círculos

judiciais de Lisboa e Porto, sempre que o volume processual ultrapassasse o

limiar tido como ideal no redimensionamento dos quadros dos tribunais.

Com a entrada em vigor do novo Código de Processo Penal e as

alterações no que diz respeito à fase de instrução, tornou-se necessário

repensar os tribunais de instrução criminal. Extinguiu-se a maior parte daqueles

tribunais, mas previu-se a afectação pelo Conselho Superior de Magistratura de

juízes de direito exclusivamente à instrução criminal, caso o movimento das

comarcas o justificasse.

Criaram-se novos tribunais do trabalho em Abrantes, Águeda, Póvoa do

Varzim e Santiago do Cacém, tendo sido extinto o tribunal de trabalho de Angra

do Heroísmo. Estas alterações visaram solidificar o papel dos tribunais do

trabalho como tribunais de competência especializada em todo o país e com

uma área de jurisdição tendencialmente idêntica à do correspondente círculo

judicial, com excepção da Região Autónoma dos Açores.

Foram, ainda, criados os tribunais de competência especializada mista,

em matéria de menores e família, em Coimbra, Faro, Funchal, Ponta Delgada e

Setúbal; e os tribunais de competência específica mista, em matéria

correccional e de polícia, em Almada, Coimbra, Funchal e Vila Nova de Gaia.

Com o objectivo de diversificar os meios de actuação da justiça e de

descongestionar os tribunais existentes, foram criados os tribunais de

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A evolução do sistema da organização da justiça após a Constituição de 1976 111

pequenas causas em Lisboa, Amadora, Loures, Oeiras, Gondomar, Maia, Porto

e Valongo.

O Decreto-Lei n.º 214/88, de 17 de Junho, referia-se, ainda, à extensão

de competências nas grandes áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto e à

presidência para fins administrativos.

O Quadro II.2 mostra a organização judiciária de acordo com o

Decreto-Lei n.º 214/88, de 17 de Junho.

Quadro II.2 Círculos, comarcas e tribunais - Decreto-Lei n.º 214/88, de 17 de Junho

Coimbra Évora Lisboa Porto TotalCírculos 12 9 10 16 47Comarcas 59 46 38 77 220Tribunais de círculo 12 9 7 15 43Tribunais de comarca 44 37 22 58 161Juízos de competência genérica 33 21 32 44 130Tribunais de família e menores 1 2 2 0 5Tribunais de família 0 0 4 2 6Tribunais de menores 0 0 2 1 3Tribunais do trabalho 11 9 18 26 64Tribunais marítimos 0 1 3 1 5Varas cíveis 0 0 13 6 19Juízos cíveis 3 0 13 7 23Tribunal de pequenas causas 0 0 4 4 8Tribunal de instrução criminal 1 0 1 1 3Juízos criminais 0 0 10 4 14Juízos correccionais 0 0 5 3 8Juízos de polícia 0 0 2 2 4Juízos de correccionais e de polícia 2 0 4 2 8Tribunais de execução das penas 1 1 4 2 8

Fonte: OPJ

2.2.2. A Lei n.º 24/90, de 4 de Agosto e o Decreto-Lei n.º 206/91, de 7 de Junho

Em 10 de Maio de 1990, foi discutida na generalidade e aprovada a

Proposta de Lei n.º 143/V, que deu lugar à Lei n.º 24/90, de 4 de Agosto. Na

discussão na generalidade desta proposta, Laborinho Lúcio, então Ministro da

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112 A Geografia da Justiça: para um novo mapa judiciário

Justiça, salientou dois problemas do sistema judiciário: “por um lado, o que se

prende com a lentidão da resposta da máquina judiciária e, por outro lado, o

que se liga à carência de instrumentos que permitem uma qualidade acrescida

na administração da justiça”. Referiu, ainda, ser fundamental permitir que

“aqueles que têm sobre si a responsabilidade de administrar justiça detenham

os instrumentos indispensáveis (...). Aí está, por isso, agora de novo, como

novo pólo potenciador de uma nova perspectiva de administração da justiça,

como verdadeiro núcleo de resposta, o círculo judicial” 105.

Era intenção do legislador, portanto, “fazer convergir, então sim,

optimizando o sistema, todos os instrumentos indispensáveis a uma moderna

administração da justiça, instrumentos de reinserção social, qualidades

específicas de investigação criminal, novas filosofias e instrumentos de

medicina legal, tudo o que se prenda com o serviço social dos tribunais – a

peritagem, consultadoria jurídica especializada e tecnicamente preparada, a

informática a servir como instrumento de mobilização e celeridade de resposta;

a documentação actualizada, permitindo, por isso, que a resposta dos tribunais

seja também actualizada à evolução que no domínio do espírito e do

pensamento se vai verificando, formação de quadros e abertura à

comunidade”106.

A Proposta de Lei n.º 143/V foi aprovada e esteve na origem da Lei n.º

24/90, de 4 de Agosto. Esta Lei foi regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 206/91,

105 Para a deputada Odete Santos, a alteração da LOTJ era necessária visto que, pouco tempo após a consagração da nova orgânica, eram já conhecidos atrasos na administração da justiça, decorrentes da própria lei, isto porque “a superstrutura, denominada «tribunal de círculo», nos sítios onde foi criada, se viu a braços com uma vasta área de competências, para a qual os poucos meios disponíveis não permitiam dar uma resposta célere. Os atrasos processuais aceleraram-se de tal forma que era com o credo na boca que os profissionais do foro abriam o Diário da República para ver se tinham sido contemplados com o «presente envenenado» da criação do tribunal de círculo na área onde desenvolviam a sua actividade profissional. E o caos aconteceu, mesmo quando, confrontada a lei com as hipóteses práticas, começaram a surgir os conflitos negativos de competência gerados entre os tribunais singulares e os tribunais de círculo”. Odete Santos referiu que tais conflitos negativos “ocasionaram atrasos, por vezes de cerca de dois anos, nos processos pendentes nos tribunais judiciais”. Cf. DAR, 11 de Maio de 1990, I.ª série, Número 73, p. 2454. 106 Intervenção do Ministro da Justiça, Laborinho Lúcio in DAR, 11 de Maio de 1990, I.ª série, Número 73, página 2450.

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A evolução do sistema da organização da justiça após a Constituição de 1976 113

de 7 de Junho107, e visava “confirmar o essencial, ou seja, o círculo como a

célula vital da nova organização judiciária, ajustando-a à celeridade e ao

dinamismo da mudança ocorrida no todo social, surgindo então o tribunal de

círculo como um pólo aglutinador de toda a actuação judiciária na respectiva

circunscrição judicial” (Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 206/91, de 7 de Junho).

Contudo, este Decreto-Lei não alterou, em muito, aquilo que estava

previsto relativamente aos tribunais de círculo. No sentido de atenuar o

problema das distâncias a que o tribunal de círculo se encontrava, em alguns

casos, da sede das comarcas, consagrou-se a obrigatoriedade da deslocação

do tribunal, a requerimento de qualquer das partes, sempre que a distância

entre a sede daquele tribunal e a sede da comarca onde deva decorrer a

audiência fosse superior a 50 Km.

Foram criados os círculos judiciais de Vila Nova de Famalicão e de Loulé,

as comarcas da Nazaré, de Ílhavo e de Palmela e, ainda, o 2.º Juízo do

Tribunal Judicial de Fafe. Criou-se, igualmente, um novo tribunal de

competência especializada mista em matéria de família e menores, em Aveiro,

no sentido de dar continuidade à especialização que se pretendia incrementar,

nesta matéria, na organização judiciária portuguesa.

No que respeita aos tribunais de instrução criminal, e com o intuito de

fazer face ao aumento do movimento processual, previu-se que nas comarcas

que se integrem na área de jurisdição daqueles e que não sejam sua sede

pudesse funcionar, em exclusividade, um juiz de instrução criminal, designado

pelo Conselho Superior de Magistratura.

O Quadro II.3 mostra a organização judiciária de acordo com o

Decreto-Lei n.º 206/91, de 7 de Junho.

107 Este Decreto-Lei previu, também, que as secretarias judiciais e as secretarias privativas do Ministério Público funcionassem como secretarias do tribunal de círculo, para assegurarem o expediente daquele tribunal, nas comarcas que não fossem sede de círculo, visando garantir maior celeridade e proximidade do tribunal de círculo.

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114 A Geografia da Justiça: para um novo mapa judiciário

Quadro II.3 Círculos, comarcas e tribunais - Decreto-Lei n.º 206/91, de 7 de Junho

Coimbra Évora Lisboa Porto TotalCírculos 12 10 10 17 49Comarcas 61 47 38 77 223Tribunais de círculo 12 10 7 16 45Tribunais de comarca 46 38 22 57 163Juízos de competência genérica 33 23 32 46 134Tribunais de família e menores 2 2 2 0 6Tribunais de família 0 0 4 2 6Tribunais de menores 0 0 2 1 3Tribunais do trabalho 11 9 18 25 63Tribunais marítimos 0 1 3 1 5Varas cíveis 0 0 13 6 19Juízos cíveis 3 0 13 7 23Tribunais de pequenas causas 0 0 4 4 8Tribunais de instrução criminal 1 0 1 1 3Juízos criminais 0 0 10 4 14Juízos correccionais 0 0 5 3 8Juízos de polícia 0 0 2 2 4Juízos de correccionais e de polícia 2 0 4 2 8Tribunais de execução das penas 1 1 4 2 8

Fonte: OPJ

2.2.3. A Lei n.º 24/92, de 20 de Agosto, e o Decreto-Lei n.º 312/93, de 15 de Setembro

Em Junho de 1992 foi discutida na Assembleia da República, na

generalidade, a Proposta de Lei n.º 24/VI108, que deu lugar à Lei n.º 24/92, de

20 de Agosto, que alterou Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro (LOTJ). Esta

Proposta era vista como uma alteração intercalar da Lei Orgânica dos Tribunais

Judiciais, pois era intenção do Governo, após a revisão da legislação

processual civil e penal, propor uma revisão global da organização judiciária.

Aquela Proposta de Lei n.º 24/VI, introduziu a inversão da regra do

funcionamento dos tribunais de círculo, passando as audiências, em regra, a

terem lugar na sede da comarca. Esta alteração visava flexibilizar o

funcionamento dos tribunais de círculo, possibilitando um acesso mais rápido

108 Cf. DAR, 2 de Junho de 1992, I.ª série, Número 71, página 2305.

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A evolução do sistema da organização da justiça após a Constituição de 1976 115

dos cidadãos à justiça. Previa-se, também, a possibilidade de desdobramento

de circunscrições e de agregação de comarcas; a criação de subsecções do

Supremo Tribunal de Justiça, contribuindo para uma mais correcta distribuição

dos processos; a criação de tribunais de pequena instância109 (visando uma

maior especialização e eficácia do sistema judicial, aumentando a sua

capacidade de resposta para os processos mais simples e, consequentemente,

a diminuição de serviço nos demais tribunais110); a criação de varas criminais; a

atribuição aos presidentes dos tribunais de competência para orientarem

superiormente os serviços das secretarias judiciais, a regulamentação dos

turnos111; e a possibilidade de criação de tribunais e secções auxiliares para

descongestionar casos pontuais de acumulação de processos.

A Proposta de Lei foi aprovada, em 9 de Julho de 1992, em votação final

global112, dando origem à Lei n.º 24/92, de 20 de Agosto, que seria

regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 312/93, de 15 de Setembro.

De acordo com o preâmbulo deste Decreto-Lei, era essencial analisar e

modificar o reordenamento judicial do território com base no movimento

processual registado, alterando-o de acordo com as especificidades de cada

comarca. A deficiente dimensão de alguns tribunais nos grandes centros

urbanos implicou o recurso sistemático à colocação de juízes auxiliares,

109 Sobre a criação dos tribunais de pequena instância, o deputado Raul Castro, na discussão na generalidade da Proposta de Lei, recordou que não se tratava de uma novidade, visto terem sido criados, quer pela Lei n.º 38/87, quer pelo Decreto-Lei n.º 214/88, não tendo chegado a ser concretizados. Cf. DAR, 2 de Junho de 1992, I.ª série, Número 71, pág. 2308. 110 Sobre os tribunais de pequena instância, o Ministro da Justiça de então diria: “defendemos a sua implantação exactamente para acabar com a ideia dos tribunais de pequenas causas, que, esses sim, na sua própria designação, tinham desde logo um estigma negativo e cada um que recorria a eles sabia que a sua causa era pequena pela própria definição da lei. A mudança também teve que ver com esse problema. É que não queremos que eles sejam tidos como tribunais de bagatelas, mas sim como tribunais capazes de responderem rapidamente a situações de serviço que, sendo importantes como as outras, têm todavia uma forma processual mais simples, podendo, portanto, obter por parte do sistema uma resposta também mais eficaz”. Cf. DAR, Iª série, n.º 71, de Junho de 1996, pág. 2313. 111 Com vista a garantir o tratamento de casos urgentes de cuja omissão poderia decorrer a violação de direitos fundamentais, contemplava-se, na Proposta de Lei, o funcionamento de turnos, aos fins-de-semana e feriados para matérias específicas de direito e processo penal, bem como de direito de menores. 112 Cf. DAR, Iª série, n.º 86, de 10 de Julho de 1992, pág. 2835-2836.

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116 A Geografia da Justiça: para um novo mapa judiciário

transformando em regra um princípio que se pretendia excepcional. Assim,

procedeu-se à especialização de alguns tribunais de competência genérica e

aumentou-se o número de juízos, atendendo ao volume de serviço e às

características das comarcas. Nas situações de particular estrangulamento

nalgumas comarcas, criaram-se tribunais auxiliares temporários.

Extinguiram-se, igualmente, juízos do trabalho no Porto e em Aveiro, uma

vez que o movimento processual que registavam não justificava a sua

existência.

Foi implementada uma alteração importante na definição dos círculos,

retirando-se da área de competência territorial dos círculos de Lisboa e do

Porto comarcas que as integravam, e criando-se os círculos judiciais

autónomos em Almada, Oeiras, Loures, Gaia e Matosinhos, assim como a

comarca e o círculo judicial da Amadora.

Consagrou-se, ainda, a criação de tribunais auxiliares como estruturas de

intervenção em casos de atraso acumulado ao longo de anos.

O Quadro II.4 mostra a organização judiciária de acordo com o

Decreto-Lei n.º 312/93, de 15 de Setembro.

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A evolução do sistema da organização da justiça após a Constituição de 1976 117

Quadro II.4 Círculos, comarcas e tribunais - Decreto-Lei n.º 312/93, de 15 de Setembro

Coimbra Évora Lisboa Porto TotalCírculos 12 10 14 19 55Comarcas 61 47 39 77 224Tribunais de círculo 16 11 14 22 63Tribunais auxiliares de círculo 0 1 1 0 2Tribunais de comarca 41 33 20 51 145Juízos de competência genérica 35 24 21 31 111Tribunais de família e menores 2 2 2 0 6Tribunais de menores 0 0 2 1 3Tribunais de família 0 0 3 2 5Tribunais do trabalho 11 9 16 19 55Tribunais marítimos 0 1 3 0 4Varas cíveis 0 0 13 6 19Juízos cíveis 14 9 33 36 92Tribunais cíveis auxiliares 0 0 2 1 3Juízos de pequena instância mista 0 0 0 3 3Tribunais de instrução criminal 0 0 5 2 7Varas criminais 0 0 10 4 14Juízos criminais 12 9 27 31 79Juizos de pequena instância criminal 0 0 3 3 6Tribunais de execução das penas 1 1 4 2 8

Fonte: OPJ

2.2.4. O Decreto-Lei n.º 222/94, de 24 de Agosto

Com o objectivo de desenvolver a reforma judiciária em curso, foi

publicado o Decreto-Lei n.º 222/94, de 24 de Agosto. Entre as medidas que

previa, salienta-se a actualização do quadro de magistrados de alguns tribunais

judiciais cujo movimento processual havia aumentado de forma extraordinária,

assim como a flexibilização da constituição do colectivo em alguns tribunais de

círculo, que seria integrado, em regra, por dois juízes privativos, permitindo

desta forma o funcionamento simultâneo de dois colectivos.

O legislador prosseguiu, também, o objectivo da especialização dos

tribunais judiciais criando mais juízos de competência especializada cível em

determinadas comarcas (Sintra, Setúbal, Matosinhos e Santa Maria da Feira).

Em Lisboa, foram criados os tribunais de pequena instância cível com

competência para preparar e julgar causas cíveis às quais correspondesse a

forma de processo sumaríssimo ou causas cíveis não previstas no Código de

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118 A Geografia da Justiça: para um novo mapa judiciário

Processo Civil a que correspondesse formas de processo especial e cuja

decisão final não fosse passível de recurso ordinário. No Preâmbulo do

Decreto-Lei n.º 222/94, era referido que uma solução idêntica seria consagrada

para a comarca do Porto logo que houvesse resultados sobre o funcionamento

da experiência dos tribunais de pequena instância cível criados em Lisboa.

O Decreto-Lei n.º 222/94 procedeu, também, no âmbito do reordenamento

judicial do território, à alteração da área de jurisdição do tribunal do trabalho do

Porto com a instalação do tribunal do trabalho de Gondomar, o que requereu a

adaptação do quadro de magistrados à nova área de jurisdição.

O Quadro II.5 mostra a organização judiciária de acordo com o

Decreto-Lei n.º 222/94, de 24 de Agosto.

Quadro II.5 Círculos, comarcas e tribunais - Decreto-Lei n.º 222/94, de 24 de Agosto

Coimbra Évora Lisboa Porto TotalCírculos 12 10 14 19 55Comarcas 61 47 39 77 224Tribunais de círculo 18 14 19 24 75Tribunais auxiliares de círculo 0 1 1 0 2Tribunais de comarca 41 33 20 51 145Juízos de competência genérica 35 24 23 31 113Tribunais de família e menores 2 3 2 0 7Tribunais de menores 0 0 2 1 3Tribunais de família 0 0 3 2 5Tribunais do trabalho 11 9 16 22 58Tribunais marítimos 0 1 3 0 4Varas cíveis 0 0 13 6 19Juízos cíveis 14 10 34 38 96Juizos de pequena instância cível 0 0 8 0 8Tribunais cíveis auxiliares 0 0 2 1 3Juízos de pequena instância mista 0 0 0 3 3Tribunais de instrução criminal 0 0 5 2 7Varas criminais 0 0 10 4 14Juízos criminais 12 9 27 31 79Juizos de pequena instância criminal 0 0 3 3 6Tribunais de execução das penas 1 1 4 2 8

Fonte: OPJ

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A evolução do sistema da organização da justiça após a Constituição de 1976 119

2.2.5. O Decreto-Lei n.º 153/95, de 1 de Julho

No âmbito da reforma judiciária empreendida, o Governo criou, através do

Decreto-Lei n.º 153/95, de 1 de Julho, os tribunais de pequena instância mista

de Almada e Vila Nova de Gaia e o Tribunal de Família e Menores de Braga,

bem como o Tribunal de Círculo Auxiliar de Sintra, tendo também

redimensionado os quadros de magistrados dos tribunais que se encontravam

desajustados perante a realidade processual, designadamente os tribunais de

pequena instância de Lisboa e Porto e os juízos de competência especializada

criminal de Lisboa. Pelo mesmo diploma foram, ainda, criadas as comarcas de

Maia, Gondomar e Valongo e os respectivos círculos judiciais. Quanto ao

Tribunal de Família e Menores do Funchal, a sua área de jurisdição passou a

circunscrever-se à comarca.

Com o objectivo, de acordo com a lei, de diminuir a distância física entre

os tribunais e os cidadãos, foram criadas as comarcas da Maia, Gondomar e

Valongo, bem como os respectivos círculos judiciais, e circunscreveu-se à

comarca a área de jurisdição do Tribunal de Família e Menores do Funchal.

O Quadro II.6 mostra a organização judiciária de acordo com o

Decreto-Lei n.º 153/95, de 1 de Julho.

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120 A Geografia da Justiça: para um novo mapa judiciário

Quadro II.6 Círculos, comarcas e tribunais – Decreto-Lei n.º 153/95, de 1 de Julho

Coimbra Évora Lisboa Porto TotalCírculos 12 10 14 22 58Comarcas 61 47 39 80 227Tribunais de círculo 18 14 19 28 79Tribunais auxiliares de círculo 0 1 2 0 3Tribunais de comarca 41 33 20 51 145Juízos de competência genérica 35 24 23 38 120Tribunais de família e menores 3 3 2 1 9Tribunais de menores 0 0 2 1 3Tribunais de família 0 0 3 2 5Tribunais do trabalho 11 9 16 26 62Tribunais marítimos 0 1 3 0 4Varas cíveis 0 0 13 6 19Juízos cíveis 14 10 34 41 99Juizos de pequena instância cível 0 0 8 0 8Tribunais cíveis auxiliares 0 0 2 1 3Juízos de pequena instância mista 0 0 1 1 2Tribunais de instrução criminal 0 0 5 2 7Varas criminais 0 0 10 4 14Juízos criminais 12 9 28 33 82Juizos de pequena instância criminal 0 0 1 1 2Tribunais de execução das penas 1 1 4 2 8

Fonte: OPJ

2.2.6. O Decreto-Lei n.º 173/96, de 21 de Setembro

A partir de 1996, o Governo defendeu, como uma das principais medidas

a introduzir na organização judiciária, a extinção da “experiência maléfica dos

tribunais de círculo”113. Apesar desse objectivo último, o Governo reconhecia

que a imprevisão da conclusão dos trabalhos que uma reforma profunda da

organização judiciária acarreta e a morosidade do respectivo processo

legislativo, não eram compatíveis com as urgentes necessidades do sistema.

Nesse sentido, avançou com várias alterações pontuais à orgânica judiciária.

Dessas alterações destacam-se as efectuadas ao regime do destacamento dos

113 Todavia, num debate parlamentar sobre a Proposta de Lei n.º 34/VII, o deputado Guilherme Silva do PSD referiu que muitos dos que antes eram contra os tribunais de círculo, já tinham alterado a sua posição, por reconheceram algumas vantagens e por entenderem que não era salutar estar a alterar sucessivamente a organização judiciária. Cf. DAR, 12 de Junho de 1996, I.ª série, Número 81.

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A evolução do sistema da organização da justiça após a Constituição de 1976 121

juízes (Lei n.º 37/96 de 31 de Agosto) e a criação de tribunais de turno (Lei n.º

44/96, de 3 de Setembro).

Posteriormente, em 21 de Setembro de 1996, seria publicado o Decreto-

Lei n.º 173/96 que respondeu à informação do Conselho Superior da

Magistratura relativa à “necessidade urgente do aumento do quadro de juízes

em três círculos judiciais e da criação de alguns juízos em tribunais de 1ª

instância pela manifesta e crescente desproporção entre a sua actual

composição e a complexidade e acréscimo do volume de serviço”114. Em

conformidade, o referido diploma criou vinte e cinco novos juízos com o

correspondente igual aumento dos quadros de juízes e de vinte e quatro

delegados do procurador da República, sendo também aumentado num juiz o

quadro de magistrados dos círculos judiciais de Guimarães, Santarém e Vila

Franca de Xira. Na generalidade dos tribunais abrangidos por esta medida, o

serviço vinha sendo assegurado pelo reforço de magistrados auxiliares.

O Quadro II.7 mostra a organização judiciária de acordo com o

Decreto-Lei n.º 173/96, de 21 de Setembro.

114 Cf. Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 173/96, de 21 de Setembro.

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122 A Geografia da Justiça: para um novo mapa judiciário

Quadro II.7 Círculos, comarcas e tribunais – Decreto-Lei n.º 173/96, de 21 de Setembro

Coimbra Évora Lisboa Porto TotalCírculos 12 10 14 22 58Comarcas 61 47 39 80 227Tribunais de círculo 18 14 19 28 79Tribunais auxiliares de círculo 0 1 2 0 3Tribunais de comarca 40 32 18 47 137Juízos de competência genérica 39 27 28 49 143Tribunais de família e menores 3 3 2 1 9Tribunais de menores 0 0 3 1 4Tribunais de família 0 0 3 2 5Tribunais do trabalho 11 9 16 26 62Tribunais marítimos 0 1 3 0 4Varas cíveis 0 0 13 6 19Juízos cíveis 15 11 36 43 105Juizos de pequena instância cível 0 0 9 0 9Tribunais cíveis auxiliares 0 0 2 1 3Juízos de pequena instância mista 0 0 1 1 2Tribunais de instrução criminal 0 0 5 2 7Varas criminais 0 0 10 4 14Juízos criminais 12 9 28 34 83Juizos de pequena instância criminal 0 0 1 1 2Tribunais de execução das penas 1 1 4 2 8

Fonte: OPJ

2.2.7. O Decreto-Lei n.º 110/98, de 24 de Abril

Aquando da ultimação do projecto de proposta de uma nova LOTJ, foi

publicado, em 24 de Abril de 1998, o Decreto-Lei n.º 110/98, que criou onze

novos juízos, com o correspondente aumento de quadro de magistrados,

medida esta que se enquadrou nas reformas parcelares da organização

judiciária, e, mais precisamente, na ideia de “manutenção dos tribunais de

comarca como traves mestras dos tribunais judiciais de 1ª instância”115. Este

diploma visava responder apenas a situações extremas, já que a nova LOTJ e

o respectivo diploma regulamentar iriam operar o redimensionamento dos

tribunais judiciais.

115 Cf. Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 110/98, de 24 de Abril.

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A evolução do sistema da organização da justiça após a Constituição de 1976 123

O Quadro II.8 mostra a organização judiciária de acordo com o

Decreto-Lei n.º 110/98, de 24 de Abril.

Quadro II.8 Círculos, comarcas e tribunais – Decreto-Lei n.º 110/98, de 24 de Abril

Coimbra Évora Lisboa Porto TotalCírculos 12 10 14 22 58Comarcas 61 47 39 80 227Tribunais de círculo 18 14 19 28 79Tribunais auxiliares de círculo 0 1 2 0 3Tribunais de comarca 39 32 18 45 134Juízos de competência genérica 43 27 31 54 155Tribunais de família e menores 3 3 2 1 9Tribunais de menores 0 0 3 1 4Tribunais de família 0 0 3 2 5Tribunais do trabalho 11 9 16 26 62Tribunais marítimos 0 1 3 0 4Varas cíveis 0 0 13 6 19Juízos cíveis 15 11 36 44 106Juizos de pequena instância cível 0 0 9 0 9Tribunais cíveis auxiliares 0 0 2 1 3Juízos de pequena instância mista 0 0 1 1 2Tribunais de instrução criminal 0 0 5 2 7Varas criminais 0 0 10 4 14Juízos criminais 12 9 28 34 83Juizos de pequena instância criminal 0 0 1 1 2Tribunais de execução das penas 1 1 4 2 8

Fonte: OPJ

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124 A Geografia da Justiça: para um novo mapa judiciário

3. A Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais de

1999: a extinção dos tribunais de círculo

3.1. A Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro

A aprovação da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, implicou também a

mudança da sua designação, para Lei de Organização e Funcionamento dos

Tribunais Judiciais (LOFTJ). Desde logo, no preâmbulo do Decreto-Lei

n.º 186-A/99, de 31 de Maio, que regulamenta a LOFTJ, alerta-se para o facto

de este diploma “estruturante da organização judiciária, bem como o respectivo

regulamento, não bastam de per si, como não bastaram os diplomas editados

sobre a matéria a partir da ruptura constitucional de 1976, para fazer inflectir a

situação difícil em que, há anos, se encontra a administração da justiça,

consequência de fenómenos de natureza interdisciplinar”.

Esta nova Lei introduziu algumas alterações aos princípios estruturantes

da própria organização judiciária, como a previsão do princípio de

administração gestionária da justiça116 e do princípio de cooperação entre os

vários intervenientes na aplicação da justiça: juízes, magistrados do Ministério

Público (MP) e advogados. Introduziu, ainda, a figura dos assessores, não só

para os tribunais superiores, mas também para os de primeira instância quando

o serviço o justificasse, quer junto dos juízes, quer junto dos magistrados do

MP. Esta medida visava combater a pendência processual e aumentar a

eficiência, prevendo a delegação dos magistrados nos assessores da execução

de tarefas mais simples.

116 A Lei n.º 3/99 criou as bolsas de juízes para actuarem em tribunais, juízos ou varas onde se verificasse a ausência de juízes ou onde o volume de serviço o exigisse. Estabeleceu, igualmente, a presidência bianual dos tribunais, no caso de haver mais de um juiz, atribuindo-lhe competências administrativas. Neste âmbito, e quando o serviço o justificasse, contemplava a possibilidade de existência de um administrador do tribunal que coadjuvasse o presidente, com competências ao nível da gestão e manutenção dos equipamentos e serviços do tribunal.

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A evolução do sistema da organização da justiça após a Constituição de 1976 125

A LOFTJ actualizou, também, os valores das alçadas dos tribunais cíveis

e alterou a organização interna dos tribunais superiores117. Introduziu, também,

a possibilidade de aumentar o número de tribunais de Relação, sempre que o

volume processual o justificasse (foi prevista a criação de uma extensão em

Guimarães e de outra em Faro).

A principal alteração à estrutura da organização judiciária foi, contudo, a

extinção dos tribunais de círculo.

A lei previa alguma flexibilização das estruturas consoante as

necessidades de cada circunscrição e possibilitou o desdobramento dos

tribunais, não só em juízos, mas, também, em varas de competência

especializada e/ou específica.

Uma maior especialização dos tribunais foi uma das soluções

encontradas na tentativa de resolver alguns problemas de eficácia e da

eficiência dos tribunais, embora os critérios que os instituíram nem sempre

tenham sido claros ou consensuais. Instituíram-se, para além dos juízos ou

varas de competência especializada cível e criminal, os tribunais de instrução

criminal, de família, de menores, de trabalho, de comércio, marítimos e de

execução das penas.

As disposições finais incluíam a forma de acesso a juízes de círculo, bem

como magistrados equiparados a esta categoria em termos remuneratórios, por

exercerem funções em tribunais de família, de menores, de comércio,

117 Quanto ao Supremo Tribunal de Justiça, para além de algumas alterações na organização e conteúdo dos artigos, reduziu-se para 3/4 os juízes necessários para se poderem efectuar as sessões plenas (antes eram 4/5) e introduziu-se a existência de turnos de férias, sob a coordenação do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e do Procurador-Geral da República. As competências do plenário, do pleno das secções e das secções foram reorganizadas e delimitadas, no sentido de lhes conferir maior operacionalidade. Foi inserida a possibilidade de o Conselho Superior de Magistratura designar juízes para o Supremo Tribunal da Justiça, quando o serviço o justificasse. No que respeita aos tribunais de Relação, foram introduzidas as categorias de agentes do MP que deveriam estar representadas, o mesmo acontecendo com o quadro de juízes, ficando os respectivos Conselho Superiores encarregados das nomeações.

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126 A Geografia da Justiça: para um novo mapa judiciário

marítimos, de trabalho, de execução de penas e de instrução criminal, ou seja,

todos os tribunais designados de competência especializada118.

3.2. O Decreto-Lei n.º 186-A/99, de 31 de Maio

Como já referimos, o Decreto-Lei n.º 186-A/99, de 31 de Maio,

regulamentou a Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (LOFTJ). De acordo com o

Preâmbulo deste diploma, o regulamento da LOFTJ seria “exequível, no

imediato e no curto prazo”, pois tendo sido “diagnosticadas as distorções,

conhecida a curva evolutiva do movimento processual, avaliadas as

capacidades em meios humanos e em meios materiais” restava pôr em prática

as reformas.

Este diploma previu um tratamento excepcional para a comarca de

Lisboa, na qual havia dado entrada, em 1998, cerca de um terço dos processos

instaurados em Portugal. Naquela data, considerando-se que não era ainda

viável atribuir idêntico tratamento à comarca do Porto, pois as infra-estruturas

indispensáveis para o alargamento dos tribunais sedeados no Porto,

designadamente dos tribunais cíveis, não permitia prever, ainda, a instalação

de varas cíveis, pelo que teriam de permanecer os juízos cíveis, absorvendo a

competência material que a LOFTJ atribuíra às varas.

Na comarca de Lisboa, os 17 juízos cíveis foram convertidos em 17 varas

cíveis, nas quais, após 15 de Setembro de 1999, iriam dar entrada processos

118 Esta disposição, por se relacionar com o estatuto dos juízes, deveria estar apenas consagrada no Estatuto dos Magistrados Judiciais, mas como a LOFTJ foi publicada antes da sua alteração, antecipou-se a sua entrada em vigor. O artigo 147.º garantia, igualmente, que a aplicação da nova LOFTJ, face às alterações na organização dos tribunais, não implicaria de modo algum a diminuição do nível remuneratório dos magistrados. No que respeita às modificações de carácter estatutário, verificou-se um “alargamento” das categorias superiores, sem a respectiva compensação ao nível da sua substituição, facto que exigiria pelo menos uma fase transitória. Face às disposições contidas nesta lei, era de prever que este “alargamento” continuasse, em especial nos tribunais superiores. Ao contrário do que chegou a ser aventado, a perspectiva de progressão na carreira continuou ligada à subida para os tribunais superiores, optando-se pela solução mais fácil e consensual: o alargamento dos quadros superiores.

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A evolução do sistema da organização da justiça após a Constituição de 1976 127

novos, na maioria, acções declarativas ordinárias e execuções de valor

superior a 3.000 contos. De forma paralela, previa-se a criação e instalação de

juízos cíveis e o aumento do número de juízos de pequena instância cível.

Foi, ainda, flexibilizado o serviço urgente previsto no Código de Processo

Penal e na Organização Tutelar de Menores. O serviço urgente aos sábados e

feriados que não recaíssem a um domingo, foi, em regra, reservado ao

interrogatório de detidos por suspeita de crimes graves e a intervenções no

âmbito da acção tutelar, tendo sido corrigido o suplemento remuneratório pela

prestação de trabalho extraordinário.

Além do caso da comarca de Lisboa, o Preâmbulo referia que “coexistem

dois países judiciários diversos, o de algumas comarcas com enorme

movimento processual e o de outras comarcas, embora muito divergentes, em

que o movimento se gradua entre o aceitável e o muito reduzido”. Por essa

razão, o modelo organizativo das comarcas de Lisboa e Porto foi aplicado a

algumas outras comarcas, tendo alguns tribunais sido desdobrados em juízos

de competência especializada e específica. Deste modo, a intenção da LOFTJ

de reabilitar a comarca como célula-base da organização judiciária não sofreu

qualquer desvio com a ideia da criação das varas cíveis e criminais, que

apenas eram “parcelas dos tribunais comarcãos”. Todavia, como o volume de

processos crime, na maior parte das comarcas, não era significativo para a

criação de varas criminais, foram criadas varas com competência mista, cível e

criminal, nas comarcas de Braga, Coimbra, Funchal, Guimarães, Loures,

Setúbal, Sintra e Vila nova de Gaia.

Devido à considerada má experiência da passagem dos processos

pendentes para os novos tribunais, decidiu-se adoptar o princípio de que a

competência se fixa no momento em que a acção é proposta, e,

consequentemente, nenhum processo transitou para os novos tribunais,

excepto nos casos de extinção do órgão a que a causa estava afecta.

O Decreto-Lei n.º 186-A/99, de 31 de Maio, criou, também, os Tribunais

da Relação de Faro e de Guimarães, embora tal medida não tenha implicado a

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128 A Geografia da Justiça: para um novo mapa judiciário

criação de novos distritos judiciais. Criou, ainda, as comarcas e os respectivos

tribunais de Almeirim, Bombarral, Lagoa, Mealhada, Mira e Sever de Vouga.

No que se refere aos tribunais especializados, criou o Tribunal Central de

Instrução Criminal, os tribunais de instrução criminal de Coimbra e de Évora, e

os tribunais de família e menores do Barreiro, Cascais, Loures, Portimão,

Seixal, Sintra e Vila Franca de Xira. Os tribunais de família e os tribunais de

menores do Porto e de Lisboa foram convertidos em tribunais de família e

menores, com competência especializada mista.

Criou, também, 12 varas com competência mista e 72 novos juízos, por

meio do desdobramento de tribunais de comarca, de tribunais de família e

menores, de tribunais de trabalho e de tribunais de comércio. Foram

convertidos em juízos de competência especializada, cível e criminal, os juízos

de competência genérica dos tribunais das comarcas do Barreiro, Loulé,

Portimão e Vila do Conde. Converteram-se, ainda, em juízos cíveis e em juízos

criminais (de competência específica) os juízos de competência especializada

cível e criminal das comarcas dotadas de varas.

Embora criados, só 3 dos novos tribunais, 17 juízos e 8 varas foram

efectivamente declarados instalados. Quanto aos outros tribunais, juízos e

varas previa-se a sua instalação, a curto prazo, através de portaria, dado que

estavam a decorrer obras, quer de construção, quer de alargamento, em vários

tribunais.

Só em 16 de Junho de 1999, através da Portaria n.º 433/99, foram criadas

secretarias destinadas a assegurar a tramitação do procedimento de injunção

em Lisboa e no Porto.

O Quadro II.9 mostra a organização judiciária de acordo com o

Decreto-Lei n.º 186-A/99, de 31 de Maio.

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A evolução do sistema da organização da justiça após a Constituição de 1976 129

Quadro II.9 Círculos, comarcas e tribunais – Decreto-Lei n.º 186-A/99, de 31 de Maio

Coimbra Évora Lisboa Porto TotalCírculos 13 9 14 19 55Comarcas 65 47 42 79 233Tribunais de comarca 41 30 18 41 130Juízos de competência genérica 51 24 36 64 175Tribunais de família e menores 3 5 17 4 29Tribunais do trabalho 13 9 18 26 66Tribunais marítimos 0 1 3 1 5Tribunais do comércio 0 0 3 2 5Varas cíveis 0 0 17 4 21Juízos cíveis 17 18 46 64 145Juizos de pequena instância cível 0 0 15 0 15Varas mistas 1 1 5 5 12Tribunais de instrução criminal 1 1 5 3 10Varas criminais 0 0 9 4 13Juízos criminais 12 13 32 36 93Juizos de pequena instância criminal 0 0 2 1 3Tribunais de execução das penas 1 1 4 2 8

Fonte: OPJ

3.3. O Decreto-Lei n.º 178/2000, de 9 de Agosto

Cerca de um ano após a regulamentação da LOFTJ, o Governo

considerou necessário alterar, de novo, as estruturas da organização judiciária.

De acordo com o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 178/2000, de 9 de Agosto, o

Ministério da Justiça e o Conselho Superior da Magistratura identificaram três

situações que necessitavam de intervenção urgente. A primeira dessas

situações era relativa à insuficiência de meios humanos, que a instalação de

novos tribunais ou juízos, já previstos no regulamento da LOFTJ, ou a criação

de novos juízos para reforçar os existentes implicava. Outra medida passava

pela nomeação de juízes auxiliares pelo período estritamente necessário à

regularização do movimento processual de tribunais com juízos que

apresentassem uma pendência superior a 1.500 processos. A terceira medida

relacionava-se com a nomeação de assessores para tribunais com juízos nos

quais, em 1999, haviam sido distribuídos mais de 1.000 processos por

magistrado.

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130 A Geografia da Justiça: para um novo mapa judiciário

Devido à carência de magistrados judiciais, a concretização da

reestruturação da organização judiciária que o Decreto-Lei n.º 178/2000

implicava, foi repartida entre Setembro de 2000 e Janeiro de 2001. Nos termos

do Preâmbulo deste diploma, estava prevista, para Janeiro de 2001, a

nomeação de magistrados para alguns juízos cíveis de Lisboa e do Porto e a

nomeação de juízes de círculo para a comarca da Amadora.

O Decreto-Lei n.º 178/2000 previu, igualmente, a criação de dois juízos de

pequena instância criminal em Loures e a instalação de cinco comarcas criadas

em 1999: Almeirim, Bombarral, Mealhada, Mira e Sever do Vouga. Para além

destes tribunais, o Decreto-Lei n.º 178/2000, criou, ainda, tribunais de família e

menores em Matosinhos e em Vila Nova de Gaia.

Na comarca do Porto, foram convertidos em varas cíveis os 9 juízos antes

existentes, tendo sido instalados 4 novos juízos cíveis e um tribunal de

pequena instância cível. Em Lisboa, o legislador transformou os 12 juízos do

tribunal de pequena instância cível que haviam sido instalados em juízos

liquidatários, dado terem, à data, cerca de 24.000 processos pendentes. Criou,

no seu lugar, outros 12 novos juízos, de forma a poderem apreciar os cerca de

60.000 novos processos entrados, anualmente, naquele tribunal.

Atendendo ao movimento processual registado, foram “recriados”, por

este Decreto-Lei, os círculos judiciais da Maia, de Vila Nova de Famalicão e de

Loulé.

O Quadro II.10 mostra a organização judiciária de acordo com o

Decreto-Lei n.º 178/2000, de 9 de Agosto.

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A evolução do sistema da organização da justiça após a Constituição de 1976 131

Quadro II.10 Círculos, comarcas e tribunais – Decreto-Lei n.º 178/2000, de 9 de Agosto

Coimbra Évora Lisboa Porto TotalCírculos 13 10 14 21 58Comarcas 65 47 42 79 233Tribunais de comarca 41 30 18 41 130Juízos de competência genérica 51 25 33 65 174Tribunais de família e menores 3 5 17 6 31Tribunais do trabalho 13 9 18 26 66Tribunais marítimos 0 1 3 1 5Tribunais do comércio 0 0 3 2 5Varas cíveis 0 0 17 9 26Juízos cíveis 17 18 52 60 147Juizos de pequena instância cível 0 0 15 3 18Varas mistas 1 1 5 5 12Tribunais de instrução criminal 1 1 5 3 10Varas criminais 0 0 9 4 13Juízos criminais 12 13 36 36 97Juizos de pequena instância criminal 0 0 4 1 5Tribunais de execução das penas 1 1 4 2 8

Fonte: OPJ

3.4. O Decreto-Lei n.º 246-A/2001, de 14 de Setembro

Este diploma procedeu apenas à adequação do mapa anexo ao

regulamento da LOFTJ, tendo em atenção a criação dos 12 juízos de pequena

instância cível em Lisboa, pelo Decreto-Lei n.º 178/2000, de 9 de Agosto.

Reservou, igualmente, para os tribunais de família e menores a competência

para efeitos de execução das convenções internacionais em que o Instituto de

Reinserção Social era autoridade central.

3.5. O Decreto-Lei n.º 148/2004, de 21 de Junho

Com a introdução da reforma da acção executiva, o legislador entendeu,

que seria, novamente, necessário adequar a organização judiciária às novas

exigências, criando através do Decreto-Lei n.º 148/2004, de 21 de Junho,

juízos com competência específica para o processo executivo. Assim, com o

objectivo de reduzir a pendência média total de vários juízos e varas,

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132 A Geografia da Justiça: para um novo mapa judiciário

especialmente as de Lisboa e do Porto, devido à prevalência das acções

executivas naqueles tribunais119 e, também, no sentido de especializar

unidades orgânicas na tramitação do novo processo executivo, visando uma

maior eficácia e eficiência, foram criados juízos de execução em Lisboa, Porto,

Guimarães, Loures, Maia, Oeiras e Sintra.

O Quadro II.11 mostra a organização judiciária de acordo com o

Decreto-Lei n.º 148/2004, de 21 de Junho.

Quadro II.11 Círculos, comarcas e tribunais – Decreto-Lei n.º 148/2004, de 21 de Junho

Coimbra Évora Lisboa Porto TotalCírculos 13 10 14 21 58Comarcas 65 47 42 79 233Tribunais de comarca 41 30 18 41 130Juízos de competência genérica 51 25 33 65 174Tribunais de família e menores 3 5 17 6 31Tribunais do trabalho 13 9 18 26 66Tribunais marítimos 0 1 3 1 5Tribunais do comércio 0 0 3 2 5Varas cíveis 0 0 17 9 26Juízos cíveis 17 18 52 60 147Juizos de pequena instância cível 0 0 12 3 15Juízos de execução 0 0 6 4 10Varas mistas 1 1 5 5 12Tribunais de instrução criminal 1 1 5 3 10Varas criminais 0 0 9 4 13Juízos criminais 12 13 36 36 97Juizos de pequena instância criminal 0 0 4 1 5Tribunais de execução das penas 1 1 4 2 8

Fonte: OPJ

3.6. O Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março

Este diploma introduziu profundas alterações no âmbito da legislação

societária, adoptando medidas que actualizam e flexibilizam os modelos de

119 Ao abrigo do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, tornou-se possível a redistribuição dos processos executivos para estes novos juízos de execução.

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A evolução do sistema da organização da justiça após a Constituição de 1976 133

governo das sociedades anónimas e medidas de simplificação e eliminação de

actos e procedimentos notariais e registrais. O Decreto-Lei prevê, ainda, novas

regras para a dissolução de entidades comerciais, incluindo sociedades

comerciais, cooperativas e estabelecimentos individuais de responsabilidade

limitada.

No que se refere à Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais

Judiciais, aquele diploma veio alterar a competência dos tribunais de comércio,

alargando-a à preparação e julgamento dos processos de insolvência; às

acções de liquidação judicial de sociedades; às impugnações dos despachos

dos conservadores do registo comercial; e às impugnações das decisões

proferidas pelos conservadores no âmbito dos procedimentos administrativos

de dissolução e de liquidação de sociedades comerciais.

As principais alterações no âmbito da actual Lei de Organização e

Funcionamento dos Tribunais Judiciais

A actual Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais

(LOFTJ) introduziu um corte com aquilo que tinha sido, desde 1987, um dos

princípios basilares da organização judiciária: os tribunais de círculo. Apesar de

algumas vozes dissidentes, que entendiam que os tribunais de círculo estavam

a ter, finalmente, a efectividade prática que a reforma de 1987 tinha idealizado,

o Governo entendeu extingui-los. A decisão política tinha, como pressuposto, a

ineficácia de uma reforma que nunca tinha sido implementada na sua

totalidade. Resulta da discussão tida na Assembleia da República, aquando da

aprovação da Proposta de Lei que deu lugar à LOFTJ, que mesmo Vera

Jardim, que defendia a extinção dos tribunais de círculo, entendia que alguns

funcionavam bem, mas “apoiados numa dimensão processual diminuta, criando

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134 A Geografia da Justiça: para um novo mapa judiciário

desequilíbrio com os tribunais de comarca, afectados, aliás, por aquele

fenómeno da deslocação sistemática para a constituição dos colectivos”120.

Além da alteração significativa, a organização judiciária evoluiu no sentido

da especialização dos tribunais em determinadas matérias, como família e

menores, comércio, instrução criminal e trabalho, sempre com o objectivo de

dotar a administração da justiça de mais eficácia e eficiência. Estes tribunais

foram instituídos, contudo, de acordo com os princípios que informavam os

tribunais de círculo aquando da sua criação: ampla área de competência

territorial e a obrigatoriedade de deslocação dos cidadãos às sedes do círculo

judicial.

Uma das principais dificuldades induzidas por esta reforma foi a da

criação de uma grande diversidade de tipos de tribunais de competência

específica e de competência especializada.

Os tribunais de comarca, dada a sua competência residual para a

resolução dos litígios atribuídos à jurisdição comum, vêem a sua competência

definida pela inclusão ou não inclusão de uma determinada comarca nas áreas

de jurisdição dos vários tribunais de competência especializada.

O legislador privilegiou, igualmente, a criação de tribunais de competência

específica, (varas, juízos e juízos de pequena instância) em comarcas cujo

volume processual o justificasse, mas não definiu critérios objectivos que

permitissem determinar quais as comarcas, em que situações e a partir de

quando se deveriam criar estes tribunais. Esta medida não teve, nem a

aplicabilidade prática, nem a eficácia que o legislador previu, devido, também,

em grande parte, à relativamente pequena área de competência territorial

destes tribunais. Também as opções da especialização dos tribunais de família

e menores, comércio, instrução criminal e trabalho não foram levadas à sua

última consequência, de modo a incluírem na sua jurisdição todo o território.

120 Cf. DAR, n.º 2, de 18 de Setembro de 1998, pág. 58.

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A evolução do sistema da organização da justiça após a Constituição de 1976 135

Um dos problemas apontados à reforma de 1999 foi o de manter os juízes

de círculo como presidentes dos tribunais colectivos. Na prática, apesar de

extintos, os tribunais de círculo continuaram a existir, não como organização,

mas como instância de resolução de determinados litígios, dado que os juízes

de círculo conservaram competências e staff próprios, mantendo uma vocação

itinerante, como era a dos tribunais de círculo antes da reforma de 1999, pois

deslocam-se, obrigatoriamente, aos tribunais de comarca para realizar

julgamentos. Esta foi, portanto, uma solução de compromisso que manteve, na

prática, os problemas de organização e coordenação de julgamentos existente

antes de 1999. Só mais tarde, em 2001, com algumas reformas avulsas

introduzidas no processo penal e no processo civil, o legislador conseguiu

diminuir os problemas existentes ao reduzir consideravelmente a realização de

julgamentos com a intervenção do tribunal colectivo em processos cíveis, quer

com a gravação da prova, quer possibilitando, num maior número de casos, o

julgamento em tribunal singular.

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136 A Geografia da Justiça: para um novo mapa judiciário

4. As reformas de desjudicialização e de simplificação processual

Como referimos na introdução deste capítulo, o aumento exponencial de

processos nas últimas décadas tem impulsionado os diferentes Governos a

promover uma pluralidade de reformas com o objectivo principal de evitar a

ruptura dos tribunais judiciais. De entre essas soluções, refira-se a aposta na

criação de instrumentos e soluções “alternativas” ao modelo formal e

profissionalizado da justiça (processos, instâncias e instituições) ou atribuindo

novas competências a instituições já existentes de modo a desviar parte da

procura dos tribunais judiciais121. Aquelas soluções têm, assim, vindo a assumir

entre nós, à semelhança do que aconteceu em outros países, crescente

relevância, concretizando-se em medidas como a criação de centros de

arbitragem para diversos tipos de conflitos e de julgados de paz, a introdução

da conciliação e mediação e a atribuição de competências aos conservadores

de registo civil para a realização de divórcios por mútuo consentimento. No

âmbito da reforma da acção executiva, foi atribuída aos solicitadores de

execução um conjunto de funções anteriormente da competência dos juízes.

No que respeita à justiça penal, assistimos à descriminalização de certas

condutas, como a emissão de cheques sem provisão com função de garantia e

até certo montante e do consumo de estupefacientes. Mais recentemente, o

Governo adoptou ou tem em projecto um conjunto de medidas com o objectivo

de descongestionar os tribunais, não só tendo em vista a prestação de um

serviço mais célere, mas também de melhor qualidade. Foram adoptadas

medidas que actuam sobre a procura com alcance temporária ou limitado,

como é o caso da desistência, por parte do Estado, de todas as acções

executivas por dívidas de custas, multas processuais e outros valores contados

e medidas de alcance mais estrutural. Estão entre estas últimas a conversão

das transgressões em contra-ordenações, a modificação do regime jurídico dos

prémios de seguros, fazendo depender a produção de efeitos dos seguros se o

121 Sobre esta temática, cf. Pedroso (coord.), 2001.

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A evolução do sistema da organização da justiça após a Constituição de 1976 137

prémio for pago antes da sua renovação, o alargamento do procedimento de

injunção para dívidas até 14.963,94 Euros e a descriminalização dos cheques

sem provisão com valor inferior a 150 Euros.

Na área das reformas processuais, tivemos, no caso do processo civil,

reformas significativas no que respeita à simplificação de alguns procedimentos

(com a alteração das citações, das notificações, no tornar mais difícil o

adiamento das audiências de julgamento, na simplificação dos articulados e

dos recursos e, sobretudo, a criação de novas formas especiais de processo,

nomeadamente a injunção). Na parte do direito processual penal, foi

introduzida, em 1995, uma nova forma especial de processo - o processo

abreviado - com o objectivo de tornar mais célere o julgamento de crimes

menos graves (crimes puníveis com pena de prisão inferior a 5 anos) sem

grandes dificuldades de investigação, de que se destaca os crimes de

condução em estado de embriaguez, os crimes de emissão de cheque sem

provisão e os crimes de condução sem habilitação legal, reforma que, contudo,

como mostram as estatísticas da justiça, tem tido um alcance prático ainda

limitado.

O actual Governo pretende, também, intervir no âmbito processual. Além

das reformas em discussão relativas ao processo penal, destacam-se, ainda,

um conjunto de outras medidas, como as que obrigam o autor, nas acções

destinadas a exigir o cumprimento de obrigações, a propor as acções no

tribunal do domicílio do réu - esta medida tem como objectivos centrais evitar a

concentração da litigância de massa e promover a proximidade da justiça; o

regime especial e experimental de processo civil, que introduz vários

mecanismos de agilização processual; e a reforma que prevê a possibilidade

de mediação institucionalizada em processo penal.

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138 A Geografia da Justiça: para um novo mapa judiciário

Conclusões

Nos quase 30 anos que já decorreram desde a primeira Lei de

Organização Judiciária do pós-25 de Abril foram várias as reformas

implementadas, umas de carácter mais geral e outras com intervenções

avulsas mais pontuais, que vieram alterar o sistema de organização da justiça

com reflexos na sua divisão territorial. Para além das reformas legais

enumeradas neste Capítulo, outras reformas tiveram reflexo na organização

dos tribunais judiciais e na divisão judicial do território, como é o caso das

alterações aos estatutos das profissões forenses, à orgânica do Centro de

Estudos Judiciários e à orgânica do Ministério da Justiça, e as alterações no

âmbito do processo civil e do processo penal. Contudo, as alterações operadas

pelas LOTJ e pela LOFTJ foram as que, naturalmente, mais influenciaram

directamente a oferta institucional da justiça e as áreas de competência

territorial dos tribunais.

Em Portugal, à semelhança de outros países da Europa, os modelos

estruturais de organização judiciária têm resistido, sem grandes alterações, às

transformações políticas, sociais e económicas, mantendo uma linha de

continuidade, que, no essencial, as mudanças introduzidas não modificaram,

com excepção das que derivaram do processo de democratização do país. No

que diz respeito à evolução do mapa judiciário, verificamos que, nos últimos

trinta anos, houve apenas uma reforma que, concretizada na sua plenitude,

poderia ter alterado a matriz da divisão judicial do território, mas que não foi

bem sucedida.

Tendo em atenção as mudanças mais importantes que ocorreram na

organização judiciária em Portugal após a Constituição de 1976, podemos

identificar três períodos: o primeiro período, de 1977 a 1987, em que ocorre a

transição e consolidação do Estado de Direito democrático e em que se

procedeu às reformas judiciárias necessárias à dignificação e democratização

do poder judicial e ao corte com o sistema judicial vigente durante o Estado

Novo; o segundo período, de 1987 a 1999, dominado pela controvérsia sobre

os tribunais de círculo e pela crescente desadaptação dos tribunais ao

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A evolução do sistema da organização da justiça após a Constituição de 1976 139

crescimento exponencial da procura; e o terceiro período, de 1999 até à

actualidade, em que se extinguiu os tribunais de círculo e se registou uma

tentativa de adaptação da oferta de justiça à procura crescente, através da

disponibilização de mais meios físicos e humanos e do reforço da

informatização, assim como da incorporação na política pública de justiça das

ideias de simplificação processual e de desjudicialização, em especial através

dos meios alternativos de resolução de litígios.

A reforma de 1977 alterou a tendência de coincidência entre a divisão

administrativa e a divisão judicial e previa a possibilidade de criação de

tribunais com competência territorial para um distrito ou círculo judicial.

Contudo, apesar do reconhecimento da necessidade de inclusão no sistema de

organização da justiça de critérios que permitissem uma melhor adequação da

organização e divisão judiciárias às dinâmicas sócio-económicas do território, a

reforma, fundando-se em exigências de natureza política, social e económica,

manteve intacto o modelo de proximidade geográfica da justiça face aos

cidadãos, com a comarca como matriz territorial do sistema judicial, bem como

o tradicional agrupamento das comarcas em círculos e em distritos judiciais.

Mais, apesar de reconhecer que o país se encontrava partilhado num número

excessivo de circunscrições, algumas sem justificação, avançou-se para a

criação de mais comarcas e mais círculos judiciais.

O ordenamento judicial do território foi um dos domínios em que o

Governo procurou inovar com a reforma de 1987. A circunscrição base

continuou a ser a comarca. Contudo, em alguns casos, previa-se uma

distribuição interna da jurisdição por tribunais com competências territoriais

diferenciadas, como era, em especial, o caso dos tribunais de círculo para o

julgamento dos litígios de maior valor e para os crimes mais graves. A comarca

continuou, assim, a determinar a competência dos tribunais para a maioria dos

litígios.

A reforma pretendia, ainda, dotar o sistema de justiça, numa perspectiva

alargada, de meios que lhe permitissem assegurar uma efectiva capacidade de

resposta, fazendo convergir no círculo todos os instrumentos indispensáveis a

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140 A Geografia da Justiça: para um novo mapa judiciário

uma moderna administração da justiça, designadamente no âmbito da

reinserção social, medicina legal, peritagem, etc.

As várias alterações àquela lei visaram, sobretudo, “levar” os tribunais de

círculo às populações, nunca se conseguindo introduzir uma administração

coordenada, ao nível do círculo judicial, dos meios ao serviço da justiça. Neste

período foram criados vários círculos e algumas comarcas, apesar de o

Decreto-Lei de 1993 defender, mais uma vez, a essencialidade de se analisar e

modificar o reordenamento judicial do território com base no movimento

processual registado, alterando-o de acordo com as especificidades de cada

comarca.

Em 1999, foi aprovada a Lei n.º3/99, de 13 de Dezembro, que introduziu o

actual sistema de organização territorial da justiça. Merece, desde logo,

destaque o facto de o Decreto-lei que a regulamentou alertar para a

circunstância de aquelas reformas serem insuficientes para fazer inflectir a

situação, que se reconhecia difícil, em que há anos se encontrava a justiça.

Previa-se, ainda, a introdução de assessores, não só para os tribunais

superiores, mas também para os de primeira instância quando o serviço o

justificasse, quer junto dos juízes, quer junto dos magistrados do Ministério

Público.

A principal alteração à estrutura da organização judiciária foi a extinção

dos tribunais de círculo. Os círculos passaram, contudo, a definir, na maior

parte dos casos, a competência territorial dos tribunais especializados, assim

como a competência territorial dos juízes de círculo.

Esta reforma veio criar uma grande diversidade de tipos de tribunais de

competência específica e de competência especializada, o que, para alguns,

constitui um problema para o sistema de organização judiciária. Na verdade, a

organização judiciária evoluiu no sentido da especialização dos tribunais em

determinadas matérias, como família e menores, comércio, instrução criminal e

trabalho, sempre com o objectivo de dotar a administração da justiça de mais

eficácia e eficiência. Os tribunais de comarca, dada a sua competência residual

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A evolução do sistema da organização da justiça após a Constituição de 1976 141

para a resolução dos litígios atribuídos à jurisdição comum, viram, assim, a sua

competência definida pela inclusão ou não inclusão de uma determinada

comarca nas áreas de jurisdição dos tribunais de competência especializada.

O legislador privilegiou, igualmente, a criação de tribunais de competência

específica (varas, juízos e juízos de pequena instância) em comarcas cujo

volume processual o justificasse, mas não definiu critérios objectivos que

permitissem determinar quais as comarcas, em que situações e a partir de

quando se deveriam criar estes tribunais.

Aquele diploma previu, ainda, um tratamento excepcional para a comarca

de Lisboa, designadamente criando 17 varas cíveis.

As diversas alterações no âmbito do ordenamento judicial do território não

se fundaram na prévia definição de critérios claros e objectivos, nem em

estudos empíricos. Acresce que, várias vezes, se verificou uma clara disjunção

entre os pressupostos enunciados e as propostas apresentadas. Por exemplo,

ao mesmo tempo que se considerava que a diminuição das distâncias

geográficas em resultado do desenvolvimento das acessibilidades, a alteração

da densidade demográfica e do desenvolvimento industrial, o

congestionamento dos serviços, o movimento processual registado nas

respectivas comarcas, o crescente aumento dos recursos humanos e materiais

e a necessidade de rentabilização dos recursos disponíveis deveriam levar ao

reordenamento judicial do território, a verdade é que nenhuma consequência

se retirava daqueles pressupostos. E, hoje, o actual sistema de organização da

justiça é resultado da contínua criação de mais comarcas, mais círculos e mais

tribunais, seja de competência genérica, especializada ou específica, apesar de

o legislador reconhecer que as dinâmicas territoriais, demográficas e sócio-

económicas, exigiam outro tipo de respostas organizacionais.

Na última década, os diferentes Governos têm apostado na criação de

instrumentos e soluções “alternativas” ao modelo formal e profissionalizado da

justiça. Aquelas soluções têm, assim, vindo a assumir entre nós, à semelhança

do que aconteceu em outros países, crescente relevância, concretizando-se

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142 A Geografia da Justiça: para um novo mapa judiciário

em medidas como a criação de centros de arbitragem para diversos tipos de

conflitos e de julgados de paz; a conciliação e mediação; a atribuição de

competências aos conservadores de registo civil para a realização de divórcios

por mútuo consentimento; a atribuição aos solicitadores de execução de um

conjunto de funções anteriormente da competência dos juízes; e a

descriminalização de certas condutas, como a emissão de cheques sem

provisão com função de garantia e até certo montante e do consumo de

estupefacientes.

Mais recentemente, o Governo adoptou ou tem em projecto um conjunto

de medidas com o objectivo de descongestionar os tribunais, não só tendo em

vista a prestação de um serviço mais célere, mas também de melhor qualidade,

como é o caso da a conversão das transgressões em contra-ordenações e o

alargamento do procedimento de injunção para dívidas até 14.963,94 Euros.

No âmbito das reformas processuais, foram introduzidas reformas

significativas, tanto no processo civil, como no processo penal, embora o efeito

prático de algumas delas, como é o caso do processo penal abreviado, tenha

sido muito limitado. O actual Governo pretende, também, intervir nesta área.

Além das reformas em discussão relativas ao processo penal, destacam-se,

ainda, um conjunto de outras medidas, como as que obrigam o autor, nas

acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações, a propor as acções

no tribunal do domicílio do réu; o regime especial e experimental de processo

civil que introduz vários mecanismos de agilização processual; e a reforma que

prevê a possibilidade de mediação em processo penal.