Características do uso de benzodiazepínicos por mulheres que buscavam tratamento na atenção primária

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    Uso de benzodiazepnicos por mulheres N ORDON ET AL .

    Mtodo

    Foram entrevistadas, ao longo do ano de 2008 (janeiro dezembro), s sextas-feiras de manh, pelos dois pesquisadores, acadmicos de medicina da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, as pacientes que se encontravam na la deespera para o atendimento na UBS da Vila Baro, em Soroca ba, SP, maiores de 18 anos e que concordaram em participar assinar o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLEOs critrios de incluso foram: concordar em participar e assnar o TCLE; ser mulher; ser maior de idade; estar devidamente inscrita na UBS, mediante cha e nmero de registro.

    A UBS da Vila Baro uma pequena UBS em um bairro da periferia de Sorocaba, que atende ao redor de 14.00 pessoas, incluindo neste nmero uma grande poro de moradores de terrenos no loteados (rea verde). compost por uma populao em mdia de baixa renda e escolaridadA UBS conta com os servios de clnica geral, pediatria e gnecologia apenas, no contando com outras facilidades comortodontia, psicologia ou psiquiatria.

    As entrevistadas responderam a uma cha de perguntaselaborada pelos pesquisadores para este devido m, preen-chida pelos pesquisadores com nome, idade, estado civilescolaridade, renda per capita em salrios-mnimos, e se uti-lizavam, ou no, BZD. As usurias, ento, respondiam a umsegunda bateria de perguntas, a respeito da caracterstica duso: 1) benzodiazepnico utilizado; 2) motivo de uso (autoreferido); 3) tempo de uso; 4) primeiro prescritor da receita5) prescritor atual; 6) tentativas prvias de interrupo duso; 7) sucesso ou insucesso nessa interrupo; e 8) motivdo insucesso na interrupo.

    As entrevistadas foram, ento, agrupadas pelas caractersticas: 1) idade: de 18 a 29 anos; de 30 a 39 anos; de 40 49 anos; de 50 a 59 anos; de 60 a 69 anos; e 70 anos ou mai2) estado civil: casada, solteira, viva ou amigada; 3) escolaridade: analfabeta, at a 8 srie do ensino fundamentale ensino mdio/superior; e 4) renda familiar per capita : attrs salrios-mnimos e quatro ou mais salrios-mnimos.

    Para anlise dos resultados, aplicou-se o teste do quiquadrado ou teste exato de Fisher 24, com o objetivo de com- parar grupos etrios, estado civil, escolaridade e outras caractersticas em relao ao uso, ou no, dos BZD. Em todoos testes xou-se em 0,05 ou 5% o nvel de signi cncia.

    Este trabalho foi aprovado pelo comit de tica em pesquisa do Centro de Cincias Mdicas e Biolgicas da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP), SoPaulo (SP), em 12/06/07.

    Resultados

    Ao longo do ano de 2008, foram entrevistadas na UBSda Vila Baro, em Sorocaba, 350 mulheres (3% da populao total, incluindo homens e mulheres, atingida pela UBSaproximadamente). Destas, 46 (13,14%) eram usurias d

    Introduo

    Disponveis desde 1960 e com um controle rigoroso desua prescrio devido ao seu potencial de adio, atravs doformulrio azul e da reteno de receita, os benzodiazepni-cos (BZD) so uma classe dos psicofrmacos das mais pres-critas atualmente1. No Brasil, a terceira classe de drogas mais prescritas2,sendo utilizada por aproximadamente 4% da populao3-5.Hoje em dia, os BZD so indicados apenas para o tratamentoagudo e subagudo de ansiedade, insnia e crises convulsi-vas, embora, no passado, tenham sido usados como primeiralinha de tratamento para vrios transtornos, principalmente psiquitricos6.

    Por geralmente diminurem o seu efeito ansioltico aolongo do tempo (em geral 3 a 4 meses), os BZD no soindicados para tratamento de longo prazo e perdem seu lugar para as drogas Z (agonistas dos receptores do GABA, comozolpidem e zaleplam), que, embora mais caras, tm e c-cia semelhante e menos efeitos colaterais7. Outro dos fatores preocupantes com relao aos BZD que hoje nos levam arestringir sua prescrio a capacidade de gerar tolerncia edependncia, que podem ser perpetuadas por diversos fato-res: prescrio errnea e continuada pelo mdico; aumentoda dose pelo prprio paciente; necessidade psicolgica dadroga (algo bastante usual e observado em ambiente ambula-torial). Acredita-se, alis, que o maior fator atualmente paraa perpetuao do hbito seja essa ssura, tendo em vista,como exposto acima, que a dependncia qumica e fsica deBZD no to acentuada quanto de outras possveis drogasde abuso2,8-13.

    A tolerncia, por outro lado, j mais difcil de ser encontrada, especialmente em pacientes idosos, os quais adesenvolvem mesmo sem aumentar as doses, por alteraes prprias da senescncia14.

    Os usurios de BZD so, em maioria, mulheres (duasa trs vezes mais do que homens), e seu nmero aumentaconforme a idade. No Brasil, usado principalmente por di-vorciadas ou vivas, com menor renda, de 60 a 69 anos deidade2,4,11. Seu uso trs vezes mais provvel em pacientes portadores de transtornos psiquitricos15.

    A prescrio desses frmacos, em geral, tambm ina-dequada, em especial no nvel primrio de atendimento, deacordo com diversos artigos16-23. Os principais motivos paratal so a falta de tempo, a subestimao da quantidade deusurios, da gravidade do uso, dos efeitos colaterais e atmesmo a no observao dos guidelines .

    O Brasil carece de dados a respeito da utilizao deBZD, em especial para a populao que se utiliza de unida-des bsicas de sade (UBS), o pilar do atendimento primrio.Deste modo, interessante para a sade pblica a anlise dosusurios, seu per l socioeconmico e de uso, alm da ade-quabilidade da prescrio, neste cenrio frequentado princi- palmente por mulheres.

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    BZD, e 304 (86,86%) no eram, destoando signi cativamen-te dos dados internacionais, que mostram uma utilizao por aproximadamente 4% da populao geral3-5.

    As respostas dos itens do questionrio de pesquisa estoquanti cadas na Tabela 1 para as frequentadoras em geral, ede 2 a 3 para as usurias, exclusivamente.

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    Tabela 1 Caractersticas demogrficas das entrevistadas (idade, estado civil, escolaridade e renda per capita )de acordo com a utilizao de benzodiazepnicos

    Populao/varivel Porcentagem de usurias Qui-quadrado

    Idade 31,89*18-29 2,730-39 7,840-49 19,050-59 29,760-69 29,470 e maiores 18,8

    Estado civil 7,33Casada 17,7

    Solteira 9,8Viva 9,4Amigada 5,4

    Escolaridade 11,68Analfabeta 28,6At a 8 srie 14,4Ensino mdio/superior 8

    Renda per capita (salrios-mnimos) -At 3 14,24 ou mais 3,8

    Total de usurias 13,14* p < 0,001 (18-39 < 40 ou mais). No signi cante. p < 0,05 (analfabetas > outras).

    Como observado na Tabela 1, o grupo etrio de mulhe-res de 18 a 39 anos (200 pessoas, ou 57% da amostra) apre-senta um consumo de BZD signi cantemente menor do queo grupo de 50 a 69 anos (p < 0,001).

    Os resultados demonstrando o estado civil das frequen-tadoras apenas sugerem que mulheres em um relacionamen-to estvel (casadas ou amigadas; 67,42%) consomem maisdo que mulheres solteiras ou vivas, uma vez que a anliseestatstica no foi signi cativa.

    A escolaridade das frequentadoras e das usurias mos-trada em seguida; mulheres analfabetas consomem signi -cantemente mais BZD do que mulheres com escolaridademais alta (p < 0,05).

    A Tabela 1 ainda mostra a renda familiar per capita es-timada das frequentadoras, autorreferida; os dados, porm,no foram estatisticamente signi cativos, com apenas umaleve sugesto de que mulheres com menor renda utilizammais BZD.

    A Tabela 2 mostra todos os resultados do nosso levanta-mento, com o nmero de respostas e a porcentagem da popu-lao usuria correspondente.

    O maior motivo de utilizao (que poderia ser mais de um)foi insnia (48,14%), seguido por ansiedade (39,5%) e convul-ses/epilepsia (8,64%). Duas mulheres deram como motivo otratamento de depresso, e uma, luto (mas no ansiedade).

    Quanto aos medicamentos em uso, o mais citado foi o dia-zepam (76,08%), seguido pelo clonazepam (8,68%) e a terapiacombinada entre os dois (6,52%), ambos adquirveis na UBS.Quatro mulheres relataram o uso de outros BZD que no estes,no adquirveis pelo sistema pblico de sade de Sorocaba.

    O tempo de uso foi prolongado (maior que 6 meses) em89,14% da populao estudada.O principal prescritor inicial o clnico geral (47,82%

    das usurias), seguido pelo psiquiatra (36,95%). Nenhumausuria obteve sua primeira prescrio atravs de um farma-cutico; contudo, uma usuria ainda relatou ter recebido sua prescrio inicial pelo cardiologista, outra pelo endocrinolo-gista e trs pelo neurologista (6,52%).

    Para a maioria (65,21%), o principal prescritor atual o clnico geral do posto que frequentam, que muitas vezessimplesmente mantm uma receita anterior. A prescrio por psiquiatras, porm, se reduz pouco e no signi cativamente

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    (aproximadamente 10%) com relao prescrio inicial,enquanto a de outros especialistas se resume a apenas umcardiologista, em detrimento do clnico geral inicial.

    A ampla maioria das mulheres (91,3%) tentou interromper a utilizao. Foi obtido sucesso em apenas 30,95% da amostra;o principal motivo, na grande maioria, foi a persistncia dossintomas relatados antes do uso. Outras queixas foram relata-

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    Tabela 2 Motivo de uso do benzodiazepnico, medicamento utilizado, primeiro prescritor, prescritor atual, tentativas prviainterrupo do uso, sucesso na tentativa, razo do insucesso total de respostas e porcentagem da populao de usurias

    Varivel PorcentagemMotivo do uso

    Ansiedade 39,5

    Insnia 48,1Convulses/epilepsia 8,6Depresso 2,5Luto 1,2

    Medicamento em usoDiazepam 76,1Clonazepam 8,7Diazepam + clonazepam 6,5Lorazepam 2,2Bromazebam 2,2Nitrazepam 4,3

    Tempo de utilizaoAt 5 meses 10,9De 6 a 11 meses 4,3De 12 a 35 meses 15,2Mais de 36 meses 69,6

    Primeiro prescritor Clnico geral 47,8Psiquiatra 37Farmacutico 0Amigos/parentes 2,2Outros mdicos 10,9No lembra 2,2

    Prescritor atualClnico geral 65,2Psiquiatria 30,4Cardiologista 2,2Pega comprimidos de parente 2,2

    Tentativas prvias de interrupo do usoSim 91,3No 8,7

    Sucesso na tentativaSim 30,95No 69,05

    Motivo do insucessoPersistncia dos sintomas anteriores ao uso 90,6Ansiedade e paresia/parestesias noturnas 3,1

    Morte de um parente 3,1Mdico no deixou 3,1Total 100,0

    das, dentre elas a morte de um parente (uma usuria) e a n permisso, por parte do mdico, da interrupo do tratamen(uma usuria). Tal usuria alegou a utilizao da droga paransiedade, insnia e convulses, e fazia uso j havia mais de anos, por prescrio inicial e atual de um psiquiatra.

    A Tabela 3 mostra as respostas das usurias de acordocom o seu prescritor inicial.

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    O principal motivo de prescrio isolada pelos clnicos

    gerais foi insnia (40,9% das usurias); quando associada,vinha geralmente com ansiedade (40,9% das usurias). Oclnico geral prescreveu BZD para apenas dois casos de con-vulses, um acompanhado de insnia, e outro de ansiedade.Por outro lado, para os psiquiatras, a insnia geralmente noera um fator isolado (apenas 5,88% das usurias), mas simacompanhante de outras queixas, como ansiedade e convul-so (82,35% das usurias). notvel que, das que relataramconvulso como a causa inicial da prescrio, seis foram tra-tadas pelo psiquiatra, duas pelo clnico geral e nenhuma peloneurologista, o especialista de indicao para tal.

    Depresso foi outro motivo citado, sendo tratada inicial-mente pelo psiquiatra em dois casos, que ainda hoje recebem prescrio deste, em um tratamento de mais de 3 anos e, nooutro caso, por um clnico geral (que no o especialistaindicado para tal).

    Discusso

    Os dados obtidos atravs deste estudo re etem as carac-tersticas daquele bairro e tambm do prprio atendimento primrio em si, enquanto os estudos que foram usados paracomparao apresentam dados obtidos atravs de mdias eestudos multicntricos, o que tanto homogeneza a amostra

    como a afasta da realidade (os autores no encontraram equi-valentes no Brasil para a comparao de dados). Diante dis-so, explica-se a diferena de resultados com relao ao uso,muito mais elevado na UBS (3,3 vezes mais do que o encon-trado na literatura internacional). Com relao literaturanacional, um estudo de 1988 da populao do Rio de Janeiro(RJ)4 demonstrou um uso nos ltimos 30 dias de psicotrpi-cos por 6,7% das mulheres, sendo 85,23% destes BZD, o querepresentaria, ainda, menos da metade do valor encontradoneste estudo. H, contudo, um estudo semelhante a este, deateno primria da Espanha16, que em 1997 encontrou umrisco relativo de 1,57 para o uso de BZD por mulheres, em

    comparao com homens, totalizando 11%, nmero seme-

    lhante ao deste estudo.Alm disso, aventou-se a hiptese de que o consumoseja aumentado nesta populao de estudo devido a vriosfatores caractersticos do local estudado: ambiente e intera-es sociais (sendo a Vila Baro uma regio da periferia, comndices mais altos de violncia, quando comparados a outros bairros de Sorocaba) e maior desinformao dos mdicosque trabalham em postos de sade, talvez por menor estmu-lo atualizao, entre outros fatores, alm de outros fatores j citados que alteram a prescrio a nvel primrio16-23.

    A faixa etria de maior utilizao condiz com o descri-to na literatura, embora a tendncia observada seja de ser ainda maior em mulheres mais idosas, de 60 a 69 anos deidade4,16,20-22, enquanto a deste estudo demonstrou uma faixaetria mais ampla (de 50 a 69 anos). Foi encontrado que mu-lheres em relacionamento estvel apresentam maior tendn-cia de uso, o que concorda com o estudo espanhol de ateno primria16 e com um estudo italiano de um servio espec code sade mental25, mas discorda dos dados do estudo cario-ca4, que apresenta maior uso por vivas.

    Foi encontrada uma associao estatisticamente signi- cativa entre analfabetismo e maior uso de BZD, mas noentre menor renda e maior uso, o que pode ser explicado pela baixa renda em geral da populao estudada, no sendo sig-ni cativa a amostra de maior renda. O estudo do Rio de Ja-

    neiro4

    tambm encontrou uma associao entre menor rendae escolaridade e maior uso; o estudo espanhol16, igualmente,concorda com estes dois com relao ao tempo de estudo,mas o italiano25 encontrou uma diferena menos signi cati-va, uma vez que separou a escolaridade em maior ou menor que 8 anos de estudo, ao contrrio dos outros estudos, quesepararam em maiores categorias, como este.

    Isso demonstra uma correlao perigosa, em que pesso-as menos informadas e com menor poder aquisitivo acabamrecorrendo a um uso de medicamentos para, muitas vezes,resolver problemas psicossociais que poderiam ser resolvi-dos de outra forma.

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    Tabela 3 Motivo do uso do benzodiazepnico e tempo de uso de acordo com o prescritor inicial

    Prescritor inicialVarivel Psiquiatra, n (%) Clnico geral, n (%) p

    Motivo do uso

    Ansiedade 0 (0) 3 (14,3) < 0,02*Insnia 1 (6,2) 9 (42,9)Ambos 15 (93,8) 9 (42,9)Total 16 (100) 21 (100)

    Tempo de uso 0,2617< 6 meses 1 (5,9) 4 (18,2)6 meses 16 (94,1) 18 (81,8)Total 17 (100) 22 (100)

    * Qui-quadrado = 7,96.

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    Os principais motivos de utilizao relatados pelas pa-cientes foram queixas para as quais o uso prolongado deBZD no indicado, mas sim somente para o uso agudo6.Como demonstrado anteriormente, para praticamente todasas usurias (89,14%) o uso era crnico e, portanto, inadequa-do, muito provavelmente devido desinformao, ou pelo

    fato de os mdicos da UBS, ao criarem um relacionamentoafetuoso com seus pacientes, terem certo receio de lhes negar os medicamentos, comumente to requisitados, como descri-to na literatura15,17,20. Investigao to aprofundada, contudo,no foi o escopo desta pesquisa.

    importante ressaltar que, embora possam ser usadoscontroladamente BZD para diminuio dos efeitos colateraisdos remdios antidepressivos no incio do tratamento parasndrome do pnico, eles no so de forma alguma indica-dos diretamente para o transtorno depressivo; com relaoao luto, por ser uma alterao teoricamente autolimitada, osBZD poderiam ser usados (embora no haja indicao ex- pressa para tal) para o controle agudo dos sintomas ansiososou insnia, mas deveriam ser retirados to logo estes cedes-sem, o que no observado na usuria crnica que citou oluto como motivo inicial de prescrio pelo clnico geral.

    Com relao ao medicamento de escolha, foram recei-tados praticamente apenas os dispensveis nas UBS de So-rocaba, que so, infelizmente, BZD de meia-vida longa e, portanto, mais propensos a efeitos colaterais, de modo queesse erro de prescrio no pode se dever ao mdico, massim ao sistema de sade. importante ressaltar que o uso deBZD de meia-vida longa, em especial para idosos, pode ser perigoso, devido aos efeitos colaterais dos seus metablitos,que demoram mais a deixar o corpo.

    A alta incidncia de tentativas de interrupo do uso dosBZD pode ser um re exo do prprio motivo de uso: a quei-xa de ansiedade a segunda mais prevalente (39,5%), algorelativamente controlvel de acordo com as modi caes psicossociais. A insnia, tambm, pode ser uma queixa in-termitente (e controlvel de acordo com a ansiedade), o quelevaria a uma maior interrupo do uso crnico. Alm dis-so, interessante notar que 100% das pacientes convulsivastentaram interromper o tratamento, e apenas uma conseguiu parcialmente; usuria de terapia combinada, ela parou deusar um dos medicamentos (clonazepam) apenas , mos-trando que a indicao do medicamento no s inadequadacomo mal orientada. Do mesmo modo, a taxa de sucesso nainterrupo foi baixa, o que pode se dever a uma provveldependncia dos usurios por tal medicamento, muitas vezes j psicolgica, como descrito na literatura.

    No obstante, as tentativas de interrupo so um bomsinal; indicam que a populao tem conscincia das con-sequncias do uso contnuo de BZD, algo que deveria ser aproveitado pelos mdicos responsveis para a adequao dotratamento.

    O ideal seria que o prescritor inicial fosse o psiquiatra,especialista neste tipo de medicao; contudo, sendo este umcenrio de ateno primria, natural que quase metade das

    prescries (47,82%) tenha sido feita por clnico geral. O estudo do Rio de Janeiro4 encontrou uma prescrio por noespecialistas (neurologistas/psiquiatras) de 68,5%. Do mesmo modo, a continuao do tratamento na ateno primriou a transferncia de um servio secundrio/tercirio parum primrio natural.

    Seguindo essa avaliao, o uso crnico, aqui estabelecidcomo por mais de 6 meses, foi observado com alta prevalnc para todos os prescritores (94,11% para psiquiatras e 81,81% para clnicos gerais), sendo aparentemente mais prevalente entre os psiquiatras, mas no estatisticamente signi cativo (p =0,2617). Infelizmente, para a usuria que obtm medicamentsem receita, o seu uso tambm crnico. Como j mencionado, os BZD no deveriam ser usados por mais de 3 a 4 mese pela p erda de sua funo ansioltica e contra a insnia e plos possveis efeitos colaterais que seu uso pode trazer a long prazo (perda cognitiva, diminuio da produtividade, mai possibilidade de acidentes de trnsito).

    Quase a metade (41,17%) dos pacientes atendidos inicialmente pelo psiquiatra rumou para o clnico geral, re e-tindo contra-referncia de um servio de especialidade parum servio primrio. Uma usuria foi do psiquiatra para cardiologista; dentre os que receberam a primeira prescrido clnico geral, a tendncia foi se manter com ele, excetuando-se trs usurias (13,63%), que foram referenciada para um acompanhamento especializado. Observa-se, assimum atendimento que envolve muitas vezes a simples manuteno da receita e a indicao por outro pro ssional, semum acompanhamento especializado. E, mesmo dentre os quse mantiveram com o atendimento especializado, no houvdiferena com relao ao tempo de uso, ou seja: a utiliza

    de medicamentos com meia-vida longa crnica e, portantosujeita a maior tolerncia, dependncia e efeitos colateraisindependentemente da especialidade do prescritor.

    Contudo, este estudo possui algumas limitaes: limitase realidade feminina de um atendimento primrio em um bairro da periferia, no podendo seus resultados ser expandidos para outros cenrios; o motivo de uso foi autorreferide, portanto, passvel de alteraes de acordo com o entendmento da usuria, de modo que a adequabilidade da indicao no pde ser avaliada com total con ana (o que no foio objetivo inicial da pesquisa) outros dados a respeito d prescrio, no entanto, so avaliveis com boa con ana; por m, no h estudos semelhantes em nosso cenrio de aten primria para podermos comparar os dados, sendo necessrias comparaes com escassas fontes internacionais.

    Concluso

    Com este trabalho, foi observado o padro de uso deBZD por mulheres em uma UBS, re etindo as caractersticasde uma populao de baixa renda e escolaridade, na qual umnmero mais de trs vezes maior do que a literatura mundiarelata de consumidoras, sendo as principais da faixa etri

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    de 50 a 69 anos, em relacionamento estvel e analfabetas.A utilizao de BZD de meia-vida longa crnica e, por-tanto, com maiores efeitos colaterais, por razes errneas,com prescries por mdicos no indicados primeiramente para tal funo, com alto ndice de insucesso na tentativa deinterrupo do uso. Os prescritores em geral so clnicos ge-

    rais, mas mesmo os especialistas se mostraram prescritoresinadequados, utilizando BZD de meia-vida longa, por tempo prolongado, sem seguir as normas de conduta6 e para queixasque muitas vezes poderiam ser controladas de outras manei-ras, como uma maior ao psicossocial.

    Os autores acreditam que este trabalho contribui um poucomais para os conhecimentos das caractersticas da populaofeminina atendida pelo servio primrio de sade em bairroscarentes, no exclusivamente de Sorocaba, mas de toda a re-gio. A necessidade de mais estudos a respeito, tendo em vistaas danosas consequncias do uso prolongado de BZD, so im- periosas, assim como a orientao e reciclagem peridica dos pro ssionais de sade de todas as especialidades a respeito douso, abuso, dependncia e efeitos colaterais dos BZD.

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    Uso de benzodiazepnicos por mulheres N ORDON ET AL .