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, CARACTERISTICAS DOS CACHOS DE UVA INTRODUÇÃO A qualidade e a conservação pós- colheita dos cachos de uva dependem dos procedimentos, das técnicas e dos manejos adotados desde o início do ciclo produtivo da videira. Esses elementos influenciam no metabolismo das bagas, determinando o potencial de síntese e degradação de com- postos químicos associados à cor, sabor, aroma e consistência dos tecidos. Por conse- guinte, as estratégias de armazenamento e comercialização das uvas de mesa devem ser orientadas pelas características do produto colhido. o conhecimento mais amplo possível das alterações que ocorrem nas bagas desde o crescimento até a senescência (fase que leva à decomposição dos tecidos), especial- mente a partir da maturação e dos fatores que atuam sobre elas, é fundamental para que sejam atendidos os requisitos de quali- dade exigidos por diferentes perfis de consu- midores. Tais informações auxiliam na esco- lha das práticas e técnicas de conservação pós-colheita mais adequadas a cada realida- de. Para as uvas de mesa destinadas à expor- tação, os padrões de qualidade são aperfei- çoados continuamente, agregando elemen- tos diferenciados que condicionam a perma- nência do produtor no mercado. Nesse caso, o acompanhamento e o controle dos fatores que influenciam na qualidade ampliam o potencial competitivo e preservam as pro- priedades sensoriais da uva. Maria Auxiliadora Coêlho de Lima Mohammad Menhazuddin Choudhury MATURAÇÃO A maturação corresponde à etapa do desenvolvimento em que ocorrem várias mudanças fisiológicas, bioquímicas e estru- turais as quais tornam as bagas comestíveis. Essas mudanças resultam da síntese e da degradação de diferentes compostos e são influenciadas principalmente pela idade fisiológica dos tecidos, por fatores ambien- tais e pelo manejo adotado no parreira!. Aquelas que afetam mais diretamente a qualidade e a conservação na pós-colheita dos cachos envolvem diferentes grupos de compostos, como açúcares solúveis, ácidos orgânicos, fenólicos, pigmentos, substân- cias pécticas e voláteis. Sólidos solúveis totais o conteúdo de sólidos solúveis totais (SST) compreende todas as substâncias que se encontram dissolvidas no suco extraído da polpa (mesocarpo). Esse conteúdo tem sido utilizado como índice de maturidade para muitos frutos, uma vez que, durante a ma tu ração, ocorre aumento característico. Esse acréscimo é atribuído principalmente à conversão de carboidratos de reserva - sintetizados pela planta durante o cresci- mento do fruto - em açúcares, os quais representam o grupo de compostos quími- cos solúveis mais abundantes na polpa. O teor de SST das uvas aumenta con- sideravelmente a partir do início da matura- ção. Na uva 'Itália', nas condições de cultivo

CARACTERISTICAS DOS CACHOS DE UVA

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Page 1: CARACTERISTICAS DOS CACHOS DE UVA

,CARACTERISTICASDOS CACHOSDE UVA

INTRODUÇÃO

A qualidade e a conservação pós-colheita dos cachos de uva dependem dosprocedimentos, das técnicas e dos manejosadotados desde o início do ciclo produtivoda videira. Esses elementos influenciam nometabolismo das bagas, determinando opotencial de síntese e degradação de com-postos químicos associados à cor, sabor,aroma e consistência dos tecidos. Por conse-guinte, as estratégias de armazenamento ecomercialização das uvas de mesa devem serorientadas pelas características do produtocolhido.

o conhecimento mais amplo possíveldas alterações que ocorrem nas bagas desdeo crescimento até a senescência (fase queleva à decomposição dos tecidos), especial-mente a partir da maturação e dos fatoresque atuam sobre elas, é fundamental paraque sejam atendidos os requisitos de quali-dade exigidos por diferentes perfis de consu-midores. Tais informações auxiliam na esco-lha das práticas e técnicas de conservaçãopós-colheita mais adequadas a cada realida-de. Para as uvas de mesa destinadas à expor-tação, os padrões de qualidade são aperfei-çoados continuamente, agregando elemen-tos diferenciados que condicionam a perma-nência do produtor no mercado. Nesse caso,o acompanhamento e o controle dos fatoresque influenciam na qualidade ampliam opotencial competitivo e preservam as pro-priedades sensoriais da uva.

Maria Auxiliadora Coêlho de LimaMohammad Menhazuddin Choudhury

MATURAÇÃO

A maturação corresponde à etapa dodesenvolvimento em que ocorrem váriasmudanças fisiológicas, bioquímicas e estru-turais as quais tornam as bagas comestíveis.Essas mudanças resultam da síntese e dadegradação de diferentes compostos e sãoinfluenciadas principalmente pela idadefisiológica dos tecidos, por fatores ambien-tais e pelo manejo adotado no parreira!.Aquelas que afetam mais diretamente aqualidade e a conservação na pós-colheitados cachos envolvem diferentes grupos decompostos, como açúcares solúveis, ácidosorgânicos, fenólicos, pigmentos, substân-cias pécticas e voláteis.

Sólidos solúveis totais

o conteúdo de sólidos solúveis totais(SST) compreende todas as substâncias quese encontram dissolvidas no suco extraídoda polpa (mesocarpo). Esse conteúdo temsido utilizado como índice de maturidadepara muitos frutos, uma vez que, durante ama tu ração, ocorre aumento característico.Esse acréscimo é atribuído principalmente àconversão de carboidratos de reserva -sintetizados pela planta durante o cresci-mento do fruto - em açúcares, os quaisrepresentam o grupo de compostos quími-cos solúveis mais abundantes na polpa.

O teor de SST das uvas aumenta con-sideravelmente a partir do início da matura-ção. Na uva 'Itália', nas condições de cultivo

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da região do Submédio São Francisco, esseaumento ocorre por volta do 43ª- dia após afrutificação. Nas mesmas condições, o teorde SST da cultivar Superior Seedless tambémexibe expressivo aumento até que começa aestabilizar-se a partir do 64" dia após o inícioda frutificação. Ao final do período, o teor deSST nessa cultivar atinge em média 15,5 "Brix,atendendo aos requisitos mínimos exigidospelos principais mercados.

Mesmo considerando a tendência deestabilização do teor de SST nos estádiosfinais de maturação, os valores observadosdependem da cultivar, do tamanho da baga,da produção da planta e das condições cli-máticas. No entanto, podem ocorrer varia-ções nas uvas maduras, em virtude da perdade água da baga que concentra os solutospresentes ou do aumento de absorção deágua após uma chuva ou irrigação. Tambémé possível que haja perda de solutos, emdecorrência do transporte das bagas paraoutras partes da planta ou de altas atividadesde respiração e transpiração.

Os açúcares estão presentes nos fru-tos e hortaliças na forma livre ou podemestar ligados a outras moléculas. Na formalivre, são os principais constituintes dos só-lidos solúveis da polpa dos frutos. Quandoestão ligados a outras moléculas, atuam comocomponentes estruturais, principalmente daparede celular.

Os principais açúcares existentes nasuvas da espécie Vitzj viniferaL. são a glicosee a frutose. Esses geralmente representam99 % ou mais dos açúcares solúveis totais(AST) presentes no mosto e 12 % a 27 % oumais do peso da baga durante a maturação.Comparado à sacarose, as concentrações deglicose e frutose são aproximadamente 30vezes maiores.

A medida que a uva vai amadurecen-do, ou seja, adquirindo as características ecomposição química ideais para o consumo,

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a percentagem de AST aumenta. No iníciodo desenvolvimento, os dois principais açú-cares (glicose e frutose) estão em quantida-des aproximadamente iguais. Em seguida,ambos aumentam as taxas de forma equiva-lente. Porém, em uvas maduras, a concentra-ção de glicose pode ser duas vezes maior quea de frutose. O acúmulo de ambos começaquando se inicia o amaciamen to da baga evaiaumentando linearmente, mesmo que o au-mento no volume das bagas tenha cessado.

O conteúdo de AST varia de acordocom a cultivar e com o ano de cultivo,podendo ser observados teores muito altos(18 % a 25 %) em bagas pequenas.

Para a uva 'Superior Seed/ess', cultivadana região do Submédio São Francisco, o teorde AST aumenta linearmente durante a ma-turação, até alcançar, por ocasião da colhei-

'ta, teores médios de 14 %, o que representa90 % dos SST existentes na baga. A mesmaproporção pode ser observada em uvas'Crimson S eed/ess'.

Os principais ácidos presentes na pol-pa da uva são o tartárico e o málico, os quaisconstituem pelo menos 90 % da acidez totaltitulável (ATT). O terceiro ácido mais abun-dante é o cítrico, embora, durante a matura-ção, seu conteúdo seja geralmente de apenas0,02 % a 0,03 %.

No início do desenvolvimento dasbagas, o teor de ácido tartárico é de aproxi-madamente 1 % do total dos constituintesdo suco. Em seguida, ainda durante o desen-volvimento das bagas, verifica-se um au-mento nas concentrações dos ácidos e, pos-teriormente, uma redução à metade do valororiginal.

Em bagas ainda imaturas, o ácidomálico é o soluto mais abundante na polpa.Contudo, com a evolução da maturação, osteores são reduzidos a proporções compará-veis ao aumento nas concentrações dos açú-

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cares glicose e frutose. A taxa de degradaçãodesse ácido é influenciada pelas condiçõesclimáticas durante o amadurecimento. Tem-peraturas elevadas resultam em bagas commenor acidez, em virtude do aumento nadegradação de ácido málico e das mudançasna taxa de permeabilidade da membrana dovacúolo celular ao malato.

Durante o amadurecimento, os níveisde ácido tartárico também continuam a de-crescer, embora mais lentamente que nosestádios anteriores.

Na cultivar Itália, por exemplo, obser-va-se um aumento inicial na ATT de 3,6 gpara 4,4 g de ácido tártarico 100 mL1 de suco(ou de 3,6 % para 4,4 % de ácido tartárico).Esse aumento ocorre até aproximadamenteo 35~ dia após a frutificação. A partir daí,ocorre decréscimo contínuo até o amadure-cimento, quando as bagas apresentam cercade 0,9 g de ácido tártarico 100 ml," de suco.

A cultivar Superior S eed!ess,por sua vez,apresenta ATT bastante inferior à da Itália.Durante a maturação, a ATT diminui de1,2 % de ácido tartárico, aproximadamente,para 0,5 %, aos 64 dias após a frutificação,quando se verifica uma estabilização. Nacultivar Crimson S eed!ess, a ATT das bagasmaduras é de aproximadamente 0,6 %.

Co postos fe ólicos

Os compostos fenólicos presentes nasuvas compreendem derivados do ácido hi-droxinâmico, como os ácidos cafeico ecumárico, os flavonóides (como as antocia-ninas), os flavonóis e as proantocianidinas(também conhecidas como taninos).

A ingestão de compostos fenólicospor meio do consumo de frutas frescas,como a uva, ou de seus derivados é benéficaà saúde humana, uma vez que eles possuempropriedades antioxidantes e não são sinte-tizados pelos mamíferos.

Em uvas, eles contribuem significati-vamente para a cor, sabor e aroma da baga ede seus produtos processados.

Uva de Mesa Pós-colheita

As uvas vermelhas são especialmentericas em resveratrol (3,5,4-trihidroxiestilbe-no), um composto fenólico sintetizado nacasca, com importantes funções antioxidan-tes, antiinflamatórias e estrogênicas e queatua na prevenção de doenças cardiovascu-lares e cânceres.

A adstringência dos frutos é, até certolimite, determinada pelos taninos, mas podeser influenciada pela presença de polissaca-rídeos, antocianinas e etanol, que podeminteragir entre si. Corresponde a uma sensa-ção tátil, resultante da capacidade que oscompostos fenólicos de peso molar inter-mediário (denominados oligoméricos) pos-suem de formar complexos insolúveis comproteínas e mucopolissacarídeos da saliva.

Sua distribuição é variável entre asespécies vegetais, entre suas cultivares e atémesmo entre as diferentes partes de umamesma planta. Comparado a outros tecidos,os níveis de fenólicos nos frutos são relativa-mente baixos, mas podem ser significativosna determinação da' qualidade. Nas uvas, oengaço (ráquis) é particularmente rico emfenólicos. Nas bagas, eles compõem os sóli-dos solúveis, contribuindo com cerca de 1 %na polpa, 5 % no suco e 25 % na casca dascultivares brancas ou 50 % na casca dasvermelhas. Os 49 - 69 % restantes são en-contrados nas sementes.

N a casca das uvas, o teor de taninosaumenta em conformidade com a modifica-ção da cor. Na polpa, esse teor diminuidurante a maturação.

Na cultivar Itália, o teor de fenóisdiminui de cerca de 0,8 % na matéria fresca,ainda durante o desenvolvimento da baga,para 0,5 %, no início da maturação. A partirdaí, observa-se praticamente uma estabiliza-ção do teor de fenóis.

Avaliações das frações fenólicas deuvas 'Superior Seed!ess' cultivadas na região doSubmédio São Francisco indicaram a redu-ção nos teores dos compostos fenólicosdímeros, oligoméricos e poliméricos com oinício da maturação. Os compostos fenóli-

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cos poliméricos representam a fração pre-sente em menor quantidade, variando de0,34 mg g-l a 0,04 mg s' de matéria fresca(ou de 0,034 % a 0,004 %). Considerando asoma das três frações, que equivale aos com-postos fenólicos totais, tem-se uma caracte-rização clara da redução dos teores dessescompostos durante a maturação da uva'Superior Seedless'. Observa-se que a contri-buição dos fenóis para o sabor da uva'Superior Seedless' é bem menor, quando com-parada a da cultivar Itália.

Considera-se também que as mudan-ças qualitativas (alterações na estrutura quí-mica) nos compostos fenólicos podem sermuito mais importantes na definição doponto de colheita do que as quantitativas.Quando a baga amadurece, o decréscimo noteor dos fenóis totais é resultante do aumen-to relativamente maior no peso da baga, quedilui e mascara o incremento e a provávelsíntese dessas substâncias.

A composição dos fenólicos é deter-minada por fatores genéticos e ambientais,mas pode ser modificada por reações oxida-tivas durante o armazenamento e o proces-samento. Os dois processos mais importan-tes envolvem a atividade antioxidante dosfenóis e o escurecimento oxidativo. Algu-mas cultivares de uva são especialmentesensíveis ao escurecimento e têm suas pro-priedades sensoriais e nutricionais afetadas.Em todas elas, a suscetibilidade é maior nosestádios iniciais de maturação.

Pigmentos

Basicamente, as normas de classifica-ção de uva consideram a cor da casca comocritério para agrupamento de cultivares. Paraa classificação brasileira, as cultivares deuvas finas de mesa são divididas em doisgrupos: com e sem sementes. Em cada umdeles, existem dois subgrupos possíveis: bran-co ou colorido. As cultivares do subgrupocolorido se caracterizam pela síntese de pig-mentos (as antocianinas), responsáveis pelas

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bagas de cores rósea, vermelha e de corpróxima do preto.

As antocianinas são sintetizadas a par-tir do início da maturação e evoluem até ocompleto amadurecimento da baga. Nor-malmente, estão presentes na casca e nasprimeiras camadas de tecido que ficam pró-ximas a ela, mas podem estar presentes napolpa, em algumas cultivares.

Existem três fases do acúmulo dean-tocianinas na casca de uva. Na primeira, osteores aumentam quase linearmente. Na se-gunda, a biossíntese é reduzida, podendohaver estabilização ou mesmo diminuiçãodos teores existentes. A partir daí, algumascultivares podem apresentar novo aumentona última fase, próximo ao final do cicloprodutivo.

A intensidade da coloração dependeipicialmente de características varietais, masé influenciada por fatores ambientais, comoa intensidade de luz. A luz estimula a síntesede antocianinas, mas temperaturas elevadasinibem a formação da COL Temperaturasacima de 35 "ªC reduzem a síntese dessespigmentos, podendo inibi-Ia completamen-te em algumas situações. Nesse caso, o pro-cesso é irreversível.

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O manejo da área foliar da videiradeve assegurar, portanto, passagem de luzsuficiente para estimular a coloração dasbagas no início da maturação, prevenindo-asdo excesso de exposição, que causa efeitoinverso e leva à fotooxidação dos pigmentos.

Algumas práticas culturais tambéminfluenciam a síntese de antocianinas. A maisconhecida envolve pulverizações com pro-dutos comerciais que tenham como princí-pio ativo o ácido 2-cloroetil-fosfônico osquais resultam em incremento da síntese deantocianinas na casca das bagas. Esse ácidoestimula a síntese de etileno, que, por suavez, causa muitas alterações químicas associ-adas ao amadurecimento dos frutos, incluin-do a síntese de alguns pigmentos, como asantocianinas, e a degradação de outros, comoas clorofilas.

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Contudo, devem ser ajustadas as do-ses ideais, conforme as cultivares, os proce-dimentos e a época de aplicação. O uso dedoses excessivas incrementa sobremaneira asíntese de etileno e resulta em efeitos inde-sejáveis, como alta incidência de desgrane, jáque esse fitormônio também produz mu-danças nas paredes celulares, notadamentena formação de regiões de abscisão, comoobservado próximo ao pedicelo de algumascultivares de uva.

Outros pigmentos também estão pre-sentes na baga, principalmente a clorofila,que predomina até o início da maturação.Com o avanço da maturação, a clorofila énormalmente degradada e outros pigmen-tos, como carotenóides e xantofilas, sãoexpostos, caracterizando o amarelecimentonas uvas brancas.

Amaciamento

Com a evolução da maturação, ostecidos tendem a perder firmeza. Na uva, oamaciamento pode ser ocasionado por mu-danças nas paredes celulares das bagas oupela perda de água.

Muitas das alterações que ocorrem naparede celular da uva durante o amaciamen-to, cujo início demarca a maturação dasbagas, são mediadas por enzimas. ] unto como amaciamento das bagas, ocorre a reduçãodos teores de açúcares ligados a dois impor-tantes grupos de componentes da paredecelular: as pectinas e as hemiceluloses. Essedecréscimo pode começar antes mesmo doinício da ma turação. Porém, é a partir daí quesão intensificados. Além dessas mudanças,ocorrem, ainda, consideráveis decréscimosno teor de celulose.

Por sua vez, a perda de água (turges-cência), que é um processo não-fisiológico,tem maior importância sobre a perda defirmeza durante o armazenamento. A velo-cidade com que essas transformações ocor-rem também depende das condições nasquais os cachos são mantidos, especialmentea temperatura e a umidade relativa do ar.

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Substâncias pécticas

As alterações que ocorrem na paredecelular durante o amadurecimento consis-tem de uma aparente dissolução da região dalamela média, que é rica em pectina.

O aumento na proporção de pectinassolúveis é um dos fenômenos mais observa-dos durante o amadurecimento dos frutos eestá diretamente associado ao amaciamento.A causa da solubilização das substânciaspécticas pode ser a quebra de ligações entremoléculas. Contudo, deve-se destacar que asmodificações nos polissacarídeos da paredecelular de frutos em amadurecimento po-dem provir tanto da degradação quanto dasíntese de polímeros. Além disso, outrosmecanismos podem estar envolvidos, como:alterações no pH da parede celular, afetandoa atividade de enzimas; distribuição de áci-dos orgânicos e íons inorgânicos; remoçãode cadeias laterais de galacturonanas; e ometabolismo do cálcio, já que esse íon se liganormalmente aos ácidos poligalacturônicos,formando a estrutura denominada caixa de ovo.

Compostos volóteis

Com o avanço da maturação, as uvassintetizam determinadas substâncias que,associadas àquelas que promovem o sabor eestimulam o sentido do tato no momento doconsumo, resultam no flavorcaracterístico daespécie e, em muitos casos, da cultivar. Essassubstâncias são os compostos voláteis res-ponsáveis pelo aroma.

Nas uvas, as principais substânciassintetizadas para desempenhar essa funçãosão: terpenos, álcoois, aldeídos, ésteres, áci-dos e compostos benzênicos e carbonílicos.Além dessas substâncias, são listados oséteres, os isoprenóides, os hidrocarbonetosos terpenóides e as pirazinas. No entanto,boa parte do potencial aromático das uvasnão é expresso porque esses compostosestão ligados a açúcares e, dessa forma, sãoinativos e não resultam na produção dearomas.

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QUALIDADE PARACONSUMOIN NATURA

o termo qualidade significa natureza,caráter, atributo ou propriedade. Isso impli-ca que a qualidade de um produto pode serexpressa através de seus elementos caracte-rísticos, que incluem propriedades sensori-ais (aparência, sabor, aroma, textura, etc.),nutricionais (vitaminas, proteínas, minerais,fibras, carboidratos, etc.), tecnológicas (po-tencial de armazenamento, uso, etc.), bemcomo de segurança do alimento (condiçãomicrobiológica, presença de componentestóxicos, etc.).

De maneira mais concisa, a qualidadepode ser definida como ausência de defeitosou grau de excelência. Entretanto, os con-ceitos propostos são muitos e o enfoquevaria conforme a finalidade de uso (indústriaou consumo in natura) e a concepção doprodutor, comprador (agente de distribui-ção, importador, etc.) e do consumidor. Parao produtor, a qualidade está associada aopreço máximo do produto num períodoespecífico, sem prejuízo da produtividade.Freqüentemente, os produtores associam àqualidade elementos quantitativos, comoprodução e tamanho. De maneira semelhan-te, consideram as mudanças na qualidadepós-colheita apenas no que se refere aopercentual da fruta que não é comercializa-da. Na ótica do importador, um fruto de boaqualidade deve, obrigatoriamente, ser firmepara resistir ao tempo de transporte até omercado de destino. Finalmente, para o con-sumidor, uma fruta de boa qualidade deveestar madura, ter consistência macia, sersuculenta, possuir cor atrativa, ter odor agra-dável e característico da espécie/cultivar eestar isenta de lesões e manchas. Nesse caso,o conceito é dirigido para a satisfação doconsumidor.

o conceito de qualidade ainda podeser orientado para o produto em si, desta-cando atributos que lhes são inerentes. Odiferencial desse enfoque é a ênfase nasmudanças relacionadas a alterações fisioló-gicas durante o manuseio e o armazenamento.

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ATRIBUTOS DE QUALIDADE

Os atributos de qualidade de impor-tância para o mercado de uvas de mesaincluem, principalmente, aparência, tama-nho, formato, coloração, sabor e odor.

Atributos físicos

Aparência

Entre os atributos fisicos de qualidadedas uvas de mesa, a aparência é um dos maisimportantes e envolve uma série de elemen-tos que resultam na aprovação ou rejeição doproduto pelo consumidor. No mercado deuvas de mesa, são valorizados os cachoslimpos, intactos, com engaço túrgido e bagasfirmes, aderidas ao pedicelo e de tamanho,cor e forma compatíveis com as exigênciasdo consumidor.

Tamanho dos cachos

O tamanho pode ser determinado detrês maneiras: por meio das dimensões (com-primento, largura, diâmetro), do peso ou dovolume. Para as uvas de mesa, os cachosdevem ter de 10 cm a 20 cm de comprimentoe peso mínimo de 50 g, quando se considerao mercado nacional, ou de 150 g, para omercado externo. Neste último, adota-se,em geral, o peso máximo de 800 g paracomercialização da uva.

Tamanho das bagas

Dependendo da cultivar e da regiãoprodutora, as bagas são geralmente comerei-alizadas com diâmetro variável de 18 mm a26 mm. Em se tratando de cultivares comsementes, o mercado externo geralmenteadota 20 mm como diâmetro mínimo paracomercialização. Na classificação brasileira,o tamanho das bagas é usado como critériopara agrupamento das uvas em subclasses.Nesse caso, o valor mínimo aceitável é de12mm.

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Para medição do diâmetro das bagas,são utilizados anelímetros (Fig. 1) ou paquí-metros.

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Fig. 1. Anelímetro para medição do diâ-metro das bagas.

formato dos cachos

Em geral, as cultivares de uvas demesa apresentam cachos de formato cônicoou cilíndrico (Fig. 2). No entanto, o númeroexcessivo ou reduzido de bagas, decorrentesde problemas na frutificação ou de falhas naoperação de raleio, pode resultar em cachoscom formato descaracterizado, que perdemvalor comercial. De maneira semelhante,devem ser observados cuidados no manejopara evitar a obtenção de cachos alongados.

Coloraçao das bagas

A cor provavelmente é o fator indivi-dual que mais contribui para a avaliação daqualidade. Resulta da síntese ou da degrada-ção de pigmentos na casca ou de ambos osfenômenos. Nas uvas de mesa, a cor é influ-enciada por fatores, como cultivar (Fig. 3),estádio de maturação, manejo de água enutrientes, período do ano (temperatura eradiação solar, principalmente), manejo daparte aérea da planta (poda verde), manuseiodos cachos e ocorrência de danos flsicos.

Atributos químicos

Os atributos químicos de qualidadedas frutas estão associados aos compostos

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Fig. 2. Cachos das cultivares SuperiorSeedless (A) e Marroo Seedless (8) apre-sentando, respectiva e caracteristicamen-te, os formatos cênico e cilíndrico.

responsáveis pelo sabor e pelo aroma. Nasuvas de mesa, o aroma não é uma caracterís-tica distinguível e que possa ser usada paraavaliação da qualidade. Portanto, é o saborque responde de maneira definitiva pelaaceitação das uvas.

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Fig. 3. Coloração das bagas das cultivaresSuperior Seedless (A) e Crimson Seedless (B).

De maneira prática, o sabor é avaliadopor meio do teor de SST, da ATT e darelação entre essas duas variáveis (relaçãoSSTjATT).

PRESENÇA DE DEFEITOS

Os defeitos resultam de modificaçõesde natureza fisiológica, mecânica, químicaou biológica, os quais comprometem a qua-lidade das uvas. Esses defeitos podem atin-gir níveis de intensidade diferenciados epodem ser classificados como leves ou gra-ves, atingindo tanto o cacho como um todoquanto diretamente as bagas.

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Defeitos nos cachos

N os cachos, são reconhecidos os se-guintes tipos de defeitos:

• Compactados: são cachos que apre-sentam um número excessivo debagas, resultante de raleio deficien-te. Nesse caso, a eliminação de algu-mas bagas antes da embalagem docacho facilita a acomodação, evi-tando que se rompam por com-pressão entre si ou com as paredesdas caixas.

• Ralos: podem ser conseqüência dedeficiência de frutificação do cachoou da excessiva retirada de bagasdurante o raleio, ou da eliminaçãode um grande número de bagas forado padrão ou podres, nas opera-ções de limpeza nos períodos depré ou pós-colheita (Fig. 4).

• Malformados: são cachos volumo-sos, com bagas deformadas ou de-suniformes quanto ao tamanho. Emalguns casos, o corte de uma partedo cacho pode corrigir o defeito,embora esse procedimento favore-ça a perda de água pelo engaço. Emgeral, esses cachos são desclassifi-cados para comercialização.

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Fig. 4. Cachos de uva 'Superior Seedless'ralos.

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• Pedicelos sem bagas: em decorrên-cia de desgrane ou de deficiênciasna operação de raleio, os pedicelos(vulgarmente denominados toqui-nhos) podem ser mantidos em ta-manho original ou próximo disso.Nesse caso, suas extremidades apa-recem pontiagudas e podem pro-vocar perfurações nas bagas próxi-mas. Tais perfurações facilitam aentrada e crescimento de microrga-nismos. Para evitar o problema, es-ses pedicelos devem ser encurtadosdurante a limpeza pós-colheita, queantecede a embalagem dos cachos.

• Danos no engaço: são lesões físicas,fisiológicas ou provocadas por pra-gas e patógenos, entre outros, quecomprometem a qualidade e a con-servação pós-colheita dos cachos.

• Desidratação do engaço: cachoscom engaços finos ou submetidos acondições de umidade relativa bai-xa podem perder água rapidamenteapós a colheita (Fig. 5). Para reduzir

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Fig. 5. Engaço desidratado de uva'Superior Seedless'.

Uva de Mesa Pós-colheita

o problema, os cachos colhidosdevem ser man tidos sob condiçõesde temperatura amena e embaladose resfriados o mais rápido possível,observando-se a umidade relativado ambiente de armazenamento.

Defeitos nas bagas

Nas bagas, os defeitos são considera-dos, conforme a intensidade com que ocor-rem (leves e graves).

Os defeitos leves incluem:

• Cicatrizes: tem origem no campo eestão associadas a ferimentos su-perficiais causados por tesouras,arames e insetos. Bagas com essascicatrizes devem ser eliminadas du-rante a limpeza.

• Russet: nessa categoria, são incluí-das as mancha~ resultantes do con-tato das bagas com folhas e gavi-nhas, pela ação dos ventos.

• Danos mecânicos: são mais visíveise freqüentes em cultivares de corbranca, sendo resultantes de com-pressões, abrasões, vibrações e cho-ques mecânicos (Fig. 6). São ex-pressos como manchas de colora-ção amarronzada.

Desgrane: os procedimentos inade-quados de embalagem ou a própriasuscetibilidade da cultivar podem

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Fig. 6. Sinais de danos mecânicos embagas de uva 'Itália'.

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Uva de Mesa Pós-colheita

resultar no desgrane das bagas, que,uma vez soltas e com a região ondese prendiam ao pedicelo exposta,tornam-se foco de infecção pormicrorganismos. Para uvas destina-das à exportação, são admitidas ape-nas duas bagas desgranadas por caixa.

• Manchas de pó: a uva deve serprotegida da poeira para que sejamevitadas manchas que depreciam aaparência das bagas. O problema seagrava em regiões sujeitas a perío-dos de ventos constantes. Faz-senecessário, portanto, que sejam ins-taladas barreiras vivas, comoquebra-ventos e barreiras de sombrite,e o umedecimento das vias de acesso.

• Ausência de pruína: é consideradacomo defeito quando atingir maisde 15 % das bagas de um cacho.

• Presença de substâncias estranhas,tais como produtos químicos depo-sitados sobre as bagas.

• Bagas duras: geralmente resultamde algum desequilíbrio nutricionale se apresentam menores e maisácidas que as demais.

• Queima pelo sol: esse tipo de danoé causado pela exposição excessivados cachos ao sol, sendo caracteri-zado por manchas pardas contí-nuas ou dispersas nas bagas.

Por sua vez, os seguintes danos sãoconsiderados defeitos graves:

• Bagas aquosas: geralmente são áci-das ej ou moles.

Danos profundos: são lesões dediversas origens que causam o rom-pimento da epiderme da baga.

Frutas do Brasil, 12

• Bagas desidratadas: períodos muitoextensos ou condições inadequa-das de armazenamento ou, ainda,problemas no engaço (ataque pato-lógico, infestação de insetos ou fe-rimentos) podem resultar em desi-dratação das bagas, o que conse-qüentemente as tornam flácidas.

• Podridões: têm causas patológicasou fisiológicas e resultam na de-composição ou fermentação dostecidos. Na região do SubmédioSão Francisco, os principais fungosque têm causado podridões na pós-colheita são dos gêneros Alternaria,Ciadosporao», Penici//úfJ1l, R/Jizopblfs e

Aspergi/lus.

Manchas de agrotóxicos: os resí-duos superficiais ou as manchas dequeima por agrotóxicos nas bagasimpedem a comercialização da uvapara o mercado externo.

Perfurações por insetos: insetoscomo mosca-das-frutas e maripo-sas podem causar aberturas nas ba-gas e provocar exsudação da polpa,facilitando a infecção microbiana.

• Bagas imaturas: são aquelas que ain-da não atingiram os requisitos desabor (especialmente SST) e outrosadequados para a colheita.

O conhecimento e a caracterizaçãodos defeitos que desqualificam ou limitam acomercialização dos cachos permitem quesejam executadas ações de manejo e adota-dos procedimentos em pré e pós-colheitaque possibilitem reduzi-las, estendendo aperspectiva de alcance de mercados maisrentáveis.