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1 CARACTERIZAÇÃO DA PRODUÇÃO PECUÁRIA NA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIBEIRÃO SÃO VICENTE (ITUIUTABA-MG) i Bruno de Freitas Universidade Federal de Uberlândia-UFU/Pontal [email protected] Anderson Pereira Portuguez Universidade Federal de Uberlândia-UFU/Pontal [email protected] Resumo O presente trabalho teve como objetivo caracterizar a produção pecuária na Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Vicente ii localizada no município de Ituiutaba (MG). Para tanto, realizou-se uma série de levantamentos documentais e revisão bibliográfica, levantamento cartográfico e elaboração de um acervo fotográfico para que os fenômenos estudados na bacia pudessem ser espacializados e interpretados. A coleta de dados foi realizada diretamente pelos pesquisadores por meio de abordagem direta, sendo visitados todos os 82 empreendimentos rurais localizados na bacia. Observou-se a presença de atividades altamente tecnificadas, a exemplo das granjas de suínos, que se contrapõe à bovinocultura de pequeno porte, que não conta com nenhum modelo produtivo mecanizado. Destaca-se ainda que neste cenário existem amplas áreas destinadas á bovinocultura extensiva. Palavras-chave: Pecuária. Espaço Rural. Mecanização. Produção Extensiva. Introdução Esta pesquisa teve como objetivo caracterizar a produção pecuária na Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Vicente localizada no município de Ituiutaba (MG). Esta bacia hidrográfica vem apresentando ao longo dos últimos 40 anos, um crescente processo de degradação ambiental devido ao avanço das áreas de pastagens e, mais recentemente, a introdução da agricultura canavieira. Para tanto, realizou-se uma série de levantamentos documentais e revisão bibliográfica, para embasar teoricamente as discussões feitas e dar os direcionamentos necessários para a coleta de dados em campo. Realizou-se ainda, um levantamento cartográfico para que os fenômenos estudados na BHRSV pudessem ser espacializados e interpretados.

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CARACTERIZAÇÃO DA PRODUÇÃO PECUÁRIA NA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIBEIRÃO SÃO VICENTE (ITUIUTABA-MG)i

Bruno de Freitas

Universidade Federal de Uberlândia-UFU/Pontal [email protected]

Anderson Pereira Portuguez

Universidade Federal de Uberlândia-UFU/Pontal [email protected]

Resumo

O presente trabalho teve como objetivo caracterizar a produção pecuária na Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Vicenteii localizada no município de Ituiutaba (MG). Para tanto, realizou-se uma série de levantamentos documentais e revisão bibliográfica, levantamento cartográfico e elaboração de um acervo fotográfico para que os fenômenos estudados na bacia pudessem ser espacializados e interpretados. A coleta de dados foi realizada diretamente pelos pesquisadores por meio de abordagem direta, sendo visitados todos os 82 empreendimentos rurais localizados na bacia. Observou-se a presença de atividades altamente tecnificadas, a exemplo das granjas de suínos, que se contrapõe à bovinocultura de pequeno porte, que não conta com nenhum modelo produtivo mecanizado. Destaca-se ainda que neste cenário existem amplas áreas destinadas á bovinocultura extensiva. Palavras-chave: Pecuária. Espaço Rural. Mecanização. Produção Extensiva.

Introdução

Esta pesquisa teve como objetivo caracterizar a produção pecuária na Bacia Hidrográfica

do Ribeirão São Vicente localizada no município de Ituiutaba (MG). Esta bacia

hidrográfica vem apresentando ao longo dos últimos 40 anos, um crescente processo de

degradação ambiental devido ao avanço das áreas de pastagens e, mais recentemente, a

introdução da agricultura canavieira.

Para tanto, realizou-se uma série de levantamentos documentais e revisão bibliográfica,

para embasar teoricamente as discussões feitas e dar os direcionamentos necessários para a

coleta de dados em campo. Realizou-se ainda, um levantamento cartográfico para que os

fenômenos estudados na BHRSV pudessem ser espacializados e interpretados.

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A escolha da bacia hidrográfica como escala de análise geográfica se justifica, pois nela é

possível acompanhar as mudanças introduzidas pelo homem ao longo do tempo e, desta

forma, aferir se o modo de apropriação/ocupação do espaço gera (ou não) impactos

ambientais graves.

A área foi delimitada a partir das cartas topográficas: SE-22-Z-C-III (Gurinhatã), SE-22-Z-

D-I (Serra de São Lourenço), ambas em escala de 1:100.000. Editadas pelo IBGE. Além da

utilização destas cartas, para a delimitação da BHRSV, foi necessário ir a campo e

georreferenciar alguns pontos, para confirmar as coordenadas geográficas, confrontando

assim, os dados das cartas e da realidade encontrada em campo.

Em campo, além de elaborar um farto acervo fotográfico, realizaram-se ainda observações

diretas e coleta de informações por meio de depoimentos livres. Os entrevistados tiveram

sua identidade preservada como forma de atender às recomendações do Comitê de Ética-

UFU. A coleta de dados quantitativos se deu por meio da aplicação de um questionário

entre os dias 23 e 31 de janeiro de 2012. Para esta etapa de geração de dados primários,

optou-se por estudar todo o universo de 82 propriedades. Todas foram visitadas, porém, a

aplicação do instrumento limitou-se a 74,4% deste universo.

Este estudo se justifica pelo fato de a BHRSV estar na atualidade, passando por fortes

transformações em seu conteúdo paisagístico e a pecuária, nitidamente cede espaço para a

expansão do cultivo canavieiro. Neste sentido, esta é uma contribuição para se compreender

melhor a dinâmica espacial da área pesquisada.

Localização da Área Estudada

O município de Ituiutaba acha-se localizado na Mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto

Paranaíba, no Estado de Minas Gerais, a 685 km da capital Belo Horizonte. Sua área é de

2.598 km², e de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE)iii, Ituiutaba possuía em 2010, uma população de 97.159 habitantes, sendo que

93.122 habitantes (95,8%) viviam na zona urbana e 4.037 (4,2%) na zona rural.

A BHRSV situa-se na porção sul do município de Ituiutaba-MG (figura 1), entre as

coordenadas de 19°01’ e 19°08’de latitude sul e 49°35’e 49°22’ de longitude oeste, a cerca

de 4 km da sede municipal.

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Figura 1: Localização da Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Vicente.

Fonte: Cartas Topográficas SE-22-Z-A (Quirinópolis), SE-22-Z-B (Uberlândia), SE-22-Z-C (Iturama),

SE-22-Z-C (Prata). 1:250.000, IBGE, 1973. Adaptado de Rezende e Rosendo, 2009. Organização: FREITAS, Bruno de & PORTUGUEZ, Anderson Pereira, 2012.

Como se pode observar na figura 1, o Ribeirão São Vicente é um dos afluentes do Rio da

Prata, que por sua vez, deságua no rio Tijuco. Este último é considerado o curso d’água

mais representativo do município e é um dos afluentes do Rio Paranaíba. A BHRSV possui

aproximadamente 60 km de perímetro e em seu interior, o Ribeirão São Vicente percorre

cerca de 26 km entre suas nascentes e sua embocadura no Rio da Prata.

A foto 1 apresenta um trecho do município de Ituiutaba com características de uma cidade

típica do Brasil Central, com arruamento traçado de forma estruturada como tabuleiro de

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xadrez e com bairros novos em fase de expansão, sobretudo os destinados à população de

baixa renda. No plano superior da foto, se vê a paisagem típica do seu meio rural imediato:

os plantios comerciais de cana-de-açúcar e algumas pastagens e no plano inferior, vê-se os

novos bairros populares que exemplificam a expansão da periferia urbana.

Foto 1: Borda Sul do Município de Ituiutaba e a respectiva cidade.

Fonte: Anderson Pereira Portuguez (2011): Exposição Permanente de Fotografias Aéreas Oblíquas de Ituiutaba.

Disponível em:https://sites.google.com/site/gepteedl/. Acessado em 16 de maio de 2012.

Ao longo do processo de ocupação da zona rural do município de Ituiutaba-MG, a BHRSV

foi gradativamente apropriada para instalação de atividades agropecuárias de caráter

extensivo, o que resultou em grande perda das áreas de vegetação natural. Atualmente, estas

mesmas atividades (granjas, pastagens e cultivo de cana-de-açúcar) se fazem presentes na

paisagem de forma dominante, demandando recursos naturais e novos espaços para

ampliação da produção, o que resulta no agravamento da degradação ambiental.

Pecuária na Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Vicente

Neste tópico serão tratados os dados referentes à produção animal e de seus subprodutos

como carnes, queijos, ovos, bem como seu consumo e comercialização. Nos domínios dos

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Cerrados, a bovinocultura e a suinocultura passaram a ter produção mais expressiva a partir

da década de 1970.

Para Rezende e Rosendo (2009) a pecuária tem suas raízes assentadas em Ituiutaba em

tempos mais antigos que a agricultura canavieira, que atualmente ocupa áreas extensas,

como modelos intensivos de produção. Não obstante, deve-se dizer que boa parte da

produção animal também se vincula às ações do Estado e do grande capital industrial.

A ocupação da BHRSV está vinculada às lógicas de ocupação do interior do município, que

representa bem o período de expansão populacional e produtiva do Triângulo Mineiro e do

Brasil Central nas décadas de 1970 e 1980. A grande agricultura e a progressão das

pastagens foram as formas mais utilizadas de efetivação do uso da terra nesta região e,

neste sentido, grandes perturbações ocorreram no bioma dos Cerrados. A Tabela 1 apresenta

dados referentes à produção animal e de seus subprodutos.

Tabela 1: Criação Animal e/ou de Seus Produtos Destinada ao Consumo Humano na Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Vicente.

Área Pesquisada

Sim, Comercialização % Sim, Próprio

Consumo % Não % Total

Alto Curso 5 41,6 7 58,4 0 0 12

Médio Curso 31 75,6 9 22 1 2,4 41

Baixo Curso 6 75 2 25 0 0 8

Total 42 68,9 18 29,5 1 1,6 61

Fonte: Dados da coleta de campo. Organização: FREITAS, B. e PORTUGUEZ, A. P. (2012).

Em campo, constatou-se que praticamente em todos os empreendimentos rurais

pesquisados, os gestores ou proprietários comercializam algum produto animal, mas esse

comércio se refere ao excedente do próprio consumo, tal como leite, ovos, porcos, bezerros,

dentre outros.

Dentre os empreendimentos do alto curso, percebeu-se que 41,6% comercializam algum

animal e/ou produto animal e 58,4% destinam estes somente ao próprio consumo. Em

contrapartida, no médio curso os índices de comercialização destes animais é mais elevado,

alcançando a cifra de 75,6%. Ainda neste trecho da bacia, 22% destinam as criações apenas

ao próprio consumo e 2,4% não cria nenhum animal. Este contraste entre o alto e o médio

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curso ocorre em função de que neste último, há a presença das granjas de suinocultura

intensiva com financiamento do grande capital, enquanto no alto curso predominam a

bovinocultura extensiva e criações de subsistência.

No baixo curso os índices de comercialização também são significativos, visto que 75% dos

empreendimentos comercializam e em 25% , as criações se destinam apenas ao próprio

consumo. Assim como no alto curso, a criação da bovinocultura se dá de forma extensiva.

Porém um dos fatores que contribui para um maior índice de comercialização no baixo

curso é o melhor acesso por meio das estradas rurais que dão acesso à cidade. Há trechos do

alto curso que são inacessíveis aos caminhões que transportam leite, por exemplo.

Os entrevistados apresentaram dificuldades relacionadas à mensuração da produção

pecuária. As únicas informações mais precisas são relacionadas à produção leiteira e às

granjas de suínos, que os empreendedores sabem apresentar sua produção. Constatou-se

duas formas distintas de se retirar o leite. A primeira pode ser visualizada na foto 2, na qual

o leite é retirado manualmente. Por sua vez, a foto 3 apresenta um empreendimento no qual

o leite é retirado com ordenhadeiras, sendo facilitada e dinamizada a produção.

Foto 2: Atividade leiteira realizada de forma manual.

Foto 3: Atividade leiteira realizada ordenhadeiras.

Autor: Bruno de Freitas (2012).

Percebeu-se que as dificuldades financeiras de algumas famílias que criam animais de

forma menos tecnificada se refletem na aceitação do leite pelos laticínios regionais, pois a

ordenha manual desqualifica o produto diante de certos parâmetros de higiene exigidos

pelas indústrias. Desta forma, os produtores criam meio alternativos de comercialização de

seus produtos, como é o caso da venda direta aos consumidores na cidade, por exemplo. A

Tabela 2 apresenta dados inerentes aos empreendimentos que possuem produção leiteira.

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Tabela 2: Produção Leiteira na Bacia Hidrográfica do Ribeirão São Vicente (em litros por dia).

Área Pesquisada

De 01 a 25 l.

De 26 a 50 l.

De 51 a 100 l.

De 101 a 150 l.

De 151 a 200 l.

De 201 a 250 l. 400 l. 1600 l.

Alto Curso 8 0 2 0 0 0 0 0

Médio Curso 8 7 6 3 3 1 1 1

Baixo Curso 2 1 3 0 1 0 0 0

Total 18 8 11 3 4 1 1 1

Fonte: Dados da coleta de campo. Organização: FREITAS, B. e PORTUGUEZ, A. P. (2012).

Observou-se no alto curso que 10 das 12 fazendas visitadas para esta pesquisa, dedicam-se

a atividades relacionadas à produção leiteira. Apurou-se que a produtividade se dá em baixa

escala, sendo a média de 1 a 25 litros/dia. Em 3 destas fazendas, produz-se queijos

artesanais para a comercialização, embora com produção reduzida devido ao fato de parte

do leite ser consumido no próprio empreendimento.

Ainda no alto curso, a comercialização diretamente em laticínios se dá em apenas em 1 dos

empreendimentos cuja produção é de 75 litros/dia. O caminhão passa somente de 2 em 2

dias para recolher o leite produzido, pois a empresa de laticínios tem por norma recolher no

mínimo 100 litros por visita à propriedade. Este empreendedor conta com o auxílio de um

tanque de refrigeração, que conserva o produto até a sua retirada.

Em relação à produção leiteira do médio curso, constatou-se empreendimentos que

produzem em média 30 a 35 litros/dia. Os produtores criaram associações entre os vizinhos

para adquirirem tanques de refrigeração e, assim, juntarem a produção para alcançarem os

100 litros/dia exigidos pelos laticínios.

Em casos onde não ocorre esta associação, os empreendedores optaram por comercializar o

leite in natura diretamente na cidade. É o caso de 2 empreendimentos que produzem 30

litros e 70 litros, respectivamente. Alegam que podem vender o leite a um valor um pouco

mais elevado do que o que seria pago pelos laticínios.

Há um caso no qual o empreendedor possui uma padaria na cidade, para a qual ele produz

queijo no próprio empreendimento rural, direcionando-o para abastecer seu comércio na

cidade. Constatou-se 2 casos de pequenos empreendedores no médio curso da BHRSV que

produzem 8 litros e 15 litros, respectivamente, e que também comercializam os subprodutos

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do leite na cidade: queijo e o requeijão. A maior produção leiteira e acesso a maquinários na

BHRSV se localiza no médio curso. Verificou-se um empreendimento, que além do leite,

comercializa: bovinos, ovinos e equinos, destinados à exposição de animais.

No baixo curso, os inquiridos também comercializam predominantemente o excedente do

leite produzido e, em alguns casos, vendem ainda: frangos, porcos, ovos, dentre outros.

Uma peculiaridade se refere a um empreendimento do qual os subprodutos do leite são

comercializados na cidade em função da produção leiteira de 40 litros por dia não ser

suficiente para que os laticínios recolham o mínimo exigido.

Os empreendedores produzem queijos artesanais, porém a produção se dá de forma

inadequada, pois em campo verificou-se a presença de porcos (foto 4); no mesmo local

onde o produto é curtido. O soro é destinado para alimentar os porcos, que também são

vendidos.

Foto 4: Produção de subprodutos do leite e presença inadequada de

animais no ambiente de trabalho.

Autor: Bruno de Freitas (2012).

Outro tema pesquisado referiu-se à produção de gado de corte. Sobre esta atividade, no alto

curso houve apenas uma ocorrência e os entrevistados não souberam informar a média de

gado vendida/ano. Neste empreendimento, o gado de corte é comercializado e os demais

animais (frangos, ovos e leite) são destinados ao consumo da família que reside na cidade e

dos colaboradores da fazenda.

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Em 3 dos 41 empreendimentos do médio curso, há comercialização de gado de corte,

porém em 2 não foi possível mensurar a quantidade vendida/ano. Destaca-se 1

empreendimento que comercializa aproximadamente 400 cabeças/ano, sendo portanto, a

maior produção de toda a BHRSV.

Na BHRSV, verificou-se, portanto, a extensividade da pecuária bovina por um lado e, por

outro, a intensividade da pecuária suína. A bovinocultura é elemento presente em toda a

extensão da bacia, na foto 5, é possível observar a criação de gado de corte, na qual se nota

claramente a baixíssima concentração de animais pelas pastagens. As criações se destinam

tanto ao corte destinado ao consumo familiar, quanto à produção leiteira (foto 6).

Foto 5: Criação de gado de corte presente no alto curso da BHRSV.

Foto 6: Criação de gado destinado à atividade leiteira no baixo curso da

BHRSV.

Autor: Bruno de Freitas (2011).

De acordo com Cleps Júnior e Pelegrini (2000), a atividade granjeira (suinocultura

intensiva) se intensificou a partir dos incentivos subsidiados pelo Poder Público. No último

quartel do século XX a empresa Rezende Alimentos/Sadia, que se localiza no município de

Uberlândia-MG (principal centro populacional e econômica no cenário regional), iniciou a

sua expansão no território do Triângulo Mineiro. Para atender suas necessidades de

matéria-prima esta empresa passou a incentivar os produtores de seu entorno a criarem

rebanhos confinados para alimentar sua linha de produção. Explica-se assim, a instalação

de granjas de suinocultura intensiva no município de Ituiutaba, pois o mesmo dista 140 km

de Uberlândia.

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De acordo com Freitas e Portuguez (2011) a formação desta cadeia produtiva formada pela

indústria e seus fornecedores (empreendedores rurais) contribuiu para o crescimento da

produção de carnes, em especial de aves e suínos no município, que desde então foi

incorporado à lógica do grande capital ligado à indústria de alimentos. Uma característica

marcante deste modelo produtivo é a sua especialização, que se expressa pela divisão do

trabalho, pois a produção nestes galpões se dá da seguinte forma: um local para o

alojamento das matrizes, um local para a criação de leitões na chamada “fase de creche” e,

por fim, um local para engorda (CLEPS JÚNIOR e PELEGRINI, 2000).

Tal organização do trabalho fez com que os proprietários rurais se especializassem em

função das exigências do mercado, o que gerou a necessidade de vultosos investimentos.

Portanto, o grande capital industrial, apesar de incorporar novas técnicas baseadas na

modernização da cadeia produtiva, não conseguiu respeitar todos os interesses dos

pecuaristas. Na foto 7, é possível visualizar alguns galpões de granjas de suinocultura

implantados no médio curso do Ribeirão São Vicente.

Foto 7: Granjas de suinocultura e bosques remanescentes na BHRSV

Fonte: Anderson Pereira Portuguez (2011): Exposição Permanente de Fotografias Aéreas Oblíquas de Ituiutaba.

Disponível em: https://sites.google.com/site/gepteedl/. Acessado em 16 de agosto de 2011. De acordo com Freitas e Portuguez (2011) a pecuária regional desenvolveu-se tecnicamente

a partir de um projeto da Rezende Alimentos/Sadia com os suinocultores, com o objetivo de

manter suas produções em um padrão mínimo de qualidade, segurança e produtividade.

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Este modelo de produção integrada privilegiou as grandes empresas rurais, pois geralmente

estes galpões são construídos com os recursos dos próprios produtores. Pequenos

proprietários encontram dificuldades em se inserirem nesta esfera de negócios, dada as

limitações nas linhas de crédito, o que caracteriza a face excludente da atual política

agrícola brasileira.

Dos 4 empreendimentos do médio curso cuja produção é direcionada para a engorda de

suínos, 2 entrevistados souberam dizer se houve a solicitação de algum empréstimo,

especificando que se trata de incentivos contemplados por uma linha de financiamento

denominada Programa Sadia. Nas outras 2 granjas, por se tratar de colaboradores, os

respondentes alegaram não saber ter acesso a esta informação. Interessante ressaltar que

existem contradições acerca desta mesma linha de empréstimo, visto que no maior

empreendimento que produz em média 690 suínos por semana, não houve nenhuma

reclamação acerca do contrato, da implantação de infraestrutura, nem da própria produção.

Já no menor empreendimento, que vende apenas 375 suínos por mês, houve reclamações do

empreendedor em relação ao empréstimo solicitado, pois a empresa concedente exigiu a

introdução de um modelo de produção de acordo com as exigências técnicas específicas,

que são inalcançáveis pelos recursos próprios deste empreendedor (cota de contrapartida).

Afirmou: “Essa Sadia mata a gente. É o pior negócio. Não tem como sair, é igual

casamento”.

A produção de suínos não se dá apenas nas 4 granjas do médio curso. No alto curso, que é

caracterizado pela predominância de trabalho familiar, encontrou-se um empreendimento

que comercializa suínos do tipo caipira, que pode ser visualizado na foto 8. A criação não se

dá com alto padrão de tecnificação, como nas granjas do médio curso da BHRSV e as

condições de higiene são bem mais precárias.

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Foto 8: Criação eminentemente familiar de suínos presente no alto curso da BHRSV.

Autor: Bruno de Freitas (2012)

Em 6 empreendimentos rurais do médio curso com criação de suínos caipiras, não foi

possível quantificar a produção. Registra-se que apenas o excedente do consumo local é

comercializado, de forma que esta forma de engorda suína se constitui em uma atividade

secundária. Este mesmo fato ocorre em 1 empreendimento do baixo curso.

As granjas de avicultura visitadas, necessariamente não empreguem trabalhadores formais

e/ou mesmo informais. Na foto 9 vê-se o exemplo mais importante deste tipo de criação. A

propriedade foi arrendada por sócios interessados na produção avícola e na bovinocultura, o

trabalho é familiar e com pouco investimento técnico.

Foto 9: Granja de aves localizada em um empreendimento do médio curso da BHRSV.

Foto 10: Única granja de aves encontrada na BHRSV, eminência de mão de obra familiar

sem tecnificação.

Autor: Bruno de Freitas, (2012). Autor: Bruno de Freitas (2012).

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A criação de aves se dá em toda a BHRSV, sendo as criações dos tipos “de granja” ou

“caipira”. Somente em um empreendimento do médio curso, cuja mão-de-obra é

eminentemente familiar, soube informar a quantidade de 500 aves de granja vendidas por

cada engorda (período médio de 45 dias), totalizando em média 4000 aves/ano.

Em contrapartida foram encontrados outros 9 empreendimentos no médio e baixo curso que

comercializam aves caipiras, bem como ovos. Não informaram a quantidade vendida e

alegaram que se trata de uma atividade secundária, sendo que os animais são

comercializados diretamente na cidade e correspondem ao excedente do próprio consumo.

Considerações

Constatou-se, de forma genérica, que a BHRSV possui a distribuição de suas atividades

produtivas muito bem territorializadas, sendo que a bovinocultura extensiva é a atividade

produtiva mais marcante da economia local, ocorrendo em toda a extensão da bacia, em

especial entre o alto e o médio curso. No médio curso, destaca-se ainda a presença das

granjas de suinocultura e avicultura, sendo a primeira bastante tecnificada, com criações

confinadas e destinadas à produção industrial. Entre o médio e o baixo curso do São

Vicente, onde a topografia é mais suave, ocorre o cultivo intensivo da cana-de-açúcar e

atividades produtivas familiares.

A bovinocultura de corte ocorre em poucos empreendedores e utiliza grandes extensões de

pastagens para a realização desta atividade, configurando-se como uma produção extensiva. No que

se refere à criação de gado leiteiro, verificou-se que a comercialização deste produto se dá, em

alguns casos, com as indústrias de laticínios, que exigem obediência de determinados critérios de

higiene, produtividade e técnicas produtivas.

Estas exigências fazem com que inúmeros empreendedores fiquem à margem do mercado local, o

que os levam a criar mecanismos alternativos para a comercialização deste produto, bem como seus

subprodutos.

A criação de suínos está presente em toda a área estudada, porém, o animal é do tipo caipira, sendo

o processo produtivo realizado por trabalho familiar e, na maioria das vezes, destinado apenas ao

próprio consumo.

Sobre a suinocultura intensiva, esta ocorre em um conjunto reduzido de empreendedores rurais do

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médio São Vicente. Em função das exigências do mercado quanto aos processos produtivos e

padrões de qualidade e higiene, vultosos investimentos foram realizados, mas até o momento as

granjas não geraram o retorno esperado para todos os produtores.

Em toda a bacia, constatou-se a presença de criações de aves para o próprio consumo dos

moradores. Trata-se de frangos caipiras e frangos de granja, que além de carne, abastecem as

famílias com ovos e permitem a venda do excedente na cidade. Constatou-se apenas uma granja de

avicultura trabalhada por um grupo familiar que se dedica à criação de frangos de granja para fins

comerciais.

Por fim, pode-se dizer que na BHRSV predomina a pecuária extensiva, com forte presença da

bovinocultura. Conclui-se ainda que a produção (em geral) atende às necessidades dos próprios

moradores e apenas o excedente é comercializado na cidade. As relações comerciais dos produtores

de leite com as indústrias de laticínios são limitadas pela baixa produção das unidades visitadas e

ainda são desfavorecidas pela precariedade das vias de acesso.

Recomenda-se, então, um trabalho mais atencioso dos organismos relacionados à extensão rural no

sentido de oferecerem a capacitação necessária para que haja um melhor aproveitamento dos

rebanhos e, assim, se aumentar a produtividade em escala local. Entende-se que com uma produção

mais madura, evitar-se-á a dependência dos produtores em relação a normas estabelecidas pelas

indústrias, que atualmente são desfavoráveis e desmotivam o trabalho no campo.

Recomenda-se ainda, um maior cuidado com os recursos naturais, pois a produção vem causando

problemas ambientais que no longo prazo, podem se reverter em grandes prejuízos para a

coletividade residente na BHRSV.

Notas i� O presente estudo é parte do trabalho de Iniciação Científica do acadêmico, com financiamento do CNPq. Os autores são membros do Grupo de Estudos e Pesquisa em Turismo, Espaço e Estratégias de Desenvolvimento Local (FACIP-PROPP/UFU).

ii� Doravante identificada apenas pela sigla BHRSV.

iii� Disponível em http://www.ibge.gov.br/cidades. Acessado em 10 de abril de 2012.

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