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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS PROGRAMA DE PÓS - GRADUAÇÃO EM FÍSICA DANILO OLIVEIRA DE SOUZA CARACTERIZAÇÃO ESTRUTURAL, MORFOLÓGICA E MAGNÉTICA DA DUPLA PEROVSQUITA Ca 2 MnReO 6 VITÓRIA 2009

CARACTERIZAÇÃO ESTRUTURAL, MORFOLÓGICA E …portais4.ufes.br/posgrad/teses/tese_3658_.pdf · Figura 2.12 - Diagrama de fase para A2FeMoO 6 com dados de diversos autores (ver [39])

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTO CENTRO DE CINCIAS EXATAS

    PROGRAMA DE PS - GRADUAO EM FSICA

    DANILO OLIVEIRA DE SOUZA

    CARACTERIZAO ESTRUTURAL,

    MORFOLGICA E MAGNTICA DA DUPLA

    PEROVSQUITA Ca2MnReO6

    VITRIA

    2009

  • DANILO OLIVEIRA DE SOUZA

    CARACTERIZAO ESTRUTURAL, MORFOLGICA E MAGNTICA DA DUPLA

    PEROVSQUITA Ca2MnReO6

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps Graduao em Fsica do Centro de Cincias Exatas da Universidade Federal do Esprito Santo, como requisito parcial para a obteno do grau de Mestre em Fsica, na rea de concentrao de Fsica da Matria Condensada. Orientador: Prof. Dr. Marcos Tadeu DAzeredo Orlando Co-Orientador: Prof. Dr. Humberto Belich Junior

    VITRIA

    2009

  • Dados Internacionais de Catalogao-na-publicao (CIP)

    (Biblioteca Central da Universidade Federal do Esprito Santo, ES, Brasil)

    Souza, Danilo Oliveira de, 1981- S729c Caracterizao estrutural, morfolgica e magntica da dupla

    perovsquita Ca2MnReO6 / Danilo Oliveira de Souza. 2009. 123 f. : il. Orientador: Marcos Tadeu DAzeredo Orlando. Co-Orientador: Humberto Belich Junior. Dissertao (mestrado) Universidade Federal do Esprito

    Santo, Centro de Cincias Exatas. 1. Perovsquita. 2. Spintrnica. 3. Raios X - Difrao. 4.

    Raios X. 5. Absoro. I. Orlando, Marcos Tadeu DAzeredo. II. Belich Junior, Humberto. III. Universidade Federal do Esprito Santo. Centro de Cincias Exatas. IV. Ttulo.

    CDU: 53

  • Agradecimentos

    Meus sinceros agradecimentos a todas aquelas pessoas que de algum modo contriburam para

    que este trabalho pudesse ser realizado. Em especial, gostaria de lembrar algumas pessoas que

    me foram fundamentais:

    Ao Prof. Dr. Marcos Tadeu DAzeredo Orlando, pelo trabalho de orientao, pela plena

    confiana na minha pessoa como aluno e por no medir esforos para que a pesquisa pudesse

    ser conduzida de modo a produzir um trabalho prazeroso e de qualidade.

    Ao Prof. Dr. Humberto Belich Jr., pela co-orientao, amizade e apoio.

    Aos Pesquisadores Hamilton Corra (UFMS) e Eduardo Granado (Unicamp). Esse pelas

    medidas magnticas realizadas e aquele pelas opinies e sugestes fundamentais para o

    andamento do trabalho. Ainda, ao pesquisador Carlos Augusto Cardoso Passos e aos colegas

    Jos Lus Passamai Jr. e Valdi Jr.

    minha mais que amiga Janaina Bastos Depianti e a Letcia Kuplich.

    agncia de fomento CAPES, pelo apoio financeiro.

    Clarice de Almeida Fiorillo.

  • Foi o tempo que gastaste com a tua rosa que fez tua rosa to

    importante. [...]

    Tu te tornas eternamente responsvel pelo que te cativas. Tu s

    responsvel pela tua rosa.

    O Pequeno Prncipe, Antoine de Saint - Exupry

  • v

    Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE

    Resumo

    Compostos com estrutura tipo perovsquita dupla ordenada, A2BBO6 (onde A um ction divalente e B um metal de transio) tm despertado grande interesse cientfico e tecnolgico nos ltimos anos. Esses materiais apresentam propriedades magnticas bem definidas e fortemente correlacionadas com a estrutura, embora de maneira complexa. Esses e outros aspectos colocaram esses compostos como fortes candidatos para produzir dispositivos com aplicao na eletrnica de spin, ou spintrnica. Em especial, se destacam as perovsquitas duplas com base de rnio, ou seja, aquelas em que o stio B ocupado por um tomo desse tipo. As perovsquitas duplas tm sido estudadas desde a dcada de 1960, no entanto, o recente contexto tecnolgico da spintrnica foi o grande responsvel pelo desenvolvimento acelerado na rea desses compostos. Este trabalho descreve a sntese e a caracterizao estrutural e magntica da perovsquita dupla Ca2MnReO6 atravs das tcnicas de difrao a absoro de raios x por luz sncrotron, microscopia eletrnica de varredura e medidas de susceptibilidade magntica em funo da temperatura. As imagens de microscopia eletrnica mostraram uma homogeneidade de tamanho e forma das partculas na amostra. Utilizou-se o refinamento Rietveld para se obter os parmetros estruturais do composto. Esse refinamento indicou uma fase cristalogrfica nica na amostra, alm de fornecer dados para que fosse possvel o clculo da valncia do Re nessa estrutura. Os resultados obtidos pelo Rietveld concordam com as medidas de absoro de raios x e indicam uma valncia formal (ou efetiva) para o tomo de Re de +5,5. Isso interpretado admitindo-se que existem na estrutura do composto tomos de Rnio com valncia Re+5 e valncia Re+6, alternando com ligaes onde os tomos de Mn apresentam, respectivamente, valncia Mn+3 e Mn+2. As medidas de susceptibilidade magntica indicam transio de fase em torno de 120 K e um estado tipo spin glass abaixo dessa temperatura. Um possvel modelo para os resultados magnticos pode ser dado admitindo uma contribuio pfia, ou nula, dos momentos magnticos dos tomos de Re nessa dupla perovsquita.

  • vi

    Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES

    Abstract

    Compounds with structure of ordered double perovskyte, A2BBO6 (A being an alkaline-earth and B being a transition-metal in alternate sites) have attracted interest of the researches because their strong correlated structural and magnetic properties. Moreover, they are suitable candidates to produce devices with great application in spin-electronic, named spintronics. The special group of these compounds, the Re-based ordered double perovskites, i. e., the double perovskites where the B sites are occupied by Re atoms, have been studied since 1961. However, it was only at the last decade, in spintronics framework, that these compounds have received a special attention. This work describes the synthesis and characterization of Ca2MnReO6 ordered double perovskyte. It does that by marking out sintered procedures and the structural and magnetic properties, which have been investigated by synchrotron x ray powder diffraction, x ray absorption spectroscopy and magnetic measurements. SEM images have shown homogeneity phase composition, the morphology and size of the ceramic grains. The Rietveld refinement has revealed a monophase compound and it was used to determinate the lattice parameters. The x ray absorption spectroscopy agrees with the diffraction results and point to a formal (or effective) valence for Re atoms as +5,5. An interpretation of this result is that there exists a mixed valence for Re atoms, balanced by mixed valence of Mn atoms. The magnetic susceptibilities measurements were performed with temperature variation and have pointed a paramagnetic phase transition in 120 K with a spin glass type state below this value. An explanation for the magnetic result may be given with assumption of low contribution magnetic moment of Re atoms, or a nonexistent one.

  • vii

    Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE

    Lista de Figuras

    Figura 2.1 - Mecanismo de Dupla Troca proposto por Zener. ................................................. 18

    Figura 2.2 - (a) Funes de onda radiais [25]. Orbitais atmicos: (b) orbital s, para n =1 e n

    = 2; (c) orbitais p; (d) orbitais 3dx2

    y2 esquerda e 3dz

    2 direita; (e) orbitais

    3dxy, 3dxz e 3dyz, respectivamente. ....................................................................... 24

    Figura 2.3 - Relao dos raios limitantes para os nmeros de coordenao 3, 4 e 6. (a)

    seo transversal atravs de um tringulo plano; (b) tetraedro inscrito em um

    cubo; (c) diagrama para o caso tetradrico; (d) seo transversal para um

    arranjo octadrico [25]. ........................................................................................ 26

    Figura 2.4 - Ligao e na molcula de etileno (C2H4). Enquanto as ligaes se concentram no mesmo plano a ligao (responsvel pela ligao dupla do carbono) ocorre entre dois orbitais p simples e numa direo perpendicular

    esse plano. Em especial, a ligao C C se d atravs de um orbital hbrido

    tipo sp2. ................................................................................................................ 30

    Figura 2.5 - Nveis energticos de orbitais atmicos e orbitais moleculares [25]. ................... 33

    Figura 2.6 - Formas dos orbitas d. Acima, orbitais t2g; abaixo, orbitais eg. .............................. 36

    Figura 2.7 - Diagrama dos nveis de energia dos orbitais d num campo octadrico. ............... 39

    Figura 2.8 - Complexos de spin alto e spin baixo. a) arranjo d4 de spin alto (campo ligante

    fraco); b) arranjo d4 de spin baixo (campo ligante forte). .................................... 41

    Figura 2.9 - Estrutura cristalina da dupla perovsquita mostrando os octaedros

    compartilhados [9]. .............................................................................................. 44

    Figura 2.10 - Esquerda: estrutura de uma dupla perovsquita cbica ideal. As linhas slidas

    representam a clula unitria tetragonal. Direita: viso superior da clula

    unitria tetragonal mostrando as distores. A linha fina o parmetro de rede

    da clula cbica (esquerda) e pseudocbica (direita). ......................................... 45

    Figura 2.11 - Diagrama esquemtico dos nveis de energia de Sr2FeMoO6. O nvel de

    Fermi esta na banda formada exclusivamente pelas sub-bandas Fe (t2g ) O

  • viii

    Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES

    (2p) Mo (t2g ) [39]. O smbolo ex representa a energia de troca (emparelhamento de eltrons). ............................................................................. 49

    Figura 2.12 - Diagrama de fase para A2FeMoO6 com dados de diversos autores (ver [39]).

    As reas escuras correspondem fase ferromagntica, enquanto as claras

    correspondem fase paramagntica. ................................................................... 53

    Figura 3.1 - Espectro de absoro tpico mostrando as regies de XANES e EXAFS. ........... 67

    Figura 3.2 - Arranjos ordenados dos spins dos eltrons, (a) ferromagntico; mostrando o

    tipo canted como caso particular de ferromagnetismo, (b) antiferromagntico;

    mostrando o tipo helicoidal como caso particular do antiferromagnetismo e

    (c) ferrimagntico [79]. ........................................................................................ 78

    Figura 3.3 - Sumrio da dependncia da magnetizao, ou o inverso da susceptibilidade,

    em funo da temperatura. No comportamento ferrimagntico, CA, NAA, NBB e

    NAB so termos da expanso do campo molecular; ou campo de Weiss [89]. ..... 80

    Figura 3.4 - (a) Exemplo simples de frustrao. Se os trs spins estiverem orientados como

    indicado, o quarto apresentar frustrao (os sinais se referem troca) [87].

    (b) Susceptibilidade AC em funo da temperatura do Cu:Mn [91]. (c)

    Susceptibilidade DC do Ag:Mn [92]. .................................................................. 81

    Figura 3.5 - Esquema simplificado do funcionamento do susceptmetro AC. ........................ 82

    Figura 4.1 - Imagens de microscopia da amostra produzida. No topo esquerda, imagem

    em SE; abaixo esquerda, a mesma imagem em BSD. direita, identificao

    dos compostos nas reas indicadas pelos crculos. .............................................. 86

    Figura 4.2 - Imagens de MEV de Ca2MnReO6 apliadas em 8000x (acima) e 12290x

    (abaixo). ............................................................................................................... 87

    Figura 4.3 - Estrutura cristalina da perovsquita gerada pelo PowderCell. ............................... 89

    Figura 4.4 - Padro de difrao calculado e medido para a dupla perovsquita. No inset

    nota-se a maior resoluo e alinhamento do padro feito no LNLS. ................... 89

    Figura 4.5 - Resultado do refinamento Rietveld para o Ca2MnReO6. Os parmetros de

    ajuste so: Rwp = 0,1093; Rp = 0,0877; 2 = 2,448 e RF2 = 0,0466. ...................... 90

  • ix

    Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE

    Figura 4.6 - Detalhes da estrutura do Ca2MnReO6 contruda partir dos dados do

    refinamento Rietveld, (a), (b) e (d) representam uma viso planar da estrutura

    e (c) uma viso em perspectiva. ........................................................................... 93

    Figura 4.7 - (a) Coordenao dos tomos de oxignio (vermelho) em torno do rnio (verde)

    e (b) em torno do mangans (cinza); mostra-se, ainda, as distncias das

    ligaes. ............................................................................................................... 94

    Figura 4.8 - Espectro de Absoro da perovsquita dupla Ca2MnReO6 e dos padres ReO2 e

    ReO3 (com as linhas tracejada apontando a posio das respectivas bordas de

    absoro). As caractersticas A, B, C e D, alm da posio da borda de

    absoro, so pontos que indicam uma semelhana maior com o espectro do

    ReO3. .................................................................................................................... 96

    Figura 4.9 - Valores dos primeiros momentos (Em) calculados e posies das WL para os

    compostos envolvidos na XAS. ........................................................................... 99

    Figura 4.10 - Curvas de magnetizao em funo da temperatura para campo aplicado

    (campo alto, de 5 T, e campo baixo). O tringulo indica a temperatura de

    irreversibilidade termomagntica. ..................................................................... 100

    Figura 4.11 - Medidas de SQUID do inverso da susceptibilidade magntica em funo da

    temperatura. ....................................................................................................... 101

    Figura 4.12 - Medidas do inverso da susceptibilidade magntica em funo da temperatura

    feitas no PresLAB atravs de susceptibilidade AC. .......................................... 102

    Figura 4.13 - Arranjo dos spins do Mn+2 e do Re+6 no Sr2MnReO6 de acordo com os dois

    modelos propostos por Popov et al. Os octaedros mais escuros contm Mn,

    que tem momento magntico maior. ................................................................. 106

    Figura 4.14 - Ilustrao esquemtica da origem da frustrao para a componente y do

    momento do Re. Para uma clareza na ilustrao somente as componentes x

    (FM) e y (AFM) so mostradas. ........................................................................ 108

  • x

    Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES

    Lista de Tabelas

    Tabela 2.1 - Relao de Raios Limitantes e Estruturas. ........................................................... 26

    Tabela 2.2 - Principais propriedades cristalogrficas e fsicas das duplas perovsquitas

    ordenadas A2BB'O6: o fator de tolerncia terico (f) obtido da definio dada

    na equao e da tabela de Shannon; o fator de tolerncia observado (fobs)

    calculado das estruturas cristalogrficas relatadas nas referncias indicadas

    (ver referncia [42]); grupo espacial cristalogrfico relatado (H = hexagonal, e

    O = ortorrmbico para os casos onde se desconhece o grupo espacial);

    parmetros de rede (a, b, c); distoro tetragonal (t) como definido na

    equao; estados de valncia representativos dos tomos B e B determinados

    de acordo com cada referncia citada (ver referncia [42]); temperatura de

    ordenamento magntico (PM = paramagntico para todo intervalo de

    temperatura, AFM = antiferromagntico, C = canted ferromagnetismo). ........... 48

    Tabela 4.1 - Dados Cristalogrficos de Ca2MnReO6 obtidos atravs de refinamento

    Rietveld. ............................................................................................................... 91

    Tabela 4.2 - Coordenadas Atmicas e Parmetros de deslocamento isotrpicos (em 2). ...... 91

    Tabela 4.3 - Alguns Parmetros Selecionados; Distncia e ngulo da Ligaes (, ). ......... 92

    Tabela 4.4 - Clculo da valncia do tomo de Re em Ca2MnReO6 a partir das distncias

    entre o on (Re ou Mn) e o oxignio. ................................................................... 95

    Tabela 4.5 - Valncia formal determinada por diferentes mtodos a partir dos padres

    usados (ver texto). ................................................................................................ 98

    Tabela 4.6 - Valores Calculados e Medidos para o Magnetn de Bohr Efetivo para

    Algumas configuraes do Mn e Re. ................................................................. 104

    Tabela 4.7 - Parmetros magnticos refinados do Sr2MnReO6 para T = 8 K em trs

    modelos: um com simetria P21/n e dois com simetria P21/n com e sem um

    momento ordenado do Re. ................................................................................. 107

    Tabela 4.8 - Comparao entre os parmetros dos compostos Ca2CrReO6 e Ca2MnReO6.... 112

  • xi

    Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE

    Sumrio

    Resumo ....................................................................................................................................... v

    Abstract ...................................................................................................................................... vi

    Lista de Figuras ........................................................................................................................ vii

    Lista de Tabelas .......................................................................................................................... x

    Sumrio ...................................................................................................................................... xi

    Captulo 1 Introduo ............................................................................................................... 13

    Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas.............................................................................. 17

    2.1 - Histrico ....................................................................................................................... 17

    2.2 - Conceitos Bsicos e Fundamentais .............................................................................. 21

    2.2.1 - Ligaes Qumicas e Orbitais Atmicos ............................................................... 22

    2.2.2 - Teoria dos Orbitais Moleculares ........................................................................... 30

    2.2.3 - Compostos de Coordenao .................................................................................. 35

    2.3 - Propriedades Estruturais e Magnticas ........................................................................ 43

    2.3.1 - Estrutura Cristalogrfica ....................................................................................... 43

    2.3.2 - Correlao Entre Estrutura Eletrnica e Magnetismo ........................................... 49

    Captulo 3 Materiais e Mtodos................................................................................................ 56

    3.1 - Sntese das Amostras .................................................................................................... 57

    3.2 - Caracterizao Estrutural das Amostras ....................................................................... 58

    3.2.1 - Microscopia Eletrnica de Varredura (MEV) ....................................................... 58

    3.2.2 - Anlise Cristalogrfica .......................................................................................... 61

    3.3 - Absoro de Raios X (XAS) ........................................................................................ 66

    3.4 - Susceptibilidade Magntica.......................................................................................... 68

  • xii

    Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES

    3.4.1 - Breve Teoria do Magnetismo ................................................................................ 68

    3.4.2 - Medidas de Susceptibilidade Magntica ............................................................... 82

    Captulo 4 Resultados e Discusses ......................................................................................... 85

    4.1 - Resultados das Medidas de Microscopia (MEV) ......................................................... 85

    4.2 - Resultados da Difrao de Raios X .............................................................................. 88

    4.3 - Resultados da Absoro de Raios X (XAS) ................................................................. 96

    4.4 - Resultados das Medidas Magnticas .......................................................................... 100

    Captulo 5 Concluses ............................................................................................................ 109

    Referncias Bibliogrficas ...................................................................................................... 114

  • Captulo 1

    Introduo

    S XIDOS DE METAIS DE TRANSIO com estrutura similar ao titanato de clcio

    (CaTiO3), conhecido como perovsquita, oferecem um campo de grande

    interesse para a Fsica Moderna, seja do ponto de vista terico,

    experimental, ou visando aplicaes tecnolgicas. Geralmente so materiais

    cermicos que combinam elementos metlicos e no-metlicos, na maioria das

    vezes o oxignio, e tm um arranjo atmico especfico. Eles tm atrado ateno dos

    pesquisadores interessados na variedade de fenmenos de transporte apresentados

    por materiais com essa estrutura, de frmula qumica ABX3 e rotulados como

    perovsquitas. Em particular, podemos citar o trabalho de Imada et al. [1] que

    apresenta uma completa reviso das caractersticas intrnsecas de uma grande

    variedade de xidos com valncia mista no metal de transio, o que resulta na

    interao entre as propriedades estruturais, magnticas e eletrnicas dos

    compostos, criando assim uma rica variedade de fases. Um exemplo significativo do

    papel das perovsquitas na Fsica Moderna dado pelos compostos cermicos que

    apresentam supercondutividade de alta temperatura, denominados high-Tc.

    Os xidos de valncia mista como as manganitas (xidos de mangans), cuja

    frmula qumica dada por R1-xAxMnO3+d, sendo R um elemento do grupo das terras

    raras e A um metal bivalente, apresentam propriedades singulares e importantes. O

    estudo dessas propriedades levou dois cientistas (Albert Fert e Peter Grumberg) a

    receberem o prmio Nobel, em 2007, pela descoberta da magnetoresistncia

    colossal [2]. Essa descoberta abriu caminho para a eletrnica de spin, tambm

    O

  • Captulo 1 14

    Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES

    chamada de magnetroeletrnica ou spintrnica1[3], atravs do projeto e construo

    de dispositivos do tipo junes de tunelamento magntico, memrias magnticas

    no volteis de computadores e uma srie de outros dispositivos que utilizam esse

    fenmeno [4].

    Nesse campo, as manganitas tm seus estudos primordiais na dcada de 1950.

    Nesse tempo buscava-se desenvolver novos materiais magnticos para aplicaes

    em temperaturas prximas temperatura ambiente. O estudo pioneiro desses

    ferromagnetos com valncia mista do mangans devido Jonker e Van Santen [5].

    A partir da, outros estudos foram feitos e constatou-se que as propriedades desses

    materiais (caractersticas de metal ou isolante, cristais inicos ou covalentes, ordem

    magntica, transio de fase induzida por presso, entre outras) so ligadas,

    principalmente, por aqueles parmetros que caracterizam o composto, tais como, a

    estrutura cristalina e a sua composio. Fatores externos como campo magntico e

    temperatura tambm influenciam em suas propriedades. Ao tentar entender as

    correlaes entre essas propriedades, alguns conceitos fsicos importantes foram

    elaborados, como a interao de dupla troca proposta por Zener [6] e o efeito Jahn-

    Teller [7].

    A configurao estrutural desses compostos causa interferncia entre os orbitais

    atmicos, formando orbitais moleculares susceptveis a modificaes do campo

    cristalino. Os orbitais d so os tipos de orbitais utilizados para descrever a formao

    das ligaes em compostos com coordenao. A teoria do campo ligante

    representa uma modificao da teoria do campo cristalino para abrigar as

    contribuies das ligaes covalentes [8].

    A estabilidade das estruturas tipo perovsquita ABX3 primeiramente derivada da

    energia eletrosttica (energia de Madelung) atingida se os ctions ocupam as

    posies de octaedros unidos pelos vrtices; assim o primeiro pr-requisito para

    uma perovsquita ABX3 estvel a existncia de blocos estruturais estveis em stios

    octaedrais [9]. Isso, por sua vez, requer que o ction B tenha uma preferncia pela

    coordenao octadrica e que se tenha uma carga efetiva sobre este ction. Um

    segundo pr-requisito que o ction A tenha o tamanho adequado para que o

    1 Spintrnica o neologismo usado para designar a eletrnica baseada no transporte do spin do eltron, e que foi introduzida pela primeira vez em 1996 para designar um programa da Agncia de Projetos de Pesquisa de Defesa Avanada dos Estados Unidos (DARPA, em ingls).

  • Introduo 15

    Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE

    mesmo ocupe o relativamente grande interstcio aninico criado pelos octaedros de

    vrtices compartilhados. Quando este grande demais, o comprimento da ligao B

    X no pode ser otimizado e um empilhamento hexagonal com octaedros de faces

    compartilhadas aparece como arranjo competitivo. Quando o ction A muito

    pequeno, as ligaes A X estabilizam em estruturas com coordenao aninica

    menor ao redor do ction A. Ainda que se tenha um grande nmero de perovsquitas

    simples, ABX3, o nmero de compostos multiplicado quando um o mais dos ons

    originais so substitudos por outros ons. Na maioria dos casos esta substituio

    acontece nos stios dos ctions e gera um grupo numeroso de compostos

    conhecidos como perovsquitas duplas ordenadas, A2BBX6; onde A ocupado por

    um on alcalino-terroso ou terra-rara e os stios B so ocupados alternadamente por

    ons de algum metal de transio.

    O objetivo deste trabalho descrever a sntese e a caracterizao estrutural e

    magntica do composto do tipo dupla perovsquita ordenada Ca2MnReO6 (CMRO).

    As amostras foram analisadas utilizando a tcnica de difrao de raios x de p

    (XPD) para determinao da estrutura cristalogrfica. Uma anlise morfolgica foi

    realizada usando microscopia eletrnica de varredura (MEV). Alm disso, medidas

    de susceptibilidade magntica AC e absoro de raios x tambm foram tomadas, a

    fim de se obter a caracterizao magntica do composto e o estado de valncia do

    tomo de Re, correlacionando, assim, essas duas grandezas.

    Considerando os objetivos descritos acima, esta dissertao est dividida da

    seguinte forma:

    No Captulo 2 contextualizamos o problema atravs de um histrico do estudo das

    duplas perovsquitas e os avanos obtidos nessa rea. Tratamos das principais

    caractersticas estruturais desses compostos, definindo o fator de tolerncia e

    analisando as possveis distores decorrentes na estrutura. Descrevemos esses

    aspectos correlacionando-os com algumas propriedades magnticas mais comuns e

    que so recorrentes em estudos nesse tema. Tambm, descrevemos de forma

    sucinta alguns conceitos fundamentais objetivando dar maior clareza conceitual para

    o trabalho.

  • Captulo 1 16

    Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES

    No Captulo 3 so descritas as tcnicas e instrumentao utilizada na pesquisa.

    Procuramos ser breves, porm concisos, na descrio das tcnicas, fundamentao

    matemtica e condies experimentais na sntese da amostra, em sua

    caracterizao cristalogrfica atravs de XPD (X ray Powder Diffraction, difrao

    de raios X de p) e anlise (refinamento) de Rietveld, na absoro de raios X

    utilizando radiao sncrotron, na caracterizao micro estrutural por MEV

    (Microscopia Eletrnica de Varredura), e na susceptibilidade magntica () AC e DC SQUID.

    No Captulo 4 os resultados das medidas so apresentados e os aspectos mais

    importantes destes resultados so apontados e discutidos. Damos uma nfase maior

    na caracterizao estrutural porque acreditamos que ela forma o alicerce para o

    entendimento das demais propriedades (magnticas e de transporte, por exemplo),

    tendo em vista a enorme correlao entre esses parmetros, como ser exposto nos

    captulos posteriores.

    No Captulo 5 mostramos as concluses do estudo ressaltando, novamente, a

    caracterizao estrutural e sua correlao com as demais propriedades.

    Ainda no Captulo 5, uma breve perspectiva da continuao da pesquisa

    apresentada. Dada a rica possibilidade de fenmenos envolvidos nestes sistemas

    fsicos (as duplas perovsquitas), as possveis e promissoras aplicaes (spintrnica,

    computao quntica, dispositivos nanoestruturados, entre outros), e a grande

    variedade de parmetros, propomos a substituio parcial dos tomos de Mn

    localizados em um dos stios B por tomos de Cr. Com essa substituio, podemos

    estudar a variao na temperatura de transio de fase e o prprio estado

    magntico e estrutural. Alm disso, aplicando uma variao de presso tanto na

    estrutura original Ca2MnReO6, quanto na estrutura dopada, podemos avaliar as

    modificaes ocorridas; novamente, nos aspectos estruturais e magnticos.

  • Captulo 2

    Duplas Perovsquitas Ordenadas

    2.1 - Histrico

    EROVSQUITAS COM COMPORTAMENTO FERROMAGNTICO em temperaturas

    prximas a do ambiente foram primeiramente relatadas pelos fsicos

    holandeses Jonker e Van Santen [5] em 1950, no estudo pioneiro em

    manganitas AMnO3 (onde A um on divalente ou trivalente). A principal

    contribuio desse trabalho foi a reveladora correlao entre a temperatura de Curie

    TC, a resistividade e a magnetizao de saturao MS de algumas dessas manganitas (inclusive foram esses prprios pesquisadores que cunharam o termo

    manganita, um neologismo do ingls manganise perovskyte para manganite).

    Nesses compostos, a existncia de valncias mistas nos tomos de mangans

    atravs da transferncia de eltrons pelos orbitais do oxignio foi usada para

    explicar o comportamento ferromagntico via mecanismo de dupla troca proposto

    por Zener [6].

    A proposta de Zener [6] descreve um novo tipo de interao para explicar a

    condutividade nas manganitas que apresentavam valncia mista, bem como o

    comportamento ferromagntico encontrado nos trabalhos de Jonker e van Santer.

    No seu estudo, Zener [6] explicou essas duas propriedades com base na hiptese

    de os eltrons nos tomos de mangans Mn+3 e Mn+4 pudessem transitar entre

    eles tendo como mediador o tomo de oxignio, o que explicaria a condutividade

    P

  • Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 18

    Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES

    desses compostos (Figura 2.1). Ainda, calculou que o estado mais favorvel

    energeticamente entre os eltrons dos dois tomos de mangans favoreceria o

    acoplamento ferromagntico entre eles, isto , nesses dois tomos (Mn+3 e Mn+4) os

    eltrons de valncia tm spins paralelos. A essa interao Zener [6] chamou de

    dupla troca. Ainda que incompleto, esse trabalho constitui a base do modelo para o

    entendimento dos xidos magnticos [6].

    Essa descoberta encorajou mais estudos em xidos que poderiam mostrar

    ferromagnetismo em altas temperaturas via algum mecanismo de transferncia de

    eltrons entre metais de transio de valncia mista, em anlogo ao observado nas

    manganitas.

    Foi em 1961 que se publicou o primeiro trabalho sobre duplas perovsquitas com

    comportamento ferromagntico acima da temperatura ambiente (esse estudo foi

    realizado por J. Longo e R. Ward [10] que sintetizaram duplas perovsquitas com

    base de rnio, A2BReO6; onde o stio B ocupado por um tomo de rnio e com o

    stio B sendo ocupado por um outro metal de transio). Destaca-se nesse trabalho

    a ateno dada ao fato de que j especulada uma relao entre estrutura e

    propriedades magnticas, alm da incompatibilidade na explanao das prprias

    propriedades magnticas com as teorias conhecidas, isto , a dificuldade de explicar

    as propriedades magnticas em termos da interao entre os tomos dos stios B.

    Em experimentos posteriores (1962) Longo e Ward [11] se juntaram a A. W. Sleight

    [12] para estudar as propriedades magnticas e eltricas nesses materiais (esse

    ltimo, conduzido por Sleight et al [12] em 1972). Naquele trabalho [11], relataram a

    dificuldade de se produzir amostras monofsicas ou livres de impureza com relao

    magnetizao dos compostos, alm disso, descreveram a divergncia das

    Figura 2.1 - Mecanismo de Dupla Troca proposto por Zener.

  • 2.1 - Histrico 19

    Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE

    medidas dos momentos efetivos das duplas perovsquitas (com base de rnio ou

    smio) com o valor para esses momentos calculados. Pautaram a discusso em

    termos do estado de oxidao dos tomos de Re ou Os e no fato da possibilidade de

    a estrutura no ser totalmente ordenada; isto , quando no h uma seqncia

    perfeita e alternada entre os elementos do stio B e B.

    Motivados por esses resultados encontrados em perovsquitas com base de rnio

    seguiram-se, ento, estudos nessa rea com variaes de elementos na posio do

    sitio B; foram estudadas duplas perovsquitas com base de molibdnio (Mo) e

    tungstnio (W) [13]. Esses resultados mostraram que o ferromagnetismo acima da

    temperatura ambiente era de fato possvel em alguns desses compostos. A partir

    desses estudos na dcada de 60, formatou-se o conceito de que as regras de

    supertroca no davam conta de explicar o ordenamento ferrimagntico dos stios B e

    B nesses compostos. Ainda, descobriu-se o inesperado comportamento altamente

    condutor dos compostos A2FeMoO6 e A2FeReO6 [12]. Todas essas descobertas

    levaram a comunidade cientfica crer que a fsica envolvida nesses compostos era

    muito mais rica que o esperado.

    Ainda que alguma pequena atividade de pesquisa tenha se mantido nas trs

    dcadas seguintes nessa classe de materiais, a publicao de Kobayashi et al [14]

    em 1998 sobre as propriedades semi-metlicas do Sr2FeMoO6 engatilhou um

    interesse renovado nesses compostos no contexto de suas potenciais aplicaes no

    campo da eletrnica de spin. Esse trabalho inovador teve seu foco exatamente nas

    propriedades de magnetorresistncia desse material. Alm disso, o trabalho sugere,

    com base nos dados encontrados de alta variao da resistividade baixos campos

    aplicados (principalmente atravs de clculos de estrutura eletrnica associados

    medidas de resistividade e magnetorresistncia em funo da temperatura), que

    esse composto pode ser largamente explorado, no contexto da eletrnica de spin ou

    spintrnica.

    De fato, a spintrnica o novo paradigma da eletrnica baseada no grau de

    liberdade de spin do eltron [15, 16, 17]. o campo emergente da cincia e

    tecnologia que provavelmente ter maior impacto significante em todos os aspectos

    da eletrnica. Nessa tecnologia no a carga do eltron, mas o spin quem carrega

    informao. Isso oferece uma gama enorme de oportunidades para uma nova

    gerao de dispositivos combinando microeletrnica padro com efeitos que

  • Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 20

    Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES

    dependem do spin do eltron. Efeitos esses que surgem da interao entre o spin

    dos portadores de carga e as propriedades magnticas do material. Dispositivos

    operando de maneira tal que gerem correntes de spins polarizados, semicondutores

    atuais com adio desse grau de liberdade, por exemplo, teriam a vantagem de

    serem no volteis, consumindo menos energia e aumentando a capacidade de

    processamento, aliado a diminuio do tamanho dos dispositivos [18, 19]. Hoje,

    acredita-se que a fuso da eletrnica, fotnica e magnetismo levaro dispositivos

    spintrnicos multifuncionais tais como spin-FET (Field Effect Transistor), spin-LED

    (Light Emitting Diode) e spin RTD (Resonant Tunneling Device), switches pticos

    operando em freqncias de tera-hertz, e bits qunticos para computao quntica e

    comunicao [20, 21, 22].

    Sem dvida, o grande responsvel por tamanho avano que j visvel hoje nessa

    rea foi a descoberta da magnetorresitncia gigante em 1988 e, portanto, um

    efeito fortemente procurado e estudado nas duplas perovsquitas. No entanto, o

    sucesso dessas especulaes depende, sobretudo, de um aprofundado avano no

    entendimento das interaes fundamentais do spin nos slidos, bem como as regras

    de funcionalidade, defeitos e estruturas de bandas modificadas por esses efeitos em

    semicondutores.

    Com relao dupla perovsquita ttulo do trabalho, Ca2MnReO6, ela foi sintetizada

    pela primeira vez por Sleight, Longo e Ward [11] em 1962. Usando a reao

    estequiomtrica

    CaO + MnO + ReO3 Ca2MnReO6, descreveram a estrutura desse composto utilizando os padres gerados pela tcnica

    de difrao de raios x de p; atriburam ela uma estrutura ortorrmbica. Ainda,

    usando medidas de magnetizao de saturao, encontraram um momento

    magntico = 0,23 B; quando o previsto (pela aproximao de spin only) seria =

    1,0 B e = 2,0 B para o ReV e ReVI, respectivamente.

    Um nico outro registro nesse composto foi realizado mais recentemente (2004) por

    Kato e colaboradores [23]. Esses pesquisadores trataram de estudar as

    propriedades eltricas e magnticas de uma srie enorme de duplas perovsquitas

    com base de Re. Determinaram diversos parmetros estruturais desses materiais

    (usando difrao de raios x de p e difrao de nutrons), como parmetros de rede,

  • 2.2 - Conceitos Bsicos e Fundamentais 21

    Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE

    distncia e ngulo da ligao M O e Re O, entre outros. Para o composto ttulo,

    encontraram uma estrutura de simetria monoclnica, de fase ferromagntica com

    temperatura de transio TC = 110 K, magnetizao de saturao sob campo de 5 T

    igual a MS = 0,9 B, alm de uma magnetizao espontnea Mr = 0,5 B, fora

    coerciva HC = 4 Tesla e um carter isolante. Ainda, avaliaram os estados de valncia

    do rnio e do mangans pelas das somas das valncias de ligao (bond-valence,

    V) calculadas atravs das distncias das ligaes Re O e Mn O. Por esse

    mtodo, a valncia de ligao Sij entre o i-simo e o j-simo tomo definida pela

    expresso:

    ( ),

    37,0exp

    = ijoijdd

    S

    (inicialmente demonstrada em [24]), onde dij o comprimento da ligao entre o i-

    simo e o j-simo tomo e d0 um parmetro de valncia que empiricamente

    determinado para o par i j. Ambos esto na unidade de . A valncia efetiva do i-

    simo elemento metlico dada pela soma, Vij = j Sij. Assim, calcularam para o

    Re, Vi = 5,92, o que indica um carter hexavalente. Por fim, conjecturou uma

    possvel explicao para o fenmeno metal isolante desses compostos baseando-

    se na configurao de spin dos orbitais dos tomos do stio B e B, em nosso caso, o

    tomo de Mn e Re, respectivamente (ver [23]).

    2.2 - Conceitos Bsicos e Fundamentais

    As perovsquitas duplas esto inseridas em uma classe de materiais cujas

    propriedades fsicas esto diretamente relacionadas sua estrutura cristalina e ao

    modo com que os ons que formam a estrutura se ligam entre si. Isso nos remete ao

    tipo de ligao qumica que h entre eles. Dessa maneira, faz-se necessrio

    entender muito bem alguns conceitos que permeiam a fronteira da fsica e da

    qumica para que haja um mnimo de compreenso dos fenmenos que cercam as

    propriedades desses compostos. Alguns deles, apesar de serem simples, esto

    inseridos em um contexto tal que os torna fundamentais no entendimento de

    (1)

  • Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 22

    Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES

    algumas propriedades bsicas. Podemos citar, por exemplo, o momento magntico,

    que depende da maneira com que os spins esto distribudos nos orbitais atmicos.

    A reviso que se segue baseada em livros bsicos de qumica inorgnica [25] e

    segue um roteiro que envolve a maioria do conhecimento bsico e necessrio (de

    maneira sucinta) na compreenso das duplas perovsquitas. Tm-se como objetivo

    dessa seo contextualizar os conceitos mais simples com os aspectos

    fenomenolgicos encontrados em sistemas como os que as duplas perovsquitas

    fazem parte, como ser visto na prxima seo que trata das propriedades

    estruturais e magnticas desses materiais. De maneira nenhuma temos a inteno

    de esgotar o assunto que ser abordado nas sees que se sucedem. Entretanto,

    no nos deixamos guiar apenas por textos introdutrios (principalmente no tema

    abordado na prxima seo), de modo que algumas referncias bibliogrficas mais

    avanadas serviram de guia para a confeco desses pargrafos (por exemplo [26]).

    2.2.1 - Ligaes Qumicas e Orbitais Atmicos

    Os orbitais dos tomos surgem quando resolvemos a equao de Scrhdinger e

    encontramos diversas funes de onda para descrever o estado do eltron;

    deixando transparecer a dependncia nos nmeros qunticos n, l, m... Uma anlise

    de todas as solues permitidas para a equao de onda mostra que os orbitais se

    classificam em grupos.

    No primeiro grupo, o valor da funo de onda e, portanto, a probabilidade de se

    encontrar um eltron ||2, igual em todas as direes. A funo de onda

    depende somente da distncia r ao ncleo; = f(r). Esse fato leva a um orbital

    esfericamente simtrico, o orbital s.

    No segundo grupo, depende tanto da distncia ao ncleo como da direo no

    espao (x, y ou z). Esses so os orbitais p e so triplamente degenerados, quando o

    nmero quntico l = 1, temos m = -1, 0, +1. Assim, os trs orbitais so iguais em

    energias e forma, mas apontam em direes diferentes; podem ser representados

    por x = f(r)f(x), y =f(r)f(y), z = f(r)f(z).

  • 2.2 - Conceitos Bsicos e Fundamentais 23

    Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE

    Assim, podemos compor os orbitais s, p, d e f que tm suas origens nos nomes das

    linhas espectrais atmicas dos elementos, sharp, principal, difuse e fundamental.

    Na verdade, a dependncia das funes s com seus nmeros qunticos surge

    naturalmente quando resolvemos a equao de Schroedinger para o tomo de

    hidrognio em coordenadas esfricas (aproximao de um eltron). Aps usar o

    mtodo de separao de variveis, constatamos que a funo radial R(r) depende

    dos nmeros qunticos n e l. A funo angular () depende dos nmeros qunticos

    l e m. E a outra funo angular () tem uma dependncia no nmero quntico m. Dessa maneira, podemos representar a probabilidade de encontrar o eltron em

    termos das componentes radiais e angulares separadamente, ou obter uma

    completa representao da probabilidade de encontr-lo tomando o quadrado da

    funo de onda total, 2r,, = Rnl2(r)Ylm

    2(,).

    Diagramas em coordenadas polares, isto , desenhos da parte angular da funo de

    onda, so usados rotineiramente para ilustrar a sobreposio (overlap) de orbitais,

    dando origem ligao entre os tomos. Tais diagramas so adequados para esse

    propsito, j que contm os sinais + e relacionados com a simetria da funo

    angular. Para que ocorra a formao de ligaes, deve haver sobreposio de

    funes de mesmo sinal. As formas so um pouco diferentes das formas de uma

    funo de onda total. H alguns aspectos a serem considerados acerca desses

    diagramas:

    1. mais conveniente visualizar a funo de onda angular como uma superfcie-

    limite slida e fechada de modo que, por exemplo, 90% da densidade

    eletrnica esteja contida nesse volume. Deve-se frisar que uma funo

    contnua, como se percebe da Figura 2.2(a), onde as superfcies partem da

    origem (ncleo atmico). A densidade eletrnica nula na origem no caso de

    orbitais p, de modo que alguns textos mostram um orbital p como sendo duas

    esferas que no se tocam.

    2. Esses desenhos mostram a simetria dos orbitais 1s, 2s e 3d. Contudo, nos

    casos dos orbitais 2s, 3s, 4s... 3p, 4p... 4d, 5d... o sinal (a simetria) muda

    dentro da superfcie-limite do orbital. Esse fato pode ser facilmente

    visualizado pelo aparecimento de ns nos grficos das funes radiais (Figura

    2.2(a)).

  • Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 24

    Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES

    3. ||2 representa a probabilidade total de encontrar um eltron. Uma

    representao dessas funes est na Figura 2.2(b) (e); note que (d) e (e)

    apresentam as simetrias das funes (dadas pelas cores diferentes). Os

    orbitais no esto representados em escala. Note que os orbitais p no so

    simplesmente duas esferas, mas elipsides de revoluo. Assim, o orbital 2px

    esfericamente simtrico em torno do eixo x, mas no tem simetria esfrica

    em outras direes. O raciocnio anlogo funciona para os demais orbitais.

    Os tomos formam molculas para atingir um nvel energtico favorvel. A formao

    de ligaes qumicas envolve normalmente s os eltrons mais externos do tomo.

    Os tomos adquirem uma forma estvel de trs maneiras, dando origem s ligaes

    inicas, covalentes e metlicas; perdendo, recebendo ou compartilhando eltrons.

    Figura 2.2 - (a) Funes de onda radiais [25]. Orbitais atmicos: (b) orbital s, para n =1 e n = 2; (c) orbitais p [27]; (d) orbitais 3dx2 y2 esquerda e 3dz2 direita; (e) orbitais 3dxy, 3dxz e 3dyz, respectivamente [28].

  • 2.2 - Conceitos Bsicos e Fundamentais 25

    Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE

    Esses tipos de ligaes so representaes idealizadas. Embora um dos tipos de

    ligao geralmente predomine na maioria das substncias, as ligaes se encontram

    em algum ponto entre essas formas limites.

    LIGAO INICA

    Os slidos inicos so mantidos pela fora de atrao eletrosttica entre os ons

    positivos e negativos. A fora de atrao ser mxima quando cada on for

    circundado pelo maior nmero possvel de ons de cargas opostas. O nmero de

    ons que circunda determinado on chamado de nmero de coordenao.

    A estrutura de muitos slidos inicos pode ser explicada considerando-se os

    tamanhos relativos dos ons positivos e negativos, bem como seus nmeros

    relativos. Clculos geomtricos simples permitem determinar quantos ons de um

    dado tamanho podem se arranjar em torno de um on menor. Portanto, podemos

    prever o nmero de coordenao a partir dos tamanhos relativos dos ons.

    Se o nmero de coordenao num composto inico AX for trs, teremos ons X- em

    contato com um on A+. Uma situao limite ocorre quando os ons X- tambm esto

    em contato entre si. A partir de consideraes geomtricas (abaixo) podemos

    calcular a relao de raios (raio de A+/raio de X- = 0,155). Esse o limite inferior

    para o nmero de coordenao trs. Caso a relao de raio seja menor que 0,155, o

    on positivo no estar em contato com os ons negativos. Nesse caso, a estrutura

    resultante instvel e oscila dentro da cavidade formada pelos ons negativos.

    Se a relao de raios for maior que 0,155, ser possvel alojar trs ons X- em torno

    de cada on A+. medida que o tamanho relativo do ction aumenta a relao de

    raios tambm aumenta. Assim, a partir de um dado ponto (quando a relao exceder

    0,225) ser possvel alojar quatro ons em torno de um dado on. O mesmo

    raciocnio pode ser empregado para o caso de seis ons em torno de um dado on.

    Os nmeros de coordenao 3, 4, 6 e 8 so comuns, e as correspondentes relaes

    limites entre os raios podem ser determinadas a partir das consideraes

    geomtricas, como mostradas na Tabela 2.1.

  • Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 26

    Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES

    Tabela 2.1 - Relao de Raios Limitantes e Estruturas [25].

    Relao de raios

    limitantes r +/r -

    Nmero de

    coordenao Forma

    < 0,155 2 Linear

    0,155 0,255 3 Trigonal Plana

    0,255 0,414 4 Tetradrica

    0,414 0,732 4 Quadrada Plana

    0,414 0,732 6 Octadrica

    0,732 0,999 8 Cbica de corpo Centrado

    Se os raios inicos forem conhecidos, pode-se calcular a relao entre eles e prever

    o nmero de coordenao e a estrutura. Em muitos casos, esse procedimento

    simples vlido.

    Figura 2.3 - Relao dos raios limitantes para os nmeros de coordenao 3, 4 e 6. (a) seo transversal atravs de um tringulo plano; (b) tetraedro inscrito em um cubo; (c) diagrama para o caso tetradrico; (d) seo transversal para um arranjo octadrico [25].

  • 2.2 - Conceitos Bsicos e Fundamentais 27

    Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE

    Nmero de coordenao 3 (trigonal plana)

    A Figura 2.3(a) mostra um on positivo pequeno de raio r+, em contato com 3 ons

    negativos maiores de raio r -. Obviamente, temos que

    AB = BC = AC = 2r -, BD = r+ + r -.

    Alm disso, o ngulo A-B-C e D-B-E so, respectivamente, iguais a 60 e 30.

    Segue da trigonometria que

    cos 30 = BE/BD,

    BD = BE/cos 30,

    r+ + r - = r -/cos 30 = r -/0,866 = r x 1,155,

    r+ = (1,155r -) r - = 0,155r ,

    e portanto,

    r+/r - = 0,155.

    Nmero de coordenao 4 (tetradrico)

    Na Figura 2.3(b) mostrado um tetraedro inscrito dentro de um cubo. Uma parte

    dessa estrutura tetradrica mostrada na Figura 2.3(c). Pode-se observar o ngulo

    de 10928, ABC, caracterstico do tetraedro. Logo o ngulo ABD corresponde

    metade, ou seja, 5444. No tringulo ABD

    sen ABD = 0,8164 = AD/AB = r -/(r+ + r -).

    Determinando-se o recproco, temos que

    .225,18164,0

    1 ++++

    r

    rr

    Rearranjando,

    .225,0225,11__

    ==+++

    r

    r

    r

    r

  • Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 28

    Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES

    Nmero de coordenao 6 (octadrico)

    A seo transversal de um stio octadrico mostrada na Figura 2.3(d), onde o on

    positivo menor (de raio r+) toca os seis ons negativos maiores (de raio r -) (note que

    somente quatro dos ons negativos esto representados na figura, estando os

    demais ons negativos um acima e outro abaixo do plano da pgina). evidente que

    AB = r+ + r -, BD = r - e o ngulo ABC igual a 45. Considerando o tringulo ABD:

    .7071,0cos +

    +===

    rr

    r

    AB

    BDABD

    Determinando o recproco dessa expresso, temos que

    .41,0414,11414,17071,0

    1 ==+==+ +

    +

    +

    r

    r

    r

    r

    r

    rr

    Sobre a relao de raios, supomos de antemo que a ligao 100% inica.

    Consideramos, tambm, que os ons tm a forma esfrica, o que razovel para

    elementos que no fazem parte do grupo dos metais de transio. Esse grupo tem

    orbitais d parcialmente preenchidos e no so esfricos. Porm, ao contrrio dos

    ons que apresentam distoro pela presena de um par inerte, os ons de metais de

    transio geralmente tm um centro de simetria. O arranjo eletrnico nesses orbitais

    d d origem distoro de Jahn-Teller. Um orbital d parcialmente preenchido, que

    aponta em direo a um on coordenado (ligante) sofrer uma ao repulsiva. Um

    orbital d completamente preenchido sofrer repulso ainda maior. Com isso surge

    uma estrutura com algumas ligaes longas e algumas curtas, dependendo tanto da

    configurao eletrnica como da estrutura cristalina, isto , da posio relativa dos

    ons coordenados.

    LIGAO COVALENTE

    A teoria da ligao de valncia foi proposta por Linus Pauling [29, 30] e foi

    largamente utilizada no perodo de 1940 a 1960, mas foi sendo substituda por

  • 2.2 - Conceitos Bsicos e Fundamentais 29

    Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE

    outras teorias. Contudo, ela ainda nos fornece uma boa direo de como lidar com

    orbitais atmicos e a hibridizao dos elementos.

    Basicamente, a teoria de Lunis Pauling descreve que eltrons de orbitais

    desemparelhados tendem a se combinar com outros tomos que tambm possuam

    eltrons desemparelhados, de modo que pares eletrnicos sejam formados at que

    todos os tomos envolvidos atinjam uma estrutura estvel. A forma da molcula

    resultante determinada fundamentalmente pelas direes em que apontam os

    orbitais.

    H evidncias fsicas e qumicas que apontam para uma possvel mudana no

    arranjo dos eltrons dos orbitais de alguns elementos, de forma que os tornam

    capazes de formar mais ligaes que a princpio poderamos supor.

    Considera-se que cada eltron pode ser descrito por sua funo de onda . Se as

    funes de onda dos orbitais atmicos so descritas como s, px, py e pz

    podemos supor que esses orbitais podem se combinar de maneira linear e formar

    funes sp3. Essa combinao linear das funes de onda dos orbitais atmicos

    denominada hibridizao ou hibridao. A combinao de um orbital s com trs

    orbitais p leva ao surgimento de quatro orbitais hbridos sp3.

    importante salientar que a hibridao uma etapa terica que foi introduzida na

    passagem de um tomo para uma molcula. O estado de hibridao no existe na

    realidade. Ele no pode ser detectado nem mesmo espectroscopicamente, de modo

    que as energias de orbitais hbridos no podem ser medidas; apenas estimadas

    teoricamente. Portanto, um engano admitir que a hibridao seja uma causa da

    estabilidade qumica de uma determinada estrutura molecular.

    Assim como admitimos uma combinao linear entre orbitais s e p podemos supor

    uma hibridao entre orbitais d, embora haja dvidas sobre a participao desses

    orbitais na ligao, o que tem contribudo para o declnio dessa teoria.

    Geralmente os orbitais d so muito volumosos e de energia muito elevada para

    permitir uma combinao efetiva com orbitais s e d, mas podemos utilizar a

    hibridizao sp3d2 para explicar algumas distribuies dos orbitais hbridos no

    espao, como as estruturas octadricas.

  • Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 30

    Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES

    Ligaes e

    As ligaes se caracterizam pelo fato da densidade eletrnica se concentrar entre

    os dois tomos e sobre o eixo que os une. Ligaes duplas ou triplas decorrem da

    interao lateral dos orbitais, dando origem a ligaes (Figura 2.4). Nas ligaes

    a densidade eletrnica tambm se concentra entre os tomos, mas de um lado e do

    outro sobre o eixo que uni os dois tomos. A forma da molcula determinada pela

    ligao (e pelos pares isolados), e no pelas ligaes . As ligaes

    simplesmente diminuem os comprimentos das ligaes (o ngulo da ligao

    reduzido). As ligaes do tipo so comuns em molculas cujos eltrons dos

    tomos que a formam se ligam atravs de orbitais p.

    2.2.2 - Teoria dos Orbitais Moleculares

    Na teoria da ligao de valncia (dos pares eletrnicos) a molcula considerada

    como sendo constituda por tomos, onde os eltrons ocupam orbitais atmicos.

    Figura 2.4 - Ligao e na molcula de etileno (C2H4). Enquanto as ligaes se concentram no mesmo plano a ligao (responsvel pela ligao dupla do carbono) ocorre entre dois orbitais psimples e numa direo perpendicular esse plano. Em especial, a ligao C C se d atravs de um orbital hbrido tipo sp2.

  • 2.2 - Conceitos Bsicos e Fundamentais 31

    Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE

    Eles podem ou no estar hibridizados. Se hibridizados, orbitais atmicos do mesmo

    tomo se combinam para formar orbitais hbridos, que podem interagir mais

    efetivamente com os orbitais de outros tomos, formando, dessa forma, ligaes

    mais fortes. Supe-se, portanto, que os orbitais atmicos (ou os orbitais hbridos)

    permaneam inalterados, mesmo que o tomo esteja quimicamente combinado

    formando uma molcula.

    Na teoria dos orbitais moleculares (TOM) [31], os eltrons de valncia so tratados

    como se estivessem associados a todos os ncleos da molcula. Portanto, os

    orbitais atmicos de tomos diferentes devem ser combinados para formar orbitais

    moleculares (OM). A funo de onda que descreve um orbital molecular pode ser

    obtida atravs da Combinao Linear de Orbitais Atmicos (CLOA) (Linear

    Combination of Atomic Orbitals = LCAO), que ser descrita brevemente a seguir.

    Considere duas funes de onda A e B que descrevem os eltrons de valncia

    (os orbitais atmicos) de dois tomos A e B. Se esses dois tomos formarem uma

    molcula AB, podemos escrever a funo de onda molecular como uma combinao

    linear dos orbitais atmicos dos eltrons envolvidos na ligao, ou seja:

    AB = N(c1A + c2B),

    onde N a constante de normalizao.

    A probabilidade de se encontrar um eltron num volume dv ||2dv, de modo que a

    densidade eletrnica, em termos da probabilidade, para a combinao de dois

    tomos ser proporcional ao quadrado da funo de onda:

    2AB = (c12A

    2 + 2c1c2AB + c22B

    2).

    No lado direito da equao, os primeiro e terceiro termos descrevem a probabilidade

    de se encontrar um eltron nos tomos A e B, se estes fossem tomos isolados. O

    termo central se torna cada vez mais importante medida que a sobreposio

    (overlap) dos dois orbitais atmicos aumenta, sendo por isso denominado integral

    de sobreposio. Esse termo a principal diferena entre as nuvens eletrnicas nos

    tomos isolados e na molcula. Quanto maior for a contribuio desse termo mais

    forte ser a ligao.

    Para molculas poliatmicas, a presena de muitos ncleos faz os clculos de

    mecnica quntica muito mais complicados. Alm disso, muito alm do nico

  • Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 32

    Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES

    parmetro que a funo de onda depende (a distncia entre os ncleos), em

    molculas poliatmicas existe uma grande variao de parmetros envolvidos para a

    forma da funo de onda: ngulos e comprimentos entre as ligaes, rotaes, etc.

    Assim, torna-se necessrio clculos numricos para encontrar a funo de onda, a

    estrutura eletrnica ou as propriedades estruturais correlacionadas [32]. Dentre os

    mtodos de clculo, os mais conhecidos e usados so: o mtodo semi-emprico, que

    usa um Hamiltoniano mais simples e se dispe de parmetros que so ajustados a

    fim de reproduzir resultados experimentais; ab initio ou primeiros princpios, que

    procura usar o Hamiltoniano mais correto possvel, porm sua limitao se d ao

    utilizar um conjunto de base finita para descrever a funo de onda (os mtodos

    baseados nas idias de Hartree-Fock so exemplos); mtodo da densidade

    funcional (density-fuctional method), que usa o clculo da densidade eletrnica ao

    invs da funo de onda e, da, calcula-se energias e outras propriedades

    relacionadas.

    Todos esses mtodos so largamente usados no estudo das duplas perovsquitas e

    de suas propriedades estruturais, eltricas, trmicas e magnticas.

    Combinao de orbitais s e s

    Se dois tomos que possuem eltrons de valncia no orbital s se ligarem (como no

    caso da molcula de hidrognio H2) teremos duas combinaes lineares possveis

    das funes de onda, ou seja, uma em que os sinais das duas funes so iguais ou

    outra com sinais diferentes. Dessa maneira, os orbitais moleculares resultantes

    podem ser escritos como:

    g = N(A + B) ou u = N(A - B).

    A funo g (do alemo garade, que significa par) provoca um aumento da

    densidade eletrnica entre os ncleos e, portanto, um orbital molecular ligante.

    Associa-se a funo g uma energia menor que a dos orbitais atmicos originais. J

    a funo u (tambm do alemo ungarade, mpar) constituda por dois lbulos de

    sinais opostos, que se cancelam mutuamente e anulam a densidade eletrnica entre

  • 2.2 - Conceitos Bsicos e Fundamentais 33

    Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE

    os ncleos. A funo u descreve um orbital molecular antiligante, de energia mais

    elevada que os orbitais iniciais.

    Analisando em termos de energia, percebemos que o orbital ligante g passa por

    um mnimo, e a distncia entre os tomos nesse ponto corresponde distncia

    internuclear entre os dois tomos quando eles formarem uma ligao. A energia do

    orbital molecular ligante menor que a do orbital atmico por um valor ,

    denominada energia de estabilizao (Figura 2.5). Analogamente, a energia do

    orbital antiligante aumenta de um valor correspondente a . Numa molcula como a

    de H2 os dois eltrons disponveis ocupam o orbital ligante, isso resulta numa

    diminuio de energia equivalente a 2, correspondente energia de ligao.

    somente por causa dessa estabilizao do sistema que a ligao formada.

    Combinao de orbitais s e p

    Um orbital s pode se combinar com um orbital p, desde que seus lbulos estejam

    orientados ao longo do eixo que une os dois ncleos. Tambm pode ocorrer a

    formao de orbitais ligantes e antiligantes.

    Figura 2.5 - Nveis energticos de orbitais atmicos e orbitais moleculares [25].

  • Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 34

    Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES

    Combinao de orbitais p e p, p e d, d e d

    Caso ocorra uma combinao cujos orbitais p esto orientados ao longo do eixo que

    une os dois ncleos, sero formados tanto um orbital ligante quanto um antiligante

    do tipo . Como exemplo, podemos pensar em dois tomos com eltrons de

    valncia em um orbital px se aproximando para formar uma ligao covalente. Para

    orbitais p que esto orientados perpendicularmente, os orbitais moleculares so do

    tipo . Como ilustrao, se os dois tomos do exemplo anterior forem fazer uma

    segunda ligao covalente ela poderia ocorrer entre dois orbitais do tipo py. Ou seja,

    o que define uma ligao tipo ou exatamente a aproximao entre os dois

    orbitais tipo p envolvidos na ligao (Figura 2.4).

    Ocorrem combinaes ligantes e antiligantes entre orbitais p e d, mas como os

    orbitais no se encontram ao longo do eixo que une os dois ncleos, a interao

    deve ser do tipo .

    Para dois orbitais d chamamos os OM ligantes e antiligantes de e *,

    respectivamente, tendo em vista o fato da simetria em torno do eixo internuclear ser

    diferente da simetria de .

    As combinaes de orbitais atmicos vistas at aqui resultaram em um OM ligante

    de energia mais baixa e um OM antiligante de energia mais alta. Para obter um OM

    ligante com uma densidade eletrnica maior entre os ncleos, os sinais (simetria)

    dos lbulos que interagem devem ser iguais. Para formao de um OM antiligante,

    os sinais dos lbulos que interagem devem ser diferentes. Existem casos em que a

    estabilizao decorrente de uma interao entre lbulos de mesma simetria

    desestabilizada por um nmero igual de interaes de simetria de sinais opostos. Ou

    seja, no h variao de energia global do sistema, e essa combinao

    denominada no-ligante.

    Em resumo, podemos destacar que o foco principal da Teoria dos Orbitais

    Moleculares oferecer a base necessria para tornar possvel o clculo numrico

    dos coeficientes das funes moleculares atravs dos mais diversos mtodos de

    aproximao, ab initio, no emprico, semiquantitativo e semiemprico, bem como as

    aproximaes relacionadas a essa teoria, incluindo o clculo de funcional de

  • 2.2 - Conceitos Bsicos e Fundamentais 35

    Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE

    densidade. Muitos desses mtodos visam encontrar a estrutura eletrnica real dos

    complexos de metais de transio e suas propriedades correlacionadas.

    2.2.3 - Compostos de Coordenao

    Pode-se definir um composto de coordenao ou complexo como sendo um

    composto formado por um tomo metlico (na quase totalidade dos casos, um metal

    de transio) envolvido por tomos, molculas ou grupos de tomos, em nmero

    igual ou superior ao estado de oxidao mais alto do metal. Os compostos de

    coordenao mantm sua identidade em soluo. Destaca-se aqui um conceito

    importante: o nmero de coordenao - o nmero de ligantes que envolvem o

    tomo do metal.

    A teoria da coordenao de Werner (1893) [33] foi a primeira tentativa de explicar a

    ligao existente nos complexos de coordenao. Ele concluiu que esses compostos

    apresentam dois tipos de valncia.

    No estudo de compostos de coordenao o momento magntico desempenha um

    papel importante na determinao da estrutura dos complexos e suas propriedades.

    Ele pode ser determinado experimentalmente atravs de variadas tcnicas; mede-se

    a susceptibilidade magntica atravs de um dos vrios mtodos existentes e, assim,

    pode-se calcular o momento magntico. Essa medida fornece informaes sobre o

    nmero de eltrons com spins desemparelhados presentes no complexo. Tendo

    essa informao, possvel inferir como os eltrons esto arranjados e quais so os

    orbitais ocupados. A magnetoqumica dos elementos de transio fornece subsdios

    para se saber se os eltrons d esto ou no emparelhados. Essas medidas so de

    grande importncia para se distinguir se um dado complexo octadrico de spin alto

    ou de spin baixo. s vezes, possvel deduzir a estrutura do complexo apenas

    conhecendo-se seu momento magntico. Podemos encontrar, por exemplo,

    complexos que tm molculas de gua associadas estrutura. Em muitos casos a

    gua pode ou no estar coordenadas ao metal. Se ambas as estruturas existirem

    elas podem ser deduzidas a partir de suas propriedades magnticas. Os valores dos

    http://www.geocities.com/vienna/choir/9201/bloco_d.htmhttp://www.geocities.com/vienna/choir/9201/bloco_d.htmhttp://pt.wikipedia.org/wiki/1893

  • Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 36

    Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES

    momentos dipolares tambm podem fornecer informaes sobre a estrutura, mas

    somente no caso de complexos no-inicos.

    Os espectros eletrnicos (UV e visvel) tambm fornecem informaes valiosas

    sobre a energia dos orbitais e a estrutura do complexo. Por meio dessa tcnica

    possvel distinguir complexos tetradricos de octadricos e verificar se h ou no

    uma distoro estrutural nos mesmos. Porm, o mtodo mais poderoso a tcnica

    de difrao (de raios X ou de nutrons). Essa tcnica fornece informaes precisas

    sobre a estrutura da molcula, ou seja, sobre o comprimento das ligaes e os

    ngulos formados pelos tomos.

    Ligaes em Complexos de Metais de Transio

    Em complexos de metais de transio os orbitais d so utilizados para a formao

    das ligaes, portanto, importante estudar suas formas e suas orientaes no

    espao. Os cinco orbitais d no so idnticos e podem ser divididos em dois grupos.

    No primeiro grupo temos os trs orbitais t2g (ou de), que possuem formas idnticas e

    seus lbulos se situam entre os eixos x, y e z. No segundo grupo temos dois orbitais

    eg (ou dg), que possuem formas diferentes e seus lbulos se situam sobre os eixos

    do sistema de coordenadas (Figura 2.6).

    Figura 2.6 - Formas dos orbitas d. Acima, orbitais t2g; abaixo, orbitais eg.

  • 2.2 - Conceitos Bsicos e Fundamentais 37

    Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE

    As trs teorias que explicam as ligaes entre o metal e os ligantes nos complexos

    so da dcada de 30: a Teoria da Ligao de Valncia (desenvolvida por Pauling)

    [29], a Teoria do Campo Cristalino (proposta por Bethe [34] e van Vleck [35]) e a

    Teoria dos Orbitais Moleculares [31].

    Na teoria da ligao de valncia os compostos de coordenao contm ons

    complexos, nos quais os ligantes formam ligaes coordenadas com o metal. Assim,

    o ligante deve ter um par de eltrons livres e o metal um orbital vazio de energia

    adequada para formar a ligao. A teoria permite determinar quais so os orbitais

    atmicos do metal que so utilizados para formar as ligaes. A partir desse dado,

    pode-se ter a forma e a estabilidade do complexo. Contudo, essa teoria apresenta

    duas limitaes principais. A teoria no fornece nenhuma explicao para seus

    espectros eletrnicos. Alm disso, a teoria no explica porque as propriedades

    magnticas variam em funo da temperatura. Ela supe, ainda, a hibridao de

    orbitais spd. Por isso, foi substituda pela teoria do campo cristalino.

    Na teoria do campo cristalino a fora de atrao entre o metal central e os ligantes

    do complexo considerada como sendo de natureza puramente eletrosttica.

    Assim, as ligaes nos complexos podem ser consideradas como sendo oriundas de

    atraes do tipo on-on; com o metal de transio (o tomo central) sendo

    considerado como um on positivo e rodeado por ligantes negativamente carregados

    ou, alternativamente, on-dipolo onde as molculas formam dipolo por possurem

    pares de eltrons livres. A teoria simples e tem sido utilizada com xito na

    explicao dos espectros eletrnicos e das propriedades magnticas dos complexos

    dos metais de transio, particularmente quando as interaes covalentes entre o

    metal e o ligante so consideradas. A teoria do campo cristalino modificada para

    conter as contribuies covalentes denominada teoria do campo ligante. So

    possveis trs tipos de interaes: , , ou d d (retrodoao). Essa ltima decorre da interao de orbitais d preenchidos do metal com orbitais p vazios dos ligantes.

    Na teoria do campo cristalino so feitas as seguintes suposies:

    1. Os ligantes so tratados como cargas pontuais.

  • Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 38

    Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES

    2. Os eltrons do tomo central esto sob a ao de foras repulsivas

    provocadas pelos eltrons dos ligantes. Portanto, os eltrons ocupam os

    orbitais d mais afastados possvel da direo de aproximao dos ligantes.

    3. No h interao entre os orbitais do metal e o dos ligantes.

    4. Todos os orbitais d do metal tm a degenerescncia removida pelos ligantes

    do complexo.

    Na Teoria dos Orbitais Moleculares so integralmente consideradas as contribuies

    covalentes e inicas. Embora essa teoria seja, provavelmente, a melhor para tratar a

    ligao qumica, ela no substitui totalmente as outras teorias. Isso porque os

    clculos envolvidos so muitas vezes trabalhosos e demorados, implicando no uso

    de computadores por tempo prolongado para se chegar no resultado final. Alm

    disso, uma descrio qualitativa quase completa das molculas pode ser obtida por

    outros meios, que se valem da simetria e da teoria de grupos.

    Complexos Octadricos

    Num complexo octadrico o metal se situa no centro e os ligantes nos seis vrtices

    de um octaedro. Os lbulos dos orbitais eg (dx2-y2 e dz2) se situam ao longo dos eixos

    x, y e z. Os lbulos dos orbitais t2g (dxy, dxz e dyz) se situam entre os eixos do sistema

    de coordenadas. Logo, pode-se inferir que a aproximao de seis ligantes, segundo

    as direes positivas e negativas dos eixos, aumentar muito mais a energia dos

    orbitais dx2-y2 e dz2 (que se situam ao longo dos eixos) que a energia dos orbitais dxy,

    dxz e dyz (que se situam entre os eixos). Portanto, sob a influncia de um campo

    octadrico, os orbitais d se dividem em dois grupos de energias distintas.

    Ao invs de tomar como referncia o nvel energtico de um tomo metlico isolado,

    toma-se como sendo o zero de energia a mdia ponderada desses dois conjuntos

    de orbitais perturbados, ou seja, o baricentro do sistema. A diferena de energia

    entre os dois conjuntos de orbitais d representada pelos smbolos o ou 10Dq.

    Assim, os orbitais eg tm uma energia equivalente a + 0,6 o acima da mdia de

    energia, e os orbitais t2g possuem um energia igual a 0,4 o abaixo da mdia

  • 2.2 - Conceitos Bsicos e Fundamentais 39

    Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE

    (Figura 2.7). A magnitude da diferena de energia o entre os nveis t2g - eg pode ser

    facilmente medida registrando-se o espectro UV-visvel do complexo ou a partir das

    energias reticulares, sejam experimentais ou calculadas usando a equao de Born-

    Land [36].

    A magnitude de o depende de trs fatores:

    1. Da natureza do ligante;

    2. Da carga do on metlico;

    3. Do fato do metal pertencer primeira, segunda ou terceira srie de

    metais de transio.

    A intensidade do campo cristalino Dq determinada pela carga efetiva dos ligantes,

    pelo raio mdio r dos orbitais d, assim como pela distncia R entre o metal e os

    ligantes. O parmetro do campo cristalino dado (no SI) por [35]:

    .)4(6

    15

    0

    42

    =

    R

    rZeDq d

    Para o mesmo metal conectado a diferentes ligantes verifica-se que a energia de

    estabilizao do campo cristalino (EECC) varia. Os ligantes que provocam apenas

    um pequeno desdobramento do campo cristalino so designados ligantes de campo

    fraco. Ligantes que provocam um grande desdobramento so denominados ligantes

    Figura 2.7 - Diagrama dos nveis de energia dos orbitais d num campo octadrico.

    (2)

  • Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 40

    Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES

    de campo forte. Os ligantes mais comuns podem ser dispostos em ordem crescente

    em relao ao grau de desdobramento do campo cristalino . Essa srie

    determinada experimentalmente e difcil de ser explicada, pois, muitas vezes,

    incorpora tanto efeitos de ligaes quanto , alm das ligaes covalentes.

    H uma observao a ser feita sobre a distribuio de eltrons nos orbitais d quando

    temos complexos octadricos. Espera-se que complexos de ons metlicos com

    configurao d4, por exemplo, tenham uma configurao eletrnica em concordncia

    com a regra de Hund2 (Figura 2.8(a)), ou seja, com apenas dois eltrons

    desemparelhados. Nesse caso os valores de energia de estabilizao do campo

    cristalino sero iguais a (4 x -0,4 o) = - 1,6 o. Um arranjo eletrnico alternativo, que

    no segue a regra de Hund mostrado na Figura 2.8(b). Nesse arranjo quatro

    eltrons esto desemparelhados, e a EECC igual a (3 x -0,4 o) + (0,6 o) = - 0,6

    o. Nota-se que a EECC maior que no caso anterior. Contudo, necessrio

    considerar a energia P para emparelhar os eltrons, de modo que a energia de

    estabilizao total ser igual a -1,6

    o + P. Esses dois arranjos diferem no nmero

    de eltrons desemparelhados. Aquele com maior nmero de eltrons

    desemparelhados denominado de configurao de spin alto, e a outra

    configurao de spin baixo. Verificou-se que, de fato, ambas as situaes so

    possveis. Assim, o tipo de arranjo encontrado num determinado complexo depende

    dos valores de o e de P, ou seja, das magnitudes da energia necessria para

    promover um eltron do nvel t2g para o eg (isto , do desdobramento do campo

    cristalino o) e da energia necessria para emparelhar um eltron no nvel de menor

    energia t2g (isto , P). P constante para um dado on metlico. Assim, o

    desdobramento do campo cristalino determinado pela fora do campo ligante; que

    segue uma srie espectroqumica determinada experimentalmente que diz quais

    ligantes provocam um pequeno ou grande desdobramento do campo cristalino,

    respectivamente, ligantes de campo fraco e ligantes de campo forte3. Ento, para um

    ligante de campo fraco ser energeticamente favorvel que os eltrons ocupem o

    nvel superior eg e formem um complexo de spin alto, ao invs de emparelhar os

    eltrons.

    2 Para uma descrio mais detalhada das regras de Hund consultar a seo 3.4.1, p. 54. 3 Para mais informaes, sugerimos a leitura complementar, JRGENSEN, C.K.; Absorption Spectra and Chemical Bonding in Complexes, Pergamon Press, Oxford, 1962.

  • 2.2 - Conceitos Bsicos e Fundamentais 41

    Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE

    Argumentos semelhantes se aplicam aos complexos de ons metlicos com as

    demais configuraes de orbitais d (d5, d6 e d7).

    Em complexos octadricos o preenchimento dos orbitais t2g diminui a energia do

    complexo, isto , para cada eltron adicionado a esses orbitais o complexo

    estabilizado por um valor equivalente a 0,4 o. O preenchimento dos orbitais eg

    aumenta a energia do complexo de um valor igual + 0,6 o por eltron. Logo, a

    energia de estabilizao do campo cristalino (EECC) dada por:

    EECC(octadrico) = - 0,4n(t2g) + 0,6n(eg),

    onde n(t2g) e n(eg) so os nmeros de eltrons que ocupam os orbitais t2g e eg

    respectivamente. A EECC igual a zero para ons com configurao d0 e d10, tanto

    em campos ligantes fortes ou fracos. A EECC tambm igual a zero para a

    configurao d5 em um campo fraco. Todos os demais arranjos apresentam alguma

    EECC que aumenta a estabilidade termodinmica do complexo. Assim, muitos

    compostos de metais de transio apresentam uma energia reticular maior (obtidas

    por clculos usando o ciclo de Born-Haber, que relaciona a energia reticular de um

    cristal com outros dados termodinmicos) que aquela calculada com auxlio das

    equaes de Born-Land [36], Born-Meyer ou Kapustinskii [37].

    Supondo conhecido o momento magntico e que ele devido inteiramente aos spins

    de eltrons desemparelhados, pode-se utilizar a aproximao de spin only para

    determinar o valor de n, o nmero de eltrons desemparelhados. Os valores

    Figura 2.8 - Complexos de spin alto e spin baixo. a) arranjo d4 de spin alto (campo ligante fraco); b) arranjo d4 de spin baixo (campo ligante forte).

  • Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 42

    Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES

    calculados concordam razoavelmente bem com os valores encontrados para os

    complexos dos elementos da primeira srie de transio,

    .)2( += nnS

    Uma vez conhecido o nmero de eltrons desemparelhados, pode-se empregar

    tanto a teoria da ligao de valncia como a teoria do campo cristalino para

    determinar a geometria do complexo, o estado de oxidao do metal e, no caso de

    complexos octadricos, se esto sendo utilizados orbitais d internos ou externos.

    Deve-se observar que para elementos de segunda e terceira sries de transio, o

    momento angular orbital contribui para o valor de momento magntico. Alm disso,

    pode ocorrer acoplamento spin-rbita e por causa disso a aproximao spin only

    no mais vlida, havendo um forte grau de paramagnetismo dependente da

    temperatura. O acoplamento spin-rbita remove a degenerescncia dos nveis de

    menor energia do estado fundamental. Assim, a energia trmica possibilita o

    preenchimento de vrios nveis de energia.

    Vimos que a teoria do campo cristalino se baseia na atrao puramente

    eletrosttica. Apesar disso, consegue-se explicar muito bem a maioria das estruturas

    de compostos de coordenao bem como seus espectros e suas propriedades

    magnticas. A desvantagem dessa teoria que ela ignora as evidncias de que

    interaes covalentes ocorrem em pelo menos alguns complexos.

    Podemos, no entanto, estender a Teoria do Campo Cristalino incorporando o carter

    covalente das ligaes. Na interpretao dos espectros introduzido o parmetro B

    de repulso intereletrnica de Racah [38]. Ele permite considerar a ocorrncia de

    covalncia decorrente da no-localizao dos eltrons d do metal para os ligantes.

    Se B for inferior ao valor para o on metlico livre, ento os eltrons d no esto

    localizados sobre os ligantes. Quanto menor for o valor de B, maior ser o grau de

    no localizao e o carter covalente da ligao. De modo semelhante, possvel

    introduzir um fator de no localizao eletrnica k na interpretao das propriedades

    magnticas.

    (3)

  • 2.3 - Propriedades Estruturais e Magnticas 43

    Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE

    2.3 - Propriedades Estruturais e Magnticas

    2.3.1 - Estrutura Cristalogrfica

    As perovsquitas duplas ordenadas (A2BBO6) apresentam-se como uma estrutura

    modificada da perovsquita (ABO3, cuja estrutura ideal cbica e pertence ao grupo

    espacial Pm3m, n 221), onde octaedros de BO6 e BO6 formam um arranjo

    alternado dentro de duas redes cbicas de face centrada (fcc) que se sobrepem

    (Figura 2.9, seguir). Os stios A (amarelo) so ocupados por metais alcalinos ou

    terras raras enquanto os stios B correspondem a metais de transio (octaedros

    azuis e violetas, alternadamente, compartilhados e cercados por ons de oxignio

    em vermelho). Os octaedros tm seus eixos orientados ao longo das arestas da

    clula e esto unidos pelos vrtices, formando um arranjo tridimensional; esse

    arranjo contm espaos que so ocupados pelos tomos A. Esse ction ocupa a

    posio do corpo centrado e cercado por 12 tomos de oxignio (nion); cada

    tomo B (B) est no centro de seis tomos de oxignio situados nos vrtices de um

    octaedro regular e, por fim, cada oxignio coordenado por um ction B, um B e

    quatro ctions A.

  • Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 44

    Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES

    Para uma estrutura ideal de uma dupla perovsquita assume-se uma simetria cbica,

    exatamente anloga ao caso da perovsquita simples. Portanto, para a maioria dos

    casos (Ex. Ba2MnReO6) a estrutura pode ser descrita como sendo cbica e

    pertencente ao grupo espacial Fm3m. No entanto, esta estrutura apresenta em geral

    distores (tiltings) em funo da temperatura ou do raio inico do tomo que ocupa

    o stio A. Este efeito de desajuste entre os ctions A e B B induz rotaes nos

    octaedros de modo a encontrar a estrutura energeticamente mais estvel. A

    estrutura oriunda deste ajuste descrita como pseudocbica, uma vez que a

    simetria cbica Fm3m perde algumas de suas operaes (C4 em torno do eixo a e

    h com respeito ao plano 001). Com a distoro da estrutura, as operaes de

    simetria restantes conduzem a uma indicao do grupo espacial I4/m (tetragonal).

    Como mostra a Figura 2.10 ([39]), quando a distoro tetragonal entra em cena,

    uma nova clula unitria pode ser encontrada. A clula unitria verdadeira menor

    que a clula pseudocbica, tendo os eixos a e b ao longo dos vetores da rede

    pseudocbica [110] e [110]. Incrementando mais ainda as distores, a estrutura

    obtida perde mais operaes de simetria, indicando-se a simetria monoclnica P21/n

    como mais adequada para descrev-la.

    Figura 2.9 - Estrutura cristalina da dupla perovsquita mostrando os octaedros compartilhados [9].

  • 2.3 - Propriedades Estruturais e Magnticas 45

    Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE

    Como explicado na Figura 2.10, os parmetros de rede das clulas tetragonal (tetra)

    e pseudocbica (ps) esto relacionados como segue:

    .2

    ,

    pstetra

    pstetra

    aaba

    ccc

    ===

    ==

    Portanto, o parmetro de rede da clula pseudocbica, aps, que igual c antes da

    distoro, pode ser usado para quantificar a distoro tetragonal (t) como descrito a

    seguir:

    .2

    11c

    a

    c

    at ps =

    A perfeio (incremento da simetria) estrutural de uma perovsquita simples, isto ,

    o quanto ela se aproxima de uma estrutura cbica ideal, pode ser avaliada pelo que

    se convencionou chamar de fator de tolerncia f; inicialmente proposto por

    Goldshmidt para testar os limites tolerveis no tamanho do ction A [40,41].

    )(2 OB

    OA

    rr

    rrf

    ++

    = ,

    Figura 2.10 - Esquerda: estrutura de uma dupla perovsquita cbica ideal. As linhas slidas representam a clula unitria tetragonal. Direita: viso superior da clula unitria tetragonal mostrando as distores. A linha fina o parmetro de rede da clula cbica (esquerda) e pseudocbica (direita).

    (4)

  • Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 46

    Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES

    onde rA, rB e rO so os raios inicos dos elementos A, B e do oxignio,

    respectivamente. Devido a sua alta simetria (sua geometria), a estrutura cbica ideal

    tem f = 1; assim, o fator de tolerncia mede o quanto a estrutura se desvia da

    estrutura cbica ideal.

    O conceito do fator de tolerncia tambm pode ser adaptado para uma dupla

    perovsquita. Em geral, para uma dupla perovsquita que tem mistura no stio A,

    assumindo a forma A2-xAxBBO6, o fator de tolerncia pode ser escrito como

    ++

    ++

    OBB

    OAA

    rrr

    rrx

    rx

    f

    222

    221

    '''

    '''

    ,

    onde rA, rA, rB e rB so os raios inicos dos respectivos ons envolvidos na

    estrutura. Uma forma mais conveniente de escrever essa equao (principalmente

    quando temos apenas um tipo de tomo no stio A) :

    .2)(2 > 1,05 uma estrutura hexagonal adotada, para 1,05 > f >

    1,00 o composto se torna cbico dentro do grupo espacial Fm3m, para 1,00 > f >

    0,97 a estrutura mais provvel corresponde ao grupo espacial tetradrico I4/m, e

    finalmente, se 0,97 > f, o composto se torna ou monoclnico (P21/n) ou ortorrmbico.

  • Cap

    tul

    o 2

    D

    upla

    s P

    erov

    squi

    tas

    Ord

    enad

    as

    48

    Car

    acte

    riza

    o

    da D

    upla

    Per

    ovsq

    uita

    Ca 2

    MnR

    eO6

    Pre

    sLA

    B -

    UFE

    S

    Tab

    ela

    2.2

    - P

    rinci

    pais

    pro

    prie

    dade

    s cr

    ista

    logr

    fic

    as e

    fs

    icas

    das

    dup

    las

    pero

    vsqu

    itas

    orde

    nada

    s A

    2BB

    'O6:

    o f

    ator

    de

    tole

    rnc

    ia t

    eric

    o (f

    ) ob

    tido

    da

    defin

    io

    dad

    a na

    equ

    ao

    e d

    a ta

    bela

    de

    Sha

    nnon

    [42

    ]; o

    fato

    r de

    tol

    ern

    cia

    obse

    rvad

    o (f

    obs)

    cal

    cula

    do d

    as e

    stru

    tura

    s cr

    ista

    logr

    fic

    as r

    elat

    adas

    nas

    re

    fer

    ncia

    s in

    dica

    das

    (ver

    ref

    ern

    cia

    [39]

    ); g

    rupo

    esp

    acia

    l cris

    talo

    grf

    ico

    rela

    tado

    (H

    = h

    exag

    onal

    , e

    O =

    ort

    orr

    mbi

    co p

    ara

    os c

    asos

    ond

    e se

    des

    conh

    ece

    o gr

    upo