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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTO CENTRO DE CINCIAS EXATAS
PROGRAMA DE PS - GRADUAO EM FSICA
DANILO OLIVEIRA DE SOUZA
CARACTERIZAO ESTRUTURAL,
MORFOLGICA E MAGNTICA DA DUPLA
PEROVSQUITA Ca2MnReO6
VITRIA
2009
DANILO OLIVEIRA DE SOUZA
CARACTERIZAO ESTRUTURAL, MORFOLGICA E MAGNTICA DA DUPLA
PEROVSQUITA Ca2MnReO6
Dissertao apresentada ao Programa de Ps Graduao em Fsica do Centro de Cincias Exatas da Universidade Federal do Esprito Santo, como requisito parcial para a obteno do grau de Mestre em Fsica, na rea de concentrao de Fsica da Matria Condensada. Orientador: Prof. Dr. Marcos Tadeu DAzeredo Orlando Co-Orientador: Prof. Dr. Humberto Belich Junior
VITRIA
2009
Dados Internacionais de Catalogao-na-publicao (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Esprito Santo, ES, Brasil)
Souza, Danilo Oliveira de, 1981- S729c Caracterizao estrutural, morfolgica e magntica da dupla
perovsquita Ca2MnReO6 / Danilo Oliveira de Souza. 2009. 123 f. : il. Orientador: Marcos Tadeu DAzeredo Orlando. Co-Orientador: Humberto Belich Junior. Dissertao (mestrado) Universidade Federal do Esprito
Santo, Centro de Cincias Exatas. 1. Perovsquita. 2. Spintrnica. 3. Raios X - Difrao. 4.
Raios X. 5. Absoro. I. Orlando, Marcos Tadeu DAzeredo. II. Belich Junior, Humberto. III. Universidade Federal do Esprito Santo. Centro de Cincias Exatas. IV. Ttulo.
CDU: 53
Agradecimentos
Meus sinceros agradecimentos a todas aquelas pessoas que de algum modo contriburam para
que este trabalho pudesse ser realizado. Em especial, gostaria de lembrar algumas pessoas que
me foram fundamentais:
Ao Prof. Dr. Marcos Tadeu DAzeredo Orlando, pelo trabalho de orientao, pela plena
confiana na minha pessoa como aluno e por no medir esforos para que a pesquisa pudesse
ser conduzida de modo a produzir um trabalho prazeroso e de qualidade.
Ao Prof. Dr. Humberto Belich Jr., pela co-orientao, amizade e apoio.
Aos Pesquisadores Hamilton Corra (UFMS) e Eduardo Granado (Unicamp). Esse pelas
medidas magnticas realizadas e aquele pelas opinies e sugestes fundamentais para o
andamento do trabalho. Ainda, ao pesquisador Carlos Augusto Cardoso Passos e aos colegas
Jos Lus Passamai Jr. e Valdi Jr.
minha mais que amiga Janaina Bastos Depianti e a Letcia Kuplich.
agncia de fomento CAPES, pelo apoio financeiro.
Clarice de Almeida Fiorillo.
Foi o tempo que gastaste com a tua rosa que fez tua rosa to
importante. [...]
Tu te tornas eternamente responsvel pelo que te cativas. Tu s
responsvel pela tua rosa.
O Pequeno Prncipe, Antoine de Saint - Exupry
v
Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE
Resumo
Compostos com estrutura tipo perovsquita dupla ordenada, A2BBO6 (onde A um ction divalente e B um metal de transio) tm despertado grande interesse cientfico e tecnolgico nos ltimos anos. Esses materiais apresentam propriedades magnticas bem definidas e fortemente correlacionadas com a estrutura, embora de maneira complexa. Esses e outros aspectos colocaram esses compostos como fortes candidatos para produzir dispositivos com aplicao na eletrnica de spin, ou spintrnica. Em especial, se destacam as perovsquitas duplas com base de rnio, ou seja, aquelas em que o stio B ocupado por um tomo desse tipo. As perovsquitas duplas tm sido estudadas desde a dcada de 1960, no entanto, o recente contexto tecnolgico da spintrnica foi o grande responsvel pelo desenvolvimento acelerado na rea desses compostos. Este trabalho descreve a sntese e a caracterizao estrutural e magntica da perovsquita dupla Ca2MnReO6 atravs das tcnicas de difrao a absoro de raios x por luz sncrotron, microscopia eletrnica de varredura e medidas de susceptibilidade magntica em funo da temperatura. As imagens de microscopia eletrnica mostraram uma homogeneidade de tamanho e forma das partculas na amostra. Utilizou-se o refinamento Rietveld para se obter os parmetros estruturais do composto. Esse refinamento indicou uma fase cristalogrfica nica na amostra, alm de fornecer dados para que fosse possvel o clculo da valncia do Re nessa estrutura. Os resultados obtidos pelo Rietveld concordam com as medidas de absoro de raios x e indicam uma valncia formal (ou efetiva) para o tomo de Re de +5,5. Isso interpretado admitindo-se que existem na estrutura do composto tomos de Rnio com valncia Re+5 e valncia Re+6, alternando com ligaes onde os tomos de Mn apresentam, respectivamente, valncia Mn+3 e Mn+2. As medidas de susceptibilidade magntica indicam transio de fase em torno de 120 K e um estado tipo spin glass abaixo dessa temperatura. Um possvel modelo para os resultados magnticos pode ser dado admitindo uma contribuio pfia, ou nula, dos momentos magnticos dos tomos de Re nessa dupla perovsquita.
vi
Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES
Abstract
Compounds with structure of ordered double perovskyte, A2BBO6 (A being an alkaline-earth and B being a transition-metal in alternate sites) have attracted interest of the researches because their strong correlated structural and magnetic properties. Moreover, they are suitable candidates to produce devices with great application in spin-electronic, named spintronics. The special group of these compounds, the Re-based ordered double perovskites, i. e., the double perovskites where the B sites are occupied by Re atoms, have been studied since 1961. However, it was only at the last decade, in spintronics framework, that these compounds have received a special attention. This work describes the synthesis and characterization of Ca2MnReO6 ordered double perovskyte. It does that by marking out sintered procedures and the structural and magnetic properties, which have been investigated by synchrotron x ray powder diffraction, x ray absorption spectroscopy and magnetic measurements. SEM images have shown homogeneity phase composition, the morphology and size of the ceramic grains. The Rietveld refinement has revealed a monophase compound and it was used to determinate the lattice parameters. The x ray absorption spectroscopy agrees with the diffraction results and point to a formal (or effective) valence for Re atoms as +5,5. An interpretation of this result is that there exists a mixed valence for Re atoms, balanced by mixed valence of Mn atoms. The magnetic susceptibilities measurements were performed with temperature variation and have pointed a paramagnetic phase transition in 120 K with a spin glass type state below this value. An explanation for the magnetic result may be given with assumption of low contribution magnetic moment of Re atoms, or a nonexistent one.
vii
Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE
Lista de Figuras
Figura 2.1 - Mecanismo de Dupla Troca proposto por Zener. ................................................. 18
Figura 2.2 - (a) Funes de onda radiais [25]. Orbitais atmicos: (b) orbital s, para n =1 e n
= 2; (c) orbitais p; (d) orbitais 3dx2
y2 esquerda e 3dz
2 direita; (e) orbitais
3dxy, 3dxz e 3dyz, respectivamente. ....................................................................... 24
Figura 2.3 - Relao dos raios limitantes para os nmeros de coordenao 3, 4 e 6. (a)
seo transversal atravs de um tringulo plano; (b) tetraedro inscrito em um
cubo; (c) diagrama para o caso tetradrico; (d) seo transversal para um
arranjo octadrico [25]. ........................................................................................ 26
Figura 2.4 - Ligao e na molcula de etileno (C2H4). Enquanto as ligaes se concentram no mesmo plano a ligao (responsvel pela ligao dupla do carbono) ocorre entre dois orbitais p simples e numa direo perpendicular
esse plano. Em especial, a ligao C C se d atravs de um orbital hbrido
tipo sp2. ................................................................................................................ 30
Figura 2.5 - Nveis energticos de orbitais atmicos e orbitais moleculares [25]. ................... 33
Figura 2.6 - Formas dos orbitas d. Acima, orbitais t2g; abaixo, orbitais eg. .............................. 36
Figura 2.7 - Diagrama dos nveis de energia dos orbitais d num campo octadrico. ............... 39
Figura 2.8 - Complexos de spin alto e spin baixo. a) arranjo d4 de spin alto (campo ligante
fraco); b) arranjo d4 de spin baixo (campo ligante forte). .................................... 41
Figura 2.9 - Estrutura cristalina da dupla perovsquita mostrando os octaedros
compartilhados [9]. .............................................................................................. 44
Figura 2.10 - Esquerda: estrutura de uma dupla perovsquita cbica ideal. As linhas slidas
representam a clula unitria tetragonal. Direita: viso superior da clula
unitria tetragonal mostrando as distores. A linha fina o parmetro de rede
da clula cbica (esquerda) e pseudocbica (direita). ......................................... 45
Figura 2.11 - Diagrama esquemtico dos nveis de energia de Sr2FeMoO6. O nvel de
Fermi esta na banda formada exclusivamente pelas sub-bandas Fe (t2g ) O
viii
Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES
(2p) Mo (t2g ) [39]. O smbolo ex representa a energia de troca (emparelhamento de eltrons). ............................................................................. 49
Figura 2.12 - Diagrama de fase para A2FeMoO6 com dados de diversos autores (ver [39]).
As reas escuras correspondem fase ferromagntica, enquanto as claras
correspondem fase paramagntica. ................................................................... 53
Figura 3.1 - Espectro de absoro tpico mostrando as regies de XANES e EXAFS. ........... 67
Figura 3.2 - Arranjos ordenados dos spins dos eltrons, (a) ferromagntico; mostrando o
tipo canted como caso particular de ferromagnetismo, (b) antiferromagntico;
mostrando o tipo helicoidal como caso particular do antiferromagnetismo e
(c) ferrimagntico [79]. ........................................................................................ 78
Figura 3.3 - Sumrio da dependncia da magnetizao, ou o inverso da susceptibilidade,
em funo da temperatura. No comportamento ferrimagntico, CA, NAA, NBB e
NAB so termos da expanso do campo molecular; ou campo de Weiss [89]. ..... 80
Figura 3.4 - (a) Exemplo simples de frustrao. Se os trs spins estiverem orientados como
indicado, o quarto apresentar frustrao (os sinais se referem troca) [87].
(b) Susceptibilidade AC em funo da temperatura do Cu:Mn [91]. (c)
Susceptibilidade DC do Ag:Mn [92]. .................................................................. 81
Figura 3.5 - Esquema simplificado do funcionamento do susceptmetro AC. ........................ 82
Figura 4.1 - Imagens de microscopia da amostra produzida. No topo esquerda, imagem
em SE; abaixo esquerda, a mesma imagem em BSD. direita, identificao
dos compostos nas reas indicadas pelos crculos. .............................................. 86
Figura 4.2 - Imagens de MEV de Ca2MnReO6 apliadas em 8000x (acima) e 12290x
(abaixo). ............................................................................................................... 87
Figura 4.3 - Estrutura cristalina da perovsquita gerada pelo PowderCell. ............................... 89
Figura 4.4 - Padro de difrao calculado e medido para a dupla perovsquita. No inset
nota-se a maior resoluo e alinhamento do padro feito no LNLS. ................... 89
Figura 4.5 - Resultado do refinamento Rietveld para o Ca2MnReO6. Os parmetros de
ajuste so: Rwp = 0,1093; Rp = 0,0877; 2 = 2,448 e RF2 = 0,0466. ...................... 90
ix
Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE
Figura 4.6 - Detalhes da estrutura do Ca2MnReO6 contruda partir dos dados do
refinamento Rietveld, (a), (b) e (d) representam uma viso planar da estrutura
e (c) uma viso em perspectiva. ........................................................................... 93
Figura 4.7 - (a) Coordenao dos tomos de oxignio (vermelho) em torno do rnio (verde)
e (b) em torno do mangans (cinza); mostra-se, ainda, as distncias das
ligaes. ............................................................................................................... 94
Figura 4.8 - Espectro de Absoro da perovsquita dupla Ca2MnReO6 e dos padres ReO2 e
ReO3 (com as linhas tracejada apontando a posio das respectivas bordas de
absoro). As caractersticas A, B, C e D, alm da posio da borda de
absoro, so pontos que indicam uma semelhana maior com o espectro do
ReO3. .................................................................................................................... 96
Figura 4.9 - Valores dos primeiros momentos (Em) calculados e posies das WL para os
compostos envolvidos na XAS. ........................................................................... 99
Figura 4.10 - Curvas de magnetizao em funo da temperatura para campo aplicado
(campo alto, de 5 T, e campo baixo). O tringulo indica a temperatura de
irreversibilidade termomagntica. ..................................................................... 100
Figura 4.11 - Medidas de SQUID do inverso da susceptibilidade magntica em funo da
temperatura. ....................................................................................................... 101
Figura 4.12 - Medidas do inverso da susceptibilidade magntica em funo da temperatura
feitas no PresLAB atravs de susceptibilidade AC. .......................................... 102
Figura 4.13 - Arranjo dos spins do Mn+2 e do Re+6 no Sr2MnReO6 de acordo com os dois
modelos propostos por Popov et al. Os octaedros mais escuros contm Mn,
que tem momento magntico maior. ................................................................. 106
Figura 4.14 - Ilustrao esquemtica da origem da frustrao para a componente y do
momento do Re. Para uma clareza na ilustrao somente as componentes x
(FM) e y (AFM) so mostradas. ........................................................................ 108
x
Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES
Lista de Tabelas
Tabela 2.1 - Relao de Raios Limitantes e Estruturas. ........................................................... 26
Tabela 2.2 - Principais propriedades cristalogrficas e fsicas das duplas perovsquitas
ordenadas A2BB'O6: o fator de tolerncia terico (f) obtido da definio dada
na equao e da tabela de Shannon; o fator de tolerncia observado (fobs)
calculado das estruturas cristalogrficas relatadas nas referncias indicadas
(ver referncia [42]); grupo espacial cristalogrfico relatado (H = hexagonal, e
O = ortorrmbico para os casos onde se desconhece o grupo espacial);
parmetros de rede (a, b, c); distoro tetragonal (t) como definido na
equao; estados de valncia representativos dos tomos B e B determinados
de acordo com cada referncia citada (ver referncia [42]); temperatura de
ordenamento magntico (PM = paramagntico para todo intervalo de
temperatura, AFM = antiferromagntico, C = canted ferromagnetismo). ........... 48
Tabela 4.1 - Dados Cristalogrficos de Ca2MnReO6 obtidos atravs de refinamento
Rietveld. ............................................................................................................... 91
Tabela 4.2 - Coordenadas Atmicas e Parmetros de deslocamento isotrpicos (em 2). ...... 91
Tabela 4.3 - Alguns Parmetros Selecionados; Distncia e ngulo da Ligaes (, ). ......... 92
Tabela 4.4 - Clculo da valncia do tomo de Re em Ca2MnReO6 a partir das distncias
entre o on (Re ou Mn) e o oxignio. ................................................................... 95
Tabela 4.5 - Valncia formal determinada por diferentes mtodos a partir dos padres
usados (ver texto). ................................................................................................ 98
Tabela 4.6 - Valores Calculados e Medidos para o Magnetn de Bohr Efetivo para
Algumas configuraes do Mn e Re. ................................................................. 104
Tabela 4.7 - Parmetros magnticos refinados do Sr2MnReO6 para T = 8 K em trs
modelos: um com simetria P21/n e dois com simetria P21/n com e sem um
momento ordenado do Re. ................................................................................. 107
Tabela 4.8 - Comparao entre os parmetros dos compostos Ca2CrReO6 e Ca2MnReO6.... 112
xi
Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE
Sumrio
Resumo ....................................................................................................................................... v
Abstract ...................................................................................................................................... vi
Lista de Figuras ........................................................................................................................ vii
Lista de Tabelas .......................................................................................................................... x
Sumrio ...................................................................................................................................... xi
Captulo 1 Introduo ............................................................................................................... 13
Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas.............................................................................. 17
2.1 - Histrico ....................................................................................................................... 17
2.2 - Conceitos Bsicos e Fundamentais .............................................................................. 21
2.2.1 - Ligaes Qumicas e Orbitais Atmicos ............................................................... 22
2.2.2 - Teoria dos Orbitais Moleculares ........................................................................... 30
2.2.3 - Compostos de Coordenao .................................................................................. 35
2.3 - Propriedades Estruturais e Magnticas ........................................................................ 43
2.3.1 - Estrutura Cristalogrfica ....................................................................................... 43
2.3.2 - Correlao Entre Estrutura Eletrnica e Magnetismo ........................................... 49
Captulo 3 Materiais e Mtodos................................................................................................ 56
3.1 - Sntese das Amostras .................................................................................................... 57
3.2 - Caracterizao Estrutural das Amostras ....................................................................... 58
3.2.1 - Microscopia Eletrnica de Varredura (MEV) ....................................................... 58
3.2.2 - Anlise Cristalogrfica .......................................................................................... 61
3.3 - Absoro de Raios X (XAS) ........................................................................................ 66
3.4 - Susceptibilidade Magntica.......................................................................................... 68
xii
Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES
3.4.1 - Breve Teoria do Magnetismo ................................................................................ 68
3.4.2 - Medidas de Susceptibilidade Magntica ............................................................... 82
Captulo 4 Resultados e Discusses ......................................................................................... 85
4.1 - Resultados das Medidas de Microscopia (MEV) ......................................................... 85
4.2 - Resultados da Difrao de Raios X .............................................................................. 88
4.3 - Resultados da Absoro de Raios X (XAS) ................................................................. 96
4.4 - Resultados das Medidas Magnticas .......................................................................... 100
Captulo 5 Concluses ............................................................................................................ 109
Referncias Bibliogrficas ...................................................................................................... 114
Captulo 1
Introduo
S XIDOS DE METAIS DE TRANSIO com estrutura similar ao titanato de clcio
(CaTiO3), conhecido como perovsquita, oferecem um campo de grande
interesse para a Fsica Moderna, seja do ponto de vista terico,
experimental, ou visando aplicaes tecnolgicas. Geralmente so materiais
cermicos que combinam elementos metlicos e no-metlicos, na maioria das
vezes o oxignio, e tm um arranjo atmico especfico. Eles tm atrado ateno dos
pesquisadores interessados na variedade de fenmenos de transporte apresentados
por materiais com essa estrutura, de frmula qumica ABX3 e rotulados como
perovsquitas. Em particular, podemos citar o trabalho de Imada et al. [1] que
apresenta uma completa reviso das caractersticas intrnsecas de uma grande
variedade de xidos com valncia mista no metal de transio, o que resulta na
interao entre as propriedades estruturais, magnticas e eletrnicas dos
compostos, criando assim uma rica variedade de fases. Um exemplo significativo do
papel das perovsquitas na Fsica Moderna dado pelos compostos cermicos que
apresentam supercondutividade de alta temperatura, denominados high-Tc.
Os xidos de valncia mista como as manganitas (xidos de mangans), cuja
frmula qumica dada por R1-xAxMnO3+d, sendo R um elemento do grupo das terras
raras e A um metal bivalente, apresentam propriedades singulares e importantes. O
estudo dessas propriedades levou dois cientistas (Albert Fert e Peter Grumberg) a
receberem o prmio Nobel, em 2007, pela descoberta da magnetoresistncia
colossal [2]. Essa descoberta abriu caminho para a eletrnica de spin, tambm
O
Captulo 1 14
Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES
chamada de magnetroeletrnica ou spintrnica1[3], atravs do projeto e construo
de dispositivos do tipo junes de tunelamento magntico, memrias magnticas
no volteis de computadores e uma srie de outros dispositivos que utilizam esse
fenmeno [4].
Nesse campo, as manganitas tm seus estudos primordiais na dcada de 1950.
Nesse tempo buscava-se desenvolver novos materiais magnticos para aplicaes
em temperaturas prximas temperatura ambiente. O estudo pioneiro desses
ferromagnetos com valncia mista do mangans devido Jonker e Van Santen [5].
A partir da, outros estudos foram feitos e constatou-se que as propriedades desses
materiais (caractersticas de metal ou isolante, cristais inicos ou covalentes, ordem
magntica, transio de fase induzida por presso, entre outras) so ligadas,
principalmente, por aqueles parmetros que caracterizam o composto, tais como, a
estrutura cristalina e a sua composio. Fatores externos como campo magntico e
temperatura tambm influenciam em suas propriedades. Ao tentar entender as
correlaes entre essas propriedades, alguns conceitos fsicos importantes foram
elaborados, como a interao de dupla troca proposta por Zener [6] e o efeito Jahn-
Teller [7].
A configurao estrutural desses compostos causa interferncia entre os orbitais
atmicos, formando orbitais moleculares susceptveis a modificaes do campo
cristalino. Os orbitais d so os tipos de orbitais utilizados para descrever a formao
das ligaes em compostos com coordenao. A teoria do campo ligante
representa uma modificao da teoria do campo cristalino para abrigar as
contribuies das ligaes covalentes [8].
A estabilidade das estruturas tipo perovsquita ABX3 primeiramente derivada da
energia eletrosttica (energia de Madelung) atingida se os ctions ocupam as
posies de octaedros unidos pelos vrtices; assim o primeiro pr-requisito para
uma perovsquita ABX3 estvel a existncia de blocos estruturais estveis em stios
octaedrais [9]. Isso, por sua vez, requer que o ction B tenha uma preferncia pela
coordenao octadrica e que se tenha uma carga efetiva sobre este ction. Um
segundo pr-requisito que o ction A tenha o tamanho adequado para que o
1 Spintrnica o neologismo usado para designar a eletrnica baseada no transporte do spin do eltron, e que foi introduzida pela primeira vez em 1996 para designar um programa da Agncia de Projetos de Pesquisa de Defesa Avanada dos Estados Unidos (DARPA, em ingls).
Introduo 15
Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE
mesmo ocupe o relativamente grande interstcio aninico criado pelos octaedros de
vrtices compartilhados. Quando este grande demais, o comprimento da ligao B
X no pode ser otimizado e um empilhamento hexagonal com octaedros de faces
compartilhadas aparece como arranjo competitivo. Quando o ction A muito
pequeno, as ligaes A X estabilizam em estruturas com coordenao aninica
menor ao redor do ction A. Ainda que se tenha um grande nmero de perovsquitas
simples, ABX3, o nmero de compostos multiplicado quando um o mais dos ons
originais so substitudos por outros ons. Na maioria dos casos esta substituio
acontece nos stios dos ctions e gera um grupo numeroso de compostos
conhecidos como perovsquitas duplas ordenadas, A2BBX6; onde A ocupado por
um on alcalino-terroso ou terra-rara e os stios B so ocupados alternadamente por
ons de algum metal de transio.
O objetivo deste trabalho descrever a sntese e a caracterizao estrutural e
magntica do composto do tipo dupla perovsquita ordenada Ca2MnReO6 (CMRO).
As amostras foram analisadas utilizando a tcnica de difrao de raios x de p
(XPD) para determinao da estrutura cristalogrfica. Uma anlise morfolgica foi
realizada usando microscopia eletrnica de varredura (MEV). Alm disso, medidas
de susceptibilidade magntica AC e absoro de raios x tambm foram tomadas, a
fim de se obter a caracterizao magntica do composto e o estado de valncia do
tomo de Re, correlacionando, assim, essas duas grandezas.
Considerando os objetivos descritos acima, esta dissertao est dividida da
seguinte forma:
No Captulo 2 contextualizamos o problema atravs de um histrico do estudo das
duplas perovsquitas e os avanos obtidos nessa rea. Tratamos das principais
caractersticas estruturais desses compostos, definindo o fator de tolerncia e
analisando as possveis distores decorrentes na estrutura. Descrevemos esses
aspectos correlacionando-os com algumas propriedades magnticas mais comuns e
que so recorrentes em estudos nesse tema. Tambm, descrevemos de forma
sucinta alguns conceitos fundamentais objetivando dar maior clareza conceitual para
o trabalho.
Captulo 1 16
Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES
No Captulo 3 so descritas as tcnicas e instrumentao utilizada na pesquisa.
Procuramos ser breves, porm concisos, na descrio das tcnicas, fundamentao
matemtica e condies experimentais na sntese da amostra, em sua
caracterizao cristalogrfica atravs de XPD (X ray Powder Diffraction, difrao
de raios X de p) e anlise (refinamento) de Rietveld, na absoro de raios X
utilizando radiao sncrotron, na caracterizao micro estrutural por MEV
(Microscopia Eletrnica de Varredura), e na susceptibilidade magntica () AC e DC SQUID.
No Captulo 4 os resultados das medidas so apresentados e os aspectos mais
importantes destes resultados so apontados e discutidos. Damos uma nfase maior
na caracterizao estrutural porque acreditamos que ela forma o alicerce para o
entendimento das demais propriedades (magnticas e de transporte, por exemplo),
tendo em vista a enorme correlao entre esses parmetros, como ser exposto nos
captulos posteriores.
No Captulo 5 mostramos as concluses do estudo ressaltando, novamente, a
caracterizao estrutural e sua correlao com as demais propriedades.
Ainda no Captulo 5, uma breve perspectiva da continuao da pesquisa
apresentada. Dada a rica possibilidade de fenmenos envolvidos nestes sistemas
fsicos (as duplas perovsquitas), as possveis e promissoras aplicaes (spintrnica,
computao quntica, dispositivos nanoestruturados, entre outros), e a grande
variedade de parmetros, propomos a substituio parcial dos tomos de Mn
localizados em um dos stios B por tomos de Cr. Com essa substituio, podemos
estudar a variao na temperatura de transio de fase e o prprio estado
magntico e estrutural. Alm disso, aplicando uma variao de presso tanto na
estrutura original Ca2MnReO6, quanto na estrutura dopada, podemos avaliar as
modificaes ocorridas; novamente, nos aspectos estruturais e magnticos.
Captulo 2
Duplas Perovsquitas Ordenadas
2.1 - Histrico
EROVSQUITAS COM COMPORTAMENTO FERROMAGNTICO em temperaturas
prximas a do ambiente foram primeiramente relatadas pelos fsicos
holandeses Jonker e Van Santen [5] em 1950, no estudo pioneiro em
manganitas AMnO3 (onde A um on divalente ou trivalente). A principal
contribuio desse trabalho foi a reveladora correlao entre a temperatura de Curie
TC, a resistividade e a magnetizao de saturao MS de algumas dessas manganitas (inclusive foram esses prprios pesquisadores que cunharam o termo
manganita, um neologismo do ingls manganise perovskyte para manganite).
Nesses compostos, a existncia de valncias mistas nos tomos de mangans
atravs da transferncia de eltrons pelos orbitais do oxignio foi usada para
explicar o comportamento ferromagntico via mecanismo de dupla troca proposto
por Zener [6].
A proposta de Zener [6] descreve um novo tipo de interao para explicar a
condutividade nas manganitas que apresentavam valncia mista, bem como o
comportamento ferromagntico encontrado nos trabalhos de Jonker e van Santer.
No seu estudo, Zener [6] explicou essas duas propriedades com base na hiptese
de os eltrons nos tomos de mangans Mn+3 e Mn+4 pudessem transitar entre
eles tendo como mediador o tomo de oxignio, o que explicaria a condutividade
P
Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 18
Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES
desses compostos (Figura 2.1). Ainda, calculou que o estado mais favorvel
energeticamente entre os eltrons dos dois tomos de mangans favoreceria o
acoplamento ferromagntico entre eles, isto , nesses dois tomos (Mn+3 e Mn+4) os
eltrons de valncia tm spins paralelos. A essa interao Zener [6] chamou de
dupla troca. Ainda que incompleto, esse trabalho constitui a base do modelo para o
entendimento dos xidos magnticos [6].
Essa descoberta encorajou mais estudos em xidos que poderiam mostrar
ferromagnetismo em altas temperaturas via algum mecanismo de transferncia de
eltrons entre metais de transio de valncia mista, em anlogo ao observado nas
manganitas.
Foi em 1961 que se publicou o primeiro trabalho sobre duplas perovsquitas com
comportamento ferromagntico acima da temperatura ambiente (esse estudo foi
realizado por J. Longo e R. Ward [10] que sintetizaram duplas perovsquitas com
base de rnio, A2BReO6; onde o stio B ocupado por um tomo de rnio e com o
stio B sendo ocupado por um outro metal de transio). Destaca-se nesse trabalho
a ateno dada ao fato de que j especulada uma relao entre estrutura e
propriedades magnticas, alm da incompatibilidade na explanao das prprias
propriedades magnticas com as teorias conhecidas, isto , a dificuldade de explicar
as propriedades magnticas em termos da interao entre os tomos dos stios B.
Em experimentos posteriores (1962) Longo e Ward [11] se juntaram a A. W. Sleight
[12] para estudar as propriedades magnticas e eltricas nesses materiais (esse
ltimo, conduzido por Sleight et al [12] em 1972). Naquele trabalho [11], relataram a
dificuldade de se produzir amostras monofsicas ou livres de impureza com relao
magnetizao dos compostos, alm disso, descreveram a divergncia das
Figura 2.1 - Mecanismo de Dupla Troca proposto por Zener.
2.1 - Histrico 19
Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE
medidas dos momentos efetivos das duplas perovsquitas (com base de rnio ou
smio) com o valor para esses momentos calculados. Pautaram a discusso em
termos do estado de oxidao dos tomos de Re ou Os e no fato da possibilidade de
a estrutura no ser totalmente ordenada; isto , quando no h uma seqncia
perfeita e alternada entre os elementos do stio B e B.
Motivados por esses resultados encontrados em perovsquitas com base de rnio
seguiram-se, ento, estudos nessa rea com variaes de elementos na posio do
sitio B; foram estudadas duplas perovsquitas com base de molibdnio (Mo) e
tungstnio (W) [13]. Esses resultados mostraram que o ferromagnetismo acima da
temperatura ambiente era de fato possvel em alguns desses compostos. A partir
desses estudos na dcada de 60, formatou-se o conceito de que as regras de
supertroca no davam conta de explicar o ordenamento ferrimagntico dos stios B e
B nesses compostos. Ainda, descobriu-se o inesperado comportamento altamente
condutor dos compostos A2FeMoO6 e A2FeReO6 [12]. Todas essas descobertas
levaram a comunidade cientfica crer que a fsica envolvida nesses compostos era
muito mais rica que o esperado.
Ainda que alguma pequena atividade de pesquisa tenha se mantido nas trs
dcadas seguintes nessa classe de materiais, a publicao de Kobayashi et al [14]
em 1998 sobre as propriedades semi-metlicas do Sr2FeMoO6 engatilhou um
interesse renovado nesses compostos no contexto de suas potenciais aplicaes no
campo da eletrnica de spin. Esse trabalho inovador teve seu foco exatamente nas
propriedades de magnetorresistncia desse material. Alm disso, o trabalho sugere,
com base nos dados encontrados de alta variao da resistividade baixos campos
aplicados (principalmente atravs de clculos de estrutura eletrnica associados
medidas de resistividade e magnetorresistncia em funo da temperatura), que
esse composto pode ser largamente explorado, no contexto da eletrnica de spin ou
spintrnica.
De fato, a spintrnica o novo paradigma da eletrnica baseada no grau de
liberdade de spin do eltron [15, 16, 17]. o campo emergente da cincia e
tecnologia que provavelmente ter maior impacto significante em todos os aspectos
da eletrnica. Nessa tecnologia no a carga do eltron, mas o spin quem carrega
informao. Isso oferece uma gama enorme de oportunidades para uma nova
gerao de dispositivos combinando microeletrnica padro com efeitos que
Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 20
Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES
dependem do spin do eltron. Efeitos esses que surgem da interao entre o spin
dos portadores de carga e as propriedades magnticas do material. Dispositivos
operando de maneira tal que gerem correntes de spins polarizados, semicondutores
atuais com adio desse grau de liberdade, por exemplo, teriam a vantagem de
serem no volteis, consumindo menos energia e aumentando a capacidade de
processamento, aliado a diminuio do tamanho dos dispositivos [18, 19]. Hoje,
acredita-se que a fuso da eletrnica, fotnica e magnetismo levaro dispositivos
spintrnicos multifuncionais tais como spin-FET (Field Effect Transistor), spin-LED
(Light Emitting Diode) e spin RTD (Resonant Tunneling Device), switches pticos
operando em freqncias de tera-hertz, e bits qunticos para computao quntica e
comunicao [20, 21, 22].
Sem dvida, o grande responsvel por tamanho avano que j visvel hoje nessa
rea foi a descoberta da magnetorresitncia gigante em 1988 e, portanto, um
efeito fortemente procurado e estudado nas duplas perovsquitas. No entanto, o
sucesso dessas especulaes depende, sobretudo, de um aprofundado avano no
entendimento das interaes fundamentais do spin nos slidos, bem como as regras
de funcionalidade, defeitos e estruturas de bandas modificadas por esses efeitos em
semicondutores.
Com relao dupla perovsquita ttulo do trabalho, Ca2MnReO6, ela foi sintetizada
pela primeira vez por Sleight, Longo e Ward [11] em 1962. Usando a reao
estequiomtrica
CaO + MnO + ReO3 Ca2MnReO6, descreveram a estrutura desse composto utilizando os padres gerados pela tcnica
de difrao de raios x de p; atriburam ela uma estrutura ortorrmbica. Ainda,
usando medidas de magnetizao de saturao, encontraram um momento
magntico = 0,23 B; quando o previsto (pela aproximao de spin only) seria =
1,0 B e = 2,0 B para o ReV e ReVI, respectivamente.
Um nico outro registro nesse composto foi realizado mais recentemente (2004) por
Kato e colaboradores [23]. Esses pesquisadores trataram de estudar as
propriedades eltricas e magnticas de uma srie enorme de duplas perovsquitas
com base de Re. Determinaram diversos parmetros estruturais desses materiais
(usando difrao de raios x de p e difrao de nutrons), como parmetros de rede,
2.2 - Conceitos Bsicos e Fundamentais 21
Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE
distncia e ngulo da ligao M O e Re O, entre outros. Para o composto ttulo,
encontraram uma estrutura de simetria monoclnica, de fase ferromagntica com
temperatura de transio TC = 110 K, magnetizao de saturao sob campo de 5 T
igual a MS = 0,9 B, alm de uma magnetizao espontnea Mr = 0,5 B, fora
coerciva HC = 4 Tesla e um carter isolante. Ainda, avaliaram os estados de valncia
do rnio e do mangans pelas das somas das valncias de ligao (bond-valence,
V) calculadas atravs das distncias das ligaes Re O e Mn O. Por esse
mtodo, a valncia de ligao Sij entre o i-simo e o j-simo tomo definida pela
expresso:
( ),
37,0exp
= ijoijdd
S
(inicialmente demonstrada em [24]), onde dij o comprimento da ligao entre o i-
simo e o j-simo tomo e d0 um parmetro de valncia que empiricamente
determinado para o par i j. Ambos esto na unidade de . A valncia efetiva do i-
simo elemento metlico dada pela soma, Vij = j Sij. Assim, calcularam para o
Re, Vi = 5,92, o que indica um carter hexavalente. Por fim, conjecturou uma
possvel explicao para o fenmeno metal isolante desses compostos baseando-
se na configurao de spin dos orbitais dos tomos do stio B e B, em nosso caso, o
tomo de Mn e Re, respectivamente (ver [23]).
2.2 - Conceitos Bsicos e Fundamentais
As perovsquitas duplas esto inseridas em uma classe de materiais cujas
propriedades fsicas esto diretamente relacionadas sua estrutura cristalina e ao
modo com que os ons que formam a estrutura se ligam entre si. Isso nos remete ao
tipo de ligao qumica que h entre eles. Dessa maneira, faz-se necessrio
entender muito bem alguns conceitos que permeiam a fronteira da fsica e da
qumica para que haja um mnimo de compreenso dos fenmenos que cercam as
propriedades desses compostos. Alguns deles, apesar de serem simples, esto
inseridos em um contexto tal que os torna fundamentais no entendimento de
(1)
Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 22
Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES
algumas propriedades bsicas. Podemos citar, por exemplo, o momento magntico,
que depende da maneira com que os spins esto distribudos nos orbitais atmicos.
A reviso que se segue baseada em livros bsicos de qumica inorgnica [25] e
segue um roteiro que envolve a maioria do conhecimento bsico e necessrio (de
maneira sucinta) na compreenso das duplas perovsquitas. Tm-se como objetivo
dessa seo contextualizar os conceitos mais simples com os aspectos
fenomenolgicos encontrados em sistemas como os que as duplas perovsquitas
fazem parte, como ser visto na prxima seo que trata das propriedades
estruturais e magnticas desses materiais. De maneira nenhuma temos a inteno
de esgotar o assunto que ser abordado nas sees que se sucedem. Entretanto,
no nos deixamos guiar apenas por textos introdutrios (principalmente no tema
abordado na prxima seo), de modo que algumas referncias bibliogrficas mais
avanadas serviram de guia para a confeco desses pargrafos (por exemplo [26]).
2.2.1 - Ligaes Qumicas e Orbitais Atmicos
Os orbitais dos tomos surgem quando resolvemos a equao de Scrhdinger e
encontramos diversas funes de onda para descrever o estado do eltron;
deixando transparecer a dependncia nos nmeros qunticos n, l, m... Uma anlise
de todas as solues permitidas para a equao de onda mostra que os orbitais se
classificam em grupos.
No primeiro grupo, o valor da funo de onda e, portanto, a probabilidade de se
encontrar um eltron ||2, igual em todas as direes. A funo de onda
depende somente da distncia r ao ncleo; = f(r). Esse fato leva a um orbital
esfericamente simtrico, o orbital s.
No segundo grupo, depende tanto da distncia ao ncleo como da direo no
espao (x, y ou z). Esses so os orbitais p e so triplamente degenerados, quando o
nmero quntico l = 1, temos m = -1, 0, +1. Assim, os trs orbitais so iguais em
energias e forma, mas apontam em direes diferentes; podem ser representados
por x = f(r)f(x), y =f(r)f(y), z = f(r)f(z).
2.2 - Conceitos Bsicos e Fundamentais 23
Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE
Assim, podemos compor os orbitais s, p, d e f que tm suas origens nos nomes das
linhas espectrais atmicas dos elementos, sharp, principal, difuse e fundamental.
Na verdade, a dependncia das funes s com seus nmeros qunticos surge
naturalmente quando resolvemos a equao de Schroedinger para o tomo de
hidrognio em coordenadas esfricas (aproximao de um eltron). Aps usar o
mtodo de separao de variveis, constatamos que a funo radial R(r) depende
dos nmeros qunticos n e l. A funo angular () depende dos nmeros qunticos
l e m. E a outra funo angular () tem uma dependncia no nmero quntico m. Dessa maneira, podemos representar a probabilidade de encontrar o eltron em
termos das componentes radiais e angulares separadamente, ou obter uma
completa representao da probabilidade de encontr-lo tomando o quadrado da
funo de onda total, 2r,, = Rnl2(r)Ylm
2(,).
Diagramas em coordenadas polares, isto , desenhos da parte angular da funo de
onda, so usados rotineiramente para ilustrar a sobreposio (overlap) de orbitais,
dando origem ligao entre os tomos. Tais diagramas so adequados para esse
propsito, j que contm os sinais + e relacionados com a simetria da funo
angular. Para que ocorra a formao de ligaes, deve haver sobreposio de
funes de mesmo sinal. As formas so um pouco diferentes das formas de uma
funo de onda total. H alguns aspectos a serem considerados acerca desses
diagramas:
1. mais conveniente visualizar a funo de onda angular como uma superfcie-
limite slida e fechada de modo que, por exemplo, 90% da densidade
eletrnica esteja contida nesse volume. Deve-se frisar que uma funo
contnua, como se percebe da Figura 2.2(a), onde as superfcies partem da
origem (ncleo atmico). A densidade eletrnica nula na origem no caso de
orbitais p, de modo que alguns textos mostram um orbital p como sendo duas
esferas que no se tocam.
2. Esses desenhos mostram a simetria dos orbitais 1s, 2s e 3d. Contudo, nos
casos dos orbitais 2s, 3s, 4s... 3p, 4p... 4d, 5d... o sinal (a simetria) muda
dentro da superfcie-limite do orbital. Esse fato pode ser facilmente
visualizado pelo aparecimento de ns nos grficos das funes radiais (Figura
2.2(a)).
Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 24
Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES
3. ||2 representa a probabilidade total de encontrar um eltron. Uma
representao dessas funes est na Figura 2.2(b) (e); note que (d) e (e)
apresentam as simetrias das funes (dadas pelas cores diferentes). Os
orbitais no esto representados em escala. Note que os orbitais p no so
simplesmente duas esferas, mas elipsides de revoluo. Assim, o orbital 2px
esfericamente simtrico em torno do eixo x, mas no tem simetria esfrica
em outras direes. O raciocnio anlogo funciona para os demais orbitais.
Os tomos formam molculas para atingir um nvel energtico favorvel. A formao
de ligaes qumicas envolve normalmente s os eltrons mais externos do tomo.
Os tomos adquirem uma forma estvel de trs maneiras, dando origem s ligaes
inicas, covalentes e metlicas; perdendo, recebendo ou compartilhando eltrons.
Figura 2.2 - (a) Funes de onda radiais [25]. Orbitais atmicos: (b) orbital s, para n =1 e n = 2; (c) orbitais p [27]; (d) orbitais 3dx2 y2 esquerda e 3dz2 direita; (e) orbitais 3dxy, 3dxz e 3dyz, respectivamente [28].
2.2 - Conceitos Bsicos e Fundamentais 25
Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE
Esses tipos de ligaes so representaes idealizadas. Embora um dos tipos de
ligao geralmente predomine na maioria das substncias, as ligaes se encontram
em algum ponto entre essas formas limites.
LIGAO INICA
Os slidos inicos so mantidos pela fora de atrao eletrosttica entre os ons
positivos e negativos. A fora de atrao ser mxima quando cada on for
circundado pelo maior nmero possvel de ons de cargas opostas. O nmero de
ons que circunda determinado on chamado de nmero de coordenao.
A estrutura de muitos slidos inicos pode ser explicada considerando-se os
tamanhos relativos dos ons positivos e negativos, bem como seus nmeros
relativos. Clculos geomtricos simples permitem determinar quantos ons de um
dado tamanho podem se arranjar em torno de um on menor. Portanto, podemos
prever o nmero de coordenao a partir dos tamanhos relativos dos ons.
Se o nmero de coordenao num composto inico AX for trs, teremos ons X- em
contato com um on A+. Uma situao limite ocorre quando os ons X- tambm esto
em contato entre si. A partir de consideraes geomtricas (abaixo) podemos
calcular a relao de raios (raio de A+/raio de X- = 0,155). Esse o limite inferior
para o nmero de coordenao trs. Caso a relao de raio seja menor que 0,155, o
on positivo no estar em contato com os ons negativos. Nesse caso, a estrutura
resultante instvel e oscila dentro da cavidade formada pelos ons negativos.
Se a relao de raios for maior que 0,155, ser possvel alojar trs ons X- em torno
de cada on A+. medida que o tamanho relativo do ction aumenta a relao de
raios tambm aumenta. Assim, a partir de um dado ponto (quando a relao exceder
0,225) ser possvel alojar quatro ons em torno de um dado on. O mesmo
raciocnio pode ser empregado para o caso de seis ons em torno de um dado on.
Os nmeros de coordenao 3, 4, 6 e 8 so comuns, e as correspondentes relaes
limites entre os raios podem ser determinadas a partir das consideraes
geomtricas, como mostradas na Tabela 2.1.
Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 26
Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES
Tabela 2.1 - Relao de Raios Limitantes e Estruturas [25].
Relao de raios
limitantes r +/r -
Nmero de
coordenao Forma
< 0,155 2 Linear
0,155 0,255 3 Trigonal Plana
0,255 0,414 4 Tetradrica
0,414 0,732 4 Quadrada Plana
0,414 0,732 6 Octadrica
0,732 0,999 8 Cbica de corpo Centrado
Se os raios inicos forem conhecidos, pode-se calcular a relao entre eles e prever
o nmero de coordenao e a estrutura. Em muitos casos, esse procedimento
simples vlido.
Figura 2.3 - Relao dos raios limitantes para os nmeros de coordenao 3, 4 e 6. (a) seo transversal atravs de um tringulo plano; (b) tetraedro inscrito em um cubo; (c) diagrama para o caso tetradrico; (d) seo transversal para um arranjo octadrico [25].
2.2 - Conceitos Bsicos e Fundamentais 27
Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE
Nmero de coordenao 3 (trigonal plana)
A Figura 2.3(a) mostra um on positivo pequeno de raio r+, em contato com 3 ons
negativos maiores de raio r -. Obviamente, temos que
AB = BC = AC = 2r -, BD = r+ + r -.
Alm disso, o ngulo A-B-C e D-B-E so, respectivamente, iguais a 60 e 30.
Segue da trigonometria que
cos 30 = BE/BD,
BD = BE/cos 30,
r+ + r - = r -/cos 30 = r -/0,866 = r x 1,155,
r+ = (1,155r -) r - = 0,155r ,
e portanto,
r+/r - = 0,155.
Nmero de coordenao 4 (tetradrico)
Na Figura 2.3(b) mostrado um tetraedro inscrito dentro de um cubo. Uma parte
dessa estrutura tetradrica mostrada na Figura 2.3(c). Pode-se observar o ngulo
de 10928, ABC, caracterstico do tetraedro. Logo o ngulo ABD corresponde
metade, ou seja, 5444. No tringulo ABD
sen ABD = 0,8164 = AD/AB = r -/(r+ + r -).
Determinando-se o recproco, temos que
.225,18164,0
1 ++++
r
rr
Rearranjando,
.225,0225,11__
==+++
r
r
r
r
Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 28
Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES
Nmero de coordenao 6 (octadrico)
A seo transversal de um stio octadrico mostrada na Figura 2.3(d), onde o on
positivo menor (de raio r+) toca os seis ons negativos maiores (de raio r -) (note que
somente quatro dos ons negativos esto representados na figura, estando os
demais ons negativos um acima e outro abaixo do plano da pgina). evidente que
AB = r+ + r -, BD = r - e o ngulo ABC igual a 45. Considerando o tringulo ABD:
.7071,0cos +
+===
rr
r
AB
BDABD
Determinando o recproco dessa expresso, temos que
.41,0414,11414,17071,0
1 ==+==+ +
+
+
r
r
r
r
r
rr
Sobre a relao de raios, supomos de antemo que a ligao 100% inica.
Consideramos, tambm, que os ons tm a forma esfrica, o que razovel para
elementos que no fazem parte do grupo dos metais de transio. Esse grupo tem
orbitais d parcialmente preenchidos e no so esfricos. Porm, ao contrrio dos
ons que apresentam distoro pela presena de um par inerte, os ons de metais de
transio geralmente tm um centro de simetria. O arranjo eletrnico nesses orbitais
d d origem distoro de Jahn-Teller. Um orbital d parcialmente preenchido, que
aponta em direo a um on coordenado (ligante) sofrer uma ao repulsiva. Um
orbital d completamente preenchido sofrer repulso ainda maior. Com isso surge
uma estrutura com algumas ligaes longas e algumas curtas, dependendo tanto da
configurao eletrnica como da estrutura cristalina, isto , da posio relativa dos
ons coordenados.
LIGAO COVALENTE
A teoria da ligao de valncia foi proposta por Linus Pauling [29, 30] e foi
largamente utilizada no perodo de 1940 a 1960, mas foi sendo substituda por
2.2 - Conceitos Bsicos e Fundamentais 29
Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE
outras teorias. Contudo, ela ainda nos fornece uma boa direo de como lidar com
orbitais atmicos e a hibridizao dos elementos.
Basicamente, a teoria de Lunis Pauling descreve que eltrons de orbitais
desemparelhados tendem a se combinar com outros tomos que tambm possuam
eltrons desemparelhados, de modo que pares eletrnicos sejam formados at que
todos os tomos envolvidos atinjam uma estrutura estvel. A forma da molcula
resultante determinada fundamentalmente pelas direes em que apontam os
orbitais.
H evidncias fsicas e qumicas que apontam para uma possvel mudana no
arranjo dos eltrons dos orbitais de alguns elementos, de forma que os tornam
capazes de formar mais ligaes que a princpio poderamos supor.
Considera-se que cada eltron pode ser descrito por sua funo de onda . Se as
funes de onda dos orbitais atmicos so descritas como s, px, py e pz
podemos supor que esses orbitais podem se combinar de maneira linear e formar
funes sp3. Essa combinao linear das funes de onda dos orbitais atmicos
denominada hibridizao ou hibridao. A combinao de um orbital s com trs
orbitais p leva ao surgimento de quatro orbitais hbridos sp3.
importante salientar que a hibridao uma etapa terica que foi introduzida na
passagem de um tomo para uma molcula. O estado de hibridao no existe na
realidade. Ele no pode ser detectado nem mesmo espectroscopicamente, de modo
que as energias de orbitais hbridos no podem ser medidas; apenas estimadas
teoricamente. Portanto, um engano admitir que a hibridao seja uma causa da
estabilidade qumica de uma determinada estrutura molecular.
Assim como admitimos uma combinao linear entre orbitais s e p podemos supor
uma hibridao entre orbitais d, embora haja dvidas sobre a participao desses
orbitais na ligao, o que tem contribudo para o declnio dessa teoria.
Geralmente os orbitais d so muito volumosos e de energia muito elevada para
permitir uma combinao efetiva com orbitais s e d, mas podemos utilizar a
hibridizao sp3d2 para explicar algumas distribuies dos orbitais hbridos no
espao, como as estruturas octadricas.
Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 30
Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES
Ligaes e
As ligaes se caracterizam pelo fato da densidade eletrnica se concentrar entre
os dois tomos e sobre o eixo que os une. Ligaes duplas ou triplas decorrem da
interao lateral dos orbitais, dando origem a ligaes (Figura 2.4). Nas ligaes
a densidade eletrnica tambm se concentra entre os tomos, mas de um lado e do
outro sobre o eixo que uni os dois tomos. A forma da molcula determinada pela
ligao (e pelos pares isolados), e no pelas ligaes . As ligaes
simplesmente diminuem os comprimentos das ligaes (o ngulo da ligao
reduzido). As ligaes do tipo so comuns em molculas cujos eltrons dos
tomos que a formam se ligam atravs de orbitais p.
2.2.2 - Teoria dos Orbitais Moleculares
Na teoria da ligao de valncia (dos pares eletrnicos) a molcula considerada
como sendo constituda por tomos, onde os eltrons ocupam orbitais atmicos.
Figura 2.4 - Ligao e na molcula de etileno (C2H4). Enquanto as ligaes se concentram no mesmo plano a ligao (responsvel pela ligao dupla do carbono) ocorre entre dois orbitais psimples e numa direo perpendicular esse plano. Em especial, a ligao C C se d atravs de um orbital hbrido tipo sp2.
2.2 - Conceitos Bsicos e Fundamentais 31
Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE
Eles podem ou no estar hibridizados. Se hibridizados, orbitais atmicos do mesmo
tomo se combinam para formar orbitais hbridos, que podem interagir mais
efetivamente com os orbitais de outros tomos, formando, dessa forma, ligaes
mais fortes. Supe-se, portanto, que os orbitais atmicos (ou os orbitais hbridos)
permaneam inalterados, mesmo que o tomo esteja quimicamente combinado
formando uma molcula.
Na teoria dos orbitais moleculares (TOM) [31], os eltrons de valncia so tratados
como se estivessem associados a todos os ncleos da molcula. Portanto, os
orbitais atmicos de tomos diferentes devem ser combinados para formar orbitais
moleculares (OM). A funo de onda que descreve um orbital molecular pode ser
obtida atravs da Combinao Linear de Orbitais Atmicos (CLOA) (Linear
Combination of Atomic Orbitals = LCAO), que ser descrita brevemente a seguir.
Considere duas funes de onda A e B que descrevem os eltrons de valncia
(os orbitais atmicos) de dois tomos A e B. Se esses dois tomos formarem uma
molcula AB, podemos escrever a funo de onda molecular como uma combinao
linear dos orbitais atmicos dos eltrons envolvidos na ligao, ou seja:
AB = N(c1A + c2B),
onde N a constante de normalizao.
A probabilidade de se encontrar um eltron num volume dv ||2dv, de modo que a
densidade eletrnica, em termos da probabilidade, para a combinao de dois
tomos ser proporcional ao quadrado da funo de onda:
2AB = (c12A
2 + 2c1c2AB + c22B
2).
No lado direito da equao, os primeiro e terceiro termos descrevem a probabilidade
de se encontrar um eltron nos tomos A e B, se estes fossem tomos isolados. O
termo central se torna cada vez mais importante medida que a sobreposio
(overlap) dos dois orbitais atmicos aumenta, sendo por isso denominado integral
de sobreposio. Esse termo a principal diferena entre as nuvens eletrnicas nos
tomos isolados e na molcula. Quanto maior for a contribuio desse termo mais
forte ser a ligao.
Para molculas poliatmicas, a presena de muitos ncleos faz os clculos de
mecnica quntica muito mais complicados. Alm disso, muito alm do nico
Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 32
Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES
parmetro que a funo de onda depende (a distncia entre os ncleos), em
molculas poliatmicas existe uma grande variao de parmetros envolvidos para a
forma da funo de onda: ngulos e comprimentos entre as ligaes, rotaes, etc.
Assim, torna-se necessrio clculos numricos para encontrar a funo de onda, a
estrutura eletrnica ou as propriedades estruturais correlacionadas [32]. Dentre os
mtodos de clculo, os mais conhecidos e usados so: o mtodo semi-emprico, que
usa um Hamiltoniano mais simples e se dispe de parmetros que so ajustados a
fim de reproduzir resultados experimentais; ab initio ou primeiros princpios, que
procura usar o Hamiltoniano mais correto possvel, porm sua limitao se d ao
utilizar um conjunto de base finita para descrever a funo de onda (os mtodos
baseados nas idias de Hartree-Fock so exemplos); mtodo da densidade
funcional (density-fuctional method), que usa o clculo da densidade eletrnica ao
invs da funo de onda e, da, calcula-se energias e outras propriedades
relacionadas.
Todos esses mtodos so largamente usados no estudo das duplas perovsquitas e
de suas propriedades estruturais, eltricas, trmicas e magnticas.
Combinao de orbitais s e s
Se dois tomos que possuem eltrons de valncia no orbital s se ligarem (como no
caso da molcula de hidrognio H2) teremos duas combinaes lineares possveis
das funes de onda, ou seja, uma em que os sinais das duas funes so iguais ou
outra com sinais diferentes. Dessa maneira, os orbitais moleculares resultantes
podem ser escritos como:
g = N(A + B) ou u = N(A - B).
A funo g (do alemo garade, que significa par) provoca um aumento da
densidade eletrnica entre os ncleos e, portanto, um orbital molecular ligante.
Associa-se a funo g uma energia menor que a dos orbitais atmicos originais. J
a funo u (tambm do alemo ungarade, mpar) constituda por dois lbulos de
sinais opostos, que se cancelam mutuamente e anulam a densidade eletrnica entre
2.2 - Conceitos Bsicos e Fundamentais 33
Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE
os ncleos. A funo u descreve um orbital molecular antiligante, de energia mais
elevada que os orbitais iniciais.
Analisando em termos de energia, percebemos que o orbital ligante g passa por
um mnimo, e a distncia entre os tomos nesse ponto corresponde distncia
internuclear entre os dois tomos quando eles formarem uma ligao. A energia do
orbital molecular ligante menor que a do orbital atmico por um valor ,
denominada energia de estabilizao (Figura 2.5). Analogamente, a energia do
orbital antiligante aumenta de um valor correspondente a . Numa molcula como a
de H2 os dois eltrons disponveis ocupam o orbital ligante, isso resulta numa
diminuio de energia equivalente a 2, correspondente energia de ligao.
somente por causa dessa estabilizao do sistema que a ligao formada.
Combinao de orbitais s e p
Um orbital s pode se combinar com um orbital p, desde que seus lbulos estejam
orientados ao longo do eixo que une os dois ncleos. Tambm pode ocorrer a
formao de orbitais ligantes e antiligantes.
Figura 2.5 - Nveis energticos de orbitais atmicos e orbitais moleculares [25].
Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 34
Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES
Combinao de orbitais p e p, p e d, d e d
Caso ocorra uma combinao cujos orbitais p esto orientados ao longo do eixo que
une os dois ncleos, sero formados tanto um orbital ligante quanto um antiligante
do tipo . Como exemplo, podemos pensar em dois tomos com eltrons de
valncia em um orbital px se aproximando para formar uma ligao covalente. Para
orbitais p que esto orientados perpendicularmente, os orbitais moleculares so do
tipo . Como ilustrao, se os dois tomos do exemplo anterior forem fazer uma
segunda ligao covalente ela poderia ocorrer entre dois orbitais do tipo py. Ou seja,
o que define uma ligao tipo ou exatamente a aproximao entre os dois
orbitais tipo p envolvidos na ligao (Figura 2.4).
Ocorrem combinaes ligantes e antiligantes entre orbitais p e d, mas como os
orbitais no se encontram ao longo do eixo que une os dois ncleos, a interao
deve ser do tipo .
Para dois orbitais d chamamos os OM ligantes e antiligantes de e *,
respectivamente, tendo em vista o fato da simetria em torno do eixo internuclear ser
diferente da simetria de .
As combinaes de orbitais atmicos vistas at aqui resultaram em um OM ligante
de energia mais baixa e um OM antiligante de energia mais alta. Para obter um OM
ligante com uma densidade eletrnica maior entre os ncleos, os sinais (simetria)
dos lbulos que interagem devem ser iguais. Para formao de um OM antiligante,
os sinais dos lbulos que interagem devem ser diferentes. Existem casos em que a
estabilizao decorrente de uma interao entre lbulos de mesma simetria
desestabilizada por um nmero igual de interaes de simetria de sinais opostos. Ou
seja, no h variao de energia global do sistema, e essa combinao
denominada no-ligante.
Em resumo, podemos destacar que o foco principal da Teoria dos Orbitais
Moleculares oferecer a base necessria para tornar possvel o clculo numrico
dos coeficientes das funes moleculares atravs dos mais diversos mtodos de
aproximao, ab initio, no emprico, semiquantitativo e semiemprico, bem como as
aproximaes relacionadas a essa teoria, incluindo o clculo de funcional de
2.2 - Conceitos Bsicos e Fundamentais 35
Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE
densidade. Muitos desses mtodos visam encontrar a estrutura eletrnica real dos
complexos de metais de transio e suas propriedades correlacionadas.
2.2.3 - Compostos de Coordenao
Pode-se definir um composto de coordenao ou complexo como sendo um
composto formado por um tomo metlico (na quase totalidade dos casos, um metal
de transio) envolvido por tomos, molculas ou grupos de tomos, em nmero
igual ou superior ao estado de oxidao mais alto do metal. Os compostos de
coordenao mantm sua identidade em soluo. Destaca-se aqui um conceito
importante: o nmero de coordenao - o nmero de ligantes que envolvem o
tomo do metal.
A teoria da coordenao de Werner (1893) [33] foi a primeira tentativa de explicar a
ligao existente nos complexos de coordenao. Ele concluiu que esses compostos
apresentam dois tipos de valncia.
No estudo de compostos de coordenao o momento magntico desempenha um
papel importante na determinao da estrutura dos complexos e suas propriedades.
Ele pode ser determinado experimentalmente atravs de variadas tcnicas; mede-se
a susceptibilidade magntica atravs de um dos vrios mtodos existentes e, assim,
pode-se calcular o momento magntico. Essa medida fornece informaes sobre o
nmero de eltrons com spins desemparelhados presentes no complexo. Tendo
essa informao, possvel inferir como os eltrons esto arranjados e quais so os
orbitais ocupados. A magnetoqumica dos elementos de transio fornece subsdios
para se saber se os eltrons d esto ou no emparelhados. Essas medidas so de
grande importncia para se distinguir se um dado complexo octadrico de spin alto
ou de spin baixo. s vezes, possvel deduzir a estrutura do complexo apenas
conhecendo-se seu momento magntico. Podemos encontrar, por exemplo,
complexos que tm molculas de gua associadas estrutura. Em muitos casos a
gua pode ou no estar coordenadas ao metal. Se ambas as estruturas existirem
elas podem ser deduzidas a partir de suas propriedades magnticas. Os valores dos
http://www.geocities.com/vienna/choir/9201/bloco_d.htmhttp://www.geocities.com/vienna/choir/9201/bloco_d.htmhttp://pt.wikipedia.org/wiki/1893
Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 36
Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES
momentos dipolares tambm podem fornecer informaes sobre a estrutura, mas
somente no caso de complexos no-inicos.
Os espectros eletrnicos (UV e visvel) tambm fornecem informaes valiosas
sobre a energia dos orbitais e a estrutura do complexo. Por meio dessa tcnica
possvel distinguir complexos tetradricos de octadricos e verificar se h ou no
uma distoro estrutural nos mesmos. Porm, o mtodo mais poderoso a tcnica
de difrao (de raios X ou de nutrons). Essa tcnica fornece informaes precisas
sobre a estrutura da molcula, ou seja, sobre o comprimento das ligaes e os
ngulos formados pelos tomos.
Ligaes em Complexos de Metais de Transio
Em complexos de metais de transio os orbitais d so utilizados para a formao
das ligaes, portanto, importante estudar suas formas e suas orientaes no
espao. Os cinco orbitais d no so idnticos e podem ser divididos em dois grupos.
No primeiro grupo temos os trs orbitais t2g (ou de), que possuem formas idnticas e
seus lbulos se situam entre os eixos x, y e z. No segundo grupo temos dois orbitais
eg (ou dg), que possuem formas diferentes e seus lbulos se situam sobre os eixos
do sistema de coordenadas (Figura 2.6).
Figura 2.6 - Formas dos orbitas d. Acima, orbitais t2g; abaixo, orbitais eg.
2.2 - Conceitos Bsicos e Fundamentais 37
Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE
As trs teorias que explicam as ligaes entre o metal e os ligantes nos complexos
so da dcada de 30: a Teoria da Ligao de Valncia (desenvolvida por Pauling)
[29], a Teoria do Campo Cristalino (proposta por Bethe [34] e van Vleck [35]) e a
Teoria dos Orbitais Moleculares [31].
Na teoria da ligao de valncia os compostos de coordenao contm ons
complexos, nos quais os ligantes formam ligaes coordenadas com o metal. Assim,
o ligante deve ter um par de eltrons livres e o metal um orbital vazio de energia
adequada para formar a ligao. A teoria permite determinar quais so os orbitais
atmicos do metal que so utilizados para formar as ligaes. A partir desse dado,
pode-se ter a forma e a estabilidade do complexo. Contudo, essa teoria apresenta
duas limitaes principais. A teoria no fornece nenhuma explicao para seus
espectros eletrnicos. Alm disso, a teoria no explica porque as propriedades
magnticas variam em funo da temperatura. Ela supe, ainda, a hibridao de
orbitais spd. Por isso, foi substituda pela teoria do campo cristalino.
Na teoria do campo cristalino a fora de atrao entre o metal central e os ligantes
do complexo considerada como sendo de natureza puramente eletrosttica.
Assim, as ligaes nos complexos podem ser consideradas como sendo oriundas de
atraes do tipo on-on; com o metal de transio (o tomo central) sendo
considerado como um on positivo e rodeado por ligantes negativamente carregados
ou, alternativamente, on-dipolo onde as molculas formam dipolo por possurem
pares de eltrons livres. A teoria simples e tem sido utilizada com xito na
explicao dos espectros eletrnicos e das propriedades magnticas dos complexos
dos metais de transio, particularmente quando as interaes covalentes entre o
metal e o ligante so consideradas. A teoria do campo cristalino modificada para
conter as contribuies covalentes denominada teoria do campo ligante. So
possveis trs tipos de interaes: , , ou d d (retrodoao). Essa ltima decorre da interao de orbitais d preenchidos do metal com orbitais p vazios dos ligantes.
Na teoria do campo cristalino so feitas as seguintes suposies:
1. Os ligantes so tratados como cargas pontuais.
Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 38
Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES
2. Os eltrons do tomo central esto sob a ao de foras repulsivas
provocadas pelos eltrons dos ligantes. Portanto, os eltrons ocupam os
orbitais d mais afastados possvel da direo de aproximao dos ligantes.
3. No h interao entre os orbitais do metal e o dos ligantes.
4. Todos os orbitais d do metal tm a degenerescncia removida pelos ligantes
do complexo.
Na Teoria dos Orbitais Moleculares so integralmente consideradas as contribuies
covalentes e inicas. Embora essa teoria seja, provavelmente, a melhor para tratar a
ligao qumica, ela no substitui totalmente as outras teorias. Isso porque os
clculos envolvidos so muitas vezes trabalhosos e demorados, implicando no uso
de computadores por tempo prolongado para se chegar no resultado final. Alm
disso, uma descrio qualitativa quase completa das molculas pode ser obtida por
outros meios, que se valem da simetria e da teoria de grupos.
Complexos Octadricos
Num complexo octadrico o metal se situa no centro e os ligantes nos seis vrtices
de um octaedro. Os lbulos dos orbitais eg (dx2-y2 e dz2) se situam ao longo dos eixos
x, y e z. Os lbulos dos orbitais t2g (dxy, dxz e dyz) se situam entre os eixos do sistema
de coordenadas. Logo, pode-se inferir que a aproximao de seis ligantes, segundo
as direes positivas e negativas dos eixos, aumentar muito mais a energia dos
orbitais dx2-y2 e dz2 (que se situam ao longo dos eixos) que a energia dos orbitais dxy,
dxz e dyz (que se situam entre os eixos). Portanto, sob a influncia de um campo
octadrico, os orbitais d se dividem em dois grupos de energias distintas.
Ao invs de tomar como referncia o nvel energtico de um tomo metlico isolado,
toma-se como sendo o zero de energia a mdia ponderada desses dois conjuntos
de orbitais perturbados, ou seja, o baricentro do sistema. A diferena de energia
entre os dois conjuntos de orbitais d representada pelos smbolos o ou 10Dq.
Assim, os orbitais eg tm uma energia equivalente a + 0,6 o acima da mdia de
energia, e os orbitais t2g possuem um energia igual a 0,4 o abaixo da mdia
2.2 - Conceitos Bsicos e Fundamentais 39
Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE
(Figura 2.7). A magnitude da diferena de energia o entre os nveis t2g - eg pode ser
facilmente medida registrando-se o espectro UV-visvel do complexo ou a partir das
energias reticulares, sejam experimentais ou calculadas usando a equao de Born-
Land [36].
A magnitude de o depende de trs fatores:
1. Da natureza do ligante;
2. Da carga do on metlico;
3. Do fato do metal pertencer primeira, segunda ou terceira srie de
metais de transio.
A intensidade do campo cristalino Dq determinada pela carga efetiva dos ligantes,
pelo raio mdio r dos orbitais d, assim como pela distncia R entre o metal e os
ligantes. O parmetro do campo cristalino dado (no SI) por [35]:
.)4(6
15
0
42
=
R
rZeDq d
Para o mesmo metal conectado a diferentes ligantes verifica-se que a energia de
estabilizao do campo cristalino (EECC) varia. Os ligantes que provocam apenas
um pequeno desdobramento do campo cristalino so designados ligantes de campo
fraco. Ligantes que provocam um grande desdobramento so denominados ligantes
Figura 2.7 - Diagrama dos nveis de energia dos orbitais d num campo octadrico.
(2)
Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 40
Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES
de campo forte. Os ligantes mais comuns podem ser dispostos em ordem crescente
em relao ao grau de desdobramento do campo cristalino . Essa srie
determinada experimentalmente e difcil de ser explicada, pois, muitas vezes,
incorpora tanto efeitos de ligaes quanto , alm das ligaes covalentes.
H uma observao a ser feita sobre a distribuio de eltrons nos orbitais d quando
temos complexos octadricos. Espera-se que complexos de ons metlicos com
configurao d4, por exemplo, tenham uma configurao eletrnica em concordncia
com a regra de Hund2 (Figura 2.8(a)), ou seja, com apenas dois eltrons
desemparelhados. Nesse caso os valores de energia de estabilizao do campo
cristalino sero iguais a (4 x -0,4 o) = - 1,6 o. Um arranjo eletrnico alternativo, que
no segue a regra de Hund mostrado na Figura 2.8(b). Nesse arranjo quatro
eltrons esto desemparelhados, e a EECC igual a (3 x -0,4 o) + (0,6 o) = - 0,6
o. Nota-se que a EECC maior que no caso anterior. Contudo, necessrio
considerar a energia P para emparelhar os eltrons, de modo que a energia de
estabilizao total ser igual a -1,6
o + P. Esses dois arranjos diferem no nmero
de eltrons desemparelhados. Aquele com maior nmero de eltrons
desemparelhados denominado de configurao de spin alto, e a outra
configurao de spin baixo. Verificou-se que, de fato, ambas as situaes so
possveis. Assim, o tipo de arranjo encontrado num determinado complexo depende
dos valores de o e de P, ou seja, das magnitudes da energia necessria para
promover um eltron do nvel t2g para o eg (isto , do desdobramento do campo
cristalino o) e da energia necessria para emparelhar um eltron no nvel de menor
energia t2g (isto , P). P constante para um dado on metlico. Assim, o
desdobramento do campo cristalino determinado pela fora do campo ligante; que
segue uma srie espectroqumica determinada experimentalmente que diz quais
ligantes provocam um pequeno ou grande desdobramento do campo cristalino,
respectivamente, ligantes de campo fraco e ligantes de campo forte3. Ento, para um
ligante de campo fraco ser energeticamente favorvel que os eltrons ocupem o
nvel superior eg e formem um complexo de spin alto, ao invs de emparelhar os
eltrons.
2 Para uma descrio mais detalhada das regras de Hund consultar a seo 3.4.1, p. 54. 3 Para mais informaes, sugerimos a leitura complementar, JRGENSEN, C.K.; Absorption Spectra and Chemical Bonding in Complexes, Pergamon Press, Oxford, 1962.
2.2 - Conceitos Bsicos e Fundamentais 41
Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE
Argumentos semelhantes se aplicam aos complexos de ons metlicos com as
demais configuraes de orbitais d (d5, d6 e d7).
Em complexos octadricos o preenchimento dos orbitais t2g diminui a energia do
complexo, isto , para cada eltron adicionado a esses orbitais o complexo
estabilizado por um valor equivalente a 0,4 o. O preenchimento dos orbitais eg
aumenta a energia do complexo de um valor igual + 0,6 o por eltron. Logo, a
energia de estabilizao do campo cristalino (EECC) dada por:
EECC(octadrico) = - 0,4n(t2g) + 0,6n(eg),
onde n(t2g) e n(eg) so os nmeros de eltrons que ocupam os orbitais t2g e eg
respectivamente. A EECC igual a zero para ons com configurao d0 e d10, tanto
em campos ligantes fortes ou fracos. A EECC tambm igual a zero para a
configurao d5 em um campo fraco. Todos os demais arranjos apresentam alguma
EECC que aumenta a estabilidade termodinmica do complexo. Assim, muitos
compostos de metais de transio apresentam uma energia reticular maior (obtidas
por clculos usando o ciclo de Born-Haber, que relaciona a energia reticular de um
cristal com outros dados termodinmicos) que aquela calculada com auxlio das
equaes de Born-Land [36], Born-Meyer ou Kapustinskii [37].
Supondo conhecido o momento magntico e que ele devido inteiramente aos spins
de eltrons desemparelhados, pode-se utilizar a aproximao de spin only para
determinar o valor de n, o nmero de eltrons desemparelhados. Os valores
Figura 2.8 - Complexos de spin alto e spin baixo. a) arranjo d4 de spin alto (campo ligante fraco); b) arranjo d4 de spin baixo (campo ligante forte).
Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 42
Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES
calculados concordam razoavelmente bem com os valores encontrados para os
complexos dos elementos da primeira srie de transio,
.)2( += nnS
Uma vez conhecido o nmero de eltrons desemparelhados, pode-se empregar
tanto a teoria da ligao de valncia como a teoria do campo cristalino para
determinar a geometria do complexo, o estado de oxidao do metal e, no caso de
complexos octadricos, se esto sendo utilizados orbitais d internos ou externos.
Deve-se observar que para elementos de segunda e terceira sries de transio, o
momento angular orbital contribui para o valor de momento magntico. Alm disso,
pode ocorrer acoplamento spin-rbita e por causa disso a aproximao spin only
no mais vlida, havendo um forte grau de paramagnetismo dependente da
temperatura. O acoplamento spin-rbita remove a degenerescncia dos nveis de
menor energia do estado fundamental. Assim, a energia trmica possibilita o
preenchimento de vrios nveis de energia.
Vimos que a teoria do campo cristalino se baseia na atrao puramente
eletrosttica. Apesar disso, consegue-se explicar muito bem a maioria das estruturas
de compostos de coordenao bem como seus espectros e suas propriedades
magnticas. A desvantagem dessa teoria que ela ignora as evidncias de que
interaes covalentes ocorrem em pelo menos alguns complexos.
Podemos, no entanto, estender a Teoria do Campo Cristalino incorporando o carter
covalente das ligaes. Na interpretao dos espectros introduzido o parmetro B
de repulso intereletrnica de Racah [38]. Ele permite considerar a ocorrncia de
covalncia decorrente da no-localizao dos eltrons d do metal para os ligantes.
Se B for inferior ao valor para o on metlico livre, ento os eltrons d no esto
localizados sobre os ligantes. Quanto menor for o valor de B, maior ser o grau de
no localizao e o carter covalente da ligao. De modo semelhante, possvel
introduzir um fator de no localizao eletrnica k na interpretao das propriedades
magnticas.
(3)
2.3 - Propriedades Estruturais e Magnticas 43
Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE
2.3 - Propriedades Estruturais e Magnticas
2.3.1 - Estrutura Cristalogrfica
As perovsquitas duplas ordenadas (A2BBO6) apresentam-se como uma estrutura
modificada da perovsquita (ABO3, cuja estrutura ideal cbica e pertence ao grupo
espacial Pm3m, n 221), onde octaedros de BO6 e BO6 formam um arranjo
alternado dentro de duas redes cbicas de face centrada (fcc) que se sobrepem
(Figura 2.9, seguir). Os stios A (amarelo) so ocupados por metais alcalinos ou
terras raras enquanto os stios B correspondem a metais de transio (octaedros
azuis e violetas, alternadamente, compartilhados e cercados por ons de oxignio
em vermelho). Os octaedros tm seus eixos orientados ao longo das arestas da
clula e esto unidos pelos vrtices, formando um arranjo tridimensional; esse
arranjo contm espaos que so ocupados pelos tomos A. Esse ction ocupa a
posio do corpo centrado e cercado por 12 tomos de oxignio (nion); cada
tomo B (B) est no centro de seis tomos de oxignio situados nos vrtices de um
octaedro regular e, por fim, cada oxignio coordenado por um ction B, um B e
quatro ctions A.
Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 44
Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES
Para uma estrutura ideal de uma dupla perovsquita assume-se uma simetria cbica,
exatamente anloga ao caso da perovsquita simples. Portanto, para a maioria dos
casos (Ex. Ba2MnReO6) a estrutura pode ser descrita como sendo cbica e
pertencente ao grupo espacial Fm3m. No entanto, esta estrutura apresenta em geral
distores (tiltings) em funo da temperatura ou do raio inico do tomo que ocupa
o stio A. Este efeito de desajuste entre os ctions A e B B induz rotaes nos
octaedros de modo a encontrar a estrutura energeticamente mais estvel. A
estrutura oriunda deste ajuste descrita como pseudocbica, uma vez que a
simetria cbica Fm3m perde algumas de suas operaes (C4 em torno do eixo a e
h com respeito ao plano 001). Com a distoro da estrutura, as operaes de
simetria restantes conduzem a uma indicao do grupo espacial I4/m (tetragonal).
Como mostra a Figura 2.10 ([39]), quando a distoro tetragonal entra em cena,
uma nova clula unitria pode ser encontrada. A clula unitria verdadeira menor
que a clula pseudocbica, tendo os eixos a e b ao longo dos vetores da rede
pseudocbica [110] e [110]. Incrementando mais ainda as distores, a estrutura
obtida perde mais operaes de simetria, indicando-se a simetria monoclnica P21/n
como mais adequada para descrev-la.
Figura 2.9 - Estrutura cristalina da dupla perovsquita mostrando os octaedros compartilhados [9].
2.3 - Propriedades Estruturais e Magnticas 45
Danilo Oliveira de Souza PGFIS/CCE
Como explicado na Figura 2.10, os parmetros de rede das clulas tetragonal (tetra)
e pseudocbica (ps) esto relacionados como segue:
.2
,
pstetra
pstetra
aaba
ccc
===
==
Portanto, o parmetro de rede da clula pseudocbica, aps, que igual c antes da
distoro, pode ser usado para quantificar a distoro tetragonal (t) como descrito a
seguir:
.2
11c
a
c
at ps =
A perfeio (incremento da simetria) estrutural de uma perovsquita simples, isto ,
o quanto ela se aproxima de uma estrutura cbica ideal, pode ser avaliada pelo que
se convencionou chamar de fator de tolerncia f; inicialmente proposto por
Goldshmidt para testar os limites tolerveis no tamanho do ction A [40,41].
)(2 OB
OA
rr
rrf
++
= ,
Figura 2.10 - Esquerda: estrutura de uma dupla perovsquita cbica ideal. As linhas slidas representam a clula unitria tetragonal. Direita: viso superior da clula unitria tetragonal mostrando as distores. A linha fina o parmetro de rede da clula cbica (esquerda) e pseudocbica (direita).
(4)
Captulo 2 Duplas Perovsquitas Ordenadas 46
Caracterizao da Dupla Perovsquita Ca2MnReO6 PresLAB - UFES
onde rA, rB e rO so os raios inicos dos elementos A, B e do oxignio,
respectivamente. Devido a sua alta simetria (sua geometria), a estrutura cbica ideal
tem f = 1; assim, o fator de tolerncia mede o quanto a estrutura se desvia da
estrutura cbica ideal.
O conceito do fator de tolerncia tambm pode ser adaptado para uma dupla
perovsquita. Em geral, para uma dupla perovsquita que tem mistura no stio A,
assumindo a forma A2-xAxBBO6, o fator de tolerncia pode ser escrito como
++
++
OBB
OAA
rrr
rrx
rx
f
222
221
'''
'''
,
onde rA, rA, rB e rB so os raios inicos dos respectivos ons envolvidos na
estrutura. Uma forma mais conveniente de escrever essa equao (principalmente
quando temos apenas um tipo de tomo no stio A) :
.2)(2 > 1,05 uma estrutura hexagonal adotada, para 1,05 > f >
1,00 o composto se torna cbico dentro do grupo espacial Fm3m, para 1,00 > f >
0,97 a estrutura mais provvel corresponde ao grupo espacial tetradrico I4/m, e
finalmente, se 0,97 > f, o composto se torna ou monoclnico (P21/n) ou ortorrmbico.
Cap
tul
o 2
D
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Ord
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