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153 ARTIGO DE REVISÃO Resumo: a cardiomiopatia dilatada é uma das doenças cardio- vasculares mais comuns na práctica clínica diária. Os autores propõem-se fazer uma revisão bibliográfica sobre a doença, focando o interesse da compreensão da sua patofisiologia no diagnóstico através do exame físico, conhecimento de patologia especifica das diferentes raças e utilização de meios complemen- tares de diagnóstico. Estes incluem os exames radiográfico, elec- trocardiográfico (em repouso e ambulatório) e ecocardiográfico, permitindo este um diagnóstico definitivo. Por fim dão-se algu- mas indicações de tratamento nos diversos estadios da doença, bem como de prognóstico. Summary: dilated cardiomyopathy is one of the most common cardiovascular diseases routinely dealt with in medical practice. The authors propose, first, a review of bibliographical data on the disease, focusing their interest simultaneously on the under- standing of the Pathophysiology, the performance of the physi- cal exam and on the knowledge of breed specific pathology in order to reach a diagnose. Secondly, the use of complementary diagnostic tests, such as radiography, electrocardiography (at rest and ambulatory) and echocardiography, will give us a defini- tive diagnosis. Finally we also indicate some therapeutic options (during different stages of the disease) and prognoses. O termo cardiomiopatia dilatada (CMD) é aplicado quando há insuficiência de contração do miocárdio por razões desconhecidas (idiopática), significando literalmente uma doença do músculo cardíaco no qual o coração se encontra dilatado (Kittlesson e Kienle, 1998). É uma doença primária, ou seja, não se refere a dilatações cardíacas que surgem secundariamente a alterações valvulares ou congénitas (Keene, 1994). Prevalência É uma das doenças cardiovasculares adquiridas mais comuns (Maseda et al., 1999). No entanto, a sua prevalência é relativamente baixa se comparada com as alterações degenerativas das válvulas e, em certas regiões, a dirofilariose, que são bastante mais comuns que a CMD (Sisson et al., 1999). A prevalência pode ser bastante mais elevada se a considerarmos em deter- minados grupos ou raças de cães, como mais à frente se explicitará. Pode aparecer em qualquer idade, mas é mais fre- quente o seu aparecimento em animais com idades compreendidas entre os 4 e os 10 anos (Maseda et al., 1999). Foi descrita no Cão de Água Português, uma nova forma de CMD. Esta afecta cães jovens entre as 2 e as 32 semanas de idade e que morrem em pouco tempo, devido a ICC (insuficiência cardíaca congestiva). Os neonatos morrem subitamente, sem sinais prévios ou com manifestação discreta de sinais de ICC, 1 a 5 dias antes de morrerem. Não há, nesta raça, predilecção para o sexo. O facto de aparecer em cães jovens e a progressão da doença ser rápida torna- a numa forma distinta de CMD canina (Sleeper et al., 1998). Os machos parecem ser mais predispostos para a CMD, sendo a relação com as fêmeas de 2:1 respecti- vamente (Keene, 1994). Predisposição racial Afecta fundamentalmente raças grandes e em geral todas as raças gigantes. Pode, no entanto, atingir também algumas raças pequenas (Kittlesson e Kienle, 1998). Assim, podemos destacar Doberman, Boxer, Irish Wolfhound, Grand Danois, Labrador Retriever, Terra Nova, Cocker Spaniel e Cão d’Água Portu- guês. De referir, em relação às raças portuguesas, a referência da doença em Cães da Serra da Estrela (Luis, 1998), também observada na prática clínica dos autores. O Doberman é a raça mais atingida, sendo o número de casos descritos nesta raça maior do que o das outras raças juntas (Kittlesson e Kienle, 1998; Sisson et al., 1999; Vollmar, 2000). Etiologia A etiologia é, como já foi referido, desconhecida (Calvert, 1995). Existem inúmeras causas que predis- põem a esta patologia. De referir as causas com base genética ou familiar, infecção vírica, autoimunidade, toxinas miocárdicas, hiper-reactividade microvascular, deficiência nutricional (taurina e carnitina), taquicar- Cardiomiopatia dilatada canina Canine dilated cardiomyopathy Luis Lima Lobo e Raquel Pereira Hospital Veterinário do Porto, Travessa Silva Porto, 174, 4250 – 475 Porto REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

Cardiomiopatia dilatada canina Canine dilated cardiomyopathy · talmente, uma taquicardia induzida por marca-passos artificial, ao fim de algum tempo pode induzir uma ... pelo que

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ARTIGO DE REVISÃO

Resumo: a cardiomiopatia dilatada é uma das doenças cardio-vasculares mais comuns na práctica clínica diária. Os autores propõem-se fazer uma revisão bibliográfica sobre a doença, focando o interesse da compreensão da sua patofisiologia no diagnóstico através do exame físico, conhecimento de patologia especifica das diferentes raças e utilização de meios complemen-tares de diagnóstico. Estes incluem os exames radiográfico, elec-trocardiográfico (em repouso e ambulatório) e ecocardiográfico, permitindo este um diagnóstico definitivo. Por fim dão-se algu-mas indicações de tratamento nos diversos estadios da doença, bem como de prognóstico.

Summary: dilated cardiomyopathy is one of the most common cardiovascular diseases routinely dealt with in medical practice. The authors propose, first, a review of bibliographical data on the disease, focusing their interest simultaneously on the under-standing of the Pathophysiology, the performance of the physi-cal exam and on the knowledge of breed specific pathology in order to reach a diagnose. Secondly, the use of complementary diagnostic tests, such as radiography, electrocardiography (at rest and ambulatory) and echocardiography, will give us a defini-tive diagnosis. Finally we also indicate some therapeutic options (during different stages of the disease) and prognoses.

O termo cardiomiopatia dilatada (CMD) é aplicado quando há insuficiência de contração do miocárdio por razões desconhecidas (idiopática), significando literalmente uma doença do músculo cardíaco no qual o coração se encontra dilatado (Kittlesson e Kienle, 1998). É uma doença primária, ou seja, não se refere a dilatações cardíacas que surgem secundariamente a alterações valvulares ou congénitas (Keene, 1994).

Prevalência

É uma das doenças cardiovasculares adquiridas mais comuns (Maseda et al., 1999). No entanto, a sua prevalência é relativamente baixa se comparada com as alterações degenerativas das válvulas e, em certas regiões, a dirofilariose, que são bastante mais comuns que a CMD (Sisson et al., 1999). A prevalência pode ser bastante mais elevada se a considerarmos em deter-minados grupos ou raças de cães, como mais à frente se explicitará.

Pode aparecer em qualquer idade, mas é mais fre-quente o seu aparecimento em animais com idades compreendidas entre os 4 e os 10 anos (Maseda et al., 1999). Foi descrita no Cão de Água Português, uma nova forma de CMD. Esta afecta cães jovens entre as 2 e as 32 semanas de idade e que morrem em pouco tempo, devido a ICC (insuficiência cardíaca congestiva). Os neonatos morrem subitamente, sem sinais prévios ou com manifestação discreta de sinais de ICC, 1 a 5 dias antes de morrerem. Não há, nesta raça, predilecção para o sexo. O facto de aparecer em cães jovens e a progressão da doença ser rápida torna-a numa forma distinta de CMD canina (Sleeper et al., 1998).

Os machos parecem ser mais predispostos para a CMD, sendo a relação com as fêmeas de 2:1 respecti-vamente (Keene, 1994).

Predisposição racial

Afecta fundamentalmente raças grandes e em geral todas as raças gigantes. Pode, no entanto, atingir também algumas raças pequenas (Kittlesson e Kienle, 1998). Assim, podemos destacar Doberman, Boxer, Irish Wolfhound, Grand Danois, Labrador Retriever, Terra Nova, Cocker Spaniel e Cão d’Água Portu-guês. De referir, em relação às raças portuguesas, a referência da doença em Cães da Serra da Estrela (Luis, 1998), também observada na prática clínica dos autores. O Doberman é a raça mais atingida, sendo o número de casos descritos nesta raça maior do que o das outras raças juntas (Kittlesson e Kienle, 1998; Sisson et al., 1999; Vollmar, 2000).

Etiologia

A etiologia é, como já foi referido, desconhecida (Calvert, 1995). Existem inúmeras causas que predis-põem a esta patologia. De referir as causas com base genética ou familiar, infecção vírica, autoimunidade, toxinas miocárdicas, hiper-reactividade microvascular, deficiência nutricional (taurina e carnitina), taquicar-

Cardiomiopatia dilatada canina

Canine dilated cardiomyopathy

Luis Lima Lobo e Raquel Pereira

Hospital Veterinário do Porto, Travessa Silva Porto, 174, 4250 – 475 Porto

R E V I S T A P O R T U G U E S ADE

CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

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RPCV (2002) 97 (544) 153-159Lobo, L. L. e Pereira, R.

dia persistente ou recorrente (Sisson et al., 1999). Em relação a este último ponto, sabe-se que, experimen-talmente, uma taquicardia induzida por marca-passos artificial, ao fim de algum tempo pode induzir uma insuficiência miocárdica. Em algumas raças gigantes, que normalmente apresentam fibrilhação atrial com frequências cardíacas altas, antes de apresentarem evi-dência de disfunção ventricular, coloca-se a questão se a insuficiência do miocárdio é o resultado da evolução de um processo patológico miocárdico primário ou se, por outro lado, é a consequência de uma fibrilhação atrial crónica.

Hoje sabe-se que a maioria dos cães com CMD não apresenta lesão ou perda significativa de miócitos do miocárdio, pelo que se sugere a existência de anor-malidades bioquímicas ou estruturais que induzam uma deficiente função contráctil, sem destruição celular. Esta sugestão leva-nos a pensar que a causa específica da doença nos cães possa ser determinada e que a CMD possa ser reversível ou, pelo menos, parcialmente reversível, como acontece nos casos de deficiência em taurina. Em medicina humana, o desenvolvimento de técnicas de biologia molecular tem permitido a identificação de causas especificas de CMD que era considerada idiopática. O uso de técnicas similares em medicina veterinária poderá ter resultados semelhantes, direccionando-nos para novas estratégias terapêuticas (Spier et al., 2001).

O facto de haver predisposição de algumas raças para esta patologia e de, em certas raças, ter caracte-rísticas especiais, sugere que exista uma base genética para CMD. O padrão de transmissão autossómico dominante é o mais comum. É caracterizado pelo aparecimento da doença em muitas gerações, igual ocorrência nos dois generos e transmissão de macho para macho. Este padrão de transmissão é descrito no Boxer. No Doberman a transmissão é feita por um gene autossómico dominante de baixa penetrância, no entanto nem todos seguem o mesmo padrão (Meurs, 1998). Ainda nesta raça, foram efectuados estudos que tentaram demonstrar a existência de mutações nos genes, semelhantes àquelas encontradas em humanos com CMD familiar, mas aparentemente sem sucesso (Meurs et al., 2001). No Cão d’Água Português o padrão de transmissão descrito é por um gene autos-sómico recessivo (Sleeper et al., 1998), não se encon-trando nesta raça alterações nas concentrações séricas e miocárdicas de carnitina e taurina (Sleeper, 2002).

A taurina é o aminoácido livre mais abundante no coração, tendo grande importância na cinética interce-lular do cálcio e ajudando na eliminação de radicais livres de oxigenio. Estudos realizados com Cocker Spaniel e Golden Retriever, demonstraram que em animais com CMD os níveis de concentração de tau-rina estavam baixos (< 25 ηmol/ml), observando-se, em alguns deles, uma melhoria da função miocárdica após a suplementação com taurina (Sisson et al., 1999). A hipótese da carnitina também poder desem-

penhar um papel na etiologia da CMD, nomeadamente em Boxers (Keene et al., 1991), já é mais controverso. Extrapolando da medicina humana, sabe-se que, na maior parte das doenças cardíacas, as concentrações da carnitina, mesmo a nível do miocárdio, tendem a ser baixas como consequência directa da insuficiência cardíaca e não como causa desta. A suplementação em carnitina pode ser em parte benéfica pela substituição da deplecção de carnitina, mas não há evidência cien-tifica, do conhecimento dos autores, que a suplementa-ção com esta substância possa ser causa da doença ou possa reverter a função miocárdica primária na grande maioria dos cães.

Por último de referir que a associação de hipotiroi-dismo com CMD, referida em alguns textos, não tem sido comprovada (Calvert et al., 1998).

Patologia

A CMD caracteriza-se por uma dilatação moderada a severa das câmaras cardíacas.A espessura das paredes ventriculares pode estar diminuída, mas pode também encontrar-se normal, o que nos introduz a noção de hipertrofia excêntrica, que é caracterizada por um aumento de tamanho das câmaras cardíacas relati-vamente à espessura das paredes. Nos Dobermans e Boxers predomina uma dilatação do átrio e ventrículo esquerdo, enquanto que noutras raças há, normal-mente, uma dilatação de todas as câmaras (Maseda et al., 1999). O anel de inserção das válvulas semilunares está aumentado e estas estão ligeiramente espessadas. Os músculos papilares encontram-se atrofiados e apla-nados e as cordas tendinosas podem estar finas e alon-gadas (Kittlesson e Kienle, 1998). A nível histológico normalmente não são observadas lesões significativas, suficientemente severas para causar o marcado grau de insuficiência cardíaca observado clinicamente

Patofisiologia

A sua compreensão é fundamental para a obtenção de um diagnóstico e prognóstico correctos e para ins-taurar um tratamento adequado. Inicialmente a dimi-nuição da contractibilidade miocárdica é moderada, tornando-se mais severa com o tempo. Cria-se uma disfunção ventricular sistólica, com diminuição do débito cardíaco e consequente activação de mecanis-mos compensatórios que levam, basicamente, à reten-ção de água e sódio a nível renal. Isto traduz-se num aumento do volume de sangue e consequente aumento do volume intracardiaco, com retenção de sangue no ventrículo esquerdo (Hamlin, 1999). Ventrículos volu-metricamente sobrecarregados adaptam-se a aumentos crónicos de volume, sofrendo hipertrofia excêntrica, que se traduz num aumento das câmaras cardíacas e da massa muscular. Assim, numa fase de doença ligeira a moderada, o coração consegue compensar a sua defi-

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ciente contractilidade e manter um adequado volume de ejecção, sem que as pressões intraventriculares no final da diástole estejam aumentadas (Hamlin, 1999).

Esta situação pode reverter-se se a doença for severa e a capacidade de compensação do sistema cardiovas-cular for ultrapassada. A progressão da doença leva a que a contractilidade se deteriore paulatinamente levando o coração a dilatar até ao seu limite. Por outro lado, os rins continuam a reter sódio e água, aumen-tando cada vez mais o volume sanguíneo sem o cora-ção compensar (Hamlin, 1999). A pressão diastólica final do ventrículo esquerdo aumenta, o que se trans-mite retrogradamente ao átrio, veias e leito capilar, resultando em edema pulmonar (ICC) (Hamlin, 1999). Se o lado direito estiver também severamente afectado, o mesmo processo resultará em ascite.

Nesta fase, com vista a aumentar o débito cardíaco, há estimulação do sistema nervoso simpático, com aumento da frequência cardíaca e vasoconstrição. Com a vasoconstrição periférica, o fluxo sanguíneo para os rins, tracto gastrointestinal, pele e músculos inactivos, fica diminuído, para que seja possível haver uma cor-recta perfusão do cérebro e coração (Knight, 1995).

Por fim e após falharem todos os mecanismos com-pensatórios, o débito cardíaco diminui a tal ponto que, mesmo com um aumento marcado da resistência vascular periférica, a pressão arterial sistémica baixa significativamente levando a um estado de choque cardiogénico.

Os animais com CMD estão também sujeitos a alterações do ritmo cardíaco. Em Boxers e Dober-mans, predominam as arritmias ou taquiarritmias ventriculares. Nestes casos a capacidade de enchi-mento ventricular diminui, diminuindo assim o débito cardíaco. Havendo comprometimento da circulação o animal pode morrer de um colapso ou de morte súbita (Hamlin, 1999). Nas outras raças, como por exemplo no Irish Wolfhound (Brownlie e Cobb, 1999), pre-domina a fibrilhação atrial. Nestas situações há um aumento da frequência cardíaca, que inicialmente mantém o débito cardíaco, mas que depois leva à falência do miocárdio (Hamlin, 1999; Vollmar, 2000).

De referir por último que a função miocárdica é também agravada pela hipóxia consequente a um ina-dequado fornecimento de oxigénio ao miocárdio.

Apresentação clínica

Existe um padrão geral de apresentação clínica para a CMD, no entanto a variação racial é bastante acentu-ada (Sisson et al., 1999). Os animais podem apresentar uma fase subclínica mais ou menos longa, até apresen-tarem sintomatologia. Esta fase pode durar anos, em que o animal se mantém practicamente assintomático, podendo desenvolver uma IC (insuficiência cardíaca) de uma forma aguda e apresentando um quadro muito exuberante.

Na fase subclínica já existe insuficiência do miocár-

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dio sem a presença de sinais clínicos e, numa primeira fase, não há sequer evidência ecográfica de insufici-ência ventricular (Kittlesson e Kienle, 1998). Quando se desenvolve a insuficiência cardíaca, os sinais geralmente observados são: letargia, intolerância ao exercício, fraqueza, anorexia, síncope, dispneia, tosse e distensão abdominal (Keene, 1994).

A raça em que a CMD está mais bem estudada é o Doberman (Kittlesson e Kienle, 1998). Nesta raça estão descritos padrões diferentes da doença, havendo dois grupos. Um dos grupos representa os animais que desenvolvem sinais de ICC, o outro grupo representa os animais que têm morte súbita, que pode ser o pri-meiro e único sinal (Calvert, 2001).

Nos Boxers a doença encontra-se separada em três categorias. Na categoria I estão os animais com CMD assintomática, mas em que uma arritmia cardíaca pode ser detectada durante um exame de rotina ou em des-pistes com Holter. Na categoria II estão os que sofrem sincopes ou episódios de tosse, no entanto pode ocorrer morte súbita sem que apareçam sincopes e é frequente a detecção de arritmias ventriculares. Na categoria III encontram-se os Boxer que desenvolvem sinais de ICC (Meurs, 1998).

Em Dobermans e Boxers predominam os sinais de IC esquerda, tais como tosse e dispneia devido a edema pulmonar. Nas outras raças predominam os sinais de IC biventricular, desenvolvendo para além dos sinais acima mencionados, ascite, hepatomegália e efusão pleural (Vollmar, 2000). Os sinais atribuíveis às arritmias cardíacas aparecem frequentemente, tais como a sincope, episódios de fraqueza ou colapso (Sisson et al., 1999).

Exame físico

Por auscultação cardíaca pode detectar-se um ritmo de galope protodiastólico (S

3), de baixa frequência,

constituindo um dado clinico frequente e importante. Os sopros cardiacos de alta intensidade não são carac-terísticos da CMD, podendo-se ouvir, em cerca de metade dos animais afectados (Sisson et al., 1999), um sopro sistólico de regurgitação de baixa a média intensidade (I-III/VI). Mediante auscultação cuidadosa podemos ouvir um ritmo irregular que corresponde a fibrilhação atrial, complexos supraventriculares ou ventriculares prematuros (CVPs), taquicardia ventricu-lar e supraventricular (Sisson et al., 1999).

Por auscultação pulmonar detectam-se sons bronco-vesiculares, estretores e fervores devido a IC esquerda e edema pulmonar. As crepitações são ouvidas na região peri-hilar e, em casos mais severos, podem ser ouvidas ao nível de todo o campo pulmonar (Sisson et al., 1999), sendo a auscultação dificultada nos casos em que existe efusão pleural.

A evidência de uma arritmia cardíaca (fibrilhação atrial e CVPs) inclui alteração do pulso para fraco, rápido, irregular e não síncrono (Keene, 1994), pelo

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que é importante sentir o pulso ao mesmo tempo em que se efectua a auscultação cardiaca. O pulsus alter-nans é caracterizado pela sua variação em amplitude com ausência de arritmia cardíaca. Este sinal indica IC severa (Sisson et al., 1999). Distensão e pulso jugular, hepatomegália e ascite são frequentes em casos de IC direita. Em casos graves existe edema periférico (Maseda, 1999).

Exame electrocardiográfico

O exame electrocardiográfico é utilizado para iden-tificar o tipo de arritmia que está presente (Brownlie e Cobb, 1999; Keene, 1994; Meurs, 1998). Os electro-cardiogramas (ECGs) podem variar de raça para raça. A maioria dos animais têm ECGs anormais. Podem aparecer alterações indicativas de dilatação atrial ou ventricular (eg. QRS e P de duração e amplitude aumentadas). É importante ter em atenção que, nos casos em que existe efusão pleural, a onda R pode-se encontrar de baixa amplitude. O eixo eléctrico será normal (Sisson et al., 1999).

Em Dobermans com CMD, três quartos dos animais apresentam CVPs (Figura 1) e taquiarritmias ventri-culares (Figura 2). Um estudo efectuado (Calvert et al., 1997) em cães desta raça, em que se diagnosticou CMD e que tiveram morte súbita ou que desenvol-veram sinais de ICC, demonstrou que estes animais apresentavam arritmias ventriculares em 100% dos casos.

Nos Boxers é também frequente a presença de CVPs. Podem ter arritmia sem evidência ecográfica de disfunção miocárdica. Estas arritmias são observadas em 84% dos casos e muitos deles têm mais que 20 CVPs por minuto. A morfologia é indicativa da ectopia ter origem no ventrículo direito (Sisson et al., 1999). Outras anormalidades electrocardiográficas, encontra-das nesta raça com bastante menos frequência, são os bloqueios sino-atriais e bloqueios atrioventriculares de 3º grau (Calvert et al., 1996; Harpster, 1991). Noutras raças, o mais comum, entre 75 a 80%, é encontrarmos a fibrilhação atrial como principal alteração electro-cardiográfica (Brownlie e Cobb, 1999; Vollmar, 2000). Este grupo de raças inclui as raças gigantes como o

Irish Wolfhound, o Dog Alemão ou o Cão da Terra Nova (Tidholm e Jonsson, 1996) De referir que, pela experiência dos autores, também o Cão da Serra da Estrela parece poder ser incluído neste grupo.

Juntamente com o ECG, o monitor ambulatório (Holter) é útil para relacionar o ritmo cardíaco com os sinais clínicos (Keene, 1994). O Holter é um meio não invasivo, ideal para quantificar a frequência e a com-plexidade da arritmia, no ambiente habitual, durante um período de tempo determinado (normalmente 24 horas) (Calvert, 1995). É um método precoce de diagnóstico e rastreio para Boxers e Dobermans, que têm tendência a arritmias ventriculares. Isto deve-se ao facto de estas ectopias poderem preceder em meses ou anos uma CMD clinica (Keene, 1994; O’Grady e Horne, 1992). Desta forma é possível actuar de uma forma mais eficaz contra a arritmia, efectuar um diag-nóstico precoce e detectar linhas familiares de cães afectados.

Exame radiográfico

Serve para avaliar a dimensão cardíaca e detectar a presença e severidade do edema pulmonar ou efusão pleural. O tamanho cardíaco não deve ser utilizado para avaliar a severidade da IC, porque há uma pequena relação entre o tamanho cardíaco e os sinais clínicos (Le Bobinnec, 1999).

A cardiomegália generalizada é o mais comum em raças gigantes e Cocker Spaniel. Em Dobermans e Boxers a cardiomegália é menos marcada. O mais frequente nestas duas raças é o aparecimento de alte-rações compatíveis com dilatação do átrio esquerdo e edema pulmonar. A IC biventricular gera edema pulmonar (Figura 3), aumento da veia cava caudal, hepatomegália, ascite e, em alguns casos, efusão pleu-ral (Maseda, 1999).

Exame ecocardiográfico

A ecografia é a ferramenta de trabalho essencial, pois permite fazer correctamente um diagnóstico final, descartando efusões pericárdicas e insuficiências val-vulares crónicas, permitindo também emitir um prog-nóstico (Maseda, 1999).

Em modo M e 2D é possível definir a magnitude de distensão das câmaras cardíacas em sístole e em diás-tole, bem como a diminuição da contractilidade cardí-aca. Estes dois parâmetros são indicativos de CMD. Para além disto, pode-se observar um aumento do diâmetro ventricular no fim da diástole e da sístole e hipocinese do ventrículo esquerdo, estando as paredes ventriculares em diástole aparentemente finas devido à dilatação das câmaras (Figura 4). Pode ser visualizada uma contração assimétrica na parede do ventrículo esquerdo com maior movimentação do septo e regur-gitação mitral moderada ou severa. A relação átrio

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Figura 1 - ECG : CVPs em bigéminos em cão com CMD.

Figura 2 - ECG : Taquicardia ventricular em cão com CMD e ICC.

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e continuavam assintomáticos, não havendo, durante este período, um aumento, em modo-M, do diâmetro interno do ventrículo esquerdo em diástole (DIVEd) e do diâmetro interno do ventrículo esquerdo em sístole (DIVEs), em mais do que 5mm e nem uma diminui-ção da FE mais do que 5%. Os valores em média, dos cães que preenchiam estes requisitos, são: FE=21%; DIVEd=39,1mm; DIVEs=31mm. Todos os cães que demonstraram um CVP ou DIVEs >38,8mm desen-volveram CMD. Além disto, a maioria dos cães que apresentavam uma DIVEd >46 mm também desenvol-veram CMD.

As ecocardiografias de stress com dobutamina (ESD) representam um teste sensível para a detecção de CMD assintomática. As alterações ionotrópicas provocadas pela dobutamina (5µg/kg/min) poderão revelar mais precocemente uma disfunção cardíaca que numa eco-cardiografia clássica (Minors e O’ Grady, 1998).

Os estudos electrocardiográficos são muito importan-tes para detecção de arritmias. O melhor método para esta detecção é a utilização do Holter (Calvert, 2000) (Figura 5). O não aparecimento de CVPs indica uma ausência de CMD. Um exame anual deve ser realizado em animais de alto risco, mesmo quando são detecta-dos menos de 50 CVPs por 24 horas, o que pode ser considerado normal. Provavelmente anormal será o aparecimento entre os 50 e 100 CVPs por 24 horas , havendo recomendação para repetição do exame com intervalos de 3 a 6 meses. Mais de 100 CVPs em 24 horas é anormal, significando que o animal vai desen-volver doença cardíaca progressiva (Calvert, 1995).

Tratamento

O tratamento tem como objectivo aliviar os sinto-mas de IC, aumentar a qualidade de vida do animal e diminuir a mortalidade (Keene, 1994; Mallery et al., 1999). É um tratamento individual, tendo de se ajustar ao estadio da doença e à severidade dos sinais clínicos presentes (Calvert, 2001; Kenne, 1994). O tratamento em estadios finais é geralmente insatisfatório (Calvert, 1995).

É normal os cães com cardiomiopatia dilatada serem apresentados à consulta em estados de ICC moderada a fulminante. Nestes casos o objectivo do tratamento consiste na redução da formação do edema pulmonar e na melhoria da oxigenação. As drogas efectivas no tratamento do edema pulmonar nesta fase, são a furo-semida (6-8 mg/kg q 4h, nas primeiras 12 h ou 2-4 mg/kg IV q hora até que a frequência respiratória seja menor que 30 rpm; depois passar para uma dose de 4 mg/kg cada 6 h) e a nitroglicerina ou nitroprussiato sódico. Nesta fase os autores dão especial atenção à monitorização da frequência respiratória, pressão arte-rial, função renal/débito urinário, electrólitos e moni-torização electrocardiográfica. Pode-se coadjuvar este tratamento com dobutamina, que é um β-bloqueante e potente inotrópico positivo, na dose de 2,5-5 µg/kg/

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esquerdo/aorta, sendo o valor normal 1,3:1, pode-se encontrar aumentada (Sisson et al., 1999).

Os índices de encurtamento e de ejecção e a velo-cidade média de encurtamento circunferêncial estão diminuídos em relação com a severidade da disfunção sistólica. O índice de separação do septo ao ponto E em diástole aumenta, como reflexo de uma fracção de ejecção diminuída (Calvert, 1995).

A fracção de encurtamento (FE) traduz a percenta-gem de alteração entre o final da diástole e o final da sístole. Os valores indicam: 20-25%: doença ligeira; 15-20%: doença moderada; <15%: doença severa (Kittlesson e Kienle, 1998). Não esquecer que raças grandes têm uma FE baixa (20 a 25%) e nem por isso têm CMD (Keene, 1994), o que ainda é mais verdade tratando-se de Dobermans.

O Doppler pode ajudar a determinar a função cardí-aca. Permite fazer um estudo das válvulas e estimar a insuficiência valvular.

Detecção da doença subclínica

Ainda hoje não é fácil detectar quais os animais que vão desenvolver CMD, de modo a poder afastá-los da reprodução e criar linhas de cães livres da doença, como acontece com outras patologias. A duração da fase subclínica pode ser bastante longa e vários métodos têm sido estudados para detectar animais que potencialmente possam desenvolver a doença. Esta detecção é particularmente difícil e tem sido bastante estudada em cães da raça Boxer e Doberman.

Em Dobermans assintomáticos, foi demonstrado que a contractibilidade miocárdica estava diminuída e havia evidências histológicas de CMD (Sisson et al., 1999). Foi realizado um estudo com Dobermans (O’Grady e Horne, 1992) em que se tentaram defi-nir as medições ecocardiográficas normais para esta raça. Estas medições normais foram definidas como aquelas obtidas no exame inicial de Dobermans assintomáticos que preenchiam os seguintes critérios : tinham pelo menos 18 meses e eram assintomáticos num primeiro exame, não apresentando ectopias ven-triculares no ECG. Foram seguidos durante dois anos

Figura 3 - Radiografia torácica. Incidência latero-lateral . Edema pulmonar agudo em Doberman pinscher com CMD.

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min. Esta droga está relativamente contraindicada em cães com fibrilhação atrial, pelo risco de aumento da condução átrio-ventricular, que levará a uma resposta ventricular mais rápida à fibrilhação (Laste, 2001). Em cães com taquiarritmias severas será necessário um tratamento antiarritmico adequado. Para as taquiarrit-mias ventriculares a lidocaína é normalmente a droga de eleição (2mg/kg ou em infusão continua). Por outro lado, cães com fibrilhação atrial e taquicardia atrial, que normalmente apresentam frequências cardíacas superiores a 200 bpm e que se encontram em IC aguda descompensada, necessitam de digoxina e/ou diltia-zem.

O tratamento de pacientes em fase de IC crónica é feito basicamente e classicamente com inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECAs), usando os autores o enalapril (0,5 mg/kg BID), furosemida (dada primeiro a altas doses para aumentar a excrecção de água e sódio, diminuindo depois a dose para valo-res mínimos que controlem os sinais congestivos) e digoxina (0,006-0,011 mg/kg ou 0,22 mg/m2) (Calvert, 2001). Este fármaco controla a frequência cardíaca, diminui a actividade do sistema nervoso simpático e sistema renina-angiotensina-aldosterona, sendo fundamental controlar os seus sinais de toxicidade e quantificar os valores de digoxina no plasma (0,9 a 1,5 ng/ml). Além destas medidas recomendamos restrição de sódio na dieta e restrição de exercício.

Recentemente os autores têm utilizado o pimoben-dan, que é uma droga recente, chamada inodilatador, que combina efeitos inotrópicos positivos e vasodi-latadores, podendo ser associada a diuréticos, IECAs e antiarritmicos. É uma droga bastante útil que pode trazer novas perspectivas de tratamento da ICC, espe-cialmente em cães com CMD (Ynaraja et al., 2001).

Está também recomendada a suplementação com taurina, como nos casos dos Cocker Spaniel e Golden Retriever, na dose de 250 mg BID (Keene, 1994).

Por último referimos o tratamento de arritmias, quer em pacientes assintomáticos quer em pacien-tes em tratamento para ICC crónica. A digoxina, em fibrilhação atrial, diminui o débito cardíaco em 25%,

aumentando as pressões devido à perda de sincroniza-ção entre átrios e ventrículos e diminuindo o tempo de enchimento ventricular devido a frequência cardíaca aumentada. Manter a frequência entre 140-160 bpm é o objectivo da digoxina.

O tratamento das ectopias ventriculares é contro-verso, especialmente na ausência de síncopes ou into-lerância ao exercício ou se não houver taquicardias ventriculares com mais de 30 segundos de duração (Calvert, 2001). Estão indicados a quinidina, a pro-cainamida, os β-bloqueantes, o sotalol, a mexiletina e a amiodarona. Os autores têm obtido resultados bas-tante satisfatórios, especialmente em Boxers, com este último antiarritmico de classe III, que tem uma acção inotrópica negativa pouco significativa. Além disto possui qualidades dos quatro grupos de antiarritmicos: efeitos significativos de bloqueador de canais de sódio e efeitos moderados de bloqueador de canais de cálcio e de β-bloqueante (Laste, 2001). Foram descritos casos de hepatopatia em cães tratados com amiodarona (Jacobs et al., 2000), pelo que se deve monitorizar regularmente a função hepática. Os autores observa-ram um caso de hepatotoxicidade com esta droga, que foi completamente revertida após se ter descontinuado o tratamento com amiodarona e substituído por um outro antiarritmico (neste caso atenolol).

Prognóstico

Os proprietários devem ser informados que o seu animal morrerá inevitavelmente da doença, devido à progressão da ICC.

Em humanos, os indicadores mais sugestivos de capacidade de sobrevivência são a presença de arrit-mias ventriculares, alterações hemodinâmicas e neu-rohormonais (aumento do peptídeo natriurético atrial ou a concentração de catecolaminas) (Mallery et al., 1999). O prognóstico é muito variável de raça para raça. O tempo de sobrevivência é geralmente curto. Muitos cães morrem sem se conseguir estabilizar o primeiro episódio de descompensação cardíaca. Os Doberman têm, provavelmente, o pior prognóstico de entre todas as raças. Há cães nos quais se conseguem fazer varias estabilizações e podem sobreviver mais de

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Figura 4 - Ecocardiografia de cão com CMD. Corte paraster-nal direito, eixo longo, modos 2D e M. De notar o aumento do volume ventricular em sístole e diástole, a dilatação atrial e a hipocinese e discinese das paredes ventriculares.

Figura 5 - Exame de Holter

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um ano. Em geral, os animais morrem num prazo de seis meses (Calvert, 1995).

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ARTIGO DE REVISÃO

Resumo: O diagnóstico clínico das intoxicações nos carnívoros domésticos é em geral difícil e delicado. A principal razão é, sem dúvida, a diversidade de intoxicações possíveis. O êxito do diagnóstico toxicológico dependerá de uma análise exaustiva de informações emergentes de estudos interdisciplinares de carácter epidemiológico, clínico, necrópsico, histopatológico e analítico (laboratório toxicológico). O estudo analítico é de crucial importância para a correcta caracterização do composto tóxico envolvido. O presente artigo, tem como principal objectivo apresentar as medidas e os procedimentos a considerar quando o clínico veterinário pretende resultados analíticos efectuados em amostras biológicas, face à suspeita de uma intoxicação em carnívoros domésticos.

Palavras chave: Recolha de amostras, intoxicação, diagnóstico, carnívoros domésticos, toxicologia, veterinária.

Summary: In the domestic carnivores the clinical diagnosis of intoxications is difficult and deserves caution due to the diversity of the etiological agent. The success of the toxicological diag-nosis will depend on the keen analysis of the information from interdisciplinary fields such as epidemiology, clinic, necropsy, histopathology and analysis. The identification of toxic sub-stances is based on analysis made by toxicological laboratories. The correct selection and dispatch of samples for toxicological analysis are crucial to the diagnosis. The main goal of this paper is to describe the measures and procedures that should be taken when the veterinary needs analytical results obtained from bio-logical samples that are suspect of intoxication in carnivores.

Key words: Sampling, intoxication, carnivores, diagnosis, toxi-cology, veterinary.

Introdução

Pelo facto de vivermos num ambiente cada vez mais contaminado por xenobióticos, os casos clínicos de intoxicação ocorrem com alguma regularidade. O Médico Veterinário no exercício da sua actividade profissional encontra, por vezes, dúvidas no diagnós-tico clínico das intoxicações, sendo o recurso a um laboratório especializado em análises toxicológicas absolutamente necessário para as esclarecer e resolver

eventuais situações litigiosas.Como em qualquer caso clínico, o diagnóstico de

uma intoxicação deve basear-se na anamnese, na des-crição pormenorizada dos sinais clínicos, na ausência ou presença de sintomas ante e post-mortem, no tempo que decorreu entre a observação dos primeiros sintomas e a morte do animal, e na resposta do mesmo à terapêutica instituída (Dorman, 1997).

Por análise toxicológica entende-se o conjunto de processos analíticos utilizados para identificar a pre-sença de um produto exógeno, com o objectivo de chegar a um diagnóstico (Repetto, 1997), estabelecer um prognóstico e eventualmente aplicar a terapia específica (Feuillu, 2000). A análise química de amos-tras colhidas no animal ou no ambiente é fundamental para estabelecer e confirmar o diagnóstico de um quadro clínico de intoxicação. O resultado positivo ou negativo de uma análise química nem sempre é uma evidência conclusiva da ocorrência ou não de into-xicação. De acordo com Galey (2001), um resultado negativo não exclui a ocorrência de uma intoxicação, existem compostos químicos com elevada toxicidade, cujas concentrações nos tecidos é impossível de detectar e quantificar pelos métodos analíticos exis-tentes actualmente. A opinião de Osweiler (1996) é idêntica, referindo o mesmo que os organofosforados podem causar quadros clínicos de intoxicação sem serem identificados pelos procedimentos analíticos comuns. A obtenção de um resultado positivo, para determinados xenobióticos, pode traduzir um falso positivo. Os hidrocarbonetos acumulam-se nos tecidos sem manifestação clínica de intoxicação. A interacção do mercúrio com o selénio e as proteínas forma um complexo desprovido de toxicidade (Osweiler, 1996; Galey, 2001).

Do ponto de vista toxicológico a determinação analítica de substâncias tóxicas pode ser solicitada nos seguintes casos (Galey e Hall, 1990): a) animais com sinais ou sintomas característicos das intoxi-

Recolha e envio de amostras biológicas para o diagnóstico de intoxicações em carnívoros domésticos

Sampling and sending biological samples for the diagnosis of intoxication in domestic carnivores

Paula Oliveira, Justina Oliveira e Aura Colaço

Departamento de Patologia e Clínicas Veterinárias, ICETA, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Quinta de Prados, 5001-911, Vila Real-Portugal.

R E V I S T A P O R T U G U E S ADE

CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

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cações mais frequentes (estricnina, organoclorados, organofosforados, rodenticidas); b) morte súbita de um animal (cão ou gato) clinicamente são durante as horas que precederam a sua morte; c) morte de um ou de vários animais num contexto de atitude mal inten-cionada (envenenamento).

A pesquisa pode ser feita num líquido orgânico (sangue ou urina), porções de tecidos (fígado, rim, cérebro, pêlos, faneras) ou material suspeito conside-rado como potencialmente perigoso.

O quadro clínico do animal intoxicado, depende do composto xenobiótico implicado e caracteriza-se por uma extensa diversidade de sintomas, que podem incluir distúrbios do sistema nervoso (excitação, espasmos musculares, convulsões, paralisia, miose, midríase e coma), desordens gastrintestinais (vómitos, diarreia, hipersiália), problemas cardíacos, dificul-dades respiratórias, alterações da coagulação, bem como distúrbios nas funções de outros órgãos (Bartíc e Piskač, 1981; Garland, 1997). Os sintomas de uma intoxicação, só por si, são insuficientes para estabele-cer um diagnóstico etiológico correcto.

Sempre que é necessário solicitar uma análise toxicológica é fundamental considerar determinados aspectos que irão auxiliar a investigação. Um laborató-rio de análises toxicológicas não pode pesquisar todos os tóxicos possíveis, só devendo procurar identificar os solicitados. Pelo que não se devem enviar as amostras apenas com a indicação de “amostra para investigação toxicológica”. Todas as amostras devem ser acompa-nhadas por um relatório minucioso sobre o caso clí-nico. No caso da pesquisa toxicológica apresentar um resultado negativo, o relatório poderá orientar para a realização de outros procedimentos analíticos execu-táveis na mesma amostra. Nem todas as amostras se adaptam a análises toxicológicas, é pois necessário não só seleccioná-las como as enviar correctamente em função do tipo de intoxicação suspeita.

Selecção das amostras

Um diagnóstico correcto por análise toxicológica requer amostras bem seleccionadas. De facto, nem todas as amostras estão indicadas para a pesquisa de um xenobiótico, porque alguns métodos são mais exequíveis em determinadas amostras, bem como a quantidade de xenobiótico pode ser maior em determi-nados tecidos alvo, assim ao seleccionar a amostra é importante considerar o comportamento toxicocinético do composto suspeito (Puyt et al., 1995). As amostras podem ter três origens: o animal vivo, o animal morto e o habitat.

Recolha de amostras no animal vivo

A estabilização dos sinais vitais é de extrema impor-tância perante um caso clínico de intoxicação. Con-

tudo, Roder (2001) refere que a recolha de amostras deve realizar-se antes da administração de qualquer terapêutica sintomática ou de um antídoto, pois estes podem interferir com o método analítico utilizado. Podem ser recolhidas quatro tipos de amostras, são elas por ordem decrescente de interesse: conteúdo gás-trico, conteúdo vesical, sangue e faneras.

Conteúdo gástricoA principal porta de entrada de um xenobiótico

no animal é por ingestão (Drellich e Aldrich, 2001; Miranda et al., 2001), pelo que o conteúdo gástrico é de grande interesse nas exposições únicas e reiteradas sempre que a via de exposição é a oral (Pouliquen, 1999), pois nele o tóxico pode atingir concentrações muito elevadas (Puyt et al., 1995).

Desde que a ingestão do composto não tenha ocor-rido há mais de 4 horas, e o animal não tenha ingerido um antidepressivo tricíclico (Roder, 2001), pode recor-rer-se à lavagem gástrica (Drellich e Aldrich, 2001; Peterson, 2001) e à indução farmacológica do vómito para recolher amostras do conteúdo gástrico. A apo-morfina, xarope de ipecacuanha a 7%, cloreto de sódio e peróxido de hidrogénio a 3% podem ser utilizados no cão. No gato pode administrar-se o cloreto de sódio, o peróxido de hidrogénio a 3% e a xilazina (Puyt et al., 1995; Osweiler, 1996; Poppenga, 1999; Peterson, 2001). Não deve induzir-se o vómito na presença de convulsões, depressão severa ou coma, perda do reflexo de deglutição, hipóxia ou caso tenha sido inge-rido óleo, gasolina, destilados do petróleo, substâncias cáusticas ou corrosivas (Grauer e Osweiler, 1992; Bar-ragry, 1994; Peterson, 2001; Poppenga, 1999; Drellich e Aldrich, 2001).

Sempre que possível, os proprietários devem estar instruídos para guardar o material vomitado, caso o animal vomite em casa (Poppenga e Braselton, 1990).

Conteúdo vesicalA urina constitui uma amostra de interesse, porque

permite identificar xenobióticos excretados em natu-reza por via urinária (estricnina, crimidina e clorato) (Pouliquen, 1999), ou os seus metabolitos (Guttiérrez e Salsamendi, 2001). Por outro lado, os processos de concentração do filtrado glomerular e secreção tubular permitem que o tóxico atinja, em determinadas circuns-tâncias, concentrações muito elevadas, da ordem da mg/ml, ou seja concentrações 100 a 1000 vezes superiores às sanguíneas (Puyt et al., 1995; Pouliquen, 1999). No entanto, na prática clínica a sua importância é subesti-mada (Poppenga e Braselton, 1990). Não é necessário adicionar conservantes à urina (Repetto, 1997).

SangueOs agentes xenobióticos são distribuídos pelo sangue

a todos os tecidos (Repetto, 1997; Osweiler, 1999), pelo que a sua identificação nesta amostra indica com fiabilidade a exposição a um determinado composto.

163

Os xenobióticos orgânicos podem ser transportados livres no plasma, ou ligados a proteínas ou lipopro-teínas (Puyt et al., 1995), excepto os metais pesados (chumbo, zinco, arsénio e ferro) que são transportados pelos glóbulos vermelhos (Repetto, 1997).

Às amostras de sangue recolhidas não devem adi-cionar-se anticoagulantes, estes podem interferir com a técnica laboratorial utilizada. No entanto, para identificar o chumbo torna-se necessário acrescentar à amostra heparina ou ácido etilenodiaminotetracético (EDTA), dependendo do método analítico utilizado (Casteel, 2001).

Apesar dos procedimentos serem morosos e o tempo necessário para preparar as amostras rondar as 48 horas, a cromatografia gasosa permite identificar com alguma rapidez compostos xenobióticos no sangue.

Determinados compostos tóxicos caracterizam-se por induzir alterações funcionais em determinados órgãos ou vias metabólicas. A realização de análises clínicas laboratoriais pode confirmar e quantificar o dano tóxico provocado num órgão (Osweiler, 1996), por exemplo o quadro clínico de intoxicação pelo chumbo caracteriza-se por um aumento sérico do colesterol e dos triglicerídeos (Tussel et al., 2001). Podem incluir-se, de acordo com Osweiler (1996), as seguintes análises laboratoriais: perfil hepático e renal, provas de coagulação (tempo de protrombina, tempo de tromboplastina parcial activada), análise de urina, ionograma e gasometria.

O soro pode ser utilizado para identificar compostos xenobióticos ou quantificar a actividade enzimática como é o caso das colinesterases (Lorgue et al., 1996). Nestes casos é necessário separá-lo do coágulo para evitar a hemólise e a contaminação da amostra (Puyt et al., 1995; Osweiler, 1999; Pouliquen, 1999).

FanerasApesar de o pêlo e das unhas serem facilmente

acessíveis o seu interesse é relativo em toxicologia analítica veterinária (Pouliquen, 1999). Nos casos de intoxicação por organofosforados ou metais pesados (chumbo e arsénio) assumem certa importância, con-tudo são pouco utilizadas quando em comparação com as investigações toxicológicas feitas no Homem (Pappas et al., 1999). As faneras são inúteis nas intoxi-cações agudas, pois devido à sua fraca vascularização não permitem uma acumulação rápida de tóxicos. Nos casos de intoxicação crónica e estudos de poluição o seu interesse torna-se mais relevante, contudo é difícil estabelecer a diferença entre uma situação de contami-nação externa superficial e uma acumulação no interior dos constituintes das faneras (Puyt et al., 1995). A aná-lise às faneras é utilizada para confirmar suspeitas de fornecimento excessivo de oligoelementos ao animal (Pouliquen, 1999). Em toxicologia forense a análise ao pêlo tem muitas aplicações, permite a detecção de substâncias num período que vai desde os três dias até aos vários meses ou anos, e porque esta amostra pode

ser armazenada à temperatura ambiente (Wenning, 2000).

Recolha de amostras no animal morto

A recolha de amostras a partir do animal morto destinadas a exames toxicológicos, deve ser feita o mais rapidamente possível após a morte do mesmo e durante a necrópsia. Esta deve ser completa, com uma descrição detalhada de todos os órgãos e tecidos inde-pendentemente de parecerem ou não afectados (Bartíc e PiskaČ, 1981). No entanto, em toxicologia forense é possível proceder à análise de cadáveres cuja morte tenha ocorrido há mais de 8 dias. A presença de deter-minadas lesões, para além das patognomónicas como a pancreatite hemorrágica na intoxicação por estric-nina, podem com efeito orientar para um diagnóstico toxicológico. Por esta razão a colheita de amostras é geralmente realizada no momento da necrópsia (Puyt et al., 1995).

A necrópsia do animal que tenha morrido intoxicado contribui substancialmente para a precisão do diag-nóstico (Bartíc e PiskaČ, 1981). O exame post-mortem pode auxiliar na eliminação de causas não toxicológi-cas como responsáveis pela morte do animal, ou ajudar a reduzir a lista de tóxicos possíveis (Poppenga e Bra-selton, 1990).

Durante a necrópsia deve observar-se o exterior do animal, nomeadamente a cor do pêlo e das membranas mucosas, após o contacto com ácidos surge uma colo-ração amarelada ou acastanhada da pele e das mucosas (Bartíc e Piskač, 1981; Puyt et al., 1995; Lorgue et al., 1996). Analisam-se as aberturas naturais, tecido adi-poso subcutâneo, músculos, ossos, cavidades corporais e órgãos internos (Bartíc e Piskač, 1981). A congestão generalizada do animal, acompanhada de hemorragias pancreáticas e de antecedentes convulsivos, podem sugerir uma intoxicação por estricnina. A presença de sangue nas cavidades torácica, abdominal e ou articu-lar podem acompanhar a intoxicação por rodenticidas anticoagulantes. Um dos aspectos mais difíceis de ava-liar durante a necrópsia é o odor, contudo pode orientar para uma intoxicação particular. O odor no momento da abertura do animal a amêndoas amargas é comum na intoxicação por cianetos (Puyt et al., 1995).

Durante o exame post-mortem, as amostras podem ser colhidas para exame histopatológico e toxicológico, mas não para ambos. De cada tecido devem ser colhi-das duas amostras, uma deve ser preservada em formol a 10%, para análise histopatológica (Jolly, 1969) e a outra congelada ou refrigerada para uma eventual análise toxicológica (Poppenga e Braselton, 1990). A análise histopatológica serve para confirmar a pre-sença de lesões causadas por xenobióticos. A lipidose hepática e a proliferação dos ductos biliares observa-se nos casos de intoxicação por aflotoxinas no cão (Hooser e Talcott, 2001), a identificação de cristais de oxalato de cálcio no rim é comum na intoxicação pelo

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etilenoglicol (Osweiler, 1996). A realização de exames histopatológicos a tecidos pode sugerir um diagnóstico alternativo ou indicar a necessidade de executar uma análise toxicológica específica (Poppenga, 1999).

No quadro I e II, respectivamente, estão referidas as quantidades das amostras consideradas de interesse para a pesquisa de compostos tóxicos e a natureza das amostras a seleccionar perante a suspeita de uma deter-minada intoxicação.

Conteúdo gástrico e intestinal O conteúdo gástrico é de extrema importância nas

intoxicações cuja porta de entrada do agente xenobió-tico é a via oral. O estômago, após a morte do animal,

pode apresentar uma quantidade de tóxico suficiente para permitir caracterizar uma exposição única ou uma exposição reiterada. Para evitar a perda do conteúdo gástrico o mais fácil é recolher todo o estômago e fazer duas ligaduras, uma em cada extremidade (Puyt et al., 1995). A observação do conteúdo gástrico poderá ainda servir para avaliar colorações anormais, identificar macroscopicamente a presença de sementes, fragmen-tos de plantas ou outros elementos estranhos (Oswei-ler, 1996). A absorção do xenobiótico a partir do trato gastrintestinal ocorre fundamentalmente por difusão passiva. A absorção dos tóxicos pode ocorrer ao longo de todo o trato gastrintestinal, mesmo na boca e no recto (Klaassen e Rozman, 1991). No entanto, torna-se

Amostra Quantidade Comentários

Ante mortem

Conteúdo gástrico TotalidadePermite detectar xenobióticos de todos os tipos em especial os que não podem ser medidos nos tecidos (organofosforados).

Urina 20 a 50 mlPode encontrar-se na urina concentrações do tóxico 1000 vezes superiores às do sangue, serve para confirmar a exposição oral a um xenobiótico.

Sangue total ou soro 10 a 20 mlPermite avaliar os electrólitos, ureia, azoto; função hepática e renal; exposição a metais e substâncias activas.

Fezes 50 a 100gUtilizadas para a pesquisa de Ivermectinas; exposições orais recentes ou para identificar substâncias activas ou xenobióticos excretados no fluido biliar.

Líquido cefalorraquidi-ano

1ml Avaliação dos níveis de sódio.

PeleAmostra representa-tiva da lesão

A intoxicação pelo tálio induz hiperqueratose e paraqueratose, a intoxicação por organobrominas induz alopécia e hiperqueratose.

Faneras(pêlo e unhas)

1 a 10g Úteis em intoxicações crónicas (metais pesados).

Post mortem

Conteúdo gástrico e intestinal

50 a 100gEm cachorros o estômago completo, ligado nas duas extremidades. Confirma a exposição por via oral a um composto tóxico.

Fígado 50 a 100g

De interesse nas exposições únicas a tóxicos lipossolúveis, nas exposições únicas ou reiteradas a metais (chumbo, arsénico) e raticidas anticoagulantes. A bílis pode ser utilizada para detectar compostos tóxicos concentrados na vesícula biliar.

Rim 50 a 100gDe interesse nas exposições únicas ou reiteradas a metais (chumbo, arsénico e mercúrio), antibióticos, alcalóides, herbicidas, oxalatos, fenóis e etilenoglicol.

Cérebro Um hemisférioEm intoxicações por insecticidas organoclorados, organofosaforados, carbama-tose para identificar compostos neurotóxicos (piretrinas, sódio e mercúrio).

Tecido adiposo 50 a 100gUtilizado para detectar a acumulação de tóxicos lipossolúveis como pesticidas e dioxinas.

Osso longo 1 Pode ser utilizado para avaliar a exposição reiterada a metais pesados.

Músculo 50 a 100g Utilizado para a pesquisa de cianeto ou de metais pesados.

Pulmão 100g Utilizado para pesquisar paraquat.

Humor vítro Olho inteiro Pesquisa de álcool.

Habitat

Alimentos 100 a 250 g Amostras de interesse perante a suspeita de intoxicação intencional ou utiliza-ção de agentes fitossanitários.

Água 300g /1 L

Plantas Existem plantas com propriedades tóxicas.

Quadro I - Amostras de interesse nas intoxicações dos carnívoros domésticos (Adaptado de Lorgue et al., 1985, Poppenga e Brasel-ton, 1990; Galey, 1995; Puyt et al., 1995; Osweiler, 1996; Turk e Casteel, 1997; Roder, 2001).

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Tecido adiposoO tecido adiposo é uma amostra pouco utilizada

no diagnóstico analítico das intoxicações (Puyt et al., 1995). Muitos compostos orgânicos presentes no ambiente são lipofílicos, esta característica permite uma rápida passagem pelas membranas celulares e penetra-ção no tecido adiposo (Klaassen e Rozman, 1991). As amostras de tecido adiposo mais indicadas são as mais vascularizadas, nomeadamente a gordura mesentérica e perirenal (Puyt et al., 1995; Lorgue et al., 1996). Con-tudo, podem surgir dificuldades na interpretação dos resultados pois a identificação de concentrações muito reduzidas de um tóxico podem traduzir uma contami-nação antiga, sem relação com o tóxico em causa, é o caso do lindano (Pouliquen et al., 1999).

EncéfaloO encéfalo é um tecido muito vascularizado, os

compostos lipossolúveis (fosforados, clorados e nar-cóticos) (Bartíc e PiskaČ, 1981) atravessem a barreira hematoencefálica facilmente e atingem nele concen-trações elevadas (Puyt et al., 1995). A colheita de uma amostra deste local é relativamente difícil, implicando a abertura da abobada craniana (Pouliquen et al., 1999). O encéfalo deve ser cortado sagitalmente e o núcleo caudado pode ser recolhido para determinar a actividade das colinesterases (Lorgue et al., 1996). Na intoxicação pelo monóxido de carbono, substância volátil, pode recolher-se encéfalo para a sua iden-tificação laboratorial (Jackson, 1986; Pappas et al., 1999) pela técnica de espectrofotometria de absorção molecular. O encéfalo é uma amostra pouco utilizada em toxicologia analítica, porque exige técnicas muito apuradas de purificação, sendo difícil obter extractos suficientemente limpos de impurezas para poderem ser analisados em equipamento sensível.

Osso Poucas vezes se recolhe uma amostra de osso, no

entanto pode ser utilizada para avaliar a exposição cró-nica a metais pesados (Pouliquen et al., 1999). Com-postos como o flúor, chumbo e estrôncio podem ser incorporados e armazenados na matriz óssea. A depo-sição e armazenamento de xenobióticos no osso pode ser ou não prejudicial. O chumbo não é tóxico para o osso, mas os efeitos da deposição do flúor (fluorose do esqueleto) e do estrôncio radioactivo (osteosarcoma e outras neoplasias) estão descritos. Os compostos depo-sitados no osso não estão irreversivelmente sequestra-dos, podendo ser removidos por actividade osteoclás-tica (Klaassen e Rozman, 1991).

MúsculoO tecido muscular, cardíaco ou esquelético, é pouco

utilizado para a pesquisa de compostos tóxicos. No entanto, pode ser uma amostra de eleição para a pes-quisa de cianetos e na intoxicação por compostos ionó-foros (Roder, 2001).

menos significativa quando comparada com a absorção que ocorre ao nível do estômago e do intestino, onde a sua importância é condicionada pelos valores de pH, este determina o grau de dissociação molecular apresentado pelos compostos iónicos débeis. Assim, a acidez estomacal favorece a absorção dos compostos não ionizados de ácidos débeis, enquanto que o pH básico do intestino delgado favorece a difusão e absor-ção das bases débeis (Guttiérrez e Salsamendi, 2001).

FígadoO fígado é o segundo órgão de interesse no cadáver,

é um órgão que apresenta uma elevada capacidade de se ligar aos xenobióticos (Puiyt et al., 1995). Possui uma importante vascularização, e é passagem obriga-tória dos xenobióticos absorvidos no intestino para a circulação sistémica (Guttiérrez e Salsamendi, 2001). Por outro lado, a sua composição rica em lipídos e em metalotioneínas explica a sua elevada afinidade para tóxicos lipossolúveis (insecticidas, anticoagulantes, estricnina) e metais pesados como o chumbo e o ferro. As 50 a 100 g necessárias para uma análise toxicoló-gica podem ser colhidas a partir de qualquer lóbulo hepático (Puyt et al., 1995).

RimO interesse toxicológico do rim é idêntico ao do

fígado (Poppenga e Braselton, 1990; Pouliquen, 1999). Com efeito, é um órgão de excreção com uma importante vascularização, e pela sua riqueza em metalotioneínas, é de particular relevância nos casos de intoxicação por metais pesados. Numa suspeita de intoxicação por etilenoglicol, o rim deve ser fixado em formol a 10%, porque por exame histopatológico os cristais de oxalato de cálcio são facilmente identifica-dos (Poppenga e Braselton, 1990; Puyt et al., 1995).

Conteúdo vesicalO conteúdo vesical tem o mesmo valor de diag-

nóstico, e as mesmas limitações, quer o animal esteja vivo ou morto (Pouliquen, 1999). Contudo, devido ao relaxamento dos esfíncteres nos animais mortos, no momento da necrópsia, a bexiga apresenta-se vazia (Lorgue et al., 1996). Nas intoxicações por estricnina, cloralosa e crimidina, a urina tem um importante valor analítico, porque estes compostos são excretados em natureza (Puyt et al., 1995).

SangueO doseamento de xenobióticos no sangue é de

grande importância, contudo após a morte é difícil recolher esta amostra. O coágulo intracardíaco (Lorgue et al., 1996) ou órgãos altamente vascularizados como o baço (Pappas et al., 1999), colhidos logo após a morte do animal, são uma alternativa para alguns estu-dos indirectos, realizáveis em intoxicações provocadas por raticidas anticoagulantes (Puyt et al., 1995) e dió-xido de carbono, respectivamente (Pappas et al., 1999).

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OlhoO globo ocular pode utilizar-se para determinar a

concentração de iões como o sódio, cálcio, potássio e magnésio, bem como o amónio, nitratos e ureia. A concentração ocular de potássio e ureia são utilizadas para estimar há quanto tempo ocorreu a morte. O nervo óptico pode ser utilizado para pesquisar o arsénio na forma orgânica (Roder, 2001). O humor vítreo está protegido da putrefacção (Pappas et al., 1999).

Colheita de amostras no habitat

No local da ocorrência de uma intoxicação as amos-tras mais importantes a considerar são fundamental-mente os alimentos (carne à qual tenha sido incor-porada intencionalmente um tóxico), água e plantas

(particularmente após utilização de compostos fitos-sanitários) (Puyt et al., 1995; Pouliquen et al., 1999). Estas amostras podem servir para reforçar determina-dos argumentos perante situações litigiosas, particu-larmente se for encontrado em comum um tóxico no alimento e na amostra colhida do animal.

Conservação das amostras

Os órgãos colhidos durante a necrópsia, destinados a análises químicas, devem ser cuidadosamente protegi-dos contra a contaminação por contacto com desinfec-tantes ou outros químicos e não devem ser lavados com água (Bartíc e Piskač, 1981).

As amostras a enviar para exame toxicológico não devem conter qualquer preservante ou conservante,

Tóxico Amostra Quantidade Método analítico Condições

ArsénioConteúdo gástrico e intestinal

FígadoRim e urina

50 a 100g50 a 100g50 a 100g

EspectroscopiaR ou CR ou CR ou C

Insecticidas, organoclo-rados, organofosforados

e carbamatos

SangueConteúdo gástrico e intestinal

Fígado e cérebroUrina

1 a 2 ml

50 a 100g50 a 100g

50 ml

Cromatografia gasosa ou cromatografia líquida

R ou C

R ou CR ou CR ou C

CianetoMúsculo

Conteúdo estomacalFígado

50 a 100g

50 a 100g50 a 100g

Cromatografia gasosa ou destilação seguida de titu-

lação

R ou C

R ou CR ou C

Etilenoglicol

CérebroRim

SangueSoro

InteiroInteiro (cachorro)

50 a 100g5 a 10 ml5 a 10 ml

Cromatografia gasosa

R ou CR ou C

R ou CR ou C

Estricnina ou metal-deídos

Conteúdo estomacalUrina

CérebroFígado

Rim

50 a 100g50 ml

Metade100g100g

Cromatografia de camada fina ou HPLC

R ou CR ou CR ou CR ou CR ou C

IvermectinasFígadoFezes

Conteúdo estomacal

50 a 100g50 a 100g

50 a 100g

HPLC

R ou CR ou C

R ou C

AnticoagulantesSangueFígado

Rim

5 ml100g

1

Cromatografia de camada fina

RR ou CR ou C

AflotoxinaAlimento

Fígado450g

50 a 100gCromatografia de camada

fina ou HPLCR

R ou C

AmitrazPêlo

CérebroPulmão

10g1 hemisfério

50 a 100g

Cromatografia gasosa ou cromatografia líquida

R ou CR ou C

Monóxido de carbono Sangue 5 ml EspectrofotometriaRefrigerado

(encher o tubo na totalidade)

Quadro II - Natureza das amostras e precauções particulares a considerar numa suspeita de intoxicação em carnívoros domésticos (intoxicações mais frequentes) (adaptado de Poppenga e Braselton, 1990; Puyt et al., 1995; Osweiler, 1999; Roder, 2001).

Legenda: R (Refrigerado a 4 ºC) ou C (Congelado –18 a –20 ºC) ; HPLC - Cromatografia líquida de alta resolução.

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excepto caso existam indicações em contrário determi-nadas em função do método analítico a utilizar (Oswei-ler, 1999), porque a detecção de qualquer substância adicionada torna-se relevante do ponto de vista toxico-lógico (Jolly, 1969; Puyt et al., 1995). No caso de ser adicionada uma substância potencialmente tóxica a aná-lise seria ineficaz. A adição do formol implica a impos-sibilidade de pesquisar compostos alcalinos (Pinto da Costa, 1999). Pelo exposto, as amostras devem ser enviadas congeladas ou refrigeradas e sem adição de antisépticos, fixadores ou conservantes (Bartíc e Piskač, 1981; Lorgue et al., 1996). No entanto, o sangue bene-ficia da adição do fluoreto de sódio na concentração de 1% para a pesquisa de álcool ou ácido cianídrico (Pinto da Costa, 1999), pela técnica de cromatografia gasosa.

Também não se deve proceder à diluição das amos-tras, pois esse procedimento irá interferir no dosea-mento do produto tóxico e posterior avaliação da toxi-dade do mesmo.

Envio das amostras seleccionadas para o laboratório

Face à dificuldade existente no diagnóstico toxico-lógico, a colheita de informações precisas é indispen-sável para o analista toxicológico e será um precioso auxílio para a elaboração de um diagnóstico correcto. A elaboração de um relatório completo, no qual devem ser enumeradas as amostras enviadas, é de crucial importância. Para o laboratório de análises toxicoló-gicas deve enviar-se sempre uma cópia do relatório da necrópsia. No relatório elaborado pelo Médico Veterinário clínico devem constar as seguintes infor-mações: identificação completa do Médico Veterinário; dados do proprietário (morada e profissão-riscos pro-fissionais, por exemplo o proprietário de uma quinta tem fácil acesso a pesticidas); espécie, raça, sexo, idade e peso do(s) animal(ais) afectado(s); anamnese completa; exame clínico detalhado; modo de vida do animal; número de animais afectados; morbilidade e mortalidade; eventuais conjecturas (utilização de pesticidas, tintas, raticidas ou moluscicidas, envenena-mentos); descrição completa dos sintomas (incluindo o desenvolvimento cronológico dos mesmos); tratamen-tos aplicados (substância activa, posologia e frequência de administração) e resposta à terapia; tipo de amostra; qualquer informação que possa auxiliar o laboratório a identificar o agente ou agentes tóxicos responsáveis (Lorgue et al., 1985; Poppenga e Braselton, 1990; Puyt et al., 1995). Convém colocar todas as informações, a enviar para o laboratório de análises toxicológicas, no interior de uma bolsa plástica.

Expedição da amostra para o laboratório

A expedição das amostra para análise deve permitir uma correcta conservação dos tóxicos nela presen-

tes e evitar a desnaturação e/ou a contaminação das mesmas. O acondicionamento adequado das amostras a enviar para laboratório condiciona a qualidade da resposta do mesmo.

Cada amostra deve ser colocada num recipiente indi-vidual de vidro ou de plástico resistente, de preferên-cia plástico alimentar. Pela sua fragilidade as garrafas ou luvas de plástico não estão indicadas (Lorgue et al., 1996). A dimensão do recipiente deve ser adequada à amostra e o bocal suficientemente largo para que o material seja retirado com facilidade, este não deve ser totalmente cheio, porque a fermentação pode ocorrer com frequência, em particular quando se envia conte-údo estomacal, o seu encerramento pode ser reforçado com fita adesiva ou parafilme (Pires e Pires, 1995), apesar deste material não garantir a estanquicidade do fecho da embalagem. Não devem colocar-se em contacto com a amostra material absorvente como é o caso do algodão, lã, gaze ou outro tipo de tecido (Lorgue et al., 1996). O melhor meio para conser-var as amostras é o frio, pelo que pode juntar-se um acumulador térmico (Pouliquen, 1999). Cada amostra deve ser identificada no exterior da sua embalagem em relação à natureza do órgão ou tecido, nome do animal e nome do proprietário (Puyt et al., 1995), com letra legível e tinta indelével (Pires e Pires, 1995). A embalagem onde se coloca o recipiente que contém a amostra deve ser hermética, isotérmica e sólida. É importante que o recipiente esteja perfeitamente fechado para evitar derrames quer pelas transportado-ras quer pelos funcionários do laboratório. As caixas de poliestireno utilizadas para transportar medicamen-tos podem ser reutilizadas no transporte de amostras. A embalagem não deve ser frágil para poder resistir às manipulações, por vezes violentas, das transportadoras (Puyt et al., 1995)

Devido à dificuldade existente em manter frescas as amostras, as mesmas devem ser enviadas o mais rapidamente possível e é de evitar a sua expedição durante o fim de semana. Em Portugal a embalagem poderá ser enviada por uma companhia transportadora ou então pelos CTT/ Correios de Portugal SA, desde que devidamente acondicionada. De acordo com as normas vigentes no serviço de correios de Portugal, o recipiente que contém a amostra deverá ser expedido numa embalagem dupla, com o espaço entre as duas preenchido por material absorvente como o algodão, serrim ou papel. No caso do recipiente ser pequeno, este poderá ser enviado em envelope almofadado. O remetente e o destinatário deverão estar indicados na embalagem.

Em Portugal pode ser solicitada a pesquisa de com-postos tóxicos ao Laboratório Nacional de Investigação Veterinária (Porto e Lisboa), à Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Técnica de Lisboa e ao Instituto de Medicina Legal (Porto, Coimbra e Lisboa), antes de enviar o material para o laboratório é sempre aconselhável contactar previamente o mesmo.

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Toxicologia forense O termo toxicologia forense descreve a aplicação da

ciência que estuda os compostos tóxicos para elucidar as questões levantadas durante um processo judicial (Jackson, 1986). Após o envenenamento intencional de um animal, quer tenha ocorrido morte ou não, e sempre que o proprietário o deseje, devem ser reco-lhidas amostras que funcionam como provas perante o sistema judicial Português. O envenenamento de um animal é considerado um crime de dano, sendo a con-duta do responsável pelo acto abrangida pela punição prevista no artigo 212-1º do Código Penal vigente. O proprietário do animal envenenado deve participar à Polícia de Segurança Pública ou ao Ministério Público, fora das áreas urbanas deverá contactar-se a Guarda Nacional Republicana. O Ministério Público abre um inquérito com vista à recolha de indícios que permitam a acusação do suspeito e a posterior submissão a julga-mento. Perante estes casos é absolutamente necessário que o Médico Veterinário tenha presente certos aspec-tos: a) se o animal morreu o Médico Veterinário deve realizar uma necrópsia completa e detalhada; b) como o composto tóxico não é conhecido devem recolher-se o maior número possível de amostras e de informa-ções; c) as amostras recolhidas devem ser cuidadosa-mente acondicionadas e enviadas para o laboratório.

Conclusões

O tratamento imediato de uma intoxicação não depende da análise toxicológica, mas sim dos sinais clínicos e da anamnese. Na maioria dos casos o trata-mento sintomático realiza-se em função da perturbação das funções vitais e das alterações biológicas. Em deter-minados casos, a análise toxicológica é indispensável para proceder a terapêutica posterior, para confirmar a eficácia e determinar a aplicação de tratamentos especí-ficos, como é o caso da administração do etanol ou do 4-metilpirazole na intoxicação pelo etilenoglicol.

Uma análise toxicológica implica, muitas vezes, a realização de inúmeros ensaios, daí que por vezes o seu limite seja condicionado pela qualidade e quan-tidade da amostra enviada, pelo que será preferível o envio de amostras em demasia. Para um determinado estudo toxicológico, a selecção da amostra adequada, e em bom estado, acompanhada de informação precisa e completa é, sem dúvida, uma garantia para o êxito do diagnóstico. Tendo em consideração o contexto afectivo e socio-económico que envolve o proprietário de um animal morto, o clínico deverá, face a uma suspeita de intoxicação, conhecer as normas de colheita e conser-vação das amostras.

Agradecimentos

À Drª Ana Monteiro, procuradora adjunta do Minis-tério Público, pela preciosa colaboração no esclareci-

mento dos procedimentos a adoptar perante um caso de envenenamento.

Ao Drº Rui Rangel do Instituto de Medicina Legal do Porto, pela disponibilidade na consulta de biblio-grafia.

À Drª Paula Monsanto do Instituto de Medicina Legal de Coimbra, pelos inúmeros esclarecimentos.

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Resumo: O objectivo deste estudo foi o de avaliar a intensid-ade da redução de células espermáticas anómalas ao longo do epidídimo em touros de uma raça híbrida, com espermatogénese normal e alterada. Foram utilizados testículos de 12 touros oriun-dos de cruzamentos entre as raças Hereford e Nelore, dos quais foram colhidas amostras de esperma da cabeça, parte proximal do corpo, parte distal do corpo e da cauda do epidídimo para avaliação da morfologia espermática sob contraste de fase e em lâmina corada. Foi constatada redução significativa no percentual de gota citoplasmática proximal, distal e no total de defeitos, ao longo do epidídimo de touros com espermatogénese considerada normal, alterada e variável. A constatação de significativas variações para gota citoplasmática proximal e defeitos totais ao longo do epidídimo nos grupos de touros sintéticos avaliados, constitui-se numa evidência de que os touros com espermatogé-nese alterada não têm a mesma capacidade de redução de formas espermáticas anómalas, que os considerados com espermatogê-nese normal. A provável origem desta diferença permanece sem explicação. Porém, a dinâmica da frequência da gota citoplas-mática proximal pode ser um indicador sensível da qualidade espermática e classificação da fertilidade potencial de animais de raças híbridas.

Summary: The objective of this work was to evaluate the inten-sity of the reduction of abnormal spermatic cells along the length of the epididymis in bulls of synthetic breeds with normal and altered spermatogenesis. Semen samples were collected from the head, proximal part of the body, distal part of the body and from the tail of the epididymis of twelve crossbred Hereford and Nelore bulls. Spermatic morphology was microscopically evaluated under phase contrast and after staining. A significant reduction in the percentage of the proximal cytoplasmic droplet was detected and in total defects excluding distal cytoplasmic droplets, along the epididymis of bulls with spematogenesis con-sidered normal, altered or variable. The results indicate that bulls with altered spermatogenesis do not have the same reducing capacity of abnormal sperm forms along the epididymis as those bulls considered to have normal spermatogenesis. The origin of this difference remains obscure, however, the dynamics of the frequency of the proximal cytoplasmatic droplet can be a sensi-tive indicator of spermatic quality, and could be used to classify

animals of synthetic breeds as to their potential fertility.

Introdução

O número total de células espermáticas produzidas pelos testículos de bovinos é superior às reservas espermáticas extra-gonadais, sugerindo que há redu-ção na população de espermatozóides ao longo dos ductos eferentes (Almquist e Amann, 1961). Esta redução é relacionada com a selecção de espermato-zóides com determinados tipos de defeitos, durante sua passagem pelo epidídimo (Rao et al., 1980). A selecção de espermatozóides anómalos também foi descrita em coelhos (Perez-Sanchez et al., 1997) e em gatos (Axnér et al., 1999). No nível celular, este meca-nismo ainda não está totalmente esclarecido. Existem evidências de fagocitose das células espermáticas anómalas pelas células epiteliais da rete testis e ductos eferentes em bovinos (Crabo et al., 1971; Sinowatz et al., 1979; Goyal, 1982) e ratos (Hoffer et al., 1975) e por macrófagos intra-epiteliais na cauda do epidídimo (Chacón, 2001).

A migração da gota citoplasmática da região proxi-mal para a distal da peça intermediária do espermato-zóide durante a passagem pelo epidídimo tem sido um achado unânime (Crabo et al., 1971; Sinowatz et al., 1979; Rao et al., 1980; Goyal, 1982). Segundo Han-cock (1955), a migração está relacionada com a matu-ração espermática e com a aquisição de motilidade. A migração da gota citoplasmática, porém, difere no local onde se inicia, de acordo com a espécie. Nos bovinos, a migração tem início na porção proximal do corpo (Rao et al., 1980), e nos gatos, na porção distal do corpo do epidídimo (Axnér et al., 1999). A indicação de que a gota citoplasmática proximal é um defeito espermático, vem dos achados de altas frequências nos ejaculados de touros com alterações na fertilidade (Rao et al., 1980). Este facto, tem sido reiterado por diversos estudos, e entre estes, Chacón (2001) observou em touros zebu de diversas raças, maior percentual de gota citoplasmática proximal no

Evidência de selecção espermática diferencial no epidídimo de touros de genótipo híbrido com alteração na espermatogénese

Evidence of differential selection of spermatozoa in the epididymes of hybrid bulls with altered spermatogenesis

M. M. Horn1a, J. C. F. Moraes2, M. I. A. Edelweiss3

1Faculdade de Veterinária, UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil 2Embrapa Pecuária Sul, Bagé, RS, Brasil 3Departamento de Patologia, Faculdade de Medicina, UFRGS

R E V I S T A P O R T U G U E S ADE

CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

a Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Ciências Veterinárias

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ejaculado de touros com idade inferior a dois anos e também, em touros considerados inaptos à reprodução.

O fenómeno de selecção de células anómalas durante sua passagem pelo epidídimo é um modelo interessante para avaliar a função reprodutiva de touros de raças híbridas que apresentem maiores índi-ces de refugo por má qualidade de sémen, facto que tem sido observado em diversos estudos (Chenoweth et al., 1996; Moraes et al., 1998; Chacón et al., 1999). Esta forma de abordagem é justificada por estudos anteriores em touros Braford, cuja deficiente qualidade seminal foi persistente num período de seis meses, em contraste, com animais da raça Hereford que apresen-taram melhoria nesse período, caracterizando, assim, uma possível condição peculiar dos touros híbridos (Horn et al., 2002).

O objectivo deste estudo foi o de investigar a selec-ção de células espermáticas durante a passagem pelo epidídimo em touros oriundos de cruzamentos entre taurinos e zebuínos que apresentem ou não uma alte-ração permanente na espermatogénese, caracterizada por alto percentual de defeitos espermáticos.

Material e métodos

Foram utilizados epidídimos de 12 touros oriundos de cruzamento entre as raças Hereford e Nelore, con-temporâneos com cerca de 24 meses de idade, aba-tidos em matadouro. Os animais foram previamente classificados quanto à condição reprodutiva (aptos ou inaptos) no local de origem. Os exames andrológicos foram efectuados entre 15 e 30 dias antes do abate dos animais, incluindo exame clínico da genitália, aferição da motilidade dos espermatozóides e avalia-ção da morfologia espermática. Foram considerados como inaptos os touros, com motilidade espermática inferior a 50%, e, percentagem de defeitos nos esper-matozóides superior a 30% (MAARA, 1996). Assim, com o objectivo de classificar com maior precisão os animais com alteração permanente na espermatogê-nese, foi realizada uma nova classificação quanto à morfologia espermática, através de uma amostra de sémen retirada da cauda do epidídimo após o abate. Nesta avaliação, foram observados todos os defeitos espermáticos e a gota citoplasmática proximal. A gota citoplasmática distal não foi considerada como um defeito para a nova classificação, por tratar-se de uma característica espermática considerada fisiológica na cauda do epidídimo. Esta nova classificação quanto a espermatogénese foi efectuada pela impossibilidade de acompanhar o quadro espermático dos touros com deficiente qualidade seminal, indicando os animais com uma alteração permanente no quadro espermá-tico, evidenciada anteriormente (Horn et al., 2002).

Assim, os touros foram classificados quanto a sua espermatogénese nos seguintes grupos:

Grupo A: aptos na propriedade de origem e com

taxa inferior a 30% de anomalias na cauda do epidí-dimo post-morten;

Grupo B: inaptos na propriedade de origem e com taxa superior a 30% de anomalias na cauda do epidí-dimo post-morten;

Grupo C: inaptos na propriedade de origem, porém com taxa inferior a 30% de anomalias na cauda do epidídimo post-morten. Índices característicos de ani-mais não portadores de uma alteração permanente na espermatogênese.

Para a avaliação do percentual de defeitos durante a passagem pelo epidídimo, a recolha de espermatozói-des foi feita em quatro regiões: cabeça, corpo proximal (corpo 1), corpo distal (corpo 2) e cauda. O material foi colhido de um dos epidídimios de cada touro, esco-lhido ao acaso. Foi retirado um pedaço de aproxima-damente 0,5 cm das referidas regiões do epidídimo e mergulhado em uma solução de citrato de sódio 2,94% e com adição de 4% de formalina comercial, para que os espermatozóides fossem liberados no líquido para posterior análise em câmara húmida, sob contraste de fase, com um aumento de 1000x. De cada porção do epidídimo foram colhidos espermatozóides através de contato em lâmina pré-aquecida, posteriormente cora-dos pela técnica de Cerovsyk (1976) para avaliação em microscopia convencional (1000x). Foram observadas

Figura 1 - Variação na frequência da gota citoplasmática proxi-mal (a) e do percentual total de defeitos espermáticos nos touros dos distintos grupos (b).

173

200 células em cada método. Os defeitos espermáticos foram classificados nos seguintes conjuntos: CAB, defeitos de cabeça (estreita na base, piriforme, con-torno anormal, alterações de tamanho), avaliados no material em lâmina corada; PI, defeitos de peça inter-mediária (sinuosa, aplasia, edemaciada); CD, defeitos de cauda (cauda simplesmente dobrada, fortemente enrolada, dobrada na porção terminal); ACRO, defei-tos de acrossoma (contorno irregular, rompido) e GCP, gotas citoplasmáticas proximais e GCD, gotas citoplas-máticas distais nas avaliações sob contraste de fase.

As percentagens das características espermáticas foram transformadas em “ranks”, transformação em função de seu ordenamento nos dados originais, e, sub-metidas a análise de variância de dois factores: classifi-cação dos touros (Grupos A, B e C) e porção do epidí-dimo (cabeça, corpo 1, corpo 2 e cauda), empregando o teste de comparação múltipla de Duncan, num nível de significância de 5% (Hintze, 1996).

Resultados

De acordo com os critérios definidos anteriormente (cf. “Materiais e Métodos), os touros avaliados foram distribuídos nos seguintes grupos: Grupo A, n=2; Grupo B, n=4; Grupo C, n=6.

As médias dos defeitos espermáticos, nas quatro porções do epidídimo, obtidas nos grupos de touros classificados quanto à morfologia espermática, estão apresentadas na Tabela 1. Os defeitos de CAB, PI e

CAU foram mais frequentes nos touros do grupo B. No que diz respeito a GCP, os touros com alteração na espermatogênese (grupos B e C) foram semelhantes, porém com uma frequência superior aos touros com espermatogênese normal (grupo A). Na Figura 1 são apresentadas as médias da interacção (P<0,05) entre os grupos de touros e as porções do epidídimo para a GCP e total de defeitos, indicativas do comportamento dife-rencial ao longo do epidídimo nos animais classifica-dos quanto à qualidade seminal. Nesta Figura, em “a” pode ser verificado que os touros considerados com espermatogénese normal apresentaram uma redução de 81% no percentual de GCP da cabeça para a cauda do epidídimo. Em contraste, aqueles classificados no grupo B apresentaram apenas uma redução de 30%, com manutenção de um percentual de 22% de GCP na cauda do epidídimo. O grupo C, que apresentou a maior frequência de GCP na cabeça do epidídimo, apresentou também padrão semelhante ao do grupo A quanto à redução e quanto ao percentual final na cauda do epidídimo. Ainda na Figura 1, em “b” pode ser visualizada a dinâmica da selecção espermática diferencial da cabeça para a cauda do epidídimo nos três grupos de touros. Os touros com espermatogénese alterada (grupo B) apresentaram apenas uma redução de 36%, contrastando com os touros do grupo A, cujo percentual de redução foi de 79% e na magnitude final dos espermatozóides com defeito, respectivamente de 55% e 10%.

Os resultados da análise do percentual dos defeitos espermáticos ao longo do epidídimo de todos os touros mostram diferenças significativas para a gota citoplas-mática proximal total de defeitos e GCD (Tabela 2). A GCP e o total de defeitos apresentaram uma redução significativa da cabeça para a primeira porção do corpo do epidídimo. Já a GCD, apresentou um aumento per-centual praticamente linear da cabeça para a cauda do epidídimo.

Discussão

As diferenças significativas entre as regiões do epi-dídimo e os grupos A, B e C, na incidência de gota citoplasmática proximal e defeitos totais (Figura 1), se constituem no principal achado deste ensaio, demons-trando uma menor redução no percentual de GCP e defeitos espermáticos totais nos animais do grupo B, classificados como portadores da alteração caracterís-tica na espermatogênese nos touros de raças híbridas.

Tabela 1 - Médias dos defeitos espermáticos avaliados ao longo do epidídimo, nos dois critérios de avaliação quanto a aptidão reprodutiva.

Defeitos espermáticos Grupo A# Grupo B## Grupo C###

CAB 4,4±4,6a 24,3±3,3b 6,6±2,7a

PI 1,7±1,2a 5,4±0,8 b 1,9±0,7a

CD 2,4±1,5 6,3±1,2 3,2±0,9ACRO 0,3±0,1 0,1±0,1 0,1±0,1GCP 12,6±4,7a 28,6±3,3 b 28,3±2,7b

Total* 21,3 ±5,9a 64,6±4,2 b 40,3±3,4 c

#touros classificados como aptos na propriedade de origem, com taxa inferior a 30% de anomalias espermáticas na cauda do epidídimo post-morten;##touros classificados como inaptos na propriedade de origem, com taxa superior a 30% de anomalias espermáticas na cauda do epidídimo post-morten;###touros classificados como inaptos na propriedade de origem, com taxa inferior a 30% anomalias espermáticas na cauda do epidídimo post-morten;* somatório dos defeitos espermático, exceto GCD;** letras diferentes nas linhas indicam diferença nos grupos (P<0,05).

Tabela 2 - Médias dos defeitos espermáticos observados ao longo do epidídimo.

Porção do epidídimo CAB PI CD ACRO GCP GCD Total*Cabeça 13,2±±3,8 a 2,3 ±± 0,9 a 4,9 ±±1,2 a 0,3 ±± 0,1 a 49,9±±3,8a 18.5±±4.2 a 70,4±±4,8aCorpo 1 12,9±±3,8 a 2,3 ±± 0,9 a 4,5 ±±1,2 a 0,4 ±± 0,1 a 18,9±±3,8 b 39.5±±4.2 b 39,1±±4,8 bCorpo 2 10,2±±3,8 a 4,4 ±± 0,9 a 3,2 ±±1,2 a 0,3 ±± 0,1 a 13,1±±3,8 b 50.6±±4.2 b 30,8±±4,8 bCauda 10,8±±3,8 a 2,9 ±± 0,9 a 3,3 ±±1,2 a 0,1 ±± 0,1 a 10,8±±3,8 b 56.5±±4.2 c 28,0±±4,8 b

* somatório dos defeitos espermático, exceto GCD;** letras diferentes nas colunas indicam diferença entre as porções do epidídimo (P<0,05).

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Da cabeça do epidídimo até à primeira porção do corpo houve a maior divergência entre os grupos de touros em relação à frequência da GCP. Os padrões de deslocamento da GCP permitem separar os touros do Grupo A dos restantes animais com problemas de fer-tilidade. No entanto a persistência de em média 22% de GCP na cauda do epidídimo dos touros do Grupo B, pode ser um indicativo de uma deficiente selecção de defeitos espermáticos ao longo do epidídimo, rei-terando outros estudos em animais com espermatogê-nese normal e alterada (Rao et al., 1980).

A nova classificação empregada foi útil para reiterar que nos touros do Grupo B o quadro espermático é permanente. A hipótese de que as variações no quadro espermático teriam origem degenerativa (Horn et al., 1999) e que a maior frequência de animais classifi-cados como inaptos no exame andrológico seriam decorrentes dos critérios que não consideram as pecu-liaridades inerentes a cada conjunto racial (Moraes et al., 1998) foi refutada. A continuidade dos estudos nesses animais permitiu a constatação de que se trata efectivamente de uma condição permanente em alguns animais (Horn et al., 2002). O que se pode inferir é que os animais incluídos no grupo A, apresentavam espermatogênese normal, os do grupo B seriam os portadores da alteração na espermatogênese em estudo e aqueles incluídos no grupo C, eram animais com um processo degenerativo testicular transitório. Essa interpretação é justificada pelas médias dos defeitos espermáticos apresentados na Tabela 1, que foram os indicadores empregados para a investigação da função testicular nestes touros.

As variações espermáticas individuais que sofreram mudanças significativas nas suas frequências durante o trânsito pelo epidídimo foram GCP e GCD (Tabela 2). Relativamente à estas últimas, este fenómeno é fisio-lógico, sendo considerado um processo relacionado à maturação espermática. Entretanto, a detecção de GCP no ejaculado indica uma alteração na esperma-togênese (Rao et al., 1980; Chacón, 2001). Também foi observada uma significativa redução no percen-tual de defeitos espermáticos totais, isto é explicado pela redução da gota citoplasmática proximal desde a cabeça até a cauda do epidídimo e o somatório dos desvios não significativos das demais classes de defei-tos espermáticos.

O padrão distinto no deslocamento da GCP nos grupos de touros classificados quanto a espermatogé-nese evidenciado no presente estudo, parece constituir um indicador sensível da função testicular, em touros de raças sintéticas oriundos de cruzamentos.

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RPCV (2002) 97 (544) 175-180

Resumo: Foi estudada a qualidade da carne de cordeiros sub-metidos a dietas com diferentes níveis de concentrado, utili-zando-se 18 animais da raça Morada Nova (6 animais por dieta), machos inteiros, com peso vivo médio inicial de 15 kg. As dietas constituíam-se em: D1 - 60 % de concentrado (C) e 40 % de volu-moso (V); D2 - 45 % de C e 55 % de V e D3 - 30 % de C e 70 % de V. Quando o animal que recebia a D1 atingia 25 kg de peso vivo, o respectivo lote, formado por 3 animais, era abatido. No músculo semimembranosus mediu-se o pH e a cor. As carcaças foram refrigeradas a 4 oC por 24 horas, em seguida mediu-se novamente o pH e a cor do músculo, sendo a carcaça dividida em duas meias carcaças. A meia carcaça esquerda foi seccionada em cinco cortes: pescoço, paleta, costelas, lombo e perna. As pernas foram dissecadas para obtenção do músculo semimembranosus, no qual foram determinados os parâmetros indicadores da quali-dade da carne. Os diferentes níveis de concentrado não afetaram o pH, a cor, as perdas de peso por cozedura e a tenrura da carne dos cordeiros. A capacidade de retenção de água da carne foi influenciada pelos diferentes níveis, com superioridade da dieta com 45 % de concentrado.

Summary: The quality of the meat of Morada Nova lambs fed with diets with different concentrate levels was studied. Eighteen male animals of the breed Morada Nova (6 animals in each diet) with initial live weight of 15 kg were used. Three diets were used: D1 - 60 % concentrate (C) and 40 % roughage (R); D2 - 45 % C and 55 % R; and D3 - 30 % C and 70 % R. When the animal that was fed with the diet D1 weighed 25 kg of live weight, the respective lot, comprised by one animal of each treatment, was slaughtered. The pH and colour of the semimembranosus muscle of the carcass were evaluated. Carcasses were refrigerated at 4 ºC for 24 hours and the pH and colour of the muscle were measured again. Carcasses were divided into two halves and the left half was trimmed into five cuts: neck, shoulder, ribs, loin and leg. The

semimembranosus muscle was dissected from the left leg and used for determination of the qualitative parameters. Different concentrate levels had no effect on pH, colour, cooking losses and tenderness of meat. Water holding capacity of meat was higher on the meat of lambs fed 45 % concentrate in diet.

Introdução

A ovinocultura de corte vem crescendo em todas as regiões do Brazil, apresentando um efetivo de ovinos de 13.954.555 cabeças, sendo o maior rebanho o da região Nordeste com 6.717.980 cabeças seguida pela região Sul com 5.858.833 e a região Sudeste com 434.054 cabeças (IBGE, 1998; Silva, 2002).

O rebanho ovino deslanado encontra-se localizado em todos os estados do Nordeste do Brazil, entretanto observa-se que em quase todo o país o número de animais apresenta crescimento bastante considerável. Entre estes destacam-se os grupos “pêlo de boi” aos quais pertence a raça Morada Nova (Fernandes et al., 2001).

Segundo Silva Sobrinho (2001) essa raça resultou do cruzamento de ovinos Bordaleiros, vindos de Portugal, com ovinos deslanados africanos. São animais dóceis, adaptam-se rapidamente às diversas práticas de manejo apresentando como equilíbrio zootécnico a dupla apti-dão: carne e pele. É uma raça de pequeno porte, onde os machos adultos pesam em média 40 kg e as fêmeas 30 kg.

Entre as raças deslanadas é a que apresenta índice de prolificidade mais alto (1,96) e que alcança a idade a puberdade mais precocemente, bem como apresenta características reprodutivas que favorecem a implemen-tação de sistema intensivo de produção de cordeiros para o abate (Lima, 1985; Barros e Simplício, 2001).

Neste contexto pesquisas sobre parâmetros indi-

Influência de diferentes níveis de concentrado sobre a qualidade da carne de cordeiros Morada Novaa

Influence of different concentrate levels on the meat quality of Morada Nova lambs

Nivea Maria Brancacci Lopes Zeola1b, Américo Garcia da Silva Sobrinho1c, Severino Gonzaga Neto1d, Aderbal Marcos de Azevêdo Silva2e

1 FCAV/Unesp - Via de Acesso Prof. Paulo Donato Castellane, s/n. Departamento de Zootecnia, cep: 14884-900, Jaboticabal, SP, Brazil.2 Departamento de Medicina Veterinária - CSTR/UFPB, Patos, PB, Brazil.

R E V I S T A P O R T U G U E S ADE

CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

a Parte da Dissertação de Mestrado do primeiro autor. Projeto financiado pela FAPESP.b Zootecnista, Mestre, Pós-Graduanda em Produção Animal, FCAV/Unesp. Correspondência: [email protected]. c Professor do Departamento de Zootecnia, FCAV/Unespd Zootecnista, Mestre, Pós-Graduando em Produção Animal, FCAV/Unespe Professor do Departamento de Medicina Veterinária, CSTR/UFPB

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RPCV (2002) 97 (544) 175-180Zeola, N. M. B. L. et al

cadores da qualidade da carne de grupos genéticos ainda não estudados tornam-se de grande impor-tância, visando atender às exigências do mercado consumidor através do estabelecimento de padrões alimentares que proporcionem características desejá-veis a este produto.

Sendo assim, as propriedades da carne, como pH, cor, tenrura, capacidade de retenção de água e perdas de peso por cozedura, determinam a utilidade para comercialização e adaptabilidade aos processamentos industriais (Dabés, 2001).

Diversos parâmetros indicadores da qualidade da carne, como pH, capacidade de retenção de água, tenrura e cor podem ser influenciados por factores intrínsecos como tipo de músculo, espécie, raça, idade, sexo e indivíduo e por factores extrínsecos, envolvendo alimentação, estresse prévio ao abate, condições pós-abate, tempo de jejum, estimula-ção eléctrica e refrigeração (Ouali, 1990; Sañudo, 1992; Koohmaraie et al., 1996). O pH final da carne influencia parâmetros de qualidade como cor, capaci-dade de retenção de água e tenrura (Monteiro, 1998; Lister et al., 1981 citados por Geesink et al., 2001). É dependente da glicólise post mortem, podendo estar associado com condições pré - abate, excitabilidade do animal, método de abate, potencial glicolítico do músculo, temperatura de arrefecimento das carcaças, entre outros (Monteiro, 1998).

Para que o músculo de um animal abatido se trans-forme em carne, é necessário que o glicogênio mus-cular favoreça a formação do ácido lático, diminuindo o pH e tornando a carne macia e suculenta, com sabor ligeiramente ácido e odor característico (Prates, 2000).

Parâmetros indicadores da qualidade da carne, como a capacidade de retenção de água, traduzem sensação de suculência pelo consumidor no momento da mastigação. A menor capacidade de retenção de água da carne implica perdas do valor nutritivo atra-vés do exsudato libertado, resultando em carne mais seca e com menor tenrura.

Características de tenrura, as quais podem ser con-sideradas as mais importantes após a compra do pro-duto, como firmeza e suculência estão intimamente relacionadas com a capacidade de retenção de água, pH, grau de gordura de cobertura e características do tecido conjuntivo e da fibra muscular (Koohmaraie et al., 1990).

A cor da carne, para além da gordura visível, é o factor de qualidade mais importante que o consumidor pode apreciar no momento da compra, constituindo o critério básico para sua seleção, a não ser que outros factores, como o odor, sejam marcadamente deficien-tes (Silva Sobrinho, 2001).

Desta forma, o objectivo deste trabalho foi avaliar a influência de diferentes níveis de concentrado na dieta sobre alguns parâmetros indicadores da qualidade da carne de cordeiros Morada Nova.

Material e métodos

Local Este trabalho foi desenvolvido na Faculdade de Ciên-

cias Agrárias e Veterinárias - FCAV/Unesp, Jaboticabal, São Paulo, Brazil. A fase de campo e o abate dos ani-mais foram desenvolvidos nas dependências do Setor de Ovinocultura e as análises laboratoriais no Labora-tório de Nutrição Animal (LANA), ambos pertencentes ao Departamento de Zootecnia da referida Faculdade.

Animais e instalaçõesForam utilizados 18 cordeiros da raça Morada Nova,

6 animais por tratamento, machos inteiros, com peso vivo médio inicial de 15 kg (cerca de 3 meses de idade), distribuídos em três dietas. À medida que os animais atingiam 15 kg de peso vivo, formavam-se lotes homogêneos de 3 animais, um animal para cada dieta, iniciando a fase experimental. Quando o animal que recebia a dieta 1 atingia 25 kg de peso vivo (cerca de 5 meses de idade), o respectivo lote era abatido.

Os animais foram identificados e antes de entrarem na fase experimental receberam anti-helmíntico e vita-minas ADE, permanecendo alojados individualmente em jaulas de madeira de 1,0 m2 e piso ripado suspenso, equipadas com comedouros e bebedouros, até o abate. As jaulas foram distribuídas em pavilhão com piso de concreto e coberto com telhas de alumínio.

Maneio alimentarOs animais recebiam duas refeições diárias, às 7 h

e às 14 h. As dietas (D) foram formuladas seguindo o AFRC (1995) sendo assim constituídas: D1 - 60 % de concentrado (C) e 40 % de volumoso (V); D2 - 45 % de C e 55 % de V e D3 - 30 % de C e 70 % de V.

As dietas experimentais tendo como volumoso feno de Brachiaria brizantha moído, e como concentrado bagaço de soja (44,57 %), milho moído (54,27 %), sal iodado (0,61 %) e núcleo mineral ovino (0,55 %) eram fornecidas ad libitum, permitindo 20 % de sobras.

Nas amostras de alimentos das dietas experimen-tais foram determinados matéria seca, proteína bruta, extrato etéreo, matéria mineral, fibra neutro detergente, fibra ácido detergente e energia bruta, conforme meto-dologias descritas por Silva (1990). A composição bromatológica das dietas experimentais encontra-se na Tabela 1.

Tabela 1 - Composição bromatológica (% MS) das dietas experimentais Dieta MS (%) Nutriente (%MS) EB original PB EE MM FDN FDA (Mcal/ kg MS)D1 88,73 17,82 1,79 4,66 45,43 29,92 4,46D2 80,23 14,11 1,53 4,62 54,72 36,12 4,41D3 89,95 10,41 1,29 4,57 64,11 42,32 4,37

MS - matéria seca; PB - proteína bruta; EE - extrato etéreo; MM - matéria mineral; FDN - fibra neutro detergente ; FDA - fibra ácido detergente; EB - energia bruta

Figura 1 - Cortes cárneos na carcaça dos animais experimen-tais. Adaptado de Garcia (1998) e Silva Sobrinho (1999)

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Delineamento experimentalO delineamento experimental utilizado foi o comple-

tamente casualizado, com três tratamentos e seis repe-tições, totalizando 18 animais experimentais.

As análises de variância foram realizadas segundo procedimentos do SAS (1996) e os contrastes entre médias dos tratamentos pelo teste de Tukey num nível de significância de 5 % (H

0: p<0,05).

Procedimentos para abate e amostragemO abate realizou-se após jejum de 16 horas de dietas

hídrica e sólida. A insensibilização foi feita por meio de descarga elétrica de 220 V por 8 segundos, sendo em seguida seccionadas as veias jugulares e as artérias carótidas para a sangria.

Posteriormente procedeu-se à esfola, evisceração e retirada da cabeça e das extremidades. Imediatamente após o abate, no músculo semimembranosus (lado direito), mediu-se o pH (pH

o - 45 minutos), através

de eléctrodo de penetração, e a cor (coro - 45 minu-

tos), através do colorímetro Minolta CR-200, que considera em seu sistema as coordenadas L*, a* e b*, responsáveis pela luminosidade, teor de vermelho e teor de amarelo, respectivamente. As carcaças foram refrigeradas a 4 oC por 24 horas, momento em que se mediu novamente o pH (pH

f - 24 horas) e a cor (cor

f

- 24 horas) no músculo semimembranosus. Em seguida as carcaças foram divididas em duas meias carcaças, sendo a meia carcaça esquerda seccionada em cinco cortes, conforme Silva Sobrinho (2001): pescoço, paleta, costelas, lombo e perna (Figura 1). Estas peças foram congeladas (-18 oC) até à colheita das amostras, efectuadas após a descongelação das peças a 10 oC.

lador e descongeladas à temperatura de 10 oC.A princípio retirava-se o excesso de gordura (abaixo

das vértebras sacras e do canal pélvico) e a articulação tarso-metatarsiana. Em seguida, retirava-se a gordura subcutânea, e os músculos. O primeiro músculo reti-rado era o biceps femoris, posteriormente, o semitendi-nosus, o adductor e o semimembranosus.

Os músculos semimembranosus dos animais experi-mentais foram congelados para posteriores determina-ções das perdas de peso por cozedura, tenrura e capaci-dade de retenção de água.

Procedimentos para análises laboratoriais Os músculos foram descongelados, a temperatura

de 10 oC, e destes retiradas amostras de 90±10 g para determinação das perdas de peso por cozedura, tenrura e capacidade de retenção de água. Para determinação das perdas de peso por cozedura, as amostras foram pesadas antes e após serem submetidas ao cozimento em banho-maria a 70 oC por 90 minutos (Purchas, 1972 citado por Silva Sobrinho, 1999). Posteriormente, das amostras cozidas eram retiradas sub amostras de 1 cm2 (utilizando-se equipamento com 2 bisturis parale-los distanciados 1 cm um do outro) para determinação da tenrura, no aparelho Texture Analyser acoplado ao dispositivo Warner - Bratzler, o qual mede a força de corte da amostra, em kg.

A capacidade de retenção de água foi determinada conforme metodologia adaptada de Osório et al. (1998) e Hamm (1986) citados por Silva Sobrinho (1999), utilizando-se peso de 10 kg, placas acrílicas, parafusos e papel filtro qualitativo Whatman no 1 com 110 mm de diâmetro, previamente seco em exsicador saturado com KCl. Amostras de carne de 500±20 mg foram colocadas sobre papel filtro entre duas placas acrílicas presas com parafusos e sobre estas foi colo-cado o peso de 10 kg por 5 minutos. A amostra de carne resultante era pesada, e por diferença calculada a quantidade de água perdida. O resultado foi expresso em percentagem de água expulsa em relação ao peso da amostra inicial.

Resultados

A Tabela 2 apresenta os valores de pH no músculo semimembranosus de cordeiros Morada Nova submeti-dos a dietas com diferentes níveis de concentrado.

Tabela 2 - Medidas de pH da carne de cordeiros Morada Nova submetidos a dietas com diferentes níveis de concentrado

Parâmetro Nível de concentrado (%) CV EPM 30 45 60 (%) pH

o (45 minutos) 6,15 6,07 6,02 2,83 0,070

pHf (24 horas) 5,49 5,36 5,45 3,10 0,069

CV - coeficiente de variação; EPM - erro padrão da média

Os diferentes níveis de concentrado não afectaram (p>0,05) o pH da carne de cordeiros Morada Nova.

Dissecção das pernas As pernas foram dissecadas de modo a separar o

músculo semimembranosus, conforme metodologia descrita por Brown e Willians (1979) citados por Silva Sobrinho (1999). As pernas foram retiradas do conge-

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A Figura 2 ilustra a queda no pH da carne de cordei-ros Morada Nova submetidos a dietas com diferentes níveis de concentrado.

Tabela 5 - Medidas de cor (24 horas) da carne de cordeiros Morada Nova submetidos a dietas com diferentes níveis de concentrado

Parâmetro Nível de concentrado (%) CV EPM 30 45 60 (%)L* 42,19 39,26 39,94 6,35 1,049a* 14,54 13,62 15,71 13,13 0,784b* 1,54 -0,28 2,06 6,53* 1,044L* - luminosidade; a* - teor de vermelho; b* - teor de amareloCV - coeficiente de variação* Quadrado médio do erroEPM - erro padrão da média

Discussão

Com relação à queda do pH da carne dos cordeiros Morada Nova foi observado que os diferentes níveis de concentrado não afectaram (p>0,05) este parâmetro.

Os valores de pH estão próximos, porém inferiores aos determinados por Lemos Neto (1997) que tra-balhou com cordeiros Corriedale e cruzados Ile de France x Corriedale, terminados em confinamento, encontrando no músculo rectus abdominis valores de 6,70; 6,77 (pH 45 minutos) e 5,73; 5,78 (pH 24 horas), para os dois genótipos, respectivamente.

É importante ressaltar que a constatação de valores normais de queda do pH da carne, sugere que outros parâmetros indicadores da qualidade, como capaci-dade de retenção de água, cor e tenrura, apresentarão bons resultados, pois estes factores são influenciados pelo pH. Entretanto, na espécie ovina, observa-se pouca susceptibilidade ao estresse, acarretando em queda do pH dentro dos valores normais (Devine et al., 1993 citados por Cañeque e Sañudo, 2000).

Garcia (1998) registrou diferenças (p<0,05) nas medidas de pH no músculo longissimus dorsi aos 45 minutos e 24 horas após o abate de cordeiros, com valores médios de 7,24 e 5,63, respectivamente, porém não encontrou diferenças entre os níveis de substi-tuição do milho moído pelo resíduo de panificação “biscoito” (0, 33, 66 e 100 %) aos 45 minutos e às 24 horas. Estes resultados estão de acordo com os obtidos neste experimento, pois as dietas não influenciaram (p>0,05) o pH após o abate. O nível de glicogênio muscular, tem maior importância nesse parâmetro, sendo a dieta ou a natureza do alimento menos impor-tantes (Sierra et al., 1988 citados por Sañudo, 1992).

Resultados semelhantes foram observados por Cunha et al. (2001) que estudando o efeito de dife-rentes volumosos na alimentação de cordeiros, não encontraram influência dos mesmos sobre o pH da carne, avaliado no músculo longissimus dorsi, aos 15 minutos e 48 horas após o abate, com valores de 6,5 e 5,6, respectivamente.

Para as perdas de peso por cozedura e tenrura da carne dos cordeiros, os diferentes níveis de concen-trado não afectaram (p>0,05) tais características, com valores médios de 37,63 % e 4,35 kg, respectivamente. Entretanto, influenciaram (p<0,05) a capacidade de

Figura 2 - Alterações no pH da carne de cordeiros Morada Nova submetidos a dietas com diferentes níveis de concentrado

A Tabela 3 apresenta dados de perdas de peso por cozedura, força de corte (tenrura) e capacidade de retenção de água da carne de cordeiros Morada Nova submetidos a dietas com diferentes níveis de concen-trado.

Tabela 3 - Valores de perdas de peso por cozedura, força de corte (tenrura) e capacidade de retenção de água da carne de cor-deiros Morada Nova submetidos a dietas com diferentes níveis de concentrado

Parâmetro Nível de concentrado (%) CV EPM 30 45 60 (%) Perdas de peso por cozedura (%) 38,23 37,78 36,89 4,78 0,734Força de corte (kg) 4,65 3,99 4,40 34,7 0,616Capacidade de retenção de água (%) 51,64b 52,18ab 54,61a 3,46 0,745

a,b Índices distintos na mesma linha indicam diferença significativa (p<0,05) entre médias pelo teste de Tukey CV - coeficiente de variação; EPM - erro padrão da média

Os diferentes níveis de concentrado não afectaram (p>0,05) as perdas de peso por cozedura e a tenrura da carne dos cordeiros, com valores médios de 37,63 % e 4,35 kg, respectivamente. Entretanto, influenciaram (p<0,05) a capacidade de retenção de água, com maio-res valores nas dietas com 45 e 60 % de concentrado.

As Tabelas 4 e 5 apresentam os dados de cor no músculo semimembranosus de cordeiros Morada Nova submetidos a dietas com diferentes níveis de concen-trado.

Tabela 4 - Medidas de cor (45 minutos) da carne de cordeiros Morada Nova submetidos a dietas com diferentes níveis de con-centrado

Parâmetro Nível de concentrado (%) CV EPM 30 45 60 (%) L* 34,65 33,70 32,73 6,06 0,833a* 13,87 14,12 13,28 8,27 0,464b* -0,45 -0,36 -1,43 1,25* 0,456

L* - luminosidade; a* - teor de vermelho; b* - teor de amareloCV - coeficiente de variação* Quadrado médio do erroEPM - erro padrão da média

De acordo com os dados apresentados observa-se que os diferentes níveis de concentrado não influenciaram (p>0,05) os parâmetros de cor da carne (L*, a* e b*).

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vamente, foram considerados bons para os parâmetros indicadores da qualidade da carne.

Para a cor da carne, o sistema utilizado considera as coordenadas L* (preto/branco), responsável pela lumi-nosidade, a* (verde/vermelho) pelo teor de vermelho, e b* (azul/amarelo) pelo teor de amarelo (Miltenburg et al., 1992; Simões e Ricardo, 2000).

De acordo com os dados apresentados observa-se que os diferentes níveis de concentrado não influen-ciaram (p>0,05) os parâmetros de cor da carne (L,* a* e b*). Estes resultados estão de acordo com os de Russo et al. (1999) que ao estudarem o efeito de dife-rentes fontes energéticas na alimentação de cordeiros não encontraram efeito das dietas (p>0,05) sobre a cor da carne (L*, a* e b*) determinada no músculo longissimus lumborum, com médias de 41,66; 17,06 e 6,51, respectivamente. Da mesma forma, Alberti et al. (1991) citados por Sañudo (1992) não verificaram diferenças (p>0,05) na cor da carne de animais alimen-tados com concentrado em relação àqueles mantidos em pastoreio.

Em contrapartida, Moody et al. (1980) acrescentam que o teor de mioglobina do músculo, responsável pela coloração do mesmo, é afetado pela nutrição; maiores quantidades de ferro dietético proporcionam maior formação de mioglobina, conferindo coloração mais escura à carne (Dabés, 2001).

Silva Sobrinho (1999) avaliando a cor no músculo semimembranosus de ovinos de diferentes genótipos obteve valores L*, a* e b* de 37,50; 7,83 e 4,30, res-pectivamente. Em ovinos são descritos valores 31,36 a 38,0 para L*, de 12,27 a 18,01 para a* e de 3,34 a 5,65 para b* (Souza, 2001 citado por Faria et al., 2001). No presente experimento, os valores de L* e a* enqua-dram-se nestes intervalos, porém os valores de b* foram muito inferiores.

Estudando características físico-químicas da carne de cordeiros 1⁄2 Santa Inês e 1⁄2 Bergamácia abatidos aos 15 e 25 kg, Souza et al. (2001) encontraram valo-res de 36,52 e 32,65 para L* e 13,12 e 15,34 para a* no músculo semimembranosus.

Como conclusões finais, os diferentes níveis de concentrado da dieta não afectaram o pH, a cor, as perdas de peso por cozedura e a tenrura da carne dos cordeiros Morada Nova, enquanto que a capacidade de retenção de água apresentou melhores resultados na dieta com 45 % de concentrado. Os resultados apresentados sugerem que a carne de cordeiros da raça Morada Nova apresenta qualidade comercial e aptidão tecnológica.

Agradecimentos

À Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - FCAV/Jaboticabal, pela oportunidade de desen-volver o experimento.

Ao CNPq pela concessão da bolsa de estudos.À FAPESP pelo recurso financeiro.

retenção de água, com maiores valores nas dietas com 45 e 60 % de concentrado.

Quanto ao valor de força de corte, este pode ser considerado alto em comparação aos 3,35 kg obtidos por Monteiro (1998) que utilizou o músculo longissi-mus dorsi, provavelmente devido ao facto do corte ter sido paralelo à fibra muscular, e ao preparo da amostra em forno, pois o cozimento em banho-maria, parece aumentar a dureza da carne (Failla et al., 1996 citados por Sañudo et al., 1998). No presente experimento utili-zaram-se machos inteiros que ganham mais peso, porém produzem carne menos tenra que castrados, devido às diferenças na estrutura do colágeno (Maiorano et al., 1993).

Monteiro et al. (2001) estudando características da carne de ovinos alimentados em pastagem natural, encontrou valores de 17,78 % e 2,37 kg, para perdas de peso por cozedura e força de corte no músculo longis-simus dorsi, respectivamente.

Para todos os níveis de concentrado a carne teve boa tenrura, com valores de força de corte inferiores a 8 kg (Swan et al., 1998 citados por Nogueira et al., 2001). Estes autores determinaram as perdas de peso por cozedura e a força de corte em músculos da perna de ovinos Morada Nova, encontrando valores de 19,24 % e 3,62 kg, respectivamente.

Silva Sobrinho (1999) trabalhando com ovinos de diferentes genótipos, determinou as perdas de peso por cozedura e a tenrura da carne no músculo semimem-branosus, encontrando valores médios de 38,41 % e 9,31 kg; os resultados de perdas de peso por cozedura assemelham-se aos do presente experimento. Em con-trapartida, valor inferior foi obtido por Gularte et al. (2001) que trabalhando com ovinos da raça Crioula em regime extensivo, observaram 25,98 % de perdas de peso por cozedura e 2,22 kg de força de corte no músculo semimembranosus.

De acordo com Vipond et al. (1995) há um possível aumento na capacidade de retenção de água da carne de animais que são alimentados com dietas ricas em proteína, e este fato foi verificado neste experimento, pois as dietas com 45 e 60 % de concentrado propicia-ram maior capacidade de retenção de água da carne.

Russo et al. (1999) avaliando o efeito de diferentes fontes energéticas na alimentação de cordeiros não encontraram efeito das dietas (p>0,05) sobre a capa-cidade de retenção de água determinada no músculo longissimus lumborum, com média de 38,14 %, valor muito inferior ao encontrado neste experimento.

Lemos Neto (1997) determinou a capacidade de retenção de água no músculo rectus abdominis de cor-deiros Corriedale e cruzados Ile de France x Corriedale terminados em confinamento, observando valores de 49,28 e 50,65 %, respectivamente. Entretanto, Alberti e Sañudo (1988) citados por Lemos Neto (1997) encon-traram valores de 17,0 a 21,4 %. Os valores encontra-dos neste experimento de 51,64; 52,18 e 54,61 %, para os níveis de 30, 45 e 60 % de concentrado, respecti-

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Resumo: Tal como noutros países, a população de gaivotas (larídeos) aumentou exponencialmente em Portugal. Para averi-guar as implicações na Saúde Pública deste sobrecrescimento, duzentas e oitenta e cinco amostras de fezes de gaivotas foram analisadas para dois agentes potencialmente patogénicos para o Homem, Salmonella spp. e Listeria sp. Isolou-se Salmonella sp em trinta e sete amostras (13%). Os serotipos mais frequentes foram Salmonella Typhimurium (37,8%) e Samonella Derby (18,9%). Em seis amostras estavam presentes simultaneamente dois serotipos. O estudo dos isolados antibioresistentes (68,7%) revelou 24 perfís diferentes. Dois fagotipos foram encontrados para Salmonella Typhimurium 5+: PT 12 e U302. Listeria sp. estava presente em vinte e oito amostras (9,8%), das quais, em dezassete, isolou-se Listeria monocytogenes (6%). Outras espécies isoladas foram Listeria seeligeri (0,7%), L. innocua (5,3%) e L. welshimeri (0,7%). Sete amostras estavam simul-taneamente contaminadas por duas ou mais espécies. Dezoito isolados de L. monocytogenes foram serotipificados, fagotipa-dos e estudada a sua sensibilidade ao arsénio e cádmio, sendo reconhecidas 10 estirpes diferentes. Ambos géneros bacterianos estavam presentes simultaneamente em doze amostras (4,2%). Os autores tecem algumas considerações epidemilógicas acerca da relevância dos marcadores encontrados como o reflexo de problemas de acondicionamento e tratamento de resíduos, na área geográfica estudada.

Summary: As in other countries, the population of gulls (Lari-dae) has been increased exponentially in Portugal. To evaluate the public health implications of this development, two hundred and eighty-five samples of gulls’ faeces were investigated for two bacteria species of zoonotic importance, Salmonella spp. and Listeria sp. Thirty-seven (13.0 %) samples were positive for Salmonella spp. Amongst these, teh most common serovars were Salmonella Typhimurium (37.8%) and Salmonella Derby (18.9%). Simultaneous presence of two different serovars was detected in six samples. Twenty four different antibioresistance profiles were detected in Salmonella sp. isolates (68.7%).Phage-types found for Salmonella Typhimurium 5+ were PT 12 and U302. Listeria spp. were present in twenty-eight (9.8%) sam-ples, seventeen of which had Listeria monocytogenes (6.0%). Other species isolated were Listeria seeligeri (0.7%), L. innocua (5.3%), and L.welshimeri (0.7%). Seven samples were co-con-taminated with two or more species. A combination of serotyp-ing, phage-typing, cadmium and arsenic sensitivities were used

to subtype 18 of the L. monocytogenes isolates recognising at least 10 different strains. Both bacterial genera were simul-taneously isolated from twelve samples (4.2%). Several epi-demiological considerations were redrawed and the possible significance of markers as the reflex of waist management in the geographical area sudied is discussed.

Introduction

Salmonella spp. and Listeria monocytogenes are two of the most significant causes of foodborne and water-borne diseases worldwide. Salmonellae are carried in the intestinal tract and internal organs of farm and wild animals. In the marine environment, Salmonella spp. is thought to cause little or no disease (Minette, 1986), with carrier animals including birds, reptiles, amphibians, arthropods, and cetaceans.

In the last decades, L. monocytogenes has been a saprozoonotic bacteria frequently incriminated in severe human epidemics and sporadic cases of food-borne or waterborne illness, typically resulting from consumption of contaminated food (Jones, 1991).

L. monocytogenes is widely spread in the envi-ronment and frequently found in human and animal foodstuff, water, soil and several wild and domestic animals (Benton et al., 1983; Arvanitidou et al., 1997; Fenlon, 1999).

Around the world, the number of gulls (Laridae) has increased exponentially as result of adaptation to urban habitats and unconventional food resources, and, to lesser extent, protection by law from capture and destruction of eggs. Their number has reached a critical point in some geographical areas, endangering other seashore species (Furness and Monaghan, 1987), leading to the implementation of drastic population control measures, including culling programs sup-ported by governmental environmental organisations (Monaghan et al., 1985; Morais et al., 1998).

Apart from the ecological imbalance associated with population growth, gull faeces are considered to cause the deterioration of city buildings and monu-ments (Furness and Monaghan, 1987), as well as being

Salmonella and Listeria spp. carriage by gulls (larids)

O papel dos Larídeos como portadores de Salmonella e Listeria spp

E. L. Duartea, M. M. Guerra and F. M. Bernardo*

CIISA / Laboratório de Inspecção Sanitária, Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa, Rua Prof. Cid dos Santos, Polo Universitário da Ajuda, 1300-477 Lisboa, Portugal.

R E V I S T A P O R T U G U E S ADE

CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

* Correspondência: Tel. (351) 213652800 e-mail [email protected]ço actual: Departamento de Sanidade Animal e Vegetal. Universidade de Évora. Apartado 94, 7002-554 Évora codex, Portugal.

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a potential public health hazard through faecal conta-mination of drinking and recreational waters (Gould and Fletcher, 1978; Johnston et al., 1979; Benton et al., 1983; Lévesque et al., 1993; Lévesque et al., 2000) and pasture (Williams et al., 1976; Williams et al., 1977; Reilly et al., 1981).

Laridae are marine birds wich occupy a habitat that substantially overlaps with human activities and are reported to spread various animal pathogens (Crewe, 1967; Olsen et al., 1995; Garza et al., 1997). The latter include zoonotic bacteria, including Salmonella spp. and Listeria sp. (Williams et al., 1976; Williams et al., 1977; Johnson et al., 1979; Coulson et al., 1983; Kapperud and Rosef, 1983; Fenlon, 1985; Gir-dwood et al., 1985; Monaghan et al., 1985; Quessy and Messier, 1992; Lévesque et al., 1993; Hubálek et al., 1995; Weber et al., 1995; Bouttefroy et al., 1997; Palmgren et al., 1997)

The purpose of this preliminary study was to evaluate the role of the two major seagull species, yellow-legged gull (Larus cachinnans) and lesser-black-backed gull (Larus fuscus) that permanently or seasonally occupy habitats along the Portuguese coast, near Lisbon city, as carriers of Salmonella spp. and Listeria sp. Epidemiological markers (antibiotic resistance profiles and typing) were used in order to identify the source of contamination, and to determine if the proximity to urban coastal areas was relevant for the carriage.

Material and methods

SamplingTwo hundred and eighty-five (N=285) samples

were collected from five seashores, near Lisbon. The individual gulls’ faecal excretions were obtained at seventeen different times, each one corresponding to a batch of samples, in the early morning, imediatly after observation of the flocks in the beach sand (Table 1). Four samplings were taken from contiguous locations near Lisbon City, in a densely human populated area, and the fifth beach (Fonte da Telha beach) is located at the south coast, corresponding to a less populated geographical area. Seagulls’ fresh faecal material was individually collected from the sand, and tranferred into a sterile plastic bag, transported to the laboratory within 2 hours and immediately processed.

Salmonella spp. and Listeria spp. isolation and identification

Isolation and identification of Salmonella spp. and Listeria spp. was undertaken using two conventional detection methods. At a first stage, samples were pre-enriched in buffered peptone water (Oxoid CM 509) for 24 hours, at 30 ºC.

For Listeria spp., selective enrichment was done using University Vermont medium with supplement 1 (Oxoid CM 863, SR 142) at 37 ºC for 48 hours.

Isolations were performed on Palcam agar (Oxoid CM 8719, SR 150E), incubated for 24-48 hours at 37 ºC. Four or five typical presumptive isolates were cultured in Triptona soya agar (Oxoid CM 131) with 0.6% yeast extract (Difco 0127-01-7), incubated at 37 ºC for 24 hours, and confirmed by conventional tests: catalase test, motility at room temperature, CAMP test and hemolysis tests performed on Columbia agar plus 5% sheep-blood (Bio-Mérieux 43041). Isolates were biochemically identified by API Listeria test kit (Bio-Mérieux 10300).

Salmonella spp. selective enrichment was undertaken in Selenite-cystine broth (Difco 0687-17-1), incubated at 37 ºC during 24 hours and Rappaport-Vassiliadis broth at 42 ºC for 24 hours (Oxoid CM 669). Isola-tions were performed from each selective enrichment on Brilliant Green agar (Oxoid CM 263) and Hektoen enteric agar (Oxoid CM 419) plates, incubated for 24 hours at 37 ºC.

Confirmatory tests included cultures in Triple sugar iron agar (Oxoid CM 277), biochemical tests using API 20E test kit (Bio-Mérieux 20100) and serologi-cal agglutination with polyvalent Salmonella antisera (Difco).

Epidemiological markers for Salmonella and Liste-ria monocytogenes

Salmonella spp. isolates were serotyped using both somatic and flagella antisera according to the Spice-Edwards scheme (Difco Laboratories, Detroit, MI). The antibiotic susceptibility of ninety-nine Sal-monella spp. isolates was investigated following the National Committee for Clinical Laboratory Standards recommendations (NCCLS, 1997). Antibiotics tested included ampicillin 10 µg (Amp, Oxoid), cephalotin 30 µg (Kf, Oxoid), cephotaxime 30 µg (Ctx, Oxoid), compound sulphonamides 300 µg (S3, Oxoid), sul-phametoxazole-trimethoprim 25 µg (Sxt, Oxoid),

Table 1 - Sampling places, collecting dates, S. enterica and Listeria spp. fre-quencies

Batch Sampling locations Date Salmonella spp. Listeria spp.Number n+ / N (%) N+ / N (%)1 “TORRE” 12 / 97 0/ 20 0 / 202 “SANTO AMARO” 12 / 97 1 / 12 (8.3 %) 0 / 123 “SANTO AMARO” 01 / 98 3 / 15 (20.0 %) 0 / 154 “TORRE” 01 / 98 3 / 18 (16.7 %) 1 / 18 (5.6 %)5 “TORRE” 02 / 98 0 / 12 1 / 12 (8.3 %)6 “CARCAVELOS” 03 / 98 1 / 3 (33.3 %) 0 / 3 7 “CARCAVELOS” 03 / 98 0 / 9 0 / 58 “TORRE” 03 / 98 2 / 14 (14.3 %) 1 / 14 (7.1 %)9 “SANTO AMARO” 04 / 98 3 / 6 (50.0 %) 2 / 6 (33.3 %)10 “SANTO AMARO” 04 / 98 12 / 20 (60.0 %) 11 / 20 (55.0 %)11 “CARCAVELOS” 05 / 98 0 / 3 0 / 3 12 “PAÇO de ARCOS” 05 / 98 1 / 40 (2.5 %) 12 / 40 (30.0 %)13 “TORRE” 07 / 98 0 / 6 0 / 614 “SANTO AMARO” 07 / 98 5 / 16 (31.3 %) 0 / 1615 “FONTE TELHA” 08 / 98 0 / 32 0 / 3216 “FONTE TELHA” 08 / 98 6 / 48 (12.5 %) 0 / 4817 “FONTE TELHA” 08 / 98 0 / 15 0 / 15TOTAL 37 / 285 (13.0 %) 28 / 285 (9.8 %)

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enrofloxacin 5 µg (Enr, Oxoid), streptomycin 10 µg (S, Oxoid), gentamycin 10 µg (CN, Oxoid), tetracycline 30 µg (Te, Oxoid), nitrofurantoin 300 µg (Fd, Oxoid) and chloramphenicol 10 µg (C, Oxoid).

Eleven isolates of Salmonella Typhimurium were phage-typed according to Callow´s method modified by Anderson (Anderson et al., 1977).

Eighteen L. monocytogenes isolates were serotyped, phage-typed and screened for arsenite and cadmium sensitivity as previously described (McLauchlin, 1996; McLauchlin et al., 1997).

Results

Thirty seven samples were positive for Salmonella (13.0%) (Table 1) and these were found in 10 batches (58.8%). They included the following serovars: Sal-monella Typhimurium (37.8%); S. Derby (18.9%); S. Enteritidis (10.8%); S. Agona and S. Hadar (8.1%); S. Goettingen, S. Newport and S. Virchow (5.4%); S. Bardo, S. Anatum, S. Infantis, S. Ohio, S. Orion and S. enterica subsp. salamae (II) serovar 1,4,12,27:b:- (2.7%). S. Typhimurium was isolated in 14 samples; S. Typhimurium biotype Copenhagen (5-) was obtained from 2 samples and S. Typhimurium 5+ from 12 sam-ples. Thirty-one (31.3%) of the 99 isolates tested for antimicrobial resistance were sensitive to all antibio-tics. The remaining sixty-eight isolates showed either a single resistance to one specific drug (17.2%) or multi-ple resistance (51.5%), with a maximum of 8 simulta-neous resistances recorded (Table 2). The highest level of antibiotic resistance was observed for tetracycline (49.5%), streptomycin (48.5%) and ampicillin (42.4%).

Two different phage-types were found for S. Typhi-murium 5+ isolates: U302 in 5 samples and PT 12 in 3 samples.

The largest range of Salmonella spp. serovars (seven) was found in “Santo Amaro” beach (Table 3) and two different serovars were simultaneously present in six samples.

Twenty-eight samples from 6 different batches were contaminated with Listeria sp. (9.8%) (Table 1). Listeria monocytogenes was the predominant species isolated from 17 samples (6.0%) (Table 4). The others species found were: L. seeligeri (0.7%), L. innocua (5.3%) and L. welshimeri (0.7%). Five samples were simultaneously contaminated with L. monocytogenes and L. innocua, one with L. innocua and L. seeligeri and L. monocytogenes and one sample L. monocytoge-nes and L. seeligeri (Table 4).

Twelve samples (4.2%) were simultaneously con-taminated with Salmonella and Listeria spp. Higher prevalence for both saprozoonotic bacterial - species were found in beaches located near the most densely populated areas (Table 5).

L. monocytogenes isolates typed were identified as serovars 1/2a (1 isolate); 1/2b (4 isolates) and 4b (13

isolates). On the basis of serotyping and phage-typing, 10 distinct groups were recognised (designated A-J) (Table 6). Concerning to sensitivity of L. monocytoge-nes to arsenic and cadmium, 3 isolates (16.7%) were found to be cadmium resistant, 8 isolates (44.4%) were arsenic resistant, 10 isolates (55.6%) were arsenic sen-sitive, 15 isolates (83.3%) were cadmium sensitive, one strain (5.5%) was sensitive to both agents. In two sam-ples, two L. monocytogenes with different characteris-tics were obtained: in one sample a non phage-typable isolate and a page-typable one, both serovar 1/2b, were found and in another sample two 4b serovars showed different cadmium and arsenic patterns.

Discussion

Birds have always interested epidemiologists as flying enables them to be potential long-range vec-tors of human and animal diseases. Several studies have attempted to establish a relation between birds’ migratory movements and the introduction of several diseases with uncommon epidemiological features and unexpected geographical distribution (Wilson et al., 1952; Coulson et al., 1983; Palmgren et al., 1997; Österlund et al., 2000).

Listeria sp. and Salmonella are not considered ende-mic among wild birds in contrast to other genera like

Table 2 - Antibiotic resistance profiles of 98 Salmonella isolates tested and frequency.

Profile N= FrequencySensitive to all 31 31.3%SR 8 8.1%AmpR+ CR+ SR+ TeR+ SxtR+ S3R 8 8.1%TeR 7 7.1%SR+ TeR+ S3R 6 6.1%AmpR+ CR+ SR+ TeR+ SxtR+ S3R+FdR+ CNR 4 4.0%SR+ TeR 3 3.0%SR+ SxtR+ S3R 3 3.0%AmpR+ SR+ TeR+ S3R 3 3.0%AmpR+ SR+ TeR+KfR 3 3.0%AmpR+ CR+ SR+ TeR+ S3R 3 3.0%FdR 2 2.0%TeR+ S3R 2 2.0%TeR+ SxtR+ S3R 2 2.0%AmpR+ TeR+ SxtR+ S3R 2 2.0%AmpR+ CR+ SR+ SxtR+ S3R+ CNR 2 2.0%AmpR+ CR+ SR+ TeR+ SxtR+ S3R+ CNR 2 2.0%AmpR+ KfR 1 1.0%SxtR + S3R 1 1.0%AmpR+ SR 1 1.0%TeR+ KfR 1 1.0%AmpR+ TeR+ KfR 1 1.0%AmpR+ KfR+ FdR 1 1.0%AmpR+ CR+ SR+ TeR+ SxtR+ S3R+KfR 1 1.0%AmpR+ SR+ TeR+ SxtR+ S3R 1 1.0%Total of isolates tested 98

R- resistantAmp- ampicilin, Kf- cephalotin, Ctx- cephotaxime, S3-compound sul-phonamides, Sxt- sulphametoxazole-trimethoprim, Enr- enrofloxacin, S- streptomycin, CN- gentamycin, Te-tetracycline, Fd- nitrofurantoin, C- chloramphenicol.

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Campylobacter spp. (Kapperud and Rosef, 1983). The contamination is usually exogenous and reflects the salubrity of the feeding resources readily available. Gulls can have considerably higher carrier levels of pathogenic bacteria when compared with other wild bird species, probably due to their scavenging food habits (Kapperud and Rosef, 1983; Cízek et al., 1994; Hubálek et al., 1995; Palmgren et al., 2000). In fact, feeding at refuse tips and sewage outlets has been associated with higher reproductive success and survi-val rates in the winter (Hunt, 1972; Monaghan, 1992; Pons, 1992; Sol et al., 1995; Brown and Ewins, 1996; Morais et al., 1998).

An investigation of gull’s stomach contents collected from different colonies in geographicaly close areas, shows differences between feeding habits of animals from the same species (Brown and Ewins, 1996), indicating that carrier rates could be directly related to readily available contaminated food resources. A previous study, conducted in Lisbon, showed a con-siderably higher carrier rate of Salmonella (18.0%) in city pigeons (Rodeia et al., 1994) than our study does for gulls (13.0%). Other authors have already establi-shed a relationship between the proximity of garbage and sludge and the presence of pathogenic bacteria in Larids’ faeces (Fenlon, 1981 and 1983; Kapperud and Rosef, 1983; Fricker, 1984; Ferns and Mudge, 2000).

In this study, incidence of the two zoonotic bacteria was highly variable from batch to batch, ranging from 0 to 55% for Listeria spp. and 0 to 60% for Salmo-nella. This variability may reflect differences in the contamination of the feeding sources available in the area at the period of sampling. The batches sampled from the same side of the estuary of Lisbon City, in the area with the highest human population density, showed higher prevalence “Paço de Arcos”, “Torre”, “Carcavelos” and “Santo Amaro” beaches than “Fonte da Telha”. Samples collected from “Fonte da

Telha” showed the lowest prevalence of isolates from both bacteria genera. “Santo Amaro” beach, which is exposed to partially treated sewage effluent, was the sampling place where the highest isolation rate for Sal-monella was obtained. “Paço de Arcos” beach, situated closest to the city had the highest isolation rate of Lis-teria spp. including L. monocytogenes.

Diversity of Salmonella serovars seems to be related to the samples’ origin. A greater diversity and unusual serovars were isolated from the batches with lower iso-late prevalence and from the less polluted areas such as ”Fonte da Telha” beach. Less serovars diversity seems to occur in batches with higher prevalence, because birds may assess to waters polluted with sewage linked to humans and animals excretions (Table 5). The pre-sence of specific serovars in sludge and sewage and their isolation a few days later in gulls’ faeces was already demonstrated in other studies (Fenlon, 1983).

Most prevalent Salmonella serovars had common epidemiological features with those found more fre-quently in domestic animals and man in Portugal; few exotic serovars were found. Between 1995 and 1998, which includes the period of our study, the most frequent serovars isolated in Portugal by the national reference centre for Salmonella (Machado et al., 1999) were S. Enteritidis and S. Typhimurium in humans, animals and food. These two serovars have been incre-asing in relation to others since 1996. S. Derby is the third most frequently isolated from food (Machado et al., 2000) and the second in our study.

When S. Typhimurium phage-types are compared, a comparable pattern is found between results of this study and those reported from the national reference centre: U302 and PT 12 are among the four most frequent phage-types of S. Typhimurium isolated from animals and humans, between 1996 and 1998 (Machado et al., 1999). The identified serovars and phage-types therefore indicate that isolated strains are not specific to larids and are similar to isolates of diffe-

Table 3 - Range of S. enterica serovars by sampling location

SAMPLING PLACE SEROVARS “TORRE” S.Typhimurium S. Hadar S. Goettingen S. Newport S. Bardo “SANTO AMARO” S.Typhimurium S. Derby S. Enteritidis S. Agona S. Anatum S. Newport S. Orion “CARCAVELOS” S. Enteritidis “PAÇO DE ARCOS” S. Enteritidis “FONTE DA TELHA” S. Derby S. Hadar S. Virchow S. Infantis S. Ohio S. II 1, 4, 12, 27: b: -

Table 4 - Listeria spp. frequency

Listeria species n+ (%) Batches n+L. monocytogenes 17 (6.8%) 5 / 17L. innocua 15 (5.3%) 5 / 17L. seeligeri 2 (0.7%) 2 / 17L. welshimeri 2 (0.7%) 2/17TOTAL (*) 28 (9.8%) 6/17

(*) Five samples were simultaneously contaminated with more than one Listeria species.

Table 5 - Frequency of positive samples for each sampling location

Sampling place N n+ S. enterica (%) n+ Listeria sp. (%)FONTE DA TELHA 95 6 (6.3 %) 0TORRE 70 5 (7.1 %) 3 (4.3 %)SANTO AMARO 69 24 (34.8 %) 13 (18.1 %)PAÇO DE ARCOS 40 1 (2.5 %) 12 (30.0 %)CARCAVELOS 11 1 (9.1 %) 0

the reproductive season larids show statistically signi-ficant higher carrier rates for Salmonella (Monaghan et al., 1985). The difference between colonies of the same larids’ species and the age of the birds doesn’t seem to be statistically relevant for the carrier state (Lévesque et al., 1993 and 2000).

No quantitative assessment was undertaken but, in previous studies, the larids’ faeces bacterial charge was considered insufficient to be infectious for man and animals (Fenlon, 1981; Lévesque et al., 1993). Others have related the origin of some salmonellosis outbreaks in farm animals to these birds (Williams et al., 1976 and 1977; Johnston et al., 1979; Coulson et al., 1983).

Public health hazards could be higher considering that a 4-day average period of excretion in gulls was established in laboratory conditions for Salmonella (Girdwood et al., 1985). Previous work showed that survival time in seawater and estuarine water, for bacteria of the same genera as studied here, was long enough for bioaccumulation in shellfish (Monfort et al., 2000). Also, the dissemination area could be con-siderable, for these birds may travel more than 250 km in less than a week (Monaghan et al., 1985). The risk of disseminating pathogens is high as some of the species studied, particularly Larus fuscus, spend the winter in our coast and return to the North of Europe in the reproductive season.

The effect of other parameters beyond feed quality on excretion of bacteria should also be investigated. The existence of several stress factors, heavy metal pollution or debilitating concomitant infections, each one known to adversely affect the immune system should be considered, therefore it will be interesting in the future, to evaluate the evolution of excretion along other seasons and in other geographic zones, specially during Summer, because, at that time, most of feeding come directly from non polluted water (open sea).

Antibiotic resistance profiles and typing clearly indi-cate the anthropogenic source of the bacteria isolated, emphasizing the lack of confinement and treatment of solid residues and effluents in the geographical area studied. Due to their scavenging habits, gulls could be used as indicator of the microbiological quality of marine and estuarine coastal areas. The possibility of studying other parameters in gulls functioning as markers of environmental sanity should also be inves-tigated.

Acknowledgements

Financial support was provided by the PRAXIS XXI Program administered by the National Board for Scien-tific and Technological Investigation (FCT, Portugal).

L. monocytogenes typing was conduced at the PHLS Food Safety Microbiology Service in London under the supervision of Dr. J. McLauchlin whichis grate-fully acknowledged. Authors thank Dr. L. Morais of

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rent origins, including animal and human (Machado et al., 1999).

A very high number of isolates showed antibio-tic resistance to one or more of the tested drugs. All isolates were sensitive to relatively recent molecules like enrofloxacin and cephotaxime. These results are similar to the antibiotic resistance found by the natio-nal reference centre for Salmonellae of environmental origin (Machado et al., 2000), where a low level of antibiotic resistance is shown for third generation cephalosporins and quinolones. The highest level of resistance observed by Machado et al., 2000 is also similar to the results of this study, matching it for tetracycline and streptomycin, but not for ampicillin. Levels of antibiotic resistance strongly suggest that the isolated strains are not specific to larids, and more likely to originate from human sources where antibio-tic usage is high.

L. monocytogenes serovars 1/2a, 1/2b, and 4b were recovered from gull’s faeces in this study. These results are similar to those described for food isolates (McLauchlin et al., 1997; De Simon and Ferrer, 1998; Nichols et al., 1998) in that strains of serogroup 1/2 are most frequently recovered. A combination of the serotyping together with phage-typing in this study showed that at least ten different L. monocytogenes strains were recovered. Although the use of cadmium and arsenic sensitivities allows the recognition of only four different ‘types’ of L. monocytogenes (of which three types were recognised here), this method can be easily utilised in laboratories without a specialised expertise for this bacterium. There is a very high dis-crimination with the combination of different typing methods as suggested previously (McLauchlin et al., 1997) and the diversity of strains that gulls can spread into our environment is shown.

Seasonal prevalence cannot be established in this study (data not shown), but some authors found that in

Table 6 – Characterization of 18 Listeria monocytogenes isolates.

Groups Sensitivity to: Serovar Phage-type* Number of As Cd culturesA S R 1/2a NT 1B S R 1/2b NT 1 S S 1/2b NT 2C S S 1/2b 1 1D R S 4b NT 1 S S 4b NT 3E R R 4b 2 1 S S 4b 2 1F R S 4b 3 3G R S 4b 4 1H S S 4b 5 1I R S 4b 6 1J R S 4b 7 1Total 18

*Phage-type indistinguishable from the following lytic reaction patterns: pattern 1, 881,586; pattern 2, 2389; pattern 3, 2425A; pattern 4, 52, 340, 110, 108, 2671, 1444, 1317, 2389, 2425A; pattern 5, 2671; pattern 6, 52, 1317, 2425A; pattern 7, 108, 1317. Cd- cadmium, As- arsenic, S- sensitive, R- resistant.

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the Berlenga Natural Reserve and Prof. C. Vilela for reviewing the manuscript.

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Resumo: Os mamíferos marinhos mantidos em cativeiro, e espe-cialmente os delfinídeos, são frequentemente afectados por lev-eduroses oportunistas coadjuvadas pelo stresse que as condições artificiais e disgenésicas do seu habitat artificial propiciam. Os programas metafiláticos adoptados para manutenção do estado hígido dos animais, são potenciadores destas formas de infecção oportunista. Neste estudo apresentam-se os resultados de dois anos de pesquisa de fungos potencialmente patogénicos em 108 amostras obtidas por zaragatoa de exsudados brônquicos de três exemplares de Golfinhos com afecção respiratória, residentes em dois parques aquáticos portugueses. As amostras foram colhidas sempre que os animais mostravam sinais clínicos respiratórios, refractários à terapêutica antibacteriana. As pesquisas e identifi-cações das leveduras foram efectuadas com técnicas de diagnós-tico micológico convencional. As estirpes isoladas foram sub-metidas a testes de sensibilidade a antimicóticos. Noventa e oito amostras (90,7%) revelaram abundantes culturas de fungos lev-eduriformes. A espécie Candida albicans foi a levedura isolada com maior frequência (50,0% dos casos positivos). C. glabrata foi detectada em 40,8 % das amostras. Nove dos casos positivos eram devidos Cryptoccocus laurentii (9,2 %). Todos os isolados revelaram sensibilidade aos antimicóticos. As informações nosológicas obtidas neste trabalho constituem uma abordagem preliminar do tema, em Portugal, sendo que as espécies de lev-eduras encontradas e implicadas nas situações mórbidas do foro respiratório dos golfinhos, parecem estar também associadas a alguns peculiaridades do ecossistema.

Palavras chave: Micoses oportunistas, Candida albicans, Golf-inhos

Summary: Marine mammals hold in aquatic parks for exhibi-tion, particularly dolphins, are frequently affected by opportunist yeast infections. Stress due to disgenesic conditions of their arti-ficial habitat is a very relevant predisposing cause. Maintenance conditions of these aquatic mammals associated with prophylac-tic measures (antibacterial and anti-inflammatory drugs) pro-vided for heath sustainability leads to this kind of opportunistic infection. One hundred and eight samples of bronchial exsudates collected from three captive dolphins affected with respiratory clinical signs into two different Aquatic Parks were tested for mycological diagnosis. Research of yeasts were performed using conventional mycological methods. Yeasts were morphologically and biochemically identified. Isolates were tested for antimico-tic sensitivity. The majority of samples revealed pure cultures of yeasts (n+ = 98) (90.7 %). Candida albicans was the most frequent, and it was isolated from 50 % of the positive samples. Candida glabrata was detected in 40.8 % of the samples. Nine samples revealed Cryptoccocus laurentii (9.2 %). All strains were sensitive to the antifungal drugs. High frequency of these

opportunistic infections may be due to water treatments and other environmental conditions.

Key words: Mycoses, Candida albicans, Dolphins

Introdução

A manutenção de espécies silvestres em cativeiro, em parques zoológicos ou aquáticos, só é possível graças à criação de condições micro-ecológicos espe-ciais, que tentam reproduzir artificialmente as dos ecossistemas naturais. Mas a recriação e manutenção desses pequenos nichos específicos é, na realidade, apenas uma visão muito limitada e circunstancial do conjunto de parâmetros do ecossistema natural que obviamente não poderão ser integralmente reprodu-zidos em condições artificiais. Nestas circunstâncias os animais só podem ser mantidos à custa de aperta-dos programas de vigilância médica veterinária que, através de esquemas metafiláticos, vão atenuando impactos de toda a ordem: desde os transtornos fisio-lógicos, causados por uma dieta pouco diversificada, às situações patológicas, que as condições disgenési-cas do meio vão gerando. Em certa medida, as con-dições de manutenção dos animais nestes parques de diversão, podem ser equiparáveis às dos pacientes de um internamento clínico, onde os agentes das doenças nosocomiais encontram facilmente hospedeiros fragi-lizados para se instalar e expressar o seu potencial de virulência.

Os mamíferos marinhos mantidos em cativeiro, e especialmente os delfinídeos, são mantidos em águas cuja composição se afasta bastante das naturais: a sali-nidade, o teor de cloro, o instabilidade térmica, o teor de matéria orgânica, o contacto directo com animais terrestres, são parâmetros que, embora controlados, não reproduzem com fidelidade as condições que exis-tem na natureza (Buck, 1980). A massa de água é um parâmetro incontornável. Por outro lado o micro-nicho ecológico que os tanques de cativeiro constituem, per-

Leveduroses oportunistas do tracto respiratório de delfinídeos em cativeiro

Opportunist yeast infection in the respiratory tract of captive dolphins

H. M. Martins1, M. Inês Dias1, M. Lígia Martins1 e F. Bernardo2

1Serviço de Micologia do Lab. Nacional Investigação Veterinária, 1549-011 Lisboa2CIISA/Lab. Inspecção Sanitária, Fac. Med. Veterinária, 1300-477 Lisboa

R E V I S T A P O R T U G U E S ADE

CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

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mite contactos com outras espécies animais e vegetais, que não se encontram no ecossistema natural como pombos, pardais, ratos e insectos diversos (Martins et al., 1999). Estes “invasores” dos biótopos artificiais são, na realidade, vectores dos mais diversificados agentes patogénicos ou potencialmente patogénicos: parasitas, bactérias, vírus e fungos (Martins et al., 1999). Por outro lado, as poeiras do meio ambiente envolvente, a proximidade de vegetação, com pólens e respectivas cargas fúngicas associadas, são elementos completamente atípicos da envolvente ecológica e que podem desempenhar um papel decisivo como agentes irritativos das mucosas, veiculadores de germes ou ter acções perturbadoras do equilíbrio psico-somático e imunitário dos animais. A proximidade e contacto directo com seres humanos não deve ser negligenciada neste sistema.

Um dos grupos de afecções que com maior frequên-cia surge em delfinídeos mantidos em cativeiro são as infecções oportunistas causadas por fungos (Smith et al., 1978; Ajello, 1998).

A administração frequente de antibióticos, as carên-cias alimentares, nomeadamente de vitaminas e de alguns oligo-elementos, a fragilização das mucosas devidas à acção irritativa do cloro, são factores que, certamente, coadjuvam no desencadeamento das leve-duroses (Migati e Sidney, 1987).

O agente etiológico implicado com maior frequência nestas infecções é Candida albicans, embora outras espécies do género Candida tenham sido descritas (Sweeney et al., 1975). Clinicamente estas candidoses podem evoluir de diversas formas: infecções muco-cutâneas, forma viscerais focalizadas e septicémicas, disseminando-se por todos os órgãos internos. Nos delfinídeos, as manifestações clínicas da doença são especialmente do foro respiratório, estando associadas ao uso prolongado de antibióticos e corticosteróides e à excessiva cloragem das água dos tanques com o propósito de assegurar a sua pureza microbiana (Lawrence et al., 1987; Nakeeb et al., 1977).

Em Portugal não estão convenientemente estudadas as infecções micóticas das espécies aquáticas e menos ainda as dos mamíferos marinhos, na medida em que só recentemente se iniciou a exibição comercial deste tipo de mamíferos. Por isso, entendeu-se ser proposi-tado divulgar alguns dos resultados de análises mico-lógicas efectuadas a materiais clínicos colhidos de golfinhos com sinais clínicos respiratórios, refractários à terapêutica antibacteriana.

Material e métodos

Amostragem

Foram analisadas cento e oito zaragatoas de exsu-dados nasais de golfinhos com afecções respiratórias recorrentes, refractárias à terapêutica antibiótica usual.

Análise micológica

Para pesquisa e identificação dos agentes utilizaram-se exame microscópico directo e exame micológico. No primeiro os exsudados foram observados a fresco directamente, entre lâmina e lamela, após suspensão em água esterilizada, procurando visualizar os agentes leveduriformes e obter uma noção semi-quantitativa e semi-qualitativa da microflora. No exame micológico pesquisaram-se os agentes fúngicos, semeando por estria cada amostra em quatro geloses específicas: ID2 albicans (Bio-Merieux 43572), “Cook Rose Bengal” Agar (Oxoid CM-549) (King et al., 1984), Sabouraud (Oxoid CM41) e “Staib” Agar (Staib,1962), adiciona-dos de tetraciclina (25 µg/mL). A incubação foi efec-tuada a 25 ºC 30 ºC e a 37 ºC durante três a cinco dias (Kreger- van Rij, 1984; Badillet et al., 1987; Barnett et al.,1990).

A identificação das leveduras foi realizada em galerias bioquímicas convencionais monitorizadas (Sistema API, ID32C – BioMerieux, 32200); a leitura das provas bioquímicas foi realizada automaticamente através do sistema ATB (BioMerieux- 4200).

Realizaram-se ainda testes de sensibilidade a substâncias antifúngicas: Todos os isolados foram submetidos a testes para caracterizar a respectiva sen-sibilidade a oito antimicóticos específicos (Drouhet e Dupont, 1978; Drouhet e Dupont, 1981). Aplicaram-se dois métodos: o sistema ATB Fungos (BioMerieux- 14200) e o sistema Fungitest da “Diagnostic Pasteur, Sanofi” (ref.60780). Os antifúngicos utilizados foram: 5FC- Flucitosina 0,25-128 µg/mL; NYS- Nistatina 4-8 µg/mL; MIC- Miconazol 1-8 µg/mL; ECO- Econazol 1-8 µg/mL; KET- Ketoconazol 1-8 µg/mL; ITR- Itra-conazol 0,5-4 µg/mL; FLU- Fluconazol 8-64 µg/mL; AMB- Anfotericina B 1-8 mg/mL. As suspensões das leveduras foram efectuadas em soluto fisiológico esté-ril (ampolas de API- suspensão Medium, BioMerieux-70700), a uma densidade óptica equivalente à escala 2 do Padrão McFarland - Densitómetro (Densimat 99234-BioMerieux).

Os resultados foram registados após 48 a 72 horas de incubação a 37 ºC.

Resultados

Das 108 amostras analisadas, verificou-se que em 98 exames ocorreu desenvolvimento exuberante de cultu-ras leveduriformes, predominando uma única espécie fúngica em cada cultura (90,7 %). Candida albicans foi a espécie de maior prevalência, tendo sido isolada em 50,0 % dos casos positivos. C. glabrata foi detec-tada em 40,8 % das amostras e nove dos casos posi-tivos eram devidos a Cryptoccocus laurentii (9,2%) (Quadro 1). Todos os isolados das três espécies identi-ficadas revelaram sensibilidade a todos os antifúngicos testados.

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Quadro 1 - Frequência de leveduras patogénicas nos exsudados nasais (108 amostras)

Frequência Leveduras n +/ N (%)Candida albicans 49 / 108 (50,0)Candida glabrata 40 / 108 (40,8)Cryptoccocus laurentii 9 / 108 ( 9,2)TOTAL 98 / 108 (90,7)

As dez amostras negativas colhidas de animais com sintomatologia respiratória correspondiam possivel-mente a situações causadas por infecções bacterianas, uma vez que, no exame a fresco, também se verificou que estes agentes eram os que predominavam.

Discussão

Este estudo constitui um primeiro contributo reali-zado em Portugal sobre esta matéria tendo, por isso, um caracter preliminar; fornece, no entanto, alguma informação relevante no que concerne às espécies fúngicas patogénicas associadas a afecções respira-tórias refractárias à terapêutica antibacteriana usual em golfinhos mantidos em cativeiro. A frequência do seu aparecimento tem aumentado significativamente a nível mundial, em consequência da degradação das condições ambientais, constituindo estas leveduroses um dos principais problemas que afectam a saúde dos mamíferos marinhos (Migati e Sidney, 1987).

Das leveduroses diagnosticadas a cryptococcose é a menos referida (Miller et al., 2002), e também a que corresponde a uma situação mórbida de maior gravi-dade. As Infecções por Cryptococcus, assumem nos mamíferos marinhos predominantemente o carácter de uma doença respiratória com compromisso pulmo-nar, com nódulos sub-pleurais, adenites e linfadenites mediastínicas (Lawrence e Leslie, 1987). De acordo com alguns autores, serão as aves que sobrevoam os tanques ocupados pelos animais, as grandes responsá-veis pela introdução dos agentes, através das respec-tivas fezes. Sweeney et al. (1975, 1976) e Nakeeb et al. (1977) encontraram o mesmo agente etiológico de candidíases do tracto respiratório dos golfinhos, Can-dida albicans. Noutros estudos têm sido encontradas outras espécies fúngicas em golfinhos em cativeiro (Histoplama capsulatum, Candida tropicalis, Can-dida parasilopsis e Torulopsis glabrata, Cryptococcus neoformans var. gattii, Aspergillus fumigatus, Loboa loboi, Sporothricum skenki) (Migaki et al., 1978; Buck, 1980; Jensen et al., 1998; Haubold et al., 1998; Reidarson et al., 1998; Miller et al., 2002). Uma das principais provas da importância destas leveduroses na saúde dos golfinhos, decorre do facto de as terapêuti-cas anti-fúngicas se revelarem quase sempre bastante eficazes (Dunn et al., 1982), enquanto as terapêuticas antibacterianas e as corticoterapias prolongadas agra-vam a situação clínica.

O facto de as leveduras isoladas serem muito sen-

síveis aos antibióticos, pode atestar, em certa medida, que se trata de estirpes de origem ambiental. Também a administração de terapêutica antifúngica específica a delfinídeos não é uma prática clínica corrente, o que pode ajudar a justificar a sensibilidade dos agentes isolados.

As leveduras implicadas em situações mórbidas do foro respiratório dos golfinhos em cativeiro traduzem provavelmente problemas no maneio sanitário ambien-tal dos parques aquáticos, nomeadamente no que con-cerne à qualidade das águas dos tanques, ao controlo de aves silvestres invasoras do espaço habitado pelos delfinídeos e à flora envolvente dos parques (Martins et al., 1999; Bernardo et al., 2001).

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RPCV (2002) 97 (544) 189-192Martins, H. M. et al.

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RPCV (2002) 97 (544) 193-196

Resumo: A Varroose é o principal problema da patologia apícola ocidental. É provocada pelo ácaro Varroa destructor (Anderson e Trueman, 2000), que afecta tanto as abelhas adultas como a criação. Actualmente, esta patologia, é ainda um problema por resolver, pelo que se justifi cam os vários estudos de investigação sobre este tema. Em alguns destes, é importante conhecer o grau de infestação das colmeias sem perturbar a população de ácaros nas mesmas. A técnica descrita por Calatayud e Verdú (1993) permite avaliar a população de ácaros nas colmeias. Esta consiste na recolha e contagem de ácaros obtidos a partir dos estrados das colmeias para prognosticar o seu grau de infestação e a sua rapidez de crescimento. Assim, este estudo teve como objectivo proporcionar novos contributos à referida técnica em colónias de Apis mellifera iberica. No nosso ensaio comprova-mos que é possível simplifi ca-la controlando a queda natural de ácaros num curto período de tempo, o que permite reduzir o período de contagem de ácaros e, desta forma, reduzir o trabalho necessário. Nos resultados analisados, foi encontrada uma cor-relação elevada (r=0,958) entre os parasitas naturalmente mortos num período de 4 dias e o grau de infestação das colónias. Este estudo permite-nos sugerir ainda que esta técnica poderá também aplicar-se para determinar o momento ideal para o tratamento das colónias em apiários comerciais.

Palavras-Chave: Apis mellifera iberica, população de ácaros, grau de infestação

Summary: The most important disease in occidental apicul-tural pathology is due to the mite Varroa destructor (Anderson e Trueman, 2000). These parasites affect brood or adult bees. Nowadays, this disease is still an unsolved problem, which justifi es several research studies about the subject. In some of these studies it is important to know the colonies’ infestation levels without disturbing the mite population. The technique described by Calatayud and Verdú (1993) allows to evaluate the population of mites in the hives. This technique consists in col-lecting and counting mites from the board at the bottom of the hives to predict the infestation level and growth rate. The aim of this study was to test this technique in colonies of Apis mellifera iberica. We demonstrated that it is possible to simplify this tech-nique by accessing the natural fall of mites in shorter periods of time, reducing the counting period, and, consequently, reducing the necessary work. The data analysis showed a high correlation (r=0,958) between the levels of natural mortality of mites and the colonies’ infestation rates. The results of this study suggest that this technique may be used to determine the ideal moment for the treatment of colonies in commercial apiaries.

Key-Words: Apis mellifera iberica, varroa, mite population, infestation rates.

Introdução

A apicultura é, geralmente, considerada como uma actividade pecuária marginal. No entanto, além do mel, as abelhas oferecem-nos diversas produções como o pólen, a geleia real, a cera, o propólis e a função polinizadora. Nos últimos anos, o apareci-mento da parasitose provocada pelo ácaro Varroa destructor (Anderson e Trueman, 2000), pôs em sério perigo a sobrevivência da apicultura ocidental. Este ácaro parasita abelhas adultas e também a criação, mas só pode reproduzir-se nesta última (Büchler, 1994).

O ácaro Varroa destructor é um parasita natural da abelha asiática Apis cerana Fabr., com a qual estabelece relações de equilíbrio (Rath, 1999). Pelo contrário, as abelhas ocidentais são muito sensíveis a este parasita, obrigando ao tratamento sistemático das colmeias. Ocasionalmente, as substâncias utilizadas levam a problemas como o desenvolvimento de resis-tências por parte do parasita (Milani, 1999) e a conta-minação dos produtos apícolas com resíduos (Wallner, 1999), pelo que é ainda necessária investigação com vista à solução deste problema.

Conhecer o grau de parasitação das colmeias pode ser determinante para decidir sobre o momento de aplicação do tratamento. Assim, este ensaio teve como objectivo proporcionar novos contributos a uma téc-nica existente, de forma a que esta seja mais prática e menos morosa, mantendo a sua fi abilidade.

Material e métodos

Os apiários 1, 2 e 3 foram visitados na Primavera de 1998 e os apiários 4, 5 e 6 na Primavera e Outono do ano 2000. Foram utilizadas 24 colmeias procedentes

Avaliação da população de ácaros Varroa destructor a partir da sua recolha nos estrados de colmeias de Apis mellifera iberica

Accessment of the population of Varroa destructor based on its collection from boards at the bottoms of hives of Apis mellifera iberica

J. M. Flores Serrano 1, J. A. Ruíz 1, S. M. Afonso Pires 2

1 Centro Andaluz de Apicultura Ecológica. Campus Universitario de Rabanales, 14071. Cordoba - España. E-mail: ba1fl [email protected] Escola Superior Agrária de Bragança (Departamento de Zootecnia). Apartado 172, 5300-855 Bragança Codex – Portugal. E-mail: [email protected]

R E V I S T A P O R T U G U E S ADE

CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

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destes 6 apiários situados em diferentes pontos das províncias espanholas de Córdoba e Sevilha (ver Figura 1). O número de colmeias utilizadas oscilou entre 2 e 5 em cada apiário.

As abelhas estavam alojadas em colmeias de modelo Dadant com os estrados preparados com malhas metá-licas (3mm) que permitiam a queda natural dos parasi-tas, mas não o acesso das abelhas. A nível do estrado foram colocadas bandejas com cartolinas impregnadas de vaselina para recolher os parasitas que caíam de forma natural (Accorti, 1986). Estas cartolinas eram retiradas e contados os parasitas cada 4 dias (ver Figura 2). Novas cartolinas impregnadas eram colo-cadas novamente nas bandejas, tendo sido realizadas 5 repetições consecutivas em cada colmeia. Poste-riormente, as colmeias foram tratadas com Apistán® (Fluvalinato) (ensaios 1 a 3) ou com Apivar® (Ami-traz) (ensaios 4 a 6) e foram recolhidos e contados os parasitas mortos pelo tratamento nos 42 dias seguintes ao mesmos.

A relação entre os valores registados da queda natu-ral de ácaros em 5 períodos consecutivos de 4 dias (N1 a N5) e a sua soma N com a população real de ácaros das colmeias registada a partir do tratamento das mesmas, após o último controlo (Q), foram estabeleci-das por correlação linear (Stell e Torrie, 1982). Foram desenvolvidos modelos de predição do número de ácaros caídos após o tratamento por regressão linear simples utilizando como variáveis independentes a queda natural de ácaros nos cinco períodos de quatro dias estudados. Para a análise estatística foi utilizado o programa Statistica 5.0 (StatSoft, 1995).

Resultados

O Quadro I representa a queda natural de ácaros observada entre os distintos períodos de controlo.

Os coefi cientes de correlação entre os valores regis-

tados em 5 períodos consecutivos da queda natural de ácaros e a sua soma com a população de parasitas registada a partir do tratamento das colmeias, estão representados no Quadro II.

Os coefi cientes de correlação obtidos entre os dis-tintos períodos de controlo realizados antes do trata-mento das colmeias (N1 a N5) e o número de parasitas registados após o tratamento (Q), foram elevados e superiores a 0,8 (p<0,001). Esta correlação foi ligei-ramente superior quanto mais próximo ao tratamento se efectuava cada controlo da queda natural de ácaros. A correlação mais alta (r=0,958) observa-se, quando

Figura 1 - Localização dos apiários utilizados para a realização dos ensaios.

Figura 2 - Imagem de Varroa destructor sobre uma abelha melífera.

Quadro I - Resultados obtidos ao estudar em 24 colmeias de 6 apiários a queda natural de ácaros em 5 períodos de 4 dias (N1 a N5), a sua soma (Soma N), assim como a população real das colmeias registada a partir do tratamento das mesmas (Soma Q).

Colmeia Apiário N1 N2 N3 N4 N5 Soma N Soma Q1 1 314 487 385 467 534 2187 53212 1 56 47 72 115 110 400 9968 2 1 0 2 2 3 8 279 2 4 3 2 2 6 17 2210 2 3 0 1 0 0 4 2211 2 3 3 1 3 3 13 3312 2 2 1 1 0 0 4 3613 3 115 213 175 187 508 1198 558414 3 91 66 125 195 152 629 345215 3 578 683 873 1304 1618 5056 1196425 4 67 31 33 39 40 210 75526 4 0 0 3 3 1 7 3127 4 0 3 0 2 0 5 528 4 13 7 16 6 3 45 2329 5 22 20 32 22 12 108 71030 5 18 19 18 3 20 78 30431 5 12 7 7 5 28 59 46632 5 77 107 230 253 151 818 377333 5 24 12 7 122 34 199 215234 6 146 185 2 182 9 524 216235 6 190 121 84 47 33 475 113536 6 83 118 50 12 7 270 32337 6 65 54 26 148 166 459 157238 6 99 152 96 67 26 440 1497

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efectuamos o somatório de todas as repetições reali-zadas relativamente ao número de parasitas registrados nas colmeias após o tratamento (Quadro II).

No Quadro III estão representadas as equações de predição do número total de ácaros caídos após o tra-tamento das colmeias com acarícidas assim como os coefi cientes de determinação (R2) associados.

Todos os modelos desenvolvidos mostraram-se altamente signifi cativos (p<0,001). A queda natural de ácaros nos cinco períodos estudados e a soma dos mesmos (N1, N2, N3, N4, N5, Soma N) explicou 81,4%, 82,7%, 76,8%, 90,2%, 89,9% e 91,7% da variação do total de ácaros caídos após o tratamento das colmeias com acarícidas, respectivamente. No nosso estudo, em inspecções posteriores das colmeias tratadas não se observaram indícios de que o trata-mento não tenha sido efi caz.

Discussão

O parasita Varroa destructor é o principal problema sanitário da apicultura ocidental. O carácter patogénico deste parasita deve-se a uma acção directa, espoliando a hemolinfa das abelhas adultas e da criação (Büchler, 1994), e a uma acção indirecta, actuando como trans-missor de outras patologias, especialmente as do foro vírico (Puerta et al., 1990; Ball, 1996). Em qualquer caso, é necessário o tratamento das colmeias para evitar a sua morte. Por outra parte, ainda que nesta região tenha sido já descrita a dinâmica de populações do parasita com dois picos anuais, um na Primavera e

outro, inferior, no Outono, com duas zonas de menor infestação entre estes dois picos (García et al., 1995), a verdade é que são muitos os factores que actuam sobre esta dinâmica, à margem dos que são puramente bioclimáticos, como é o caso da reinfestação a partir de outros apiários próximos, ou a efi cácia conseguida noutros tratamentos prévios, etc. Todos eles induzem a que o grau de infestação varie de um ano para o outro. No entanto, a difi culdade que surge em determinadas ocasiões para conhecer o grau de infestação das coló-nias, a inércia que se chega a criar com os tratamentos, ou a falta de tempo para examinar de uma forma mais detalhada as colmeias, levam a que os tratamentos se apliquem de forma praticamente sistemática, sem aten-der à real necessidade dos mesmos.

Registar a queda natural dos parasitas nos estrados foi citado como um dado que pode indicar-nos o grau de infestação das colmeias (Fries et al., 1991). Coin-cidindo com os autores anteriores Calatayud e Verdú (1993) encontraram uma alta correlação entre a queda natural de ácaros e a população fi nal de parasitas nas colmeias. Estes autores usaram esta técnica para avaliar pequenas populações de parasitas nas colmeias. Por outro lado, no nosso estudo, esta técnica foi utilizada em populações de parasitas com elevada variabilidade (Quadro I). Estes autores correlacionaram a população de ácaros com o número de ácaros recolhidos de forma natural ao longo de 10 semanas, o que implica mais trabalho, mais tempo e desta forma, mais custos. O nosso estudo mostra que podemos reduzir o período de contagem de ácaros, caídos de forma natural, para 4 dias mantendo a efi cácia do método.

A queda natural de ácaros é um bom indicador quando tratamos de averiguar da população de parasi-tas numa colmeia. Podendo ser muito interessante para inferir sobre o grau de infestação de um apiário, e será sufi ciente realizar um único controlo da queda de para-sitas durante alguns dias para saber se devemos aplicar ou não o tratamento. Neste caso, cada período de con-trolo teve a duração de 4 dias, mas seria interessante conhecer se a alta correlação conseguida se mantém quando os controles são realizados em períodos mais curtos.

O elevado valor registado na intercepção (ordenada na origem) dos ajustes realizados entre as diferentes repetições e a população fi nal de parasitas das col-meias (Quadro III) permite deduzir que, o facto de não observarmos ácaros nos estrados não signifi ca que as colmeias estejam completamente limpas, pois poderá sempre existir uma certa população de parasitas nestas. O mesmo ocorre quando efectuamos a inspec-ção visual dos quadros, uma vez que os ácaros não são visíveis até que o grau de infestação alcance níveis relativamente altos.

A contribuição que este estudo revela relativamente aos resultados expostos anteriormente por (Calatayud e Verdú, 1993) é o facto de permitir conhecer com alta fi abilidade o grau de parasitação dos apiários, contro-

Quadro II - Coefi cientes de correlação (r) entre os valores reg-istrados em 5 períodos consecutivos da queda natural de ácaros e a sua soma com a população de parasitas registada a partir do tratamento das colmeias.

N1 N2 N3 N4 N5 Soma N Soma QN1 1 N2 0,971*** 1 N3 0,846*** 0,895*** 1 N4 0,935*** 0,916*** 0,819*** 1 N5 0,907*** 0,903*** 0,810*** 0,969*** 1 Soma N 0,961*** 0,955*** 0,863*** 0,987*** 0,983*** 1 Soma Q 0,902*** 0,910*** 0,876*** 0,949*** 0,948*** 0,958*** 1

***p<0,001

Quadro III - Equações de predição, coefi cientes de determi-nação (R2) do número de ácaros caídos após o tratamento.

Variável dependente Variável independente a b R2

Soma Q N1 188,7 19,1 0,814 Soma Q N2 301,2 15,0 0,827 Soma Q N3 212,1 21,4 0,768 Soma Q N4 507,2 9,5 0,902 Soma Q N5 684,3 7,5 0,899 Soma Q Soma N 430,7 2,4 0,917

Soma Q – total de ácaros caídos nos 42 dias consecutivos ao tratamento das colónias com acarícidas. N1 a N5 – total de ácaros caídos naturalmente (em cada colmeia) em 5 períodos de 4 dias.Soma N – Total de ácaros caídos naturalmente nos 5 períodos.

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lando unicamente os parasitas caídos naturalmente nos estrados das colmeias num curto período de tempo de 4 dias.

Agradecimentos

Esta investigação foi subsidiada pelo Instituto Nacional de Investigação Agrária, através do Programa Apícola Nacional (projectos API 98-003, API 99-007 e API 99-008), assim como pelos FUNDOS FEDER (projecto 1FD97-1061) e pela Junta de Andaluzia (Espanha) (projecto co1–053).

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SUPLEMENTO

Resumo: É destacada a acção da Sociedade Portuguesa de Ciên-cias Veterinárias (SPCV) nos domínios da Ciência e Tecnologia e na vivência profissional e cívica na vida nacional e internac-ional, afirmando-se o desejo de que seja convertida na Academia de Ciências Veterinárias, distinguindo e seleccionando os seus membros e restruturando-se para os desafios do futuro.A Ciência, nas raízes do pensamento e acção universitária, modula a formação universitária e dá-lhe expressão, ao provocar o ensino, o desenvolvimento da Tecnologia, a cultura da quali-dade e a aprendizagem pelo aluno, mais do que o facto de ser ensinado. A Universidade recria a sua imagem no meio e preo-cupa-se com a empregabilidade de quem forma. Abre-se ao Meio e com ele, ou nele, provoca o desenvolvimento com um sentido humanista no estar. As questões colocam-se: ensinar para quem, com quem, onde, quando e para quê? O estudante deve ser solicitado e estimulado a participar na sua auto formação (self-learning), dispondo de um currículo que lhe ofereça disciplinas optativas. O programa curricular, contrariamente ao que é tradi-cional, deve estruturar-se na base de menos créditos de ensino formal e mais de self-learning. Há que realizar a mudança de comportamento. A Universidade forma um profissional académico e daí se considerar sempre a boa formação em ciên-cias básicas pelo aluno. A internacionalização do Ensino torna-se indispensável no espaço europeu, criando a European Higher Education Area pela acreditação de graus e créditos e aceitação da mobilidade europeia dos estudantes, fazendo a Europa dos estudantes. A auto-avaliação permanente e a avaliação externa com indexação solicitam uma Universidade autónoma e são acções indispensáveis para afirmar competitividade e qualidade (cultura da qualidade) e confirmar a sustentabilidade. Para além de formar um graduado e pós-graduado a Universidade actuali-zada deve facultar ao Meio pacotes de formação que actualize conhecimento (life long learning) e promova especializações. “Há que criar talentos e depois realizar o nosso potencial”. O financiamento da Universidade tem de ser considerado também, como um serviço a prestar pelo Estado que deve ir ao encon-tro da excelência de quem forma e como forma, desejando-se a diversidade de apoios no sistema de educação superior. A Universidade ao fazer ensino, provoca a aprendizagem e pro-move educação, tem como principal missão procurar formar a

mentalidade académica e profissional e realizar o Homem. A Universidade forma candidatos a cientistas. Portugal necessita, urgentemente, de definir os grandes princípios que enraízam o sistema educativo nacional, recriando democraticamente e sem perdas de tempo, face às exigências para a mudança, acordos de regime, assumindo sempre uma atitude tão simples como esta: seleccionar aptidões e comportamentos na abertura a todos. Há que, desfazer equívocos, sentidos na sociedade portuguesa sobre selectividade e ensino-aprendizagem se quisermos libertar-nos da asfixiante situação actual. Só a mudança de mentalidade tranquiliza o Futuro!A Formação Veterinária deve procurar, em modelo de banda larga, desenvolver aptidões no 1º graduado para a clinica, defesa da saúde animal, epidemiologia das doenças plurifactoriais, inspecção e defesa da saúde pública, produção animal e Tec-nologia dos produtos de origem animal. A especialização que se lhe segue permitirá escolher a aptidão e concentrar nela a formação mais precisa. A motivação do aluno solicita várias formas pedagógicas e curriculares ao o formar, havendo a necessidade, como ensino universitário que é, de o motivar para a metodologia científica. A organização curricular e sua regu-lamentação devem permitir a auto-aprendizagem do aluno em Veterinária, formando o cientista, o homem e o profissional. A formação científica básica sólida é garantia para fazer face a evolução temporária do mercado pelo domínio do conheci-mento, adaptando-se às várias circunstâncias daquele, face às aptidões de mentalidade adquiridas durante a Formação Vet-erinária. A Formação Veterinária deve ser considerada como uma das mais dispendiosas formações universitárias e para isso deve dispor de meios e facilidades que objectivem a qualidade desta formação.

Summary: The Portuguese Society for Veterinary Sciences (SPCV) has played an important professional and civic role in the fields of Science and Technology in Portugal and abroad. For these reasons, this society should be converted into the Academy of Veterinary Sciences, an academy which distin-guishes and selects its members and restructures itself to face future challenges. Science, at the basis of thought and University activity, shapes University training because it triggers the teaching of science, the development of technology, the environment cultivating of quality and the learning process, something that is much more than just being taught. University recreates its image in its and is concerned with the employability of those it trains. The University opens itself up to the SOCIETY and along with it is responsible for a greater sense of being. Some aspects are

Ciência e Tecnologia e Ensino Universitário: Enquadramento da Formação Veterinária1

Science, Technology and University Educatiom: The frame of Veterinary Training

Apolinário Vaz Portugal*

Estação Zootécnica Nacional, 2005-048 Vale de Santarém

R E V I S T A P O R T U G U E S ADE

CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

1 Este trabalho foi a base da exposição oral da Conferência Inau-gural do Congresso de Ciências Veterinárias 2002, organizado pela SPCV para celebrar os 100 anos de vida da Instituição.

* Jubilado

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RPCV (2002) SUPL. 120: 67-88SUPLEMENTO

put on the table: who to teach, with whom to teach, where to teach, when to teach and why? The student must be invited and stimulated to participate in his/her self-learning process through a curriculum that offers optional courses. Contrarily to what is traditional, the curricular programme should award less credits through formal teaching and give more emphasis to self-learn-ing. A change in behaviour is urgent. The University trains an academic professional and thus always considers good training in basic sciences. Europe needs a European Higher Education Area where degrees and credits are awarded and where student mobility throughout Europe will make a Europe for students a reality. Constant self-evaluation and external evaluation with an index need an autonomous University and are essential to affirm competitivity and quality (cultivating a sense of qual-ity) and confirm sustainability. Besides training graduates and post-graduates, an up-to-date University should offer follow-up training programmes (life long learning) and promote speciali-zations. “Skills must be developed and then our potential must be put to work”. Financial support given to Universities should be ensured by the State, which should try to guarantee the excel-lence of those it trains and how it trains them, without forgetting that diversity in the higher education system is also desirable. In teaching, the University triggers learning, promotes education and has a main objective, which is to shape the academic and professional mentality and improve man. University prepares future scientists. Portugal urgently needs to define the main principles, which are the foundation of the national educational system and democratically recreate accords of regimen in order to face the demands of change. A simple attitude is all that is needed: select aptitudes and behaviours among everyone. Doubts expressed by the Portuguese society regarding selectiv-ity and the teaching-learning process must be cleared if we want to break free from the suffocating present situation. The Future depends on a change in mentality!In broader terms, veterinary training should assist the student in developing aptitudes in clinical work, defence of animal health, epidemiology of multifactorial diseases, inspection and defence of public health, animal production and technology of animal origin products. The specialization, which follows this first phase, will allow the student to choose an aptitude and concentrate on more specific and professional training. Teaching methods and curricula regulates student motivation, and University education has the obligation of motivating the student towards scientific methodology. The curricular organiza-tion and its regulations should allow the self-learning process of the veterinary student, thus preparing the scientist, the man and the professional. A solid scientific training background and knowledge obtained during veterinary training both guarantee success in facing the temporary evolutions of the market. Vet-erinary training is one of the most expensive and should have the means and support to ensure its quality.

1 – Os cem anos da Sociedade Portuguesa de Ciências Veterinárias (SPCV)

Ao assumir cem anos de vida vivida, a SPCV pode, com justiça e recordação, pesar a sua influência na vida científica nacional e na vivência profissional e cívica da Veterinária, Ciência e Tecnologia ao serviço do país e da sua expressão nacional e inter-nacional. Presto-lhe a minha sentida homenagem e agradeço a oportunidade que nos foi concedida de publicamente, lhes afirmar a honra que nos confere, de entre tantos, ser mais um a confirmar a minha For-mação Veterinária e o vínculo ao seu ideário, sem

apegos corporativistas, mas ligado à competitividade da competência.

A data de 1902 formaliza a criação da Sociedade e revela o esforço de profissionais, que atentos à afirma-ção e evolução da Veterinária, vivida no seu sentido mais amplo, procuraram organizar-se para, juntos, darem expressão à suas identidades, académica e pro-fissional.

Nasce, em 1902, a Sociedade Portuguesa de Medi-cina Veterinária. Distingue-se, no esforço realizado desde 1884, a carta / convite endereçada, na altura (17 de Março de 1884), a todos os médicos veterinários a motivá-los para a criação da sua Sociedade (Braz, 1988). A profissão sentia que a sua força académica e tecnológica se reforçava ao criar a sua Sociedade, onde a afirmação e evolução dos conceitos das ciências veterinárias seriam analisados, permitindo participação e afirmação na sociedade civil.

Sentindo a expressão dos conceitos temáticos e profissionais da Veterinária e com respeito pelas suas diversas sensibilidades, face à evolução do pensa-mento científico, em 1952, ao comemorarem cinquenta anos, modificam o seu nome e dão mais verdade às definições do enquadramento académico-profissional da Veterinária, designando-a de Sociedade Portu-guesa de Ciências Veterinárias. Dá-se assim mais verdade aos objectivos que caracterizam a Formação Veterinária e aos consequentes mecanismos de actu-ação profissional. Que lição nos legaram à cinquenta anos e que responsabilidades nos fizeram herdar! Em momento menos feliz (1989), lamentamos e comba-temos, que a nossa Escola, em Lisboa, única escola Veterinária universitária, no tempo no País, não tenha adoptado a designação de Faculdade de Ciências Vete-rinárias, quando modificou a designação de Escola para Faculdade. Seja-me permitido este desabafo que situa a nossa posição e explica o nosso comportamento e vivência com os problemas da Faculdade, a partir dessa data.

Desde os seus fundadores (1902) assim determinado, a SPMV e a SPCV deram e dão ao mundo, conheci-mento do que somos e do que fazemos, através da sua Revista, onde publicar era e é uma honra e uma oportu-nidade de obter referência: A Revista, das mais idosas do país é indexada a nível internacional e mantém larga e proveitosa permuta.

Destaco, ao longo dos anos e em anos vividos a preocupação da SPCV na sua ligação ao ensino uni-versitário e à Formação Veterinária em especial, contribuindo para que o prestígio de quem ensina, fazendo e de quem aplicando estuda a melhor forma de ir ao encontro formativo das necessidades das ciên-cias veterinárias, fazendo aprender. No ensino, como sempre, está a raíz da dimensão profissional e o sentir da expressão académica que nos integra na Sociedade Portuguesa de Ciências Veterinárias, sociedade cria-tiva e não corporativa. A defesa da acção da profissão Veterinária está ligada a outros órgãos representan-

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tes da nossa profissão, a fazerem a defesa da mesma, sendo esta, necessariamente, mais corporativa. Surgem, assim, a Ordem e o Sindicato que em busca de uma postura, moral e de conduta profissional, se integram, obviamente, no exercício do código de bons costumes na sociedade envolvente.

À falta de presença da área das ciências veterinárias, na nossa Academia de Ciências, o que se lamenta, a SPCV preenche esta lacuna e deve organizar-se melhor para constituir a nossa Academia Nacional de Ciências Veterinárias, recreando o espaço, onde afirma a evolução das ciências veterinárias e presta homena-gem aos acontecimentos da afirmação Veterinária, criando um estatuto selectivo (cultura de exigências e afirmação de qualidade). Deve contudo estabelecer um diálogo frutuoso com a Academia de Ciências, onde seria desejável a representatividade na afirmação do conhecimento científico, trazido pelas ciências veteri-nárias. A vida científica, tecnológica e cultural de Por-tugal solicitam-no, valorizando, no tempo próximo, o acerbo de conhecimento científico e tecnológico que a SPCV representa. Este um apontamento que lanço nos 100 anos da nossa Sociedade, distinguindo uma “área dos saberes, com saber”, que são as ciências veteriná-rias em Portugal, enriquecidas com toda a dimensão de conhecimentos de excelência que se obtiveram no então ultramar português. A nossa Sociedade, verda-deira academia de pensamento e acção, seria o ponto de cruzamento interdisciplinar que provocasse acções interactivas na rede “investigação, formação, profissio-nalização, desenvolvimento, empresa e consumidor”. Cumpriríamos a nossa missão e acompanhávamos a evolução.

Com esta nota, introdutória, exprimo o meu agra-decimento pela acção desenvolvida e preocupação sentida da SPCV, ao longo do seu primeiro “cem anos” de vida. Soube ser evolução, neste “cem anos” de vida, marcando o seu pensamento. Pena não ter sido mais apoiada pelos que se ocupam com a Veterinária, pensamento e acção, afirmando, continuadamente, a nossa Sociedade como “Academia Veterinária”! Aqui viemos, aqui estamos a afirmar a fé no futuro, que tem de ser, responsavelmente, construído por nós. O Congresso (Congresso de Ciências Veterinárias, 2002) organizado pela SPCV é a constatação e afirmação de uma Ciência Veterinária nacional a merecer referência. Honra e glória para quem a organizou, constituindo uma forma notável de comemorar cem anos de vida e que justificam este trabalho.

2 - A Ciência nas raízes do pensamento e acção da Universidade

Ao desenvolver este vasto e desafiante assunto pro-curaremos apenas, entre muitos, tratar aqueles aspectos que nos merecem maior preocupação e que definem o nosso estado de sentir a Formação Universitária,

enraizada no ensino da Ciência, no Desenvolvimento da Tecnologia, na cultura da qualidade e na aprendi-zagem mais do que no ensino formal do aluno, este corresponsabilizado, cada vez mais, na sua formação universitária. A cultura de avaliação do que faz, como faz e para quem faz deve permitir a evolução, exibir a diversidade e mensurar a genuinidade e a afirmação da Universidade.

2.1 - A Ciência e a sua evolução cultivam a forma-ção universitária e fomentam a aplicação tecnológica, sendo a procura da verdade a razão da Universidade. «A Universidade vive de património, da história da tradição acumulada e do método experimental reno-vado» (Grilo, 2000). A Universidade criou Ciência e, com ela ou fruto dela, organiza-se. A Universidade está na base da Ciência e Ciência gera conhecimento e apoia e fundamenta a Tecnologia.

O conhecimento vincula o Homem à faculdade que o distingue e a uma disponibilidade que o vocaciona para o saber, o saber escolher e o saber aprender a fazer. A aquisição do conhecimento pressupõe deter-minação e esforço e realiza-se numa entrega plena do Homem ao seu destino. “Todos os homens por natureza desejam conhecer” (Aristóteles). Exige-se aprendizagem, lançam-se as vias objectivas e acom-panhadas da formação. Como no provérbio chinês “ser amigo de aprender é estar à porta do conhecimento”. O conhecimento permite caminhar para o Desenvolvi-mento. Que Desenvolvimento? Aquele que o Homem motivado para servir o usa, com um sentimento huma-nista e não apenas economicista, recriando a cultura, animando as relações “entre pares”, praticando a soli-dariedade e organizando o seu acompanhamento, em regras de disciplina de avaliação e de ética. O desen-volvimento procurando o Homem garante a paz.

A Ciência é horizonte de capacidade dinâmica do Conhecimento, da sua complexidade e abertura, inte-grando o fruto da curiosidade e o domínio da funda-mentação, na segurança de transmitir, na aspiração de convencer e na motivação de ensinar fazendo aprender. Ciência alumia o Mundo! (Vaz Portugal, 1990).

A Ciência constitui um sistema de conhecimentos, sempre inacabados, que gera, por paradoxo que pareça, “mitos científicos” nas sociedades de informação con-temporâneas (Moscovici, 1976). Gera informação e solicita formação por forma que se teste a teoria em factos. O Conhecimento científico ao identificar o factor, explica-o, sistematiza-o e relativiza-o, contra-riando o Conhecimento empírico! Por isso a transmis-são do Conhecimento, para quem usa a informação, deve ser cuidada, objectiva e fundamentada por forma que se recrie a imagem desejada da Ciência e sua, permanente e enraizada, evolução de princípios, de destinos e de práticas. Há que procurar evitar défices de comunicação inter e transdisciplinar formando a opinião na sociedade de informação e comunicação. A formação da opinião pública sobre Ciência é uma

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atitude criativa, pois visa a conquista de audiência e explica e projecta a evolução.

A Ciência, ao produzir sempre conhecimento, des-tina-se a fazer compreender o mundo que nos rodeia e a resolver os nossos problemas, justificando o desen-volvimento tecnológico que nos proteja na evolução, nomeadamente nas áreas biológicas e nos garanta a sustentabilidade mais solidária do estar no planeta. Ensina-nos a sentir a necessidade de aprender para satisfazer a nossa curiosidade! Como dizia o físico, prémio Nobel, Leon Cooper, a Ciência através da sua prática, a investigação científica, ajuda-nos a «desco-brir como o mundo trabalha». Dirige-se ao Homem e centra no humanismo que deve cultivar, a formação do Homem desejado. Usa a competência (o que pode fazer), exerce o que de facto faz (exercício profissio-nal) e exprime a sua vivência cívica como se enquadra na sociedade (comportamento do cidadão). A vida pressupõe avaliação, determina as fronteiras da relati-vização e solicita o enquadramento!

2.2 - Nos fins do século XII a Universidade, her-dando toda a experiência da organização colegial na formação, era uma cooperação privilegiada de mestres e alunos com origens teológicas que a ligam à Igreja. Conferia o direito de ensinar, facultava graus e ofere-cia referência. Era uma sólida organização humanista, esta característica indispensável do genuíno sentido universitário. Atentemos nos princípios que orienta-vam a Universidade de Bolonha, a que parece ser a mais antiga das Universidades, como tal, no mundo (1106 - 1120). Começa-se já nesse tempo, a verificar a confrontação entre o conhecimento fundamental, a procura da verdade, a criação de um espírito cultivado e o desejo de se aprender para a profissionalização. Pressupunha logo avaliação, porque motivava por si a livre escolha e decisão e, curioso, era já dotada de um sentido internacional no estar, pois desde 1245 se instalava a internacionalização do saber, e do conhe-cimento. França, Inglaterra, Alemanha e Suécia esco-lhem o Reitor, chefes temporários da Universidade, para dirigirem as suas Universidades e procuram já estrangeiros para desempenharem estas funções. Já no século XII havia o sentido e a distinção universal do saber, buscando-se a competência, conceito que integra conhecimento e habilidade ou aptidões para desempenhar uma função. No final do século XVIII, constata-se que a revolução científica baseada na Ciência experimental, modifica o ensino nas Univer-sidades, procurando, através do método experimental obter um maior objectivo prático. O começo do século XIX, com a reforma Humboldtian, estabelece a liga-ção íntima entre ensinar e progresso científico (Ruegg, 1996). Por outro lado, a Universidade é a garantia da tradição humanista na Europa

A Universidade ao cultivar e ensinar Ciência e fazer aprender como se faz Tecnologia, inscreve-se nas preocupações do desenvolvimento sustentado e

obviamente orientado. Inscreve-se nos desígnios “to offer the best to the best”, sendo acessível a todos que se devem qualificar para entrar no sistema do ensino superior (abertura na procura, mas aplicando regras). A evolução do conhecimento e a sistematiza-ção da sua aplicação geram, a partir do século XVII, o aparecimento das Universidades Tecnológicas, concebidas na abertura a novos saberes, com prejuízo, infelizmente, da importância da cultura humanística e do espírito. Em Portugal aparece em 1930 a nossa Universidade Técnica de Lisboa, desafiando a for-mação na aplicação do saber, assumindo um desígnio tecnológico ou mais profissionalizante. O alargamento do conhecimento e da especialização da sua aplicação conduzem, nos finais do século passado e no século que vivemos, a se enfrentar novos desafios. Afirma a Confederação de Reitores Europeus, na conferência de Bonn, 1994: “Os desafios do século XXI podem ser somente encarados se as Universidades e institui-ções de educação superior forem capazes de preencher as suas responsabilidades em educar e treinar uma elevada percentagem de jovens, ao lhes facultarem investigação e desenvolvimento tecnológico para expansão do conhecimento”. Devem oferecer, perma-nentemente, educação contínua, permitindo assim a actualização da informação e o acompanhamento do desenvolvimento científico, assegurando o desenvolvi-mento da sociedade, respeitando a diversidade de cul-tura e evitando nacionalismos que ameaçam a tolerân-cia, a solidariedade e a paz. A Universidade assume, no desempenho de suas funções, muitos e variados desafios (Transnational Education Project Report and Recomendation, 2001).

2.3 - A ligação da Universidade ao Meio, torna-se uma necessidade, tornando a missão da Universidade mais objectiva e justiticável . Ao formar, a Universi-dade deve cuidar da situação e evolução do mercado que emprega os seus formandos, que se treinaram durante a sua formação a identificar e definir pro-blemas e a tentar resolvê-los, sempre com cobertura científica.

A “empregabilidade” é novo conceito que deve pre-encher os objectivos da formação no Ensino Superior. A Universidade deve reagir a estímulos de mercado. A Universidade não pode desligar-se do mundo do emprego, situação bem animada na Declaração da Sorbonne (1998) e na Declaração de Bolonha (1999). Mas a Universidade não pode ficar apenas presa a esta nova situação.

Por isso toda a conquista pressupõe o envolvimento do Meio na sua obtenção. O Meio constata-a e exem-plifica-a. Nas preocupações destes objectivos, ensinar/aprender, deve estar a penetração da Universidade nas estruturas culturais e sócio-económicas do Meio. Ensina-se para quem, com quem, para quê, onde e quando. Daí a Universidade se ligar à modificação da mentalidade e promover a qualidade, sendo agente

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mobilizador do desenvolvimento do meio que a cerca. Dando sentido alargado no estar, a Universidade ultra-passa a sua visão regionalista e coloca-se como agente da manipulação do conhecimento no mundo. Por isso deve usar de outro dinamismo por forma a correspon-sabilizar-se na formação da sociedade de referência. Deve ter uma visão prospectiva em relação ao Meio e, embora com ele, procura definir e dimensionar polí-ticas que a responsabilizem pela sua visão de futuro. Falha por outro lado, se, como missão, ao produzir um graduado, não seguir a sua trajectória, analisando esta, para retirar ensinamentos e orientações. Daí a abertura da Universidade ao Meio, criando o seu “observatório de dados”, permanentemente colhidos e analisados. Só assim se faz a reforma alicerçada em conhecimento do Meio. A Universidade, insiste-se, não pode contudo deixar de ter uma visão prospectiva da evolução da Ciência, da Tecnologia, do ensino e da aprendizagem deixando, apenas aos outros, as iniciativas. A Univer-sidade é iniciativa e pólo constante de insatisfação. Por isso entusiasma-se com as modificações a operar no Meio e investe a sua credibilidade nesta respon-sabilidade. Fechada sobre si (fábrica de licenciados) morre, no tempo, de morte lenta e agonia dolorosa! “É conveniente deixar claro que o Ensino Superior não se define subordinado ao mercado, por que não pode ser dispensado nem das responsabilidades de antecipação, nem das intervenções que lidam com saberes e valores afastados dos condicionalismos económicos”.(Moreira, 2000).

É ameaçadora e sempre previsível a mercantilização da Ciência, da cultura e da Tecnologia a que a globa-lização e mundialização dos mercados e do estar pode conduzir. Há que estar atento a estas movimentações e evitar que soprem ventos inadequados, mas apetecíveis à forma de estar da Universidade, pois a procura da verdade é a essência da função universitária e o sen-tido humanista no fazer aprender o desafio, devendo estar sempre disponível a considerar e reflectir sobre mudança e tomada de opções. A Universidade é investimento e torna-se, assim uma peça fundamental de intervenção na sociedade, onde recria e justifica as suas funções, nascendo a ideia que ela terá de dar contas à sociedade (avaliação). A Universidade cria e recria a sua imagem, e, mais do que “oferecer” lugares a estudantes e professores, “dimensiona a procura” que dela fazem, quem dela necessita, quer o aluno que deseja nela aprender a formar-se, quer a empresa a pedir consultoria, potencial de trabalho e competên-cia. Nas preocupações da Universidade e mesmo do sistema educativo há que formar uma capacidade ino-vadora, assumir responsabilidades e activar a cultura da competitividade (Joint Declaration of the European Ministers of Education, 1999).

2.4 - O investimento no estudante é o investimento no futuro. Ao receber o estudante que deve seleccionar ou procurar, a Universidade deve, cumprindo princí-

pios de uma formação de base científica sólida, pre-parar o académico-profissional, deixando para outras vias do ensino superior a formação do profissional “tout court”. No sistema binário português deve pro-curar-se a complementaridade entre os dois segmentos do ensino superior, Universitário e Politécnico, por forma a que o aluno saiba conciliar-se com a escolha que fez e que, necessariamente aberta a todos, tem limitações, provenientes das exigências que se devem colocar à sua aceitabilidade. Há que orientar a relação entre o Ensino Universitário e o Ensino Politécnico e que afirma a diferente identidade, mas com dignidade igual (Moreira, 2000). Falta realizar, a nível nacional, a complementaridade em rede de interesses, entre Ensino Politécnico e Ensino Universitário, abrindo e, não repetindo, a continuidade de acesso a graduações selectivas, localizadas em instituições com objectivos diferenciados. O aluno deve procurar e afirmar a sua opção, responsabilizando-se na escolha diferenciada que assume e que lhe não deve ser imposta ou a ela conduzido por circunstâncias várias. Esclareça-se que, apesar de ser altamente selectivo, no Ensino Universi-tário não deve haver estudantes excluídos por razões financeiras, administrativas, burocráticas e sociais, mas apenas pelo aprofundamento de condicionantes na aplicação da selecção de motivações e comportamentos escolares. Todos devem ter acesso ao ensino superior baseado no mérito e capacidades individuais (World Conference on Higher Education, 1998), assegurando princípios contidos na Declaração Universal dos Direi-tos Humanos e na Convenção contra a Descriminação na Educação. A socialização do ensino superior é uma obrigação e a forma de eliminar a exclusão uma determinante, mas há que provocar a selecção e rea-lizar a qualidade (Council Recomendation, 1998). A organização curricular deve buscar uma preparação básica bem estruturada e que permita ao aluno a base de conhecimentos dos fundamentos dos mecanismos que aplica. Defende-se, a diversidade e originalidade na formação e organização do currículo, pois estas são, seguramente, uma forma de competir e testar a procura que se faz aos serviços formativos da Instituição, o que representa elevada qualidade (OCDE, 1987). Há que dotar o aluno de ideias e preparar o seu comporta-mento por forma a enquadrar-se em trabalho de equipe, desenvolvendo as suas capacidades de iniciativa e liderança. Face à massificação da Universidade, para que se caminhou, infelizmente (ultrapassou-se a capa-cidade de relacionamento entre pares), há que apren-der a saber pilotar a formação nestas circunstâncias, envolvendo o aluno na aprendizagem (self learning). Tanto como o ensinar há que fazer o aluno aprender, corresponsabilizando-o nesta atitude. Para isso há que motivá-lo, integrando-o desde o início do curso que segue, em actividades que o sensibilizem para a voca-cionalidade do que escolheu. Integrá-lo em estágios curriculares ao longo do curso e na identificação de um problema e acompanhamento na sua solução, induzem

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o aluno a pensar e a relativizar o conhecimento. Mais do que se ensinar há que valorizar o que se aprende (Philip e Camp, 1990). Para atingir este envolvimento, deve procurar-se, maior obtenção de créditos na apren-dizagem, dando ao aluno a possibilidade de o fazer (International Seminar ou Credit Accumulation and Transfer System, 2000). O aluno universitário deve aprender a decidir, desenvolvendo a sua capacidade de análise e síntese e evitando o recurso à memorização sem interligações, em que tantas das vezes se funda-mentam os mecanismos de avaliação que, por força de circunstâncias várias, se desenvolvem. Conhecer o aluno é já em si um motivo de avaliação!

O princípio básico na educação universitária é formar e avaliar um graduado que domine os princí-pios básicos em que assentam as solicitações de aplica-ção. Identificar problemas, analisar a situação do pro-blema, medir as circunstâncias em que se desenvolve o problema e propôr soluções são aspectos essenciais na formação do estudante. Ao aluno deve proporcionar-se a informação, colhida em várias origens, procurando-se que aprenda a analisar, avaliar e criticar a infor-mação por forma a “formar a sua opinião”. Enfim, o aluno deve “aprender a aprender” (Grenier, 1987) ou seja, o estudante universitário é conduzido a participar activamente na sua própria educação (EAEVE , 1990). Ao fazer a primeira citação proveniente da European Association of Establishements of Veterinary Educa-tion, saúdo o Prof. Tito Horácio Fernandes que para honra do país e referência para a Veterinária portu-guesa é Presidente solicitado desta Associação.

Há que dotar os jovens que saem da Universidade, de grande capacidade de adaptação à evolução cientí-fica e tecnológica, à metodologia científica, à criativi-dade, à mobilidade, à flexibilidade, à capacidade de iniciativa em trabalho de grupo e à aprendizagem de liderança.

Considera-se assim, e em síntese, que mais que ensinar há que procurar os vários mecanismos que conduzam o aluno a aprender e a auto-responsabilizar-se pela auto-formação (Students Goteborg Convention, 2001). Ao ensinar o professor deve procurar sempre preocupar-se com o que o aluno aprende, conjugando (o que se ensina, o que se aprende e o que se avalia), acompanhando-o na pesquisa e no hábito de procurar a informação que o habitue a enriquecer a sua capaci-dade de opinar, decidir e referenciar.

Deve a composição do currículo facultar a oferta de disciplinas que formem o Homem e enriqueçam a sua cultura e comportamento cívico. Aprende na Univer-sidade a tornar-se académico, cidadão e profissional (formar o homem cidadão). Diríamos mesmo que um currículo universitário, numa primeira graduação, deve ser suficientemente geral, com consistência conceptual, garantindo aos graduados competências e aptidões fle-xíveis com uma base cultural, humanista e cívica desa-fiantes. Tem de formar, em todas as circunstâncias, o cidadão.

A criação de um sólido saber, através do domínio de ciências básicas e fundamentais por forma que a aplicação esteja bem aplicada e apoiada e permita, com segurança, o se saber escolher o que fazer e como fazer. Cria-se a mentalidade de um profissional acadé-mico que resolve os problemas, sabendo identificá-los, sugerindo as possíveis soluções e assumindo a res-ponsabilidade da acção. O emprego é cada vez mais, menos estável, mesmo em domínios específícos, e como consequência, também, de avaliações permanen-tes, origina mudanças de orientação ao longo da vida, o que exige, sublinhe-se, boa preparação científica de base e formação permanente. Em todas as circuns-tâncias e cenários universitários o principal objectivo da formação universitária é a formação básica do estudante, motivando-o e entusiasmando-o para a aquisição do “saber explicar” (aprender a comunicar) e “saber entender e fundamentar” o que virá a fazer, quando aplicar. Em cursos que desenvolvam tecnolo-gias de aplicação e que sejam largamente solicitados a praticar, caso do ramo agrícola, deve evitar-se fixar o ensino apenas na aprendizagem teórica de métodos de aplicação, o que conduzirá o aluno, necessariamente, a adquirir, passivamente o domínio do conhecimento. Deve incorporar-se no ensino o hábito de fazer o aluno aprender pela descoberta, pela procura de informação, pela análise, pelo domínio do inquérito e pela confron-tação com o problema real. Procura-se assim envolver o estudante nas actividades a que de futuro vai ser cha-mado a tomar decisões. A educação não pode ser dada; tem de ser obtida. Segundo Galileu “não se pode ensi-nar tudo a um homem. Pode-se apenas conduzi-lo a encontrar o todo por ele”. Ensina-se o aluno a aprender e a praticar; o aprender já é uma prática (Vaz Portugal, 1993). Em todas as circunstâncias, o principal objec-tivo do ensino é a motivação e todas as preocupações pedagógicas devem ser assumidas para que o aluno se sinta bem ao realizar as suas tarefas de aprender, nomeadamente, quando e durante a sua formação básica, o que faculta uma nota de grande qualidade do ensino universitário. Só se ensina motivando e só se motiva entusiasmando!

A maior motivação para a Ciência e Tecnologia leva necessariamente a aumentar no público a sensibi-lidade para a formação, compreensão e cultura cientí-fica e tecnológica. Há que receber no Ensino Superior, bem motivados e qualificados alunos (second best is not good enough). Há que preparar a gente do futuro promovendo, com sucesso, a compreensão pública da Ciência e Tecnologia, formando esta mentalidade e habituando todos os actores no processo a saberem comunicar e relacionarem-se. Como se afirmou, o estudante deve ser ensinado a aprender a comunicar. Por outro lado e para enraizar nele a sensibilidade científica, o estudante universitário deve ser envolvido nas actividades de investigação científica (base do estar do ensino universitário), através de actividades em pro-jectos em curso, incorporando-o no sentir das equipes

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de ensino e investigação que partilham a responsabi-lidade de o motivar. Os parques científicos e tecnoló-gicos são verdadeiros campus motivadores do aluno. São um meio para se atingir este fim. Daí, desde 1972, nos encontrarmos a defender a existência na Estação Zootécnica Nacional, órgão de um Laboratório do Estado, convertida em campus científico e tecnológico, de um pólo da Escola, depois Faculdade de Medicina Veterinária. O dia chegará! Motivar e integrar o aluno no meio científico, tecnológico e empresarial são o desafio.

Há que criar talentos; depois realizar o nosso poten-cial (White Paper on Science and Technology, 1992). Nenhum jovem deve sair do sistema educativo sem noções básicas das ciências e Tecnologia, sem uma competência e uma qualificação. É desejável provocar o envolvimento do estudante nas decisões e na reflexão permanente do comportamento e evolução do sentir universitário. Os estudantes devem estar presentes na “decision making” (Students Gotteborg Convention, 2001).

No século da produtividade há que haver a todos os níveis maior exigências profissionais na educação, dando a todos os níveis de ensino, saídas profissiona-lizantes. Será sempre desejável que a formação uni-versitária selectiva e diversificada, porque é autónoma, conduza à oferta de jovens investigadores ou futuros profissionais com elevada sensibilidade para a metodo-logia científica (Releasing our Potential, 1993). A Uni-versidade, educação de elite, cumprirá a sua missão ao fazer a gestão da qualidade.

2.5 - A Universidade deve estimular a sua abertura nacional e internacional e abrir-se a um espaço mais amplo de reconhecimento, acreditação e mobilidade de emprego (graus, créditos e acreditação). Assim o apelam, face ao objectivo final, emprego na UE, a Con-venção de Lisboa (1997) e a Declaração da Sorbonne (1998), reafirmadas e avançadas pela Declaração de Bolonha (1999), Convenção de Salamanca (2001) e Conferência de Praga (2001) ao procurarem lançar e criar a European Higher Education Area. A mobilidade na procura de emprego no espaço comunitário e euro-peu, gerando a livre circulação, solicitam outra forma de, no caso do Ensino Superior, se estar na preparação e aceitação desta abertura que é movimentação, respei-tando a diversidade no formar e assumindo a compe-titividade no estar. A responsabilidade acrescida das Universidades, face ao emprego dos seus graduados, não as podem desligar do mundo do emprego, preo-cupação, que deve ser objectivo, a preencher a vida da Universidade. “As instituições do ensino superior vêem a empregabilidade de seus graduados como um importante desafio e uma necessidade” (Wachter, 1999). Exprime-se, nos desejos da Europa das Nações, a liberdade com responsabilidade (dar contas de), a solidariedade, o emprego, a mobilidade, a compatibili-dade, a qualidade e a competitividade. Ao se alargarem

as fronteiras do pensamento e acção, figura-se-nos que temos de começar a falar de Educação Superior Transnacional, investindo esta em novos graus, redes e patamares de entendimento. É desejável procurar-se que os graus obtidos num País preparam o graduado para o emprego no mercado europeu. Necessariamente que tais movimentos pressupõem reconhecimento de qualificação e mesmo competências, não destruindo a autonomia e a diversidade na forma como se forma para competir. Há que criar um espaço de convergência europeia para sentir a Europa das Nações, à procura de uma cooperação política organizada, como o expressa Giscard d’Estaing. Há necessidade de estabelecer algu-mas indicações de equiparação, como o tempo gasto no ensino e aprendizagem, instituindo o Sistema Europeu de Transferência de Créditos (ECTS, que considera a transferência e acumulação de créditos, obtidos a partir de diferentes níveis e fases de formação). Deve, por outro lado, considerar-se, obviamente, o problema e conceito de reconhecimento de graus de formação aca-démica, que conduzirão à acreditação dos mesmos nos países membros (Lisbon Convention, 2000). Insiste-se que se defenda, sempre, a diversidade de formação. A mobilidade e a aceitabilidade do tempo gasto (medindo o trabalho do estudante na aprendizagem – work load) na realização de estudos pelos alunos no espaço euro-peu e transnacional são uma forma de testar qualidade académica e devem procurar harmonizar patamares de desenvolvimento institucional, tornando-nos mais comparáveis para sermos competitivos. A cooperação torna-se, a nosso ver, indispensável, surgindo redes, parcerias, consórcios e articulações a acentuarem a organização da evolução e mesmo inovação na forma-ção em Ensino Superior sem fronteiras.

O desenvolvimento transnacional do ensino superior, para onde caminhamos, e a mobilidade exigem, ao estabelecer os acordos, a criação de redes, o reconhe-cimento e a validação de diplomas, qualificações e cré-ditos. Há, necessariamente, que disponibilizar fundos para suportar, adequadamente, esta atitude transnacio-nal. Estamos todos empenhados em criar a geração de futuros europeus, trazendo já, a Europa aos estudantes. Estamos todos empenhados em fazermos a “Europa dos Estudantes”. Sente-se, no espaço europeu, a necessidade de distinguir a qualidade, face à competi-ção com outros blocos como, Estados Unidos, Japão e outros países da Ásia. “O caminho se faz andando” na expressão de António Machado. Há que desenvolver um sistema, baseado no reconhecimento, na transpa-rência, na confiança e na flexibilidade. Alguém diria que se exige um “Código de Boas Práticas” a aplicar a esta educação sem fronteiras, para evitar o se gera-rem fluxos de interesses variados e descontrolados. A procura da qualidade pode gerá-los, como a competi-tividade pode determinar situações difíceis! Exige-se uma visibilidade e compatibilidade das qualificações europeias e uma qualidade na forma de formar! Deixa-se em espaço mais alargado o desafio de como, a quem

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e onde se forma, conjugando o dever de ensinar com o esforço de aprender. Surge-nos a questão que vamos deixar à vossa consideração. Que espécie de graduados e cidadãos se deseja? A resposta determinará a orienta-ção para o ensino universitário.

As Universidades portuguesas, face ao desafio alar-gado, transfronteiriço e transnacional, devem antecipar mudanças que de outras formas podem ser forçados a fazer, conjugando autonomia, responsabilidade, diver-sidade, cultura de exigências e cultura de avaliação. Ao se ser autónomo, assume-se a liberdade de asse-gurar qualidade! A autonomia e a diversidade são a base da construção da educação superior na Europa, face à internacionalização desejada e à globalização desafiante. A sustentabilidade do sistema depende, obviamente, da procura ou distinção que se faça das Universidades no futuro.

Como Wachter 1999, diríamos que o processo de sis-temática integração internacional do ensino, da investi-gação e do serviço público impõe-se numa instituição do ensino superior, que busca a qualidade do que faz e se abre à apreciação que dela façam os que a ava-liam. São elementos chave a considerar na avaliação do ensino universitário e que se traduz em pesar o que se produz, como formandos, como investigação, como inovação e como serviço à sociedade

2.6 - A fertilização cruzada do ensino universitário e investigação científica é sinónimo de qualidade e excelência. A cultura de qualidade no ensino universi-tário deve constituir a aspiração mobilizadora da acção que desenvolve e em que investe e para a qual exige a avaliação da comunidade. Ensina a escolher e cultiva a escolha! Conjuga autonomia, responsabilidade e ava-liação, pois não se pode entrar no século da mobilidade e da informação sem inscrever a autonomia na admi-nistração universitária e assumir a responsabilidade pelo que faz e como faz. As Universidades só, quando autónomas, podem ser julgadas pelo seu grau de criati-vidade e competitividade. Só desaparecem do Meio as que não cumprem a sua missão de serem procuradas, porque se afirmam.

Autónomas para, como o recomenda a Convenção de Salamanca (2001), definirem objectivos, planearem estratégias, indexarem prioridades, obterem fundos, seleccionarem associados nacionais e internacionais para realizar actividades de ensino e de I.D., seleccio-narem áreas de I.D., definirem e organizar currículos e conteúdos disciplinares, administrarem e escolherem o capital humano e em particular os professores e estabe-lecerem regras de admissão dos estudantes. Não deve esquecer que os estudantes devem ser vistos como uma “driving force” para a mudança no campo da educação superior (Convenção de Goteborg, 2001). Ao cuidar de promover a formação do espírito académico, do com-portamento profissional, da educação cívica, do pensa-mento crítico, da capacidade de comunicar, do sentido humanista, das aptidões culturais e do sentido da diver-

sidade internacional, a Universidade, no Meio, gere a qualidade. Ligada a movimentos culturais, científicos, tecnológicos, sociais e económicos a Universidade recria ambições e, no espaço, dilata e enraíza a sua intervenção na qualidade. O Homem é o objecto da sua preocupação e desígnio. O Homem é preocupação no lançamento e continuação da sua acção. A Universi-dade marca, porque a determina, a civilização humana. Daí assumir a sua responsabilidade e com o Meio par-tilhar na formação que acciona os mecanismos a per-correr, face à abertura das avenidas da mudança.

A Universidade entre outras capacidades deve, ao viver a autonomia e assumir a diversidade, seleccio-nar os estudantes, fixar propinas, recrutar professores qualificados e diversificar salários. Ao desenvolver a capacidade autónoma de ser livre e competitiva a Universidade pensa que não chega fazer mais, mas é prioritário fazer melhor. O Estado, ao assumir as suas responsabilidades, tem de a fazer como serviço a pres-tar. Deve estimular e apoiar o ensino universitário de qualidade, procurando outros meios de financiamento e selecção que não aqueles que, no caso Português, recriam, no momento, hábitos indesejáveis. Há que premiar a excelência.

A Declaração de Bolonha (1988) aponta para que a independência universitária e a autonomia assegurem que, continuamente, os sistemas de educação superior e investigação, se adaptem às mudanças necessárias, às solicitações da sociedade e aos avanços do conhe-cimento científico. Procura-se a sustentabilidade dos sistemas e os Estados não a podem esquecer. Há que suportar a atitude de combater a rotina e assumir a res-ponsabilidade que a autonomia determina, julgando-a e facultando-lhe meios financeiros e outros. O Estado não pode libertar-se desta obrigação, recriando formas de dar vida autónoma às instituições de ensino para toda a vida. Portugal tem necessariamente de ter a coragem de mudar o sistema e criar meios que evitem a massificação da Universidade, explorando, na esca-daria progressiva do ensino, saídas profissionalizantes, aprendidas a todos os níveis de ensino secundário e superior. Há que reflectir onde “estamos e para onde vamos”, definindo com clareza os princípios do Ensino no Portugal Democrático, mas a ter de ser responsável.

A competição gera a diferença e solicita a avaliação. Só com autonomia se processa a avaliação desejada e que, identificando a diferença, procura para ela o adequado tratamento. O que é diferente tem de ser tratado de forma diferente e ir mesmo ao encontro de “tratamento de excelência”, mesmo que tal atitude assuma críticas. Mas, obviamente, mostra a dimensão da capacidade de decidir ao avaliar. Ao se definir a avaliação da Universidade deve proceder-se a uma avaliação que integre os variados motivos que definem as funções da Universidade, evitando tombar-se numa apreciação sectorizada, importante no todo, mas não isolada, do processo universitário que é global. Depois proceder-se-á à informação das mesmas, dando-se tes-

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temunho público do que se valorizou ou desvalorizou na avaliação, que deve ter expressão. Indexar a avalia-ção, ponderando e utilizando coeficientes que expres-sem a relativização desejada entre pares é o desafio, direi mesmo uma necessidade. O ensino universitário é um todo com partes integrantes complementares e funcionais do mesmo. Num mundo aberto, a procura intencional que se faz desta ou daquela Universidade é prova de grande qualidade. Distingue-se a qualidade, alargada a espaços mais abertos.

Somos do parecer que a avaliação é seguramente um caminho, entre outros, para identificar qualidade, asse-gurar a qualidade, testar a eficácia e eficiência dos sis-temas, assumidos de forma diversa. Há toda uma trans-formação, mesmo mudança de mentalidade, por forma a se desafiar o futuro, com segurança e criatividade.

A avaliação das estruturas do ensino superior e de seus mecanismos de “formar o quê, como e para quê” começa a ser uma determinante, tão desejada, do sis-tema em Portugal. «O génio que cria é maior que o espírito que julga» (Ballaigne). Avaliar tem de ser uma regra permanente, conduzindo a uma maior participa-ção de todos, quer na auto-avaliação, quer na avaliação externa, por forma a se testar a tomada de decisões sobre diversidades, se medir, enfim, o nível da aceita-ção da autonomia e se premiar a excelência. Ao avaliar tem de se identificar a qualidade. Não se relativiza a qualidade! Ela é a aspiração de todos que concorrem para um Ensino que forma o homem do amanhã, tes-tando a diversidade e o pluralismo e recriando a solida-riedade. A avaliação, no nosso entender, é seguramente um caminho, entre outros, e uma obrigação perante a sociedade para assegurar qualidade ao ensino, à inves-tigação científica e à prestação de serviços à sociedade envolvente.

Há que apreciar nesta avaliação, o serviço que a Uni-versidade presta ao meio, servindo-o através de produ-ção de graduados e de oferta de formação permanente (formação para toda a vida), outra das grandes missões da Universidade, provocando o envolvimento do meio na sua capacidade de promover e sustentar o desenvol-vimento. A criação de novos saberes e novos conheci-mentos conduz a Universidade e nivelar a capacidade cultural, científica e tecnológica do meio. É uma voca-ção essencial da Universidade a “formação para toda a vida”. Lembre-se que a aprendizagem ao longo da vida é mais ou tão importante como a adquirida na obtenção de graus académicos na Universidade, exigindo-se desta, como sua vocação, o cuidar da formação perma-nente, devidamente valorizada com a obtenção mesmo de créditos. As capacidades para desafiar a evolução assentam no “pensar, analisar, sintetizar, exprimir e actualizar”. A Universidade deve assumir estes desa-fios (Hang e Tauch, 2001 e Hang e Kristein, 1999).

Repita-se: Há que criar novos talentos e depois reali-zar o nosso potencial. Só se atinge o desenvolvimento se se envolver a Universidade, para além da formação de graduados, na oferta de pacotes de formação, que,

sendo de actualização, solidificam a sua presença qua-lificada no Futuro.

2.7 – Em síntese; A formação universitária, ao conferir o primeiro grau académico, deve privilegiar a formação objectiva de um académico-profissional (técnico-culto) e evitar, numa fase muito prematura, a tendência para um grau de elevada especialidade. A especialização deve ser obtida a posteriori, através da obtenção de graus académicos, diplomas e exercício profissional. Desejam-se primeiras graduações em tempo mais curto (banda larga) seguidas de mestrado e mesmo de doutoramento, privilegiando fileiras de 1-2 ou 1-3 (Hang e Tauch, 2001). O exercício profissio-nal integra-se num quadro de relações mais alargadas com o envolvimento de organizações profissionais tais como COLÉGIOS e ORDENS. Mas é desejável que a Universidade esteja, activamente, presente nas situa-ções de qualificações profissionais.

São pilares na tendência formativa: a ética, a flexibi-lidade, a diversidade e a integração científica, fazendo co-habitar no mesmo espaço universitário o Ensinar, o Aprender, o Investigar e o Realizar (OCDE, 1987).

São missões a destacar na formação universitária: gerar novo conhecimento, preservar e criticar o conhe-cimento existente, promover a ligação professor/aluno, ensinar os estudantes a aprender, conduzir os estudan-tes a responsabilizarem-se pela auto-formação e, levar o estudante a pensar que se prepara para uma ocupa-ção e para aprender ao longo da vida. É sua vocação procurar desenvolver, como ocupação tão importante a investigação científica (fazer aprender ao aluno o método científico). Deve por outro lado balancear a dificuldade entre desenvolver ensino da Ciência e treino vocacional e aumentar a oferta de diversos graus, especializações de pos-graduação e formação permanente.

A Universidade, ao fazer ensino e ao promover educação tem como principal missão procurar formar a mentalidade académica e profissional, e realizar o Homem. É uma educação de elite, exercendo uma atitude de abertura a todos, mas seleccionando os que a seguem! É no quadro destas ideias que nascem os princípios, se definem os objectivos e se encontram os meios da “Universidade do Saber” e da “Uni-versidade Competitiva” instaladas no meio que as desafia, como agentes de desenvolvimento e a julgam depois de avaliadas. Os princípios doutrinam e bali-zam o sistema e seu comportamento. Os objectivos marcam a necessidade de realizar a doutrina. Os meios adquirem-se e seleccionam-se para cumprir a missão. Uns e outros caracterizam a estrutura universitária no tempo e marcam o seu ritmo de realização e a visão de acompanhar o conhecimento, sua evolução e difusão. A formação universitária não é referência, se olvidar o seu sentido de missão. A Universidade, diga-se repetidamente, persegue sempre a perfeição, projecta a evolução e assenta o seu ideário na cultura da insatis-

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fação, da competitividade, para gerar, manter e afirmar qualidade, adquirindo direito a tratamentos e meios diferenciados para premiarem a excelência. Assenta o seu ideário em fazer aprender. Cultiva a insatisfação. Abre-se ao meio que a justifica e a garante.

Por outro lado no ensino a qualquer nível e adap-tado a ele, a formação científica e tecnológica, a formação profissional e a formação cívica, devem ser desafios do sistema educativo nacional no Portugal de sempre. Deve procurar-se, selectivamente, que o aluno ao assumir a escada do ensino que representa o sistema nacional de ensino em Portugal, disponha de “patamares de reflexão, orientação e prática” que são outras tantas saídas profissionais. Há muito a fazer no Portugal de hoje, insiste-se, à procura de um quadro de princípios, democraticamente definidos, onde nos movamos e saibamos aplicar uma atitude tão simples como esta: seleccionar aptidões e comportamentos entre todos. Exige-se um pacto de regime para realizar PORTUGAL nestes domínios, ao se instalar o coerente e eficiente Sistema Nacional de Educação e Formação. E Portugal, sem perdas de tempo, necessita dele como de pão para a boca.

3 - Enquadramento da Formação Veter-inária

Procuraremos, integrado no pensamento exposto, situar a formação do graduado em Veterinária, prefe-rindo, desde já, esta designação à de medicina Veteri-nária. Trata-se de uma formação universitária de raiz científica, obviamente, e de banda larga, que permite o desenvolvimento de várias sensibilidades vocacionais: a clínica, a defesa da saúde animal, a epidemiologia das doenças plurifactoriais, a inspecção e defesa da saúde pública, a produção animal e a Tecnologia dos produtos de origem animal, com respeito pela saúde ambiental e bem estar animal, este sem pieguices.

3.1. Sente-se a necessidade, ao cobrir as áreas de formação em Ciência Animal, que o estudante, como universitário, seja atraído, para além da clínica, para a investigação científica, para a medicina Veterinária estatal, para a segurança alimentar e para a produção animal (Veterinary Education and Training, 2001). Há que, ao formar o estudante, estabelecer coordenadas que permitam desenvolver o espírito académico (cul-tura e metodologia científicas) e a preparação profis-sional (culturas tecnológica e de aplicação). Exige-se assim boa formação no domínio das ciências de base e boa iniciação à formação prática e sua permanente actualização. A EAEVE, 1995 e PEW REPORT, 1988, recomendam que o exercício profissional de um veterinário necessita de um balanço especial entre a educação vocacional e a educação científica, durante o período de graduação. “Veterinários com boa formação científica podem compreender a evolução da Ciência e Tecnologia, integrar-se nos domínios da investiga-

ção genética, engenharia molecular, biotecnologia, diagnóstico computadorizado, maneio animal compu-tadorizado, saúde animal e produção animal (Frenyo, 1955). As raízes universitárias da formação, definem a profissão Veterinária como uma vocação científica a sempre explorar nas áreas dos saberes das ciências veterinárias e uma aptidão para a profissionalização, nomeadamente, mas não exclusivo, nos domínios clínicos, assegurando em todas as opções e sensibili-dades o Bem Estar Animal, a Saúde Pública e a Saúde Ambiental.

A EAEVE aprova, em 1990, um Relatório, pre-parado pelo seu executivo, que afirma que “os vete-rinários devem ser formados a um verdadeiro nível universitário, sendo uma formação académica que privilegie a compreensão mais do que o conhecimento factual. Se lhe interessa os mecanismos mais do que os sintomas produz profissionais mais do que técnicos”. Seguramente que competência em todos os domínios básicos das ciências veterinárias é uma exigência para se lançar um profissional, capaz de “identificar o problema, seguir a sua evolução e confiar na solução” para o mesmo. De uma forma sintética diríamos que ao tratar e defender animais da doença, preservar a saúde animal, contribui-se para a produção animal, procu-rando o bem estar animal, protegendo o Homem do risco de zoonoses e procurando defender as condições higiénicas e sanitárias e a qualidade do alimento de origem animal.

Atinge-se a competência profissional e o espírito académico pelo ensino geral dos aspectos fundamen-tais das ciências veterinárias e das ciências que enra-ízam a Ciência Veterinária, pelo desenvolvimento do treino na identificação e resolução de problemas concretos, pela oferta ao aluno de numerosas possibi-lidades de aprender as matérias que interessam à sua formação (aprender a aprender e auto-formação) e pela motivação para a evolução da Ciência e desafios futuros (EAEVE, 1990). Como se afirmou no capítulo anterior, a diversificação na forma de formar será uma riqueza competitiva e vai ao encontro das finalidades profissionais de um académico-profissional veteriná-rio. Há que assumir o se cultivar ideias e experiências diferentes, fazendo, através delas, aprender, a formar o veterinário e a o posicionar no mercado de trabalho.

3.2 - As formações universitárias de banda larga necessitam de se organizar por forma a darem conti-nuidade aos estudos de 1ª graduação e gerarem, senso lato, as especializações. Em Veterinária, quer nos aspectos médicos quer preventivos, quer nos domínios de produção animal justifica-se e deseja-se que se ofe-reça a continuidade de estudos, tornando a formação académica em 1-2 fileiras (1ª graduação - mestrado) ou mesmo 1 – 3 fileiras (1ª graduação, mestrado e doutoramento). Mas ao formar, a missão não se limita apenas à obtenção de graus académicos. Deve desen-volver-se como mais um objectivo deste ensino que

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é, insiste-se, universitário, o promover a “formação permanente e a formação especializada”, que, face à evolução da Ciência e Tecnologia, conduz o conhe-cimento a necessitar sempre de actualização (ensino para toda a vida, life long learning). Ao facultar a 1ª graduação, a formação universitária Veterinária recria qualidade, se tiver motivado o graduado para continuar a estudar e vir, com o tempo e experiência vivida, a dominar o conhecimento científico e a realidade profis-sional no meio, onde se procura afirmar. Julgo mesmo abrirem-se perspectivas a novas missões da Universi-dade. A formação especializada, do foro da “acredita-ção” profissional, deve desenvolver-se conjuntamente com a Ordem dos Médicos Veterinários por forma a se institucionalizar e regulamentar o acesso a especializa-ções. Necessariamente, as instituições de ensino uni-versitário devem participar nestas acções, valorizando estas intervenções na “formação permanente” e “oferta de especializações”, chamando a colaborar nos cursos, individualidades de reconhecido mérito que, com a Universidade, facultarão ensino e experiência de exce-lência. O próprio ensino à distância terá espaço para a ocupação da Formação Veterinária. Aceitamos que a evolução da Ciência determina novos mecanismos na forma de actuar das instituições do ensino superior a facultar “pacotes de formação” e “abertura”. Mais abertas ao meio, responsabilizando-se pelo seu con-tributo ao desenvolvimento, devem preparar graduados para a actualização e aprendizagem ao longo da vida. Reforça-se o que se diz no apontamento do RCVS, 2001 “.... to provide a broad vocationally directed, science-based education sufficient to prepare graduates for life – long development within the veterinary care-ers”. A actualização do conhecimento exige determina-ção, disponibilidade de postura e o se aceitar a ideia de que as profissões não têm, e neste caso a Veterinária, o monopólio do conhecimento e mesmo da profissio-nalização em diversas áreas. Há que conquistar, pela afirmação, o exercício de competência e a capacidade e testar a qualidade na formação. Vantagens compara-tivas a desejar, são obviamente vantagens em domínios da competência. Permitam-me que afirme a nossa con-vicção de que um veterinário nos seus alicerces será sempre um biologista – economista, preocupando-se, hoje mais do que ontem, com a saúde ambiental.

3.3 - Educar é também ensinar para o desconhecido. A organização curricular na formação do veterinário deve, no século a viver da imposição da computari-zação e informatização, provocar a diversidade para melhor se afirmar a autonomia na decisão e a responsa-bilidade na acção. Van der Bergh (1955) afirmava, com a experiência que a direcção da Faculdade de Medicina Veterinária de Utrech lhe conferia, sem dúvida a mais transnacional faculdade europeia nesta área, que as escolas veterinárias europeias devem adoptar o prin-cípio de que os estudantes de 1ª graduação não devem seguir todos um idêntico programa de educação, pois a

diversidade curricular deve ser encorajada.Ao organizar o currículo veterinário deve ser preo-

cupação o se deixar tempo ao aluno para a sua auto-formação, facultando-lhe um número aceitável de disciplinas optativas que lhe ofereçam atacar novos conhecimentos (por exemplo avanços biotecnológi-cos, informática, etc.), aprofundar conhecimentos (por exemplo: Biologia Molecular e Embriologia) e promover a formação do Homem e do profissional, oferecendo disciplinas nas áreas humanistas, culturais e éticas. Estas optativas devem compor 5 a 20% do programa curricular, pois a sua oferta constitui motivo de apreciação ou avaliação da qualidade do que se ensina, motivando a diversificação ideal dos programas de Formação Veterinária como, proposto na Reunião de Brescia (EAEVE, 1990). Esta posição conduz, necessariamente, na organização do tempo gasto com o curriculo, à redução do ensino formal e tradicional e ao aumento do tempo dedicado ao self-learning. Há que provocar a mudança de comportamento. A carga horária pode não se modificar, o que se modifica é a distribuição e natureza da sua composição, aceitando que o estudante é um trabalhador, assumindo responsa-bilidade própria na sua formação, cuja duração tende, a nível do sistema europeu a instalar, ser mais curta numa 1ª graduação.

Outro ponto que não deixamos de mencionar, dada a composição do currículo da Formação Veterinária, é a abordagem sistemática e interactiva entre disciplinas, nomeadamente vocacionais, ouvindo opiniões com ori-gens diversas de áreas do conhecimento, evitando blo-quear a imaginação do aluno e procurando despertar nele capacidade de crítica e síntese objectiva. O conhe-cimento a montante e a jusante do problema designado em aula aberta, nomeadamente em disciplinas vocacio-nais, participadas em conjunto, por vários responsáveis por áreas disciplinares de formação e outros, conduzirá o aluno a aprofundar, a relacionar e a relativizar o conhecimento e a formar opinião. É indispensável “fazer aprender” o aluno a ter opinião. Ele avalia o que aprendeu e mede o que necessita aprender. Em todas as circunstâncias o exercício da pedagogia do ensino, na Universidade, deve motivar o aluno a trabalhar por ele e a se preparar para exames, onde se deve apreciar a forma como o estudante organiza a resposta, mais do que ouvir o despejar a memorização de factos. Face à natureza do aluno que se aprecia, o professor deve distinguir o perguntar “o quê” e “a quem” e avaliar o entusiasmo do aluno ao ser interrogado, ao construir a resposta e ao afirmar o domínio desta. À interacção professor/aluno coloca-se a de examinador/aluno. Nas duas situações vividas pelo professor estará sempre em causa o que o professor foi capaz de fazer aprender e fazer o aluno ter opinião. Logo, também o professor está a ser avaliado! Como se afirma a massificação do Ensino não facilita esta visão de actuação e solicita que se seja imaginativo ao dimensionar a Universidade, educação de elite “aberta a todos”, mas não signifi-

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cando “seguida por todos”.

3.4 - O Estudante parece feliz e aprende bem, por que se motiva, quando se lhe atribui um clara acti-vidade vocacional, desafiando-o a fazer, “sujando mãos” ou relacionando e relativizando o conhecimento adquirido face ao acompanhamento de um problema identificado. Que problemas concretos? Valências que encontra no hospital, no laboratório, na empresa pecuária, no matadouro, etc. Como se afirmou o aluno tem de dispor de tempo e de orientação para se moti-var, sentindo-se feliz pela escolha do curso que fez e da matéria ou área do saber que deseja aprofundar. Os domínios da investigação científica, da clínica, da epidemiologia, da Tecnologia de produtos de origem animal, do domínio produtivo da exploração pecuária e da inspecção sanitária, quando participados pelo aluno, através de práticas e estágios intercalares e curricula-res, provocarão e moverão o entusiasmo do aluno.

São confirmadas, a nível internacional e nacional, as dificuldades de motivação do aluno, quando na fase inicial do curso de Veterinária e outros (aprendizagem de disciplinas de formação básica e propedêutica). Daí o se sugerir o envolvimento do aluno com aspectos clí-nicos, logo do início do curso, sem contudo reduzir o tempo com as ciências básicas. Identificar o problema e familiarizar-se com a sua solução, envolvendo o aluno no seu seguimento, provocarão outro ânimo no aluno e ajudá-lo-ão a interessar-se pelo conhecimento. A pró-pria orientação do curso por espécies animais (animais de companhia e animais da pecuária) e a rotatividade neste ensino ajudarão a disciplinar a auto-formação do aluno, sensibilizando-o para o que mais gostará de fazer e de aprender, sempre em atmosfera académica e de formação básica sólida. Os alunos de Veterinária de Cornell (EUA) e de Utrech na União Europeia “são expostos a animais vivos e técnicas clínicas e come-çam a identificar-se com problemas, logo a partir do primeiro dia da sua educação formal” (EAEVE, 1997). Embora de início esta atitude de formação à base do problem-based-learning seja aliciante e motivadora do aluno terá de passar tempo e cuidada reflexão para esta atitude criativa se generalizar. É que Formação Veteri-nária não deve ser apenas de motivação clínica. Face à identificação do problema há que compatibilizar “o que se sabe” e “o que se necessita saber”. Esta situação gera, necessariamente, a evolução da organização cur-ricular. Há que estudar o futuro desta forma centrada de ensino. Como há que prosseguir, com imaginação, a forma de tornar sempre ao longo do curso, um aluno motivado, acompanhando a sua auto-aprendizagem que se contabiliza em tempo de formação (créditos a obter) como recomenda a EAEVE, 2000. A solução do pro-blema e a habilidade para desenvolver o pensamento crítico são atributos de que o estudante, transformado em pro-profissional soube aprender ou procurou, orien-tado, aprender.

É necessário e indispensável à Formação Veteri-

nária formal, fazer um profissional sensível à inves-tigação científica e ao uso da metodologia científica, tendo sido ensinado a escolher, usar e manusear a informação e desejando manter na vida o hábito de aprender sempre (Summerlee, 1997). Aliás, como se afirmou, esta participação do estudante na investigação científica é uma necessidade que caracteriza o ensino que segue. Trata-se de ensino universitário que deve preocupar-se em formar “cientistas que sabem aplicar”.

Havendo em Portugal 4 unidades públicas de For-mação Veterinária e uma privada, deveria, sem perda de competitividade e diversidade, tudo se fazer para entre elas se estabelecer intercâmbio que permitisse, avaliar novas ideias sobre gestão pedagógica, orga-nização curricular e investigação científica, criando sistemas de redes entre estas formações e desenvol-vendo a competitividade saudável entre elas ao se responsabilizarem pelo uso da diversidade que as deve fundamentar, se é que esta existe. Este poderia ser um desafio para a SPCV, vestindo o fato, tão desejado, de Academia de Ciências Veterinárias!

Poder-se-ia mesmo avançar para a existência da figura de um examinador externo para o exame final de disciplinas, o que permite ser uma forma de avaliar a qualidade do ensino, onde a abertura é sinónimo de êxito. Há que combater a forte dependência da Uni-versidade do tradicionalismo e provocar a mudança. Julgamos que a «sociedade educativa é a que está apta a aprender mais e melhor e a compreender a diversi-dade» Oliveira Martins, 2000.

3.5 - A formação universitária Veterinária e penso que não haverá outra que não seja universitária, é uma formação muito dispendiosa e deve ser entendida, como tal, pelo poder público. Quando do financia-mento das suas unidades, devem aceitar-se políticas diversas para apoiar a especificidade deste ensino. Insiste-se: contrariamos a orçamentação baseado no número de alunos que tem conduzido à política de procura alargada de números de entradas para se sobreviver! Dado os custos da Formação Veteriná-ria comparados com outras formações universitárias é inqualificável ter a mesma base de financiamento (EAEVE, 2000). A Faculdade de Medicina Veteriná-ria de Utrech a única na Holanda e a única na Europa credenciada pelos Estados Unidos da América, para 1000 estudantes, emprega 890 unidades forças de tra-balho das quais 370 são pessoal académico! A FVE, 2000 e EAEVE, 1997 recomendam um professor para cinco estudantes. São apenas valores para situarmos que esta formação universitária é, por exemplo, a mais cara de todas no Reino Unido. É dispendiosa e solicita apoios diferenciados. Engrossamos a legião dos que pensam que educação e formação universitá-ria são, essencialmente e como princípio, um serviço público e uma prestação a oferecer pelo Estado. Esta afirmação não põe em causa o desenvolvimento de um sistema privado de ensino, que sendo concorrencial,

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assume-se como investimento privado aberto à compe-titividade. Voltando aos números expressos, devemos reflectir sobre eles para orientar a aplicação de fundos ao ensino em Portugal. Diremos mesmo que, face à cultura de avaliação do ensino superior que começa a apresentar resultados, se deve instituir a aplicação e uso de meios que premeiem a excelência. Fazer face à competitividade deve ser uma preocupação perma-nente. Não se aplicam os mesmos meios a situações e afirmações diversas. Faz-se a cultura do apoio à excelência, pois o que é diferente tem de ser tratado de forma diferente.

4 - Conclusões

Ao se definirem princípios em que assenta o que se ensina, a forma de ensinar e o desejo de aprender no ensino superior universitário, procuramos acentuar que para se ser competitivo, tem de se ser autónomo, com oferta de soluções diversas, assumindo-se responsabili-dades na toma delas. O ensino universitário para além de formar sempre um académico, prepara este para a profissionalização. Um 1º graduado aprende, ao se gra-duar, a que o ensino para toda a vida, é o desafio que a sua integração na sociedade determina e exige. Há que enfrentar os desafios da evolução da Ciência e actu-alizar sempre a aquisição de conhecimentos, atitude dinâmica a que se expõe o homem na sociedade que constrói. Há que investir na Universidade uma atitude criativa e uma exigência científica. Diz o Padre Antó-nio Vieira: “pensar o que outros pensam, saber o que os outros souberam, não é saber é apenas recordar”, e não queremos apenas ficar com a recordação. Quere-mos ser imaginativos na criação. O desafio à afirmação da criação do conhecimento, envolve-nos a todos ao prospectivar o futuro e acompanhar a evolução, ima-ginando esta.

A Europa necessita de uma “política de qualidade”, não apenas de quantidade (IRDAC, 1992). Penso que para se obter aquela há que aumentar sempre a capa-cidade de selecção, abrindo a todos a possibilidade de formar alguns. O ensino universitário é um ensino de elite, aberto a todos, mas seleccionando os que o seguem. Nele está enquadrada a Formação Veteriná-ria. A FVE 2000, na sua nota recomenda que se deve impedir o aparecimento de novas instituições de For-mação Veterinária, na Europa, o que vem ao encontro de se usar melhor as intenções e preocupações da for-mação transnacional que se deseja ver estimulada. A Europa já tem instituições de ensino veterinário a mais (FVE 2000). A nível nacional e observando a inserção dos veterinários no mercado de trabalho há que con-trariar a preocupante fuga–recurso para o pluriemprego fora das áreas de formação (IBER, 1994), promovendo a formação contínua e especializada e estando atentos à evolução dos países de língua portuguesa, nomea-damente africanos, que constituirão seguramente com o mercado europeu, formas de alargar as hipóteses de

empregabilidade. Face à dimensão da Formação Vete-rinária em PORTUGAL, somos forçados a procurar novos mundos e novos empregos! Vão sobreviver as instituições mais procuradas, quando a verdade que será realidade se instalar.

A Veterinária celebriza-se no mundo e constitui uma área do conhecimento reconhecida e referen-ciada, pelo seu elevado nível científico e exigências tecnológicas. A Veterinária apresenta, entre outras afirmações mundiais, premiados com o Prémio Nobel, o Dr. Peter C. Dogherty (1996) e o proposto Dr. Son V. P. Galtier, que abriu os caminhos aos trabalhos de Pas-teur, e morreu antes de ser galardoado. Estas notações são devidas ao Professor Emérito da Universidade de Leon. Miguel Cordero del Campillo 2001, que home-nageio pela sua defesa, connosco, quando na Comissão de Formação Veterinária da EU (1996-1999) procu-ramos salientar e defender as especificidades justas de várias sensibilidades vocacionais da Formação Veteri-nária. A Formação Veterinária é rica de opções pro-fissionais, porque, conhecendo a máquina animal, uti-liza esse conhecimento para diversas solicitações, que são outras tantas opções de empregabilidade. Justifica-se assim a formação de banda larga que se deseja na Formação Veterinária e diríamos mesmo na primeira graduação do ensino universitário de duração temporal a desejar-se mais curto, quando aceitável.

O que procuramos: Construir a Veterinária do futuro, explorando as potencialidades científicas, a exigirem qualidade na primeira graduação, na pós-gra-duação especializada e no acesso à educação perma-nente (aprendizagem ao longo da vida). Afirme-se esta capacitada profissão na vida dos Povos, da Ciência e do Desenvolvimento.

Repetindo Louis Pasteur, e pesando a situação nacio-nal, a forma tradicional do nosso comportamento no desenvolvimento e como nos colocamos no estar na especificidade destas áreas, direi: “que quando quereis reformular nunca vos deixeis desanimar”.

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Cartas ao editor

Falecimento do Docteur Allain Provost Regressado das férias do Natal recebo de chofre a

notícia do falecimento deste nosso colega, ocorrida, na noite de 24 para 25 de Novembro de 2002 na sua residência em Ezy-sur-Eure, no Norte da França. Allain Provost não era um desconhecido em Portugal, pois visitou o nosso país por diversas vezes, colaborando com o Laboratório Nacional de Investigação Veteri-nária como consultor em Peripneumonia, que era uma das suas especialidades. Neste campo de actuação, sei que apreciava especialmente um outro colega, o Doutor José Lino Nunes Petisca pioneiro no estudo da histo-patologia da Peripneumonia Contagiosa dos Bovinos. A última vez que esteve em Lisboa foi em 1988, se a memória me não falha. Mas Allain Provost era princi-palmente um especialista em doenças animais tropicais, a cujo estudo dedicara toda a sua vida. Conheci-o em 1957 em Kartoum, no Sudão, numa reunião de especia-listas de Peripneumonia Contagiosa e ficámos amigos. Fomos ambos nomeados peritos de Peripneumonia da FAO e participámos da 1ª reunião do seu “Pannel” em Melbourne, na Austrália. Por esse tempo Provost trabalhava, em Fort Lamy, no grande “Laboratoire de Recherches Veterinaires de Farcha”, do qual viria a ser Director a partir de 1969, até 1976, quando regressou a Paris, assumindo a Direcção do “ Institut D’Élevage et Médecine Vétérinaire des Pays Tropicaux” que resultara da transformação do “Institut de Médecine Vétérinaire Exotique” por um outro grande nome da Medicina Veterinária Tropical francesa, o Docteur G. Curasson o qual se situava em Alfort nos terrenos da Velha Escola, junto ao “Laboratoire Centrale de Patho-logie Vétérinaire”. Allain Provost, Docteur Vétérinaire e Docteur en Sciences Naturelles era um perito inter-nacional reconhecido, no domínio das doenças animais tropicais, não somente da Peripneumonia Contagiosa dos Bovinos, mas ainda da Peste Bovina, Cowdriose, Febre do Vale do Rift, da Raiva. Foi também um dos fundadores da Associação Internacional dos Institutos de Medicina Veterinária Tropical, apoiando entusias-ticamente a adesão do nosso Instituto de Investigação Científica Tropical. Com a criação do “Centre de Coo-pération Internationale en Recherche Agronomique pour le Developpement”, em Montpellier, o seu “Ins-titut” perde a autonomia, transforma-se num simples “Département d’Élevage et de Médecine Vétérinaire”do CIRAD (Cirad-emvt) e o Docteur Provost aposenta-se depois de uma vida inteira dedicada à especialidade que abraçara na juventude.

Morreu Allain Provost, cumprindo a lei da vida, mas a sua memória e o seu exemplo permanecem vivos na memória dos seus numerosos amigos, colegas e discí-pulos espalhados pelo mundo, nas centenas de traba-lhos publicados, nos arquivos das sociedades científicas de que era membro e quando assim sucede ninguém morre inteiramente, embora todos fiquemos tristes e

mais pobres. A toda a sua família e em especial a sua esposa (companheira de todas as ocasiões boas e más), endereçamos o nosso pesar e expressamos a nossa soli-dariedade no seu desgosto.

António Martins Mendes

“O Inspector Sanitário e o problema dos resíduos químicos”.

Há dias, rebuscando papéis velhos no meu arquivo, encontrei o escrito que se segue com algumas conside-rações, feitas ainda no tempo em que “pensava nessas coisas”, que me pareceu merecerem divulgação, quanto mais não fosse, para provocar… aqui vai, portanto, deixando ao seu critério: o cesto dos papéis ou… talvez não: “O Inspector Sanitário e o problema dos resíduos químicos”.

Desde os alvores da sua história que o homem se preocupou com a genuinidade e a salubridade dos seus alimentos. Na era actual, pode talvez afirmar-se que o problema maior é o que resulta da presença de resíduos químicos nos produtos alimentares. Na prática, todos os produtos agrícolas que actualmente se utilizam para ali-mentação humana, sofreram, directa ou indirectamente o contacto com produtos químicos, os mais diversos, tais como: fertilizantes, fungicidas, rodenticidas. Por outro lado, os criadores de animais fazem também, lar-gamente, uso de pesticidas, de antibióticos, de hormo-nas, de estimulantes do crescimento, de enzimas, etc. Finalmente os fabricantes de derivados cárneos ou lác-teos ou das suas novas apresentações prontas a cozinhar ou a consumir, recorrem, cada vez mais aos produtos que prolongam o seu prazo de validade para consumo, melhoram a sua apresentação e o seu sabor ou mesmo que enriqueçam, eventualmente, o seu valor nutritivo; entre eles citem-se os anti-oxidantes, os estabilizantes, os corantes, os adoçantes, os solventes, as especiarias, os fosfatos, os nitritos entre outros. Este problema é tanto mais grave quanto maior for o grau de indus-trialização dos países e mais ainda nos que sofrem as consequências de um desenvolvimento industrial inci-piente ou crescente. Neste quadro inserem-se também as consequências da exploração intensiva dos animais destinados a carne, a ovos, a leite. Quanto aos animais subaquáticos, os problemas avolumam-se igualmente uma vez que as águas e, muito especialmente os oce-anos, são locais cómodos para vazadouros industriais. Desconhecem-se ainda as consequências reais desta actuação pois, muitas delas somente surgirão a médio prazo mas, no momento a situação é já fortemente preocupante pela possível entrada de resíduos tóxicos na cadeia alimentar e a sua acumulação nos peixes, moluscos ou crustáceos, com efeitos graves já conhe-cidos nos consumidores. Por outro lado, os efeitos da sobre exploração obrigaram à estabulação de diversas espécies subaquáticas, criando, eventualmente, riscos acrescidos muito semelhantes, na prática, aos que

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resultam da produção intensiva dos animais terrestres. Na sociedade de consumo (com uma classe, comercial e política, desenfreada e acéfala) em que nos inserimos é praticamente impossível evitar a presença de resíduos químicos nos alimentos. Então, adoptam-se soluções que permitam viver nesta nova situação. Para isso procura estabelecer-se níveis de tolerância para muitas dessas novas drogas: suspendem-se as aplicações de antibióticos e de quimioterápicos antes dos abates e fixam-se “intervalos de segurança”; proibe-se ou condi-ciona-se o uso de rações ditas “medicadas”, etc.

Para o inspector sanitário em Portugal o problema é altamente complexo, precisamente porque o país se encontra numa fase de transição. É verdade que muitas das doenças infecciosas agudas dos animais desapare-ceram ou estão controladas, mas as doenças crónicas têm ainda um peso muito grande nas reprovações nos matadouros. Aqui o problema maior é o dos resíduos químicos ou biológicos que não provocando lesões ou sendo estas mínimas, escapam, frequentemente, no exame organoléptico, e nem sempre é possível o recurso ao laboratório. Cremos estar numa fase de viragem em que se deve exigir ao veterinário inspector sanitário, uma formação complementar daquela que a Faculdade pode dar aos seus licenciados. O inspector sanitário actual necessita de uma pós-graduação que lhe dê conhecimentos mais aprofundados ou complemen-tares de toxicologia, de ecologia, de endocrinologia, de química orgânica, de química bromatológica, de análise química, de epidemiologia, de estatística, de regras, exigências e legislação comunitárias e outros que completem a formação obtida na licenciatura e que lhe permitam melhor desempenhar o seu indispensável papel na defesa da Saúde Pública. Ele necessita de tra-balhar, cada vez mais, em conjugação com as autorida-des sanitárias humanas e com as que superintendem na produção e na saúde animal. Ele terá que ser, “de facto” um Agente de Saúde Pública Veterinária!

Com as minhas mais cordeais saudações e agradeci-mentos,

A. Martins MendesNo Alto da Ajuda, em 20 de Novembro de 2002

Notas sobre publicações

“Pequenos ruminantes em Moçambique e em alguns países africanos”

Sob o título acima acaba de nos chegar às mãos uma pequena brochura, com o número 22 da colec-

ção Comunicações, série de Ciências Agrárias Nº 22 que vem sendo editada pelo Instituto de Investigação Científica Tropical. Trata-se do texto da lição que o autor proferiu, em 29 de Maio de 1995, aos alunos do Curso de Mestrado em Medicina Veterinária e Zootec-nia Tropicais, da Faculdade de Medicina Veterinária da U.T. de Lisboa. O facto de surgir decorridos que foram quase 7 anos não o desvalorizam pois não somente contém informação de grande valia relativamente a Moçambique, mas também abre vias de estudo desti-nadas a médicos-veterinários, engenheiros zootécnicos e engenheiros técnicos agrários que podem e devem «actuar como elementos impulsionadores ou catalisa-dores do desenvolvimento destas espécies nos países africanos […] para o melhoramento da sua produção e abastecimento dos mercados ou da própria dieta familiar do camponês…». É seu autor o nosso colega Fernando Pinho Morgado que dedicou toda a sua vida profissional a Moçambique onde nasceu, ali desempe-nhando muitas e variadas funções, sempre ou dominan-temente na área da produção animal, quer como prático de campo, quer na investigação, pois foi director da Estação Central de Zootecnia na Chobela, quer ainda no ensino pois foi Professor convidado da disciplina de “Zootecnia e Melhoramento Animal” da Faculdade de Ciências Veterinárias das Universidades “de Lourenço Marques” e “Eduardo Mondlane,” que lhe sucedeu. A pequena obra, que consideramos utilíssima, desdobra-se por 9 capítulos, focando, desde a importância dos seus efectivos, as espécies e as raças dominantes e as suas origens, as condições de criação, os riscos sani-tários, os predadores, a evolução e a distribuição dos efectivos, as suas contribuições para a economia fami-liar, discute algumas medidas para o desenvolvimento e a produtividade dos rebanhos e termina prevendo o futuro – o desenvolvimento da produtividade dos pequenos ruminantes. A obra termina com numerosos quadros e gráficos que mostram a densidade destas espécies em Moçambique nos anos de 1976, 1974 e 1994. Em conclusão: trata-se de publicação que reco-mendamos, sem reticências, a todos os interessados, mesmo que a qualidade de algumas das ilustrações seja, por vezes deficiente o que não invalida, de modo algum, o valor do texto com uma escrita clara e em bom português. Parabéns ao autor. Resta-nos felicitar o Instituto de Investigação Científica Tropical por mais este valioso serviço prestado à cooperação com todos os países tropicais de expressão portuguesa.

A. Martins Mendes

Reuniões científicas e cursos, notícias

Seminário “O Medicamento de Uso Veterinário e a Segurança Alimentar”: no âmbito das actividades desenvolvidas pela Comissão Especializada de Saúde Animal (CESA), a Apifarma promoveu um seminário que teve lugar em 15 de Outubro e cujo objectivo foi

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debater com os intervenientes no circuito do medica-mento de uso veterinário (MUV), a sua contribuição como elemento de garantia da segurança alimentar e a sua importância estratégica no âmbito da Saúde Pública. Ainda no referido seminário, as entidades responsáveis pela fiscalização do mercado dos MUV (Infarmed e DGV) comprometeram-se em reactivar um entendimento institucional com vista a pôr fim ao mer-cado ilegal destes medicamentos em Portugal.

Simposium em Cd-Rom: teve lugar a 11 de Dezem-bro a apresentação da edição 2002/2003 do Simposium Veterinário Apifarma que este ano é editado em versão informática. Desta edição, para além da actualização de conteúdos, destacamos as facilidades de busca que são oferecidas ao utilizador.

Reuniões científicas e cursos, agenda

Cursos de pós-graduação em Medicina Veteri-nária: resultando de uma organização conjunta da Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa e do ISED, Instituto Superior de Estudios, está prevista a realização de cursos de post-graduação em regime de fim-de-semana. Curso de cirurgia (8-9 de Fevereiro, 8-9 de Março, 12-13 de Abril), curso de traumatologia (10-11 de Maio, 14-15 de Junho, 5-6 de Julho), curso de anestesia (dois fins-de-semana). Para mais informa-ções contactar: ISED Fax: +34915396546.

O 9th FECAVA CONGRESS Federation of Euro-pean Companion Animal Veterinary Associations e o 12th APMVEAC NATIONAL CONGRESS Associação Portuguesa de Médicos Veterinários Especialistas em Animais de Companhia decorrerá no próximo ano, de 22 a 25 de Maio no Estoril, Portu-gal. Informações: http://www.apmveac.pt/FECAVA ou no Secretariado da APMVEAC: Rua Américo Durão, Nº 18 - D (às Olaias)1900-064 Lisboa – Portugal. Tel: +351 21 840 41 79; Fax: +351 21 840 41 80; e-mail: [email protected]

European Multicolloquium of Parasitology: terá lugar em Valencia, Espanha, de 19 a 23 de Julho de 2004. Sob os auspícios da "Asociación de Parasitólo-gos Españoles", o evento decorrerá na Faculdade de Farmácia da Universidade de Valencia. Das várias pro-

postas para colóquios, simpósios, workshops e reuni-ões satélites, referimos entre muitas, paleoparasitology, malaria vaccines, leishmaniasis, immunopathology in concomitant infections. Novas propostas deverão ser enviadas para o comité organizador antes de 20 de Dezembro de 2003. Está ainda prevista a organização de cursos de parasitologia durante o congresso. Infor-mações: EMOP IX, Departamento de Parasitología. Facultad de Farmacia, Universidad de Valencia. Av. Vicent Andrés Estellés s/n. 46100 Burjassot-Valencia, Spain. Fax: +34963864769; e-mail: [email protected] ; website: http://www.uv.es/emop9

Informação associativa

Sessão Solene de Abertura do Ano Académico: a sessão solene evocativa da abertura do ano académico que a SPCV promove anualmente, terá lugar este ano na sala de actos da Universidade de Évora, colégio do Espírito Santo, rua do Cardeal Rei, em Évora, no dia 21 de Março pelas 17 horas. A oração de sapiên-cia será proferida pelo Professor Arquitecto Gonçalo Ribeiro Teles.

Movimento de sócios: sócios admitidos e read-mitidos de 1 de Outubro a 31 de Dezembro de 2002. Sócio efectivos: 1326 João António de Paula Bessa; 1751 António Manuel Pina Fonseca; 1841 Jorge de Almeida Rodrigues; 2122 Luís Miguel Marques Antu-nes; 2123 José Júlio Alfaro da Cunha; 2124 Mário Alberto de Melo; 2125 Ana Luísa Moreira Reis; 2126 Isabel Maria Santos; 2127 Ricardo da Rosa Vieira; 2128 Maria Manuela Clemente Vilhena; 2129 Miguel Lavado Matias; 2130 Maria Gabriela Carvalho Araújo; 2135 Cláudia Sofia Almendra; 2136 Lina Maria Cavaco; 2137 Solange Judite Alves Gil; 2138 Paulo Maneiras Ribeiro Rosa; 2139 Sofia Irene Almendra; 2140 José Pedro Cardoso de Lemos; 2141 Rui Carlos Sales Luís; 2142 José Lavadinho Leitão; 2143 Maria Vieira Pinto; 2144 Cristina Saraiva dos Santos; 2145 Maria da Graça Mendes Gonçalves; 2146 José Júlio Senos; 2147 Sérgio Luís Rodeia; 2148 Rui Daniel Lima. Estudantes: 2121 Rita Marisa Carvalho e Silva; 2131 Maria Teresa de Mendonça Freitas; 2132 Elisa de Fátima Queijo; 2133 Helena Maria de Sousa; 2134 André Filipe Marques Traqueia.

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