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SEPTEM SERMONES AD MORTUOS Por Carl Gustav Jung Sete Sermões aos Mortos Sete exortações aos mortos, escritas por Basilides em Alexandria, a cidade onde Oriente e Ocidente se encontram. O PRIMEIRO SERMÃO Os mortos retornaram de Jerusalém, onde não encontraram o que buscavam. Eles pediram para serem admitidos à minha presença e exigiram ser por mim instruídos; assim, eu os instruí: Ouvi: Eu começo com nada. Nada é o mesmo que plenitude. No estado de infinito, plenitude é o mesmo que vazio. O Nada é ao mesmo tempo vazio e pleno. Pode-se também afirmar alguma outra coisa a respeito do Nada, ou seja, que é branco ou negro, existente ou inexistente. Aquilo que é infinito e eterno não possui qualidades porque contém todas as qualidades. O Nada ou plenitude é por nós chamado de o PLEROMA. Nele, pensamento e existência cessam, porque o eterno é desprovido de qualidades. Nele, não existe ninguém, porque se existisse alguém, este então se diferenciaria do Pleroma e possuiria qualidades que o distinguiriam do Pleroma. No Pleroma não existe nada e existe tudo: não é bom pensar sobre o Pleroma, pois fazê-lo significaria dissolução. O MUNDO CRIADO não está no Pleroma, mas em si mesmo. O Pleroma é o princípio e o fim do mundo criado. O Pleroma penetra o mundo criado como a luz solar penetra toda a atmosfera. Embora o Pleroma penetre-o por completo, o mundo criado não participa dele, da mesma forma que um corpo sumamente transparente não se torna escuro ou colorido como resultado da passagem da luz por ele. Nós mesmos, no entanto, somos o Pleroma e assim sendo, o Pleroma está presente em nós. Mesmo no ponto mais minúsculo, o Pleroma está presente sem limite algum, eterna e completamente, porque pequeno e grande são qualidades estranhas ao Pleroma. Ele é o nada onipresente, completo e infinito. Eis porque vos falo do mundo criado como uma porção do Pleroma, mas unicamente em sentido alegórico; pois o Pleroma não se divide em partes, por ser o nada. Somos também o Pleroma como um todo; visto que num aspecto figurativo o Pleroma é um ponto excessivamente pequeno, hipotético, quase inexistente em nós, sendo igualmente o

Carl Gustav Jung - Sete Sermões Aos Mortos

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Diferenciação é criação. O mundo criado é de fato diferenciação. A diferenciação é a essência do mundo criado e, por essa razão, o que é criado gera também mais diferenciação. Eis porque o próprio homem é um divisor, porquanto sua essência é também diferenciação. Eis por que ele distingue as qualidades do Pleroma, qualidades essas que não existem. Essas divisões, o homem extrai de seu próprio ser. Eis por que o homem dicorre sobre as qualidades do Pleroma, que são inexistentes

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  • SEPTEM SERMONES AD MORTUOS

    Por Carl Gustav Jung

    Sete Sermes aos Mortos

    Sete exortaes aos mortos, escritas por Basilides em Alexandria, a cidade onde Oriente e Ocidente se encontram.

    O PRIMEIRO SERMO

    Os mortos retornaram de Jerusalm, onde no encontraram o que buscavam. Eles pediram para serem admitidos minha presena e exigiram ser por mim

    instrudos; assim, eu os instru: Ouvi: Eu comeo com nada. Nada o mesmo que plenitude. No estado de infinito,

    plenitude o mesmo que vazio. O Nada ao mesmo tempo vazio e pleno. Pode-se tambm afirmar alguma outra coisa a respeito do Nada, ou seja, que branco ou

    negro, existente ou inexistente. Aquilo que infinito e eterno no possui qualidades porque contm todas as qualidades.

    O Nada ou plenitude por ns chamado de o PLEROMA. Nele, pensamento e existncia cessam, porque o eterno desprovido de qualidades. Nele, no existe

    ningum, porque se existisse algum, este ento se diferenciaria do Pleroma e possuiria qualidades que o distinguiriam do Pleroma.

    No Pleroma no existe nada e existe tudo: no bom pensar sobre o Pleroma, pois faz-lo significaria dissoluo.

    O MUNDO CRIADO no est no Pleroma, mas em si mesmo. O Pleroma o princpio e o fim do mundo criado. O Pleroma penetra o mundo criado como a luz

    solar penetra toda a atmosfera. Embora o Pleroma penetre-o por completo, o mundo criado no participa dele, da mesma forma que um corpo sumamente

    transparente no se torna escuro ou colorido como resultado da passagem da luz por ele. Ns mesmos, no entanto, somos o Pleroma e assim sendo, o Pleroma est presente em ns. Mesmo no ponto mais minsculo, o Pleroma est presente sem

    limite algum, eterna e completamente, porque pequeno e grande so qualidades estranhas ao Pleroma. Ele o nada onipresente, completo e infinito. Eis porque vos

    falo do mundo criado como uma poro do Pleroma, mas unicamente em sentido alegrico; pois o Pleroma no se divide em partes, por ser o nada. Somos tambm o Pleroma como um todo; visto que num aspecto figurativo o Pleroma um ponto

    excessivamente pequeno, hipottico, quase inexistente em ns, sendo igualmente o

  • firmamento ilimitado do cosmo nossa volta. Por que ento discorremos sobre o

    Pleroma, se ele o todo e tambm o nada? Eu vos falo como ponto de partida, e tambm para eliminar de vs a iluso de que

    em algum lugar, dentro ou fora, existe algo absolutamente slido e definido. Tudo o que chamam de definido e slido no mais do que relativo, porque somente o que est sujeito a mudana apresenta-se definido e slido.

    O mundo criado est sujeito a mudar. Trata-se da nica coisa slida e definida, uma vez que possui qualidades. Em verdade, o prprio mundo criado nada mais

    que uma qualidade. Indagamos: como se originou a criao? As criaturas de fato tm origem, mas no o mundo criado, porque este uma qualidade do Pleroma, da mesma forma que o

    incriado; a morte eterna tambm representa uma qualidade do Pleroma. A criao eterna e onipesente. O Pleroma possui tudo: diferenciao e indiferenciao.

    Diferenciao criao. O mundo criado de fato diferenciao. A diferenciao a essncia do mundo criado e, por essa razo, o que criado gera tambm mais

    diferenciao. Eis porque o prprio homem um divisor, porquanto sua essncia tambm diferenciao. Eis por que ele distingue as qualidades do Pleroma,

    qualidades essas que no existem. Essas divises, o homem extrai de seu prprio ser. Eis por que o homem dicorre sobre as qualidades do Pleroma, que so inexistentes

    Vs me dizeis: Que benefcio existe ento em falar sobre o assunto, uma vez que se

    afirmou ser intil pensar sobre o Pleroma? Eu vos digo essas coisas para libertar-vos da iluso de que possvel pensar sobre o Pleroma. Quando falamos de divises do Pleroma, falamos da posio de nossas

    prprias divises, falamos de nosso prprio estado diferenciado; mas embora procedamos desta forma, na realidade nada dissemos sobre o Pleroma. No entanto,

    necessrio falarmos de nossa prpria diferenciao. Eis por que devemos distinguir qualidades individuais.

    Dizeis: Que mal no decorre do driscriminar, pois nesse caso transcendemos os limites de nosso prprio ser; estendemo-nos alm do mundo criado e mergulhamos

    no estado indiferenciado, outra qualidade do Pleroma. Submergimos no prprio Pleroma e deixamos de ser seres criados. Assim, tornamo-nos sujeitos dissoluo e ao nada.

    Essa a verdadeira morte do ser criado. Morremos na medida em que no somos

    capazes de discriminar. Por essa razo, o impulso natural do ser criado volta-se para a diferenciao e para a luta contra o antigo e pernicioso estado de igualdade. A tendncia natural chama-se Princpio de Individuao. Esse princpio

    constitui de fato a essncia de todo ser criado. A partir de tudo isso, podeis prontamente reconhecer por que o princpio indiferenciado e a falta de

    discrininao representam um grande perigo para os seres criados. Eis por que devemos ser capazes de distinguir as qualidades do Pleroma. Suas qualidades so os PARES DE OPOSTOS, tais como:

  • o eficaz e o ineficaz

    plenitude e o vazio o vivo e o morto

    diferena e igualdade luz e treva quente e frio

    energia e matria tempo e espao

    bem e mal beleza e fealdade o um e os muitos

    e assim por diante.

    Os pares de opostos so as qualidades do Pleroma: tambm so na verdade inexistentes, porque se anulam mutualmente.

    Como ns mesmos somos o Pleroma, tambm possumos essas qualidades presentes

    em ns. Visto que a essncia do nosso ser a diferenciao, possumos essas qualidades em nome e sob o sinal da diferenciao, o que significa:

    Primeiro: que em ns as qualidades esto diferenciadas, separadas, umas das outras e, dessa forma, no se anulam mutualmente; ao contrrio, encontram-se em

    atividade. Eis por que somos vtimas dos pares de opostos. Porque em ns o Pleroma divide-se em dois.

    Segundo: as qualidades pertencem ao Pleroma, e ns podemos e devemos partilh-las somente em nome e sob o sinal da difereniao. Devemos nos separar dessas

    qualidades. No Pleroma, elas se anulam mutualmente; em ns no. Porm, se soubermos percebermo-nos como seres parte dso pares de opostos, obteremos a salvao.

    Quando lutamos pelo bom e pelo belo, esquecemo-nos de nosso ser essencial, que

    a diferenciao, e nos tornamos vtimas das qualidades do Pleroma, os pares de opostos. Lutamos para alcanar o bom e o belo, mas ao mesmo tempo obtemos o mau e o feio, porque no Pleroma estes so idnticos queles. Todavia, se

    permanecermos fiis nossa natureza, que a diferenciao, ento nos diferenciaremos do mau e do feio. S assim no imergimos no Pleroma, ou seja, no

    nada e na dissoluo. Discordareis, dizendo: Afirmastes que diferenciao e igualdade constituem

    tambm qualidades do Pleroma. O que ocorre, quando lutamos pela diferenciao? No somos no caso fiis nossa natureza e, portanto, devemos tambm ficar

    eventualmente em estado de igualdade , enquanto lutamos pela diferenciao? O que no deveis esquecer jamais que o Pleroma no tem qualidades. Somos ns que criamos essas qualidades atravs do intelecto. Quando lutamos pela

    diferenciao ou pela igualdade, ou por outras qualidades, lutamos por

  • pensamentos que fluem para ns a partir do Pleroma, ou seja, pensamentos sobre

    as qualidades inexistentes do Pleroma. Enquanto perseguis essas idias, vs vos precipitais novamente no Pleroma, chegando ao mesmo tempo diferenciao e

    igualdade. No a vossa mente, mas o vosso ser constitui a diferenciao. Eis por que no devereis lutar pela diferenciao e pela discriminao como as conheceis, mas sim por VOSSO PRPRIO SER. Se de fato assim o fizssemos, no tereis

    necessidade de saber coisa alguma sobre o Pleroma e suas qualidades e, ainda assim, atingireis o vosso verdadeiro objetivo, devido vossa natureza. No entanto,

    como o raciocnio aliena-vos de vossa real natureza, devo ensinar-vos o conhecimento para que possais manter vosso raciocnio sob controle.

    O SEGUNDO SERMO

    Os mortos se ergueram durante a noite junto s paredes e gritaram: Queremos saber sobre Deus! Onde est Deus?

    -Deus no est morto; Ele est to vivo quanto sempre esteve. Deus o mundo criado, na medida em que algo definido e, portanto, diferenciado do Pleroma.

    Deus uma qualidade do Pleroma, e tudo o que afirmei sobre o mundo criado igualmente verdadeiro no que a Ele se refere.

    Entretanto, Deus se distingue do mundo criado, pois menos definido e definvel do que o mundo cirado em geral. Ele menos diferenciado que o mundo criado,

    porque a essncia do seu SER a efetiva plenitude; e s na medida se Sua definio e diferenciao que Ele idntico ao mundo criado; portanto, Ele representa a manifestao da efetiva plenitude do Pleroma.

    Tudo o que no diferenciamos precipita-se no Pleroma e anula-se com seu oposto.

    Portanto, se no discernimos Deus, a plenitude efetiva elimina-se para ns. Deus tambm o prprio Pleroma, da mesma forma que cada um dos pontos mais minsculos dentro do mundo criado, bem como no plano incriado, constitui o

    prprio Pleroma.

    O vazio efetivo o ser do Demnio. Deus e Demnio so as primeiras manifestaes do nada a que chamamos de Pleroma. No importa se o Pleroma existe ou no existe, porque ele se anula em todas as coisas. O mundo criado,

    entretanto, diferente. Na medida em que Deus e Demnio so seres criados, eles no se suprimem mutualmente, mas resistem um ao outro como opostos ativos. No

    necessitamos de prova da sua existncia; basta que sejamos obrigados a falar sempre deles. Mesmo que eles no existissem, o ser criado (devido sua prpria natureza) os produziria continuamente, a partir do Pleroma.

    Tudo o que se origina no Pleroma pela diferenciao constitui pares de opostos;

    portanto, Deus sempre tem consigo o Demnio.

  • Como aprendestes, esse inter-relacionamento to ntimo, to indissolvel em

    vossas vidas, que se apresenta como o prprio Pleroma. Isso porque ambos permanecem muito prximos do Pleroma, no qual todos os opostos se anulam e se

    unificam. Deus e Demnio distinguem-se pela plenitude e pelo vazio, pela gerao e pela

    destruio. A atividade comum a ambos. A atividade unifica-os. Eis por que ela permanece acima de ambos, sendo Deus acima de Deus, por unificar plenitude e

    vazio em seu trabalho. H um Deus sobre o qual nada sabeis, porque os homens esqueceram-no. Ns o

    chamamos por seu nome: ABRAXAS. Ele menos definido que Deus ou o Demnio. Para distinguir Deus dele, chamamos a Deus Helios, ou o Sol.

    Abraxas a atividade; nada pode resistir-lhe, exceto o irreal, e assim, o seu ser ativo desenvolve-se livremente. O irreal no existe, portanto, no pode de fato

    resistir. Abraxas permanece acima do sol e acima do demnio. Ele o improvvel provvel, que poderoso no plano da irrealidade. Se o Pleroma pudesse ter uma

    existncia, Abraxas seria sua manifestao. Embora ele seja a prpria atividade, no constitui um resultado especfico, mas um

    resultado em geral.

    Ele representa a no-realidade ativa, porque no possui um resultado definido. Ele ainda um ser criado, na medida em que se diferencia do Pleroma.

    O sol exerce um efeito definido, assim como o demnio; portanto, eles se nos apresentam muito mais efetivos do que o indefinvel Abraxas.

    Pois ele poder, persistncia e mutao.

    -Nesse ponto, os mortos provocaram uma grande rebelio, porque eram cristos.

    O TERCEIRO SERMO Os mortos aproximaram-se como nvoa sada dos pntanos e gritaram: -Fala-nos mais sobre o deus supremo!

    - Abraxas o deus a quem difcil conhecer. Seu poder verdadeiramente

    supremo, porque o homem no o percebe de modo algum. O homem v o summum bonum (bem supremo) do sol e tambm o infinum malum (mal sem fim) do demnio, mas Abraxas no, porque este a prpria vida indefinvel, a me do bem e do mal

    igualmente.

    A vida parece menor e mais fraca do que o summum bonum (bem supremo), da a dificuldade de se conceber que Abraxas possa suplantar em seu poder o sol, que

  • representa a fonte radiante de toda a fora vital.

    Abraxas o sol e tambm o abismo eternamente hiante do vazio, do redutor e

    desagregador, o demnio. O poder de Abraxas duplo. Vs no podeis v-lo, porque a vossos olhos a

    oposio a esse poder parece anul-lo.

    O que dito pelo Deus-Sol vida. O que dito pelo Demnio morte.

    Abraxas, no entanto, diz a palavra venervel e tambm a maldita, que vida e morte ao mesmo tempo.

    Abraxas gera a verdade e a falsidade, o bem e o mal, a luz e a treva, com a mesma palavra e no mesmo ato. Portanto, Abraxas verdadeiramente o terrvel.

    Ele magnfico como o leo no exato momento em que abate sua presa. Sua beleza

    equivale beleza de uma manh de primavera. De fato, ele prprio o P maior e tambm o menor. Ele Prapo. Ele o monstro do inferno, o polvo de mil tentculos, o contorcer de serpentes

    aladas e da loucura. Ele o hermafrodita da mais baixa origem.

    Ele o senhor dos sapos e das rs que vivem na gua e saem para a terra, cantando juntos ao meio-dia e meia-noite. Ele plenitude unindo-se ao vazio;

    Ele constitu as bodas sagradas; Ele o amor e o assassino do amor;

    Ele o santo e o seu traidor. Ele a luz mais brilhante do dia, e a mais profunda noite da loucura. V-lo significa cegueira;

    Conhec-lo enfermidade; Ador-lo morte;

    Tem-lo sabedoria; No resistir-lhe significa libertao.

    Deus vive detrs do Sol; o demnio vive atrs da noite. O que deus traz existncia a partir da luz, o demnio arrasta para a noite. Abraxas, entretanto, o cosmo; sua

    gnese e sua dissoluo. A cada ddiva do Deus-Sol, o demnio acrescenta sua maldio.

    Tudo aquilo que pedis a Deus-Sol leva a uma ao do demnio. Tudo o que abtendes atravs do Deus-Sol aumenta o poder efetivo do demnio.

    Assim o terrvel Abraxas. Ele o mais poderoso ser manifestado e nele a criao torna-se temerosa de si

    mesma.

  • Ele o terror do filho, que ele sente contra a me.

    Ele o amor da me por seu filho. Ele o prazer da terra e a crueldade do cu.

    Diante de sua face o homem fica paralisado. Ante ele, no h pergunta nem resposta. Ele a vida da criao.

    Ele a atividade da diferenciao. Ele o amor do homem.

    Ele a fala do homem. Ele tanto o brilho como a sombra escura do homem. Ele a realidade enganosa.

    - Nesse ponto, os mortos clamaram e deliraram porque ainda eram seres

    incompletos.

    O QUARTO SERMO Resmungando, os mortos encheram a sala e disseram: - Tus que s maldito, fala-

    nos sobre deuses e demnios! -Deus-Sol o bem supremo, o demnio o oposto; portanto, tendes dois deuses.

    H, contudo, inmeros grandes bens e numerosos grandes males; entre eles existem dois deuses-demnios, um dos quais o FLAMEJANTE e o outro, o

    FLORESCENTE. O flamejante EROS em sua forma de chama. Ele brilha e devora. O florescente a RVORE DA VIDA; ela cresce verdejante e acumula matria viva enquanto cresce. Eros flameja e ento se apaga; a rvore da vida, no

    entanto, desenvolve-se lentamente atravs de incontveis eras.

    Bem e mal esto unidos na chama. Bem e mal esto unidos no crescimento da rvore. Vida e amor opem-se mutualmente em sua divindade.

    Imensurvel como os agrupamentos de estrelas o nmero de deuses e demnios.

    Cada estrela representa um deus e cada espao ocupado por uma estrela, um demnio. E o vazio do todo o Pleroma. A atividade do todo Abraxas; s o irreal ope-se a ele. O quatro constitui o nmero das divindades principais, porque

    quatro o nmero das dimenses do mundo. O Um o princpio; Deus-Sol. O Dois Eros, porque ele se expande com uma luz brilhante e combina duas. O Trs a

    rvore da Vida, porque ela preenche o espao com corpos. O quatro o demnio, porque ele abre tudo o que est fechado; ele dissolve tudo o que tem forma e corpo; ele o destruidor, no qual todas as coisas do em nada.

    Abenoado sou, porque me dado conhecer a multiplicidade e a diversidade dos

    deuses. Lastimo-vos, porque substitustes a unidade de Deus pela diversidade que no se pode converter em unidade. Por meio disso, criastes o tormento da

  • incompreenso e a mutilao do mundo criado, cuja essncia e lei a diversidade.

    Como podeis ser leais vossa naturreza quando tentais fazer um dos muitos? O que fazeis aos deuses, tambm vos sobrevm. Todos vs se tornam, assim, iguais e,

    por isso, vossa natureza tambm, fica mutilada Em benefcio do homem pode reinar a unidade, mas nunca em benefcio de deus,

    pois existem muitos deuses, porm poucos homens. Os deuses so poderosos e suportam sua diversidade, visto que, como as estrelas, eles permanecem em solido

    e separados por vastas distncias uns dos outros. Os seres humanos so fracos e no conseguem suportar sua diversidade, por viverem prximos uns dos outros e desejarem companhia; assim sendo, no podem suportar os prprios e distintos

    isolamentos. Em prol da salvao, eu vos ensino aquilo que se deve eliminar, em favor do que eu prprio fui banido.

    A multiplicidade dos deuses iguala a multiplicidade dos homens. Incontveis deuses aguardam para tornarem-se homens. Inmeros j o foram. O homem um partcipe

    da essncia dos deuses; ele vem dos deuses e vai para Deus.

    Do mesmo modo que intil pensar sobre o Pleroma, intil adorar essa pluralidade de deuses. Menos til ainda adorar o primeiro Deus, a efetiva plenitude e o bem supremo. Atravs de nossas preces, no podemos nem

    acrescentar-lhe algo nem subtrair-lhe, porque o efetivo vazio tudo absorve. Os deuses de luz compem o mundo celestial, que mltiplo e estende-se at o infinito,

    expandindo-se ilimitadamente. Seu senhor supremo o Deus-Sol. Os deuses das trevas constituem o inferno. Eles no so complexos e tm a

    capacidade de diminuir e encolher infinitamente. Seu senhor mais profundo o demnio, o esprito da lua, o servo da terra, que menor, mais frio e mais inerte do

    que a terra. No h diferena no poder dos deuses celestiais e terrestres. Os celestiais

    expandem-se, os terrestres contraem-se. As duas direes estendem-se ao infinito.

    O QUINTO SERMO Os mortos cheios de escrnio, gritaram: - Ensina-nos, tolo, sobre a Igreja e santa comunidade!

    - O mundo dos deuses manifesta-se na espiritualidade e na sexualidade. Os deuses

    celestiais expressem-se na espiritualidade e os terrenos, na sexualidade. A espiritualidade recebe e compreende. Ela feminina, por isso ns a chamamos de

    MATER COELESTIS, a me celestial. A sexualidade gera e cria. Ela masculina, portanto ns a chamamos de PHALLOS, o pai telrico. A sexualidade do homem

    mais terrena enquanto a sexualidade da mulher, mais celestial. A espiritualidade do homem celestial, porquanto se move na direo do maior. Por outro lado, a

  • espiritualidade da mulher mais terrena porque se move na direo do menor.

    Ilusria e demonaca a espiritualidade do homem que se dirige ao menor. Ilusria

    e demonaca a espiritualidade da mulher que se dirige ao maior. Cada uma deve dirigir-se a seu prprio lugar.

    Homem e mulher tornam-se demnios um para o outro quando no separam seus caminhos espirituais, pois a natureza dos seres criados sempre a natureza da

    diferenciao. A sexualidade do homem volta-se para o terreno; a sexualidade da mulher volta-se

    para o espiritual. Homem e mulher tornam-se demnios um para o outro quando no distinguem suas duas formas de sexualidade.

    O homem deve conhecer o que menor, a mulher o que maior. O homem deve separar-se da espiritualidade e tambm da sexualidade. Ele deve chamar a

    espiritualidade e me e entroniz-la entre o cu e a terra. Ele deve chamar a sexualidade de phallos, colocando-a entre o prprio ser e a terra, porque a me e

    phallos so demnios super-humanos e manifestaes do mundo dos deuses. Eles se apresentam mais eficientes para ns do que os deuses por estarem mais prximos do nosso ser. Quando no puderdes distinguir entre vs prprios, de um lado, a

    sexualidade e espiritualidade, de outro, e quando no fordes capazes de considerar que ambos so seres superiores e exteriores a vs, ento sereis vitimados por eles,

    i. e., pelas qualidades do Pleroma. Espiritualidade e sexualidade no constituem qualidades vossas, no so coisas que podeis possuir e apreender, ao contrrio, trata-se de demnios poderosos, manifestaes de deuses e, portanto, so muito

    superiores a vs e existem em simesmas. Ningum possui espiritualidade ou sexualidade para si mesmo; antes, estamos sujeitos s leis da sexualidade e da

    espiritualidade. Portanto, ningum escapa a esses dois demnios. Deveis consider-los demnios, causas comuns e perigos graves, assim como os deuses e, acima de tudo, o terrvel Abraxas.

    O homem fraco, portanto a comunidade torna-se indispensvel; se no a

    comunidade sob o signo da me, ento aquela sob o signo de phallos. No haver comunidade constitui sofrimento e enfermidade. A comunidade traz consigo fragmentao e dissoluo. A diferenciao conduz solido. A solido contrria

    comunidade. Devido fraqueza da vontade humana, em oposio aos deuses e demnios e suas leis que no se pode escapar, a comunidade necessria.

    Eis por que devem existir tantas comunidades quantas forem necessrias; no por causa dos homens, mas por causa dos deuses. Os deuses foram-nos a uma

    comunho. Eles vos foram a associar-vos tanto quanto necessrio; mais do que isso, porm, converte-se num mal.

    Em comunho, cada um deve sujeitar-se ao outro, para a preservao da comunidade, visto que dela tendes necessidade. No estado de solido, cada qual

    ser colocado acima dos demais, para que possa conhecer-se e evitar a servido.

  • Na comunidade haver abstinncia.

    Na solido, deixai que haja desperdcio de abundncia. Porque a comunidade

    profundidade enquanto a solido, altura. A verdadeira ordem na comunidade purifica e preserva.

    A verdadeira ordem na solido purifica e aumenta. A comunidade d-nos calor; a solido, luz.

    O SEXTO SERMO

    O demnio da sexualidade insinua-se em nossa alma como uma serpente. Trata-se

    de uma alma semi-humana e chama-se pensamento-desejo.

    O demnio da espiritualidade pousa em nossa alma como um pssaro branco. Trata-se de uma alma semi-humana e chama-se desejo-pensamento.

    A serpente constitui uma alma telrica, semidemonaca, um esprito relacionado com o esprito dos mortos. Com o esprito dos mortos, a serpente penetra vrios

    objetos terrenos. Ela tambm instila temor de si no corao dos homens e inflama-lhes o desejo. A serpente geralmente tem carter feminino e busca a companhia dos mortos. Ela se associa aos mortos presos terra que no encontraram o caminho

    pelo qual se passa ao estado de solido. A serpente uma prostituta que se consorcia com o demnio e maus espritos; ela um esprito tirano e atormentador,

    sempre tentando as pessoas a cultivar a pior espcie de companhia. O pssaro branco representa a alma semicelestial do homem. Ele vive com a me,

    descendo ocasionalmente da morada materna. O pssaro masculino e chama-se pensamento efetivo. Ele casto e solitrio, um mensageiro da me. Voa alto sobre

    a terra. Comanda a solido. Traz mensagens de longe, daqueles que nos antecederam na partida, daqueles que alcanaram a perfeio. Leva nossas palavras at a me. A me intercede e adverte, mas no possui poderes contra os

    deuses. Ela um veculo do sol.

    A serpente desce s profundezas e, com sua astcia, ao mesmo tempo paralisa e estimula o demnio flico. Ela traz das profundezas os pensamentos mais ardilosos do demnio telrico; pensamentos que rastejam por todas as passagens e tornam-se

    saturados de desejo. Embora no deseje s-lo, ela ns til. A serpente escapa ao nosso alcance, ns a perseguimos, e assim ela nos mostra o caminho, o qual, com

    nossa limitada capacidade humana, no poderamos encontrar. -Os mortos ergueram o olhar com desprezo e disseram: - Cessa de falar-nos sobre

    deuses, demnios e almas. Sabemos de tudo isso em essncia h muito tempo!

    O STIMO SERMO

  • noite novamente retornaram os mortos, dizendo entre queixas: - Uma coisa mais

    devemos saber, pois esquecemos de discuti-la: ensina-nos a respeito do homem!

    - O homem um portal por meio do qual penetramos, do mundo exterior dos deuses, demnios e almas, no mundo interior; do mundo maior no mundo menor. Pequeno e insignificante o homem; logo o deixamos para trs e assim entramos

    uma vez mais no espao infinito, no microcosmo, na eternidade interior.

    imensurvel distncia cintila solitria uma estrela, no ponto mais alto do cu. Trata-se do nico Deus desse solitrio ser. seu mundo, seu Pleroma, sua divindade.

    Nesse mundo, o homem Abraxas, que d discernimento a seu prprio mundo e

    devora-o. Essa estrela o Deus do homem e seu destino. Ela sua divindade tutelar; nela o homem encontra o repouso.

    A ela conduz a longa jornada da alma aps a morte; nela reluzem todas as coisas

    que, de outro modo, poderiam afastar o homem do mundo maior, com o brilho de uma grande luz.

    A esse Ser, o homem deveria orar. Tal prece aumenta a luz da estrela.

    Tal prece constri uma ponte sobre a morte. Ela aumenta a vida no microcosmo; quando o mundo exterior esfria, essa estrela ainda brilha.

    Nada poder separar o homem de seu Prprio Deus, se ele ao menos conseguir

    desviar o olhar do ferico espetculo de Abraxas. Homem aqui, Deus l. Fraqueza e insignificncia aqui, eterno poder criador l.

    Aqui, h somente treva e frio mido. L tudo luz solar.

    Tendo assim ouvido, os mortos silenciaram e elevaram-se como a fumaa da fogueira do pastor que guarda o seu rebanho noite.

    ANAGRAMA:

    Nahtriheccunde

    Gahinneverahtunin

    Zehgessurklach

    Zunnus