CARNEIRO, Ricardo. Velhos e Novos Desenvolvimentismos

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    Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, Nmero Especial, p. 749-778, dez. 2012.

    Velhos e novos desenvolvimentismos

    Ricardo de Medeiros Carneiro * 1

    Resumo

    Na segunda metade dos anos 2000, a retomada do crescimento com distribuio da renda no Brasil e naAmrica do Sul, aps o fracasso do neoliberalismo e sua variante suavizada, o Consenso deWashington, ao promover o crescimento econmico e reduzir significativamente a desigualdade socialna regio, contribuiu para o ressurgimento e atualizao de antigos paradigmas de polticas econmicas.A crise financeira global e os impasses do desenvolvimento nas economias centrais deram fora, ao

    menos nos pases perifricos, busca e consolidao desses novos perfis de poltica econmica. Esteartigo prope-se a examinar como tais mudanas influenciaram o pensamento desenvolvimentista noBrasil, dando origem, no perodo recente, a novas correntes interpretativas do desenvolvimento

    brasileiro e suas relaes com a estratgia inovadora de desenvolvimento em curso.

    Palavras-chave:Brasil; Pensamento econmico; Desenvolvimentismo.

    Abstract

    New and old developmentalisms

    In the second half of the 2000s, there was renewed growth and income distribution in both Brazil

    specifically and South America in general. This growth followed the failure of neoliberalism (and alsoof its lighter cousin, the Washington Consensus) to promote economic growth, and more significantly,to reduce social inequality in the region. This all contributed to the rise and reformation of old

    paradigms of economic policies. The global financial crisis and the challenges to development in thecore economies have given strength, at least in the peripheral countries, to the quest for and theconsolidation of these new kinds of economic policies. This article aims to examine how these changeshave influenced developmentalist thinking in Brazil, and how they have recently given rise to newschools of thought regarding Brazil's development. It also examines the relationship between theseschools of thought and the new development strategy that is currently in place.

    Keywords:Brazil; Economic thought; Developmentalism.

    JEL O10, O11, O14.

    Introduo

    Na segunda metade dos anos 2000, um conjunto de eventos marcantes, comopor exemplo, a retomada do crescimento com distribuio da renda no Brasil e naAmrica do Sul contribuiu para o ressurgimento de antigos paradigmas de polticaseconmicas, aps mais de duas dcadas de hegemonia de polticas de inspiraoliberal na regio. Desde 2008, a crise financeira global e os impasses do

    *Professor Titular do Instituto de Economia da Unicamp (IE/Unicamp) / Diretor-Executivo para o Brasil eSuriname do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Washington, DC, USA. E-mail:

    [email protected].

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]
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    desenvolvimento nas economias centrais deram fora, ao menos nos pasesperifricos, busca e consolidao de novos perfis de poltica econmica.

    O fracasso do neoliberalismo e de sua variante suavizada, o Consenso deWashington, ao promover o crescimento econmico e reduzir significativamente adesigualdade social na Amrica Latina, em contraposio trajetria recente dodesenvolvimento na regio, tambm reforou esse ressurgimento. Por sua vez, asmudanas ocorridas desde os anos 1980, com emergncia de novas potnciaseconmicas, mormente dentre os pases da sia, cujo sucesso esteve apoiado empolticas no liberais, constituram um importante estmulo mudana de paradigmana Amrica Latina.

    Este artigo prope-se a examinar como tais mudanas influenciaram opensamento desenvolvimentista no Brasil, dando origem, no perodo recente, a novascorrentes interpretativas do desenvolvimento brasileiro e novos perfis de polticaseconmicas. Para tanto, cabe esclarecer que se entende por desenvolvimentismo noum corpo terico propriamente dito, mas uma interpretao peculiar dodesenvolvimento brasileiro e latino-americano, qual se associou um conjuntovariado de polticas econmicas de natureza intervencionista, portanto antiliberal,mas com matizes muito diferenciadas ao longo de vrios momentos histricos e pordiferentes pases.

    O trabalho inicia-se com a recuperao do pensamento desenvolvimentistaclssico da escola da Cepal. Em seguida, expe-se a contribuio da escola daUnicamp e suas principais ramificaes, incluindo sua crtica interna. Na ltimaparte, analisam-se as contribuies recentes com destaque para duas principaiscorrentes: o social-desenvolvimentismo e o novo-desenvolvimentismo.

    1 O desenvolvimentismo clssico: a Cepal

    Qualquer anlise sobre a teoria do desenvolvimento perifrico e o

    desenvolvimentismo, parte obrigatoriamente da obra seminal de Ral Prebisch(1949). No trabalho clssico desenvolvido por ele e seus colaboradores (Cepal,1949), bem como na Introduo do mesmo Prebisch (1949), o autor faz a crtica proposta do desenvolvimento fundado nas vantagens comparativas com base nadiviso internacional do trabalho ento prevalecente, da qual participavam, de umlado, pases produtores de bens primrios e, de outro, produtores de bensindustrializados.

    O documento est permeado pela ideia do desenvolvimento desigual daseconomias, ou seja, a sua ocorrncia em ondas histricas que sucessivamente voincorporando as naes economia internacional, mas de maneira distinta eassimtrica. A desigualdade ou assimetria ocorre porque as economias incorporadasde maneira retardatria o so de maneira peculiar como periferia. H um centro

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    constitudo historicamente, do qual se irradia a dinmica e ao qual so incorporadasde modo parcial, como fornecedoras de matrias-primas e alimentos, as diversas

    economias perifricas.Ao discutir o desenvolvimento calcado na referida diviso internacional do

    trabalho, o documento verifica que os ganhos de produtividade foramsubstancialmente maiores na indstria ante a atividade primria. Ao constatar, noentanto, que, ao contrrio do que sugeria a teoria das vantagens comparativas, issono se traduziu em uma queda de preos relativos dos bens industriais ante osagrcolas, indicando um bloqueio na propagao do progresso tcnico conduzindo deteriorao dos termos de trocas entre os dois grupos de pases. Tal deterioraoterminava por agudizar, por meio da reduo da capacidade para importar, aquela

    que seria a maior restrio ao desenvolvimento perifrico: a restrio de divisas ou,mais propriamente, a restrio externa.

    Na identificao dos fatores responsveis por essa tendncia, Prebisch (1949)sugere a importncia das estruturas de oferta, como fator crucial. Assim, naeconomia industrial, os ajustes ao longo do ciclo econmico faziam-se pelasquantidades enquanto nas economias primrias, por meio dos preos. A rigidez depreos industriais ocorreria, em ltima instncia, devido rigidez salarial tanto pelatransmisso dos ganhos de produtividade aos salrios nas fases de expanso, quanto

    pela maior resistncia sua queda nas recesses, em razo da maior organizao dostrabalhadores, reflexo do menor excedente de fora de trabalho em tais economias.Nos pases produtores de bens primrios, os preos e salrios seriam mais flexveis,especialmente em razo do excedente estrutural de fora de trabalho.

    Embora o argumento de Prebisch (1949) esteja restrito flexibilidade dossalrios e ao excedente de fora de trabalho, ele pode facilmente ser derivado paraaspectos mais amplos da estrutura produtiva. A maior propenso ao barateamento depreos dos bens primrios pode ser explicada por razes tcnicas, associadas disseminao das tecnologias e s baixas escalas de produo, implicando menoresbarreiras entrada, o que geraria uma tendncia recorrente superproduo. Assim,haveria um amplo potencial produtivo, medido pelo excedente de fora de trabalho,disponibilidade de recursos naturais e tcnicas disseminadas que poderiam serutilizados para ampliar a oferta. No setor industrial, ocorreria o oposto, vale dizer,oferta restrita de mo de obra e tcnicas relativamente monopolizadas.

    Ao contestar a tese de que o subdesenvolvimento poderia ser superado atpor meio do aprofundamento da diviso internacional do trabalho com maiorespecializao na produo de bens primrios, em Cepal (1949) e Prebisch (1949), o

    autor levanta alguns elementos para sua caracterizao adicional pela tica dahierarquia dos setores produtivos. Assim, a expanso da indstria seria capaz de criaros mercados para si, mas o contrrio no seria verdadeiro, tendo o setor primrio que

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    depender dos mercados criados pela indstria ou, em sua inexistncia, pelos oriundosda demanda externa.

    O argumento vai, ento, alm da postulao de que os mercados para bensagrcolas cresceriam a um ritmo inferior ao dos mercados para bens industriais, comodecorrncia das distintas elasticidades-renda da demanda. Ele ressalta a maiorextenso das cadeias produtivas da atividade industrial e seu potencial mais elevadode ulterior diversificao por meio da criao de novos produtos, vis--viso baixopotencial das atividades primrias, tanto no que tange ao valor adicionado quanto criao de novos produtos. Ademais, em contraposio ao setor primrio, a indstria,pela sua forma de organizao da fora de trabalho e utilizao de tecnologias eaparatos mecnicos modernamente, mecatrnicos seria o locus privilegiado do

    progresso tcnico.

    Alm do menor dinamismo das atividades primrias ante as industriais, ospases exportadores desses bens defrontar-se-iam com uma restrio irremovvel aocrescimento por conta da deteriorao dos termos de intercmbio: esta ltima dariacarter recorrente restrio externa por meio do declnio da capacidade paraimportar. No fundo, a tese defendida por Prebisch a da impossibilidade de alcanaro desenvolvimento por meio do padro hacia fuerabaseado na exportao de bensprimrios e cuja varivel dinmica a demanda externa. A todo o momento,

    contrape a ele um outro paradigma, o dos pases centrais, baseados na indstria, noprogresso tcnico e na capacidade de ambos de dinamizarem a demanda.

    A interpretao cepalina do desenvolvimento ou, em particular, dosubdesenvolvimento, aprofunda-se na obra de Celso Furtado. Em seus trabalhos,(como, por exemplo, Furtado (1961)), aparece tambm a ideia dosubdesenvolvimento como uma situao historicamente determinada, no como umaetapa necessria do desenvolvimento econmico. Sua contribuio original dentro daescola cepalina est associada discusso da continuidade do subdesenvolvimento,mesmo quando as economias perifricas superam a clssica diviso do trabalho comoprodutoras de bens primrios e adentram o estgio do desenvolvimento haciadentropor meio da industrializao.

    Segundo o autor, as economias perifricas constituem-se enquantodesdobramento das economias centrais, a partir da instalao de um ncleo industrialno centro, por meio da produo e fornecimento de matrias-primas e alimentos. Aatividade econmica em tais economias dependeria desse centro de vrias maneiras.Em uma situao extrema, quando ela se realizasse com capitais estrangeiros, o nicofator de dinamismo interno seria a massa de salrios. Parte do resultado da atividade

    econmica, talvez a mais importante, relativa ao lucro, no permaneceria naseconomias perifricas e, mesmo que isso no ocorresse, quando os capitais fossemnacionais, tais economias, em razo da especializao e estreiteza de seus mercados,

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    ainda dependeriam fundamentalmente da demanda externa como varivel chave docrescimento.

    No que tange aos fatores dinmicos ou determinantes do crescimento, adistino entre economias centrais e perifricas seria crucial. Nas primeiras, osaspectos associadas oferta, em particular ao progresso tcnico, responderiam pelodinamismo. J nas segundas, as foras da demanda seriam mais relevantes. Em umprimeiro momento, a demanda externa por bens primrios e, em segundo, emsituaes de restrio capacidade para importar, a demanda insatisfeita porimportaes. Essa distino crucial porque os pases perifricos, por no possuremum ncleo industrial relevante, com autonomia tecnolgica, dependeriampermanentemente da trajetria da demanda e, mais ainda, da demanda externa na

    determinao da sua expanso, contrastando com o papel do progresso tcnico e daoferta nos pases centrais.

    Olhando o mesmo processo por outro ngulo, Furtado (1992) ressalta, nombito do capitalismo desenvolvido, a centralidade do processo de incorporao edifuso de novas tcnicas como determinante do aumento da capacidade de produoe da produtividade. Essa produo ampliada, por sua vez, poderia ser absorvida peloaumento do investimento, do consumo quando parte dos ganhos de produtividade transferida aos salrios, da, a importncia atribuda por Furtado distribuio da

    renda, pelo investimento no exterior e pelo gasto pblico. Estes dois ltimos seriam,ainda, importantes fatores de absoro da parcela relativa aos lucros.

    A forma pela qual, nas economias desenvolvidas, o excedente foi absorvido em uma ou mais das categorias de demanda efetiva: consumo, investimentoinduzido, investimento externo ou gasto pblico definiu padres dedesenvolvimento distintos.

    O autor no descarta o investimento induzido efeito acelerador comofonte importante de absoro da produo ampliada, mormente quando das ondas de

    inovao tecnolgica. Ele, contudo, utiliza-se de modo implcito da ideia presentenos modelos keynesianos de crescimento, de que o investimento, ao criar novacapacidade produtiva, amplia ao mesmo tempo a oferta, levando ao aumentoprospectivo da ociosidade e a problemas de realizao da produo que s podem sersolucionados pelos mercados externos. A piora da distribuio da renda como

    declnio da participao dos salrios na renda nacional, por conta de tecnologiaspoupadoras de mo de obra, acentuaria o problema.

    No contexto explicitado acima, o subdesenvolvimento visto como umadisseminao parcial ou bloqueada do progresso tcnico. No mbito produtivo, porseu carter restrito, abarcando um nmero pequeno de atividades ou setores ligados exportao de bens primrios ou uma indstria pouco expressiva. Tambm, porquecaractersticas peculiares desses pases, como a oferta ilimitada de fora de trabalho,

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    limitariam a transmisso dos ganhos de produtividade aos salrios, restringindo aindamais, vis--vis, o capitalismo central, o crescimento do mercado interno.

    A contribuio de Furtado destaca ainda a assimilao desigual do progressotcnico nas economias perifricas, mesmo naquelas que lograram algum grau deindustrializao e este progresso seria menos disseminado nas estruturas produtivascomparativamente aos estilos de vida e de consumo. Isso, na verdade, s seriapossvel em economias primrio-exportadoras articuladas a um centro desenvolvidodos quais se absorveria a segunda dimenso, o estilo de vida, pelas camadas de altarenda e o consumo de bens de luxo importados. No plano produtivo, a realidade era ade tcnicas atrasadas ou restritas a poucos setores, sem capacidade de engendrarsurtos de inovaes ou progresso tcnico, massa de salrios limitada pelo excedente

    de fora de trabalho e concentrao da renda com poucos efeitos dinamizadoressobre a economia domstica.

    A industrializao por substituio de importaes, como etapa superior dodesenvolvimento perifrico, desencadeada como resposta ao estrangulamento externoe como a alternativa, portanto, para atender uma demanda insatisfeita por bens deconsumo, implicava a substituio da demanda externa pela domstica ou, em suaspalavras, no deslocamento do centro dinmico. A economia deixava de ter nasexportaes sua varivel chave de impulso autnomo que agora passava a ser a

    demanda domstica. Essa ltima seria constituda, em primeira instncia, pelademanda insatisfeita por bens de consumo antes importados e, em segunda, pelamassa de salrios pagos na economia e pelo investimento induzido.

    Sob o ponto de vista dinmico, a utilizao de tcnicas inadequadas,definidas pelo estado das artes no centro, intensivas em capital e poupadoras de

    mo de obra, limitariam os efeitos multiplicadores sobre o mercado interno, porconta dos elevados requisitos de capital e baixo impacto no emprego. A ofertailimitada de fora de trabalho, por sua vez, limitaria a transferncia dos ganhos deprodutividade aos salrios. Conforme explicitado em Furtado (1969), tais restriesao processo de desenvolvimento agravar-se-iam medida que a substituio deimportaes avanava na internalizao da produo de bens de maior valor unitrio,os durveis, nos quais a demanda j era de partida mais restrita. O resultado seriauma tendncia estagnao das economias com as citadas caractersticas.

    Um dos pontos altos do pensamento desenvolvimentista e que marca suatransio para paradigmas tericos distintos da abordagem cepalina clssica acrtica de Tavares e Serra (1970) tese estagnacionista de Furtado. Em sua essncia,a crtica postula que a interpretao de Furtado, por estar ancorada em pressupostos

    tericos insuficientes, v.g.a teoria neoclssica, teria sido induzida a confundir a crisecclica na qual estava imersa a economia brasileira e vrias economias latino-americanas, com um processo de estagnao permanente ou secular.

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    Para os autores, a varivel central no argumento de Furtado (1969) arelao produto-capital marginal e seu necessrio declnio em razo das

    caractersticas do processo de substituio de importaes. Como primeira crtica,assinalam que essa varivel de natureza tecnolgica apenas um resultado ex-postdoprocesso de crescimento e no se confunde com a verdadeira motivao doinvestimento, isto , a eficincia marginal do capital, uma varivel ex-ante e,portanto, expectacional.

    Questionam, tambm, a inevitabilidade da queda de tal relao luz danatureza do progresso tcnico. Assim, no argumento de Furtado, as tcnicas deproduo avanadas utilizadas na indstria de bens de consumo durvel exigiriammaior dotao de capital por trabalhador, ou seja, maior relao trabalho capital,

    decorrendo, da, o declnio da relao produto-capital marginal. Para Tavares e Serra(1970), isso no seria necessariamente verdadeiro e dependeria da intensidade doprogresso tcnico ou do aumento da produtividade do trabalho cujo aumento poderiaassegurar a lucratividade dos investimentos. Isso significa que a relao produto-capital s cairia, arrastando a lucratividade e o crescimento, se o aumento daprodutividade fosse menor do que o incremento da dotao de capital portrabalhador. Em termos formais, tm-se:

    P/K = p= relao produto capital marginal

    P/T = t = produtividade marginal do trabalho

    K/T =k= dotao marginal de capital por trabalhador.

    Como, p = t/k , para que pcaia, tdeve crescer menos do que k.

    Alm do argumento formal acima, a crtica avana para aspectos histrico-concretos da dinmica da economia brasileira nos anos 1960. Os autores admitemque a economia brasileira vivia durante o perodo uma crise cclica, resultante emboa medida do boom de investimento do perodo do Plano de Metas e que havia

    conduzido a um nvel de ociosidade expressivo na indstria ou, nos termos deFurtado, a um incremento da relao produto-capital. A ocupao dessa capacidadeociosa estaria obstaculizada por dois fatores distintos: i) insuficincia de consumodecorrente da extrema concentrao da renda em detrimento inclusive dos gruposmdios, ii) indisponibilidade de financiamento, a rigor de poupana, para novosprojetos de investimento.

    A ociosidade elevada e insuficincia da demanda foram resolvidas de formapeculiar no mbito das reformas promovidas pela ditadura militar, como decorrnciado grau de desenvolvimento alcanado pelo capitalismo brasileiro o qual lhe conferiaautonomia para que os estmulos pudessem ser buscados no plano domstico. Sob talponto de vista, a reconcentrao da distribuio funcional e pessoal da rendadesempenhou um papel crucial. A pessoal, por ter permitido criar a demanda

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    necessria para dinamizar o setor de bens de consumo durveis. A funcional, porcriar condies para o autofinanciamento parcial do investimento. Essa ltima

    mudana, junto reformulao da estrutura tributria e do sistema financeiro (aprimeira, com seu impacto positivo no gasto pblico e a segunda, no financiamentoprivado), criaram as condies adicionais para a retomada do investimento, uma vezocupada a capacidade ociosa.

    2o Desenvolvimentismo crtico: a escola da Unicamp

    A escola da Unicamp reconhecida como herdeira do pensamento cepalino,mas, ao mesmo tempo, prope-se a super-lo por meio de uma abordagem fundadaem outras vertentes tericas, particularmente o marxismo e suas derivaes

    contemporneas. Reconhece sua relevncia e limitaes, pretendendo nas palavras deCardoso de Mello (1982) repensar a histria latino-americana como formao edesenvolvimento do modo de produo capitalista.

    A problemtica dos autores da Escola da Unicamp a do desenvolvimentocapitalista entendido, tal qual na Cepal, como industrializao, embora caracterizadoa partir de outro aparato terico, como desenvolvimento das foras produtivascapitalistas. Por sua vez, esse desenvolvimento ou industrializao pensado comosendo especfico, por conta de seu ponto de partida as economias exportadoras

    capitalistase pelo momento histrico no qual se realiza o da etapa monopolista dodesenvolvimento do capitalismo em geral. Aqui, cabe j destacar que, embora talanlise ir revelar-se mais precisa, ela compartilha com o pensamento da Cepal duasconcepes bsicas: i) a de entender desenvolvimento como industrializao; ii) a decaracterizar o desenvolvimento como especfico perifrico, retardatrio ou tardio,em razo do momento histrico em que ocorre.

    A constituio de foras produtivas tem um significado especfico nessainterpretao, o de industrializao pesada. Desde logo, ela vista como aculminao do processo de desenvolvimento capitalista e a anlise doscondicionantes histricos que permitam alcan-la ou no, constitui o foco daabordagem. Para Tavares (1985), a industrializao pesada conferiria ao capitalismo,incluindo o brasileiro, a autodeterminao do processo de desenvolvimento, o queteria como contraparte a autonomia completa ante a demanda do exterior e, inclusive,a superao da restrio externa, entendida como o limite ao crescimento impostopela limitao na capacidade para importar. Esta superao suporia, por um lado, aimplantao de um significativo setor produtor de meios de produo na economia,por outro lado, que o investimento autnomo passasse a ser a varivel dinmica por

    excelncia do crescimento. Constituem-se enquanto desdobramento das economiascentrais, a partir da instalao de um ncleo industrial no centro, por meio daproduo e fornecimento de matrias-primas e alimentos. A atividade econmica emtais economias dependeria desse centro de vrias maneiras. Em uma situao

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    extrema, quando ela se realizasse com capitais estrangeiros, o nico fator dedinamismo interno seria a massa de salrios. Parte do resultado da atividade

    econmica, talvez a mais importante, relativa ao lucro, no permaneceria naseconomias perifricas e, mesmo que isso no ocorresse, quando os capitais fossemnacionais, tais economias, em razo da especializao e estreiteza

    Em Cardoso de Mello (1982), a constituio de foras produtivasespecificamente capitalistas tambm associada industrializao pesada e constituio das bases tcnicas do capitalismo, que permitem acumulao de capitallibertar-se de diversos tipos de constrangimentos, seja o da demanda corrente, arestrio externa ou, eventualmente, a escassez de fora de trabalho. O autor associa,ademais, a industrializao pesada ao conceito de salto tecnolgico, compreendendo

    a diferenciao da estrutura produtiva com a implantao de novos setores e suacapacidade de crescer desconectado da demanda prvia, pelos efeitos deencadeamento do novo bloco de inverses, ou seja, destaca o papel do investimentoautnomo como varivel dinmica. O conceito de industrializao pesada, portanto,supe no s certa configurao produtiva com a presena decisiva do setor produtorde meios de produo (D I), como tambm a dominncia do investimento autnomocomo varivel propulsora do crescimento.

    Comparando tal interpretao com a da Cepal, mormente a de Furtado

    (1970), cabe assinalar uma convergncia existente entre elas, na medida em que oltimo autor citado, a partir de outro aparato analtico de inspirao keynesiana,tambm trata a industrializao como um processo de desenvolvimento no qual aindstria, por meio da diversificao, capaz de autogerar seus mercados,independizando-o da demanda externa. A construo analtica da escola da Unicamppermite, todavia, ir alm e diferenciar os vrios tipos de fatores dinmicos e,sobretudo, distinguir entre investimento induzido e autnomo.

    Os limites ao desenvolvimento capitalista so vistos nessa abordagem comosinnimos dos limites industrializao. Sob tal ponto de vista, uma pergunta crucial a referente a seus obstculos. A questo pode ser expressa como a dos limites realizao da industrializao pesada ou mais propriamente a dos obstculos quanto implantao. A resposta considera duas ordens de fatores: i) domsticos, relativos configurao da economia nacional (o ponto de partida da industrializao);ii) externos, referentes ao momento histrico de desenvolvimento.

    No primeiro caso, destaca-se a magnitude dos capitais locais e suavinculao a atividades de menor densidade de capital e complexidade tecnolgica,portanto, de menor risco e maior rentabilidade. Por sua vez, as escalas de produo,

    sofisticao e controle tecnolgicos da indstria pesada eram definidos por umpadro de concorrncia intercapitalista que j supunha, nas economias centrais, umelevado grau de concentrao e monopolizao. Nessas circunstncias, implantar a

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    indstria pesada era um processo necessariamente descontnuo e exigiria grauelevado de interveno extraeconmica como, por exemplo, papel decisivo do Estado

    e um contexto internacional favorvel, sobretudo um padro de concorrnciaintercapitalista compatvel com a migrao de investimentos para a periferia ou atransferncia macia de tecnologia por mecanismos de cooperao.

    Tanto Tavares (1985) quanto Cardoso de Mello (1982) ressaltam que asexperincias histricas de industrializao pesada no se deram a partir dadiferenciao da estrutura industrial existente, mas caracterizaram-se por verdadeirasdescontinuidades, com a introduo de novos setores, escalas ampliadas de produo.Em geral, contaram com o decisivo apoio e participao dos estados nacionais.

    O tema retomado por Coutinho e Belluzzo (1982), para quem, sob o pontode vista da periferia capitalista, o processo de industrializao no ps-guerra vistocomo caracterizado, em especial, pela difuso do segmento de bens de consumodurvel. Essa difuso, para ser vivel, exigiu em graus variados a expanso dainfraestrutura e do setor produtor de meios de produo. A ltima tarefa demandarianecessariamente uma participao decisiva, direta e indireta, do Estado. Em razodas escalas de produo envolvidas e dos requerimentos de centralizao do capital,haveria necessidade tanto do apoio ao setor privado nacional quanto da criao deempresas estatais1.2.

    Os variados papeis desempenhados pelo Estado na articulao dos blocos decapitais, na centralizao do capital por meio do apoio empresa privada nacional ouna criao de empresas estatais e, ainda, na arbitragem dos interesses do capitalexterno, conferiu-lhes uma funo crucial na industrializao durante a etapa pesada,a de articulador do investimento autnomo ou descontnuo.

    Ainda de acordo com Coutinho e Belluzzo (1982), nesse padro deindustrializao, o setor de meios de produo, amplamente dominado pelo capitalmultinacional, termina por constituir-se em um obstculo ao desenvolvimento

    nacional. Por conta da estrutura hierarquizada das empresas multinacionais e dacentralidade das matrizes, a gerao de progresso tecnolgico no seria disseminadapara a periferia. O mecanismo de expanso capitalista fundado no investimentoautnomo e no progresso tcnico estaria sob tal ponto de vista, bloqueado,restringindo-se aos momentos de diferenciao da estrutura produtiva e implantaode novos setores.

    Outro tema relevante para o desenvolvimento capitalista no Brasil, tratado,mas de maneira menos aprofundada na escola da Unicamp, o das finanas, de suas

    (1) Olhando a questo sob outra perspectiva, Lessa e Dain (1982) enxergam outro papel crucial do Estado

    no desenvolvimento brasileiro, o da conciliao de interesses entre o capital mercantil, predominantemente nacionale o capital industrial, predominantemente multinacional. O Estado seria, assim, o fiador do pacto entre as vrias

    rbitas ou fraes do capital envolvidos no processo de desenvolvimento brasileiro.

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    articulaes e condicionantes ao processo de acumulao. Em seu trabalho original,ao discutir os limites industrializao pesada nos anos 1930, Cardoso de Mello

    (1982) chama a ateno para os requerimentos de capital necessrios para implant-la, em razo das escalas de produo e sua incompatibilidade com os graus deconcentrao e centralizao de capitais existentes no pas. Depois, no trabalho deTavares (1998), aparece mais explicitamente a tese das finanas como bloqueio aoprocesso de desenvolvimento capitalista no Brasil.

    De acordo com essa autora, as finanas condicionariam o processo dedesenvolvimento por meio de dois aspectos: i) a atrofia do capital financeiro; ii) asndrome da liquidez. Na primeira dimenso, destaca a incapacidade do sistemafinanceiro em aglutinar ou centralizar massas de capital dinheiro e, a partir de tal

    centralizao, comandar o processo de acumulao. Reconhece que isso foi feitoparcialmente por meio do Estado, mas de forma passiva, ou seja, sem comando oucontrole da propriedade.

    No que tange sndrome da liquidez, afirma que por razes variadas, taiscomo inflao e instabilidade macroeconmica, sempre houve, por parte dospoupadores, uma preferncia por ttulos de curto prazo, impedindo a formao detaxas de juros de longo prazo, dificultando, assim, o desenvolvimento daintermediao financeira necessria para dar suporte ao financiamento da

    acumulao. Consideradas em todas as suas consequncias, tais caractersticaslimitariam o papel do investimento autnomo no capitalismo brasileiro, restringindo-o pela tica dos avanos de capital.

    Com base na abordagem terica citada, os autores desenvolvem umaperiodizao para o processo de desenvolvimento da economia brasileira, durante operodo da industrializao, utilizando para tanto um esquema analtico inspirado nasequaes marxistas de reproduo em sua atualizao kaleckiana. Especificam umprimeiro perodo pr-industrializao, cuja dinmica definida pela interao entredois setores: o mercantil-cafeeiro, hegemnico e o industrial, subordinado. Asubordinao desse ltimo viria tanto da dependncia em relao aos mercadoscriados pelo primeiro principalmente pela massa de salrios quanto pelacapacidade para importar os meios de produo necessrios reproduo ampliada,na inexistncia de uma indstria produtora de meios de produo.

    Nessa fase, a varivel dinmica ou autnoma, responsvel pelo crescimento, a demanda externa, secundada pelo investimento induzido no setor cafeeiro. Talsetor, por meio da criao de um mercado de bens-salrio, tambm induz a expansodo setor industrial que depende do primeiro duplamente, tanto pelos mercados

    correntes como pela criao da capacidade para importar, gerada pelas exportaesde caf.

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    Um segundo perodo denominado de industrializao restringida durante oqual o setor industrial ganha autonomia ante o mercantil-cafeeiro e capacidade de

    liderar o crescimento, porm de forma condicional. As dimenses alcanadas pelosetor industrial fazem com que sua expanso crie os mercados ou a demanda quejustificariam a ampliao da produo corrente do investimento. Significa que seutamanho e diversificao definiriam elevados efeitos multiplicadores combinadoscom significativo efeito acelerador decorrente do investimento induzido. claro que,em um primeiro momento, os mercados adicionais oriundos do colapso dacapacidade para importar decorrentes da crise de 1929 foram cruciais para explicar oimpulso inicial, autnomo, ao setor industrial.

    Esse perodo da industrializao tem algumas limitaes estabelecidas, em

    ltima instncia, pela capacidade para importar, isto , como no se havia implantadouma indstria de meios de produo suficientemente diversificada, a reproduo dosistema dependia ainda do setor exportador ou de sua capacidade de criar divisas.Sob tal ponto de vista, a industrializao pode ser denominada de restringida. esteperodo da industrializao brasileira e latino-americana, marcado por sucessivosestrangulamentos externos e pela reduo absoluta na capacidade para importar que,segundo Tavares (1985), pode ser rigorosamente caracterizado como deindustrializao por substituio de importaes.

    A autonomia ou autodeterminao do processo de desenvolvimentocapitalista viria somente com a industrializao pesada e, assim, em vrios sentidos.A diversificao da indstria com a incorporao do setor produtor de meios deproduo permitiria tornar a economia independente da capacidade para importarcriada pelo setor exportador e converteria o investimento autnomo em fora motrizdo crescimento. Assim, a economia brasileira, enquanto economia perifrica, no sediferenciaria mais das economias centrais em sua capacidade de crescer pelaautogerao da demanda fundada no papel do investimento autnomo movido peloprogresso tcnico. No caso, o progresso brasileiro e o perifrico assumiriam a forma

    de introduo de novos setores, aproximando a estrutura produtiva daquela existentenos pases centrais, o catching up.

    Em vrios textos, autores da escola da Unicamp alertam para asespecificidades desse capitalismo. Tavares (1985), por exemplo, embora afirmandoque a internalizao do DI conferiria ao capitalismo brasileiro caractersticassimilares s dos pases desenvolvidos, em sua trajetria cclica, assinala umaespecificidade na sua dinmica que estaria fundada no peso significativo do Estado edo capital estrangeiro na determinao do investimento autnomo.

    Em texto posterior, Tavares e Belluzzo (1982) reveem parcialmente aproposio da autodeterminao e da autonomia do capitalismo brasileiro, no quetange s suas foras dinmicas, ao afirmarem que o crescimento dos setores lderes

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    seria inerentemente instvel por conta de seu pequeno peso relativo no gasto/investimento e no produto. Isso significa que a demanda interindustrial, oriunda dos

    efeitos multiplicadores, aceleradores e do investimento autnomo, no seria capaz desustentar o dinamismo do setor industrial e da economia.

    A reviso, todavia, parcial, pois o que est em questo o tamanho relativodo DI na economia brasileira e em sua estrutura industrial. No se tratava, portanto,de reeditar a tese da crucialidade da demanda e da restrio externas como fatoresessenciais e restritivos do crescimento. No caso particular da restrio externa, osautores alertavam para a sua irrelevncia diante do que denominavam definanciamento automtico da necessidade de divisas, no que tange ao investimento,por meio do IDE ou do crdito de fornecedores.

    Na anlise da dinmica do capitalismo brasileiro, os autores chamam aateno para a distino do papel do investimento em sua dimenso autnoma,quando da montagem dos novos setores ante aquela induzida, relativa ao efeitoacelerador propriamente dito. Na primeira, o bloco de inverses produziria, em seuconjunto, uma dinamizao da economia, ou seja, a demanda interindustrial criaria osmercados ou a demanda para sustentar a expanso. O investimento induzido,contudo, em razo das caractersticas apontadas acima, i.e.,pequeno peso relativo doDI, no teria capacidade de sustentar a criao de demanda para dinamizar o

    conjunto da economia. Sob esse ponto de vista, a economia dependeria dos mercadosexternos indstria para seu crescimento e teria um perfil cclico mais acentuado.

    Ao detalhar o argumento, Tavares e Belluzzo (1982) assinalam aspeculiaridades do DI no Brasil. Como apontado, um problema de natureza geral seriao menor peso relativo desse departamento e o vazamento parcial para o exterior doimpacto do investimento. Por sua vez, o subsegmento de este setor que produz meiosde produo para a indstria pesada e a infraestrutura seria mais dinmico, pois suatrajetria estaria associada aos investimentos articulados nos novos blocos deinverso. J o segmento do DI que produziria para manter o setor produtor de bensde consumo teria uma trajetria bem mais instvel. Nesse caso, a razo era dupla: nosegmento de bens durveis, a trajetria seria acentuadamente cclica a despeito desua demanda configurar-se de forma autnoma ante a renda, por conta do crdito. Amanifestao de tal demanda teria carter necessariamente discreto no tempo,incluindo fases de saturao.

    Outro aspecto do problema refere-se desconexo da trajetria do setorprodutor de bens de consumo para assalariados daquela do DI. No paradigma tericodas equaes de reproduo, o determinante essencial da trajetria do primeiro, dado

    o investimento e consumo capitalista, a distribuio funcional da renda, ou seja, amassa salarial. Essa ltima, por conta do tamanho menor da indstria na economiabrasileira e dos salrios relativamente mais baixos, dependeria muito mais da taxa de

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    urbanizao e da evoluo das atividades mercantis do que da massa salarial daindstria.

    Dado que o emprego industrial cresceu a taxas elevadssimas durante oprocesso de industrializao, como analisado por Salm e Silva (1987), superando ados demais setores, a questo anterior remete muito mais aos salrios propriamenteditos, distribuio de renda e a seu papel na explicao do dinamismo da economiabrasileira durante o processo. Os ensaios da escola da Unicamp procuraramdemonstrar, alis, corretamente, que seria e foi possvel realizar um processo dedesenvolvimento capitalista em simultneo com a concentrao da distribuio darenda, sem que isso o tivesse inviabilizado. O que se prope em tais anlises umaseparao radical entre as duas questes, demonstrando que a melhoria da ltima,

    embora defensvel sob vrios pontos de vista, no estabelece restries oucondicionalidades significativas sobre o dinamismo do primeiro.

    O tema retomado no ensaio de Cardoso de Mello e Belluzzo (1982), emque discutem um perodo particular da economia brasileira, o do milagreeconmico de 1968/73. A tese geral, coerente com os princpios tericos de base

    marxista-kaleckiana, a de que o setor que produz bens de consumo paraassalariados, portanto para o consumo das massas, tem carter subordinado nocapitalismo, ou seja, depende da trajetria dos setores produtores de meios de

    produo e consumo capitalista, DI e DII, respectivamente. Assim, dada a taxa desalrio da economia, a expanso desses dois setores que ocorre a partir do gastoautnomo de investimento e de consumo define o emprego, a massa de salrios eos limites da expanso do DIII.

    Ao analisarem concretamente o perodo, destacam que o setor dinmico porexcelncia foi o DII (consumo capitalista), que associam ao segmento produtor debens de consumo durvel. De acordo com os autores citados, a liderana docrescimento por meio desse setor exigiu uma reconcentrao da renda, ou seja, aconteno dos salrios de base para permitir o aumento mais rpido dos salrios maisaltos, dos quais derivaria uma demanda mais intensa por bens durveis. O argumentoassenta-se na concepo de que o consumo de bens durveis somente seria acessvela uma pequena parcela da sociedade brasileira, por conta de seu valor unitrio maisalto e do nvel de renda mdio da populao.

    A tese questionvel em um de seus aspectos: embora a limitao absolutado mercado por conta do nvel de renda vis--viso alto valor unitrio dos bens seja um fato econmico significativo e possa limitar o crescimento do setor dedurveis, no se deduz da que a reconcentrao da renda seja fator decisivo para

    assegurar sua expanso. Isso porque a demanda do setor tem um componenteautnomo crucial, dependente diretamente do crdito e no da renda corrente. O

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    argumento deveria, portanto, estabelecer que a reconcentrao da renda foi umacondio essencial para o acesso e expanso do crdito.

    A especificidade do milagre brasileiro residiria, assim, na liderana do

    setor de durveis, uma soluo paliativa e temporria para os problemas darealizao dinmica, ou seja, para o descompasso entre o crescimento da demanda ea capacidade de acumulao e a consequente ampliao dos nveis de capacidadeociosa. A reconcentrao da renda seria um elemento essencial para dar maiorintensidade demanda pela via do consumo de durveis e prolongar o dinamismo.Pode-se questionar essa interpretao por valorizar excessivamente os efeitoscorrentes do processo de reconcentrao da renda, desprezando o carter autnomoda demanda por bens durveis, alavancada pelo crdito, circunscrevendo o debate

    contraposio, criada por tal concentrao, entre o dinamismo aumentado do DII, vis--visaquele reduzido no DIII.

    A pergunta sobre os motivos de o crescimento do perodo no ter sidoliderado pela indstria pesada de meios de produo, o DI, (expresso maior daautodeterminao do desenvolvimento capitalista), tem uma resposta poucosatisfatria: a de seu baixo encadeamento via massa de salrios, com o setor dedurveis (DII). Sugere-se, portanto, que maior dinamismo seria obtido reproduzindoo padro observado no Plano de Metas, que combinou a expanso da indstria pesada

    com a de bens de consumo assalariado.Por fim, a tese reconhece de modo implcito que a autodeterminao do

    crescimento por meio da indstria pesada no estaria assegurada. Sem mencionarexplicitamente, atribui os percalos de expanso e liderana do DI a problemas deduas ordens: i) a articulao DI/DI, a expanso autnoma estaria obstaculizada porrestries de financiamento; ii) no segmento DI/DII pela desconexes e vazamentoda demanda para o exterior e pelas escalas de produo e disponibilidade detecnologia o que ocorreria tambm, em menor magnitude, na articulao DI/DIII.

    Tudo isso sugere que a autodeterminao do desenvolvimento capitalista noBrasil, entendido como a proeminncia do investimento autnomo, s ocorreria emmomentos particulares nos quais se realizava uma grande diversificao da estruturaprodutiva, como no Plano de Metas ou no II PND. Em tais momentos, o investimentoautnomo inicial associado aos efeitos multiplicadores e aceleradores posteriores(investimento induzido) foi capaz de assegurar dinamismo ao capitalismo brasileiro,mas o ltimo, pelas vrias razes apontadas configurou-se em um ciclo de expansorelativamente curto. As dificuldades do financiamento de longo prazo e suadependncia do endividamento externo constituem outro aspecto pouco desenvolvido

    nas abordagens originais. Isso reala a fragilidade da ideia de autonomia ouautodeterminao do capitalismo brasileiro. Por sua vez, embora o cartersubordinado do DIII e da distribuio de renda constitua uma contribuio original, a

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    questo pouco aprofundada dada sua relevncia para entender a dinmica dodesenvolvimento brasileiro e os padres particulares do citado desenvolvimento.

    Uma contribuio que se prope a dar respostas a algumas das questesrelativas ao financiamento do desenvolvimento brasileiro e os problemas por elecolocados a de Cruz, (1984). Segundo ele, durante o perodo da industrializao, adespeito das grandes transformaes produtivas, no se desenvolveu paralelamenteum sistema de financiamento de longo prazo. Pergunta-se como foi possvel financiara indstria pesada na ausncia de um sistema domstico de financiamento de longoprazo. Na verdade, a pergunta deveria ser outra, isto , como foi possvel financiar oinvestimento autnomo na ausncia de um sistema de financiamento compatvel. Dequalquer modo, a pergunta pertinente, pois discute de outra perspectiva, a do

    financiamento, a questo da restrio externa e autonomia do desenvolvimento.

    Uma primeira tentativa de resposta questo sublinha o planomicroeconmico e, mais particularmente, o das estruturas de mercado e dapropriedade. Por um lado, destaca as elevadas margens de lucro decorrentes daoligopolizao potenciada pelo protecionismo, como responsvel por alto grau deautofinanciamento das empresas. Por outro lado, ressalta a presena significativa deempresas multinacionais e estatais na estrutura industrial brasileira, portanto, darelevncia de seus esquemas internacionais e parafiscais de financiamento. No

    segundo caso, a tese parece ser bastante pertinente; j no primeiro, nem tanto,porque, embora o autofinanciamento possa ter desempenhado papel relevante nasuperao da atrofia do sistema financeiro, ele tem pouca importncia direta para ofinanciamento do investimento autnomo. O essencial nesse caso a possibilidade dedispensar a poupana prvia, ou seja, os lucros retidos. De qualquer modo, oautofinanciamento tem implicaes sobre o estabelecimento das margens de lucroampliadas das empresas, com importantes consequncias inflacionrias edistributivas.

    Os dois outros aspectos mencionados por Cruz (1984) o financiamentoexterno e aquele com recursos fiscais e parafiscais so cruciais para ofinanciamento da expanso da indstria pesada, particularmente do investimentoautnomo. O autor, no entanto, deduz da uma propenso intrnseca ao sobre-endividamento externo e a desequilbrios fiscais quando, na verdade, essas eramapenas possibilidades abertas pelo padro de financiamento da economia brasileira.Assim, em circunstncias nas quais se realizou a industrializao brasileira,sobretudo no que diz respeito necessidade de centralizao do capital ante asescalas de produo, dificilmente se lograria financiar o investimento autnomo com

    base em esquemas domsticos privados de financiamento. Por sua vez, tem razo oautor ao apontar os desequilbrios que da decorreram, pois eles eram umapossibilidade concreta e as escolhas de polticas equivocadas a eles conduziram.

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    3 A crtica ao desenvolvimento

    A estratgia desenvolvimentista e as prticas de poltica econmica

    correspondentes por meio do nacional-desenvolvimentismo sofreram srios revesesaps os anos 1980. Fatores objetivos e ideolgicos tiveram peso nesse declnio quedurou ao menos vinte anos. Em primeiro lugar, houve a crise da dvida que sintetiza,na verdade, a derrocada do padro de crescimento nacional-desenvolvimentista. Deu-se, ento, ensejo ao ressurgimento das ideias liberais e de suas prticas de polticaeconmica, resumidas no Consenso de Washington. Isso ocorre em simultneo amudanas profundas no padro de organizao capitalista sintetizadas naliberalizao e globalizao financeiras.

    Nesse contexto mais amplo, cabe destaque s crticas ao nacional-desenvolvimentismo como, por exemplo, aquelas expressas em documento do BancoMundial BIRD (1991), no qual se critica principalmente o excesso de intervenoestatal nos processos de desenvolvimento da periferia, em particular, na AmricaLatina. A principal objeo do documento estratgia de desenvolvimento combase na industrializao por substituio de importaes, ou seja, com proteo indstria nascente e financiada por taxao, implcita ou explcita, do setor primrio.

    O ponto essencial destacado no documento a utilizao do protecionismocomo forma de viabilizar a indstria nascente e a distoro de preos da decorrente.Isso levaria m alocao de recursos, em desacordo com as vantagenscomparativas, e perda de eficincia. Ao realizar tal crtica, o documento assumeclaramente a tese de que os ganhos de produtividade que constituem a essncia dodesenvolvimento econmico estariam associados ao bom funcionamento do sistemade preos, ou seja, a boa alocao de recursos seria uma prerrogativa essencial dosmercados livres e da concorrncia.

    O paradigma market friendly proposto no documento no descarta ainterveno do Estado, mas define bem seu carter complementar e essencialmente

    regulatrio, isto , direcionado para garantir e viabilizar o melhor funcionamento domercado. Como todas as interpretaes de sua linhagem, o documento fica emdificuldades para explicar o sucesso do modelo de desenvolvimento do Sudesteasitico comprovadamente intervencionista.

    Uma sntese de propostas de polticas para o desenvolvimento da periferia eda Amrica Latina, em particular, foi coligida por Williamson (2004) e caracterizadacomo o Consenso de Washington. Essa estratgia de desenvolvimento de inspiraoliberal constituiu-se na verdade das concepes das instituies multilaterais, comoFMI e BIRD e dos rgos do governo americano afeitos ao assunto. Asrecomendaes seguiam a orientao geral da liberalizao com ampliao do papeldo mercado e da concorrncia e do encolhimento do papel do Estado. Seus dezpontos eram: disciplina fiscal, reordenamento das prioridades da despesa pblica,

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    reforma tributria, liberalizao das taxas de juros, taxa de cmbio competitiva,abertura comercial, liberalizao do IDE (inward), privatizao, desregulao,

    garantias do direito de propriedade.No que tange dimenso fiscal, o Consenso era animado pela ideia bsica do

    crowding out, ou seja, de que era necessria a disciplina fiscal para evit-lo,eliminando- se os dficits pblicos elevados. Embora no houvesse explicitamente arecomendao de reduo dos gastos pblicos, mas apenas dos dficits, comoanotado por Williamson (2004), no h, ao menos nas formulaes iniciais,preocupaes explcitas com a postura anticclica da poltica fiscal ou o papel dogasto na sustentao do crescimento ou, ainda, na melhoria da distribuio da renda.O aumento da eficincia das despesas por meio da focalizao nos pobres e a reforma

    tributria para financi-las mais adequadamente, via ampliao da base commoderao da incidncia, completam as medidas fiscais.

    As duas proposies seguintes, a liberalizao das taxas de juros e oestabelecimento de uma taxa de cmbio competitiva estiveram cercados de amplascontrovrsias por conta dos resultados a elas associados: crises financeiras e debalano de pagamentos. As primeiras resultaram de expanso excessiva deemprstimos associados a taxas de juros elevadas e as segundas, de desalinhamento eapreciao prolongados da taxa de cmbio e, no raro, estiveram associadas, nas

    assim chamadas crises gmeas.Ao procurar justificar a liberalizao de taxas de juros, Williamson (2004),

    admite que problemas de amplitude, velocidade e superviso inadequadosterminaram por ocasionar os efeitos deletrios observados. No que tange taxa decmbio, tambm admite que a especificao de um regime intermedirio entre o fixoe flutuante teria ajudado a mitigar o problema do desalinhamento e volatilidade. Naverdade, essa autocrtica no leva em considerao o essencial: o ambienteinternacional no qual se propunha as medidas do Consenso era o da globalizaofinanceira, portanto de liberalizao financeira no plano domstico e internacional.Para que os pases perifricos conseguissem lidar com a mudana de padro elevassem adiante reformas exitosas, mesmo nos termos propostos pelo Consenso,teria sido necessrio um grau de intervencionismo muito maior do que o admitidopor esse ltimo. A literatura que trata do desenvolvimento perifrico no contexto daglobalizao, mesmo a de inspirao ortodoxa d suporte citada constatao.

    As duas medidas que ancoravam a ampliao da insero produtiva, aabertura comercial e liberalizao do IDE (inward), estavam de fato mais de acordocomo o novo padro de organizao produtiva, com base no outsourcing e a

    necessidade subjacente de ampliar os coeficientes de comrcio e ainternacionalizao produtiva. Surge, contudo, novamente aqui a constatao de que

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    elas s produziram resultados relevantes em pases nos quais o processo foicomandado pela poltica industrial.

    Como medidas de ordem geral, para reduzir o papel do Estado na formaode preos e ampliar a concorrncia, o Consenso sugeria as privatizaes, adesregulao, sendo a ltima entendida, principalmente, como a reduo dasbarreiras entrada e sada e por fim, mas no por ltimo, a garantia dos direitos depropriedade. Para alm daqueles casos nos quais representaram apenas atransferncia de patrimnio pblico para uma oligarquia, as privatizaes trouxeramalguns resultados microeconmicos positivos como racionalizao e modernizaode empresas nos segmentos sujeitos concorrncia. Nos monoplios naturais, osresultados foram dbios, sobretudo no que tange transmisso de ganhos de

    produtividade para preos. Por sua vez, h de levar-se em conta que as privatizaessignificaram, mormente em pases de maior complexidade econmica como o Brasil,a perda de um importante elemento de coordenao e induo do investimentoprivado.

    Medidas de ordem geral como a desregulao ou a ampliao da garantia dosdiretos de propriedade so de difcil avaliao. No caso das primeiras, porque se certo que possam ter ampliado a competio em alguns segmentos no menosverdadeiro que no interferiram em profundidade no grau de concentrao ou

    monopolizao da economia como um todo. No que tange aos direitos depropriedade, deixando de lado aspectos mais gerais, o essencial considerar oimpacto da observncia dos princpios da Organizao Mundial do Comrcio(OMC), na incorporao do progresso tcnico. No h evidncias de que o respeitoao monoplio do ltimo, subjacente a tal regulao e expresso, por exemplo, norespeito a patentes e pagamentos de royalties, tenha produzido resultados expressivosnos pases perifricos.

    4 O ressurgimento do desenvolvimentismo

    A incapacidade do Consenso de Washington em fundamentar polticaseconmicas capazes de engendrar processos de desenvolvimento mais duradouros naAmrica Latina levou a crticas recorrentes de suas concepes e, mais que isso, derrota prtica das coalizes polticas que davam sustentao a sua implementao.Nos anos 2000, na Amrica Latina e no Brasil, assistiu-se retomada do crescimentoeconmico associado melhoria da distribuio da renda, resultantes no s de umcontexto internacional benigno, mas de outras prticas de poltica econmicaprogressivamente mais distantes do neoliberalismo e do Consenso, dando suporte ao

    ressurgimento do pensamento desenvolvimentista em alguns pases como o Brasil.O pensamento desenvolvimentista no Brasil de hoje pode ser estruturado em

    duas grandes vertentes: o social-desenvolvimentismo e o novo-desenvolvimentismo.

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    Eles tm origens diversas, tanto na academia quanto em prticas de governos emesmo de partidos, embora o novo-desenvolvimentismo, originrio do PSDB e em

    setores do empresariado, tenha adquirido no passado recente um corpo acadmicomais definido e com maior nmero de contribuies. J, o primeiro identifica-se maiscom posturas partidrias e polticas prticas de governo, com enraizamento maior noPT e em seus governos, com peso menor na produo acadmica.

    4.1 O novo-desenvolvimentismo

    Essa corrente de pensamento nasce de uma postura crtica s polticaseconmicas neoliberais, ao mesmo tempo procurando diferenciar-se do quedenomina de velho-desenvolvimentismo. Em relao s primeiras, critica sobretudo a

    postura da poltica macroeconmica consubstanciada em altas taxas de juros e moedaapreciada e sua incompatibilidade com o crescimento. Esquece-se de enfatizar,todavia, que este foi um resultado prtico, mas no programtico do Consenso edeixa, ento, de realizar uma crtica mais aprofundada do mesmo. Em simultneo,postula que o velho-desenvolvimentismo e sua nfase excessiva no papel do Estado ena poltica industrial estariam superados. Isso porque a industrializao ter-se-iacompletado e o essencial seria garantir preos macroeconmicos adequados, comdestaque para a taxa de cmbio competitiva. Em sntese, o desenvolvimentoeconmico seria conseguido pelo manejo apropriado dos preos relativos juros,cmbio e salriospor parte do Estado. O mercado faria o resto.

    O diagnstico sobre o nacional-desenvolvimentismo, a despeito de conterelementos importantes, s vezes beira a caricatura2.3A estratgia de desenvolvimentoinvolucrada nesse ltimo compreenderia a industrializao fundada na proteo indstria nascente, na qual o Estado teria inclusive uma participao direta nasatividades de maior risco ou densidade de capital e no gerenciamento e formao dapoupana compulsria. Bresser-Pereira (2012) chega a sugerir que o Estado foicrucial ao fazer o papel de uma burguesia nacional frgil. Tal ponto tambm

    ressaltado por Sics, Paula e Michel (2007) e por Oreiro e Paula (2009), para quemfaltou a industrializao por substituio de importaes a constituio de um ncleoendgeno de gerao de progresso tcnico e que tal fato estaria associado ao papelsecundrio da empresa nacional vis--vis multinacionais e estatais. A expressomaior seria o atraso relativo da indstria de bens de capital.

    A anlise dos autores, apesar de apontarem pontos importantes como afraqueza do departamento de meios de produo e da burguesia nacional, superficial na medida em que no leva em conta as tentativas do desenvolvimentismo

    (2) o caso, por exemplo, do texto de Oreiro e Paula (2009), no qual se define os objetivos do novo-desenvolvimentismo negando a volta ao velho-desenvolvimentismo associado ineficincia da substituio de

    importaes, inflao, ao calote das dvidas e ao descontrole fiscal.

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    em cri-los, por exemplo, durante o II PND. Em contrapartida, no explica como epor que em pases sem tradio empresarial privada forte, como na China, o

    desenvolvimento avanou. A questo mais precisa : no podem as empresaspblicas substituir a empresa privada nacional? O capital estrangeiro via IDE nopode tornar endgeno o progresso tcnico?

    A falncia do nacional-desenvolvimentismo atribuda a uma srie defatores. Um deles seria a exausto do processo de substituio de importaes. Issoocorrera porque o protecionismo generalizado e permanente e a reduo daconcorrncia nele implcita teria limitado a competitividade da indstria, pontocompartilhado por Sics, Paula e Michel (2007), Bresser-Pereira (2012), Oreiro ePaula (2009) e como visto, tambm pela ortodoxia. A ausncia de estmulos para a

    inovao e a baixa escala de produo circunscreveriam a produo industrial aomercado interno, limitando os ganhos de produtividade.

    Dois comentrios so necessrios a tais teses: em primeiro lugar, o mercadointerno constituiu-se em uma importante alavanca para a ampliao das exportaesde manufaturados, cujo peso na pauta ampliou-se substancialmente aps os anos1960. Em segundo lugar, o padro de concorrncia capitalista das grandes empresasdurante o perodo compreendia exatamente a busca dos mercados internosprotegidos, com menor nfase nas exportaes, ou seja, na terminologia de Dunning

    as principais motivaes do IDE eram o market seeking e o resource based. Afragmentao das cadeias produtivas, por meio do global sourcing e as atividadesorientadas exclusivamente para as exportaes constituem o padro de competiops 1980. Criticar o padro de industrializao perseguido durante o nacional-desenvolvimentismo com base nesse argumento constitui um anacronismo.

    A segunda razo econmica34proposta por Bresser-Pereira (2012) para odeclnio do nacional desenvolvimentismo foi a crise da dvida e as respostas dadaspelos governos da regio e do Brasil mesma. Para o autor, a resposta foi denatureza populista, evadindo o ajuste necessrio por meio dos dficits gmeos. A tesede que haveria um ajuste possvel crise da dvida no encontra respaldo narealidade. Os desequilbrios introduzidos na economia pela ruptura do financiamentoexterno no tinham soluo possvel pelos ajustes de fluxos como mostrado emCarneiro (2002).

    Com base em tais crticas ao nacional-desenvolvimentismo Sics, Paula eMichel (2007), Oreiro e Paula (2009) e Bresser-Pereira (2012) estabelecem o queseriam os princpios do novo-desenvolvimentismo. Partem da ideia bsica de que o

    (3) O autor aponta uma srie de razes ideolgicas que teriam induzido a decadncia do nacional-

    desenvolvimentismo dentre elas, a valorao da teoria da dependncia que teria eliminado a mediao nacional daproblemtica do desenvolvimento, enfatizando a questo social. Assim, a questo distributiva poder impor-se do

    desenvolvimento das foras produtivas, esta ltima, uma expresso crucial do desenvolvimentismo.

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    crescimento tem na demanda sua fora dinmica principal. Por meio do manejo daspolticas macroeconmicas, o Estado garantiria no s a estabilidade de preos, mas

    tambm a macroeconmica, entendida como a sustentao da demanda.No caso de pases subdesenvolvidos, sua insuficincia crnica estaria

    associada ao crescimento dos salrios abaixo da produtividade, por conta doexcedente estrutural de fora de trabalho, conformando uma insuficincia doconsumo e a tendncia sobrevalorizao da moeda domstica, decorrente dasrendas diferenciais ricardianas (doena holandesa) e do diferencial de juros,acarretando um crescimento insuficiente das exportaes. A apreciao da moedaimpediria o crescimento das exportaes e o desenvolvimento da base produtivaindustrial local. A crtica maior que faz ortodoxia repousa exatamente na

    incapacidade desta em lidar com tais questes ou em perceber a incapacidade domercado em corrigir ou neutralizar tais tendncias intrnsecas aos pases perifricos.

    Na comparao entre o que seria o novo-desenvolvimentismo e o quedenomina de velho desenvolvimentismo, Bresser-Pereira (2012) faz vriasdistines, esclarecendo os contornos do primeiro. Em primeiro lugar, critica oprotecionismo caracterstico do nacional-desenvolvimentismo combinado com aapreciao da moeda que teria levado a um menor crescimento das exportaes emenor penetrao das importaes, ou seja, a uma introverso do crescimento, perda

    de competitividade etc. Novamente, neste caso, os dados no mostram para o perododa industrializao ps 1950 pouca diversificao das exportaes. Ademais, aintroverso era uma caracterstica do crescimento com base no mercado interno,principalmente nas maiores economias da regio.

    A defesa do primado do progresso tcnico e da inovao invocada pelo novo-desenvolvimentismo no pode ser tomada em abstrato ou como se fosse ausente dovelho-desenvolvimentismo. A questo desprezada pelos autores tanto a do padrode concorrncia vigente no perodo como tambm o fato de que, com base nela,internalizaram-se, na economia brasileira, diversos setores produtivos novos,diferenciando a base produtiva e constituindo uma forma radical de progressotcnico.

    Quando criticam o que denominam de crescimento introvertido do perodonacional-desenvolvimentista, os referidos autores definem novos princpios quanto insero externa e estratgia de crescimento. Assim, propem a no utilizao dapoupana externa que, para eles, estaria sintetizada nos dficits em transaescorrentes e, alternativamente, indicam a prioridade da estratgia exportadoraentendida como a centralidade dos mercados externos como indutor do crescimento e

    a obteno de saldos em transaes correntes.

    As propostas acima merecem dois tipos de reparo. Em primeiro lugar, aolongo da moderna histria econmica brasileira, entre 1950 e 2010, h apenas

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    pequenos perodos nos quais houve absoro de recursos reais do exterior, em 1974-79 por conta dos choques do petrleo e 1994-1998, em razo da valorizao do real

    combinado com a rpida e indiscriminada abertura comercial. Nos demais anos,houve dficits em transaes correntes variveis, mas que foram a expresso da contade renda de capitais e de nveis elevados de endividamento pregressos, os quais notraduziam necessidade de absoro real, mas se deveram s relaes financeiras daeconomia brasileira com o exterior.

    As observaes acima sugerem que a discusso do papel da poupanaexterna no desenvolvimento brasileiro deve necessariamente incorporar a contafinanceira movimento bruto de capitais e no apenas a conta corrente movimento lquido de capitais. Se fosse por este ltimo, a absoro de poupana

    externa seria pequena e incapaz de explicar os momentos de alta vulnerabilidadecomo os ocorridos durante a crise da dvida e no perodo 1998-2003.

    A outra questo j assinalada acima diz respeito estratgia de crescimentofundada nos mercados externos. Tal estratgia foi muito eficaz nos pases asiticosque possuam mercados internos limitados e base de recursos naturais pobre.Exportavam manufaturas com taxa de cmbio competitiva, estabelecendo um nexoentre crescimento das exportaes e investimento induzido. Ao longo do tempo,foram fazendo o upgrade tecnolgico das exportaes, diferenciando a estrutura

    produtiva e criando um mercado interno significativo. Neste caminho, exceto nosltimos estgios, a taxa de cmbio desvalorizada era bastante funcional aocrescimento. O mesmo no ocorreu no Brasil. Dada a relevncia do mercado interno,a diversificao das exportaes decorreria da diferenciao da estrutura produtivadomstica. Taxas de cmbio mais desvalorizadas tirariam dinamismo do crescimentoem razo da perda de salrios e queda de consumo. Dado o grau de abertura daeconomia mais reduzido, isso no seria compensado pelo aumento das exportaeslquidas.

    A questo enfatizada no ltimo pargrafo a do papel distinto que o setorexterno, o saldo de transaes correntes e a taxa de cmbio devem cumprir emeconomias com diferentes conformaes estruturais e trajetrias histricas. Osautores novo-desenvolvimentistas levantam um importante requisito dodesenvolvimento no perodo recente, o maior grau de abertura comercial, pormderivam da propostas equivocadas. Vale dizer: com a globalizao e a respectivafragmentao de cadeias produtivas, os coeficientes de abertura comercial requeridospara o crescimento, tanto o de exportao quanto o de importao, ampliaram-se. Talprocesso, todavia, no acarreta a imperiosidade de gerao de saldos comerciais

    permanentes e, assim, a eleio das exportaes lquidas como fonte essencial docrescimento.

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    No que tange ao papel do Estado, postula-se que a postura de maiorintervencionismo por meio da mobilizao da poupana e do investimento em setores

    pesados estaria ultrapassada. Da mesma forma, tambm estaria superada a polticaindustrial ativa. O essencial seria o carter regulador do Estado e a gestomacroeconmica com o correto estabelecimento dos preos macroeconmicos juros e cmbio. Embora se defina como crucial a complementaridade entre estado emercado, como em Sics, Paula e Michel (2007) e Oreiro e Paula (2009), no sedefine positivamente o que isso significaria. A definio fornecida se apenasnegativa: rejeita-se o estado empresrio e o protecionismo.

    Na verdade, a defesa do Estado regulador no aprofunda o que essencial,nos prprios termos propostos por esta corrente, isto , como ampliar sua capacidade

    de garantir a concorrncia e a transferncia dos frutos do progresso tcnico aossalrios. Tampouco d conta do papel indutor do Estado, que vai alm de sua posturaanticclica e diz respeito garantia do investimento autnomo. Significa que, paraalm do aspecto macroeconmico que se traduz no asseguramento da demanda, hum papel crucial do Estado no mbito microeconmico, por meio da reduo dorisco, aumento da rentabilidade e viabilizao do investimento privado, englobandoformas de interveno variadas inclusive por meio de empresas estatais. Por sua vez,o papel do Estado na melhoria da distribuio da renda praticamentedesconsiderado.

    Sugere-se ainda, alis corretamente, que os dficits pblicos permanentescomo estmulo da demanda deveriam ser evitados. O equilbrio fiscal deveria serperseguido e, da mesma maneira, uma dvida pblica pequena e de longo prazo. Afalta de uma definio a propsito do primeiro dificulta o entendimento do ponto. Porsua vez, no razovel postular que uma poltica fiscal inconsequente tenha sido amarca do velho desenvolvimentismo. O mesmo pode ser dito sobre a ideia de maiorcomplacncia com a inflao, pois, na verdade, o patamar de inflao toleradodurante o perodo era mais alto mesmo em pases centrais. Como j assinalado

    acima, tais afirmaes tm por base os desequilbrios dos anos 1980 durante a criseda dvida que constituram decorrncias inevitveis da transferncia de recursos reaisao exterior para pagamento da dvida.

    O ponto anterior fica mais claro no texto de Oreiro e Paula (2009), quando sediscute o regime de poltica macroeconmica. A proposta dos autores faz umadiferena muito marcada entre o gasto corrente e o investimento, porquanto esteltimo teria importncia maior para a sustentao do crescimento via estmulo ecomplementaridade com o investimento privado. Em contraparida, esquecem-se de

    dar a nfase necessria ao gasto corrente e s transferncias e a seu papel crucial naredistribuio da renda e, portanto, acelerao do crescimento via ampliao domultiplicador. A omisso do papel do Estado como elemento crucial naredistribuio da renda uma constante nesses autores.

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    Fundado no diagnstico acima, a principal proposta sugerida na rea fiscal a obteno permanente da poupana em conta-corrente por parte do Governo, ou

    seja, as receitas deveriam ser superiores aos gastos correntes mais os juros e apoupana da resultante, suficiente para financiar o investimento. A proposta, emboracontenha elementos interessantes, no define com preciso a postura fiscal, podendolevar a um oramento permanentemente equilibrado e ao sacrifcio de seu carteranticclico. A rigor, tudo dependeria de como o investimento seria financiado. Seintegral ou parcialmente, pela poupana, em conta-corrente, ou ainda, totalmente peladvida.

    O diagnstico e as propostas relativos s polticas monetria e cambial,respectivamente o regime de metas para a inflao e o de cmbio flutuante, parecem

    apropriados. No caso da primeira, destaca-se seu carter excessivamente rgidoresponsvel por manter a taxa de juros muito elevada, o que estaria com certezaassociado inflexibilidade operacional do BC, tambm ao fato de no distinguir demaneira apropriada os choques de oferta. Na discusso dos fatores adicionaisresponsveis pela elevada taxa de juros, aponta-se a dupla indexao. A ideia de quea indexao financeira eliminaria um canal relevante da poltica monetria, o efeitoriqueza, parece correta. J, a tese de que a indexao de parcela significativa dosndices de preos pela inflao passada exigiria mais esforo dos juros, s seriaverdadeira se e quando o canal principal, o do cmbio, no estivesse operando.

    No que tange poltica cambial, a associao do patamar da taxa de cmbiocom a abertura da conta capital esquecem-se de acrescentar, do diferencial de jurose tambm da volatilidadeparece basicamente correta. A discriminao dos setorestradeables uma consequncia importante da apreciao, embora aqui as afirmaesprecisassem ser matizadas. Em primeiro lugar, porque taxas mais desvalorizadasaumentariam o dinamismo dos comercializveis, mas tirariam dos demais que tmpeso elevado no Brasil. Por sua vez, afirmar que os primeiros apresentam retornoscrescente de escala e os segundos no, algo que necessita de comprovao. Por

    ltimo, usar recursos fiscais para comprar divisas excedentes e administrar a taxa decmbio teria como requisito taxas de juros mais baixas para no constranger asdemais dimenses da poltica fiscal.

    4.2 O social-desenvolvimentismo

    As reflexes envolvendo o social-desenvolvimentismo so aindafragmentadas e com menor insero acadmica, tendo resultado em grande medidade debates partidrios e polticas de governo. Sua ideia chave a definio do social

    como eixo do desenvolvimento, ou seja, prope-se uma inverso de prioridadesrelativamente ao velho e ao novo-desenvolvimentismo nos quais o desenvolvimentodas foras produtivas era o principal objetivo a alcanar. A despeito de continuarrelevante, esse objetivo estaria subordinado meta de desenvolvimento social, vale

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    dizer, a direo e intensidade do primeiro estariam subordinadas s prioridades dosegundo. Na formulao de Bieslchowsky (2001), a estratgia de crescimento

    poderia ser sintetizada na ampliao e generalizao do consumo de massas.Sob o ponto de vista dos determinantes do crescimento, a ampliao do

    consumo de massas fundada na redistribuio da renda seria o fator dinmicoprimordial. Esta ideia tem um ponto de partida muito forte que o reconhecimentoda relevncia do mercado interno enquanto esteio do crescimento em economiascomo a brasileira. Por sua vez, prope uma inverso radical nos determinantes docrescimento ao atribuir um papel chave ao consumo de massas e redistribuio darenda. Bieslchowsky (2001) postula, na verdade, o que denomina de crculo virtuosodo crescimento a ser obtido por meio de aumento de salrios/ampliao de consumo

    popular/investimentos/aumento de produtividade/aumento de salrios. Ademais,como ressaltado pelo autor, o sucesso da estratgia dependeria da criao suficientede empregos, disponibilidade de recursos fiscais e atenuao da restrio externa.

    A questo do emprego seria equacionada em parte pelo perfil de crescimentoe, em parte, pelo tipo de gasto pblico direcionado para maximizar sua ampliao, oque exigiria poltica fiscal compatvel, sobretudo por conta do elevado servio dadvida no incio dos anos 2000. No que tange restrio externa, a ideia central quepresidia estratgia era a de que ela seria mitigada pelo prprio perfil de crescimento,

    vale dizer, a distribuio da renda e o padro de consumo da resultante implicariammenor elasticidade renda das importaes. Em contrapartida, a ampliao da baseprodutiva e os ganhos de produtividade assegurariam a competitividade dasexportaes.

    A rigor, essa estratgia teria de estar ancorada em polticas distributivaspermanentes que acarretassem a melhoria progressiva da distribuio funcional darenda, ou seja, os rendimentos do trabalho teriam de aumentar mais rapidamente doque a produtividade. Em segundo lugar, seria crucial a disseminao e ampliao docrdito. Somente a combinao de ambos permitiria superar o carter subordinadodos segmentos produtores de bens de consumo no capitalismo.

    Analiticamente, pode-se postular que o papel dinmico do consumo demassas para funcionar a contento compreenderia: melhorias autnomas nadistribuio funcional e pessoal da renda, por meio da regulao do mercado detrabalho, da poltica tributria e das polticas sociais, que elevassem a massa desalrios e rendimentos do trabalho, o consumo e o multiplicador da renda e, por suavez, um incremento autnomo da demanda de consumo por meio do acesso facilitadoe ampliado ao crdito.

    Com tais polticas, poderia ser possvel contar com um dinamismo maisprolongado oriundo da ampliao do consumo, sujeito, todavia, a algumas restries:os ganhos iniciais do multiplicador so muito elevados, como decorrncia da prvia

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    concentrao da renda, mas tendem a reduzir-se com o passar do tempo. H tambmlimites para a melhoria da distribuio funcional e pessoal da renda, que esbarram

    nas margens de lucro das empresas. Isso significa que, passados os momentos iniciaisde redistribuio, esta se tornaria estvel com as transferncias de ganhos deprodutividade aos salrios e melhorias adicionais; nos marcos do regime capitalista,s poderiam advir da ao do Estado via tributao e gasto pblico. Por seu turno, aampliao do consumo financiado por crdito alm da limitao conjuntural daelevada taxa de juros esbarraria no carter concentrado no tempo da demanda dereposio por bens durveis.

    Dada a elevada concentrao da renda observada no Brasil bem como obaixo nvel de endividamento das famlias, a estratgia proposta acima pode

    dinamizar a economia por um perodo considervel, mas fatalmente perder impulsocom o passar do tempo. Ela, com certeza, ter de ser completada ou secundada poroutros eixos dinmicos, em particular, o do investimento autnomo. A ampliao dainfraestrutura e suas cadeias produtivas uma das fontes dinamizadoras. Hclaramente uma demanda reprimida por infraestrutura econmica e social no Brasil esua ampliao ir constituir-se em elemento autnomo adicional do crescimento emrazo das indivisibilidades deste setor como, alis, ocorreu nos momentos deacelerao do crescimento durante o nacional-desenvolvimentismo.

    Com relao a este eixo de dinamizao do investimento autnomo, convmseparar a infraestrutura econmica da social e, na primeira, aquela que rentvel doponto de vista empresarial da que no . No que tange primeira, sua ampliaopode ser feita por investimentos privados com apoio do Estado na reduo do risco eprovimento de financiamento de longo prazo. No que tange segunda, sua expansodepender exclusivamente do aumento do investimento pblico, ou seja, de recursosfiscais. Assim, um limite sua ampliao pode ser a disputa por recursos com aspolticas sociais. Considere-se ademais que esta ltima tambm tem um componenteexpressivo de infraestrutura e que se distingue dos gastos correntes e das

    transferncias. Tudo isso coloca como relevante a centralidade do papel decoordenao e articulao do Estado e sua capacidade de financiamento.

    Os segmentos tratados acima tm como caracterstica a orientaopredominante para o mercado interno, configurada em baixos coeficientes exportadose coeficientes de penetrao das importaes elevados, ou seja, parte deles deficitrio em divisas. Segue-se que o adensamento de cadeias produtivas comaumento das exportaes lquidas um pressuposto necessrio da expanso do setor,compatvel com um relativo equilbrio da Conta-Corrente do Balano de

    Pagamentos. A restrio externa pode tambm ser atenuada pela expanso do setorintensivo em recursos naturais e suas cadeias produtivas, tradicionalmentesuperavitrios do ponto de vista de divisas e, no caso brasileiro, muito competitivo.

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    luz do que foi discutido e da experincia recente do desenvolvimentobrasileiro, a estratgia social-desenvolvimentista compreende quatro eixos distintos e

    necessariamente complementares, mas que vm sendo implementados com diferentesgraus de prioridade e maturao: i) a melhoria da distribuio da renda; ii) aampliao da infraestrutura econmica e social; iii) a reindustrializao viaadensamento de cadeias; iv) a expanso do setor baseado em recursos naturais. Amelhoria da distribuio da renda, por meio de variadas medidas, acompanhada deacesso ampliado ao crdito, possibilitou a rpida ampliao do consumo de massas.A simultaneidade da expressiva elevao dos preos das commodities e dasexportaes lquidas permitiu afastar a restrio externa que poderia advir dessaestratgia de crescimento. A perda de impulso do eixo relativo ao consumo e a

    reverso do ciclo de preos das commodities torna imperioso que se acelere atransio do modelo para sua sustentao prioritria no investimento autnomo.

    De acordo com Carneiro (2010), uma estratgia de desenvolvimento empases perifricos ou o social-desenvolvimentismo tem requisitos ou objetivos maisgerais que se impem para alm daqueles relativos ao formato ou combinao daspolticas macroeconmicas particulares. Seu requisito mais geral o primado dopapel do Estado como ao poltica consciente em prol do desenvolvimento e ocarter subordinado do mercado. Por sua vez, o social-desenvolvimentismo temnecessariamente de definir estratgias consistentes para a resoluo ouequacionamento de alguns obstculos caractersticos do subdesenvolvimento, taiscomo:

    a) a superao da inconversibilidade monetria por meio da regulao dainsero externa da economia brasileira, como forma de ampliar a autonomia dapoltica macroeconmica domstica e viabilizar a constituio de um sistema definanciamento de longo prazo;

    b) a superao do atraso tecnolgico por meio da implantao dos setores dealta tecnologia em simultneo com a constituio de uma rede de empresas nacionaisoperando em escala global e a construo de uma infraestrutura econmicacompatvel com esse nvel de desenvolvimento;

    c) a melhora progressiva da distribuio da renda e a reduo daheterogeneidade social por meio de polticas de regulao do mercado de trabalho,polticas sociais distributivas e ampliao da infraestrutura social.

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