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Simón Bolívar e a Carta da Jamaica 1815 - 2015

Carta da Jamaica Manaus15

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Simón Bolívar e a Carta da Jamaica 1815-2015 Consulado Geral da República Bolivariana da Venezuela em Manaus/Brasil

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Page 1: Carta da Jamaica Manaus15

Simón Bolívar e a

Carta da Jamaica

1815-2015

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O Consulado Geral da República Bolivariana da Venezuela em

Manaus, apresenta uma versão ampliada em português da publi-

cação da Comissão Presidencial para a Comemoração do

Bicentenário da Carta da Jamaica-Venezuela.

Carta de Jamaica, 1815 - 2015 Primera edición, 2015 Publicação do Consulado Geral da República Bolivariana da Venezuela em Manaus/Brasil Rua Rio Jamary, N° 10, Vieiralves, Manaus-Amazonas

CNPJ: 04.609.113/0001-40

Teléfonos: +55-92-35843922 Fax: .35843813

[email protected]

Revisão e Edição de textos para o Português Carlos Alberto Almeida Geraldo Ferreira Projeto e Diagramação Marilyn Sivira Impresso no Manaus/Brasil

Setembro de 2015

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CARTA BICENTENARIA JAMAICA 1815-2015

À frente de seu tempo, homem de ideias claras e espírito de luta, apaixonado por suas convicções, reunia varias virtudes, mas foram a tenacidade e a determinação as qualidades que fizeram possível que libertasse cinco países; contudo, o que realmente o distingue e o des-taca de sua época é sua maneira de ver e interpretar o processo ame-ricano, visão que o fez diferente dos demais e o coloca à frente do processo de independência. Essa cosmovisão lhe permitiu ter plena consciência de que a Guerra Armada pela Independência era só uma etapa do processo, que seriam necessárias varias outras batalhas em outros campos como na política, no jurídico, na educação, e no cons-titucional e sobre tudo nas mentalidades, assim como em outras áreas do governo e da sociedade para fazer dos americanos homens e mulheres verdadeiramente livres, esse era Simón Bolívar. Para O Libertador a América era a Pátria, a diversidade dentro da Uni-dade; organizada em Nações com seus nomes, costumes e governos particulares, mas unidas no ser e sentir-se americano, dividindo a rea-lidade geográfica, o idioma e a historia (invasão, conquista e coloniza-ção); também estavam unidas na opressão, porque tiveram o mesmo opressor, o imperialismo espanhol. Sua Natureza de Estadista lhe permitiu planejar e executar a Liberda-de da América do Império Espanhol a quem chamava de “seus des-truidores”. Até o momento em que Bolívar assina a Carta da Jamaica em 1815, a América já tinha vários anos de luta contra o Império, e a Europa por sua vez também tinha suas guerras internas. Bolívar con-cebia o destino da América “incondicionalmente” ligado à liberdade e à independência. Ser livres, independentes, soberanas e republicanas são as características fundamentais das novas nações. Simón Bolívar ditou em Kingston uma carta para responder a Henry Cullen a respeito de suas perguntas com relação à Independência da América.

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Mas à luz da historia, com 200 anos de escrita, podemos afirmar que a Carta da Jamaica foi muito mais que uma exposição de motivos. Nessas linhas, Bolívar dá forma concreta a seu pensamento Anti-imperialista, faz um chamado de união como única via inflexível para alcançar a Liberdade e a independência, não só do Império espanhol, mas de qualquer outro interesse estrangeiro, porque Bolívar também previu a possibilidade de outras aspirações imperiais; aspirações que se fizeram realidade no próprio século XIX e continuam até o XXI, se trata da política dos Estados Unidos para com a América Latina, política que até hoje sofrem os filhos da Grande Pátria. Na Carta, também expõe o empenho da Espanha em reverter às con-quistas da América em sua luta pela independência, e acusa ao “império da dominação” como a sombra que sempre irá tentar subjugar às nações americanas. Por isso seu chamado à formação da grande na-ção americana, que nos daria maiores possibilidades de enfrentar ou-tros impérios não só no âmbito militar, mas também nos permitiria for-mar maiores mercados, incorporando homens e mulheres de todos os setores da sociedade, em igualdade de condição para a produção. Uma grande nação em sua extensão geográfica, e grande em sua formação política e social, esse sonho bolivariano hoje o estamos construindo. O Libertador deu um breve, mas certeiro equilíbrio sobre a situação das províncias e novas repúblicas submersas na luta pela independência. Deixou claro que os tempos futuros seriam complicados depois de al-cançada a independência, porque formar uma Republica e ainda con-servá-la, era e segue sendo um trabalho árduo, complicado e até utópi-co. Mas se manteve firme em sua ideia de que a América, a Grande, de-via seguir livre, soberana e independente e com pleno controle de si; e abandonar a passividade que já somava 300 anos. Simón Bolívar declarou na Carta da Jamaica o que para ele devia ser a América Independente. Em 1815, como um bom estrategista, tinha cla-ra a natureza das nações que se levantavam, viu que o ímpeto dos ho-mens determina tudo, para o bem ou para o mal. Definiu com precisão, própria de um homem das letras, o futuro da América. A faria livre, mas com muitos problemas nos primeiros anos e disse, com pesar, que po-deria fazer outras revoluções para conseguir alcançar a maior felicidade possível.

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O Libertador da América estava muito claro em seu objetivo, que não era outro se não libertar as nações americanas como primeiro passo. O desafio estava em fazer que convergissem todas as vontades e direciona-las para uma só causa, (a Grande Pátria), esse era o maior desafio. O tormento de Bolívar e suas dificuldades estavam em conseguir o cami-nho para unir aos americanos, para que deixassem de lado as facções, seu interesse próprio e o individualismo, era preciso subtrair essas divi-sões para alcançar o bem comum, o coletivo. A União como ideologia para todo americano, a perseverança sem fanatismo. A Liberdade como legado, que hoje a 200 anos da escrita da Carta da Jamaica, ainda esta-mos defendendo. A carta da Jamaica definitivamente transcendeu ao tempo, não só por refletir o sentir americano do século XIX, mas porque hoje mais que nunca tem plena vigência, face aos feitos como no caso do Bloqueio econômico a Nações independentes impostas por países com maior po-der econômico. Antes sob a adaga da Espanha contra as províncias invadidas desde o século XV, hoje, os Estados Unidos contra toda Nação que não concorde em trabalhar para eles, e pior ainda promovam guerras para evitar a união e desenvolvimento de outros blocos regionais. Ontem como hoje o objetivo é dividir as nações e quebrar os governos progressistas, para submetê-los. Todos estes elementos fazem da Carta da Jamaica uma joia ideológica com um elevado teor histórico, republicano, soberano, popular, geopolí-tico, conduzido por uma enriquecedora analise capaz de perdurar atra-vés do tempo, esse é o diferencial que faz da Carta da Jamaica um docu-mento excepcional. Utópico, sim. Fracassado, Jamais. Simón Bolívar teve a habilidade de construir um projeto para os americanos e executa-lo até onde pôde, não sem antes deixar-nos as orientações e diretrizes, do que em seu en-tendimento deveria ser a Grande Pátria.

Faustino Torella Setembro 2015.

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APRESENTAÇÃO Comemorando os 200 anos de sua escrita, a Comissão Presidencial para a Comemoração do Bicentenário da “Carta da Jamaica” tem o prazer de oferecer às leitoras e leitores do século XXI a presente ver-são integral de um documento fundamental no pensamento do Li-bertador Simón Bolívar.

Redigida em Kingston em 06 de setembro de 1815, ao seu secretário Pedro Briceño Méndez, não se conhecia até a atualidade o original manuscrito da epístola, e a posteridade tinha sido forçado a dar fé a uma transcrição publicada em 1833 que sempre deixou lugar às dú-vidas.

Graças ao investigador equatoriano Amilcar Verela Jara, quem pôde dar à luz pública, em 2014, o documento encontrado no Fundo Ja-cinto Guijón, do Arquivo Histórico do Banco Central do Equador, em Quito, disponibilizamos hoje do manuscrito original tomado da voz de Bolívar, cuja autenticidade foi corrobada por uma equipe de es-pecialistas qualificados.

O Governo Bolivariano tem a honra de colocar em mãos do público e do povo, na ocasião deste importante rito do Ciclo do Bicentená-rio, a transcrição do texto recuperado e autenticado do Libertador, onde pela primeira vez surge e prediz o destino libertário e unitário do nosso continente, através de observações que a tradução qualifi-cou de “proféticas”, pela lucidez e certeza de sua previsão política.

A presente versão inclui o enigmático parágrafo que faltava na divul-gada transcrição espanhola v-ainda que conhecido nas traduções inglesas da época-, com o que preenchem todas as lacunas que po-diam existir em torno deste precioso texto componente do legado intelectual de Simón Bolívar.

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CONTESTAÇÃO DE UM AMERICANO MERIDIONAL A UM CAVALEIRO DESTA ILHA

Meu Caro Senhor,

Apresso-me a responder à carta de 29 do mês passado que o senhor me deu a honra de enviar, a qual recebi com a maior satisfação.

Sensível como devo ser, face ao interesse que o senhor manifestou pela sorte da minha pátria, angustiando-se com ela pelos tormentos que padece, - desde seu descobrimento até estes últimos períodos, por parte de seus destruidores, os Espanhóis - não considero de me-nor importância a iniciativa - em que me apresentam as solícitas de-mandas que o senhor me faz, sobre os objetivos mais importantes da política americana. Assim, me encontro em um conflito entre o dese-jo de corresponder à confiança com que o senhor me distingue e o impedimento de satisfazê-la, tanto pela falta de documentos e de li-vros, quanto pelos limitados conhecimentos que tenho de um país tão imenso, variado e desconhecido como o novo mundo.

Mapa do NOVO MUNDO

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Em minha opinião, é impossível responder às perguntas com que o se-nhor me honrou. O mesmo Barão de Humboldt, com sua universalidade de conhecimentos teóricos e práticos, apenas o faria com exatidão; isso porque embora uma parte da Estatística e Revolução da América é co-nhecida, me atrevo a assegurar que a maior está obscura, e por conse-quência, só podem oferecer suposições mais ou menos aproximadas, so-bre tudo, em relação à sorte futura e aos verdadeiros projetos dos Ame-ricanos; pois quantas combinações fornecem a História das Nações, de outras tantas é suscetível a nossa, por suas posições físicas, pelo infortú-nio da guerra, e pelos cálculos da Política.

Como me vejo obrigado a prestar atenção à apreciável carta do senhor,

não menos que aos olhares filantrópicos, me animo a dirigir-lhe estas

linhas, nas quais, certamente, o senhor não encontrará as ideias lumino-

sas que deseja, mas sim as ingênuas expressões dos meus pensamentos.

“Há três séculos”, diz o senhor, “que começaram as barbaridades que os

espanhóis cometeram no grande Hemisfério de Colombo.” Barbaridades

que a presente época recusou como fabulosas, por que parecem superi-

ores à perversidade humana; e jamais seriam críveis pelos críticos mo-

dernos se constantes e repetidos documentos não atestassem estas infe-

lizes verdades. O filantropo Bispo de Chiapa, o Apóstolo da América As

Casas, deixou à posteridade uma breve relação delas, extraídas das su-

márias que seguiram [quebra] Sevilla aos Conquistadores, com o teste-

munho de quantas pessoas respeitáveis havia então no novo mundo, e

com os mesmos processos que os tiranos fizeram entre si: como constam

pelos mais célebres historiadores daquele tempo.

Alexander Von Humboldt

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Page 9: Carta da Jamaica Manaus15

Todos os imparciais fizeram justiça ao zelo verdade e virtudes daque-

le amigo da humanidade, que, com tanto fervor e firmeza, denunciou

ante seu governo e seus contemporâneos os atos mais horrorosos de

um frenesi sanguinário.

Com quanta emoção de gratidão, leio a passagem da carta do senhor

que me diz “que espera que os sucessos que então seguiram às ar-

mas espanholas, acompanhem agora às de seus opositores, os bem

oprimidos americanos meridionais” Eu tomo esta esperança por uma

predição, se a justiça decide as contendas dos homens. –O sucesso

coroará nossos esforços; porque o destino da América se fixou irre-

vogavelmente; o laço que a unia à Espanha está cortado; a opinião

era toda sua força; por ela se estreitavam mutuamente as partes da-

quela imensa Monarquia. O que antes as entrelaçava já as divide; o

ódio que nos inspirou a península é maior que o mar que dela nos

separa; menos difícil é unir dois continentes que reconciliar os espíri-

tos de ambos os países. O hábito à obediência; um comércio de inte-

resses, de luzes, de religião, uma recíproca benevolência, uma terna

solicitação pela causa e a glória de nossos pais; enfim, tudo o que

formava nossa esperança vinha da Espanha. Daqui nascia um princí-

pio de adequação que parecia eterno, ainda que a má conduta de

nossos dominadores reduzisse essa simpatia, ou, melhor dizendo,

este apego forçado pelo império da dominação.

BANDEIRA DA Espanha até 1821

MAPA DA ESPANHA

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Page 10: Carta da Jamaica Manaus15

No presente acontece o contrário: a morte, a desonra, tudo quanto é nocivo nos ameaça e tememos, tudo sofremos por causa desta desnaturada Madrasta. O véu se rasgou: já vimos a luz, e querem nos levar de volta às trevas, Romperam-se as correntes, já somos livres e nossos inimigos querem nos escravizar novamente. Portan-to, a América combate com desespero; e rara vez o desespero não arrastou atrás de si a vitória.

Não devemos desconfiar da sorte em razão dos acontecimento te-rem sido parciais e alternados. Em certas partes triunfam os Inde-pendentes, mas, em diferentes lugares, os tiranos, obtêm suas van-tagens: E qual é o resultado final? Não está o Novo Mundo inteiro comovido e armado para sua defesa? Observemos e constataremos uma luta simultânea na imensa extensão deste hemisfério.

O belicoso estado das províncias do Rio da Prata purgou seu territó-rio e conduziu suas armas vencedoras ao Alto Peru; comovendo Are-quipa e inquietando aos realistas de Lima. Cerca de um milhão de habitantes disfrutam ali de sua liberdade.

O Reino do Chile, povoado de oitocentas mil almas, está lutando contra os inimigos que pretendem dominá-lo, mas é em vão, porque os que antes puseram um término às suas conquistas, os indômitos e livres araucanos, são seus vizinhos e compatriotas; e seu exemplo sublime é suficiente para provar que o povo que ama sua Indepen-dência, por fim, a consegue.

O Vice-reinado do Peru, cuja população ascende a um milhão e meio de habitantes, é sem dúvida o mais submisso, e o que mais teve sa-crifícios arrancados para a causa do Rei; e embora sejam vãs as rela-ções concernentes àquela formosa porção da América, é índubitável que nem está tranquila, nem é capaz de opor-se à torrente que ameaça a maioria de suas outras províncias.

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A Nova Granada, que é, por assim dizer, o coração da América, obedece ao governo geral excetuando o reino de Quito, que, com a maior dificul-dade, contém seus inimigos, por ser fortemente ligado à causa de sua pátria: e as províncias do Panamá e Santa Marta que sofrem, não sem dor, a tirania de seus senhores. Dois milhões e meio de habitantes estão distribuídos naquele território que atualmente defendem contra o Exér-cito Espanhol comandado pelo General Morillo, que é possível sucumba diante da inexpugnável Praça de Cartagena. Mas se a tomar será a custo de grandes perdas; e logo carecerá de forças para subjugar aos morige-rados e moradores do interior.

Quanto à heroica e infeliz Venezuela, seus acontecimentos foram tão rápidos e tão devastadores que quase a reduziram a uma absoluta indi-gência e a uma solidão espantosa: não obstante seja um dos mais belos países de quantos faziam o orgulho da América. Seus tiranos governam um deserto e só oprimem a tristes restos, que fugidos da morte, ali-mentam uma precária existência: algumas mulheres, crianças e idosos são os que ficam. A maioria dos homens pereceu por não ser escrava, e os que vivem combatem com fervor nos campos e nos povoados inter-nos até morrer ou conseguir lançar ao mar aos que, insaciáveis por san-gue e crimes, rivalizavam com os primeiros monstros que fizeram desa-parecer da América a sua raça primitiva. Cerca de um milhão de habi-tantes contava-se na Venezuela; e, sem exagero, pode-se assegurar que uma quarta parte foi sacrificada pela terra, a espada, a fome, a peste, as peregrinações, com exceção do terremoto, todos resultados da guerra.

Mapa da Venezuela 1810

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Na Nova Espanha havia em 1808, segundo o Barão Humboldt, sete milhões oitocentas mil almas, incluindo a Guatemala. Desde aquela época, a insurreição que agitou quase todas as províncias, fez dimi-nuir consideravelmente aquele cômputo, que parecia exato; pois mais de um milhão de homens pereceu, como o senhor poderá ver na exposição do Sr. Walton, que descreve com fidelidade os sangui-nários crimes cometidos naquele opulento Império. Ali a luta se mantém na base de sacrifícios humanos de todo tipo, pois os espa-nhóis nada poupam, desde que consigam submeter aos que tiveram a desgraça de nascer neste solo, que parece destinado a se enchar-car com o sangue de seus filhos. Apesar de tudo, os mexicanos serão livres porque abraçaram o partido da pátria, com a resolução de vin-gar a seus antepassados ou segui-los até o túmulo Já eles dizem com Reynal: chegou o tempo, finalmente, de pagar aos espanhóis suplí-cios com suplícios e de afogar a essa raça de exterminadores em seu sangue ou no mar.

As Ilhas de Porto Rico e Cuba, que entre ambas podem formar uma população de setecentas ou oitocentas mil almas, são as que mais tranquilamente possuem os espanhóis, porque estão fora do conta-to com os Independentes. Mas, estes insulares não são americanos? Não são humilhados? Não desejam seu bem-estar?

As Antilhas 1758

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Este quadro representa uma escala militar de dois mil léguas de longitu-de e novecentas de latitude em sua maior extensão, em que dezesseis milhões de Americanos defendem seus direitos ou estão oprimidos pela nação Espanhola, que ainda que tenha sido, em algum tempo, o mais vasto Império do Mundo, seus restos são agora impotentes para domi-nar ao novo hemisfério, e até para se manter no antigo. E a Europa civili-zada, comerciante e amante da Liberdade, permite que uma velha ser-pente, só por satisfazer sua sanha envenenada, devore a mais bela parte do nosso globo? O Que! Esta a Europa surda ao clamor de seu próprio interesse? Já não tem olhos para ver a justiça? Tanto endureceu para ser assim insensível? Quanto mais medito sobre estas questões, mais me confundo: chego a pensar que se aspira o desaparecimento da Amé-rica, mas isto é impossível porque toda a Europa não é a Espanha. Que demência da nossa inimiga pretender reconquistar a América sem Mari-nha, sem tesouros e quase sem soldados! Pois, os que têm apenas são suficientes apenas para reter a seu próprio povo em uma violenta obe-diência e se defender de seus vizinhos. Por outra parte, pode esta nação fazer o comércio exclusivo da metade do mundo sem manufaturas, sem produções territoriais, sem Artes, sem Ciências, sem política? Mesmo que conseguisse esse louco empreendimento e, supondo que conseguis-se a pacificação, os filhos dos atuais americanos, unidos com os dos eu-ropeus reconquistadores, não voltariam a formar dentro de vinte anos os mesmos patrióticos desígnios que agora estão sendo combatidos?

América Independente

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Napoleón Bonaparte

A Europa faria um bem à Espanha em dissuadi-la de sua obstinada teme-ridade, porque ao menos a economizaria os gastos que expande e o san-gue que derrama, a fim de que, fixando sua atenção em seus próprios recursos, fundaria sua prosperidade e poder sobre bases mais sólidas que as de incertas conquistas, um comércio precário e exações violentas em povos remotos, inimigos e poderosos. A Europa mesma mirando uma sã política, deveria ter preparado e executado o projeto da Inde-pendência Americana, não só porque o equilíbrio do mundo assim o exi-ge, mas porque este é o meio legítimo e seguro de adquirir estabeleci-mentos ultramarinos de comércio. A Europa, que não se encontra agita-da pelas violentas paixões de vingança, ambição e cobiça como a Espa-nha, parece que estava autorizada por todas as leis da equidade a ilus-trar sobre seus bem entendidos interesses.

Quantos escritores trataram da matéria lembraram-se desta parte. Em consequência, nós esperávamos, com razão, que todas as nações cultas se apressassem a auxiliar-nos para que adquiríssemos um bem cujas van-tagens são recíprocas a ambos os hemisférios. Entretanto, que frustra-das esperanças! Não só os europeus, mas até nossos irmãos do norte se mantiveram como imóveis espectadores desta contenda, que por sua essência é a mais justa e por seus resultados a mais bela e importante de quantas suscitaram nos séculos antigos e modernos! Por que até onde se pode calcular a transcendência da liberdade do hemisfério de Colombo?

“A perfídia com que Bonaparte”, diz o senhor, “prendeu Carlos IV e Fer-nando VII, reis desta nação, que há três séculos aprisionou com traição a dois monarcas da América Meridional, é um ato manifesto da retribuição divida e ao mesmo tempo, uma prova de que Deus mantém a justa cau-sa dos Americanos e lhes concederá sua Independência.”

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Parece que o senhor quer aludir ao monarca do México Montezu-ma, preso por Cortês e morto segundo Herrerra, por ele mesmo, ainda que Solis diz que pelo povo, e a Atahualpa, inca do Peru, des-truído por Francisco Pizarro e Diego Almagro. Existe tal diferença entre a sorte dos reis espanhóis e a dos reis americanos, que não admite comparação: os primeiros são tratados com dignidade, con-servados e finalmente recobram sua liberdade trono, enquanto que os últimos sofrem tormentos inauditos e vilipêndios mais vergonho-sos. Se Guatimozin, sucessor de Montezuma, foi tratado como Im-perador e lhe colocaram coroa, foi por irrisão e não por respeito, para que experimentasse este escárnio antes das torturas. Iguais à sorte deste monarca foram as do rei de Michoacan, Catzontzin, o Zipa de Bogotá e quantos Toquis, Incas, Zipas, Ulmenes, Caciques e demaisdignidades indígenas sucumbiram ao poder espanhol. O epi-sódio de Fernando VII é mais semelhante ao do ulmén de Copiapó, ocorrido no Chile em 1535, quando reinava naquela comarca. O es-panhol Almagro pretextou como Bonaparte para tomar partido pela causa do legítimo soberano e em consequência, chama ao usurpa-dor, como Fernando o era em Espanha: aparenta restituir seus esta-dos ao legítimo e termina por acorrentar e lançar às chamas o infe-liz ulmén do Chile, terminando com sua vida de modo atroz, sem sequer ouvir sua defesa.

“Depois de alguns meses”, acrescenta o senhor, “fiz muitas refle-xões sobre a situação dos americanos e suas esperanças futuras; tenho grande interesse pelos seus acontecimentos, mas me faltam muitas informações relativas a seu estado atual e ao que eles aspi-ram. Desejo infinitamente saber a política de cada província, como também sua população; se desejam República ou monarquias. Toda notícia desta espécie que o senhor possa me dar ou me indicar as fontes a devo recorrer, a estimarei como um favor muito particu-lar.”

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Page 16: Carta da Jamaica Manaus15

Sempre as almas generosas se interessam pela sorte de um povoado

que se esforça por recobrar os direitos com que o Criador e a natu-

reza o dotaram, e é necessário estar bem fascinado pelo erro ou pe-

las paixões para não abrigar esta nobre sensação: o senhor pensou

no meu país e se interessa por ele: este ato de benevolência me ins-

pira o mais vivo reconhecimento.

Mencionei a população que é calculada por dados mais ou menos exatos, dados esses que se tornam falhos por mil circunstâncias difí-ceis de remediar dado que a maioria dos moradores têm habitações campestres e muitas vezes errantes, sendo lavradores, pastores, nô-mades, perdidos em meio de espessos e imensos bosques, planícies solitárias e isoladas entre lagos e rios caudalosos. Quem será capaz de formar uma estatística completa de semelhantes comarcas? Além do mais, os tributos que pagam os indígenas, as penalidades dos escravos, as primícias, dízimos e direitos que pesam sobre os lavradores e outros desastres, afastam os pobres americanos de seus lares. Isto é sem mencionar o extermínio da guerra que já ce-gou cerca de um oitavo da população e afugentou outra grande par-te, pois, então, as dificuldades são insuperáveis e o padrão viria a reduzir-se à metade do verdadeiro censo.

ESCRAVIDÃO

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Page 17: Carta da Jamaica Manaus15

Entretanto, ainda é muito difícil prever a sorte futura do novo mundo, estabelecer princípios sobre sua política e quase profetizar a natureza do governo que chegará a adotar. Toda ideia relativa ao porvir deste país me parece aventurada. Pode-se prever quando o gênero humano se achava em sua infância, rodeado de tantas incertezas, ignorância e erros, qual seria o regime que abraçaria para sua conservação? Quem teria se atrevido a dizer: tal Nação será República ou Monarquia, esta será pequena, aquela grande? No meu conceito, esta é a imagem de nossa situação. Nós somos um pequeno gênero humano, possuímos um mundo aparte, cercado por dilatados mares, novos em quase to-das as Artes e Ciências, ainda que de certo modo, já velhos nos usos da sociedade civil.

Eu considero o estado atual da América tal qual aquele quando desa-

bou Império Romano e cada desmembramento formou um sistema

político, conforme seus interesses e situação, ou seguindo a ambição

particular de alguns chefes, famílias ou corporações. Mas, com esta

notável diferença: que aqueles membros dispersos voltavam a reesta-

belecer suas antigas nações, com as alterações que exigiam as coisas

ou os acontecimentos. Mas nós, que apenas conservamos vestígios

daquilo que em outro tempo foi, e que por outra parte não somos

índios nem europeus, senão uma espécie intermediária entre os legí-

timos proprietários do país e os usurpadores espanhóis; em resumo,

sendo americanos por nascimento e nossos direitos os da Europa, te-

mos que disputar estes aos do país e nos manter nele contra a opini-

ão dos invasores; assim nos encontramos no caso mais extraordinário

e complicado. Apesar de ser uma espécie de adivinhação indicar qual

será a evolução política da América, me atrevo a apontar algumas

conjecturas, que desde logo, caracterizo de arbitrárias, ditadas por

um desejo racional e não por um raciocínio provável.

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Page 18: Carta da Jamaica Manaus15

A posição dos moradores do hemisfério Americano tem sido por sécu-los puramente passiva: sua existência política era nula. Nós estávamos em um grau ainda mais baixo da servidão, e, por isso mesmo, com mais dificuldades para elevarmos ao gozo da liberdade. Permita-me senhor estas considerações para aclarar a questão. Os Estados são escravos pela natureza de sua constituição ou pelo abuso dela: assim um povo é escravo quando o governo por sua essência ou por seus vícios esmaga e usurpa os direitos do cidadão ou súdito. Aplicando estes princípios, ve-remos que a América, não somente estava privada de sua liberdade, mas também da tirania ativa ou dominante. Explicar-me-ei. Nas admi-nistrações absolutas não se reconhecem limites no exercício de suas faculdades governamentais: a vontade do grande sultão, cã, bei e de-mais soberanos despóticos, é a lei suprema e esta é quase arbitraria-mente executada pelos baxás, cãs e sátrapas subalternos da Turquia e Pérsia, que têm organizada uma opressão da que participam os súditos em razão da autoridade que lhes é confiada. A eles está encarregada a administração civil, militar, política, de rendas e a religião. Mas, ao final, são persas os chefes de Isfahan, são turcos os Vizires do grande Senhor, e são tártaros os sultões da Tartária. A China não busca mandatários, militares e letrados ao país de Gengis Kan que a conquistou, apesar de que os atuais chineses são descendentes diretos dos subjugados pelos ascendentes dos presentes tártaros.

Quão diferente era entre nós! Éramos humilhados com uma conduta

que, além de nos privar dos direitos que nos correspondiam, nos deixa-

va em uma espécie de infância permanente, com relação às negócios

públicas. Se pelo menos tivéssemos conduzido nossos assuntos domés-

ticos em nossa administração interior, conheceríamos o curso dos ne-

gócios públicos e seu mecanismo e usufruiríamos também da conside-

ração pessoal de que certo respeito maquinal impõe aos olhos do povo,

o que é tão necessário conservar nas revoluções. Eis aqui a explicação

porque que disse que estávamos privados até da tirania ativa, pois não

nos era permitido exercer suas funções.

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Page 19: Carta da Jamaica Manaus15

Os americanos, no sistema espanhol que está em vigor, e talvez com maior força que nunca, não ocupam outro lugar na sociedade que o de servos próprios para o trabalho e, quando mais, o de simples consumidores, e ainda assim esta parte limitada com cho-cantes restrições, tais são as proibições de cultivo dos frutos da Europa, o estancamento das produções que o rei monopoliza o impedimento das fábricas que a mesma Península não possui, os privilégios exclusivos do comércio, até de objetos de primeira ne-cessidade, os obstáculos entre províncias e províncias americanas para que não tenham relações entre si, não se entendam, nem negociem. Enfim, quer o senhor saber qual era nosso destino? Os campos para cultivar o pau-brasil, a grana, o trigo, o café, a cana, o cacau e o algodão, as planícies solitárias para criar gados, os de-sertos para caçar animais ferozes, as entranhas da terra para ca-var o ouro que não pode saciar a essa nação avarenta.

Tão negativo era nosso estado que não o encontro semelhança

com nenhuma outra associação civilizada, por mais que recorra a

série de épocas e da política de todas as nações. Pretender que

um país tão felizmente constituído, extenso, rico e populoso seja

meramente passivo não é um ultraje e uma violação dos direitos

da humanidade?

Estávamos como acabo de expor, abstraídos e digamos assim, au-

sentes do universo com relação à ciência de governo e administra-

ção de Estado. Jamais éramos vice-reis nem governadores, senão

em casos muito extraordinários; arcebispos e bispos poucas vezes,

diplomáticos nunca, militares somente na qualidade de subalter-

nos, nobres, sem privilégios reais; enfim, não éramos nem magis-

trados, nem financistas e quase nunca comerciantes: tudo em

contravenção direta às nossas instituições.

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O imperador Carlos V formou um pacto com os descobridores, con-quistadores e população da América, que como diz Guerra, é nosso contrato social. Os reis da Espanha concordaram solenemente com eles para que fosse executado por sua conta e risco, proibindo-os de fazê-lo ao custo da economia real, e por esta razão lhes era concedi-do que fossem senhores da terra: que organizassem a administração e exercesse o direito judicial de apelação, assim como muitas outras isenções e privilégios que seriam prolixos detalhar. O Rei se compro-meteu a não alienar jamais as províncias americanas, como que a ele não tocava outra jurisdição que a do alto domínio, sendo uma espécie de propriedade feudal a que ali teriam os conquistadores para si e seus descendentes. Ao mesmo tempo, existem leis expres-sas que favorecem quase exclusivamente aos naturais do país, origi-nários da Espanha, quanto a empregos civis, eclesiásticos e de ren-das. De tal maneira que, com uma violação manifesta das leis e dos pactos subsistentes, aqueles naturais se viram despojados da autori-dade constitucional que lhes dava seu código.

De tudo quanto a que me referi, será fácil deduzir que a América não estava preparada para se desprender da Metrópole, como subi-tamente ocorreu, por efeito das ilegítimas cessões de Bayona e pela inócua guerra que a Regência nos declarou, sem direito algum para isso, não somente pela falta de justiça, mas também de legitimida-de. Sobre a natureza dos governos espanhóis, seus decretos comina-tórios e hostis e o curso inteiro de sua desesperada conduta, há es-critos de maior mérito no jornal El Español, cujo autor é o senhor Blanco, estando ali muito bem tratada essa parte de nossa história, pelo o que me limito a indicá-la.

Os americanos ascenderam repentinamente e sem os conhecimen-

tos previstos, e o mais importante, sem a prática dos negócios públi-

cos, a reapresentar na cena do mundo as eminentes dignidades de

legisladores, magistrados, administradores de erário, diplomáticos,

generais e quantas autoridades supremas e subalternas formam a

hierarquia de um Estado organizado com regularidade.

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Quando as águias francesas só respeitaram os mouros da Cidade de Cádiz e com seu voo levaram aos frágeis governos da Penínsu-la, então ficamos órfãos. Anteriormente, já havíamos sido entre-gues à mercê de um usurpador estrangeiro. Depois, agraciados com a justiça que nos era devida e com esperanças promissoras, sempre burladas; por último, incertos sobre nosso destino futuro e ameaçados pela anarquia por causa da falta de um governo legí-timo, justo e liberal, nos precipitamos no caos da revolução. No primeiro momento, só cuidamos de prover segurança interior contra os inimigos que se encontravam entre nós. Depois se es-tendeu à segurança exterior: estabeleceram-se autoridades que substituímos pelas que acabamos de depor, encarregadas de diri-gir o curso de nossa revolução e de aproveitar a feliz conjectura em que nos foi possível fundar um governo constitucional, digno do presente século e adequado à nossa situação.

Todos os novos governos marcaram seus primeiros passos com o

estabelecimento de juntas populares. Em seguida, estas formaram

regulamentos para a convocação de congressos que produziram

alterações importantes. Venezuela exigiu um Governo democráti-

co e federal, declarando previamente os direitos do homem, man-

tendo o equilíbrio dos poderes e instituindo leis gerais a favor da

liberdade Civil, de imprensa e outras. Finalmente, se constituiu

um governo independente. A Nova Granada seguiu com uniformi-

dade os estabelecimentos políticos e todas as reformas feitas pela

Venezuela, colocando como base fundamental de sua Constitui-

ção o sistema federal mais exagerado que jamais existiu. Recente-

mente, houve melhoras com relação ao poder executivo geral,

que obteve inúmeras atribuições lhe correspondem. Segundo en-

tendo Buenos Aires e Chile seguiram essa mesma linha de opera-

ções, mas como nos encontramos a tão grande distância, os docu-

mentos são tão raros e as notícias tão inexatas que não me atrevo

nem mesmo a esboçar um quadro de suas transações.

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Os acontecimentos do México foram variados, complicados, rápidos e

desgraçados para que possam seguir o curso de sua revolução. Além dis-

so, carecemos de documentos bastante instrutivos que nos façam capa-

zes de julgá-los. Os independentes do México, pelo que sabemos, deram

princípio à sua insurreição em setembro de 1810, e um ano depois, já

tinham centralizado seu governo em Zitácuaro, instalando ali uma junta

nacional, sob os auspícios de Fernando VII, em cujo nome se exerciam as

funções governamentais. Em razão da evolução da guerra, esta junta se

transferiu a diferentes lugares, e é comprovado que se conservou até os

últimos momentos, com as modificações exigidas pelas fatos Dizem que

criou um generalíssimo ou ditador, e que é o ilustre General Morelos,

outras falam do célebre General Rayon, o certo é que um destes dois

grandes homens ou ambos, separadamente, exercem a autoridade su-

prema naquele país e, recentemente, apareceu uma constituição para o

regime do Estado. Em março de 1812, o governo residente em Zultepec

apresentou um plano de paz e guerra ao vice-rei do México, concebido

com a mais profunda sabedoria. Nele reclamou-se o direito das pessoas,

estabelecendo princípios de uma exatidão incontestável. Esta Junta pro-

pôs que a guerra se fizesse como se feita entre irmãos e cidadãos, pois

não deveria ser mais cruel que entre nações estrangeiras. Propôs ainda

que os direitos de pessoas e de guerra, considerados invioláveis até mes-

mo para os infiéis e bárbaros, deveriam ser mais para os cristãos, por

estarem sujeitos a um soberano e às mesmas leis. Foi proposto ainda

que os prisioneiros não fossem tratados como réus de lesa-majestade,

nem se degolassem os prisioneiros que se rendessem, mas que fossem

mantidos como reféns para serem trocados; que não se entrasse com

sangue e fogo nos povoados pacíficos, que não os dizimassem nem os

sacrificassem, e, como conclusão propôs que em caso de rejeição deste

plano, as represálias seriam rigorosamente observadas. Esta negociação

foi tratada com o mais alto desprezo, não houve nenhuma resposta à

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Junta Nacional, as comunicações originais foram queimadas publica-

mente na Praça do México pela mão de Verdugo, e a guerra de exter-

mínio continuou por parte dos espanhóis com seu furor costumeiro,

tratamento que os mexicanos e as outras nações americanas não dis-

pensavam aos prisioneiros de guerra, nem à beira da morte, mesmo

que fossem espanhóis. Aqui se observa que, por razões de conveniên-

cia, foi conservada a aparência de submissão ao rei, mesmo à constitui-

ção da monarquia. Parece que a Junta Nacional é absoluta no exército

das funções legislativa, executiva e judiciária, e muito limitada no nú-

mero de seus membros.

Os acontecimentos da Terra Firme nos provaram que as instituições perfeitamente representadas não são adequadas ao nosso caráter cos-tumes e luzes atuais. Em Caracas, o espírito de partido tomou sua ori-gem nas sociedades, assembleias e eleições populares, e estes partidos nos levaram à escravidão. E assim como Venezuela foi a república ame-ricana que mais se adiantou em suas instituições políticas, também foi o mais claro exemplo da ineficácia da forma democrata e federal para nossos nascentes estados. Em Nova Granada, as excessivas faculdades dos governos provinciais e a falta de centralização no geral, conduziram aquele precioso país ao estado a que se vê reduzido atualmente. Por esta razão seus frágeis inimigos foram preservados contra todas as pro-babilidades. Enquanto nossos compatriotas não adquirem os talentos e as virtudes políticas que distinguem nossos irmãos do norte, os siste-mas inteiramente populares, longe de nos ser favoráveis, temo muito que venham a ser nossa ruína. Desgraçadamente estas qualidades pa-recem estar muito distantes de nós no grau que se requer, e pelo con-trário, estamos dominados dos vícios que se contraem sob a direção de uma nação como a espanhola, que só se destacou por ferocidade, am-bição, vingança e cobiça.

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“É mais difícil”, disse Montesquieu, “tirar um povo da servidão que subjugar a um livre”. Esta verdade está comprovada pelos anais de to-dos os tempos, que nos mostram a maioria das nações livres submeti-das ao jugo e muito pouco de nações escravas que recobraram sua li-berdade. Apesar desta convicção, os meridionais deste continente ma-nifestaram o propósito de conseguir instituições liberais e ainda perfei-tas, sem dúvida por efeito do instinto que possuem todos os homens de aspirar a sua maior felicidade possível: aquela que se alcança, infali-velmente, nas sociedades civis, quando elas estão fundadas sobre as bases da justiça, da liberdade e da igualdade. Mas, seremos capazes de manter no seu verdadeiro equilíbrio a difícil carga de uma República? Pode-se conceber que um povo recentemente livre das correntes se lance na esfera da liberdade sem que, como ocorreu a Ícaro, suas asas sejam desfeitas e caia no abismo? Tal prodígio é inconcebível, nunca visto. Consequentemente, não há um raciocínio lógico que nos apague essa esperança.

Montesquieu

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Eu desejo, mais que qualquer outro, ver formar na América a maior na-

ção do mundo, menos por sua extensão e riquezas que por sua liberda-

de e glória. Apesar de que aspiro a perfeição do governo da minha pá-

tria, não posso me convencer que o Novo Mundo seja, no momento,

regido por uma grande república. Como é impossível, não me atrevo a

desejá-lo, e menos ainda desejo uma monarquia universal da América,

porque este projeto, sem ser útil, é também impossível. Os abusos atu-

almente existentes não seriam corrigidos e nossa renovação seria infru-

tífera. Os estados americanos têm necessidades de governos paternais

que curem as pragas e as feridas do despotismo e da guerra. A metró-

pole, por exemplo, seria México, que é a única que pode ser por seu

poder intrínseco, sem o qual no há metrópole. Suponhamos que o ist-

mo Panamá fosse o ponto central para todos os extremos deste vasto

continente: não continuariam estes na passividade e os outros na de-

sordem atual? Para que um só governo dê vida anime, ponha em ação

todas as engrenagens da prosperidade pública, corrija, ilustre e aperfei-

çoe ao novo mundo, seria necessário que tivesse as faculdades de um

Deus e, pelo menos, as luzes e virtudes do todos os homens.

O Libertador

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O espírito de partido que no momento agita a nossos estados, se ascen-deria então com maior exasperação, estando ausente a única fonte de poder que pode reprimi-la. Além disso, os magnatas das capitais não sofreriam a predominância dos metropolitanos, a quem considerariam como a outros tantos tiranos: seus ciúmes chegariam ao ponto de com-pará-los com os odiosos espanhóis. Enfim, uma monarquia semelhante seria um colosso disforme que seu próprio peso desabaria frente à me-nor convulsão.

Mister de Pradt dividiu sabiamente a América em quinze ou dezessete

Estados, independentes entre si, governados por tantos outros monar-

cas. Estou de acordo em quanto ao primeiro, pois a América comporta a

criação de dezessete nações, enquanto ao segundo, ainda que seja mais

fácil de conseguir, é menos útil, e assim, não sou da opinião das monar-

quias americanas. Eis aqui minhas razões: bem entendido, o interesse

de uma República se circunscreve na esfera de sua conservação, pros-

peridade de glória. O império, desde que não exerça a liberdade com o

sentido imperialista, porque é precisamente o seu oposto, nenhum estí-

mulo provocaria aos republicanos para que entendam os termos de sua

nação, em detrimento de seus próprios meios, com o único objetivo de

fazer participar seus vizinhos de uma constituição liberal. Nenhum direi-

to adquire, nenhuma vantagem tiram vencendo-os, a menos que os re-

duzam a colônias, conquistas ou aliados seguindo o exemplo de Roma.

Tais máximas e exemplos estão em oposição direta aos princípios de

justiça dos sistemas republicanos; e, ainda direi mais, em oposição ma-

nifesta aos interesses de seus cidadãos, porque um estado muito exten-

so em si mesmo ou por suas dependências, ao final entra em decadên-

cia e converte sua forma liberal em outra tirania, relaxa os princípios

que devem preservá-la e, por último, ocorre o despotismo. O diferencial

das pequenas repúblicas é a permanência, o das grandes é variado, mas

sempre se inclina ao Império. Quase todas as primeiras tiveram uma

longa duração: das segundas, só Roma se manteve alguns séculos, mas

foi porque a capital era república e não o resto de seus domínios que

eram governados por leis e instituições diferentes.

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Contrária é a política de um rei cuja inclinação constante se dirige ao aumento de suas posses, riquezas e faculdades, com razão porque sua autoridade cresce com estas aquisições, tanto com respeito a seus vizinhos, como a seus próprios vassalos, que nele reconhecem um poder tão formidável quanto seu império que se conserva por meio da guerra e das conquistas. Por estas razões, penso que os americanos ansiosos de paz, ciências, artes, comércio e agricultura prefeririam as repúblicas aos reinos, e me parece que estes desejos estão em conformidade com as visões da Europa.

Não concordo com o sistema federal entre os populares representati-vos por ser muito perfeito e exigir virtudes e talentos políticos superi-ores aos nossos. Pela mesma razão, recuso a monarquia mista de aristocracia e democracia que tanta fortuna e esplendor trouxe à In-glaterra. Não nos sendo possível obter entre as repúblicas e monar-quias o mais perfeito e acabado, evitemos cair em anarquias dema-gógicas ou em tiranias autocratas. Busquemos um meio termo entre extremos opostos que nos conduziriam aos mesmos obstáculos, à infelicidade e à desonra. Vou arriscar o resultado das minhas refle-xões sobre o destino futuro da América: não a melhor, mas aquela que seja mais viável.

Pela natureza dos lugares, riquezas, população e caráter dos mexica-

nos, imagino que tentarão, ao princípio, estabelecer uma república

representativa na qual o poder executivo tenha grandes atribuições,

concentrando-o em um indivíduo que caso desempenhe suas fun-

ções com correção e justiça, quase naturalmente virá a conservar

uma autoridade vitalícia. Se sua incapacidade ou violenta administra-

ção escrita uma comoção popular que triunfe, este mesmo poder

executivo talvez venha a ser disseminado em uma assembleia. Se o

partido preponderante for militar ou aristocrático, exigirá, provavel-

mente, uma monarquia, que a princípio será limitada e constitucio-

nal, e depois, inevitavelmente, declinará em absoluto, pois devemos

convir em que não há nada mais difícil na ordem política que a con-

servação de uma monarquia mista. Além do que, é preciso considerar

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que somente um povo tão patriota como o inglês, é capaz de conter a

autoridade de um rei e de sustentar o espírito de liberdade sob um cetro

e uma coroa.

Os Estados do Istmo do Panamá até a Guatemala formariam, talvez, uma associação. Esta magnífica posição entre os dois grandes mares poderá ser, com o tempo, o empório do universo. Seus canais encurtarão as dis-tâncias do mundo: estreitariam os laços comerciais da Europa, América e Ásia, poderão trazer à tão feliz região os tributos das quatro partes do globo. Por acaso ali poderá fixar-se, algum dia, a Capital da Terra, como Constantino [sic] pretendeu que fosse Bizâncio do antigo hemisfério.

A Nova Granada se unirá com Venezuela, caso cheguem a estar de acor-

do em formar uma república central, cuja capital seja Maracaibo ou uma

nova cidade que, com o nome de Las Casas (em honra deste herói da fi-

lantropia) e que fosse fundada entre os confins de ambos países, no so-

berbo porto de Bahia-Honda. Esta posição, embora desconhecida, é mais

vantajosa, por todos os aspectos. Seu acesso é fácil e sua localização é

tão adequada que pode tornar-se inexpugnável. Possui um clima puro e

saudável, um território próprio tanto para a agricultura como para a cria-

ção de gado e uma grande abundância de madeiras de construção. Os

selvagens que a habitam seriam civilizados e nossas posses aumentariam

com a aquisição da Goagira.

GRANDE COLÔMBIA

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Esta nação se chamaria Colômbia, como um tributo de justiça e grati-dão ao criador de nosso hemisfério. Seu governo poderá imitar ao in-glês, com a diferença de que em lugar de um rei, haverá um poder exe-cutivo eleito, no máximo vitalício mas jamais hereditário, caso se quei-ra realmente uma república; uma câmara ou senado legislativo heredi-tário que, nas tempestades políticas se interponha entre as ondas po-pulares e os raios do governo e um corpo legislativo, eleito livremente, sem estar submetido a outras restrições que as da câmara baixa da In-glaterra. Esta Constituição participaria de todas as formas e eu desejo que não participe do todos os vícios. Como esta é minha pátria tenho um direito incontestável para desejar a ela o que, em minha opinião, é melhor. É possível que a Nova Granada não esteja de acordo com o re-conhecimento de um governo central, porque é em extremo adepta da Federação; neste caso, formará por si mesma um Estado que, se sub-sistir, poderá ser muito feliz em razão de seus grandes recursos de to-dos os gêneros.

Pouco sabemos das opiniões que prevalecem em Buenos Aires, Chile e Peru, mas julgando pelo que transparece e pelas aparências, em Bue-nos Aires, haverá governo central em que os militares terão a primazia em consequência de suas divisões internas e guerras externas. Esta constituição degenerará, necessariamente, em uma oligarquia ou uma autocracia com mais ou menos restrições e cuja denominação ninguém pode adivinhar. Seria doloroso que tal coisa sucedesse porque aqueles habitantes são credores das mais esplêndidas glórias.

O reino do Chile está convocado pela natureza de sua situação, pelos

costumes inocentes e virtudes de seus moradores, por exemplo de

seus vizinhos, os bravos republicanos de Arauco, a gozar das bençãos

que derramam as justas e doces leis de uma república. Se alguma per-

manecerá longo tempo na América, me inclino a pensar que será a chi-

lena. Ali jamais se extinguiu o espírito de liberdade; os vícios da Europa

e da Ásia chegarão tarde ou nunca chegarão para corromper os costu-

mes daquele extremo do universo. Seu território é limitado, estará

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sempre fora do contato infeccionado do resto dos homens, não alterará

suas leis, usos e práticas, preservará sua uniformidade em opiniões políti-

cas e religiosas. Em uma palavra: o Chile pode ser livre.

O Peru, pelo contrário, fecha dois elementos inimigos de todo regime justo e liberal: ouro e escravos. O primeiro, a tudo corrompe: o segundo, está corrompido por si mesmo. A alma de um servo raramente alcançará a sã liberdade: se enfurece nos tumultos ou se humilha sob correntes.

Apesar de que estas regras sejam aplicáveis à toda a América, acredito que com mais justiça as merece Lima, seja pelos conceitos que expus e, também, pela cooperação que prestou a seus senhores contra seus pró-prios irmãos, os ilustres filhos de Quito, Chile e Buenos Aires. ´Certamente, em Lima os ricos não tolerarão a democracia, nem a liber-tação os escravos e pardos frente a aristocracia. Os primeiros preferirão a tirania de um só para não padecer de perseguições tumultuosas e tam-bém por estabelecer uma ordem que seja pelo menos pacífica. Muito se fará si consegue recobrar sua independência.

Face a tudo o que foi exposto, podemos deduzir estas consequências: as

províncias americanas lutam por emancipar-se e no final obterão suces-

so. Algumas se constituirão de um modo regular em repúblicas federati-

vas e centrais. Monarquias serão fundadas quase inevitavelmente nas

grandes seções, e, algumas serão tão infelizes que devorarão seus ele-

mentos, seja na atual, seja nas futuras revoluções, que uma grande mo-

narquia não será fácil de consolidar, uma república, impossível.

É uma ideia grandiosa pretender formar o Novo Mundo como uma só

nação, com um só vínculo que unifique suas partes entre si e com o todo.

Já que tem uma origem, uma língua, uns costumes e uma religião, deve-

ria, por conseguinte, ter um só governo que confederasse os diferentes

estados que haverão de ser formados, entretanto, isto não é possível

porque climas remotos situações diversas, interesses opostos, caraterísti-

cas desiguais dividem a América.

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Que lindo seria se o Istmo do Panamá fosse para nós o que o de Corin-to é para os Gregos! Tomara que algum dia tenhamos a sorte de insta-lar ali um venerável congresso dos representantes das repúblicas, rei-nos e impérios para discutir sobre os altos interesses da paz e da guer-ra com as nações das outras três partes do mundo! Esta espécie de cor-poração poderá ter lugar em alguma época feliz de nossa geração; qualquer outra esperança é infundada, semelhante à do abade Saint Pierre, que concebeu o louvável delírio de reunir um congresso euro-peu para decidir a sorte e os interesses daquelas nações.

“Mutações importantes e felizes”, continua o senhor, “podem ser fre-

quentemente produzidas por efeitos individuais. Os americanos meri-

dionais têm uma tradição que diz que quando Quetzalcoatl, o Hermes

ou Buda da América do Sul renunciou à sua administração e os abando-

nou, lhes prometeu que voltaria depois que os séculos das desigualda-

des tivessem passado, e que ele restabeleceria seu governo e renovaria

sua felicidade. Será que esta tradição não influencia e excita uma con-

vicção de que ele deveria voltar logo? O senhor pode calcular qual seria

o efeito que produziria se um indivíduo aparecendo entre eles portasse

as características de Quetzalcoatl o Buda do bosque ou Mercúrio do

qual falaram tanto as outras nações? Não acredita o senhor que isto

influenciaria todas as partes? Não é a união de todos o que se necessi-

ta para colocá-los em condições de expulsar aos espanhóis, suas tropas

e aos partidários da corrompida Espanha, para torná-los capazes de

estabelecer um Império poderoso, com um governo livre e leis benévo-

las? ”

Congresso do Panamá 1826

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Penso como o senhor que causas individuais podem produzir resultados gerais, sobretudo nas revoluções. Mas não é o herói, grande profeta ou Deus do Abahuac, Quetzacoatl o que é capaz de operar os prodigiosos benefícios que o senhor propõe. Este personagem é conhecido apenas pelo povo mexicano e não de uma maneira vantajosa, porque tal é a sor-te dos vencidos, ainda que sejam Deuses. Só os historiadores e literatos se ocuparam cuidadosamente em investigar sua origem verdadeira ou falsa missão, suas profecias e o término de sua carreira. Disputa-se se foi um apóstolo de Cristo ou melhor, pagão; uns supõe que seu nome quer dizer Santo Tomas, outros, que significa serpente emplumada e outros dizem que ele é o famoso Profeta de Yucatán, Chilan-Cambal. Em uma palavra, a maioria dos autores mexicanos mais polêmicos e historiadores profanos trataram com mais ou menos extensão a questão o verdadeiro caráter de Quetzalcoalt. O fato, segundo diz Acosta, é que ele estabele-ceu uma religião cujos ritos, dogmas e mistérios têm uma admirável afini-dade com a de Jesus e que talvez é a mais semelhante a ela. Não obstan-te isto, muitos escritores católicos procuraram afastar a ideia de que este profeta fosse verdadeiro, sem querer reconhecer nele um Santo Tomas como o afirmavam outros célebres autores. A opinião geral é que Quetzalcoatl é um legislador divino entre os povos pagãos de Anahuac, do qual era lugar-tenente o grande Motezuma, derivando dele a sua au-toridade. Daqui se infere que nossos mexicanos, não seguiriam ao gentil Quetzacoatl ainda que aparecesse sob as formas mais idênticas e favorá-veis, pois professam uma religião mais intolerante e exclusiva que outras.

Quetzalcoalt

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Felizmente os diretores da independência do México se aproveitaram do fanatismo com grande acerto, proclamando à famosa Virgem de Guadalupe como rainha dos patriotas, invocando-a em todos os casos árduos e levando-a em suas bandeiras. Com isto, o entusiasmo político formou uma mistura com a religião que produziu um fervor veemente pela sagrada causa da liberdade. A veneração desta imagem no México é superior à mais exaltada que pudesse inspirar o mais sagaz profeta.

Por outra parte, o tempo das aparições passou e ainda que fossem os

americanos mais supersticiosos do que são, não emprestariam sua fé

às superstições de um impostor, que seria tido por um carismático ou

pelo anti-Cristo anunciado em nossa religião. 1

Seguramente, a união é o que nos falta para completar a obra de nossa

geração. Mas, nossa divisão não é estranha porque tal é o distintivo

das guerras civis formadas geralmente entre dois partidos: conservado-

res e reformadores. Os primeiros são, pelo comum, mais numerosos

porque o império do costume produz efeito da obediência aos poderes

pré-estabelecidos; os últimos são sempre menos numerosos, ainda que

mais veementes e ilustrados. Desse modo a massa física se equilibra

com a força moral e a contenda se prolonga, sendo seus resultados

muito incertos. Por sorte, no nosso caso a massa seguiu a inteligência.

1 Este parágrafo se encontra no manuscrito original, encontrado no Equador, o mesmo não aparecia nas versões em español conhecidas até a data.

UNIÃO AMERICANA

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Eu direi ao senhor o que pode nos colocar em condição de expulsar aos espanhóis e a fundar um governo livre: é “a união”, certamente, mas es-ta união não nos virá por prodígios divinos, senão por efeitos sensíveis e esforços bem dirigidos. A América defronta-se consigo mesma, porque foi abandonada por todas as nações, ilhada no meio do universo, sem relações diplomáticas nem auxílios militares, e combatida por Espanha, que possui mais elementos para guerra que nós possamos furtivamente adquirir.

Quando os acontecimentos não estão garantidos, quando o Estado é frá-gil e quando as empresas são remotas, todos os homens vacilam, as opi-niões se dividem, as paixões se agitam e os inimigos as animam para triunfar por este meio fácil. Assim que formos fortes, sob os auspícios de uma nação liberal que nos preste sua proteção, seremos vistos em con-sonância com a cultura das virtudes e dos talentos que conduzem à gló-ria. A partir de então, seguiremos a marcha majestosa até as grandes prosperidades a que está destinada a América Meridional, E assim, as ciências e as artes, que nasceram no Oriente e ilustraram a Europa, virão para Colômbia livre, que as convidará como para um asilo.

Tais são, senhor, as observações e pensamentos que tenho a honra de submeter ao senhor para que os ratifique ou reprove, segundo seu méri-to. Suplico-lhe que compreenda que me atrevi a expô-los, mais para não ser descortês, do que por me acreditar capaz de ilustrá-lo nesta matéria. 2

Sou do Senhor. Kingston, 06 de setembro de 1815.

2 Segunda sinaliza o pesquisador Amílcar Varela, neste ponto finaliza o manuscrito original da Carta de Jamaica, encontrado no Equador. A frase seguinte destacada em negrito que incluímos nesta edição, corresponde à primeira versão da Carta da Jamaica em espanhol que foi publicada na obra de Cristóbal Mendonza e Francisco Javier Yanes: Coleção de documentos relativos à vida pública do Libertador da Colombia e do Peru. Simón Bolívar, para servir à História da Independên-cia de Sul- América. Caracas, Inprenta Damiroy, 1833. Volume XXI apêndice, pp. 207 – 229.

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O pesquisador equatoriano Amilcar Varela Jara, revelou em 2014. O documento achado na Seção Jacinto Jijon, do Arquivo Histórico do Banco Central do Equador-Quito

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“Eu desejo, mais que qualquer outro, ver formar na América a maior nação do mundo, menos por sua extensão e riquezas que por sua liber-dade e glória.”

“Que lindo seria se o Istmo do Panamá fosse para nós o que o de Corin-to é para os Gregos!”

“O hábito à obediência; um comércio de interesses, de luzes, de reli-gião, uma recíproca benevolência, uma terna solicitação pela causa e a glória de nossos pais; enfim, tudo o que formava nossa esperança vi-nha da Espanha.”

“O véu se rasgou: já vimos a luz, e querem nos levar de volta às trevas, Romperam-se as correntes, já somos livres e nossos inimigos querem nos escravizar novamente.”

“Os Estados são escravos pela natureza de sua constituição ou pelo abuso dela: assim um povo é escravo quando o governo por sua essên-cia ou por seus vícios esmaga e usurpa os direitos do cidadão ou súdi-to.”

’“É mais difícil”, disse Montesquieu, “tirar um povo da servidão que subjugar a um livre.” ’

FRASES DA CARTA DA JAMAICA