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Carta aberta a Gilberto Gil e Caetano Veloso de Paulo Sérgio Pinheiro Ex-ministro de Direitos Humanos do Brasil, membro da Comissão Nacional da Verdade e relator de direitos humanos da ONU Há pouco mais de duas semanas, enviei uma carta a você, caro amigo Gilberto Gil, somando-me a esse apelo, organizado pelo movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), para que você e Caetano Veloso não fossem se apresentar em Israel. Faço, agora, público esse meu pedido. Escrevi minha carta, devo dizer, ouvindo à sua canção, Gil, “Oração pela libertação da África do Sul”. Pois, efetivamente, o que está ocorrendo em Israel hoje é o aprofundamento de um regime de discriminação e racismo em que os árabes israelenses e os palestinos, nos territórios ocupados ilegalmente faz 58 anos, são tratados como cidadãos de segunda categoria. Tive oportunidade de testemunhar recentemente essa situação, hoje extremamente agravada, quando visitei Belém, Ramallah e a faixa de Gaza. Os postos de controle para os palestinos entrarem e saírem de Israel são verdadeiras estruturas de selecionar gado. O muro que as vezes chega a 8 metros, cortou comunidades, e para cruza-lo, os palestinos são submetidos ao pleno arbítrio. Muitas crianças precisando ir à escola do outro lado do muro, são obrigadas a esperarem horas até que possam passar. O impacto da violência e conflitos sobre elas é particularmente preocupante, impedindo o gozo de seus direitos e impedindo o seu desenvolvimento normal. Nos últimos anos, há uma média anual de 700 crianças presas, muitas vezes espancadas e submetidas a tortura, submetidas a cortes militares. São regularmente detidas e julgadas por delito de jogar pedras, cuja pena é baseada no número e tamanho das pedras. A defesa legal das crianças é praticamente inexistente. Gaza, já se disse, era e continua a ser uma prisão a céu aberto - antes e depois do último conflito com Israel. Nesta última ofensiva, além da morte de 2000 palestinos, mais de 113.000 casas foram destruídas. Ademais, o bloqueio por Israel continua. Na Cisjordânia - ainda que pelos acordos de Oslo Israel tenha se comprometido a não expandir sua presença nos territórios atribuídos à a Autoridade Palestina - a realidade é que o Estado aumentou o número de barreiras, de postos de controle, dificultando cada vez mais a circulação dos palestinos enquanto promove a expansão e manutenção de assentamentos ilegais. A essa situação se somam ameaças decorrentes de outras políticas e práticas relacionadas com a ocupação israelense. A violência, intimidação e assédio por parte de colonos na Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, hoje alvo da expansão ilegal de colônias de Israel, merece atenção. Há uma falta de esforços suficientes pelas autoridades israelenses para investigar e garantir a investigação das violações do direito internacional humanitário e dos direitos humanos por parte das forças israelenses durante as operações militares e por parte de colonos israelenses que praticam atos de violência contra civis palestinos e sua propriedade. A falta de investigação eficaz e julgamento de atos violentos resulta em uma cultura de impunidade desde que se trate de soldados ou colonos israelenses. Enquanto isso, civis palestinos continuam a ser submetidos a restrições à sua liberdade por parte das autoridades israelenses: a atual prática de detenção administrativa - detenção, sem acusação ou julgamento - pelas autoridades israelenses é de particular preocupação. Os

Carta de Paulo Sergio Pinheiro a Caetano e Gil

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Paulo Sergio Caetano e Gil

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  • Carta aberta a Gilberto Gil e Caetano Veloso

    de Paulo Srgio Pinheiro Ex-ministro de Direitos Humanos do Brasil, membro da Comisso Nacional da Verdade e relator de direitos humanos da ONU

    H pouco mais de duas semanas, enviei uma carta a voc, caro amigo Gilberto Gil, somando-me a esse apelo, organizado pelo movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanes (BDS), para que voc e Caetano Veloso no fossem se apresentar em Israel. Fao, agora, pblico esse meu pedido.

    Escrevi minha carta, devo dizer, ouvindo sua cano, Gil, Orao pela libertao da frica do Sul. Pois, efetivamente, o que est ocorrendo em Israel hoje o aprofundamento de um regime de discriminao e racismo em que os rabes israelenses e os palestinos, nos territrios ocupados ilegalmente faz 58 anos, so tratados como cidados de segunda categoria.

    Tive oportunidade de testemunhar recentemente essa situao, hoje extremamente agravada, quando visitei Belm, Ramallah e a faixa de Gaza. Os postos de controle para os palestinos entrarem e sarem de Israel so verdadeiras estruturas de selecionar gado. O muro que as vezes chega a 8 metros, cortou comunidades, e para cruza-lo, os palestinos so submetidos ao pleno arbtrio.

    Muitas crianas precisando ir escola do outro lado do muro, so obrigadas a esperarem horas at que possam passar. O impacto da violncia e conflitos sobre elas particularmente preocupante, impedindo o gozo de seus direitos e impedindo o seu desenvolvimento normal.

    Nos ltimos anos, h uma mdia anual de 700 crianas presas, muitas vezes espancadas e submetidas a tortura, submetidas a cortes militares. So regularmente detidas e julgadas por delito de jogar pedras, cuja pena baseada no nmero e tamanho das pedras. A defesa legal das crianas praticamente inexistente.

    Gaza, j se disse, era e continua a ser uma priso a cu aberto - antes e depois do ltimo conflito com Israel. Nesta ltima ofensiva, alm da morte de 2000 palestinos, mais de 113.000 casas foram destrudas. Ademais, o bloqueio por Israel continua.

    Na Cisjordnia - ainda que pelos acordos de Oslo Israel tenha se comprometido a no expandir sua presena nos territrios atribudos a Autoridade Palestina - a realidade que o Estado aumentou o nmero de barreiras, de postos de controle, dificultando cada vez mais a circulao dos palestinos enquanto promove a expanso e manuteno de assentamentos ilegais.

    A essa situao se somam ameaas decorrentes de outras polticas e prticas relacionadas com a ocupao israelense. A violncia, intimidao e assdio por parte de colonos na Cisjordnia, incluindo Jerusalm Oriental, hoje alvo da expanso ilegal de colnias de Israel, merece ateno.

    H uma falta de esforos suficientes pelas autoridades israelenses para investigar e garantir a investigao das violaes do direito internacional humanitrio e dos direitos humanos por parte das foras israelenses durante as operaes militares e por parte de colonos israelenses que praticam atos de violncia contra civis palestinos e sua propriedade. A falta de investigao eficaz e julgamento de atos violentos resulta em uma cultura de impunidade desde que se trate de soldados ou colonos israelenses.

    Enquanto isso, civis palestinos continuam a ser submetidos a restries sua liberdade por parte das autoridades israelenses: a atual prtica de deteno administrativa - deteno, sem acusao ou julgamento - pelas autoridades israelenses de particular preocupao. Os

  • maus-tratos de crianas palestinas sob deteno israelense, como j mencionei, generalizada, sistemtica e institucionalizada em todo o processo de priso, julgamento e condenao.

    Essas prticas contam, cada vez mais, com o apoio generalizado da populao de Israel. A recente vitria nas eleies parlamentares a uma coalizo de direita e extrema-direita um reflexo desse apoio. Chegando-se a ponto de dois ministros do novo governo israelense preconizarem, simplesmente, a extino dos palestinos.

    Eminentes jornalistas israelenses crticos da ocupao da Palestina, como o jornalista Gideon Levy, so obrigados a viver sob a proteo de guarda costas. Mesmo nas foras armadas, h vozes denunciando o desrespeito das convenes de Genebra nos ataques de Israel contra Gaza, vrios soldados na iniciativa Breaking the silence testemunham sobre as atrocidades que foram obrigados a perpetrar contra a populao de Gaza.

    Tambm na rea mais ligada a mim: as universidades. Vale ressaltar que, especialmente aquelas instituies nas reas de cincias exatas e tcnicas, esto ligadas s atividades militares israelenses.

    Diante desse quadro de coisas, intelectuais, artistas, acadmicos dentro e fora de Israel acreditam, como eu, que se impe um boicote a Israel.

    Desde abril de 2004, a Campanha Palestina pelo Boicote Acadmico e Cultural de Israel (PACBI), instou os intelectuais e acadmicos de todo o mundo para " abrangente e consistente boicotar todas as instituies acadmicas e culturais israelenses como uma contribuio para a luta para acabar com a ocupao , colonizao e do sistema de apartheid de Israel ".

    Muitas universidades e departamentos acadmicos, cientistas, e professores tm se recusado a participar em Israel de congressos ou de colaborar em intercmbio intelectual. H centenas de artistas, msicos, muitos certamente conhecidos por vocs, que se recusam atendendo inclusive a apelos de Desmond Tutu - a se apresentar em Israel.

    Ouvindo sua bela cano, Gil, sobre o apartheid na frica do Sul, creio que a mesma atitude, por solidariedade aos palestinos, deve ser assumida por vocs, recusando-se a se apresentar em Israel.

    Pelo exemplo, pelo reconhecimento que vocs tm no Brasil e em todo o mundo, pela influncia que vocs exercem junto a milhes de jovens, pela autoridade moral de resistentes ditadura militar e de lutadores contra a censura, ouso pedir a vocs que no se apresentem em Israel. O exemplo de vocs dois ser uma enorme contribuio para aumentar no Brasil e no mundo a conscincia sobre o apartheid na Palestina e a solidariedade com o povo palestino.

    Desse velho admirador,

    Abraos fortes do

    Paulo