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3 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017 Carta do Editor Carta do editor E sta edição contempla o papel de minorias no desenvolvimento da ciência e da tecnologia por meio da divulgação do trabalho da cientista brasileira Marcia Barbosa e do inventor afrodescendente norte-americano Lewis Howard Latimer. A contribuição da física, premiada internacio- nalmente, ao estudo das anomalias da água com relevância para o ensino das ciências é destacada no artigo de Damásio e Raicik em que é proposta uma UEPS (unidade de ensino potencialmente significativa) para que os professores incluam essas discussões em sala de aula. Na comunidade de cientistas e inventores predo- minantemente branca, é fundamental ressaltar a atuação de personagens da estatura de L.H. Latimer, que patenteou, entre outros, um processo de carbonização de condutores com filamento de carbono na fabricação de lâmpadas. Os autores do artigo, Morais e Santos, enfatizam a necessidade de demonstrar para alunos e alunas que não apenas o grupo demográfico constituído por homens brancos é capaz de desenvolver ciência e tecnologia. Parece incrível, mas em pleno século XXI aberrações como a ideia da Terra Plana são ainda divulgadas nas redes sociais e no YouTube e, pasmem, despertam a curiosidade de muitos internautas. O nosso “destruidor de mitos” Fernando Lang conta um pouco do surgimento dessa concepção esdrúxula e apresenta evidências, com enfoque histórico, acerca da esfericidade da Terra para discussão em sala de aula. A história da física encontra-se presente com a abordagem, feita por Raicik, Damásio e Angotti, dos estudos de Newton sobre luz e cores em livros de divulgação científica, bem como a impor- tância das ilustrações e da narrativa dos experimentos no século XVII, em especial a do experimentum crucis. Implicações ao ensino de ciências são discutidas. A aproximação entre Ciência e Arte é explorada por Jorge e Peduzzi na apresentação de um módulo de ensino em que se analisam duas pinturas de Joseph Wright, de cunho científico (sistema solar e propriedades do ar), usando a linguagem da história em quadrinhos. Relatos de experiências interessantes constam desta edição. Fo- ram empregadas tecnologias digitais com ênfase na videoanálise e realizadas atividades lúdicas na quadra da escola no estudo do movimento circular. Nosso comprometimento com o ensino de Física na modalidade da Educação de Jovens e Adultos (EJA) está explicitado neste número com o relato, por Negreiros Neto e Ferracioli, de demonstrações práticas e experimentos descritivos para serem realizados em sala de aula. O conhecido foguete de garrafa PET ressurge na FnE com uma inovação proposta por Negreiros e Barros de Oliveira: o lançamento do foguete a partir de uma base automatizada, para garantir a segurança e a estabilidade do lançamento. Sempre presente nas edições da FnE, o ensino de Astronomia é abordado por meio da proposta de construção de uma maquete tridimensional fosforescente de baixo custo que, segundo a autora do artigo, se diferencia das demais por ser independente de uma base. Boa leitura. Nelson Studart

Carta do Editor - fisica.org.br · em vez do Sol a estrela Canopus (uma supergigante branco-amarelada), obteve uma medida para a circunferência terres-tre [1, 2]. Durante a Idade

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3Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017

Carta do Editor

Carta do editor

Esta edição contempla o papel de minorias nodesenvolvimento da ciência e da tecnologia por meio dadivulgação do trabalho da cientista brasileira Marcia

Barbosa e do inventor afrodescendente norte-americano LewisHoward Latimer. A contribuição da física, premiada internacio-nalmente, ao estudo das anomalias da água com relevância parao ensino das ciências é destacada no artigo de Damásio e Raicikem que é proposta uma UEPS (unidade de ensino potencialmentesignificativa) para que os professores incluam essas discussõesem sala de aula. Na comunidade de cientistas e inventores predo-minantemente branca, é fundamental ressaltar a atuação depersonagens da estatura de L.H. Latimer, que patenteou, entreoutros, um processo de carbonização de condutores com filamentode carbono na fabricação de lâmpadas. Os autores do artigo,Morais e Santos, enfatizam a necessidade de demonstrar paraalunos e alunas que não apenas o grupo demográfico constituídopor homens brancos é capaz de desenvolver ciência e tecnologia.

Parece incrível, mas em pleno século XXI aberrações como aideia da Terra Plana são ainda divulgadas nas redes sociais e noYouTube e, pasmem, despertam a curiosidade de muitosinternautas. O nosso “destruidor de mitos” Fernando Lang contaum pouco do surgimento dessa concepção esdrúxula e apresentaevidências, com enfoque histórico, acerca da esfericidade da Terrapara discussão em sala de aula.

A história da física encontra-se presente com a abordagem,feita por Raicik, Damásio e Angotti, dos estudos de Newton sobreluz e cores em livros de divulgação científica, bem como a impor-tância das ilustrações e da narrativa dos experimentos no século

XVII, em especial a do experimentum crucis. Implicações ao ensinode ciências são discutidas.

A aproximação entre Ciência e Arte é explorada por Jorge ePeduzzi na apresentação de um módulo de ensino em que seanalisam duas pinturas de Joseph Wright, de cunho científico(sistema solar e propriedades do ar), usando a linguagem da históriaem quadrinhos.

Relatos de experiências interessantes constam desta edição. Fo-ram empregadas tecnologias digitais com ênfase na videoanálise erealizadas atividades lúdicas na quadra da escola no estudo domovimento circular.

Nosso comprometimento com o ensino de Física na modalidadeda Educação de Jovens e Adultos (EJA) está explicitado neste númerocom o relato, por Negreiros Neto e Ferracioli, de demonstraçõespráticas e experimentos descritivos para serem realizados em salade aula.

O conhecido foguete de garrafa PET ressurge na FnE com umainovação proposta por Negreiros e Barros de Oliveira: o lançamentodo foguete a partir de uma base automatizada, para garantir asegurança e a estabilidade do lançamento.

Sempre presente nas edições da FnE, o ensino de Astronomia éabordado por meio da proposta de construção de uma maquetetridimensional fosforescente de baixo custo que, segundo a autorado artigo, se diferencia das demais por ser independente de umabase.

Boa leitura.

Nelson Studart

4 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017Sobre a forma da Terra

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Introdução

No dia 11/02/2016 foi realizadauma postagem, no sítio Pergunteao Centro de Referência para o

Ensino de Física (CREF) do IF-UFRGS,1

intitulada “Teste sobre a forma da Terra!”.2

A chamada para a postagem encontra-sena Fig. 1 (na seção Resposta ao Teste in-dica-se qual é a melhor alternativa deresposta e argumenta-se sobre ela).

Como é de praxe, as postagens doPergunte ao CREF são divulgadas em cercade 30 comunidades de física do Facebooke, em algumas horas, costumam ocorrerdezenas ou até centenas de acessos à res-posta. Entretanto, dessa vez houve mi-lhares de acessos em poucas horas (emmenos de um dia os contadores registra-ram quatro mil acessos somente nessapostagem) e diversas pessoas posterior-mente comunicaram que o sítio emitiaum aviso de estar sobrecarregado.

Há diversas postagens no Pergunte aoCREF, anteriores e posteriores a essa, comquestionamentos sobre a forma da Terra(algumas serão indicadas neste artigo).Tratando-se de um tema recorrente - e depermanente interesse das pessoas -, éobjetivo do artigo detalhar alguns aspec-tos históricos sobre o conhecimento dageometria de nosso planeta. Ao final, serãoapresentados comentários sobre a ana-crônica e esdrúxula concepção da TerraPlana que nos últimos anos assola as redessociais e os vídeos do Youtube. Diversasevidências sobre a forma esférica da Terraserão apresentadas.

A forma da Terra até o século XVI

Desde a Grécia Antiga - segundo, porexemplo, Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.)e, anteriormente, Pitágoras (570 a.C.-495a.C.) - sabe-se que a Terra é (quase)esférica, sendo também bem conhecidoque no século III a.C. Eratóstenes (276

Fernando Lang da SilveiraInstituto de Física, UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul, PortoAlegre, RS, BrasilE-mail: [email protected]

Nosso conhecimento sobre a forma da Terra éuma conquista histórica que remonta à Anti-guidade Clássica. Alguns aspectos dessa históriasão relembrados. Evidências sobre a esfericidadeda Terra são discutidas em contraposição à es-drúxula e anacrônica concepção atual da TerraPlana. Figura 1: Qual das figuras melhor representa o formato da Terra?

5Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017 Sobre a forma da Terra

a.C.-194 a.C.) fez a primeira determinaçãoda circunferência da Terra. Quase umséculo depois, Posidônio (135 a.C.-51a.C.), de maneira independente, usandoem vez do Sol a estrela Canopus (umasupergigante branco-amarelada), obteveuma medida para a circunferência terres-tre [1, 2].

Durante a Idade Média, mesmo an-tes de o aristotelismo ter sido assumidoexplicitamente na Igreja Católica porTomás de Aquino (1225-1274), predomi-nava a concepção da Terra como um globoentre os conhecedores das ideias gregas.O globo terrestre, encimado pela cruz namão esquerda, representava o poder tem-poral do rei Carlos Magno (742-814)conforme se vê na Fig. 2.

O modelo da Terra redonda inspirouas grandes navegações acontecidas a partirdo século XV, culminando com as desco-bertas da América em 1492 e do Brasilem 1500. A circum-navegação, a volta aoredor do globo terrestre, iniciada por Fer-não de Magalhães (1480-1521) em 1519(morto em batalha nas Filipinas durantea viagem), foi completada pelas naus em1522.

A geometria da Terra era essencial-mente a mesma, seja na velha concepçãogeocêntrica, seja na revolucionária con-cepção heliostática que Copérnico reviveuno século XVI. A divergência entre ambas

as concepções estava em qual corpo seriaestático, a Terra ou o Sol. Na Fig. 3 vemosa belíssima obra artístico-científica con-cebida em 1561 pelo matemático, cartó-grafo e cosmólogo português BartolomeuVelho (?-1568), indicando que naquelaépoca já se conhecia com muita fidedigni-dade a geografia de nosso planeta. Essaobra representa a integração da cosmolo-gia aristotélica com o cristianismo naversão tomista, sendo rica em detalhesquantitativos (sugere-se a inspeção dafigura no arquivo em alta da resoluçãoda Wikipedia). Vale destacar que nessafigura, entre tantasinformações quanti-tativas, há para a cir-cunferência da Terra ovalor de 6300 léguas,o que equivale a apro-ximadamente 38 milquilômetros. JeanFrançois Fernel (1497-1558), em 1525,realizou a medida do arco do meridianoterrestre entre Paris e Amiens, cidadesseparadas por 1° de latitude sobre omesmo meridiano, como sendo de 56.746toesas.3 Dessa medida obtém-se, multi-plicando-se por 360 e lembrando-se queuma toesa corresponde a 1,95 m, que acircunferência terrestre em unidadesatuais é aproximadamente 39,8 mil qui-lômetros.

A forma da Terra nos séculos XVIIe XVIII

No século XVII, com o advento damecânica cartesiana e posteriormente coma mecânica newtoniana, a discussão sobre

a forma da Terra foi levada a um alto graude sofisticação quantitativa. Destacam-se,entre outros, os trabalhos teóricos eexperimentais do abade Jean-Felix Picard(1620-1682), que em 1671 publicou umpequeno livro sobre a “Medida da Terra”onde apresenta para o comprimento de 1°do meridiano terrestre que passa por Paris(em unidade de medida atual) cerca de110,5 km, daí decorrendo que a circunfe-rência da Terra seria de aproximadamente39,8 mil quilômetros [3].

A mecânica cartesiana foi uma teoriaconstituída sob a hipótese copernicana e

pretendia dar suportedinâmico à ideia revo-lucionária de Copér-nico. Entretanto, Des-cartes (1596-1650)somente admitia “for-ças de contato”. Apossibilidade de “for-

ças de ação a distância” foi descartada porele e pelos cartesianos que lhe sucederam.Quando do advento da inovadora mecâ-nica de Newton (1643-1727), os carte-sianos julgaram a Lei da GravitaçãoUniversal um “monstro metafísico”, poradmitir que a força gravitacional entredois corpos pontuais ou esféricos é inver-samente proporcional ao quadrado da dis-tância entre seus centros [4]. A dinâmicados corpos celestes, segundo Descartes,estava fundada sobre ser cada um delesum centro de vorticidade que arrastavaos planetas (no caso do Sol e de outroscentros espalhados pelo universo) ou ossatélites (a Lua ou os satélites de Júpiter,por exemplo, moviam-se no vórtice do

Figura 2: Estátua de Carlos Magnosegurando um globo, símbolo do seupoder temporal. (https://c o m m o n s . w i k i m e d i a . o rg / w i k i /File:Charlemagne.jpg - acessado em 10/03/2017).

Figura 3: Figura dos corpos celestes - Ilustração do modelo geocêntrico do Universo.(Por Bartolomeu Velho, Domínio público - https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=3672259 - acessado em 10/03/2017).

As grandes navegações foraminspiradas no modelo de Terraesférica; os geocentristas não

tinham dúvidas sobre aesfericidade da Terra

6 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017Sobre a forma da Terra

respectivo planeta).A questão da forma da Terra tornou-

se um tema de controvérsias entre os cien-tistas a partir do final do século XVII.Cristiaan Huygens (1629-1695) calculouque nosso planeta é um esferoide (elipsoidede revolução) oblato, isto é, que tem o seudiâmetro equatorial levemente maior doque o diâmetro polar, na razão de 578para 577, respectivamente. Newton, noterceiro livro dos Principia, O Sistema do Mun-do, prevê um achatamento um pouco maiordo diâmetro polar em relação ao equatorial,na razão de 230 para 229. Já os cartesianosacreditam que a Terra é um esferoide prolato(Fig. 4), isto é, alongado segundo o seudiâmetro polar. Medidas efetuadas nasprimeiras décadas do século XVIII porJacques Cassini (1677-1756) e Giacomo Ma-raldi (1665-1729) pa-reciam corroborar oesferoide prolato carte-siano [3].

A Real Academia de Ciências da Françaera preponderantemente cartesiana nasduas primeiras décadas do século XVIII.Entretanto, havia físicos e filósofosfranceses que aderiram às ideias newto-nianas. O enciclopedista Voltaire (1694-1778), ao retornar para a França depoisde três anos de permanência entre os in-gleses (1726 a 1729), foi o grande divul-gador da mecânica de Newton entre osleigos [5].

Em 1732 o físico Pierre Louis Moreaude Maupertuis (1698-1759) tomouabertamente a posição de Newton (quemorrera em 1727) perante a Real Acade-mia de Ciências da França, na defesa daLei da Gravitação Universal - e consequen-temente da forma da Terra como esferoideoblato -, propondo métodos astronômicossofisticados (em seu livro Discursos sobre

as Diversas Figuras dos Astros) que pode-riam ser usados em medidas do compri-mento de 1° do meridiano terrestre [3].Medições próximas ao equador e próxi-mas ao polo norte poderiam finalmentedecidir se a Terra era achatada ou alongadano seu eixo polar, conforme respectiva-mente newtonianos e cartesianos pro-punham.

A Fig. 5 é uma representação de ummeridiano terrestre e dos comprimentosdos arcos que correspondem a um ângulode 1° em duas regiões diferentes. É impor-tante destacar que os centros de curvaturados arcos não coincidem com o centro doesferoide. Além disso, os raios de curva-tura desses pequenos arcos são diferentese apresentam dimensões diversas dos

semieixos do esferoide(isto é, dos raios polare equatorial da Terra).A realização de taismedidas era possívelgraças aos métodos

astronômicos nas determinações dosângulos de deslocamento sobre os meri-dianos e aos métodos topográficos nasmedidas dos comprimentos dos arcos.

A Academia de Ciências da França, em1735, financiada pelo rei Luís XV, decidiuenviar expedições à América do Sul e àLapônia para, entre outras atividades cien-tíficas e expansionistas, medir o compri-mento do arco correspondente ao ângulode 1° do meridiano terrestre. Se tal medidaresultasse em uma extensão maior na re-gião polar do que na região equatorial,estaria corroborada a previsão newtonia-na.

Em 1736, a expedição à Lapônia lide-rada por Maupertuis realizou uma dasmedidas, encontrando cerca de 500 toesas(quase 1 km) a mais do que o compri-mento correspondente a 1° do meridiano

terrestre em Paris, corroborando assim aprevisão newtoniana, embora aindafaltasse o resultado da outra expedição àAmérica do Sul com medidas feitas nasproximidades do equador [6].

A expedição sul-americana, conduzi-da por Charles-Marie de La Condamine(1701-1774), somente retornou em 1745[7]. As medidas feitas na proximidade deQuito no Equador (na época a região eraconhecida como Peru) corroboraram aprevisão newtoniana sobre o achatamentodo eixo polar, resultando em que o raiopolar (semieixo polar do esferoide) fosse33 km inferior ao raio equatorial (semi-eixo equatorial). Newton previu umadiferença de 26 km entre as duas medidas.Hoje sabemos que a diferença é de 21 km.Portanto, desde o século XVIII as medidasgeodésicas francesas confirmam que a Ter-ra é achatada no seu eixo polar em relaçãoao equatorial.

Sobre a forma da Terra naatualidade

A Terra é muito aproximadamenteum esferoide oblato, mais precisamenteum elipsoide de rotação cujo semieixo (ouraio) polar difere muito pouco do semieixoequatorial. As diversas medidas subse-quentes às das expedições geodésicas fran-cesas entre 1736 e 1745 reduziram as in-certezas sobre as dimensões deste elipsoi-de, agora chamado elipsoide de referência(ER). Atualmente sabe-se que o raio polarmede 6.356,7519 km e o raio equatorial6.378,1366 km [8].

A ideia de criar uma figura quemelhor representasse a Terra foi introdu-zida por Johann Carl Friedrich Gauss(1777-1855). Gauss definiu uma super-fície de potencial gravitacional efetivo(potencial que inclui, além do própriopotencial gravitacional, o potencial cen-trífugo devido à rotação do planeta) cons-tante que passa pela superfície média dosoceanos (isto é, a superfície das águasoceânicas não perturbadas). Essa figura,que acabou sendo chamada de geoide,teria um interesse teórico e prático maiordo que o esferoide oblato (por exemplo,as altitudes do relevo terrestre seriam refe-ridas ao geoide).

Um fio de prumo tem a importantepropriedade de se orientar perpendicular-mente ao geoide em qualquer ponto desua superfície. A Fig. 6 é uma represen-tação esquemática para diferenciar o geoi-de do ER, indicando também a coinci-dência do geoide com o nível não pertur-bado dos oceanos e a importante proprie-dade de que os fios de prumo (orientadosna direção do campo efetivo, isto é, dacomposição do campo gravitacional com

Figura 4: A Terra é um esferoide prolatopara os cartesianos e oblato para os new-tonianos.

Figura 5: Representação de como medidasdo comprimento de 1° do meridiano ter-restre realizáveis na Lapônia e no Peruesclareceriam se o achatamento do esfe-roide concorda com a previsão newtonia-na ou cartesiana.

A forma de esferoide levementeachatado para Terra estavabem estabelecida no século

XVIII

7Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017 Sobre a forma da Terra

o campo não inercial centrífugo) são per-pendiculares ao geoide.

A diferença entre o geoide e o ER nãoultrapassa 107 m, conforme representa aFig. 7. Portanto, essa diferença perfaz nomáximo 0,02% do raio polar ou equato-rial do ER.

Resposta ao teste sobre a formada Terra

Na verdade, com exceção da alterna-tiva “a”, que é aceitável, as demais opçõesdo teste apresentado na introdução desteartigo são impróprias, por exageraremnas deformidades da Terra.

O achatamento da Terra é muitopequeno. Essa foi a previsão teórica deNewton, corroborada espetacularmenteapós sua morte pelas expedições geodé-sicas francesas do século XVIII anterior-mente referidas. As medidas atuais levama uma diferença de 21 km entre o raioequatorial e o raio polar. Tal diferençarepresenta apenas uma parte em 300 ou0,3% do raio equatorial (ou do raio polar)da Terra.

A opção “a” apresenta uma figura quetem 93 pixels de extensão para o raioequatorial. O raio polar deveria então ter92,7 pixels para que a representação

conservasse a verdadeira proporção entreambas dimensões. Por razões óbvias, talé impossível de ser representado com essaquantidade de pixels! Ou seja, nessa escalaem que a figura da Terra se encontra naalternativa “a”, os dois raios são iguais.Daí decorre que as opções “b” e “c” sãomás representações em escala da real for-ma da Terra, já que apresentam um notá-vel achatamento polar.

Coincidentemente, as irregularidadesno relevo da Terra, tomando como extre-mos o topo do Everest e o fundo da fossaoceânica das Marianas, resultam tambémem cerca de 20 km. Essa diferença é muitosemelhante à discrepância entre os raiospolar e equatorial da Terra, levando a quea figura “d” seja, portanto, uma péssimarepresentação em escala da real forma daTerra. Entretanto, essa última figura estádisseminada equivocadamente em muitossítios da internet para representar a formada Terra. A imagem apresentada na alter-nativa “d” foi retirada de uma figura queexprime as pequeníssimas anomalias docampo gravitacional da Terra sobre ogeoide (Fig. 8). Nessa figura, as deforma-ções do geoide indicam variações na acele-ração da gravidade [9]. A abreviatura galidentifica uma unidade de medida gravi-métrica (o galileu) que homenageia Gali-leu Galilei e que vale 1 cm/s2. É impor-tante destacar que as anomalias represen-tam no máximo 0,05 galileus em cercade mil galileus (que é aproximadamenteo valor padrão da aceleração da gravi-dade), portanto não mais de 0,005% dovalor padrão.

A célebre imagem da Terra vista doespaço, obtida em 1972 (Fig. 9), reproduzcom precisão tudo o que já era sabidosobre a forma da Terra desde Newton. Ouseja, conforme a foto mostra, nosso pla-neta é praticamente uma esfera.

Finalmente, é importante esclarecer,para fins de comparação, que os objetosde formato globular que conhecemos nonosso cotidiano (bolas, balões etc.) afas-tam-se proporcionalmente mais de umaesfera, seja por achatamento ou por irre-gularidades em sua superfície, do que onosso planeta. Por exemplo, as irregula-ridades toleradas pela FIFA nas bolas defutebol perfazem até 1% do raio médio dabola.

Sobre a anacrônica Terra plana

Nesses últimos tempos a internet temdifundido uma “nova” e “revolucionária”concepção sobre a forma da Terra: a TerraPlana. Na verdade, essa concepção estáassociada com outras ideias em conflitocom o conhecimento científico atual.Afirma-se por exemplo que: a gravidade

Figura 6: Representação esquemática (1) da superfície do oceano, (2) da superfície doER, (3) de fios de prumo locais (4) do continente (5) do geoide. Autoria de MesserWoland- CC BY-SA 3.0. Disponível em https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=1230159 (acesso em 18/03/2017).

Figura 7: Diferença entre o geoide e o elipsoide de referência. Autoria de http://en.wikipedia.org/wiki/User:Citynoise - http://en.wikipedia.org/wiki/File:Geoid_height_red_blue.png, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=17487818 (acessado em 19/03/2017).

8 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017Sobre a forma da Terra

inexiste, a Lua é auto iluminada, o Sol eos demais astros não se encontram a maisde alguns milhares de quilômetros de nós,o Sol e a Lua descrevem órbitas paralelasà superfície da Terra, as viagens espaciaissão impossíveis. Nega-se a ida do homemà Lua e a existência de satélites artificiais.Afirma-se o geocentrismo antropocên-trico e o criacionismo fixista dos 6 milanos (tudo teria sido criado como é hojehá cerca de 6 mil anos).

A ressurreição - já no século XIX - daanacrônica concepção da Terra Plana, con-cepção esta que vigia em épocas remotasnas sociedades pré-científicas (na Chinaela vigorou até o século XVII), é devida aSamuel Rowbotham (1816-1885). Emseu livro de 1865, escrito sob o pseudôni-

mo de Parallax, intitulado AstronomiaZetética: A Terra não é um Globo!” [10], eledesenvolve a concepção da Terra Plana,apresentando pretensos resultados experi-mentais que a comprovam. O vínculodessas ideias com um tipo de fundamen-talismo religioso cristão está evidente naFig. 10, uma representação de 1897 doterraplanista Orlando Ferguson. Na parteinferior da figura há um texto cujo títuloé “Escrituras condenam a teoria do globo”,seguida de diversas citações bíblicas.

Antigas evidências sobre aesfericidade da Terra

Entre as evidências sobre a esferici-dade da Terra, já referidas por Aristótelesna Grécia Antiga, encontra-se a sombra

curva da Terra na superfície lunar duranteum eclipse lunar e o fato de que o aspectodo céu se modifica conforme o observadorse encontra em diferentes latitudes: estre-las diferentes podem ser observadas emlatitudes diversas. A determinação porPosidônio da circunferência da Terra (jámencionada neste artigo) baseou-se emque na ilha de Rodes, no mar Egeu, a estre-la Canopus pode ser vista somente muitopróxima ao horizonte (ela não é visívelmais ao norte na Grécia), enquanto queao sul (por exemplo, em Alexandria) a suaelevação máxima no céu é maior. Nohemisfério sul é bem conhecida a conste-lação do Cruzeiro do Sul, invisível parahabitantes do hemisfério norte em latitu-des superiores a +25°. Já a estrela Polar,usada no hemisfério norte para orientação(função que aqui pode ser desempenhadapelo Cruzeiro do Sul) não é visível paranós. Como justificar a mudança dos céusconforme muda a latitude em um modelode Terra plana?

A posição do Sol ao meio dia estárelacionada diretamente à latitude, fatoeste usado por Eratóstenes em sua deter-minação da circunferência da Terra. Aconcepção terraplanista de que o Sol semove sempre sobre a face da Terra Planaimplica em que não deveria existir noite,já que o Sol permaneceria sempre acimado horizonte (vide Fig. 10).

Outra evidência notável sobre aesfericidade da Terra, apresentada tambémpor Aristóteles, diz respeito ao fato denavios afastados de um observador nooceano apresentarem-se como “afunda-dos”, parcialmente encobertos pelo hori-zonte.

Um navio afastado o suficiente de umobservador pode estar além do horizontevisual desse observador. Se tal acontecer,parte do navio encontra-se abaixo da linhado horizonte do observador e a extensãodessa parcela oculta depende do afasta-mento do navio para trás do horizonte,podendo até ser completamente ocultoabaixo do horizonte.

Admitindo-se que não haja relevo nasuperfície da Terra até o horizonte e que aluz se propaga em linha reta, desprezan-do-se portanto possíveis efeitos de refra-ção da luz, pode-se estimar a distância aque o horizonte é percebido por um obser-vador. A Fig. 11 indica que a distância Dao horizonte depende da altura H da visa-da e do raio R da Terra.

É importante destacar que a refraçãoda luz, quando o ar se encontra aquecidoem relação às aguas de oceanos, mares,lagos e canais pode determinar que objetosnormalmente invisíveis devido à curvatu-ra da Terra sejam percebidos, levando à

Figura 8: Representação das anomalias gravitacionais detectadas pela missão GRACE(Gravity Recovery and Climate Experiment) da NASA. Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=479365 (acessado em 10/03/2017).

Figura 9: Autoria da equipe técnica da NASA/Apollo 17; tomada por Harrison Schmittou Ron Evans. Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=43894484.

9Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017 Sobre a forma da Terra

interpretação errônea de que a curvaturaseja inexistente ou até que a superfície daTerra seja côncava ao invés de convexa. Nocaso de o ar ser mais frio do que as águas,objetos normalmente visíveis podem setornar invisíveis, também induzindo a errode que a curvatura da Terra seja maisacentuada do que realmente é [11].

É simples imaginar que um objetoatrás do horizonte terá uma parte menorou maior encoberta, podendo estar com-pletamente oculto para um dado obser-vador. A distância ao horizonte é facil-mente estimável. Como o raio da Terra éaproximadamente 6370 km (R = 6,37 x106 m), obtém-se que a distância ao hori-zonte, quando a visada se encontra a dois

metros (H = 2,0 m) do solo, é 5,04 x103 m ou 5 km aproximadamente. Paraum observador no topo de uma torre com20 m de altura, o horizonte encontra-sea 16 km de distância.

O professor Rubem Erichsen (IF-UFRGS), estando à beira-mar em Torres,litoral do RS, observou um navio “afun-dado”, isto é, um navio passando atrásdo horizonte. Com um binóculo, impro-visou um sistema óptico para que sua câ-mara digital registrasse a passagem daembarcação. A foto por ele captada é apre-sentada na Fig. 12 à esquerda, percebendo-se apenas a parte alta do navio, com orestante oculto atrás do horizonte. Oautor do presente artigo conseguiu umaimagem completa do navio na internet e,editando a foto, adicionou-a à direita.

Na imagem da Fig. 12, uma fração

de cerca de dois terços do navio não éobservável. Como a visada do professorRubem era elevada, alguns andares acimado nível do mar (cerca de 20 m acima dapraia), estima-se que o navio passava dis-tante algumas dezenas de quilômetros,sendo pois completamente invisível paraum observador no nível da praia. Umavisada da altura de 20 m sobre o nível domar coloca o horizonte a 16 km de dis-tância do observador, de acordo com aequação apresentada na Fig. 11.

Um excelente calculador sobre a cur-vatura da Terra está disponível no EarthCurve Calculator.

A esfericidade da Terra implica quequanto mais alto é o ponto de observação,tanto mais distante se encontra o hori-zonte (tal decorre da equação apresentadana Fig. 11). Se a Terra fosse plana, asobservações ao nível do mar ou elevadassobre ele permitiriam avistar objetos dis-tantes da mesma forma. Os antigos na-vios, por exemplo as caravelas, se valiamde marujos (os gageiros) situados bemacima do tombadilho da nau - encarapi-tados na cesta da gávea no topo dos mas-tros - para a observação, mesmo com marcalmo, do que não se percebia em níveisinferiores. O escritor luso Almeida Garrett(1799-1854), no seu famoso poema NauCatrineta, bem expressa a ansiedade docapitão exortando o marujo a subir maisalto para enxergar mais longe:

Acima, acima, gageiro, Acimaao tope real! Olha se enxergasEspanha, Areias de Portugal!Alvíssaras, capitão, Meu capi-

tão general! Já vejo terras deEspanha, Areias de Portugal!

Na beira do mar, caso exista algumaelevação, é fácil verificar que o horizontese afasta à medida que o observador sobe.À beira-mar em Tramandaí (RS) foramobtidas as fotos da Fig. 13. A foto supe-rior foi tirada na praia junto ao mar, acerca de 1 m acima do nível da água. O

Figura 10: O mapa da Terra Plana na versão anacrônica e fundamentalista religiosa de1897. Autoria de Orlando Ferguson. The History Blog, atualmente Library of Congress2011594831, G3201.A67 1893 .F4, Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=15853213.

Figura 11: A distância ao horizonte (D)depende da altura da visada (H) e do raioda Terra.

Figura 12: Navio passando atrás do horizonte de um observador na praia de Torres (RS)e a imagem do navio colada sobre a fotografia original.

10 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017Sobre a forma da Terra

horizonte então situa-se a aproximada-mente 3 km da costa, de acordo com aequação apresentada na Fig. 11. Nota-seque a linha do horizonte é praticamentecoincidente com a linha da água no cascodo petroleiro.

A foto inferior na Fig. 13 foi feita dotopo de uma duna próxima ao mar, cercade 5 m acima do nível do mar. O horizonterecuou agora para cerca de 8 km da câma-ra fotográfica, percebendo-se nessa segun-da foto que o mesmo navio se encontraantes do horizonte.

As observações da Lua em dife-rentes partes do planeta eviden-ciam a esfericidade da Terra

A aparência da Lua em um particu-lar momento do seu ciclo de 29,5 dias édiferente em diferentes regiões da Terra.Um excelente sítio sobre a Lua é oMoonConnection.com e lá se pode ver diaa dia, ao longo de um mês de livre escolhado usuário, a aparência aproximada daLua no hemisfério de interesse. A troca deum hemisfério para outro produz dife-rentes imagens da Lua, caracterizandoassim que a aparência ou fase de nossosatélite depende da posição do observadorna Terra.

Observadores da Lua, em locais dife-rentes do planeta no mesmo dia (ou aténo mesmo momento), constatarão que aaparência da Lua é diferente no sistemade referência de cada um deles. Tal acontececomo consequência de a vertical mudarcom a latitude e a longitude do observadorna Terra.

A Fig. 14 apresenta a Lua crescentede agosto de 2016 fotografada pelo pro-fessor Adriano Barcellos (IFSUL) em Torresno RS e por seu amigo Daniel Varella Sal-vador em Roma, na Itália. Conforme aexpectativa baseada na esfericidade daTerra e consequente rotação da vertical deum local para o outro (as duas cidadesdiferem tanto em latitude como em lon-gitude em cerca de 70°), o crescente nosdois locais se apresenta com diferença deaproximadamente 90°.

Um caso muito interessante,documentado amplamente na internetcom vídeos realizados em variados locaisda Terra, é o da Lua cheia.

Em 11 de fevereiro de 2017, possi-velmente motivados por um eclipse lu-nar penumbral, diversas pessoas posta-ram vídeos da Lua cheia realizados em dis-tintas partes do globo. Como é bem sabi-do, o nascente da Lua cheia ocorre próxi-mo ao final do dia (em torno das 6 h datarde) e ela permanece visível até momen-tos próximos do nascente solar, cerca dedoze horas depois. Em localidades (quase)

diametralmente opostas no globo é possí-vel a observação da Lua cheia (quase) si-multaneamente apenas nessa fase lunar.As observações (quase) simultâneaspodem então se dar ao entardecer em umalocalidade e na outra ao amanhecer, já queos fusos horários em ambas diferem emmeio dia e Lua está baixa no céu nesses

Figura 13: O horizonte afasta-se do observador quando a altura da visada aumenta.

Figura 14: Lua crescente em agosto de 2016 em Roma (Itália)e Torres (RS).

momentos.A Fig. 15 representa dois antípodas,

o Tanaka e o João, observando simulta-neamente um objeto celeste que, para finsde entendimento, apresenta um sistemade eixos ortogonais (em azul e em ver-melho). O Tanaka e o João encontram-sede costas nesta representação; portanto,

11Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017 Sobre a forma da Terra

transita-se de um dos antípodas para ooutro mediante uma rotação de 180°. Oeixo vermelho no objeto celeste tem aorientação da vertical para cima para oTanaka e a orientação da vertical para bai-xo para o João. Já o eixo azul aponta dadireita (D) para a esquerda (E) do Tanakae da esquerda para a direita do João. Por-tanto se os dois observam o mesmo objetoceleste, eles o enxergarão de maneira diver-sa, isto é, com uma rotação de 180° deum para o outro.

A Fig. 16 apresenta duas imagens reti-radas de vídeos do Youtube, mostrando aLua cheia de 11 de fevereiro no Rio de Ja-neiro e no Japão, portanto em localidadesquase diametralmente opostas. As setasigualmente coloridas indicam estruturasidênticas na face do satélite. Percebe-se queas duas imagens diferem por uma rotaçãode cerca de 180°.

A observação da Lua em outras fasesnão é possível de ser realizada simulta-neamente em regiões antípodas. Entretan-to, na Terra Plana a Lua deveria estar visí-vel de todos os locais da superfície terrestresimultaneamente em qualquer momento,pois a Lua (e o Sol) descrevem órbitas

paralelas à superfície.

As atuais tecnologias detelecomunicações evidenciam aesfericidade da Terra

A curvatura da Terra é levada emconta nas modernas tecnologias de teleco-municações por ondas eletromagnéticas.O alcance das transmissões usando a faixade FM está limitado ao horizonte geomé-trico da antena emissora, justificando-seassim que quanto mais alto estiver otransmissor, maior será a abrangência daemissora [12].

As onipresentes telecomunicações pormicro-ondas também possuem alcancelimitado - mesmo em terreno horizontalplano - pelo horizonte geométrico (ou umpouco mais, cerca de 30% a mais, graçasaos efeitos de refração). É usual no nossocotidiano a existência de torres de trans-missão e recepção de micro-ondas, comantenas em níveis diversos, apontando emvariadas direções, a fim de captar e enviarondas eletromagnéticas para outras torrese equipamentos, caracterizando a chama-da transmissão ponto-a-ponto.

Todas as telecomunicações via satéliteobviamente consideram a curvatura daTerra. Atualmente existem mais de doismil satélites de telecomunicações emvariadas órbitas, desde as órbitas baixas(entre 160 km e 2000 km de altitude) atéas órbitas mais distantes como as geoes-tacionárias (a cerca de 36 mil km de alti-tude ou 42 mil km do centro da Terra).

A tecnologia envolvida no sistemaGPS (Sistema de Posicionamento Global)somente funciona em uma Terra esféricae é dependente de satélites em órbitas múl-tiplas a cerca de 20 mil km de altitude. Osperíodos orbitais desses satélites são dife-rentes do período de rotação da Terra etambém suas órbitas estão contidas emplanos variados, determinando que eles

se movam em relação a um sistema dereferência fixo no globo terrestre.

As antenas parabólicas receptoras desinais via satélites geoestacionários ougeossíncronos, existentes mundo afora epercebidas no nosso cotidiano, atestamindubitavelmente que a Terra é esférica,conforme se exemplifica a seguir.

Existem algumas centenas de satélitesgeossíncronos distribuídos em um cintu-rão no plano equatorial da Terra, distantecerca de 36 mil quilômetros da superfíciedo planeta, estacionados em longitudesespecíficas, isto é, sobre os meridianos ter-restres. De acordo com a lista disponívelna Wikipedia, eles são identificados pormeio de um código que começa com a lon-gitude na qual se encontram. A captaçãodos sinais eletromagnéticos no receptorLNB (Low Noise Block) de uma determi-nada antena parabólica é possível se aantena for orientada de modo convenien-te. A orientação da antena depende de sualocalização na superfície da Terra, identifi-cada pela latitude e pela longitude, e doposicionamento do satélite transmissordos sinais de interesse.

Em um lugar específico do planetausualmente é possível chegarem sinaiseletromagnéticos de diversos satélites; aantena terá uma orientação adequada afim de que o receptor LNB, na ponta daantena, capte exclusivamente os sinais deum satélite específico. A direção da qualchegam as ondas eletromagnéticas de umsatélite em especial pode ser conhecidautilizando-se o “Satellite Finder / DishAlignment Calculator with Google Maps”(“Buscador de satélites / Calculador do Ali-nhamento de Antena com Google Maps”),disponível no Dishpointer.com.

Esse interessante “Buscador” possuiuma lista com centenas de satélites e podeser usado em todo o globo. Ao selecionara localidade da antena e o satélite de inte-resse, o “Buscador” fornece em um mapado Google a direção da qual é provenientea radiação eletromagnética, além deoutras informações, inclusive identifi-cando obstáculos nas proximidades dolocal. A direção é definida por um azimute(ângulo com o eixo norte-sul) e por umaelevação (ângulo com a horizontal). Comoqualquer satélite está estacionado noplano equatorial sobre um determinadomeridiano terrestre, os diferentes satélitesacessíveis em um local específico do pla-neta encontram-se necessariamente aonorte (sul) no hemisfério sul (norte),alguns no quadrante nordeste (sudeste) eoutros no quadrante noroeste (sudoeste).A veracidade das orientações contidas no“Buscador” é atestada pelos técnicos res-ponsáveis pela instalação adequada das

Figura 15: Quando os antípodas obser-vam o mesmo objeto celeste, as imagenspercebidas diferem por uma rotação de180°.

Figura 16: Imagens da Lua cheia de 11 de fevereiro de 2017 no Japão e no Brasil.

12 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017

antenas pelo mundo afora.Buscamos o satélite 55.5W INTELSAT

34 em Porto Alegre (a cidade tem latitudede -30° e longitude de -51° ou 51° W).Esse satélite situa-se próximo ao meridia-no de Porto Alegre, já que sua longitude é-55,5°. Encontramo-lo quase ao norte, noazimute de 351,5°, portanto a 8,5° com onorte, no quadrante noroeste, elevado54,7° com a horizontal, a uma distânciade 36.803 km da capital gaúcha. Buscan-do o mesmo satélite na mesma longitudede Porto Alegre mas no hemisfério norte,em latitude de +30°, encontramo-lo quaseao sul dessa posição (azimute de 188,5°portanto 8,5° com o sul, no quadrantesudoeste), elevado 54,7° com a horizon-tal, a uma distância de 36.803 km do lo-cal escolhido, que resultou estar acima doOceano Atlântico Norte.

Considerando agora o satélite 70WSTAR ONE, nós o buscamos em trêsposições na Terra, localizadas no meridia-

Sobre a forma da Terra

Apêndice

O apêndice apresenta algumas referências na internet relacionadas ao tema da forma da Terra e da concepção da Terra plana.Todos os endereços foram acessados em 18/09/2017A.1 - Postagens no sítio pergunte ao cref sobre a forma da TerraComo sabemos que a Terra é achatada? - http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=92Achatamento da Terra segundo a Mecânica Cartesiana e a Mecânica Newtoniana - http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=452Diferença na aceleração da gravidade do polo para o equador - http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=819O formato da Terra - http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=828Teste sobre a forma da Terra! - http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=1489Achatamento polar da Terra e centrifugação dos oceanos para o equador - http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=2569A.2 - Postagens no pergunte ao CREF sobre a Terra PlanaRefutando a Terra Plana - http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=1441Satélites de telecomunicações não existem, afirmou um aloprado terra-chato! - http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=1788As atuais tecnologias de telecomunicações evidenciam a esfericidade da Terra - http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=1874A divergência da luz crepuscular prova que o Sol da Terra Plana está logo ali! Será mesmo? - http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=1883Duas terraplanistas demonstram em um vídeo que a Terra NÃO é plana! - http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=1894Antártica na Terra Plana: muralha de gelo e domo? - http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=1902Sobre o pêndulo de Foucault: resposta a um terraplanista - http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=1956Uma explicação qualitativa da razão de ciclones e anticiclones girarem em sentidos opostos (resposta a um terraplanista) - http://www.if.ufrgs.br/

cref/?area=questions&id=1969Heliocentrismo versus Terra Plana - http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=1983Refração da luz na atmosfera: o horizonte geométrico e o horizonte visual - http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=2001Como se explica que a sombra da Lua no eclipse solar anda de oeste para leste? - http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=2360Para onde apontam as antenas parabólicas que recebem sinais de televisão? - http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=2555Domo na Antártica é real e há diversos! - http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=2562Horizonte no nível dos olhos em qualquer altitude porque a Terra é plana! Será mesmo? - http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=2567Distância ao Sol na mítica Terra Plana: a razão de as diversas estimativas serem conflitantes! - http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=2572A.3 - Programa na rádio da UFRGS sobre a Terra PlanaMas a Terra ... não é redonda? - http://frontciencia.me/2pu5isOA.4 - Excelente artigo sobre a Terra PlanaFlat Earth - https://www.lhup.edu/~dsimanek/flat/flateart.htmA.5 - Um bom apanhado sobre a Terra Plana em portuguêsTeoria da Terra plana ganha força na internet - Outra conspiração? - http://www.curtoecurioso.com/2016/01/teoria-da-terra-plana-contra-

teoria-da-terra-esferica.htmlA.6 - Coleção de vídeos “provando que a Terra não é plana”Proving the Earth is not Flat - Part 1 - The Horizon - https://www.youtube.com/watch?v=W9ksbh88OJsProving the Earth is not Flat - Part 2 - The Stars - https://www.youtube.com/watch?v=NGZEXkSX9wIProving the Earth is not Flat - Part 3 - The Moon - https://www.youtube.com/watch?v=FTBaOmJEQg0Proving the Earth is not Flat - Part 4 - Easy Experiments - https://www.youtube.com/watch?v=VFU1A88N_6IA.7 - Vídeo com a palestra “sobre a forma da Terra”Oficina de Astronomia 415 na UNISINOS - https://youtu.be/SahYXf1L9HMCaVII Encontro Estadual de Ensino de Física - RS: https://www.youtube.com/watch?v=trMtT7qNiGk&feature=youtu.be

no de -70° ou 70° W. A primeira é Milare,na Venezuela (latitude de +11,4°), a se-gunda situa-se exatamente sobre o Equa-dor (dentro da Floresta Amazônica) e aterceira na localidade de Perito Moreno naArgentina (latitude de -46,6°). Verificamosconsistentemente que o satélite situa-seao sul de Milare com elevação de 76,6°,sobre o equador e ao norte de Perito Mo-reno, com elevação de 36,4°. A Fig. 17representa em escala as posições das trêslocalidades na superfície do globo terrestree as elevações do satélite.

Conforme já destacamos ante-riormente, a veracidade das informaçõessobre as orientações das antenas em todoo mundo é atestada pelos instaladores dasmesmas, ou seja, a práxis corrobora indu-bitavelmente esse conhecimento. Osmapas do Google sabidamente funcionammuito bem em incontáveis aplicações prá-ticas, e por estarem teoricamente vincu-lados à geometria do geoide, outra vez

avalizam inquestionavelmente tal conhe-cimento.

Com auxílio do Google Earth, obti-vemos as distâncias a que Milare e PeritoMoreno se situam da linha do equador,sendo respectivamente 1253 km e5162 km. Dessa maneira é possível traçarem escala (Fig. 18) as linhas de orientaçãoda radiação eletromagnética oriundas damesma fonte (o satélite 70 W STAR ONE)em um diagrama consistente com a ana-crônica Terra Plana. Vemos na figura queas três linhas verdes não mais se inter-ceptam em um único ponto; as inter-secções sobre o equador da Terra Planaencontram-se a 3.806 km e a 5.260 km,atestando dessa maneira o absurdo queum modelo de Terra Plana acarreta.

O terraplanismo é uma concepçãoem conflito com todo o conhecimentoacumulado e aperfeiçoado sobre nossoplaneta desde a Antiguidade. Alguém queconheça minimamente a história e as rea-

13Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017

Referências

[1] Centro de Referência para o Ensino de Física. Como Eratóstenes mediu 7° entre Assuã e Alexandria para achar a circunferência da Terra?, disponível emhttp://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=1016, acesso em 10/03/2017.

[2] S.O. Kepler e M.F. Saraiva, Astronomia e Astrofísica (Ed. Livraria da Fisica, São Paulo, 2014), disponível em em http://astro.if.ufrgs.br/livro.pdf,acesso em 10/03/2017.

[3] J.P. Verdet, Uma História da Astronomia (Ed. Zahar, Rio de Janeiro, 1991).[4] F.L. Silveira, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 19, número especial, 28 (2002).[5] J. Bronowski e B.J. Mazlish A Tradição Intelectual do Ocidente (Edições 70, Lisboa, 1983).[6] P. Casini, Newton e a Consciência Européia (Ed. UNESP, São Paulo, 1995).[7] C.M. La Condamine, Viagem na América Meridional Descendo o Rio Amazonas (Ed. Senado Federal, Brasília, 2000), disponível em http://

www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action&co_obra=19329, acesso em 16/03/2017.[8] D.D. McCarthy and G. Petit (orgs) IERS Conventions (2003) (Verlag des Bundesamts für Kartographie und Geodäsie,Frankfurt, 2004), disponível

em https://www.iers.org/SharedDocs/Publikationen/EN/IERS/Publications/tn/TechnNote32/tn32.pdf?__blob=publicationFile&v=1, acessoem 18/03/2017.

[9] GRACE - Gravity anomaly maps and the geoid - https://earthobservatory.nasa.gov/Features/GRACE/page3.php, acesso em 19/03/2017.[10]S. Rowbotham, Zetetic Astronomy -Earth not a Globe! (Simpkin and Marshall, London, 1865), disponível em http://www.theflatearthsociety.org/

library/books/Earth%20Not%20a%20Globe%20(Samuel%20Rowbothan).pdf, acesso em 19/03/2017.[11] M. Minaert, The Nature of Light and Colour in the Open Air (Dover, New York, 1954).[12] J.F. Rider and S.D. Uslan, FM Transmission and Reception (J.F. Rider Inc., New York, 1950), disponível em https://ia800203.us.archive.org/10/

items/FmTransmissionAndReception/RiderUslan1950FmTransmissionReception.pdf, acesso em 12/04/2017.

Referências de Internet

Dishpointer, http://www.dishpointer.com/ (acessado em 13/04/2017).Earth Curve Calculator https://dizzib.github.io/earth/curve-calc/?d0=10&h0=1.8&unit=metric (acessado em 20/03/2017).MoonConnection.com, http://www.moonconnection.com/moon_phases_calendar.phtml (acessado em 11/05/2017).Wikipedia, https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_satellites_in_geosynchronous_orbit (acessado em 12/04/2017).

Notas1http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=indice, acesso em 10/03/2017.2http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=1489, acesso em 10/03/2017.3A toesa é uma antiga medida de comprimento anterior à Revolução Francesa que equivale a 1,949 m (https://en.wikipedia.org/wiki/Toise, acessado em 03/07/2017).

lizações teórico-práticas sobre a forma daTerra, somente em um exercício de fortedissociação cognitiva aderiria à esdrúxulaTerra Plana; o fundamentalismo religiosopode patrocinar tal desconexão com arealidade. Aliás, esse exercício de disso-ciação cognitiva está sendo realizado emvídeos da internet quando, com pretensasmedidas, os autores tentam apoiar o ter-raplanismo usando os mapas do Googleou o Google Earth em algumas de suasmensurações. É bem sabido que tais ma-pas, bem como as medidas sobre eles rea-lizadas somente estão corretas se a Terranão for plana!

Sobre a forma da Terra

Figura 17: Satélite 70W STAR ONE e três localidades sobre o meridiano -70° em lati-tudes diversas.

Conclusão

O tema relativo à forma da Terra pa-rece ter grande interesse atual e ele ganhaum novo atrativo devido à proliferaçãoda anacrônica e esdrúxula concepção daTerra Plana, amplamente divulgada na in-ternet. Professores de física são questio-nados por seus alunos sobre essa concep-ção. Cientistas e divulgadores científicos,a exemplo de Neil deGrasse Tyson, MichaelShermer e Richard Dawkins, já se mani-festaram sobre a forma da Terra, comba-tendo o terraplanismo.

Este artigo, endereçado principal-

Figura 18: Para onde se orientam as ante-nas na Terra Plana?

mente aos professores de física, pretendedar uma contribuição ao tema da formada Terra, mostrando que esse conheci-mento é uma construção científica comuma trajetória de 25 séculos de realizaçõesteóricas e experimentais, além estar incor-porado na práxis de diversas tecnologiasem nossa sociedade. No Apêndice sãoindicados diversos endereços da internetonde o assunto é abordado.

Agradecimento

Ao professor Rolando Axt (IF-UFRGS)pelas sugestões que permitiram aperfei-çoar o artigo. Ao árbitro da FnE agradeçoa leitura atenta e as indicações para o aper-feiçoamento do artigo.

14 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017Sobre a forma da Terra

Referências

[1] Centro de Referência para o Ensino de Física. Como Eratóstenes mediu 7° entre Assuã e Alexandria para achar a circunferência da Terra?, disponível emhttp://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=1016, acesso em 10/03/2017.

[2] S.O. Kepler e M.F. Saraiva, Astronomia e Astrofísica (Ed. Livraria da Fisica, São Paulo, 2014), disponível em em http://astro.if.ufrgs.br/livro.pdf,acesso em 10/03/2017.

[3] J.P. Verdet, Uma História da Astronomia (Ed. Zahar, Rio de Janeiro, 1991).[4] F.L. Silveira, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 19, número especial, 28 (2002).[5] J. Bronowski e B.J. Mazlish A Tradição Intelectual do Ocidente (Edições 70, Lisboa, 1983).[6] P. Casini, Newton e a Consciência Européia (Ed. UNESP, São Paulo, 1995).[7] C.M. La Condamine, Viagem na América Meridional Descendo o Rio Amazonas (Ed. Senado Federal, Brasília, 2000), disponível em http://

www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action&co_obra=19329, acesso em 16/03/2017.[8] D.D. McCarthy and G. Petit (orgs) IERS Conventions (2003) (Verlag des Bundesamts für Kartographie und Geodäsie,Frankfurt, 2004), disponível

em https://www.iers.org/SharedDocs/Publikationen/EN/IERS/Publications/tn/TechnNote32/tn32.pdf?__blob=publicationFile&v=1, acessoem 18/03/2017.

[9] GRACE - Gravity anomaly maps and the geoid - https://earthobservatory.nasa.gov/Features/GRACE/page3.php, acesso em 19/03/2017.[10]S. Rowbotham, Zetetic Astronomy -Earth not a Globe! (Simpkin and Marshall, London, 1865), disponível em http://www.theflatearthsociety.org/

library/books/Earth%20Not%20a%20Globe%20(Samuel%20Rowbothan).pdf, acesso em 19/03/2017.[11] M. Minaert, The Nature of Light and Colour in the Open Air (Dover, New York, 1954).[12] J.F. Rider and S.D. Uslan, FM Transmission and Reception (J.F. Rider Inc., New York, 1950), disponível em https://ia800203.us.archive.org/10/

items/FmTransmissionAndReception/RiderUslan1950FmTransmissionReception.pdf, acesso em 12/04/2017.

Referências de Internet

Dishpointer, http://www.dishpointer.com/ (acessado em 13/04/2017).Earth Curve Calculator https://dizzib.github.io/earth/curve-calc/?d0=10&h0=1.8&unit=metric (acessado em 20/03/2017).MoonConnection.com, http://www.moonconnection.com/moon_phases_calendar.phtml (acessado em 11/05/2017).Wikipedia, https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_satellites_in_geosynchronous_orbit (acessado em 12/04/2017).

Notas1http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=indice, acesso em 10/03/2017.2http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=1489, acesso em 10/03/2017.3A toesa é uma antiga medida de comprimento anterior à Revolução Francesa que equivale a 1,949 m (https://en.wikipedia.org/wiki/Toise, acessado em 03/07/2017).

15Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017 Atividades práticas no ensino de física na EJA

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Introdução

Este trabalho analisa a utilização deatividades práticas no ensino defísica na Educação de Jovens e Adul-

tos (EJA). Os resultados decorrem de umapesquisa realizada no contexto de umcurso do Programa Nacional de Integraçãoda Educação Profissional com a EducaçãoBásica na Modalidade de Educação de Jo-vens e Adultos (Proeja), em um InstitutoFederal de Educação, Ciência e Tecnologia(IF), na qual se investigaram ações educa-tivas apropriadas ao ensino de física naEJA. As ações da pesquisa envolveram emum primeiro momento uma experiênciade monitoria junto ao público da EJA e,posteriormente, o desenvolvimento e avivência de práticas educativas.

Desenvolvimento, aplicação eavaliação das atividades práticas

Na pesquisa realizada sobre o ensinode física/ciências no contexto da EJA [1],foram desenvolvidas e utilizadas em salade aula um conjunto de atividades práti-cas. Os experimentos foram elaboradosem função do planejamento das aulas deforma que estivessemassociadas aos con-teúdos ministrados(cinemática e dinâmi-ca). A utilização deexperimentos científi-cos formais foi descar-tada desde o iníciopor considerarmosinapropriados ao contexto. Dessa manei-ra, as atividades práticas utilizadas na pes-quisa foram divididas em demonstraçõespráticas e em experimentos descritivos.

O experimento descritivo [2] foi consi-derado em consonância com a ênfase con-ceitual demandada pelos sujeitos. Tal per-cepção encontra ressonância no trabalhode Gehlen [3], que, analisando especifica-mente a produção em ensino de física que

se ancora em Vygotsky [4], indicam a im-portância de operar “dentro dos limitesda capacidade de entendimento dos estu-dantes, considerando o seu nível de desen-volvimento real e projetando atividadesque o levem para além deste”.

Deve-se pontuar, contudo, que ini-cialmente as observações indicaram queas demandas mais imediatas dos estudan-tes do Proeja no contexto do ensino deciências não envolviam as atitudes eprocedimentos científicos. Por outro lado,a docente da disciplina de física na qual sedesenvolveu a pesquisa expôs que nãorealizava experimentos de forma clássicanos laboratórios, uma vez que já haviaobservado que os resultados não eramprodutivos.

Entretanto, por consideramos que aafetividade do processo educacional [5-7]poderia ser potencializada pela utilizaçãode atividades práticas, foi adotada a estra-tégia de utilizá-las em sala de aula. Ressal-ta-se que a adoção dessa estratégia consi-derou que a realização de experimentosno contexto da EJA favoreceria o envol-vimento dos estudantes; sendo assim, asatividades práticas desenvolvidas não

tinham por referênciaas práticas da comu-nidade científica, massim a perspectiva defavorecer a aprendiza-gem dos sujeitos pelavia da ampliação dasestratégias didáticas.Assim, os kits dos

experimentos foram planejados e cons-truídos para o uso em sala de aula.

As práticas experimentais utilizadasestão descritas a seguir. O kit “carro e blo-co” (Fig. 1) permite explorar os conceitosde equilíbrio de forças e forças resultantes.Esse kit pode ser construído com materiaissimples, como roldanas e níveis de pedrei-ro. Alterando as massas, o carro sofre aação de uma aceleração.

Este trabalho analisa a utilização de atividadespráticas no ensino de física na Educação deJovens e Adultos. Apresenta-se o desenvolvi-mento, a aplicação e a avaliação das atividadespráticas realizadas em sala de aula em uma disci-plina de física em um curso destinado a jovens eadultos. As conclusões indicaram que a incor-poração de atividades práticas ao ensino de físi-ca/ciências na EJA favorece a aprendizagem aoexplorar aspectos como colaboração mútua,interação social e habilidades investigativas. Taisatividades favorecem uma postura ativa dosestudantes no processo educativo, dão voz aosalunos e possibilitam a troca de ideias. E, demodo muito relevante, a realização de experi-mentos expõe as dificuldades dos estudantes, for-necendo aos docentes um instrumento de análisedo processo educativo. Indica-se, todavia, que,em um primeiro momento, atividades práticasmais conceituais são mais apropriadas à moda-lidade EJA.

Giovani Zanetti NetoInstituto Federal do Espírito Santo,Serra, ES, BrasilE-mail: [email protected]

Laércio FerracioliUniversidade Federal do Espírito Santo,Vitória, ES, BrasilE-mail: [email protected]

Inicialmente as observaçõesindicaram que as demandas

mais imediatas dos estudantesdo Proeja no contexto do ensino

de ciências não envolviam asatitudes e procedimentos

científicos

16 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017Atividades práticas no ensino de física na EJA

Uma variação do kit “carro e bloco”(Fig. 2) consiste em fixar uma lixa de ferrona base de madeira e submeter o conjuntobase e bloco de madeira a uma força detração lateral, explorando assim o conceitode força de atrito.

A demonstração de que uma resul-tante não nula de forças gera um movi-mento acelerado pode ser obtida adicio-nando ao kit “carro e bloco” um “acele-rômetro”. O acelerômetro é construídocom um recipiente de vidro simples comtampa e um objeto que flutue, como umarolha, uma bola de isopor ou, como foiutilizado, uma bola de natal de plástico.Com um barbante, fixou-se a bola de na-tal na tampa do recipiente de vidro, o qualfoi preenchido de água. Em seguida, orecipiente de vidro foi virado de cabeçapara baixo, fazendo com o objeto flutuas-se fixado ao fundo. Quando o conjuntosofre uma aceleração, a bola de natal incli-na-se no sentido do movimento, enquantoque se o movimento for uniforme o objetoflutuante permanece na vertical (confor-me indicado na Fig. 3).

Fazendo com que o carro se desloquepela ação de uma massa sob ação da forçada gravidade, o “acelerômetro” indicaclaramente que o movimento do carro é

acelerado. Para melhor cap-tar o resultado, o movimen-to pode ser filmado com umaparelho de celular para queo movimento seja estudado.

Por sua vez, o kit “forçapeso e força normal” (Fig. 4)destinou-se ao estudo docomportamento das forçaspeso e normal em função dainclinação do plano, bemcomo à investigação deforças de tração de cabossobre molas. Utilizandouma peça de MDF com cercade 15 cm de largura e100 cm de comprimento, foifixada perpendicularmente

uma seta de papelão com a palavra “Nor-mal”, enquanto que a seta identificada por“Peso” podia girar livremente sobre umparafuso de suporte. À medida que o estu-dante inclina a peça de MDF, a seta “Nor-mal” mantém-se perpendicular ao planoe a seta “Peso” sempre possui o sentidopara o centro da Terra. Adicionalmente,foram acrescentadas molas ao cabo, demodo a demonstrar que à medida que oplano se inclina, aumenta a força de traçãono cabo.

O terceiro kit (Fig. 5), intitulado “atri-to no plano inclinado”, permitiu aos estu-dantes investigar a força de atrito resul-tante do contato de diferentes superfíciesem função do ângulo de inclinação doplano. Foi construído um plano articuladoem MDF, sobre o qual foram fixadas lixasde ferro de diferentes gramaturas. Sobre aslixas eram colocados pequenos blocos deMDF. Foi pedido aos alunos que inclinas-sem aos poucos o plano e observassem oresultado. O bloco que estava diretamentesobre o MDF, sem uma superfície comelevado atrito, era o primeiro a deslocar-se. À medida que a inclinação aumentava,os demais blocos se movimentavam, sendoque o que estava sobre a lixa de maior atritoera o último a mover-se.

Análise dos dados

Após a aplicação das atividades práti-cas em sala de aula, procedeu-se à avalia-ção das atividades realizadas. Foramentrevistados estudantes que participaramdo processo e também a docente respon-sável pela disciplina. Dos 13 estudantesque participaram das aulas, 11 respon-deram a um questionário ao final doperíodo e quatro alunos concederamentrevistas individuais. As respostas dosdiscentes foram analisadas utilizando ametodologia do Discurso do Sujeito Cole-tivo [8].

A primeira avaliação sobre as ativi-dades práticas refere-se ao seu potencialpara materializar os conteúdos teóricos:“Porque a gente teve mais a noção, porquefalado, explicado no quadro, não temmuita clareza na mente. E já mostrandono experimento fica mais claro porque tirado papel para o dia a dia, de forma maisfácil para o aluno aprender” (Discurso dosujeito coletivo - discentes). Nesse mesmosentido, outra estudante ressaltou a ques-tão da conexão entre conteúdo teórico eexperiências cotidianas:

As experiências foram positivas porqueaquilo acontece no dia a dia, porexemplo, no ônibus tem o acelerôme-tro. Ou seja, dá visão do papel para oreal, pois você pode pegar o objeto eter a noção de como funciona. Com umobjeto se movimentando de um ladopara o outro é muito diferente do papel,já que no papel você tem que imaginar.Assim fica uma coisa que você não temsomente como imaginar, mas tá vendo

Figura 1: Demonstração prática dos experimentos “carroe bloco”, com o carro submetido a uma resultante nulade forças.

Figura 2: Demonstração prática associando os experimentos “carro e bloco” com o blocoutilizado para demonstrar a força de atrito.

Figura 3: Demonstração prática associan-do os experimentos “carro e bloco” com o“acelerômetro”.

17Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017 Atividades práticas no ensino de física na EJA

o que está acontecendo na realidade dascoisas (Discurso do sujeito coletivo -discentes).

Uma estudante categorizou o experi-mento descritivo como um momento deaprendizagem distinto da aula expositiva,no qual a participação ativa do estudantevai ao encontro de características própriasdo público da EJA. O experimento é indi-cado pelos alunos como uma forma detornar concretos os conteúdos teóricos efacilitar o processo de aprendizagem:

Foi muito bom porque tem dias que agente chega com a mente muito pesadae você não tem concentração no qua-dro, o que está sendo falado. A partirdo momento que tem algo ali na frenteque você toca, que você pega, que vocêvê, repete várias vezes a mesma coisa,você prende sua atenção ali, a suamente fica presa naquilo ali e você nãoconsegue pensar outras coisas, ficarpensando outras coisas, você consegueficar presa naquilo ali e aprender. E às

vezes o professor está falando e temalguém falando junto e você não con-segue entender muito o que o profes-sor está falando, e tendo algo queprende a atenção, todo mundo prestaatenção naquilo que está fazendo (Dis-curso do sujeito coletivo – discentes).

Apesar da relevância e da potenciali-dade do uso de atividades práticas para oprocesso educativo, o relato dos alunosindicou que a aula expositiva é o padrãonas disciplinas de ciências na instituição,sendo a realização de experimentos inexis-tente ou muito ocasional:

Até agora a gente fez experimentos sóem física. Química desde o segundoperíodo, agora até o terceiro, a minhaturma [...] não fez ainda. Outro pro-fessor levou a gente para o laboratóriode química e fez lá um experimento lá,mas foi uma coisa rápida. Em biologianão fizemos não. No geral, é só sala deaula, só conteúdo no quadro, no livroe exercício (Discurso do sujeito coletivo- discentes).

A contradição observada é que, de for-ma geral, as atividades práticas não sãorelevantes nas práticas dos docentes dainstituição. Esse ponto expõe um elementodas práticas docentes que dificulta oprocesso de aprendizagem dos sujeitos daEJA, pois a dimensão concreta é significa-tiva em um contexto de dificuldade de ela-boração do pensamento abstrato.

Ademais, observou-se que esse pro-cesso de interação do aluno com o experi-mento está fortemente vinculado à açãodo docente como mediador do processo,incentivando e propondo questões.Destaca-se que durante uma aula somenteexpositiva, esse momento não ocorre,indicando que a exploração de múltiplasabordagens durante o processo de ensinoé requerida.

Esse aspecto foi destacado nas entre-vistas realizadas com a docente respon-sável pela disciplina de física na qual asatividades práticas foram realizadas. Aprofessora destacou como pontos positi-vos a interação entre os alunos nas práti-cas experimentais, além da característicados experimentos de tornar concreto o con-teúdo e de fazer o aluno sujeito ativo daaprendizagem:

Nós percebemos que a utilização dosexperimentos planejados e construídosgerava uma interação muito grandeentre eles e com o professor. Eu percebique alunos que eram distantes do pro-fessor começaram a se aproximar, alu-nos que tinham dificuldade de traba-lhar em equipe começaram a trabalhar

Figura 4: Experimento descritivo “força peso e força normal”.

Figura 5: Experimento descritivo “atrito no plano inclinado”.

18 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017Atividades práticas no ensino de física na EJA

Referências

[1] G. Zanetti Neto, Delineamento de Ações Educativas para o Ensino de Física na Educação de Jovens e Adultos. Tese de Doutorado, Ufes, Serra, 2015.[2] F. Bazoli,Ciência e Educação Rev. 20, 3 (2014).[3] S.T. Gehlen, K.R. Halmenschlager, A.R. Machado e M.A. Auth, Experiências em Ensino de Ciências Rev. 7, 76 (2012).[4] L.S. Vygotsky, Pensamento e Linguagem (Martins Fontes, São Paulo, 2008).[5] J.P.C. Erthal, in: Investigação e Ensino de Ciências: Experiências em Sala de Aula do Proeja, editado por M.P. Linhares (EDUENF, Campos dos

Goytacazes, 2012), p. 77-85.[6] M.P. Linhares, Investigação e Ensino de Ciências: Experiências em Sala de Aula do Proeja, editado por M.P. Linhares (EDUENF, Campos dos Goytacazes,

2012).[7] M.E. Reis, Pesquisando o Proeja Através do Ensino de Ciências da Natureza (Essentia Editora, Campos dos Goytacazes, 2011).[8] A.M.C. Lefevre e F. Lefevre, Depoimentos e Discursos: Uma Proposta de Análise em Pesquisa Social (Líber Livro Editora, Brasília, 2005).[9] P. Freire, Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa (Paz e Terra, Rio de Janeiro, 2013), 46nd ed.[10] J.I. Pozo e M.A.G. Crespo, A Aprendizagem e o Ensino de Ciências: Do Conhecimento Cotidiano ao Conhecimento Científico (Artmed, Porto Alegre,

2009), 5nd ed.

(Professora de física).

A interação gerada pelas práticasexperimentais, na percepção da profes-sora, permite identificar as dificuldadesdos estudantes, situação não vivenciadana aula expositiva: “o [...] aluno tem quetrabalhar, tem que falar, ele precisa estardialogando com o professor, a genteprecisa saber o que ele está pensando paraaquilo que a gente está explicando”(Professora de física).

Corroborando as falas dos estudantese da docente, as observações realizadaspelo pesquisador em sala de aula indica-ram que a realização das práticas experi-

mentais foi considerada positiva, princi-palmente por criar um contexto em quefoi possível expor as dificuldades encontra-das pelos alunos na aplicação dos conteú-dos em situações concretas, além de criarum contexto que materializou os conceitosteóricos ministrados.

Conclusões

A incorporação de atividades práticaspara o ensino de física/ciências na EJAfavorece sobremaneira a aprendizagem aoexplorar aspectos como a colaboraçãomútua, interação social e habilidadesinvestigativas. Tais atividades favorecem

uma postura ativa dos estudantes no pro-cesso educativo, dão voz aos alunos epossibilitam a troca de ideias. E, de formamuito relevante, o experimento expõe asdificuldades dos estudantes, situação quenão ocorre durante uma aula somenteexpositiva e que fornece aos docentes uminstrumento de análise do processo educa-tivo [9-10]. Entretanto, observou-se queinicialmente o experimento científico for-mal não é o mais apropriado ao públicoda EJA. Indicam-se assim atividadesexperimentais mais conceituais queexplorem os conteúdos desejados, contu-do, sem o formalismo do fazer experimen-tal.

19Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017

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Lewis Howard Latimer e sua história aprisionada

Introdução

Normalmente, durante aulasregulares de física, estudantesentram em contato com nomes

de representantes da ciência, como, a títulode exemplo: Isaac Newton (1643-1727),Anders Celsius (1701-1744), Georg SimonOhm (1789-1854), James Prescott Joule(1818—1889), André-Marie Ampère(1775-1836) etc. A partir de leis, unidades,relações matemáticas ou até mesmofenômenos físicos que recebem o nome ehomenageiam construtores da ciência,estudantes acabam se familiarizandoprincipalmente com seus sobrenomes. Emgrande maioria, homens brancos denacionalidade europeia ou americanosdescendentes de europeus.

Mesmo quando se utiliza a históriada física no transcorrer de uma aula, écomum que somente a vida e a produçãocientífica desses mesmos nomes sejamexplorados. Aindaque feitas com boasintenções, a constan-te repetição dessaspráticas educacio-nais não fornece aoestudante uma visãogeral sobre a diversi-dade de trabalhado-res que contribuíram para construir asteorias e leis científicas. Sob esse ponto devista, podemos ressaltar que as práticaseducacionais em física não são diferentesdas realizadas em outras áreas do conhe-cimento. Para citar, em filosofia, salvo peloesforço próprio de alguns educadores eeducadoras, a maioria dos filósofosapresentados para estudantes é grega,ignorando por exemplo os pensadoresárabes e africanos - ambos de epidermemais escura [1, 2].

Sem precisar ser especialista no as-sunto, é fácil constatar que a história delutas, vitórias e conquistas dos(as) ne-

gros(as), de forma consciente ou incons-ciente, são omitidas pela historiografiaoficial. Não sendo diferente com a produ-ção científica dos descendentes da diásporaafricana,1 que é simplesmente relegada asegundo plano ou apagadas dos livros.

Grandes nomes das ciências da natu-reza e das ciências humanas costumamdespertar o interesse dos discentes duranteas aulas. Em particular, nas aulas de física,perguntas como “O que diz a teoria darelatividade de Albert Einstein?”, “A maçãrealmente caiu na cabeça de Newton?” sãofrequentes. O que não impede o surgimen-to de questionamentos que envolvamoutras áreas do conhecimento, do tipo:“Quem foi Platão?” ou até mesmo “Pro-fessor(a), o que defendia Karl Marx?”

O físico José Leite Lopes, em uma desuas palestras afirmou: “A aventura hum-ana é uma beleza”, aconselhando jovensfísicos a criarem o hábito de lerem sobrefilosofia, sociologia, história, para que não

perdessem dimensõesem sua formação [3,p. 14]. Seguindo osconselhos de Leite Lo-pes, o escopo deste arti-go tem por finalidadeapresentar uma pro-posta de aula contex-tualizada com outras

dimensões, utilizando o episódio históricoda invenção da lâmpada incandescente.

O texto que será apresentado recontaessa “conhecida” história sob um novoolhar, retomando a história aprisionadado inventor negro Lewis Howard Latimer(1848-1928), com o objetivo de apresen-tar aos alunos e alunas a diversidade quepermeia a construção científica, além decontribuir para criar reflexões e debatessobre questões étnico-raciais. Além domais, tem o propósito de reforçar a iden-tidade do(a) jovem negro(a), explorandoessa fundamental representatividade, ouseja, a partir da apresentação de um per-

Rodrigo Fernandes MoraisC.E. Compositor Manacéia José deAndrade, Rio de Janeiro, RJ, BrasilE-mail: [email protected]

Antonio Carlos Fontes dos SantosDepartamento de Física Nuclear,Instituto de Física, UniversidadeFederal do Rio de Janeiro, Rio deJaneiro, RJ, BrasilEmail: [email protected]

Este trabalho reconta o episódio histórico dainvenção da lâmpada incandescente retomandoa história aprisionada do inventor negro LewisHoward Latimer, com o objetivo de apresentaraos alunos e alunas a diversidade que permeiaa construção científica, além de contribuir paracriar reflexões e debates sobre questões étnico-raciais. Histórias aprisionadas de personagenscomo Lewis Latimer quando libertadas e bemtrabalhadas servem a não apenas para forneceruma visão alternativa a historiográfica tradi-cional, mas principalmente em termos pragmá-ticos apresentar para estudantes uma imagemrepresentativa do(a) negro(a) em acontecimen-tos históricos importantes para a sociedade.

“Uma vez que o outro hesitava em me conhecer, só havia uma solução: fazer-me conhecer.”

(Frantz Fanon)

Sem precisar ser especialista noassunto, é fácil constatar que a

história de lutas, vitórias econquistas dos(as) negros(as),

de forma consciente ouinconsciente, são omitidas pela

historiografia oficial

20 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017Lewis Howard Latimer e sua história aprisionada

sonagem da ciência negro em meio àdemografia científica predominante bran-ca.

A utilização desse recurso ideacional,2

além do reforço de identidade que contri-bui para redução da inferiorização, podecolaborar para que estudantes negros des-pertem atração pela área das exatas apósuma possível identificação, tanto pela corquanto pela história de vida do persona-gem apresentado.

É importante ressaltar que vivencia-mos um período histórico consideradopela Organização das Nações Unidas(ONU) como sendo a Década InternacionalAfrodescendentes (2015-2024), baseadaem valores comoreconhecimento, jus-tiça e desenvolvimen-to. Segundo a ONU,os países devem con-siderar o direito àigualdade e à nãodiscriminação e for-necer educação para aigualdade e a amplia-ção da conscienti-zação, além de pro-mover a participação e inclusão de pessoasautoidentificadas como afrodescendentes.

Ao declarar esta década, a comuni-dade internacional reconhece que os povosafrodescendentes representam um grupodistinto cujos direitos humanos precisamser promovidos e protegidos [5].

Embora, hoje, tenhamos em nossopaís algumas políticas públicas, como aimportante Lei 10.639/03 que alterou aredação da Lei de Diretrizes e Bases daEducação Nacional (Lei n.9.394/1996),tornando obrigatório o ensino da históriae cultura afro-brasileira e africana emtodos os estabelecimentos de ensino fun-damental e médio, consideramos aindainsuficiente a implementação de práticaseducacionais correlacionadas com estalegislação em ciências exatas.

As Diretrizes Curriculares Nacionaispara a educação das relações étnico-raciaise para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana chamam a atençãopara a necessidade da adoção de açõesafirmativas, ou seja, um conjunto de açõespolíticas empregadas para que ocorra acorreção de desigualdades sociais e raciais.Essas ações devem ter o objetivo de criarcondições para que estudantes negros(as)não sejam rejeitados(as), de maneira cons-ciente ou inconscientemente, em virtudede cor da pele e características físicas,evitando que estes(as) sejam desencora-jados prosseguir seus estudos.

É fundamental a elaboração de polí-ticas afirmativas que se destinem a:

[...] reconhecer as disparidades entrebrancos e negros na educação e intervirde forma positiva, assumindo o com-promisso de eliminar as desigualdadesraciais, dando importante passo rumoà afirmação dos direitos humanos bá-sicos e fundamentais da população ne-gra brasileira [7, p. 8].

Infelizmente, ainda persevera no Bra-sil um imaginário étnico-racial que favo-rece os brancos. Imaginário este, baseadoem uma visão eurocêntrica, que poucovaloriza ou ignora outras culturas. Omovimento negro tem alertado para oquanto é dura a experiência, vivida pelos

descendentes da diás-pora africana, deterem seus comporta-mentos, ideias e inten-ções previamente jul-gados negativamente.Além disso, têm elesalertado para o fato dequão alienante é aexperiência de fingirser o que não são paraserem aceitos.

O filósofo, psiquiatra e revolucionáriomartinicano Frantz Fanon argumenta emsua obra, sobre descolonização e desalie-nação, Peau noire, masques blancs (1952),que o sujeito negro, em sua vida, por di-versas vezes e em inúmeras situações, éconduzido a “vestir” a máscara brancacomo estratégia de convivência e sobrevi-vência em suas relações sociais. Segundoo autor, a assimilação dos padrões brancosde comportamento cria complexos psíqui-cos - por exemplo, sentimento de inferio-rização - que podem acompanhar o sujei-to negro por toda a vida [8].

Em acordo com o pensamento de Fa-non, as DCNs para a educação das relaçõesétnico raciais e para o ensino de história ecultura afro-brasileirachamam a atençãopara o quanto é dolo-rosa “a experiência dedeixar-se assimilar poruma visão de mundoque pretende impor-secomo superior e, porisso, universal e que osobriga a negarem atradição de seu povo”[7, p. 14].

É importante des-tacar que a escola éuma das engrenagens, no mecanismo delibertação (descolonização e desalienação),que podem oferecer sensível contribuiçãona erradicação das injustiças sociais, assimcomo tem papel preponderante na eman-

cipação dos grupos racializados e discri-minados. Como educadores, propomosintervenções planejadas - durante as au-las, em particular as de física - que cola-borem para alicerçar a equidade em nossasociedade, proporcionando a estudantestanto conhecimento científico e aprendi-zagem significativa quanto consciênciacultural e o reconhecimento de históriasaprisionadas que reforcem a identidade esirvam para libertá-los das amarras pro-movidas pela falácia, consciente ou in-consciente, da superioridade - estética,intelectual etc. - greco-ocidental.

Texto Histórico: O inventor negroLewis Howard Latimer (1848-1928)

No dia 4 de setembro de 1848, emChelsea, Massachusetts, nascia Lewis Ho-ward Latimer, filho de um escravo fugiti-vo do sistema escravocrata americano.Lewis Latimer enfrentou as dificuldadesde nascer em uma família humilde, emuma época de extremo preconceito e se-gregação racial. Porém, superando todasas dificuldades, tornou-se um grande in-ventor. Latimer, naturalmente, por contada escravidão, guardava dissabores. Con-tudo, sua jornada de superação iniciou-se aos dez anos de idade, quando começoua trabalhar aplicando papel de parede comseu pai, que nessa época havia adquiridoa liberdade. Em seguida, trabalhou comooffice-boy para um renomado advogadode Boston. Aos 16 anos alistou-se na ma-rinha norte-americana e lutou contra aescravidão no período da Guerra CivilAmericana (1861-1865). Tendo cumpridoo período referente ao serviço militar, vol-tou para casa, quando foi contratado porum advogado do ramo de patentes comoauxiliar de escritório. Foi nessa época queos interesses de Lewis Latimer pelo dese-nho se iniciaram. Detectada sua habilida-de, logo se tornou projetista e em seguida

foi nomeado projetis-ta-chefe da empresade patentes. Foi quan-do teve a oportuni-dade de desenvolver epreparar projetos deinvenções que foramincorporadas ao acer-vo do escritório de pa-tentes na capital,Washington.

Foram dele tam-bém os desenhos ini-ciais que cooperaram

para a preparação do pedido de patentedo telefone de Alexander Graham Bell [9,p. 5].

Infelizmente, a historiografia tradi-cional parece ter esquecido esse importan-

Embora tenhamos em nossopaís algumas políticas públicastornando obrigatório o ensino

da história e cultura afro-brasileira e africana em todos os

estabelecimentos de ensinofundamental e médio,

consideramos insuficiente aimplementação de práticas

educacionais correlacionadascom esta legislação em ciências

exatas

É importante destacar que aescola é uma das engrenagens,

no mecanismo de libertaçãoque podem oferecer sensível

contribuição na erradicação dasinjustiças sociais, assim comotem papel preponderante na

emancipação dos gruposracializados e discriminados

21Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017 Lewis Howard Latimer e sua história aprisionada

te personagem da história das ciênciasexatas, já que o nome de Latimer (Fig.1)não costuma frequentar os relatos “ofi-ciais” dos autores que escrevem sobre oepisódio da invenção da lâmpada.

Nesses relatos sobre essa invenção deimprescindível utilidade para a humani-dade na era moderna, somente o nome deThomas Alva Edison é lembrado. Porém,é importante reescrever a história e reto-mar um detalhe que completa esse episó-dio. A história conta que no final da déca-da de 70 do século XIX, foi criada umanova demanda de conhecimento elétricoa partir da emergência exigida pela indús-tria elétrica [10, p. 320]. Nesse período,um grande número de inventores buscavaelaborar protótipos de fontes artificiais deluz que utilizassem energia elétrica comofonte alimentadora. Em resposta a esserecente mercado, Thomas Edison desen-volveu seu protótipo de lâmpada incan-descente em 1879, porém essas lâmpadastinham vida útil muito baixa - em termosatuais, queimavam rapidamente.

Olhando em retrospectiva, a partir de1874 as invenções de Latimer começaram aaparecer e se destacar no cenário. Em 1880,Hiram S. Maxim, um inventor e tambémfundador da United States Electrical Light-ing Company, convida Latimer para fazerparte da sua companhia. Enquanto traba-lhava nessa empresa, no ano de 1882, LewisLatimer inventou e patenteou o processopara fazer o filamento de carbono presentenas lâmpadas [9, p. 6].

Nas palavras do próprio Latimer:

Saiba-se que Eu, Lewis H. Latimer, deNova York, no condado de Nova Yorke estado de Nova York, inventei novose úteis melhoramentos na manufaturade carbono para lâmpadas elétricas (...)Minha invenção se refere mais parti-

cularmente a carbonizar os condutorespara lâmpadas incandescentes, emboraseja igualmente aplicável a manufaturade folhas delicadas de carbono denso eduro projetado para qualquer propó-sito (...) (Tradução livre [11])3

O processo consistia na carbonizaçãode tiras de materiais fibrosos ou têxteis.Essas tiras eram inseridas dentro de umaespécie de envelope feito com folhas de pa-pel cartão - ou qualquer material equiva-lente - de maneira que fosse prevenida aentrada de ar (Fig. 2). Em seguida, esseconjunto era submetido a temperaturaselevadas.

Esse processo, ao contrário dos pro-cessos utilizados anteriormente, evitouque as tiras extremamente delicadas vies-sem a se romper ou serem distorcidas.Somente após a fabricação de filamentosque utilizavam esse processo o tempo devida útil das lâmpadas incandescentes setornou considerável. Além disso, o pro-cesso tornou-as mais em conta financei-ramente. Sendo assim, ofilamento de carbono deLatimer foi fundamentaltanto para o funcionamentodas lâmpadas desenvolvidaspor Edison quanto para acomercialização das mesmaspela indústria (Fig. 3).

Em 1884, Latimerjunta-se à Edison EletricLight Company, sendo no-meado engenheiro projetista.A famosa Edison GeneralEletric Company nasceu em1889, a partir da coligaçãoentre a Edison Eletric LightCompany e outras empresas.Em 1890 Latimer publicouum livro técnico, altamenteconceituado e de extremarelevância para estudantes deengenharia e engenheiros,intitulado Incandescent Elec-tric Lighting - A Practical De-scription of the Edison System.Esse livro serviu como guiageral para a engenhariaelétrica da época [9, p. 7].

É importante ressaltarque mesmo com todas as res-trições que a vida lheimpôs, sua “força de vonta-de”4 aliada a suas habilida-des, talento para desenhar eaptidão para criação de pro-jetos o transformaram emum expoente da engenhariaelétrica, grande inventor eespecialista em patentes.Além dessas qualidades,

Latimer também desenvolveu outrosvariados desejos e interesses, tornando-se poeta e músico, como relata sua his-tória.

A “luz” de filamento de carbono

As lâmpadas incandescentes atuaisutilizam filamentos de tungstênio, masmesmo esses modelos estão sendo subs-tituídos por lâmpadas que utilizam, cadauma delas, tecnologias próprias e expli-cações físicas diferentes em suas produ-ções de luminosidade. Por exemplo, aslâmpadas fluorescentes e as modernaslâmpadas de LED (light emitting diode). Noentanto, variados modelos com filamentode carbono, releituras das lâmpadas doinício do século XIX, vêm ganhando desta-que em projetos de iluminação. Essas lâm-padas têm fascinado profissionais da deco-ração e clientes, já que no interior de seubulbo de vidro o filamento incandescentede carbono forma uma espécie de desenho,além de emitir uma luz amarela e de

Figura 1: Lewis H. Latimer.

Figura 2: Esquema que buscava representar e auxiliar aexplicação de como era feito o processo de carbonizaçãoproposto por Latimer.

22 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017Lewis Howard Latimer e sua história aprisionada

menor intensidade luminosa do que sua“irmã” caçula de filamento de tungstênio.Em outras palavras, uma lâmpada de fila-mento de carbono, que produz a mesmapotência elétrica que uma de filamento detungstênio, fornece aos nossos sentidosvisuais uma luminosidade que interpre-tamos como mais “suave”.

O interessante é que em pleno séculoXXI conseguimos com facilidade adquirirlâmpadas de filamento de carbono paraelaboração de práticas experimentais. Taispráticas podem ser elaboradas para seremapresentadas após os debates gerados pelotexto da seção anterior.

Com criatividade, um circuito simplese aparelhos de medidas apropriados po-demos em nossas aulas aferir correnteelétrica e voltagem, além de calcular aresistência elétrica do filamento de carbo-no e sua potência. Estudantes terão aoportunidade de trabalhar a Primeira Leide Ohm, o Efeito Joule, entre outros con-ceitos, em proximidade com as caracte-rísticas da lâmpada idealizada por Edisone aperfeiçoada por Latimer.

Da mesma forma, comparando-a a

Figura 3: Lâmpada original com filamentode carbono fabricado pelo processo de car-bonização de condutores inventado porLewis H. Latimer em 1882.

outros exemplares, estudantes terão apossibilidade de verificar a diferença deluminosidade entre os diferentes tipos delâmpadas construídas a partir de diferen-tes recursos e tecnologias, assim comoanalisar as diferenças no consumo de ener-gia elétrica entre os diferentes tipos delâmpadas.

É importante dei-xar claro para os alu-nos e as alunas queessas lâmpadas retrôde filamento de carbo-no não são os protó-tipos originais do sé-culo XIX. Porém, ava-liamos que a contex-tualização é válida e,ainda, a visualização,o contato, o manuseioe o estudo de umalâmpada construídacom o “mesmo” fila-mento descrito notexto histórico podecolaborar para despertar e avivar o inter-esse de estudantes pela física envolvida.

Considerações finais

A ressignificação da história da inven-ção da lâmpada incandescente apresentadaé um exemplo significativo que parececonfirmar a frase atribuída a GeorgeOrwell: “a história é escrita pelos vence-dores”. Com efeito, a historiadora damatemática Tatiana Roque, em seu livro,História da Matemática: Uma Visão CríticaDesfazendo Mitos e Lendas, corroborandocom a célebre frase, salienta que:

Os europeus foram erigidos em herdei-ros privilegiados dos milagres gregos ea ciência passou a ser vista como umacriação específica do mundo greco-ocidental. [13, p. 23]

Endossando esse ponto de vista eacrescentando a questão racial comomantenedora de poder, Achille Mbembeem sua obra Crítica da Razão Negra, argu-menta:

(...) ainda há bem pouco tempo, a or-dem do mundo fundava-se num dua-lismo inaugural que encontrava partedas suas justificações no velho mito dasuperioridade racial. Na sua ávidanecessidade de mitos destinados a fun-damentar o seu poder, o hemisfério oci-dental considerava-se o centro do glo-bo, o país natal da razão, da vida uni-versal e da verdade da humanidade.Sendo o bairro mais civilizado do mun-do, só o Ocidente inventou um<<direito das gentes>>. [14, p. 27]

Visando contribuir para o desmanchedessa visão, durante as aulas de físicapropomos a adoção de práticas educacio-nais que trabalhem com a diversidadeétnico-racial (e também de gênero) emciências e que contribuam com a forma-ção geral (dimensões) de estudantes. Aproposta não deve ser confundida e tam-

pouco deve ser inter-pretada como umconcurso étnico-racialentre sujeitos da ciên-cia. Pelo contrário, oque se almeja é, apartir da apresentaçãoda diversidade demo-gráfica científica, con-tribuir para constru-ção coesa da equidade.Apresentar o(a) ne-gro(a) como constru-tor(a) da ciência emum universo ondeo(a) negro(a) é asso-ciado(a), na maioria

das vezes, a trabalhos braçais é de extremariqueza educacional e importância social.

Histórias aprisionadas de personagenscomo Lewis Latimer, quando libertadas ebem trabalhadas, servem a esse propósito- não apenas por fornecer uma visão alter-nativa à historiografia tradicional, masprincipalmente em termos pragmáticosapresentar para estudantes uma imagemrepresentativa do(a) negro(a) em aconte-cimentos históricos importantes para asociedade. Colocar o nome de Latimer nohall de grandes inventores, ao lado degrandes personagens da ciência, como opróprio Thomas Edison, serve para de-monstrar para alunos e alunas que o pro-cesso de criação científica é feita por tra-balhadores(as) (em ciência), desfazendo asensação de que somente o grupo demo-gráfico constituído por homens brancoseuropeus é capaz de fazer ciência.

Textos como o apresentado podemservir como alicerce para a gênese de inú-meros debates de cunho socioeconômicoe racial em sala de aula, podendo, inclu-sive, ser trabalhados de maneira inter-disciplinar. Por conseguinte, a implemen-tação desse modelo de prática afirmativacolabora para reforçar a identidade deestudantes negros e negras, tendo afinalidade de desconstruir possíveis ima-gens negativas de si introjetadas em rela-ção ao mundo, bem como as referentes àárea das exatas.

Da mesma forma, acreditamos quetextos com o “espírito”, ou melhor, compropósito semelhante ao apresentadoneste trabalho possam ser utilizados paraque estudantes tomem conhecimento da

Colocar o nome de Latimer nohall de grandes inventores, aolado de grandes personagens

da ciência, como o próprioThomas Edison, serve parademonstrar para alunos ealunas que o processo de

criação científica é feita portrabalhadores(as) (em ciência),desfazendo a sensação de quesomente o grupo demográfico

constituído por homens brancoseuropeus é capaz de fazer

ciência

23Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017 Lewis Howard Latimer e sua história aprisionada

Referências

[1] F.A. de Vasconcelos, in: IV Encontro Internacional de Literaturas, Histórias e Culturas Afro-Brasileiras e Africanas (Universidade Estadual do Piauí,Teresina, 2015), p. 1.-7.

[2] A.F. Machado, Revista de Educação Ciência e Tecnologia 3, 1 (2014).[3] J.L. Lopes, in: Do átomo Grego à Física das Interações Fundamentais, editado por F. Caruso e A. Santoro (CBPF, Rio de Janeiro, 2000), 2ª ed., p. 13-

44.[4] S. Hall, Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais (Editora UFMG, Belo Horizonte, 2006).[5] Organização das Nações Unidas, 2015-2024 Década Internacional Afrodescendentes, disponível em www.decada-afro-onu.org, acesso em 20/4/

2017.[6] N. Nasir, Racialized Identities: Race and Achievement Among Africam American Youth (Stanford University Press, California, 2012).[7] Brasil, Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

(MEC, Brasília, 2004).[8] F. Fanon, Pele Negra, Máscaras Brancas (SciELO-EDUFBA, Salvador, 2008).[9] Thomas Alva Edson’s Associate, Lewis Howard Latimer: A Black Inventor. A Biography and Related Experiments You Can Do (Thomas Edison

Foundation, Michigan, 1985).[10] B.J. Hunt, in: The Modern Physical and Mathematical Sciences, editado por M.J. Nye (Cambridge University Press, Cambridge, 2008), p. 311-

327.[11] L.H. Latimer, Process of Manufaturing Carbon, No. 252,386. Patented Jan. 17, 1882, disponível em https://www.google.com/patents/US252386

acesso em 06/4/2017.[12] M. Gadotti, Educação e Poder - Introdução à Pedagogia do Conflito (Cortez, São Paulo, 2012), 16ª ed.[13] T. Roque, História da Matemática: Uma Visão Crítica, Desfazendo Mitos e Lendas (Zahar, Rio de Janeiro, 2012), 2ª reimpressão.[14] A. Mbembe, Crítica da Razão Negra (Antígona, Lisboa, 2014), 1ª ed.[15] R. Katemari, in: XXI Simpósio Nacional de Ensino de Física - SNEF (SBF, São Paulo, 2015), p. 1-12.

Notas1Dispersão - imigração forçada - do povo africano para fins escravistas mercantis para fora da África, principalmente o continente americano [4].2Recursos ideacionais são definidos como ideias que o indivíduo possui de si próprio e a sua relação e posição frente ao mundo, bem como ideias

sobre o que é valorizado e o que é considerado uma qualidade [6].3“Be it known that I, Lewis H. Latimer, of New York, in the county of New York and State of New York, have invented certain new and useful

Improvements in the Manufacture of Carbons for Electric Lamps (…) My invention relates more particularly to carbonizing the conductorsfor incandescent lamps, though it is equally applicable to the manufacture of delicate sheets or strips of dense and tough carbon designed forany purpose whatever (…)” [11].

4Deve-se tomar cuidado com esse termo, pois apesar do empenho pessoal ser fundamental, o êxito ou fracasso profissional do indivíduo nãodepende apenas de sua dedicação. “Força de vontade” é uma expressão presente nos editoriais de auto-ajuda que funcionam como pilar desustentação da concepção meritocrática burguesa que ignora as condições sociais a partir de uma perspectiva individualista, responsabilizandocada ser humano pela sua condição. “É fundamental compreender que em uma sociedade dividida em classes não existe igualdade deoportunidades.” [12, p. 128]

5Ver a contribuição sobre o tema apresentado na Ref. [15].

produção científica de mulheres - minoriana construção da Ciência5 - que registra-ram seus nomes na roda viva da históriadas ciências exatas. Servirão, assim, paradesmitificar a errônea, preconceituosa edeterminista visão introjetada no tecidosocial de que a mulher não desenvolve ashabilidades e competências necessáriaspara área de exatas.

Pesquisas no campo da psicologia so-cial têm demonstrado a influência dodenominado stereotype threat (ou ameaçade estereótipo, numa tradução livre). Ste-reotype threat é definido como uma ameaçapsicológica que um indivíduo sentequando ele(a) acredita que um determi-nado estereótipo pode influenciá-lo(a) a

realizar uma certa atividade de maneiraineficaz. Com tal visão enraizada, o indi-víduo acaba, consciente ou inconsciente-mente, afastando-se de certas funções,assim como de algumas categorias pro-fissionais. Estudos atuais realizados napsicologia mostram que esse tipo decrença prejudica o rendimento de estudan-tes que pertencem a grupos étnico-raciaise de gênero diferentes dos dominantes emciência.

Esperamos que este trabalho colaborecom a produção de mais materiais e quepromova e estimule a inclusão de cientis-tas representantes da diáspora africananos livros e materiais didáticos de física ede ciências exatas em geral. Além disso,

almejamos que as discussões sobre diver-sidade e equidade no ensino de ciênciasexatas, tanto na comunidade acadêmicacomo no ambiente escolar, se torne pautarelevante e práxis entre educadores e edu-cadoras. E ainda, almejamos que a imple-mentação de mais práticas educacionaissemelhantes à recomendada neste traba-lho colaborem para melhorar o interessee o desempenho em exatas de gruposminoritários, além de colaborar para quecada vez mais a diversidade cresça emciência.

Agradecimentos

Agradecemos à CAPES, programaAbdias Nascimento.

24 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017Análise da ilustração do experimentum crucis de Newton

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Anabel Cardoso RaicikPrograma de Pós-Graduação emEducação Científica e Tecnológica,Universidade Federal de SantaCatarina, Florianópolis, SC, BrasilE-mail: [email protected]

Luiz O.Q. PeduzziDepartamento de Física, Programa dePós Graduação em Educação Científicae Tecnológica, Universidade Federal deSanta Catarina,Florianópolis, SC, BrasilE-mail: [email protected]

José André Peres AngottiPrograma de Pós-Graduação emEducação Científica e Tecnológica,Universidade Federal de SantaCatarina, Florianópolis, SC, BrasilE-mail: [email protected]

Introdução

Aconcepção e o reconhecimento de‘experimentos cruciais’ na ciênciasão matérias controversas. Há

posturas antagônicas tanto entre filósofosda ciência – que admitem desde a existên-cia desses experimentos somente emretrospectiva àquelas que não aceitam queeles possam existir – quanto entre cien-tistas, que, em seus relatos científicos, uti-lizam a expressão com divergentes signi-ficados [1].

Ao longo dos séculos XVII e XVIII,período mais fortemente influenciadopelas novas concepções experimentais quesurgiram na ciência, sobretudo com ométodo indutivo de Francis Bacon (1561–1626), identificam-se, entre outros, Rob-ert Boyle (1627–1691), Robert Hooke(1635–1703), Isaac Newton (1643–1727), Luigi Galvani (1737–1798) eAlessandro Volta (1745–1827) empregan-do o termo ‘crucial’ para designar algunsde seus experimentos. Boyle parece ter sidoo primeiro a fazer isso, utilizando aexpressão experimentum crucis com apelodemonstrativo.

Na perspectiva baconiana, a instantiacrucis pode se literalmente traduzida como‘instância de encruzi-lhada’, uma vez queBacon tomou o termopor referência/analo-gia às cruzes que secolocam nas estradaspara indicar bifurca-ções. Boyle acreditavaque, quando de umimpasse teórico, ape-nas um experimentoque mostrasse um efeito explicado porapenas uma teoria deveria ser buscado.Reside aqui “um exemplo quase perfeitode uma instância crucial de Bacon” [2,p. 55].

No curso da nova filosofia natural

experimental, os relatórios empíricoscomeçaram a se fazer presentes na comu-nidade científica. Isto fez emergir a neces-sidade de ‘disciplinar’ a apresentação dosresultados contidos nessas narrativas.Bacon argumenta a favor de métodos decomunicação. Segundo ele, pode-se des-crever o que foi feito experimentalmentede forma ‘magistral’ à luz do pressupostoque “requer que se deve acreditar no queé dito” e com métodos ‘iniciativos’ que,por sua vez, mostram os processos pelosquais se chega a determinadas conclusões[3, p. 515-516]. Para se obter credibilidade,era imprescindível que a experiência fosseefetivamente comunicada ao público [4].

Nessa perspectiva, embora de modonão descomedido, o zelo de Bacon levouBoyle a desenvolver formas literárias decomunicação de experimentos [3]. Elebuscou designar convencionalidades espe-cíficas à maneira de falar sobre a naturezae o conhecimento natural. Direta ou indi-retamente, esse status ‘normativo’ influ-enciou a forma como as narrativas expe-rimentais eram apresentadas entre osestudiosos e, posteriormente, às recém-criadas sociedades científicas.

Boyle preocupou-se com a reprodu-tibilidade dos experimentos. Isso o fez

considerar como umdos quesitos maisrelevantes dos relatosa elaboração e a vei-culação de imagens1

experimentais, sobre-tudo aquelas natura-lísticas – que possuemdetalhes circunstan-ciais que não são visí-veis, por exemplo, em

representações mais esquemáticas. Emseus próprios estudos ele registra detalha-damente e sob diferentes circunstâncias osexperimentos que realizava. O papel daimagem, associada à sua descrição, estavafortemente relacionado, então, com a

O artigo analisa a contextualização dos estudosde Newton sobre a teoria da luz e cores, parti-cularmente a ilustração do experimentum crucis,em livros de divulgação científica. Para subsi-diar a compreensão da importância dada àsilustrações e aos recursos literários dos experi-mentos em meados do século XVII, resgata asnarrativas experimentais apresentadas porBoyle. Aponta, ainda, possíveis implicaçõespara o ensino de ciências.

Ao longo dos séculos XVII eXVIII, período mais fortemente

influenciado pelas novasconcepções experimentais que

surgiram na ciência, muitosestudiosos importantes

empregaram o termo ‘crucial’para designar alguns de seus

experimentos

25Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017 Análise da ilustração do experimentum crucis de Newton

reprodução dos experimentos pelos pares,seja de forma física ou mental.

Em meio a essa intensa valorizaçãoexperimental, Newton remete em 1672um artigo, redigido em forma de carta,ao secretário da Royal Society relatandosua nova teoria sobre luz e cores [5]. Oartigo, juntamente com outros escritos,serviu de base para a publicação da Óptica[6], em 1704, quase duas décadas depois[7]. No decorrer da apresentação desse seuestudo, pelo qual explica o fenômeno daformação das cores devido à refração, eleapodera-se com apelo retórico tanto dotermo experimentum crucis para designarum de seus experimentos quanto de ima-gens que o ilustram, apresentadas emoutro artigo em 1672 [8] e na Óptica. Aanálise histórica desse episódio mostra,nitidamente, a incongruência de se admitirque um experimento é capaz de apresentarresultados que, de forma decisiva einstantânea, alcançam o consenso cientí-fico [9-12].

No ensino de ciências é corrente a ideiade que experimentoscruciais podem esta-belecer a ‘verdade’científica. Isto é, que oexperimento, por sisó, é capaz de gerarresultados definidorese incontestáveis. Essaimagem está implícitaou explicitamente presente, além de emlivros didáticos, em diferentes meios dedivulgação da ciência, como em filmes,séries, documentários e textos de divul-gação científica. Ao seu modo, essesmateriais – que cada vez mais fazem partede atividades didáticas nas salas de aula –transmitem concepções e imagens sobrea ciência.

Por certo, a divulgação científica visaatingir um amplo público, não necessa-riamente alfabetizado cientificamente.Assim sendo, seus materiais utilizam re-cursos como ilustrações, infográficos,metáforas que, se nãodevidamente contex-tualizados, podempenalizar a precisão deinformações [13].Como ressalta Forato[14], muitos delescontemplam perspec-tivas anacrônicas e descontextualizadas daconstrução da ciência, especialmente sobreo período tido como o ‘nascimento daciência moderna’. Dessa forma, especial-mente quando usados em sala de aula,requerem cuidados historiográficos, umavez que podem reforçar concepções ina-dequadas ou limitadas sobre a ciência,

como a que se refere ao mito do experi-mento crucial.

Este artigo busca investigar comouma amostra de livros de divulgação cien-tífica, de autores com distintas formações,contextualiza os estudos de Newton sobrea teoria da luz e cores na perspectiva dasilustrações dos experimentos por eledesenvolvidos, particularmente do experi-mentum crucis. Para tanto, discute breve-mente as narrativas experimentais apre-sentadas por Boyle e a importância con-cedida por ele, em meados do século XVII,às ilustrações e aos recursos literários dosexperimentos quando de suas publicações.Em conclusão, apresenta implicações daanálise desenvolvida para o ensino de ciên-cias.

Relatos experimentais no séculoXVII: a relevância das ilustrações

Robert Boyle, com seu olhar perspi-caz, persuadiu consideravelmente a iden-tidade do novo praticante científico no fi-nal do século XVII [15], tornando-se uma

das figuras mais in-fluentes da Royal So-ciety. Defendendo queos relatos experimen-tais deveriam ser es-critos em uma lin-guagem acessível aosseus contemporâ-neos, influenciado por

Bacon, ele percebe que até então asnarrativas continuavam a ser redigidas deforma indisciplinada e a sua confiabilidadeera matéria de preocupação.

Em vista disso, Boyle argumenta queao manipular a natureza era preciso nãoapenas buscar informações dos processosnaturais, mas também melhorar o níveldessas informações. “A qualidade que ti-nham os experimentos de resultar em ma-térias de fato dependia não somente de suareal execução, mas também (...) da certi-ficação por parte da comunidade relevantede que eles haviam sido assim executados”

[16, p. 95]. O próprioBoyle “ao reportarexperimentos queeram particularmentecruciais ou problemá-ticos” escolhia suastestemunhas e julga-va suas qualificações,

para que suas demonstrações atestassemlegitimidade.

O desenvolvimento de relatos experi-mentais que facilitassem a reprodução deexperimentos pelos leitores era outra ma-neira de garantir o depoimento coletivo.Para isso, alguns desafios à época tinhamde ser contornados, como aquele que se

refere à dificuldade de acesso a determi-nados aparatos experimentais, pelo seucusto e locomoção, e à falta de habilidadede alguns dos estudiosos.

Não obstante, a forma mais rele-vante de se conseguir a multiplicação detestemunhas, que, vale frisar, era umcritério de cientificidade experimental,era por meio de ‘testemunhos virtuais’[16]. Essa estratégia empregava osmesmos recursos linguísticos de incen-tivo para a reprodução física do expe-rimento ou para produzir na mente doleitor uma imagem naturalística da cenado experimento. As narrativas experi-mentais deveriam ser escritas de maneiraque estudiosos não presentes comotestemunhas ‘reais’, pudessem replicarefetivamente os efeitos relevantes doexperimento. É importante ressaltar quepara Boyle, portanto, o testemunho erauma questão de evidência e não de auto-ridade [17].

As imagens naturalísticas priorizadaspor Boyle tinham por função complemen-tar o testemunho por meio da imaginação.Elas não eram meros desenhos, mas figu-ras que apresentavam detalhes circuns-tanciais que, como ele alegava, não seriamvisíveis em representações mais esquemá-ticas. “Produzir imagens desse tipo consis-tia em uma atividade onerosa em meadosdo século dezessete e os filósofos naturaisas utilizavam com parcimônia” [16,p. 99]. Boyle também valorizava e faziauso de imagens esquemáticas, desde queas mesmas apresentassem comentários edescrições.

Por certo, Boyle buscou organizar tex-tos que, “com detalhes circunstanciaisinseridos nos limites de uma estruturagramatical”, poderiam imitar a simulta-neidade da experiência por meio dasrepresentações pictóricas [3, p. 493]. Elefoi, sem dúvida, um personagem marcan-te na ciência, que ilustra a posição empí-rica afirmada claramente por Bacon [18].Newton foi seu contemporâneo, e, em-bora se possa destacar em seus estudosdiversos recursos linguísticos ressaltadospor Boyle, ele não teve, a contento, as mes-mas preocupações.

Enquanto um andou humildementee falou e escreveu em uma língua na qualas pessoas sem instrução poderiam ler eentender – e isso explica em grande medidaa influência que exerceu –, o outro redigiuem latim o Principia [19] e viveu em umaesfera em que poucos poderiam penetrar[15]. Já na Óptica essa diferença é mini-mizada. Ela foi escrita originalmente eminglês, possivelmente para torná-lo maispopular em termos de conteúdo e de al-cance [20].

Ao utilizar o termoexperimentum crucis Newton

emprega um poder delegitimação, confiabilidade epersuasão em sua narrativa

experimental

A análise histórica dos estudosnewtonianos sobre a teoria da

luz e cores mostra, nitidamente,a incongruência de se admitir

que um experimento, por si só,é capaz de gerar resultadosdefinidores e incontestáveis

26 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017Análise da ilustração do experimentum crucis de Newton

As ilustrações de Newton doexperimentum crucis

No artigo “Nova Teoria sobre Luz eCores”2 [5], Newton relata os resultadosde vários anos de estudos e explica ofenômeno da formação das cores devidoà refração [7, 9, 10, 21]. Desenvolvendoinúmeros experimentos com prismas, eleconclui que a luz branca é uma misturaheterogênea de raios com diferentes grausde refrangibilidade. Nesse artigo, ele nãoexplorou abundantemente o artifíciopictórico, mas utiliza o termo experimen-tum crucis para um de seus experimentosque, pode-se dizer, emprega um poder delegitimação, confiabilidade e persuasão emsua narrativa experimental.

Newton inicia seu relato descrevendouma experiência que permitia a passagemde luz branca do Sol por um prisma devidro:

(...) tendo escurecido meu quarto e feitoum pequeno orifício na veneziana deminha janela, para admitir a entradade uma quantidade conveniente de luzsolar, coloquei meu prisma à entradadele, para que a luz fosse refratada paraa parede oposta. A princípio, foi umadiversão muito agradável observar ascores vívidas e intensas assim produ-zidas, mas, depois de algum tempoempenhando-me em examiná-las commaior circunspecção, surpreendeu-mevê-las em uma forma oblonga, por-quanto, segundo as leis aceitas darefração, eu esperava que ela fosse cir-cular [5, p. 3076].

De acordo com Granés [9, p. 29] oparágrafo acima é “magistral, por suaprecisão e poder de síntese”. Podem-seperceber aspectos circunstanciais, relevan-tes para Boyle, explanados por Newtonao descrever esse experimento. O quartoescurecido, o orifício na veneziana da ja-nela, a função desse orifício, a colocaçãodo prisma, o seu encantamento, a sur-presa ao constatar algo imprevisto pelateoria vigente, são detalhes com os quaisse pode evidenciar que, de fato, a “atençãopara com a escrita de relatórios sobre ex-perimentos tinha uma importância prá-tica que era pelo menos igual à própriarealização dos experimentos” [3, p. 492].

Por certo, o caminho trilhado porNewton o conduzia a encontrar uma teo-ria para o fenômeno da formação das co-res que permita explicar a forma oblongado espectro sem abandonar a lei da refra-ção de René Descartes (1596–1650) – queadmitia que o raio incidente e o raio refra-tado que saem de um prisma se compor-tam de maneira simétrica na posição dedesvio mínimo do prisma. A pergunta que

ele se faz é: “a inesperada forma alongadado espectro sobre a parede não poderia,talvez, ser causada por elementos quedependem inteiramente das circunstânciasespecíficas que enquadram a realizaçãoparticular do experimento?” [9, p. 32].

Newton verifica a hipótese de seremos componentes de seu experimento oscausadores dessa forma alongada. Cons-tatando sua improcedência, ele segue for-mulando novas conjecturas e fazendo (ecriando) novas experimentações. Supõeque o alongamento era devido a uma irre-gularidade no prisma de vidro ou ainda auma falta de paralelismo do feixe de luzproveniente do Sol que penetra o orifícioda persiana, devido ao tamanho do astroe sua distância finita da Terra.

A eliminação dessas suspeitas levouNewton ao seu experimentum crucis, queconsistia de uma lente à frente de umprisma, pela qual passava a luz brancado Sol. A lente possibilitava produzir umespectro fino e com cores bem definidasem um anteparo. Um furo no anteparopermitia que uma pequena faixa do espec-tro passasse por um segundo prisma, quenão decompunha a luz em novas cores,apenas produzia uma mancha da cor sele-cionada.

Curiosamente, a primeira imagem(Fig. 1) do experimento crucial irá aparecerapenas em um artigo publicado quatromeses depois, em junho de 1672 [8], noPhilosophical Transactions.

De acordo com Newton, essa figura(Fig. 1) foi desenvolvida por causa dasdúvidas e debates que surgiram após apublicação do artigo sobre a luz e as cores.

Finalmente, como a melhor confirma-ção, acrescento o Experimento a queeu já dei o nome de Crucial em várioslugares: já que as condições [sob osquais o experimento havia sido reali-zado] apresentaram dúvidas, eu decididesenvolver esta figura [8, p. 5016, tra-dução dos autores].

Conforme Boyle, as ilustrações nosrelatos experimentais eram fundamentaispara aqueles que requeriam auxílio visual,por não possuírem facilidade de imagina-

ção [3]. A função da imagem newtonianado experimento crucial pode ter sido a deilustrar, ainda que superficialmente, comose dispôs o experimento, e evidenciar,sobretudo para os testemunhos, que elede fato havia sido realizado, conferindomaior confiabilidade ao seu resultado.

Isso se justifica principalmente por-que, após a publicação do seu primeiroartigo sobre o assunto, Newton recebeumuitas críticas. Diversos filósofos natu-rais escreveram à Royal Society indicandoque os experimentos newtonianos não da-vam os resultados indicados por ele oupropondo outros que contrariavam a suateoria [21]. “Para resolver a questão ex-perimental, Robert Hooke foi encarregadode repetir diante da Royal Society os expe-rimentos de Newton, e conseguiu repro-duzi-los sem problemas” [21, p. 325].Cabe ressaltar que, na época, Hooke eracurador oficial da Royal Society, isto é,responsável por reproduzir os experimen-tos descritos nos artigos submetidos e/ou publicados pela academia. Apesar deaceitar como corretos os experimentosnewtonianos, ele continuou a negar suateoria.

Por certo, o objetivo principal do expe-rimentum crucis foi descobrir se as corespoderiam ser transformadas e criadas, ounão. Todavia, segundo Silva e Martins[21], o discurso por trás do seu experi-mento crucial muda durante as árduasdiscussões com seus críticos. Na Óptica[6], 32 anos depois, Newton também des-creve e ilustra (Fig. 2) o que seria o experi-mentum crucis, porém nessa obra ele nãoexplicita essa terminologia. Em seu livro,fica mais evidente a dependência desseexperimento com outros para que se pu-desse mostrar, conclusivamente, que ascores não eram uma mistura de luz esombras, como pensavam alguns desdeAristóteles, nem produzida no ato darefração [11, 22].

A ilustração é acompanhada de umlongo comentário, em que Newton buscaexplicar os aspectos circunstanciais pelosquais o experimento foi realizado. Toda-via, é um texto despersonalizado e umtanto argumentativo, escrito com umafrieza objetiva e uma concisão que deixade lado aspectos secundários [10] priori-zados por Boyle.

Figura 1: O experimentum crucis de New-ton, publicado em 1672 [8].

Figura 2: Ilustração do experimentum crucisapresentado na Óptica em 1704.

27Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017 Análise da ilustração do experimentum crucis de Newton

Para Newton, as premissas de suateoria emanam diretamente, de maneiranatural e quase evidente, do experimentoque denominou crucial. Para Boyle, háuma retórica de convencimento inerenteaos textos científicos. Encontram-se nostextos boyleanos uma preocupação emfornecer ao leitor uma imagem muitovívida da realização de cada um dosexperimentos. Muitos dos leitores newto-nianos, todavia, teriam dificuldades emreplicar alguns de seus experimentos, poisteriam de ‘inventar’ detalhes técnicos dasua realização. Isso pode ser explicado pelofato de que Newton, diferindo de Boyle,escreveu para um público mais especiali-zado.

O certo é que “a famosa frase, experi-mentum crucis, tornou-se quase sinônimode teoria newtoniana” [23, p. 354]. Asimagens, apresentadas em diferentestextos, propiciaram ainda mais a dissemi-nação do experimento e sua popularidadepara diferentes públicos, gostando New-ton ou não.

A ilustração em si revela ainda maisa sua importância na publicação dasegunda edição da Óptica em Paris, no anode 1722. Varigon, responsável por essaedição, solicitou a Newton uma imagemque representasse seu trabalho sobreóptica [11]. Dentre inumeras opções,Newton escolheu o experimentum crucis(Fig. 3). Além disso, havia no desenho aseguinte frase: Nec variat lux colorem, quequer dizer “a luz não muda de cor quandoé refratada” [11].

O discurso da divulgação cientí-fica: as ilustrações dos experimen-tos sobre luz e cores de Newton

Quando Boyle buscou estabeler textoscientíficos com determinados recursoslinguísticos, ele visava, sobretudo, a popu-larização da ciência [16]. Ele defendia oque frequentemente é utilizado na litera-

tura como ‘divulgação científica’: o usode recursos técnicos para a comunicaçãocientífica ao público em geral [24]. New-ton, no entanto, admitia que o conheci-mento deveria ser restrito aos iniciados,ou seja, a escrita deveria ser feita de formaespecífica para pessoas minimamente ins-truídas. Ele priorizava o que se podechamar de ‘comunicação científica’, ou se-ja, um texto transcrito em códigos espe-cializados, para um público seleto for-mado de especialistas [13]. Cabe ressaltarque nem Boyle, nem tampouco Newton,utilizaram as expressões ‘comunicação’ou ‘divulgação científica’.

Independentemente de como os rela-tos são escritos, tanto para os pares comopara o público em geral, o certo é que opapel da divulgação científica vem evo-luindo ao longo do tempo [24]. O reconhe-cimento de que o processo de divulgar aciência implica em uma transformação dalinguagem científica com vistas a suacompreensão pelo público é um dos aspec-tos mais relevantes às problematizaçõesrelacionadas ao ‘por que’ e ao ‘como’divulgar [25].

Como salienta Fahnestock [26], hámudança de informação de um discursopara outro. A liguagem deve ser adaptadade acordo com o público ao qual sedestina. Nos discursos ditos primários, ouseja, nas ‘comunicações científicas’, háenfaticamente o recurso de persuasão doleitor à relevância e legitimação dos novosconhecimentos apresentados [27]. Ostextos de ‘divulgação científica’, por suavez, são prioritariamente epidíticos, istoé, possuem a finalidade de celebrar, e nãode validar as informações [26].

De acordo com Massarine e Moreira[27, p. 1], de modo geral pode-se distin-guir três discursos: “os discursos científi-cos primários (escritos por pesquisadorespara pesquisadores), os discursos didáticos(como os manuais científicos para ensino)e os da divulgação científica”. A despeitodessa distinção, a comunicação científica,entendida como o discurso primário,quando devidamente retrabalhada, podecontribuir no processo de divulgação cien-tífica. Inclusive, “em muitos casos, cita-ções literais de material ou reprodução defalas identificadas com a comunicaçãocientífica são repassadas ao público leigo”[13, p. 6]. Podem ser discernidas váriasestratégias de alteração na linguagem uti-lizada no processo de mudança de umdiscurso para outro, dentre elas a utiliza-ção de ilustrações.

As ilustrações, no âmbito dos dife-rentes discursos, têm sido utilizadas emnúmero significativamente maior ao lon-go do tempo [27]. Elas são importantes

recursos para a comunicação científica,como defendia Boyle, e para a divulgaçãocientífica, podendo apresentar distintasfunções nos textos e servindo indiscuti-velmente como um recurso de visualiza-ção. Também desempenham um papelfundamental na constituição das idéiascientíficas e na sua conceitualização [28].Há, ainda, um consenso entre vários auto-res sobre o fato de as imagens desempe-nharem importante papel pedagógico noprocesso de ensino-aprendizagem [29].Nesse sentido, apresenta-se a seguir umaanálise das ilustrações exibidas em mate-riais de divulgação científica sobre a teoriada luz e cores de Newton.

A amostra de livros para a apreciaçãolevou em conta distintas formações dosautores. Dessa forma, foram analisadosos seguintes livros: Newton: a Órbita daTerra em um Copo d’Água [30], de EduardoCampos Valadares; Isaac Newton o ÚltimoFeiticeiro: uma Biografia [31], de MichaelWhite, e Os Grandes Experimentos Cientí-ficos [32], de Michel Rival. Valadares, autorde um dos livros, é doutor em ciências.Rival é especialista em questões científicase técnicas e White é jornalista de divulga-ção científica.

As ilustrações foram classificadas àluz de quatro categorias – contextualiza-ção histórica, iconicidade, relação com otexto principal, função da imagem –desenvolvidas com base em Perales eJiménez [33]: 1) por meio da contextuali-zação histórica, procurou-se analisar sehouve contextualização da ilustração, ouapenas do assunto; 2) a iconicidade, quese refere à complexidade da ilustração, foianalisada sob quatro vieses: imagemnaturalística (possuem detalhes circuns-tanciais que não são visíveis, por exemplo,em representações mais esquemáticas),esquemática (apresenta uma representa-ção, mas dispensa detalhes) ou figurativa(é simplesmente simbólica); 3) na relaçãocom o texto principal, buscou-se verificarse existe um vínculo explícito entre a ilus-tração e o texto ou se cabe ao leitor fazera ligação entre eles; 4) a função da imagem,na sequência do discurso apresentado, foiclassificada como decorativa (motivacio-nal), representativa (ilustrativa), organi-zacional (descritiva, apresenta aspectoscircunstanciais) ou explicativa. Além dis-so, analisou-se a complexidade da lingua-gem utilizada nessa relação.

O livro Os Grandes Experimentos Cien-tíficos [32] apresenta, cronologicamente,alguns experimentos desenvolvidos nafísica, desde o século III a. C., com Arqui-medes, por exemplo, até a década de 1958,com as ondas gravitacionais. No períodoque correspondente ao ano de 1672, o

Figura 3: Ilustração selecionada por New-ton para representar seus estudos ópticos.A escolhida para a tradução francesa,publicada em 1722, foi uma versãoaprimorada. Imagem extraida deAssis [11].

28 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017Análise da ilustração do experimentum crucis de Newton

livro discute brevemente o experimentocrucial de Newton.

O título da seção é “Experimentumcrucis” e o autor apresenta uma traduçãoliteral para o termo: ‘experimento deci-sivo’. O livro inclui quatro páginas sobreo assunto e, embora sucinto, exibe peque-nos trechos originais. Ademais, veicula aodiscurso duas imagens. A primeira delas,refere-se ao primeiro experimento descritopor Newton no artigo de 1672 [5] (ou oterceiro na Óptica), em que constata a for-ma oblonga do espectro. A segunda ilus-tração é a do experimento crucial, a mes-ma apresentada por Newton na Óptica ejá exibida na seção anterior deste artigo[Fig. 2], ou seja, é uma ilustração primá-ria, mas o livro não salienta isso, nãocontextualiza historicamente a imagem,descrevendo apenas que: “Essa foi a ‘expe-riência decisiva’, o experimentum crucis”[32, p. 27].

A ilustração, assim como está presen-te na obra original de Newton, é esque-mática e sua função na sequência do livrode Rival pode ser classificada tanto comorepresentativa (ilustrativa), quanto orga-nizacional, já que o livro apresenta umaexplicação do esquema experimental. Des-ta forma, há uma relação explícita entrea imagem e o texto principal que a des-creve.

Como antes, Newton dispôs um pris-ma ABC atrás de um diafragma F, iso-lando um feixe de luz solar, e produziuassim um espectro na tela DE. Essa telatinha um orifício G e era seguida deoutra tela também com um orifício.Esses dois diafragmas isolavam umfeixe luminoso pertencente a uma parteestreita do espectro que vinha iluminarum segundo prisma abc. Fazendo giraro prisma ABC, o segundo prisma abcrecebia sucessivamente e sob umaincidência crescente os raios pertencen-tes às diferentes partes do espectro, eprojetava sobre uma tela MN situadaatrás dele as “imagens” de diferentescores, ordenadas entre M e N como noespectro inicial [32, p. 27].

Neste trecho, pode-se perceber algu-mas mudanças em alguns termos utili-zados na descrição, em relação a maneiracom que o prórpio Newton apresenta. As“imagens” de diferentes cores, na realida-de, refere-se à luz refratada. Ademais, essadescrição está muito mais sucinta em rela-ção a apresentada na Óptica, emboradescreva muito bem o experimento.

Ao final da seção, Rival salienta quecom as duas experiências, aquela em queNewton constata a forma oblonga do es-pectro e a do experimento crucial, pode-

se concluir que elas apresentam: “por simesmas: ‘os raios de luz que diferem emcor também diferem em grau de refrangi-bilidade’; e ‘a luz do Sol é composta deraios diferentemente refrangíveis’”[32,p. 28].

Todavia, essas duas proposições sãodemonstradas por Newton com umaséries de experimentos, inclusive variantesfundamentais do experimentum crucis.Nenhum experimento per se apresentauma conclusão sem que haja reflexãosobre ele. As observações não são neutras,o modo de interpretar um mesmo resul-tado experimental pode diferir de acordocom os pressupostos teóricos de cada estu-dioso. Isso, de fato, ocorreu com o experi-mentum crucis, por exemplo, com as obje-ções de Hooke e de alguns jesuítas, comoPardies, Linus e Lucas [10]. Por fim, o livroevidencia que o experimento crucial serviupara demonstrar a dispersão da luz branca,e que os dois experimentos descritos per-mitiram evidenciar duas proposições deNewton, que estão descritas no trechoacima.

O livro Isaac Newton o Último Feiti-ceiro: Uma Biografia [31] apresenta longaspáginas biográficas sobre Newton e dis-corre sobre diferentes aspectos de sua vidae seus trabalhos. No capítulo 8, intitulado“Contendas”, o autor aborda o experimen-tum crucis.

Em 24 páginas de contextualizaçãohistórica acerca do assunto, o autorapresenta vários trechos de fonte primáriae três ilustrações. A primeira delas é umdiagrama, ou esquema, do experimentocrucial (Fig. 4). A imagem é apenas ilus-trativa e não apresenta uma relação explí-cita com o texto principal; fica a cargo doleitor relacionar a imagem com o texto.A segunda imagem mostra a luz de umprisma através de uma lente, ilustrativasomente, e a última exibe a produção decores isoladas com a utilização de umdisco dentado.

O experimento crucial é apresentadoe descrito de forma muito simplista,inicialmente:

Usando pouco mais que alguns peda-ços de cartão e dois prismas de vidro, aprimeira destas novas experiências,depois conhecida como experimentumcrucis, foi o primeiro e tardio sinal queo mundo científico teve de seu gêniocomo experimentador, porque era tãobela em sua simplicidade quanto eficazpara encapsular a teoria de Newton[31, p. 163].

Nesse trecho, vê-se claramente que oautor não menciona, assim como tambémnão o faz Rival, que o próprio Newton

denominou um de seus experimentos decrucial. Aliás, o experimento não revela agenialidade newtoniana por ser simples eencapsular a sua teoria, tanto que houveinúmeras discussões acerca dos resultadose explicações por ele apresentados, gerandoinclusive consideráveis controvérsias.Além disso, o autor apresenta o experi-mento como se Newton não tivesse pen-sado nos componentes de sua composição,como se o tivesse desenvolvido com merosmateriais encontrados aleatoriamente emseu ‘laboratório’.

White salienta, especificando melhorem que consistia o experimento crucialnewtoniano, que:

A primeira das novas experiências (oexperimentum crucis) fazia mais umavez a luz do sol passar por um prisma.Partes do espectro produzido passavamentão por um minúsculo orifício numcartão colocado a pouca distância.Assim Newton pôde fazer com queapenas uma das cores do espectro pas-sasse pelo orifício. Essa luz atravessavaentão o orifício de um outro cartão edepois um segundo prisma, para final-mente cair em um cartão branco. New-ton descobriu que se só deixasse a luzde uma das extremidades do espectro(a luz azul) passar pelo sistema, ela se-ria muito mais refratada do que seusasse a luz vermelha [31, p. 164].

Essa descrição está mais detalhada doque o trecho anterior. Há algumas pala-vras que foram introduzidas, possivel-mente a fim de deixar mais claros osmateriais utilizados na experiência origi-nal. Fazendo um contraste com a Óptica,Newton ressalta que usou anteparos;White, por sua vez, os chama de cartões.

O autor expõe alguns variantes desseexperimento, que foram importantíssi-mos para a consolidação de duas das pro-posições sobre luz e cores apresentadas naÓptica. Além disso, enfatiza que ademonstração de como a luz é refratadaia contra a visão dominante na época,como salienta também Rival. Não obstan-

Figura 4: Ilustração do experimentum crucise sua legenda, apresentada por White [31].

29Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017 Análise da ilustração do experimentum crucis de Newton

te, não era a demonstração em si, mas aexplicação de Newton que diferia de con-cepções teóricas daquele período históricoacerca do fenômeno.

O livro Newton: a Órbita da Terra emum Copo d’Água [30], assim como White,discorre sobre os mais diversos estudos etrabalhos de Newton, tanto na óptica, namecânica e na alquimia como seus estu-dos bíblicos, por exempo. No capítuloquatro, “Invenção do Cálculo, Gravitaçaoe Experiências com a Luz”, o autor apre-senta uma subseção denominada “Expe-riências com prismas”.

De modo muito sucinto, Valadaresdescreve a experiência em que Newtonconstata a forma alongada do espectro e,a seguir, diz que ele “concebeu um novoexperimento que demandava um segundoprisma (...) demonstrando assim que a luzbranca era, de fato, composta” [30, p. 64-65]. Esse trecho está se referindo ao experi-mentum crucis. Todavia, o autor emnenhum momento apresenta esse termo.Por vezes, utilizar o termo sem contex-tualizar seu significado pode ser um pro-blema maior, talvez, do que não explicitá-lo, pois nesse caso caberia ao leitor inter-pretá-lo. Prosseguindo, Valadares frisaque:

Com seus experimentos, Newton der-rubou o dogma da luz branca ‘pura’que persistia por mais de dois mil anos.Além disso, ele demonstrou que cadacomponente da luz branca, ao incidirem um prisma, é desviado de um ân-gulo diferente em relação a uma retaperpendicular à superfície do prisma noqual a luz incide (veja figura), fenô-meno conhecido como dispersão [30,p. 65-66].

A ilustração apresentada (Fig. 5) temuma relação explícita com o texto princi-pal, no entanto o autor não a descreve. Aimagem é meramente figurativa e somen-te assume significado com sua legenda.Ela não parece adquirir sentido na sequên-cia do texto, pois mostra diversos experi-mentos sem descrição e/ou explicação.

Com esse tipo de ilustração, fica a car-go do leitor decifrar que uma flecha, porexemplo, indica a incidência de um raiode luz e que o desenho de um triângulosimboliza um prisma. Ou seja, por nãohaver descrição da imagem ao longo dotexto principal, há uma linguagem emcódigos implícita na mesma, que dificultaa compreensão do leitor e relega a imagemà mera função de ilustrar experimentos.

Cabe apontar que Valadares, na capade seu livro, apresenta uma ilustraçãodecorativa (Fig. 6) da refração da luz porum prisma de vidro, notavelmente

fazendo alusão aos estudos newtonianos.De modo geral, nas três obras anali-

sadas verifica-se a tentativa dos autoresde contextualizar os estudos de Newtonsobre luz e cores. Notam-se elementos co-muns apresentados na abordagem histó-rica, que indicam que novas explicaçõessobre o fenômeno das cores estavam sur-gindo com os experimentos newtonianos.No entanto, nenhuma delas contextualizaa imagem em si, tanto do experimentocrucial, que é apresentada por Rival eWhite, quanto das demais ilustraçõespresentes em todas as obras.

Como já foi salientado, nos estudosópticos desenvolvidos no século XVII eXVIII a ilustração exerceu um papel rele-vante no âmbito da comunicação científica.Já nos livros de divulgação científica ana-lisados, o discurso em torno do recursopictórico é modificado. As ilustraçõesapreciadas, quando inseridas na sequênciade cada texto, embora algumas sejamretiradas da própria Óptica, perdem o rigorcientífico e apresentam, nitidamente, faltade aprofundamento de detalhes específicosquanto a sua descrição. Todavia, pode-seperceber nas três obras, muitas vezes, queessas perdas são compensadas pela abran-gência e pela visão global com que o temaé abordado.

Vê-se, como salienta Fahnestock [26],que os textos epidíticos, aqueles da divul-gação científica, priorizam os resultadoscientíficos e não o processo pelo qual oconhecimento foi desenvolvido. Já nosoriginais de Newton, percebe-se um esfor-ço maior em discorrer sobre o processoda construção do conhecimento. EmboraNewton priorize uma reconstrução dosseus estudos, ou seja, enfatize os seusresultados, é nítido o seu envolvimentocom diversos experimentos e hipótesesque o auxiliaram.

Newton e a divulgação científica:implicações para o ensino

Historicamente, a comunicação cientí-fica e a divulgação científica vêm crescente-mente dialogando de modo a consolidaruma intensa relação. Atualmente, acomunicação científica pode ser conside-rada fonte histórica de jornalistas e divul-gadores para o desenvolvimento dos dis-cursos da divulgação científica [13]. Nasobras analisadas, percebe-se claramente ouso de fonte primária.

Não obstante, apesar desse profícuodiálogo, não se pode obliterar que os dis-cursos são evidentemente distintos, deacordo com o objetivo, a audiência, asituação [26]. A divulgação científicabusca, prioritariamente, permitir que aspessoas leigas possam entender, ainda queparcialmente, o mundo em que vivem eas novas ‘descobertas’ científicas; emsíntese, proporcionam a exteriorização daciência [34].

Nesse sentido, o apelo visual é impor-tante. Todavia, a ilustração é um recursoque pode penalizar a precisão das infor-mações [13] ou, ainda, disseminar umaideia equivocada de ciência. Como salien-tado, no século XVII Boyle priorizava ouso de ilustrações desde que fossem se-guidas de descrições, de discursos queapresentassem aspectos circunstanciais. Afunção das imagens era de propiciar àstestemunhas virtuais a reprodução doexperimento; levar o leitor mentalmentepara a cena do ‘laboratório’ [16]. Nosestudos de Newton, veem-se inúmerasimagens, sempre com descrições e comen-tários específicos, como no caso do experi-mento crucial.

Nos livros analisados, a imagem tema função meramente ilustrativa, e mesmoque alguns autores busquem descrevê-las,muitas vezes passa-se a visão de que oexperimento, por si só, apresenta uma‘verdade’ científica. Além disso, nas entre-

Figura 5: Diversos experimentos desen-volvidos por Newton, apresentados porValadares [30].

Figura 6: Uma das ilustrações da capa dolivro Newton: a Órbita da Terra e um Copod’Água.

30 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017Análise da ilustração do experimentum crucis de Newton

Rerefências

[1] A.C. Raicik, Experimentos Exploratórios e Experimentos Cruciais no Âmbito de uma Controvérsia Científica: A Eletricidade Animal como Estudo de Caso.Tese de Doutorado, Universidade Federal de Santa Catarina, em andamento.

[2] C. Dumitru, Society and Politics 7, 45 (2013).[3] S. Shapin, Social Studies of Science 14, 481 (1984).[4] A. Davyt e L. Velho, História, Ciências, Saúde Manguinhos 77777, 93 (2000).[5] I. Newton, Philosophical Transactions 6, 3075 (1672).[6] I. Newton, Óptica (Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002).[7] I.B. Cohen e R.S. Westfall, Newton: Textos, Antecedentes, Comentários (Contraponto, Rio de Janeiro, 2002).[8] I. Newton, Philosophical Transactions 7, 4014 (1672).[9] J.S. Granés, La Gramática de uma Controvérsia Científica: El Debate Alrededor de la Teoria de Newton sobre los Colores de la Luz (Editorial Unibiblos,

Bogotá, 2001).[10] J.S. Granés, Isaac Newton: Obra y Contexto una Introducción (Pro-Offeset Editorial, Bogotá, 2005).[11] A.T. Assis, Óptica: Tradução, Introdução e Notas (Editora da Universidade de Sçao Paulo, São Paulo, 2002).[12] C.C. Silva e R.A. Martins, Ciência & Educação 9, 53 (2003).[13] W.C. Bueno, Inf. Inf. 15, 1 (2010).[14] T.C.M. Forato, Alexandria Revista de Educação em Ciência e Tecnologia 11111, 29 (2008).[15] J.F. Fulton, Isis 18, 77 (1932).[16] S. Shapin, Nunca Pura: Estudos Históricos de Ciência Como Se Fora Produzida Por Pessoas Com Corpos, Situadas no Tempo, no Espaço, na Cultura e na

Sociedade e Que Se Empenham por Credibilidade e Autoridade (Fino Traço, Belo Horizonte, 2013).[17] R.M. Sargent, Studies in History and Philosophy of Science 20, 19 (1989).[18] J.J. Renaldo, Journal of the History of Ideas 37, 689 (1976).[19] I. Newton, Principios Matemáticos de la Filosofía Natural (Alianza Editorial, Madrid, 1987).[20] A.K.T. Assis, in Mesa Redonda do II Encontro da Ciência, Leitura e Literatura, Campinas, 1997.[21] C.C. Silva e R.A. Martins, Revista Brasileira de Ensino de Física 18, 313 (1996).[22] L.O.Q. Peduzzi, A Relatividade Einsteiniana: Uma Abordagem Conceitual e Epistemológica (Publicação interna, Florianópolis, 2015).[23] R.S. Westfall, Isis 53, 339 (1962).[24] S. Albagli, Ci. Inf. 25, 396 (1996).[25] M. Marandino et. al., in Anais do IV Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciência, Bauru, 2003.[26] J. Fahnestock, in Terra Incógnita: A Interface entre Ciência e Público, editado por L. Massarani, et al. (Vieira & Lent, Rio e Janeiro, 2005).[27] L. Massarine e I.C. Moreira, MultiCiência: Linguagem da Ciência 4, 1 (2005).[28] I. Martins, G. Gouvêa e C. Piccinini, Cienc. Cult. 57, 38 (2005).[29] H.C. Silva et al., Ciência e Educação 12, 219 (2006).[30] E.C. Valadares, Newton: A Órbita da Terra em um Copo D’Água (Odysseus Editora, São Paulo, 2003).[31] M. White, Isaac Newton o Último Feiticeiro: Uma Biografia (Record,Rio de Janeiro, 2000).[32] M. Rival, Os Grandes Experimentos Científicos (Jorge Zahar Ed, Rio de Janeiro, 1997).[33] F.J. Perales e J.D. Jiménez, Enseñanza de las Ciencias 20, 369 (2002).[34] H.C. Silva, Ciência e Ensino 1, 53 (2006).[35] L.N.A. Ferreira, Alexandria Revista de Educação em Ciência e Tecnologia 5, 3 (2012).[36] I. Martins, M. Cassab e M.B. Rocha, Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências 1, 1 (2001).

Notas1Neste artigo os termos ilustração, imagem, figura e desenho são utilizados como sinônimos.2Traduções comentadas do artigo de Newton foram realizadas por Silva e Martins [21] e por Granés [9].

linhas do discurso científico há implicita-mente a ideia da construção do conheci-mento por meio de um empirismo ingê-nuo. Assim, quando levado ao ensino deciências, por exemplo, eles podem contri-buir para a propagação de uma ciênciaunicamente empírica, com observaçõesneutras, e que um dado experimental repre-senta uma corroboração indiscutível. Porisso a necessidade de se tomar os devidoscuidados quando materiais de divulgaçãocientífica, ou uma ilustração não contex-tualizada, por exemplo, são trabalhados emsala de aula. Além disso, embora sereconheça que há distintos objetivos entreas obras originais e os livros de divulgaçãocientífica, o uso de imagens primárias emcontextos diferentes, que por vezes não ascontextualizam, distorcem o própriosentido da natureza da imagem. Na filo-

sofia de Boyle, por exemplo, elas trans-portariam o leitor ao momento de rea-lização do experimento, além de contribuirpara sua replicação. Este último, por certo,não foi o foco das obras analisadas.

Não obstante, essas colocações nãoinvalidam as obras que simplesmeste tra-duzem o senso comum das pessoas emgeral e visam disseminar a ciência paraum público mais leigo. Diversos autorestêm sugerido atividades didáticas quevalorizem o contato dos alunos com dife-rentes tipos de textos, inclusive os dedivulgação científica, que expressam umavariedade de formas de argumentação epontos de vista [35]. Muitos benefícios sãoapontados por esse contato ampliado,dentre eles o acesso a uma maior diversi-dade e divergência de informação, habili-dades de leitura e formas de argumentação

[36], além da refexão sobre a ciência, quepode e deve ser estimulada.

Afinal, Newton não pretendia apenascorroborar ou refutar a teoria vigente, massim buscar entender e explicar uma ano-malia: a forma oblonga da luz solar ao serrefratada por um prisma de vidro. Nessesentido, como há mudança de um discursopara outro, os materiais de divulgaçãocientífica, quando levados ao uso didático,reforçam a importância do papel do pro-fessor como agente contextualizador,reflexivo e crítico. O docente pode propiciaruma maior compreensão do complexoepisódio newtoniano com a luz e cores, afunção das ilustrações para a comunicaçãocientífica e, ainda, seu envolvimentofrutífero com a experimentação, aspectosesses não explorados, devidamente, emmuitos materiais de divulgação científica.

31Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017 Do encantamento ao horror científico

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Introdução

Um interesse crescente, embora emnúmero ainda reduzido, depesquisadores e educadores por

estudos que abordam a história e filosofiada ciência, bem como a natureza da ciên-cia, a partir de representações imagéticaspara a educação científica tem sido cons-tatado em vários trabalhos [1-3]. Face aessa perspectiva, e visando contribuir parao incremento de novos estudos nessa áreade investigação, utilizam-se duas obras deJoseph Wright para debater o papel dosexperimentos no empreendimento cientí-fico à luz das concepções do filósofo daciência Norwood Hanson [4].

As discussões desenrolam-se porconta do exame de como fatores externos,relacionados ao contexto da ciência vigen-te no período da criação de duas pinturas– A philosopher giving that lecture on theorrery in which a lamp is put in place of thesun (Um filósofo dando uma aula no plane-tário na qual uma lâmpada é posta no lugardo Sol – 1766) e An ex-periment on a bird inthe air pump (Um ex-perimento com um pás-saro na bomba de ar –1768) –, influencia-ram a produção deJoseph Wright no atoda elaboração de suasobras e que possíveismensagens de ciênciaas pinturas intentampassar ao contempla-dor.

Para tanto, elaborou-se um módulode ensino com intuito de discutir certascaracterísticas relacionadas à construçãodo conhecimento científico por meio daaproximação entre arte e ciência. O mó-dulo1 “Desbravando os sete mares! Ops,...Desbravando três pinturas através de umahistória em quadrinhos: possíveis relações

entre arte e história e filosofia da ciência”,voltado a alunos de cursos de física,incorpora diversos componentes, sendoum deles uma história em quadrinhos(HQ) – “Do encantamento ao horror cien-tífico: as pinceladas de Joseph Wright emThe orrery e em The air pump” [parte 2] –,a qual é abordada no presente artigo.

“Por integrar imagem e texto de modosintético, a linguagem das HQs temsido um recurso útil para explicartemas científicos complexos” [5,p. 1192].A inclusão dos quadrinhos no PNBE(Programa Nacional Biblioteca da Es-cola e as referências nos PCN (Parâme-tros Curriculares Nacionais) represen-tam um avanço na educação, pois sãoum incentivo a mais para que os do-centes aproveitem o potencial desse re-curso didático facilitador de interdisci-plinaridade, contextualização e leiturasricas em significados. [6, p. 897-898]

Nesse contexto, trabalha-se o enredoda HQ a partir de umdiálogo fictício quecontrasta o discursode um guia turístico,acerca da mensagemdo pintor, com o re-pertório epistemoló-gico-conceitual de umprofessor universi-tário – com interessepela arte e pela ciência– sobre as observaçõesa respeito das duas

pinturas de Joseph Wright.

Nos rabiscos, a existência defundamentos: os caminhostrilhados para a elaboração eestruturação da história emquadrinhos

A HQ intitulada “Do encantamentoao horror científico: as pinceladas de Jo-

Letícia JorgeMestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Científica eTecnológica, Universidade Federal deSanta Catarina, Florianópolis, SC,BrasilE-mail: [email protected]

Luiz O.Q. PeduzziDepartamento de Física, Programa dePós-Graduação em Educação Científicae Tecnológica, Universidade Federal deSanta Catarina, Florianópolis, SC,BrasilE-mail: [email protected]

O uso de representaçõesimagéticas por parte de

educadores e pesquisadores naeducação científica é um fato jáconstatado em vários trabalhos.Obras de Joseph Wright foramutilizadas para debater o papel

dos experimentos noempreendimento científico à luzdas concepções do filósofo da

ciência N. Hanson

Desenvolve-se uma história em quadrinhos(HQ) com intuito de discutir o papel dosexperimentos através das telas A philosophergiving that lecture on the orrery (1766) e An ex-periment on a bird in the air pump (1768) deJoseph Wright. O enredo, apoiado em princí-pios básicos da aprendizagem significativa deAusubel e nas técnicas de Eisner e McCloud,voltado ao estudante de física em formação,desenvolve-se por meio da história de um pro-fessor que acaba sendo transportado para outradimensão espacial onde debate com o persona-gem daquele local acerca das pinturas de Wrightna perspectiva de desvendar as possíveis men-sagens sobre ciência que as mesmas intentamcomunicar. À luz da HQ e da temáticaenvolvida, espera-se contribuir para a dissemi-nação de uma educação em consonância comreflexões filosóficas contemporâneas e trazerpossibilidades para se pensar a ciência, asdemais áreas do saber e seus aspectos a partirde novas perspectivas.

32 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017Do encantamento ao horror científico

seph Wright em The orrery e The air pump”faz parte de um conjunto de históriasindependentes, sobre arte pictórica e ciên-cia, incorporadas à Imaginarium2 [7,p. 3]3. Para a criação da HQ foram utili-zadas teorias, conceitos e técnicas apresen-tadas nas obras de McCloud [8] e de Eisner[9]. De modo a guiar a organização e aapresentação do conteúdo-tema (roteiro/enredo) da HQ, empregaram-se princípiosbásicos da Teoria da Aprendizagem Signi-ficativa de Ausubel [10-11].

Eisner [9] considera as histórias emquadrinhos uma forma de leitura, admi-tindo-as como uma atividade de percep-ção. Essa leitura ocorre a partir da associa-ção entre palavras e imagens que, juntocom painéis, balões e outros elementos,formam a estrutura complexa que com-põe o vocabulário da linguagem chamadaHQ. Em contraste com a fala de WillEisner, McCloud [8, p. 47] pondera: “as[...] “boas” histórias são aquelas que com-binam essas formas diferentes de expres-são de uma maneira harmoniosa”.

A linguagem das HQs, assim, apre-senta como propriedade a superposição decaracterísticas específicas da arte gráfica(como pinceladas, simetrias, noções deperspectiva, entre outras) e de caracterís-ticas da literatura (como enredo, gramá-tica, sintaxe etc.). Dessa maneira, a leiturade HQs passa, então, a se constituir emuma convergência entre um ato de percep-ção imagética e de reforço intelectual. ParaEisner [9, p. 8], quando essa união deaspectos gráficos e literários é usadaconsecutivamente para narrar ou expres-sar ideias, o que se constitui numa formaliterária da linguagem dos quadrinhos, e,junto a isso, é acompanhada de sua apli-cação disciplinada, tem-se como resultadoo que o mesmo deno-minou de “gramáticada arte sequencial”.

Para o entendi-mento da arte se-quencial, é precisocompreender algu-mas estruturas bási-cas inerentes aos qua-drinhos [8-9]. Porexemplo, deve-se avaliar como se intercalao tempo-espaço – “timing” – na medidaem que a narrativa se desenrola; como seinserem os “balões de fala, de pensamento,os letreiros etc.”; quais os modos de secapturar ou encapsular o movimento decertas imagens (como pessoas e coisas) emsegmentos – os chamados “quadros oupainéis” – mais qualificados, e quais asmaneiras adequadas de atribuir destaqueora à linguagem escrita, ora à imagética.O conhecimento desses e de outros

aspectos é condição necessária para aeficácia da HQ na propagação de suamensagem primordial.

É singular que existam diversas e fas-cinantes formas de contar histórias edesenvolver ideias. Essa variedade ocorrepor meio da criatividade dos quadrinhistase, também, por intermédio de metodolo-gias empregadas para a elaboração deHQs. McCloud [8] eEisner [9], nesse caso,tornam-se ótimosexemplos. Em seusestudos, sistemati-zam e propõem vá-rias formas e méto-dos de desenvolver ede se utilizar as his-tórias em quadrinhose de como as mesmaspodem oferecer um norte propositivo parao uso da linguagem visual e verbal.

Para HQs voltadas ao ensino, o en-tendimento a respeito do funcionamentodas estruturas integradas à arte sequen-cial, brevemente aludidas acima, deve seraprofundado de modo mais qualificado,na expectativa de potencializar discussõesem torno do trabalho e evitar possíveiscompreensões errôneas dos conceitosabordados por meio da linguagem.

Nesse sentido, faz-se necessário apro-priar-se de questões relativas à aprendi-zagem significativa (AS), especificamentea proposta por Ausubel [10-11]. A AS éum processo por meio do qual um novoconhecimento se relaciona de maneira“não arbitrária” e “substantiva” (não-li-teral) à estrutura cognitiva do sujeito. Éno curso da aprendizagem significativaque o sentido lógico do material de apren-dizagem se transforma em conceito psi-

cológico para o su-jeito. Em situações co-mo essa, emergem ossignificados dos mate-riais potencialmentesignificativos e o co-nhecimento prévio semodifica pela cons-trução de novos signi-ficados.

Ausubel [11, p. 147] expõe, ainda,que a composição de atributos relevantesda estrutura cognitiva para fins pedagó-gicos sobrevém de duas maneiras: “subs-tantivamente”, com propósitos organiza-cionais e integrativos, usando os conceitose proposições unificadores do conteúdo damatéria de ensino que têm maior poderexplanatório, inclusividade, generalidadee relacionabilidade nesse conteúdo, e “pro-gramaticamente”, empregando princípiosprogramáticos para ordenar sequencial-

mente a matéria de ensino, respeitandosua organização e lógica internas e plane-jando a realização de atividades práticas.Quanto ao último modo, Ausubel [11,p. 152] propõe quatro princípios progra-máticos do conteúdo: diferenciação pro-gressiva, reconciliação integrativa, orga-nização sequencial e consolidação.....

A “diferenciação progressiva” visa, noinício da instrução, aapresentação de ideiase conceitos mais geraise inclusivos do conteú-do da matéria a serensinada, para que,posteriormente a isso,possa ser progressi-vamente diferenciadaem termos de detalhee especificidade [11].

Por outro lado, a programação do con-teúdo deve não só proporcionar a “dife-renciação progressiva”, mas tambémexplorar, explicitamente, relações entreconceitos e proposições, chamar atençãopara diferenças e similaridades relevantese reconciliar inconsistências reais ou apa-rentes. Isso deve ser feito para se atingir oque Ausubel chama de “reconciliaçãointegrativa”, uma rede de conceitos inter-ligados e necessários à instrução.

Quanto à “organização sequencial”,atribui-se a ela a função de sequenciar ostópicos, ou unidades de estudo, da manei-ra mais coerente possível (observados osprincípios da diferenciação progressiva eda reconciliação integrativa) com as rela-ções de dependência naturalmente existen-tes na matéria de ensino.

O princípio da “consolidação”, porsua vez, é aquele segundo o qual a insis-tência no domínio do que está sendo estu-dado, antes que novos materiais sejamintroduzidos, assegura contínua pronti-dão na matéria de ensino e alta probabili-dade de êxito na aprendizagem sequen-cialmente organizada. O fato de Ausubelchamar atenção para a consolidação é coe-rente com sua premissa básica de que ofator isolado mais importante influen-ciando a aprendizagem é o conhecimentoexistente na estrutura cognitiva do sujei-to, ou seja, o que ele já sabe. Contudo, épreciso levar em conta que a aprendiza-gem significativa é progressiva.

Em síntese, é indispensável umaanálise prévia daquilo que se vai ensinar.Não é só o que está nos programas, noslivros e em outros materiais educativosdo currículo que é relevante. Além disso,a ordem em que os principais conceitos eideias da matéria de ensino aparecem nosmateriais educativos e nos programasmuitas vezes não é a mais adequada para

Existem diversas e fascinantesformas de contar histórias e derepresentá-las. Essa variedadeocorre por meio da criatividadedos quadrinhistas e, também,

por intermédio demetodologias empregadas para

a elaboração de HQs

Se o professor objetivar queseus alunos sejam os criadores

de suas histórias emquadrinhos, será necessário queo mesmo faça, primeiramente,

exposições acerca dos elementosconstitutivos de tal recurso; paraque só depois proponha alguma

atividade relacionada

33Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017

facilitar a interação com o conhecimentoprévio do aluno. A análise crítica damatéria de ensino deve ser feita pensandono sujeito. De nada adianta o conteúdoter boa organização lógica, cronológica ouepistemológica e não ser psicologicamenteaprendível. É precisamente nesse sentidoque se busca incorporar os princípiosprogramáticos do conteúdo, a partir dateoria da aprendizagem significativa deAusubel, ao enredo da história em qua-drinhos. Sendo assim, apresenta-se edescreve-se a HQ, a seguir.

Na HQ, ciência, pinturas, horrore encantamento: contar-se umaprévia do enredo

No enredo, evidencia-se a história deum professor – interessado em oportuni-zar o intercâmbio entre arte e ciência –que, ao término de uma de suas aulas,dirige-se a uma parada de ônibus, naexpectativa de chegar logo a seu destinofinal. No ônibus, sentado junto a tantosoutros, o professor, imerso em seus pró-prios pensamentos, começa a divagarsobre possibilidades de inserir novas ferra-mentas com potencial didático que pudes-sem lhe auxiliar a atuar de maneira dife-

renciada, a ter uma visão e postura maisplural e inventiva, em sua práxis pedagó-gica.

Porém, seus pensamentos logo são in-terrompidos por uma escuridão inespe-rada. O ônibus está se deslocando por umtúnel sem iluminação aparente (Fig. 1).

Após atravessar o túnel, o professorpercebeu que o ônibus continuava a semover em um espaço inexistente – comoque em uma tela em branco, pronta paraser pintada – e de alguma maneira, dentrodo veículo, não havia mais ninguém,exceto ele próprio e o condutor do ônibus.

O professor, com intuito de compre-ender a situação na qual se encontra,aproxima-se do motorista – o qual seapresenta como sendo uma espécie de guiaturístico (Fig. 2), “destinado a prestar todae qualquer informação” [7]. Entretanto,o guia não fornece nenhum indicativo delugar, talvez pelo fato de o interesse doprofessor, naquele momento, não se de-ter em exatas localizações, mas sim emcomo poderia desenvolver uma práticapedagógica cativante e proporcionadora designificados que envolvesse questõesrelativas a outras esferas do saber. O pro-fessor poderia pensar nas relações entrearte e ciência, por exemplo. Daí surge oargumento para a aparição das obras “Aphilosopher giving that lecture on the orreryin which a lamp is put in place of the Sun” e“An experiment on a bird in the air pump”,no enredo da HQ, ser repentina: expressaum desejo intrínseco ao professor debuscar relações que se estendam para alémdas fronteiras disciplinares. Resulta rele-vante destacar que tal descrição, aliás im-plícita no roteiro, fica a cargo da imagi-nação do leitor. “Se o autor das históriasem quadrinhos quer restringir a narrativaao que ele próprio construiu, o mesmodefine os quadros sem brechas para dú-vidas. Por outro lado, pode deixar lacu-nas para que o leitor faça o fechamentoem seu pensamento” [12, p. 42-43].

De toda forma, e a partir disso, o guiaturístico propõe, de modo incisivo (Fig. 2),o desvendamento das possíveis mensagenssobre ciência que as duas obras do pintorJoseph Wright intentam comunicar.

O guia também procura, através daspinturas, direcionar e estimular o desen-volvimento do espírito crítico do profes-sor a respeito da inexistência de experi-mentos sem pressupostos teóricos e darelevância da coletividade no empreendi-mento científico. Isso ocorre devido aoguia turístico “saber” que o conhecimentodo professor sobre esse assunto pode serinsuficiente.

Assim, o guia turístico explicita aoprofessor que, para uma análise mais con-

Do encantamento ao horror científico

Figura 1: Página 3 da história em quadrinhos “Do encantamento ao horror científico: aspinceladas de Joseph Wright em The orrery e em The air pump”4 .

34 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017

dizente das pinturas e de suas respectivasmensagens sobre ciência, há a necessidadede se estender a atenção, primeira e breve-mente, para a vida de Joseph Wright epara o contexto histórico em que estavacircunscrito.

Pincelando experimentos, consi-derando contextos: a história deJoseph Wright desde o “começo”

No século XVIII – também conhecidocomo o “Século das Luzes”, o “Século daRazão”, a “Era do Iluminismo”, a “Era daIlustração”, o “Século Europeu” ou “OGrande Século” –, a Europa foi palco deprofundas transformações, fruto de umaevolução mental eintelectual cujas basesse encontravam nosséculos precedentes.Verdadeira revoluçãodoutrinária, as novasideias e os novos con-ceitos tiveram reper-cussão desestabilizadora e de longo alcancenos domínios social, político, econômico,religioso, científico e artístico.

Durante esse período – época da Revo-lução Industrial e do Iluminismo na Ingla-terra – Joseph Wright veio ao mundo, emtrês de setembro do ano de 1734 em Derby– uma cidade industrial ao noroeste deLondres –, vindo a falecer em 29 de agostode 1797. Embora tenha passado algunsanos de sua vida na Itália, Wright viveuprincipalmente em Derby. O pintor foi oterceiro filho de um advogado da cidade,conhecido por sua integridade. Desde suainfância mostrou talento para a mecânica

e chegou a produzir, entre outras coisas,uma roda de fiar, uma caixa de surpresase uma pequena arma. Aos 11 anos, mani-festou uma forte inclinação para a arte.Wright copiava as fachadas das casas efazia esboços das sessões do tribunal [13].Desde cedo, ele despertou interesse pelaarte de desenhar retratos [14, p. 184], pin-tando vários destes e muitas cenas clássi-cas. Também exibiu numerosas pinturasem exposições em Londres.

Dentre seus diversos trabalhos encon-tram-se um conjunto de obras com temascientíficos e tecnológicos que Wrightretratou com base em discussões filosó-ficas e experimentais ocorridas no século

XVIII e denominadoCandlelight (À luz develas). O conjunto éconstituído por trêspinturas: 1) Three per-sons viewing the gladi-ator by candlelight(Três pessoas observan-

do o gladiador à luz de velas – 1765); 2) Aphilosopher giving that lecture on the orreryin which a lamp is put in place of the Sun(Um filósofo dando uma aula no planetáriona qual uma lâmpada é posta no lugar doSol – 1766) e 3) An experiment on a bird inthe air pump (Um experimento com um pás-saro na bomba de ar – 1768).

O guia turístico esclarece ao profes-sor que o fascínio de Wright por temasrelacionados a arte, filosofia e ciência podeter se fortalecido por suas relações deamizade com estudiosos e outros pesqui-sadores da época, muitos dos quais faziamparte da elite erudita pertencente ao

“Círculo Lunar” [14. p. 184], posterior-mente denominada “Sociedade Lunar”(1775). “Com sede em Birmingham, seusmembros se reuniam nas segundas-feirasde lua cheia para [aprender e] discutir osrecentes progressos da ciência e da tecno-logia, além de realizar experimentos edemonstrações” [14 p. 185]. Essa socie-dade tentou dissipar noções permanentesda Idade Média, como superstição religiosae intolerância política e social, promulgan-do uma visão de mundo liberal baseadano pensamento racional e defendendouma sociedade aberta e inteligente [15,p. 323]. Ela traduz o espírito do Ilumi-nismo no sentido de que, ao término dasreuniões, seus membros retornavam paracasa, à noite, banhados pela luz – a essên-cia da busca do conhecimento pelo ho-mem.

Dentre os membros dessa sociedade,encontram-se James Watt, criador damáquina a vapor; o químico JosephPriestley [...] e Erasmus Darwin, mé-dico de Joseph Wright e tema de umde seus quadros. Erasmus foi avô deCharles Darwin, autor da obra A ori-gem das espécies (1859) e propositor daTeoria da Evolução baseada no processode seleção natural. [14, p. 185]

Em face disso, o professor, mediantediálogo com o guia turístico, nota “[...]que Wright estava embebido em relaçõesde curiosidade, fascinação e questiona-mentos sobre os avanços científicos daépoca” [16, p. 3] e, igualmente, que “[...]o contexto social [...] foi determinantepara a riqueza de conhecimentos que ele

Do encantamento ao horror científico

Figura 2: Guia turístico apresentando-se ao professor. Painéis presentes na página 5 da HQ.

Eram nas noites de lua cheiaque os membros da Sociedade

Lunar se reuniam paraaprender e discutir sobre osprogressos da ciência e da

tecnologia

35Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017

demonstra na sofisticação de seus temase em sua técnica detalhista e apurada” [17,p. 3].

Sob essa perspectiva, verifica-se queWright – diferentemente de William Blake(1757-1827) em sua obra “Newton”(1795) –, ao elaborar suas telas “A phi-losopher giving that lecture on the orrery”(The orrery – Fig. 3a) e“An experiment on abird in the air pump”(The air pump –Fig. 3b), não retrata ocientista como um serhermético, isolado eincomunicável, presoem uma redoma inex-tinguível. Ao contrá-rio, Wright ilustra reuniões científicasnoturnas que têm como cerne principal ademonstração para uma pequena plateiade certos aspectos do sistema solar –“como eclipses, posição e movimento dosplanetas e luas” [18] –, por meio de umplanetário, e das propriedades do ar.

Na Fig. 3a, nota-se que o planetáriorepresentado por Wright faz alusão a ummodelo mecânico primitivo (orrery) queutiliza uma vela ou lâmpada em seu cen-tro para representar o Sol e vários anéisque mostram o posicionamento e o movi-mento dos planetas conhecidos à época.Na obra, além do filósofo, há sete outraspessoas que analisam atentamente o expe-rimento. Acerca disso, o guia turísticointerpõe salientando que o interesse porexperimentos científicos se encontravaquase sempre circunscrito a um públicooriundo de uma classe social abastada, nasua larga maioria ligada à práticacientífica – nesse caso, amigos ou fami-liares de estudiosos e pesquisadores parti-

cipantes da Sociedade Lunar, que tampou-co era perita quanto ao tratamento dequestões científicas. Acerca disso, Hanson[4, p. 133-135] argumenta que, emborase olhe para o mesmo objeto – o experi-mento –, o que cada indivíduo do grupovê pode ser bem distinto, dadas as variá-veis do contexto em que se insere, pois

sua atenção se detémem aspectos singula-res que, em razão deseus interesses sele-tivos, dominam ocampo visual. Tal fatotorna-se visível quan-do examinadas as ex-pressões faciais daspessoas pintadas por

Wright – ora atordoadas, ora embeveci-das com o que viam e ouviam na supostapalestra. A pintura combina um retratoreceptivo da sensibilidade humana com ofascínio pela ciência que revolucionou oséculo XVIII.

Muitos estudiosos encarregados derepetir experiências a partir de demons-trações públicas, como, por exemplo, oastrônomo escocês James Ferguson(1710-1776), faziam-nas de forma itine-rante. As pinturas The orrery e The air pumpforam inspiradas nessa tradição de confe-rencistas viajantes que popularizaram aciência. O grande referencial teórico, nessaépoca, sem dúvida era Isaac Newton.Acerca disso, [19, p. 175] pondera que:

Assim, como em outras pinturas detendências iluministas, o pensamentonewtoniano é apresentado simbolica-mente. Os padrões de luz nos rostosdos espectadores remetem às fases dalua e dos planetas, e as diferentes atra-ções entre os corpos celestes se refletem

nas diferentes relações humanas – asduas crianças estão fisica e emocional-mente próximas, enquanto os adultosaparecem mais afastados, em um cír-culo dominado pelo instrutor. Essasrepresentações visuais da estreitaligação entre o cosmos governado porleis de Newton, a lei benevolente deDeus e a hierarquia estável da socie-dade georgiana foram complemen-tadas por expressões verbais em poesiae filosofia.

Acredita-se que o procedimento iti-nerante tinha como intuito alcançar omaior número possível de adeptos às ex-plicações científicas, porém há controvér-sias quanto a isso. Se esse fosse o realobjetivo das demonstrações experimen-tais, as mesmas seriam destinadas a todosos públicos, mas não o foram. Nesse caso,as exposições científicas eram conside-radas privadas e, portanto, limitadas apoucos. Por outro lado, poder-se-ia opor-tunizar o momento para arrecadar fundosmonetários – ao tornar as palestras umofício remunerado –, em prol da prolife-ração dos experimentos.

Nesse caso, pode-se dizer que o pintorparece atribuir coletividade ao empreen-dimento científico, transmitindo ao con-templador a mensagem de que a ciênciase caracteriza como uma construçãohumana.

Quanto à tela The air pump (Fig. 3b),o professor percebe que o tema se tornatão provocador quanto fascinante: umabomba de ar ao centro contendo em suacampânula uma cacatua. Supõe-se “[...]que se a cacatua for privada de ar peloacionamento da bomba, a mesma mor-rerá. Assim, toda a história da tela sedesenrola disso” [16, p. 3]. Nessa obra,

Do encantamento ao horror científico

Figura 3: (a) Tela “A philosopher giving that lecture on the orrery, in which a lamp is put in the place of the Sun”5 (1766) de Joseph Wright(1734-1797). Fonte: Derby Museum. (b) Tela “An experiment on a bird in an air pump”6 (1768) de Joseph Wright. Fonte: NationalGallery.

Muitos estudiosos encarregadosde repetir experiências a partir

de demonstrações públicasfaziam-nas de forma itinerante.A pintura The orrery e The airpump foram inspiradas nessa

tradição de conferencistasviajantes

36 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017Do encantamento ao horror científico

Wright retrata Ferguson executando expe-rimentos associados à pressão do ar [14,p. 185].

Ferguson achava que usar animaisvivos ou pássaros em suas demons-trações era “muito chocante”, preferindo,assim, usar uma bola, provavelmentefeita de uma bexiga inflada, ou pulmõesartificiais e, talvez até mesmo, pulmõesde um animal morto. Parece provável,

por outro lado, que Wright quisesseincluir um efeito dramático – para criarum momento de tensão – ao pintar aprovável morte de uma cacatua em umrecipiente de vidro ao se exaurir o ar dedentro dele.

Em meados do século XVIII, a bombade ar não era um instrumento novo(Fig. 4a). O primeiro modelo foi inventadocerca de cem anos antes por Otto vonGuericke (1602-1686) (Fig. 4b) e foidesenvolvido na Inglaterra por RobertBoyle (1627-1691) e Robert Hooke (1635-1703). Sendo um instrumento barato, asbombas de vácuo eram encontradas nosmais diversos locais, caracterizando-se,desta forma, como um símbolo científicoda época.

Nesse contexto, o pintor parece utili-

zar a representação das demonstraçõesexperimentais – como atividades de gran-de tradição na história da ciência – com oobjetivo não somente de promover adivulgação do conhecimento científicodesenvolvido, saciando a curiosidade, mastambém de convencer e persuadir o pú-blico a reconhecer e aceitar o trabalho doestudioso.

Dessa forma, o experimento encenadona pintura da Fig. 3b:

[...] trata da representação do caráterinstrutivo do saber científico, poisevidencia aspectos de um experimentocujo cunho didático é apresentado auma plateia diversificada, em quecrianças, jovens e adultos expressamdiversos valores simbólicos, advindos

Figura 4: (a): Ilustração de uma bomba avácuo pintada na tela The Air Pump deJoseph Wright. (b): Zoom in na mesa datela The air pump; há um par de pequenoshemisférios de Magdeburgo – experimentorealizado por Otto Von Guericke em maiode 1654, diante do imperador FernandoIII (1608-1657) para demonstrar a forçaexercida pela pressão atmosférica ao seexaurir todo o ar de dentro de sua esferaoca de cobre com uma bomba de vácuo.Fonte: National Gallery.

Figura 5: Uma criança e um adulto, situados no lado esquerdo da obra The air pump deJoseph Wright, completamente cativados pelo experimento. Destaque para o relógio debolso na mão do adulto. Painéis presentes na página 12 da HQ.

37Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017 Do encantamento ao horror científico

de uma fruição metafórica, frente àtrama. [20, p. 1337-1338].

Como pondera Hanson [4, p. 129],“observar é fazer uma experiência”. Nocaso da Fig. 3b pode se exemplificar umapossível postura empírico-indutivista doindivíduo que, localizado no lado es-querdo da tela, mantém um relógio emsua mão (Fig. 5) na expectativa decontrolar a situação. Com essa repre-sentação, Joseph Wright parece passar aoapreciador a mensagem de que a ciênciaé um empreendimento não influenciávelpelos contextos social, cultural, político,econômico etc. nos quais ela é construída,algo um tanto controverso se consideradaa presença em suas obras de cenários queremetem à prática científica da sua épocae das influências exercidas sobre ele porsuas amizades com os membros daSociedade Lunar. De acordo com Hanson[4, p. 135], a observação não pode serneutra porque “[...] é dirigida pelo inter-esse do contexto [...] e [...] de nossosinteresses seletivos [...]”. “Isso é o queocorre em todos os casos em que a

observação está em pauta” [4, p. 134-135].

Assim, essa obra prima de Wright,“The air pump”, coloca o contempladordiante da primazia do olhar, do modocomo aquele que vê está alienado na soli-dão (Fig. 6) de sua observação.

Na pintura de Joseph Wright nota-se, representados no canto esquerdo datela, “[...] um casal de jovens, visivelmenteapaixonados, [que] parece não se envolvercom a cena, pois mantêm os sentidos e opensamento longe desse momento detensão. Trata-se de amigos de Wright, quelogo viriam a se casar [...]” [14, p. 186].

Já do outro lado da tela – à direita –,o guia turístico e o professor atribuemdestaque tanto à Lua quanto ao garoto(Fig. 7). Ao luar se confere uma referênciade Wright à Sociedade Lunar e ao garotose concede uma reflexão sobre se deverecolocar (ou não) a gaiola em seu devidolocal, certo de que a cacatua poderá sobre-viver (ou não) ao experimento. Diantedisso, indaga-se: Quem, então, decide pela

vida ou pela morte da cacatua na obra dopintor?

Um suposto indício para o questio-namento da Fig. 7 desenvolve-se por meioda análise do personagem principal; oestudioso que manipula o experimento(Fig. 8). Deste, destacam-se duas açõesenigmáticas:

A primeira é que o mesmo olha parafora da tela e não para os personagensque a compõem e a segunda é sua mãoesquerda segurando uma válvula emcima da campânula tendo os dedos aforma que lembra uma interrogação.Isso abre margem para a interpretação[...] de que o personagem principal datela não está dentro dela. Na verdade,o personagem principal somos nós osobservadores externos que decidiremosse o experimento ocorrerá ou não. Odilema de matar o pássaro, portanto,nos pertence. [16, p. 4]

Assim, verifica-se que “JosephWright – não apenas neste trabalho –escreveu, com maestria, verdadeiros tra-tados epistemológicos que registramnuanças da capacidade do homem em(re)inventar-se a si mesmo a cada tempo”[20, p. 1342].

Alguns reflexos de como se vê a ciênciae a arte hoje (e a função social de cadauma) ainda são reminiscências daqueleperíodo e este pode ser o tema geradorde um processo dialógico com os alu-nos durante a atividade com a tela deJoseph Wright. [17, p. 4]

Os dois trabalhos de Wright discuti-dos aqui são riquíssimos para se debaterquestões em torno da construção doconhecimento. Eles demonstram a in-fluência do movimento científico e tecno-lógico exercida sobre a sociedade do séculoXVIII. Com isso, verifica-se que a ciênciaé um indicador político, social, emo-cional, religioso, cultural, de consciênciacoletiva, mutável, flexível e criativa.Ademais, ao utilizar as telas de JosephWright em sala de aula, por exemplo,pode-se auxiliar na disseminação de umavisão mais adequada e informada dosdilemas científicos e sociais, que extra-polam as fronteiras internacionais [15,p. 323], condizentes com as reflexões filo-sóficas contemporâneas.

Algumas considerações finais

Outras discussões histórico-filosó-ficas acerca das telas The orrery e The airpump de Joseph Wright, além da que en-volve o papel dos experimentos no em-preendimento científico, podem ser con-sideradas para fins didático-pedagógicos

Figura 6: As expressões faciais e corporais dos personagens diante da demonstração doexperimento na pintura The air pump de Joseph Wright. Painéis presentes na página 13da HQ.

38 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017Do encantamento ao horror científico

por professores, como por exemplo a visãoaproblemática e ahistórica da ciência, emque se transmitem “[...] os conhecimentosjá elaborados, sem mostrar os problemasque lhe deram origem, qual foi a sua evo-lução, as dificuldades encontradas etc., e[...] as limitações [e perspectivas] do co-nhecimento científico atual [...]” [21,p. 131]. Isto, ao se considerar a necessi-dade de um maior aprofundamento acercado contexto histórico e da vida de algunsestudiosos relacionados à produção dovazio e, até mesmo, de alguns membrosda Sociedade Lunar, extremamente vin-culados a Wright.

Optou-se por discutir tal aspecto danatureza da ciência em pinturas de mesmocontexto problematizador, com a intençãode que, particularmente, bacharelandos elicenciandos em física pudessem aperfei-çoar suas representações a respeito de con-ceitos envoltos na construção do conheci-mento científico [22], a partir da relaçãoentre arte e ciência.

Por certo, a história da HQ, na qualhá um ônibus, dirigido por um guia tu-rístico, que transporta um professor uni-versitário para outra dimensão é mera-mente fictícia, desvinculada da “reali-dade”. Entretanto, o conteúdo teórico da

Figura 7: Painéis presentes na página 14 da HQ.

HQ, que dá margem a toda a discussãodo enredo, é “real” e de interesse para pro-mover discussões na perspectiva dos obje-tivos do presente artigo.

Há incontáveis atividades relativas àstelas de Joseph Wright que podem serpensadas em disciplinas que envolvamsociologia, história, filosofia, literatura,artes, física, química e biologia. Éinegável, porém, que a concretude deatividades, ferramentas ou materiaisdidáticos, como a história em quadrinhosdesenvolvida e apresentada aqui, de-manda tempo de estudo por parte do pro-fessor. Contudo, elas podem potencializaro ensino dessas disciplinas, trazendo apossibilidade de pensar a ciência e suascaracterísticas a partir de novas perspec-tivas. Ademais, isso estaria em con-sonância com os argumentos propostospor Feyerabend [23] ao empreendimentocientífico, mas redirecionados aqui àprática pedagógica, devido ela se apre-sentar sob as mais variadas facetas, emvirtude da complexidade e não somentedas variáveis envolvidas em uma sala deaula.

Diante disso, surge a necessidade deinovar as práticas, buscando novas meto-dologias e estratégias para que o aluno defísica, bem como os de outros campos,possa interagir com outras áreas do sa-ber de forma a se apropriar de um apren-dizado mais amplo e interdisciplinar.

Figura 8: O estudioso, personagem prin-cipal da trama retratada por JosephWright em sua obra The air pump. Fonte:National Gallery.

39Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017

Referências

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Notas1O módulo de ensino comporta uma HQ – constituída em duas partes (“As pinceladas anti-newtonianas de William Blake” [parte 1] e “Do

encantamento ao horror científico: as pinceladas de Joseph Wright em The orrery e em The air pump” [parte 2]) e textos a ela relacionados (“Aspinceladas anti-newtonianas de William Blake” [texto 1] e “Do encantamento ao horror científico: as pinceladas de Joseph Wright em Theorrery e em The air pump” [texto 2]), os quais fornecem informações fundamentadas e argumentadas aos alunos sobre a construção e odesenrolar da história.

2Primeira história independente desenvolvida que acabou dando origem ao nome da série que engloba diversas histórias em quadrinhos. Disponívelem http://pt.calameo.com/read/0046485865d52fadcabcd, acesso em 15 Ago. 2017.

3As Pinceladas Anti-Newtonianas de William Blake – uma das histórias em quadrinhos presente em Imaginarium. Disponível em https://pt.calameo.com/read/00464858667c504b19258, acesso em 15 Ago. 2017.

4A história em quadrinhos “Do encantamento ao horror científico: as pinceladas de Joseph Wright em The orrery e em The air pump” completa podeser visualizada em: https://pt.calameo.com/read/0046485864c82a0b38360. Acesso em: 15 Ago. 2017.

5Pintura disponível em http://www.derbymuseums.org/joseph-wright-gallery/, acesso em 15 Ago. 2017.6Imagem disponível em https://www.nationalgallery.org.uk/paintings/joseph-wright-of-derby-an-experiment-on-a-bird-in-the-air-pump, acesso

em 15 Ago. 2017.

Do encantamento ao horror científico

40 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017A física premiada: Márcia Barbosa, a água e a sala de aula

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Introdução

Oensino de ciências, correntemente,apresenta concepções sobre oempreendimento científico que,

conforme aponta a literatura [1-4], sãolimitadas e equivocadas à luz da modernafilosofia da ciência. Apesar de diversaspesquisas atestarem isso, ressalta-se quealgumas delas, como as de Moura [5] eMartins [6], discordam que haja umavisão de ciência correta a ser discutida erefletida no âmbito da educação científica.O certo é que, implícita ou explicitamente,seja por meio dos professores ou dosmateriais didáticos, há no ensino de ciên-cias certa concepção filosófica que orienta,nesse contexto, a maneira de entender aciência.

A ideia de que a ciência é individualistae elitista é uma das visões mais presentesno ensino. Nessa perspectiva, os estudio-sos são vistos como gênios isolados eignora-se o papel coletivo no desenvolvi-mento científico. Consequentemente, essaconcepção restringe o trabalho científico,que acaba se destinando a minorias espe-cialmente dotadas – o que causa impactonegativo na maioria dos alunos que nãose enxergam como membros desse grupoprivilegiado. Segundo Fernández [2], aciência é entendida como uma atividadeessencialmente mas-culina.

Com efeito, di-versas ações têm sidofeitas para destacar opapel das mulheresna ciência. Pode-seressaltar, entre elas, o programa interna-cional UNESCO For Women in Science,patrocinado por uma multinacional. Acada ano, cinco cientistas são premiadas(uma para cada região do mundo). Desdeo início do programa supracitado, cincobrasileiras foram laureadas com o prêmio:Mayana Zatz (Genética - USP), em 2001;

Lucia Previato (Microbiologia - UFRJ), em2004; Belita Koiller (Física - UFRJ), em2005; Beatriz Barbuy (Astrofísica - USP),em 2009; Marcia Barbosa (Física -UFRGS), em 2013 e Thaisa StorchiBergmann (Astrofísica – UFRGS), em2015.

Neste trabalho, evidencia-se tanto atrajetória acadêmica quanto os estudosfísicos relativos à água da física premiadaMárcia Barbosa. Além do já citado prêmio,a cientista também foi agraciada com aMedalha Nicholson (2009), o prêmioCláudia (2013) e o prêmio Anísio Teixeira(2016), entre outros. Para que se possacompreender o impacto das pesquisas deMárcia, faz-se necessário contextualizaralgumas características da água que po-dem ser consideradas anômalas, relacio-nando-as com alguns conceitos físicoscomo o de calor específico, compressi-bilidade e difusão. Essa abordagem parecerelevante, pois normalmente tais temasde física contemporânea não estão presen-tes em livros-texto e, por consequência,em grande parte das aulas de física. Alémdisso, o presente artigo disponibiliza aoprofessor de física uma discussão acercadas aplicações práticas do desenvolvimen-to da física contemporânea ligada às ano-malias da água, como sua dessalinização.

O viés de usar mulheres de sucessopara que meninas sesintam parte do em-preendimento cientí-fico é sugerido porestudos recentes. Me-nezes [7], por exem-plo, baseia-se no estu-

do de uma multinacional que apontouque há cinco causas que podem ajudar asmeninas a se aproximarem da ciência:exemplos de mulheres cientistas de suces-so, incentivo de professores e pais, expe-riências práticas, aplicação na vida real econfiança na igualdade intelectual. A pro-posta didática sugerida no presente

Sarita de Cassia Hugen BrunelliInstituto Federal de Educação, Ciênciae Tecnologia de Santa Catarina,Araranguá, SC, BrasilE-mail: [email protected]

Felipe DamasioInstituto Federal de Educação, Ciênciae Tecnologia de Santa Catarina,Araranguá, SC, BrasilE-mail: [email protected]

Anabel Cardoso RaicikPrograma de Pós-Graduação emEducação Científica e Tecnológica,Universidade Federal de SantaCatarina, Florianópolis, SC, BrasilE-mail: [email protected]

Normalmente, como aponta a literatura, aciência é vista como um campo de conhecimentodesenvolvido por pessoas de um tipo específico;gênios, brancos, homens. Contudo, diversasiniciativas vêm sendo elaboradas para mudaresse panorama, como um programa daUNESCO, patrocinado por uma multinacional,com o intuito de valorizar as cientistas mulheres.Nesse sentido, este artigo visa contextualizar avida acadêmica da física Márcia Barbosa,discutindo, brevemente e sem recursos matemá-ticos, seus estudos acerca das anomalias da águaque a levou a ser premiada internacionalmente.Essa discussão se mostra relevante, pois abordatemas de física contemporânea e suas aplicaçõespráticas, como na dessalinização da água, queestão normalmente ausentes dos livros textos.Além disso, propõe e apresenta (em anexo) umaUnidade de Ensino Potencialmente Significativapara professores de física, a fim de que possamlevar discussões de e sobre a ciência para a salade aula. Para que a UEPS seja implementada noensino, disponibiliza-se em um sítio Web especí-fico todo o material necessário para o professorinteressado.

Neste trabalho, evidencia-setanto a trajetória acadêmica

quanto os estudos físicosrelativos à água da físicapremiada Márcia Barbosa

41Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017 A física premiada: Márcia Barbosa, a água e a sala de aula

trabalho pode contemplar pelo menosquatro destes itens.

Com o intuito de romper com a visãoestereotipada de que a ciência é concebidapor homens e visando discutir alguns con-ceitos físicos que envolvem anomalias daágua, este artigo ainda propõe uma Uni-dade de Ensino Potencialmente Significa-tiva (UEPS) que discute a ciência contem-porânea produzida por Márcia e seu grupode pesquisa. Desenvolvida pensando noensino de ciências, a UEPS traz discussõese reflexões sobre a ciência à luz da moder-na filosofia da ciência. Os objetivos daproposta são alcançar as duas condiçõesque Ausubel [8] preconiza em sua Teoriada Aprendizagem Significativa a fim dese superar a aprendizagem mecânica: pre-disposição em aprender e material poten-cialmente significativo.

A física premiada:Márcia Barbosa

Márcia Cristina Bernardes Barbosanasceu em 1960, no Rio de Janeiro. Fre-quentou o Ensino Médio em Canoas/RS,no Colégio Marechal Rondon. Em 1978iniciou a graduação em física na Univer-sidade Federal do Rio Grande do Sul(UFRGS), tendo concluído em 1981. Nessemesmo ano, iniciou o mestrado, tambémna UFRGS, no qual estudou o modelo dePotts, concluído em 1984, ano que iniciouo doutorado na mesma instituição, con-tinuando seu estudo acerca do modelo dePotts, obtendo o grau de doutora em Ciên-cias em 1988. Márcia possui três pós-doutorados; na UFRGS, na Universidadede Maryland e na Universidade de Boston(EUA). É professora na UFRGS desde 1991,passando à categoria de titular em 2012.

Durante sua carreira, Márcia tem sededicado a estudar as anomalias da água.Sua pesquisa envolve tanto questões teó-ricas quanto práticas, estas últimas rela-cionadas às aplicações em áreas como amedicina. Seu trabalho permite entendermuitas características da água que atornam diferente de outros líquidos eexplicar, por exemplo, como as biomo-léculas (como o DNA) interagem com aágua dentro do corpo humano. Alémdisso, desde 1998 Márcia também se dedi-ca à questão de gênero na física, sendogrande incentivadora de maior participa-ção das mulheres na ciência. Por essa ativi-dade, ela foi reconhecida com a MedalhaNicholson, ofertada pela American Physi-cal Society.

A física premiada: a água e suasanomalias

A purificação da água do mar em lar-ga escala parece ser um sonho atingível.

Conforme destaca Márcia, a pesquisa queela e o grupo de que faz parte vem desen-volvendo com nanotubos pode, em umfuturo não muito distante, tornar issopossível. Eles se destacaram, recentemen-te, por terem descoberto uma particula-ridade da molécula da água no que serefere a sua anomalia de difusão. Por meiode um modelo computacional, identifica-ram que, diferindo do comportamento dediversos outros líquidos quando confina-dos, as partículas daágua movem-se maisrapidamente quandomais de suas molé-culas estão presentes[9].

Cabe evidenciar,para se compreendercom maior proprie-dade a relevância das pesquisas de Márciae seu grupo, características primordiaisda água. Por certo, ela é abundante emnosso planeta, cerca de 2/3 da superfícieterrestre é coberta por água, além de ocorpo humano ser formado por 70% desselíquido. Apesar disso, estimativas da ONUpreveem que metade das pessoas irá sofrercom a escassez do líquido em 2025 [10].Logo, uma questão que parece urgenteenvolve maneiras viáveis de produzir águapotável [9]. Esse quadro se coloca porque,apesar de abundante, 98% da água ésalgada. Dos cerca de 2% de água doce, só0,6% está na fase líquida e, desse percen-tual, ainda boa parte está submersa [10].

A água é formada por uma moléculacom três átomos (Fig. 1): dois hidrogênios(número atômico 1) e um oxigênio (nú-mero atômico 8). Como o oxigênio temseis elétrons na camada de valência sãonecessários dois para completá-la; o hi-drogênio tem somente um elétron, logo épreciso dois hidrogênios para completara banda de valência. O compartilhamentodos elétrons na molécula de água é porligação covalente, portanto ela possuiduas ligações covalentes.

As ligações covalentes da água têm aparticularidade de não se posicionarem

linearmente como na maioria dos mate-riais; elas formam um ângulo de 104º.Esse ângulo, junto com a eletronegativi-dade do oxigênio (atrai mais os elétronscompartilhados por ter mais prótons), fazcom que a água seja uma molécula pola-rizada, tornando-se um dipolo que atraioutras moléculas de água por meio do queé chamado de ligação de hidrogênio. Cadamolécula pode fazer quatro ligações de hi-drogênio, formando assim uma estrutu-

ra tetraédrica [11] co-mo mostra a Fig. 2.

Apesar de ser umamolécula simples, aágua pode ser conside-rada um fluido com-plexo. A sua obscuri-dade não envolve,necessariamente, o

sentido de “algo complicado”. Questõescomplicadas podem ser resolvidas porsupercomputadores, por exemplo, por seconhecerem suas variáveis. Complexossão os problemas que apresentam váriasescalas, vários grupos, como os queenvolvem a água. Dados recentes [12]evidenciam que a água apresenta pelomenos 72 características consideradasanômalas.

As ligações de hidrogênio, a polari-zação e a formação de agregados transi-tórios podem ser algumas das razões quefazem da água uma substância complexa.Fenômenos relacionados ao seu calor espe-cífico, sua compressibilidade e sua difusãosão algumas das anomalias mais proemi-nentes.

Calor específico

O calor específico pode ser definidocomo “a quantidade de calor requerida pa-ra alterar a temperatura de uma unidadede massa da substância em 1 grau” [13,p. 272]. Cada substância possui um valor

Figura 1: Molécula de água. Figura 2: Estrutura tetraédrica da água.

Márcia tem se dedicado aestudar as anomalias da água.

Sua pesquisa envolve tantoquestões teóricas quanto

práticas, estas últimasrelacionadas às aplicações em

áreas como a medicina

42 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017A física premiada: Márcia Barbosa, a água e a sala de aula

próprio de calor específico, justamente porpossuírem diferentes capacidades dearmazenamento de energia interna – ma-teriais distintos absorvem energia de ma-neira dissemelhante. A água, por exemplo,absorve, para uma mesma variação detemperatura, muito mais calor que o fer-ro, ou seja, o calor específico da água émaior que o do ferro. “Podemos pensarno calor específico como sendo uma espé-cie de ‘inércia térmica’” [13, p. 272].

A água, no entanto, apresenta umacaracterística anômala (Fig. 3). Normal-mente, o valor do calor específico de ummaterial diminui com a redução da tem-peratura. O comportamento do calorespecífico da água é singular. A água écapaz de absorver grandes quantidades decalor, variando pouco sua temperatura.Por certo, ele diminui para algumas faixasde temperatura. Conquanto, para tempe-raturas abaixo de 4 °C, o calor específicoda água apresenta um crescimento ele-vado [11].

Compressibilidade e coeficientede expansão térmica

A compressibilidade pode ser enten-dida como a medida da variação do vol-ume de uma substância em relação a umavariação na pressão, mantendo-se a tem-peratura constante. Os sólidos possuemcompressibilidade muito pequena [10],enquanto os líquidos apresentam, nor-malmente, compressibilidade linear coma variação de pressão. Com efeito, quandoo volume aumenta a pressão diminui, evice-versa.

Não obstante, a água comporta-se demodo diferente. Existe uma região onde acompressibilidade diminui com o aumen-to da temperatura, apresentando um pon-to de mínimo, mas depois o valor passa aser positivo. Além disto, a compressibi-lidade da água é extremamente pequena,mas não chega a ser como a de um sólido(Fig. 4).

Outro comportamento estranho daágua está associado a seu coeficiente deexpansão térmica [11], que pode serentendido como a medida da variação dovolume com a temperatura. Na maiorparte dos líquidos, esse valor é pratica-mente constante. Na água, todavia, elediminui e chega ao ponto de ficar negativo– o que implica uma variação negativa devolume para um aumento de tempera-tura.

Por consequência, a água tambémapresenta uma anomalia em sua densi-dade. Ela apresenta um máximo de densi-dade em torno de 4 °C. Para temperaturasmaiores do que essa, a água tem o valorde sua densidade se comportando como

um líquido normal,isto é, a densidade au-menta com a diminui-ção da temperatura.Não obstante, paratemperaturas inferio-res, o comportamentoé diferente e diminuicom a temperatura [9](Fig. 5). Um exemplodas implicações destavariação peculiar dadensidade da água é quena fase sólida (gelo) elatem densidade menordo que na fase líquida– ao contrário de outrassubstâncias. Isso explica por que o geloboia na água líquida. Segundo MárciaBarbosa, esse comportamento da água,além de estranho, “é um mistério muitointeressante” [11].

Difusão

Sem grande rigor, pode-se definir adifusão como a capacidade das moléculasde se movimentarem em um determinadoespaço – ou, como na analogia de Márcia,a capacidade das pessoas de andar [14].

De modo geral, espera-se que ao diminuira densidade de um material, diminuindoa sua pressão, a difusão ocorra mais facil-mente. A mobilidade é, normalmente,proporcional ao espaço disponível.

A água, contudo, apresenta nova-mente um comportamento atípico. Embaixas temperaturas seu coeficiente dedifusão aumenta com a densidade (Fig. 6).Outro dado interessante que se pode perce-ber ao comparar as Figs. 5 e 6 é que aanomalia da difusão da água ocorre prati-camente na mesma região que a de densi-dade.

A explicação para a difusão anômalada água baseia-se no movimento dasmoléculas, que procuram preservar asquatro ligações de hidrogênio. Essas liga-ções só se formam se as moléculas esti-verem próximas; as partículas movem-se rompendo e formando ligações; logo,isso ocorre com mais facilidade em aglo-merados mais densos [9]. Cabe ressaltarque todas as considerações acima supra-citadas já eram bem conhecidas por meioda física experimental antes do trabalho

Figura 3: Variação do calor específico da água com a temperatura [11].

Figura 4: A variação da compressibilidadeda água com a temperatura [9].

Figura 5: Variação da densidade da água com a tempera-tura [11].

43Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017 A física premiada: Márcia Barbosa, a água e a sala de aula

de Márcia e seu grupo na UFRGS.O que levou Márcia Barbosa a ser

agraciada com um prêmio do programainternacional UNESCO For Women in Sci-ence foi a pesquisa com simulações com-putacionais envolvendo a difusão da água.Por meio de modelos, ela e seu grupoconseguiram identificar e explicar fenô-menos que por meio da física experimen-tal não eram identificados nem explicados.As simulações evidenciaram que durantea difusão as moléculas de água ‘dança-vam’ ao se transladar para manter as liga-ções de hidrogênio enquanto se mexiam.A título de curiosidade, esse movimentofoi chamado jocosamente, por alguns aca-dêmicos da UFRGS, de “dancinha daMárcia” [10].

Identificou-se que o valor mínimo dadifusão coincide com o máximo tempo derotação das moléculas de água. Além dis-so, foi possível perceber que na região emque as moléculas de água se difundiamao máximo, elas tinham cinco ou seis vizi-nhos, em vez de quatro como representa-do na Fig. 2. Essas moléculas ‘extras’tornam mais fácil a água se mover, pois,como se constatou, a molécula extra faci-lita que uma molécula de água se desloquede uma ligação de hidrogênio para outra.Márcia denominou espirituosamente essacapacidade de “efeito Ricardão” [10]. Efeti-vamente, é pela percepção desse efeito queMárcia foi laureada com o prêmio ofere-cido pela UNESCO.

Desdobramentos dos atuaisestudos sobre a água: asuperdifusão e a dessalinização

Atualmente, a dessalinização da águado mar parece ser um campo bastantepromissor no que diz respeito à aplicaçãodas pesquisas teóricas acerca da água. Osprocessos existentes têm custo energético

alto ou são, ainda, poucoeficientes. Como a tecnologiaempregada neles está muitopróxima do limite, dificilmenteficarão mais baratos que doque estão no presente.

Um mecanismo naturalque é capaz se separar o sal daágua é o corpo humano. Comocoloca Márcia Barbosa [10], orim é uma supermáquina quefaz essa separação. Para esseprocesso, o órgão utiliza umaproteína conhecida comoAquaporina. Esse sistema, peloqual a água passa por canaisde cerca de 1 nm, é trinta vezesmais eficiente do que os me-lhores processos de dessalini-zação por filtros artificiais.

Nesse sentido, outro campo de pes-quisa que parece promissor visa entendere reproduzir o sistema utilizado pelo rimpor meio da Aquaporina. Recentemente,percebeu-se que quando a água estáconfinada em tubos de carbono muitopequenos, com diâmetros menores que 2nm, ela flui com velocidade até mil vezesmaior que o previsto pela termodinâmica[9]. A Fig. 7 reproduz um gráfico publi-cado pelo grupo deMárcia Barbosa quemostra o aumento dofluxo da água se com-parado com um siste-ma não nanométrico.

Apesar de esse fe-nômeno ainda nãoestar completamente explicado, pode-sevislumbrar aplicações práticas de seuestudo. O sal não entra com facilidade emsuperfícies confinantes, pois precisa en-frentar uma descontinuidade dielétrica aotentar entrar nos tubos. Logo, propôs-serecentemente que o alto fluxo da água e arepulsão do sal nos nanotubos podem se

configurar como uma estratégia interes-sante para dessalinizar a água do mar.Ressalta-se que, embora seja ainda umaproposta, já existem protótipos desse tipode filtro [9].

A física premiada em sala deaula: UEPS para um ensino de esobre física/ciência

As Unidades de Ensino PotencialmenteSignificativas (UEPS) foram propostas porMoreira [17] como sequências didáticasfundamentadas, sobretudo, na Teoria daAprendizagem Significativa de Ausubel.Uma motivação para a sugestão das UEPSfoi que, segundo seu proponente, nem asteorias de aprendizagem nem tampoucoos resultados da pesquisa básica em edu-cação chegam à sala de aula.

Conforme Moreira, as UEPS podemser construídas a partir de alguns aspectossequenciais, como os apresentados abaixo.À luz desses aspectos é que se desenvolveua UEPS “Para ensinar física moderna cons-truída com a ajuda da física brasileira pre-miada internacionalmente Márcia Barbo-sa”, anexa a este artigo. Essa UEPS éconstituída de slides, atividades experi-mentais, vídeos e textos que subsidiam asdiscussões. Cada uma de suas etapas foi

desenvolvida levan-do-se em considera-ção aspectos relevan-tes para que a apren-dizagem aconteça demaneira significativa;o aluno deve exter-nalizar, inicialmente,

seu conhecimento prévio; as primeirassituações-problema a serem discutidas erefletidas devem ser mais introdutórias, ea diferenciação progressiva precisa ser le-vada em consideração.

Nesse sentido, discutem-se a seguiralgumas perspectivas teóricas abordadaspor Moreira, trazendo à tona os aspectos

Figura 6: Coeficiente de difusão da água em funçãoda densidade para diferentes temperaturas [15].

Propôs-se recentemente que oalto fluxo da água e a repulsãodo sal nos nanotubos podem seconfigurar como uma estratégiainteressante para dessalinizar

a água do mar

Figura 7: Superfluxo da água em função do raio do nanotubo [16].

44 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017A física premiada: Márcia Barbosa, a água e a sala de aula

sequenciais por ele sugeridos e pontosgerais da UEPS supracitada anteriormen-te. Ressalta-se que todos os materiaisnecessários para os professores colocarema proposta em prática, o que inclui desdea UEPS até as apresentações de slides, estãodisponíveis no sítio Física Premiada.

Definição do tópico específico aser abordado

De acordo com a concepção de desen-volvimento de UEPS, inicialmente pode-se definir o tópico específico que se pre-tende trabalhar em sala de aula. Isto posto,a proposta didática que perpassa a abor-dagem aqui descrita é fundamentada emdois pilares: uma educação sobre e deciência. Para se alcançar isso, pretende-sedesconstruir visões de ciência desalinhadascom a moderna filosofia da ciência, pro-curando trazer reflexões sobre ciência queexplicitam, em certa medida, convergên-cias filosóficas como as que reconhecemque não há um método científico único,universal e infalível; que a ciência não élinear e acumulativa; que possui umapluralidade metodológica, e que é pratica-da por indivíduos das origens mais diver-sas [1, 2, 17]. Para além disso, busca-sedesenvolver uma abordagem concomitan-te de conceitos de física contemporânea,no que se refere às anomalias da água eaos processos de dessalinização da águado mar, quase sempre ausentes da educa-ção científica.

Criação de situações iniciais paraos alunos externarem seusconhecimentos prévios

Para iniciar as atividades, mostra-semuito útil desenvolver estratégias quepermitam aos alunos externalizar, semreceio, seus conhecimentos prévios de esobre a ciência que se irá discutir. Para isso,a UEPS (anexo) propõe, por meio deroteiros de experiências, o levantamentode questões de e sobre a ciência que per-meiam o desenvolvimento dos estudosfísicos que levou Márcia Barbosa a serpremiada. Após isto, sugere-se a cons-trução de um quadro com os estudantesque resuma o que foi destacado por elesao responderem os questionamentos feitosapós a realização dos experimentos e,dessa forma, socializar os conhecimentosprévios dos alunos. Ressalta-se que nãose almejam respostas ‘certas’ e únicas,mas o diálogo e a socialização de reflexõesem sala de aula.

Proposição de situações-problema

Esse aspecto sequencial de uma UEPSprocura, em um nível introdutório,

levantar questões que preparam o am-biente para a introdução do conhecimentoque será discutido. Tais perguntas devemlevar em conta o conhecimento prévio dosalunos. Logo, cada professor pode fazeradaptações em sua prática. No entanto,algumas características devem ser levadasem consideração na hora de elaborar asquestões: devem envolver o tópico empauta e os alunos devem entendê-los co-mo problemas possíveis de modelar men-talmente com os conhecimentos préviosmanifestados anteriormente. Para as si-tuações-problema pode-se utilizar tam-bém simulações, vídeos e demonstraçõesexperimentais, entre outros. Na UEPS des-ta proposta são descritas algumas situa-ções-problema que se baseiam nas con-cepções alternativas apontadas pela litera-tura sobre o tema. No entanto, cabe a res-salva de que cada professor que irá utilizá-las pode, e deve, fazer adaptações, depen-dendo das características específicas de suaturma.

Apresentação do conhecimento aser abordado

Uma vez discutidas as situações-pro-blema, o próximo aspecto sequencial éapresentar o conteúdo a ser abordado. Talapresentação deve levar em consideraçãoos princípios da teoria de Ausubel, a sa-ber: diferenciação progressiva, reconcilia-ção integrativa, consolidação e organiza-ção sequencial. Para aproposta aqui desen-volvida, produziram-se slides (disponibili-zados no sítio supra-citado). Nele, frisa-se,também está dispo-nível todo o materialde apoio necessário para o professor ealuno terem elementos para interagir como material instrucional de maneira maisprofícua.

Abordagem do conhecimento emum nível mais alto decomplexidade

Uma vez tendo discutido de maneiraintrodutória o conteúdo foco da unidade,esse momento propicia o levantamento dealgum aspecto específico do conteúdo queestá sendo apresentado. Nesta proposta deUEPS parece bastante natural que o apro-fundamento esteja relacionado à físicacontemporânea estudada por MárciaBarbosa e seu grupo, isto é, o superfluxoda água, e a como tal estudo pode contri-buir para permitir um processo de dessa-linização da água mais viável. Além disso,essa abordagem pode colaborar para umaconscientização de que os recursos natu-

rais de nosso planeta são limitados e seuuso com parcimônia deve ser uma respon-sabilidade de todos.

Retomada das característicasmais relevantes

Em continuidade à discussão em umnível de complexidade maior, o próximoaspecto sequencial sugere (por meio detextos de apoio e apresentação de slides)que se retomem os aspectos mais geraisdas questões abordadas até então, permi-tindo enxergar o conteúdo todo comouma unidade de ensino. Nesse sentido, naUEPS foco deste artigo, optou-se por dis-cutir o congelamento dos rios e lagos eainda contextualizar como a densidadeanômala da água permite a vida marinha.

Avaliação da aprendizagem naUEPS

As avaliações devem evitar seremapenas verificadoras e ao final da instru-ção. Uma sugestão é realizá-las ao longoda UEPS por meio de diversas atividades.As avaliações podem ser somativas e,como exemplo, o professor pode construirtabelas para acompanhar cada evidênciade aprendizagem significativa durante arealização das atividades. Moreira sinaliza,no entanto, a importância de uma ava-liação somativa individual. Nesse caso, elapode trazer “questões/situações queimpliquem compreensão, que evidenciem

captação de signifi-cados e, idealmente,alguma capacidade detransferência” [18, p.46]. A avaliação suge-rida envolve aspectosde e sobre a ciência,procurando identi-

ficar evolução conceitual nessas áreas.

Avaliação da UEPS

Uma UEPS somente será exitosa seao final de sua aplicação houver indíciosde aprendizagem significativa. Lembrandoque, segundo Moreira: “aprendizagemsignificativa é progressiva, o domínio deum campo conceitual é progressivo; porisso a ênfase em evidências, não em com-portamentos finais” [18, p. 46]. Caso nãohaja tais indícios de aprendizagemsignificativa, cabe ao professor reavaliara atividade e modificá-la para atividadesfuturas. Nessa UEPS sugeriu-se que, emgrande grupo, os alunos avaliem as estra-tégias de ensino empregadas e seu próprioaprendizado.

Considerações finais

A importância do reconhecimento demulheres cientistas tem impacto, ainda

As avaliações devem evitarserem apenas verificadoras e

ao final da instrução. Umasugestão é realizá-las ao longoda UEPS por meio de diversas

atividades

45Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017 A física premiada: Márcia Barbosa, a água e a sala de aula

Anexo

UEPS: Para Ensinar Física Moderna Construída com a Ajuda da Física Brasileira Premiada Internacionalmente Márcia Barbosa

Objetivo: apresentar a carreira de Márcia Barbosa e os estudos físicos que a levaram a ser premiada internacionalmente, alémde vislumbrar possíveis desdobramentos do trabalho dela e de seu grupo de pesquisa.

1. Situação inicial: sugere-se aos alunos que desenvolvam dois experimentos propostos no Roteiro de experiências, entreguea cada um deles: “Termômetro de água” e “Flutua ou afunda”. Ressalta-se, nesse momento, que o objetivo dessa atividade experi-mental é a de levantar concepções a respeito dos temas, não estando os alunos sendo avaliados pelas respostas, e sim pela participaçãonas atividades. Após eles realizarem os experimentos, levantam-se questionamentos referentes ao primeiro experimento: (i) O queacontece com o volume de uma substância quando a temperatura dela aumenta? (ii) O que acontece com o volume de umasubstância quando a temperatura dela diminui? (iii) Todas as substâncias se comportam da maneira como foi descrito nas duasprimeiras perguntas ou existem exceções? Se sim, quais são elas? Para o segundo experimento: (i) Se a massa é a mesma, por queo comportamento é diferente? (ii) Se sólidos são mais densos (normalmente) que os líquidos, porque o gelo flutua? Essas questõespodem ser respondidas em grupo e, depois de um tempo destinado às discussões sobre elas, o professor pode construir um quadrocom o resumo das respostas dadas, procurando com isso fomentar a reflexão: além das respostas sintetizadas, existe algo mais a seracrescentado?

2. Situações-problema: visando levantar as concepções prévias dos alunos, realizam-se duas atividades. A primeira delasconsiste em apresentar aos estudantes o vídeo “STAR STUFF – poeira das estrelas”, disponível em https://youtu.be/VwxtgSn3ll0.Em seguida, explicita-se que o vídeo é uma pequena biografia de um dos mais famosos cientistas da segunda metade do século XX,Carl Sagan. Após isso, sugere-se que os alunos respondam, individualmente, às seguintes questões: (i) Por quem a ciência é produzida?(ii) O que é necessário para ser um bom cientista? (iii) Brasileiros são bons cientistas? (iv) Você saberia citar algum cientista homemfamoso? E uma mulher cientista? E um(a) cientista brasileiro(a)? (v) Alguém nesta sala poderia ser um(a) bom(boa) cientista? Porquê? Posteriormente, o professor mediará uma discussão em grande grupo procurando escrever no quadro as possíveis conclusõesda turma. A segunda atividade desse segmento da unidade consiste em apresentar e disponibilizar a letra da música “Planeta Água”de Guilherme Arantes aos alunos e propor que, individualmente, eles respondam às seguintes questões: (i) A água é muito abundanteno nosso planeta, compondo ¾ da Terra. Nesse sentido, será mesmo que corremos o risco de passar por um racionamento nospróximos anos? (ii) Grande parte das pessoas sabem que a molécula de água é H2O; será que a física/química da água é complicadaou relativamente simples? (iii) Você já ouviu falar de algum cientista brasileiro famoso por estudar e explicar muitas coisas sobre aágua? Novamente, após os alunos responderem e refletirem sobre as perguntas levantadas, o professor deverá mediar uma discussão,procurando escrever no quadro as possíveis conclusões da turma.

3. Revisão: iniciar uma aula de revisão utilizando a Apresentação de slides 1. As questões ali colocadas são: (i) Tudo queouvimos falar sobre a “ciência” é feito com a mesma metodologia? (Existe um jeito certo de fazer ciência? Existe uma forma únicade fazer ciência? Existe apenas um perfil de cientista?) (ii) Brasileiros são bons de ciência? Existem brasileiros famosos no mundo daciência? E as mulheres brasileiras? Após apresentar como um exemplo de cientista mulher brasileira a física Márcia Barbosa,levantar a seguinte questão: (ii) o que levou Márcia Barbosa a ser premiada e reconhecida internacionalmente?

4. Nova situação-problema, em um nível alto de complexidade: por meio da Apresentação de slides 2, busca-seproblematizar a escassez de água potável que atingirá metade dos habitantes do planeta em poucos anos. Nesse sentido, suscitam-se as seguintes questões: (i) Por que a escassez de água preocupa a humanidade, ou parte dela ao menos, sendo que ela é tãoabundante? (ii) É possível produzir água potável a partir da água do mar atualmente? Caso afirmativo, de que modo isso é feito?(iii) Como o grupo liderado por Márcia está contribuindo para ajudar a resolver a questão da dessalinização da água?

5. Avaliação somativa individual: as avaliações deverão acontecer por meio de questões abertas que exijam o máximo detransformação no conteúdo abordado. Não deverão ser utilizadas questões que tenham respostas que possam ser encontradas nomaterial instrucional sem uma reflexão prévia. Exemplo desse tipo de avaliação pode ser encontrado no arquivo AvaliaçãoS1.

6. Aula expositiva dialogada integradora final: usando a Apresentação de slides 3, retoma-se todo o conteúdo da UEPS deforma integradora, revendo as questões colocadas na Apresentações de slides 1 e 2. Para além disso, procura-se fazer uma integraçãogeral das discussões geradas ao longo da unidade de e sobre ciência com o intuito de desconstruir a ideia limitada e ingênua de quea ciência é produzida, avaliada e acessível somente a privilegiados. Por fim, traz-se a reflexão: quem pode fazer e gostar de ciência?

7. Avaliação da aprendizagem na UEPS: deverá estar baseada na participação nas atividades dos alunos, nas observaçõesfeitas em sala de aula e na avaliação somativa individual, cujo peso não deverá ser superior a 50%.

8. A8. A8. A8. A8. Avaliação da própria UEPSvaliação da própria UEPSvaliação da própria UEPSvaliação da própria UEPSvaliação da própria UEPS: sugere-se que, em grande grupo, os alunos avaliem as estratégias de ensino empregadas naUEPS e seu próprio aprendizado. Além disso, o docente deverá avaliar a UEPS em função dos resultados de aprendizagem obtidos e,se necessário, reformular algumas atividades.

Total de aulas: 9 a 12.

46 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017Construindo um foguete de garrafas PET

que não diretamente, no ensino de ciên-cias. A contextualização do prêmio, assimcomo de Márcia, neste artigo, evidenciaque a ciência é desenvolvida por mulheres,inclusive. Nesse sentido, propostas comoa UEPS aqui apresentada permite, alémda discussão de conteúdos físicos e avalorização de mulheres no desenvolvi-mento do conhecimento, o rompimentode uma imagem estereotipada de ciênciacomo exclusiva para homens dotados degenialidade.

Watanabe e cols. [19] ressaltam quevisões desse tipo envolvem o pressupostode que pessoas “especiais” seriam dotadasde atributos que a maioria não possui e,não bastasse isso, seria missão delas a bus-ca pelo conhecimento científico. Logo, nãoparece difícil entender por que váriosestudantes não se sentem motivados paraaprender e participar do empreendimentocientífico – eles não se enxergam comoparte da minoria especial que pode pro-duzir e entender a ciência.

Nesse caso, o abismo entre a ciência

idealizada e a ciência real desmotiva osalunos e ocasiona um grave problemapedagógico que impossibilita a construçãode uma aprendizagem significativa: nãohá predisposição em aprender. Essa é umadas condições necessárias que Ausubelpreconiza para que haja aprendizagemsignificativa [20]; sem ela, nenhum ma-terial potencialmente significativo poderáevitar, na melhor das hipóteses, umaaprendizagem mecânica.

O estudo das diversas anomalias daágua, contextualizado junto a Márcia e oreconhecimento que ela recebeu interna-cionalmente, é uma possibilidade, comose argumenta neste artigo, de motivarestudantes – e estudantes mulheres – aolharem para a ciência como ela realmenteacontece. Além disso, analisá-la por meiode seus protagonistas, neste caso uma físi-ca brasileira. A importância dada ao grupoa que ela pertence ainda contribui paraque os estudantes percebam que a ciênciaé, acima de tudo, coletiva; seja porque osestudiosos interagem diretamente entre si,

seja porque o conhecimento tem que serdivulgado, avaliado e reconhecido por seuspares. Ademais, os desdobramentos dessesestudos com a água para a dessalinizaçãodo mar, por exemplo, é tema atual e insti-gante. Além de tudo, essas questões de físi-ca contemporânea e suas possíveis aplica-ções tecnológicas estão quase sempre au-sentes em materiais instrucionais dispo-níveis aos professores da educação básica.Logo, o presente artigo procurou fazeressa abordagem juntamente com umaproposta de como levá-la até a sala deaula, fazendo uma aproximação entre apesquisa em física contemporânea com oensino de física.

Por certo, buscou-se mostrar que noBrasil se produz ciência de qualidade reco-nhecida internacionalmente e, ainda, quegrandes físicos brasileiros são mulheres.A ciência, de fato, pode ser entendida eproduzida por quem tiver interesse. Para-fraseando uma frase famosa da causafeminista: lugar de ciência é onde alguém aquiser.

Referências

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Física, Águas de Lindóia, 2002 (CD-ROM).[4] M.A. Moreira e F. Ostermann, Caderno Catarinense de Ensino de Física 1010101010, 108 (1993).[5] B.A. Moura, Revista Brasileira de História da Ciência 77777, 32 (2014).[6] A.F.P. Martins, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 3232323232, 703 (2015).[7] D.P. Menezes, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 3434343434, 341 (2017).[8] D.P. Ausubel, J.D. Novak e H. Hanesian, Psicologia Educacional (Interamericana, Rio de Janeiro, 1980).[9] M.C. Barbosa, eBFIS 44444, 5101 (2015).[10] M.C. Barbosa, Simplifísica - Superfluxo de Água e Suas Aplicações na Dessalinização de Água do Mar, disponível em https://youtu.be/bb5Qt8nroKs,

acesso em junho de 2017.[11] M.C. Barbosa, Simplifísica: Água e Outros Líquidos Complexos, disponível em https://youtu.be/4z01XXa4Nlw, acesso em junho de 2017.[12] M. Chaplin, Seventh-two Anomalies of Water, disponível em http://www.lsbu.ac.uk/water/anmlies.html, acesso em junho de 2017.[13] P.G. Hewitt, Física Conceitual (Bookman, Porto Alegre, 2002).[14] G.S. Kell, J. Chem. Eng. Data 2020202020, 97 (1975).[15] P.A. Netz, F.W. Starr, H.E. Stanley, H.E. and M.C. Barbosa, J. Chem. Phys. 115115115115115, 344 (2001).[16] J.R. Bordin, A. Diehl and M. C. Barbosa, J. Phys. Chem. B 117117117117117, 7047 (2013).[17] M.A. Moreira, Aprendizagem Significativa em Revista 11111, 43 (2011).[18] L.O.Q. Peduzzi e A.C. Raicik, Sobre a Natureza da Ciência: Asserções Comentadas para uma Articulação com a História da Ciência, disponível em

http://docs.wixstatic.com/ugd/7d71af_02eeff5d587b493691e16fa564cbc469.pdf, acesso em junho de 2017.[19] G. Watanabe, G.W. Caramello, R. Ribeiro, I. Gurgel. Lat. Am. J. Phys. Educ 6 6 6 6 6, Suppl. I (2012).[20] E.A.S. Masini e M.A. Moreira, Aprendizagem Significativa: Condições Para Ocorrência e Lacunas que Levam a Comprometimentos (Vetor Editora, São

Paulo, 2008).

Visite o sítio Física Premiada:

Física Premiada, https://ge2dic.wixsite.com/fisicapremiada.

47Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017 Proposta didática baseada em videoanálise para...

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Introdução

Autilização de tecnologias no ensinode diversas ciências aumentaconstantemente. A crescente dis-

ponibilidade de tecnologia de custo relati-vamente baixo facilita a imersão do ensinode ciências na era digital. Inúmeras apli-cações para o ensinodos mais variadostipos de conteúdo têmsido testadas e têmproduzido bons resul-tados no que tange àAprendizagem Signi-ficativa [1] dos estu-dantes. Matemática[2], biologia [3,4],física [5] e línguas [6]são alguns exemplosde aplicações exitosas.Além de disciplinas no escopo do nívelmédio, também existem perspectivas epropostas para a utilização de Tecnologiasde Informação e Comunicação (TIC) noensino superior [7], métodos computa-cionais facilitadores de aprendizagem [8]e projetos bem sucedidos em cursos es-pecíficos [9,10].

O ensino de física no nível médio temse caracterizado historicamente como umgrande desafio para os professores. O ele-vado nível de abstração e as formulaçõesmatemáticas das modelagens dos proble-mas típicos são os principais fatores quealimentam esse processo histórico inde-sejado [11]. Em relação à utilização damatemática, as estratégias recorrentes sãoa contextualização e a dedução das equa-ções. A despeito de todo o progresso dafísica teórica nos últimos anos, a física éuma ciência essencialmente experimental.Essa característica da disciplina nem sem-pre possibilita a dedução analítica dasprincipais equações estudadas no ensinomédio. Nesse contexto, a visualização dosfenômenos ensinados configura-se como

uma estratégia eficaz na tentativa dereduzir a abstração do conteúdo. Em di-versas circunstâncias, realizar experimen-tos práticos em sala de aula é uma tarefarelativamente difícil, tendo em vista anatureza de alguns fenômenos. Todavia,o estudo dos movimentos proporciona autilização de experimentos cotidia-

nos [12].Neste trabalho,

utilizamos um meca-nismo de videoanálisepara ilustrar umaaplicação sob umaperspectiva de ensinode física baseada emrecursos computacio-nais de custo relativa-mente baixo. A ideiacentral do trabalho éapresentada a partir

da exposição de uma sequência didática[13] específica para o conteúdo ilustrado.A partir de um fenômeno criado em salade aula pelos próprios estudantes, damosinício ao estudo dos movimentos circu-lares, promovendo uma interação digitalcom o fenômeno criado. Após o términoda aula, fizemos questionamentos direta-mente aos estudantes envolvidos, no in-tuito de avaliar a eficácia da aula dada.Uma série de perguntas foram feitas e, apartir delas, pôde-se concluir que a meto-dologia possui grande capacidade defomentar engajamento e, por conseguinte,promover aprendizagem significativa.

Metodologia

Para verificarmos a ideia proposta poreste trabalho, utilizamos equipamentos decusto relativamente baixo para preparar-mos a aula em que a sequência didáticaespecífica foi aplicada. Ressaltamos que aproposta levantada por este trabalho nãose restringe ao conteúdo específico para oqual foi aplicada, sendo possível trabalhara ideia central apresentada no estudo de

Thiago Mello dos ReisInstituto Federal do Espírito Santo,Campus Centro-Serrano, Santa Mariade Jetibá, ES, BrasilE-mail: [email protected]

Uma proposta didática para o ensino dos movi-mentos, no contexto da disciplina física paraestudantes de nível médio, é apresentada. Dis-cussões sobre o nível de engajamento dosestudantes em relação aos métodos tradicionaissão feitas. A eficácia da proposta apresentadaneste trabalho é atestada a partir de uma inves-tigação do tipo qualitativa e exploratória. Ametodologia apresentada foi verificada duranteo estudo do tema “movimentos circulares”. Osresultados mostraram que a metodologiaexposta neste trabalho trouxe maior engaja-mento durante a aula, maior compreensão defenômenos cotidianos relacionados aos movi-mentos circulares e aprendizagem significativa.A proposta apresentada mostrou-se flexívelpara aplicações correlatas em estudos de outrostipos de movimentos. Logo, é possível transporas ideias discutidas neste trabalho para iniciaro estudo de movimentos além dos movimentoscirculares, com foco em cinemática e dinâmica.

O ensino de física no nívelmédio tem se caracterizado

historicamente como umgrande desafio para os

professores. O elevado nível deabstração e as formulações

matemáticas das modelagensdos problemas típicos são os

principais fatores quealimentam esse processo

histórico indesejado

48 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017Proposta didática baseada em videoanálise para...

outros tipos de movimentos em física.Similarmente, pode-se transpor a meto-dologia sugerida para outras disciplinas.

Com o intuito de ministrar uma aulainicial sobre “Movimentos Circulares”para estudantes do primeiro ano do ensinomédio de uma escola pública, iniciamosuma discussão acerca da situação cotidia-na, muito conhecida dos adolescentes, emque uma pedra é amarrada na extremi-dade de uma corda para ser rotacionada.A discussão foi conduzida expondo osaspectos lúdicos desse movimento circu-lar. A Fig. 1 mostra esse arranjo experi-mental criado em sala de aula. Visandoatrair a atenção dos alunos, o objeto amar-rado na extremidade da corda, para simu-lar a pedra, foi a borracha de um dos estu-dantes. O problema levantado foi o se-guinte: suponha que eu queira arremessaruma pedra o mais longe que eu puder,por que é comum amarrá-la em umacorda e rotacioná-la em vez de simples-mente arremessá-la diretamente com asmãos?

O momento seguinte foi pautado emuma ideia cada vez mais presente em nos-so cotidiano, o processamento das infor-mações observáveisem um ambiente vir-tual e as diversas pos-sibilidades que temosde interagir física evirtualmente com umfenômeno real. Com oauxílio de um tabletmunido de sistemaoperacional IOS, utilizamos o dispositivoAppleTV para fazer o espelhamento dodispositivo com um computador. NoApêndice, são elencadas outras maneiras,gratuitas e pagas, de se fazer o pareamen-to entre os dispositivos para a implemen-tação da ideia apresentada neste trabalho.A Fig. 2 mostra o pareamento utilizado.

Os detalhes desse pareamento, bemcomo outras informações sobre sincro-nismo de tablets e celulares com compu-

tadores, são apresentados no Apêndice.Um dos estudantes veio à frente e girou aborracha por meio da corda em umaregião próxima ao chão da sala de aula. Acâmera do tablet foi utilizada para regis-trar o movimento de modo a ser captadauma vista superior do fenômeno. Simul-taneamente, os demais alunos acompa-nhavam o movimento que estava projeta-do no quadro branco por meio de um sis-tema do tipo data show. Em dado momen-to, foi solicitado ao estudante que girava a

borracha que soltassea corda, encerrandoassim o experimento.A interação dos alunoscom a aula no nívelapresentado caracte-riza um processo cor-relato às discussõessobre aprendizagem

ativa. Os bons resultados desse tipo de prá-tica têm sido apresentados em estudosdiversos [14-16].

O próximo estágio consistiu na aná-lise das imagens coletadas. Em todas asanálises feitas, variáveis introduzidas ediscussões iniciadas, mantivemos adialética com o paralelo lúdico estabelecidono início da aula. Ou seja, voltamos à es-sência da “brincadeira” de se amarrar umapedra na extremidade de uma corda e girá-

la de modo a fazer com que ela ganhe maisvelocidade. Primeiramente, definimos omovimento circular como sendo aqueleem que o objeto percorre uma trajetóriacomo a projetada no quadro. A Fig. 3ilustra a trajetória representada no qua-dro.

A partir de então, as variáveis típicasdo movimento circular foram definidas.Raio, velocidade linear e angular, acelera-ção linear e angular, entre outras. O aspec-to particularmente interessante nesse con-texto foi a construção feita concomitan-temente ao desenvolvimento virtual dofenômeno criado. O fato de ser possívelsobrepor a projeção feita no quadro commarcador para quadro branco torna oprocedimento didático mais próximo deuma interação direta entre o estudante eo fenômeno em discussão. A Fig. 4 ilustraa representação de algumas variáveis domovimento circular uniforme.

Durante a elaboração da imagemobservada na Fig. 4, as velocidades e osraios da trajetória foram desenhadosenquanto o vídeo era exibido em câmeralenta. Esse contexto foi importante paraque houvesse uma maior interação entreo estudante e o fenômeno. Em todo o pro-cesso, o estudante acompanhou o movi-mento da borracha por meio do vídeo.Essa visualização integral do fenômeno

Figura 1: Arranjo experimental utilizadona aula introdutória sobre movimentoscirculares.

Figura 2: Tablet espelhado no computador.

Figura 3: Interação entre a imagem projetada e o quadro branco.

O fato de ser possível sobrepora projeção feita no quadro commarcador para quadro brancotorna o procedimento didático

mais próximo de uma interaçãodireta entre o estudante e o

fenômeno em discussão

49Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017 Proposta didática baseada em videoanálise para...

tende a promover maior engajamento naexposição do conteúdo.

Tendo em vista que os estudantes jápossuem compreensão sobre os conceitosprévios necessários - a saber: espaço, traje-tória, deslocamento, velocidade e acelera-ção -, a relação da imagem observada comos conteúdos que são pré-requisitos parao estudo dos movimentos circulares é signi-ficativamente facilitada. Desta forma, osestudantes ficam aptos a esclareceremdúvidas relacionadas aos movimentosretilíneos e assim apreenderem o escopo dosmovimentos circulares de forma holísticae estruturada. Os dois pontos representadosna Fig. 4 estão destacados para fornecer aoestudante uma ideia mais clara acerca davelocidade linear. Tipicamente, os alunosexpressam grandes dificuldades na com-preensão da variação do vetor velocidade.Mesmo para movimentos circulares uni-formes, o vetor velocidade varia porque,apesar de a velocidade permanecer cons-tante, a direção e o sentido do vetor variama todo instante. O objetivo de representardois pontos da trajetória na Fig. 4 é tornarvisível que, se a borracha se mantém natrajetória circular, é porque, de fato, o vetorvelocidade muda de direção e o sentido,como ilustrado nos instantes 1 e 2 desta-cados na Fig. 4.

A interação final com o ambiente vir-tual encerrou-se com o desligamento doprojetor. A Fig. 5 ilustra a imagem finalque foi construída durante a aula.

Quando o projetor foi desligado, tínha-mos a figura característica dos movimentoscirculares, a qual foi construída partindo-se de uma videoanálise que utilizou umfenômeno produzido por um estudante emsala de aula. A aula seguiu no padrãotradicional em que exemplos e exercíciosforam aplicados de forma expositiva.

Objetivando promover um tratamen-to do tipo qualitativo e exploratório para oproblema sob investigação neste trabalho,levantamos um questionário verbal comperguntas abertas para os estudantes. Du-rante essa arguição informal, o foco das

questões foi as impressões gerais da aula eda metodologia aplicada.

Resultados e discussões

Neste trabalho, utilizamos ferramen-tas eletrônicas acessíveis no ambiente es-colar e de custo relativamente baixo paraapresentar uma sequência didática que seenquadra dentro de um paradigma eficazno ensino dos movimentos para estudantesde nível médio na disciplina física. Esseprocedimento envolve um mecanismo devideoanálise em que propomos a aproxi-mação do ambiente de sala de aula com arealidade tecnológica que se fará presentenos próximos anos, ou seja, a interaçãoentre os objetos físicos observáveis e o pro-cessamento digital de dados.

Os estudantes envolvidos sinalizarammuito positivamente acerca da metodolo-gia utilizada na aula.Inúmeras respostascoletadas confirmamas ideias levantadas naproblemática sobreaprendizagem ativa.Dentre as respostasdos estudantes, frasescomo “...Pela primeiravez eu prestei atençãodo início ao fim da au-la...”, “É bem maisinteressante estudar com alguma coisa quea gente tá vendo o que é...” e “A aula ficamais dinâmica e assim é melhor praacompanhar...” mostram que trazer oestudante para a construção coletiva doconhecimento promove melhores resulta-dos em relação ao engajamento.

Tendo-se em vista o nível de compre-ensão dos estudantes em relação aos con-teúdos apresentados, a avaliação foi verifi-cada por meio de exercícios do próprio livro.Esse é outro aspecto satisfatório no con-texto abordado: a interação virtual pro-posta tende a otimizar substancialmente otempo em sala de aula. Logo, foi possível,em uma única hora-aula, apresentar os

aspectos teóricos iniciais e aplicar exercíciosdo livro-texto para os estudantes. Os alu-nos responderam às questões individual-mente e apenas solicitaram o professor paradúvidas acerca de operações matemáticas.Nenhuma dúvida conceitual acerca dosmovimentos circulares foi levantada.

Embora a apresentação deste relato seconcentre em uma aula introdutória sobremovimentos circulares, em que apenas osaspectos mais básicos do fenômeno são exi-bidos, existem inúmeras possibilidades paraa ampliação dos conteúdos a serem explo-rados em sala de aula partindo-se da ideiaabordada neste trabalho. Além das variá-veis ilustradas na Fig. 4, outras grandezaspodem ser discutidas por meio da mesmaestratégia de interação com a imagem dofenômeno criado em sala de aula. Os estu-dos referentes à cinemática podem incluir

as variáveis aceleração,distância, período e fre-quência. Analogamen-te, podemos explorar adinâmica do movi-mento circular cons-truído por meio darepresentação gráficadas forças.

Em relação aosestudos sobre cinemá-tica, podemos explo-

rar mais as Figs. 4 e 5. No momento emque estamos definindo as variáveisvelocidade e raio da trajetória, a ideia daaceleração direcionada para o centro dacurva pode ser apresentada. Essa dis-cussão pode ser feita tendo-se em vista osconceitos prévios dos estudantes. Até estemomento do estudo da cinemática, o estu-dante está relativamente bem familia-rizado com o conceito de aceleração comosendo a responsável por promover varia-ção de velocidade em um movimento. Oapelo visual trazido pela metodologiaapresentada favorece a alusão vetorialdessas ideias. Conceber vetorialmente asgrandezas cinemáticas mais comuns nem

Figura 4: Representação das variáveisvelocidade e raio.

Figura 5: Momento em que o projetor é desligado.

Esse procedimento envolve ummecanismo de videoanálise emque propomos a aproximaçãodo ambiente de sala de aulacom a realidade tecnológica

que se fará presente nospróximos anos, ou seja, ainteração entre os objetos

físicos observáveis e oprocessamento digital de dados

50 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017Proposta didática baseada em videoanálise para...

sempre é tarefa fácil para os estudantes.Assim, desenhar adequadamente essasgrandezas partindo-se das Figs. 4 e 5 éreduzir significativamente a abstração quealguns desses conceitos carregam. Por fim,destacam-se as oportunidades de concei-tuarmos adequadamente as grandezasvelocidade linear, velocidade angular,período e frequência. O fato de o movi-mento ilustrado ser de simples compre-ensão favorece o entendimento do conceitode período e frequência. As analogiastípicas com os movimentos de rotação etranslação da Terra ficam facilitadas

Apêndice

Os apêndice seguinte objetiva auxiliar professores e futuros usuários da metodologia proposta neste trabalho no manuseio dastecnologias necessárias. A discussão é feita acerca de algumas possibilidades sobre tecnologias disponíveis até a publicação destetrabalho, bem como as possibilidades de usá-las para os propósitos do mesmo.

1. Pareamento entre dispositivos móveis e computadores

Neste trabalho, utilizamos um dispositivo móvel com sistema IOS para realizar o espelhamento no computador. Todavia,trabalhar com dispositivos que utilizam este sistema nem sempre é tão simples. Existem outras alternativas relativamente maissimples que se baseiam na utilização de dispositivos que funcionam por meio do sistema operacional Android. Esse sistema, além deser relativamente mais dinâmico, possui maior compatibilidade com softwares e hardwares típicos. O intuito deste Apêndice édestacar algumas formas de se parear dispositivos móveis com computadores visando dinamizar aulas expositivas. Para fins decategorização, dividiremos este Apêndice em duas seções. Na primeira, trataremos dos dispositivos que operam via sistema IOS. Naseguinte, serão abordadas as possibilidades de utilização do sistema operacional Android.

Observamos que a utilização de tablets foi decidida por uma questão de conveniência. As possibilidades que serão discutidasaqui também se aplicam a aparelhos celulares. A opção pelos tablets relaciona-se à limitação física do tamanho das telas dostelefones, visando tornar a imagem projetada maior, mas o que será abordado neste texto também se aplica aos smartphones.1.1. Sistema operacional IOS

A utilização desse tipo de sistema operacional é recomendada quando o usuário possui, além do dispositivo móvel, um computadorou notebook da empresa Apple. A Fig. \ref{fig:pareamento} ilustra o espelhamento entre o sistema IOS e um notebook que nãopossui o mesmo sistema operacional. Embora seja possível fazer este tipo de pareamento, não é a alternativa mais recomendada. Autilização de equipamentos com esse sistema operacional é também dificultada pelo custo relativamente alto dos dispositivos.Todavia, elencaremos algumas formas de se trabalhar com esse sistema operacional.

A forma mais efetiva de se realizar o espelhamento do tablet (IPad, no caso do sistema IOS) munido de sistema operacional IOScom um computador é por meio de um dispositivo da própria empresa Apple chamado AppleTV. Por meio desse hardware é possívelintegrar os equipamentos móveis com elevada qualidade de áudio e vídeo. O aspecto negativo desse mecanismo é o custo. Osaparelhos mencionados são custosos e nem todos os possíveis leitores deste trabalho poderão ter acesso a eles.

Uma alternativa significativamente barata para efetuar o espelhamento do IPad é por meio de um software chamado Reflector2.Esse software não é gratuito, porém o custo da versão completa é relativamente baixo. (Quando da redação deste artigo, o valor erade cerca de 15 reais.) Por meio desse programa, é possível ter um dispositivo com sistema IOS pareado com um computador queopere via IOS ou Windows. Portanto, a vantagem desse programa é a não dependência de um computador específico.1.2. Sistema operacional Android

As melhores alternativas, relacionadas a custo e benefício, para se efetuar um pareamento entre dispositivos móveis ecomputadores são aquelas referentes ao sistema operacional Android. Além de significativamente mais integráveis, os equipamentosque operam com esses sistemas são, em geral, mais baratos. A seguir, apresentamos alguns aplicativos e programas que possibilitamo pareamento entre dispositivos para os fins levantados neste trabalho.

Três aplicativos gratuitos serão destacados. O primeiro é o “MirrorGo”, que possibilita uma visão ligeiramente difusa do celularpor meio do computador. Para os fins levantados neste trabalho não seria a melhor alternativa, todavia se configura como umapossibilidade. O segundo é o “AirDroid”, que opera por meio de um aplicativo e um programa de computador. Nesse caso, o usuárioprecisará instalar ambos para que consiga efetuar o espelhamento. A qualidade do espelhamento, nesse caso, dependerá da conexãoWi-fi da rede em que os equipamentos estiverem ligados. Esse software também possibilita a conexão entre os equipamentos pormeio de cabo USB. Em geral, essa alternativa não é muito utilizada, pois restringe movimentações durante as aulas. O terceiroaplicativo é o “ScreenMirror”. Essa é a forma mais recomendável para se fazer o espelhamento. Para essa alternativa, necessita-seapenas do aplicativo. O espelhamento com o computador é feito via o browser instalado no computador. O fato de ser compatívelcom qualquer navegador torna esse método significativamente prático.

A utilização dos equipamentos com sistema operacional Android é mais recomendada porque depende de menos pré-requisitostécnicos que aqueles que trabalham com sistema IOS. Logo, recomenda-se que professores e palestrantes optem, sempre quepossível, por esse sistema.

quando comparadas com as imagensapresentadas na Fig. 5. Nesse sentido, ficasimples a marcação de um ponto especí-fico da trajetória como exibido na Fig. 3(b)e a contagem do tempo decorrido até queo objeto retorne a esse ponto. Similar-mente, a Fig. 4 pode ser utilizada para arepresentação do ângulo descrito entre osinstantes de tempo 1 e 2 para a concei-tuação da velocidade angular. Esse con-texto oportuniza a definição da relaçãoentre as velocidades angular, linear e o raioda trajetória como sendo v = ω.R.

Alternativamente, a metodologia ilus-

trada permite estudar a dinâmica domovimento circular. Uma das possi-bilidades é a utilização da Fig. 3(b) para arepresentação da força centrípeta. Entre asdificuldades conceituais encontradas está adiferenciação entre a força centrípeta e aforça (fictícia) centrífuga. A utilização dafigura pode facilitar tal entendimento,tendo-se em vista que o desenho da forçacentrípeta será feito exatamente em cimada corda que mantém o movimento do cor-po. Assim, espera-se que o estudante enxer-gue que a força centrípeta deve sercompreendida como o agente físico que

51Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017 Proposta didática baseada em videoanálise para...

Referências

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mantém o movimento circular. Ademais,a segunda lei de Newton também pode serfacilmente compreendida por meio de umailustração adequada sobreposta à imagemda Fig. 3. Como as grandezas aceleração eforça são vetoriais, a descrição matemáticada segunda lei de Newton fica compre-endida por meio de um diagrama simples,em que a força e a aceleração estarão sobrea mesma linha reta (definida pelo raio datrajetória), o que cor-robora a proporciona-lidade dessas grandezasestabelecida pela lei deNewton F = m.a.Como essas descriçõespodem requerer maisdo que o tempo de aulamencionado neste trabalho, essas discus-sões podem ser feitas em aulas distintas,sem potencial perda de impacto na aprendi-zagem. Como a cinemática e a dinâmicasão estudadas separadamente, a metodo-logia proposta pode ser aplicada em maisde um encontro com os estudantes, no in-tuito de cobrir todas as discussões físicassobre cinemática e dinâmica aqui levan-tadas.

A proposta apresentada visa a indicarum caminho para professores utilizaremrecursos computacionais de maneiracriativa e inovadora por meio da interaçãoentre os ambientes real e virtual. O estudodos movimentos na disciplina física possuigrande potencial para aplicação dametodologia proposta. Analogamente aosmovimentos circulares, outros tipos demovimentos podem ser abordados em salade aula, tendo-se em vista as ideias apre-sentadas neste trabalho. Novamente, acriatividade do professor determinará aspossibilidades de aplicação da ideia cen-tral levantada neste trabalho. Similarmen-te, o conteúdo do presente trabalho nãose restringe à disciplina física, podendo ser

implementado em outras áreas do conhe-cimento, conforme as possibilidades dosconteúdos a serem trabalhados.

A produção efetiva de conhecimentono cerne cognitivo de um estudante não éuma ciência exata, de modo que existemdiversas discussões em relação ao que sedefine como conhecimento. Tendo-se emvista uma perspectiva prática em relaçãoao conhecimento, ou seja, a capacidade que

um indivíduo tem detransformar a realida-de em que vive a partirde um conhecimentoteórico, o trabalhoapresentado é eficaz.Relacionar o meio emque o estudante está

inserido com os conteúdos tende a produzirmelhores resultados educacionais [17]. Opresente trabalho caminha nessa direção,ou seja, relacionar o teor conteudista tra-zido por um livro-texto com a realidadecotidiana visível e tátil.

Conclusões

A partir deste trabalho concluímosque a videoanálise é uma ferramenta efi-ciente e eficaz no estudo dos movimentosna disciplina física. Ademais, a avaliaçãopositiva por parte dos estudantes emrelação à metodologia apresentada eviden-cia que há grandes possibilidades de quea introdução de tecnologias de informaçãoe comunicação no ensino tenha aplicaçõesexitosas.

A ausência de dúvidas conceituais dosestudantes em relação ao conteúdo abor-dado mostra a aplicabilidade da metodo-logia proposta. Embora não seja possívelafirmar que o método apresentado nestetrabalho seja 100% eficaz em relação àcomunicação de conceitos físicos sobremovimentos circulares ou outros tipos demovimentos, o exemplo aplicado ilustra

que este trabalho expõe uma metodologiaapta a produzir resultados conteudistassatisfatórios em sala de aula.

Outras disciplinas (além da disciplinafísica) podem se apropriar da metodologiaapresentada para a construção de sequên-cias didáticas específicas. A limitação datécnica exibida está no tipo de conteúdoque será estudado, bem como na criativi-dade do professor em adequar os conteú-dos que serão trabalhados.

A utilização de ambientes virtuais deaprendizagem, sejam presenciais ou a dis-tância, será cada vez mais importante noensino. O fim da era digital e o início da erados algoritmos inteligentes marcará esseaumento de relevância. Em pouco tempo,praticamente tudo estará conectado àinternet. O trabalho aqui apresentadolevanta uma possibilidade importante detrabalho futuro, ou seja, captar as infor-mações de um fenômeno criado em sala deaula e levar esses dados para tratamentointerativo no ambiente digital.

A internet das coisas surge em um mo-mento em que o cenário global referente àinteração do homem com o meio tátil estáem constante transformação. Será cada vezmais comum associar os objetos físicos, ouseja, o mundo observável, à internetvisando ao processamento de dados.Orientar os estudantes do atual ensinomédio acerca dessa mudança é fundamen-tal para que tenhamos uma sociedadefutura apta a lidar com o novo mundo quese apresentará em breve. O trabalhoapresentado expõe uma perspectivapositiva em relação ao inevitável cenáriofuturo, ou seja, a conexão de praticamentetudo que existe à internet. Dessa forma,iniciar as relações de ensino e aprendizagemnesse contexto será uma necessidadecrescente. Este trabalho contribui para essaperspectiva e aponta caminhos para ainovação no ambiente educacional.

O trabalho apresentado expõeuma perspectiva positiva emrelação ao inevitável cenáriofuturo, ou seja, a conexão de

praticamente tudo que existe àinternet

52 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017Ludicidade e ensino de física

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Introdução

Avida contemporânea requer, cadavez mais, a formação de pessoascríticas, intelectualmente autôno-

mas e mais bem preparadas para respon-der aos seus desafios; desse modo, a escola,como um dos principais agentes de edu-cação formal, vê-se instada a desenvolverum trabalho que promova a formação dealunos-cidadãos mais sensíveis ao contex-to social em que estão inseridos e, paraisso, o uso de metodologias inovadorasde ensino é uma estratégia eficaz e neces-sária. Dentre diversas possibilidades, o en-sino por meio da ludicidade aparece comogrande aliado. De acordo com Rau [1], ouso de atividades lúdicas como estratégiade ensino-aprendizagem tem muitas van-tagens em relação ao ensino tradicionalporque, além de atender a uma necessi-dade do ser humano em formação, pro-porciona a apropriação de categorias econceitos formais de uma determinadaárea de conhecimento de forma prazerosae divertida. Mas, isso requer um planeja-mento bem elaborado pelo professor paratrabalhar com o lúdico, de modo que aatividade alcance o propósito cognitivoprevisto sem que se perca seu aspecto pra-zeroso para o estudante.

Segundo Santos [2, p. 62], existe dife-rença entre o lúdico livre e o lúdico utili-tário. No primeirocaso existe um certograu de liberdade,pois os participantesnão são obrigados aproduzir qualquertipo de conhecimentoformal, priorizandoas próprias vontadesno desenvolvimentodas atividades, o prazer e a liberdade decriação; já o lúdico utilitário tem comoobjetivo gerar uma aprendizagem, pormeio da assimilação de conteúdos e de

processos cognitivos orientados para umaavaliação comportamental e até mesmopara fins terapêuticos. Neste segundocaso, o lúdico tem uma “utilidade”, ummotivo para ser usado que pode auxiliarem um processo de aprendizagem.

Se o estudante não se sente à vontadepara participar da atividade (neste caso,do jogo), a atividade não pode ser consi-derada lúdica. Em contrapartida, se o pro-fessor que está orientando tal atividadenão se sentir à vontade com essa metodo-logia, mas a está realizando apenas porordens da coordenação pedagógica ou mo-tivados por outros fatores externos, acaracterística lúdica também se perderá.Para ser lúdico é preciso que tanto o pro-fessor quanto o aluno sintam prazer emdesenvolver a atividade.

O jogo como atividade lúdica é umaimportante ferramenta para o ensino, po-rém deve ser planejado com cuidado. “Ojogo deve ter regras que sistematizam asações dos envolvidos, mas a imaginaçãocoloca a possibilidade de modificá-las deacordo com suas necessidades e seus inte-resses” [3]. Assim, para o desenvolvi-mento deste artigo foi elaborado um jogoque preza pela interação dos participantes,pelo trabalho em equipe, pelo cumpri-mento de regras que ditam o caminho aser seguido e os objetivos a serem alcan-çados, além da exigência de coordenação

motora. As atividadesrealizadas tinham aintenção de tornar asaulas de física maisinteressantes, alavan-cando a participaçãodos estudantes na dis-cussão sobre os con-ceitos físicos trabalha-dos e potencializando

sua aprendizagem de maneira inovadora.Nessa perspectiva de inovação no

ensino de física, vários centros de pesquisae diversos pesquisadores vêm refletindo e

Márcio Henrique Simião RodriguesUniversidade Federal do Pará, Belém,Belém, PA, BrasilE-mail: [email protected]

Jéssica de Cassia Silva PinonUniversidade Federal do Pará, Belém,PA, BrasilE-mail: [email protected]

Sarah da Silva LopesUniversidade Federal do Pará, Belém,PA, BrasilE-mail: [email protected]

Ana Cristina Pimentel Carneiro deAlmeidaUniversidade Federal do Pará, Belém,PA, BrasilE-mail: [email protected]

Este trabalho apresenta uma experiênciainovadora de ensino de física a partir daperspectiva de ensino-aprendizagem porinvestigação. Trata-se de uma atividade,realizada em turma do 1º ano do Ensino Médioem uma escola privada do Município deCastanhal, PA, que consistiu em ensinarconceitos do movimento circular uniforme(MCU) por meio de um jogo de interação entreos participantes, visando mostrar de formaprática e lúdica a relação entre velocidade lin-ear de um corpo em MCU e o raio da trajetóriacircular. Previamente, foram realizadasdiscussões sobre o tema estudado e, em seguida,foram coletados os dados das variáveis para oscálculos necessários à apropriação dos conceitostrabalhados. As atividades foram realizadas naquadra de esportes da escola e os estudantesmostraram grande entusiasmo em participar.

A escola moderna, instada adesenvolver um trabalho que

promova a formação dealunos-cidadãos mais sensíveisao contexto social em que estão

inseridos, deve valer-se demetodologias inovadoras para

o ensino

53Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017 Ludicidade e ensino de física

buscando implementar mudanças, comoé o caso do ensino com enfoque em Ciên-cia, Tecnologia, Sociedade e Ambiente(CTSA). De acordo com as premissasdefendidas por essa abordagem, é precisoorganizar uma ação educadora que prio-rize o papel do estudante como um inves-tigador de sua aprendizagem, para queeste possa desenvolver uma visão pessoalde mundo, com mais autonomia emrelação aos conteúdos a que tem acesso[4]. O professor, por sua vez, desloca-sedo papel de detentor do conhecimento eassume uma postura de tutor, mostrandopossíveis caminhos a serem seguidos eorientando seus alunos na tomada dedecisões mais acertadas no âmbito da áreade conhecimento em que estão traba-lhando. Assim, “não é só uma questão detomada de consciência e de discussõesepistemológicas, é também necessário umnovo posicionamento do professor emsuas classes para que os alunos sintamuma sólida coerência entre o falar e ofazer” [5].

Nesse novo modelo de educação, opapel do físico-educador configura-se deforma diferente da educação tradicional,pois, ao fazer a transposição didática doconteúdo, ele leva em consideração nãosomente o conteúdoem si mesmo, masplaneja visando dife-rentes estratégias deabordagem, de modoa tornar a aula inte-ressante e convidati-va. Esse novo docentenão apenas apresentafórmulas e teorias para preparar paraprovas e concursos; ele convida a pensar,a refletir criticamente sobre conceitos e suaformalização, visto que não adiantaensinar o conceito de carga elétrica semfazer uma relação com o consumo e oprocesso de geração de energia elétricapara a sociedade e sua relação com o meioambiente [6].

Nessa nova abordagem do ensino defísica, o uso de atividades lúdicas torna-se um grande aliado, pois possibilita omanejo das inúmeras fórmulas e concei-tos, despertando a curiosidade científica eo prazer em aprender essa disciplina tãoimportante. O lúdico é ferramenta edu-cacional importante e necessária notrabalho com um público que está emtransição de seu período da infância paraa adolescência, pois busca aliar o senti-mento de brincar e se divertir ao processode ensino-aprendizagem de conceitosfísicos por meio de uma experiência didá-tica muito prazerosa e cognitivamenteprodutiva.

Breve contextualização daexperiência

Na escola em que foi realizada a expe-riência aqui relatada, o professor de físicavinha encontrando muitos obstáculos emrelação ao processo de ensino-aprendi-zagem. O maior deles estava relacionadoao fato de haver sido recentemente contra-tado em substituição ao antigo professor,que já acompanhava a turma desde oinício do semestre letivo. Essa troca de do-centes em pleno mês de junho, às vésperasda segunda avaliação anual, havia geradouma expectativa na turma em relação aotrabalho do novo professor; os alunos fa-ziam comparações entre os dois e, caso onovo professor não correspondesse àsexpectativas da turma, corria-se o riscode haver desinteresse e pouca participaçãonas aulas. Se, por outro lado, a turma per-cebesse que o novo professor mantinha omesmo ritmo de trabalho do primeiro, oprocesso de ensino-aprendizagem setornaria mais dinâmico.

Sensível a esse contexto, o novo pro-fessor percebeu que, para manter e atéaumentar o rendimento acadêmico da tur-ma, não apenas correspondendo a exigên-cias institucionais, mas também desper-tando curiosidade e interesse científicos

pela física, resolveupropor a realização deuma atividade que,além de atingir ospropósitos de apren-dizagem, fugisse damonotonia do coti-diano das aulas e in-centivasse a maior

participação dos estudantes.No início do segundo semestre esco-

lar, o assunto que estava sendo trabalhadocom a turma do primeiro ano do EnsinoMédio da escola em questão era mecânica(cinemática, dinâmica e estática). Nessemesmo período, estavam acontecendo osJogos Olímpicos do Rio de Janeiro e, para

chamar a atenção dos estudantes para umdos temas desse conteúdo, movimento cir-cular uniforme (MCU), o professor de físi-ca propôs a atividade aqui relatada, apósa resolução de uma questão proposta nomaterial didático da escola que apresen-tava cinco patinadores (Fig. 1) realizandoum movimento de rotação conjunta e demaneira alinhada.

De acordo com a questão proposta,os alunos deveriam responder qual dospatinadores possuía maior velocidade li-near. Tal questão gerou muita discussãona sala de aula, com diferentes respostaspor parte dos estudantes. O intuito eramostrar-lhes a relação entre a velocidadedo corpo e o raio da trajetória circular. Pormeio da Eq. (1) para o cálculo da veloci-dade, temos:

(1)

Partindo daí, é possível analisar quequando se mantém o período (T) cons-tante, a velocidade de um corpo em MCUé diretamente proporcional ao raio (R);logo, quanto maior o raio, maior será avelocidade do corpo [7].

A fim de mostrar na prática a situa-ção representada na imagem, porém comalgumas adaptações para o espaço daescola, foi elaborado um jogo. Conside-rou-se para esse trabalho apenas a veloci-dade linear (v) do corpo; a velocidade an-gular (w) não foi abordada nessa ativi-dade.

O professor explicou aos estudantesque as competições esportivas deixaramde ser apenas provas de resistência física,tornando-se também provas de inteligên-cia, no sentido de que se vem cada vezmais aliando pesquisas científicas paramelhorar o rendimento dos atletas e dasáreas de competição. Esportes como o atle-tismo podem possibilitar grandes exem-plos práticos para o ensino de temas dafísica como lançamento oblíquo e equação

Figura 1: Imagem da questão passada aos estudantes. Fonte: Blog Geocities, Disponívelem http://www.geocities.ws/saladefisica8/cinematica/circular.html.

O professor desloca-se dopapel de detentor do

conhecimento e assume umapostura de tutor, mostrandopossíveis caminhos a seremseguidos e orientando seus

alunos na tomada de decisões

54 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017Ludicidade e ensino de física

horária da velocidade, entre outros. No ca-so deste trabalho, tomou-se como referên-cia competições de patinação artística dosJogos Olímpicos do Rio de Janeiro paraelaborar uma atividade visando à aprendi-zagem do conceito de velocidade linear deum corpo sujeito a um movimento cir-cular uniforme (MCU).

Atividade prática

Como já referido anteriormente, a ati-vidade foi realizada em uma escola da redeparticular de ensino do município de Cas-tanhal/PA, com 20 alunos de uma turmado 1ª série do Ensino Médio, no início deagosto de 2016. Inicialmente a turma foidividida em quatro equipes de cinco inte-grantes; após a formação das equipes, asregras do jogo foram explicitadas.

1ª Regra: Três integrantes da equipe

deveriam ter aproximadamente amesma altura;

2ª Regra: Esses três integrantes deve-riam dar voltas de maneira sincro-nizada ao redor do eixo central(Fig. 2);

3ª regra: os três integrantes devemficar o tempo todo com os braçosesticados (Fig. 3);

4ª regra: os integrantes não podemsoltar as mãos durante o movi-mento em volta do eixo (Fig. 4).

O objetivo das equipes era dar o maiornúmero de voltas em um intervalo detempo de um minuto (60 s), sendo quepara a volta ser considerada válida deveriaobedecer as quatro regras do jogo. Vence-ria o jogo a equipe que desse o maior nú-mero de voltas corretas no tempo deter-minado. Após a explicitação das regras,

os estudantes foram levados para a qua-dra de esportes da escola para que a parteprática da atividade tivesse início.

A escolha da quadra de esportes comolocal da parte prática da atividade deveu-se ao fato de esse espaço ser mais adequadoà natureza dos exercícios. Segundo Dohme[8], é preciso planejar o espaço onde a ati-vidade lúdica irá ocorrer de modo que odesenvolvimento se dê da melhor maneirapossível. Em ambientes fechados sãoaconselhados jogos que desenvolvam o ra-ciocínio, como xadrez ou jogos da memó-ria. Já jogos de correria e movimentaçãosão mais aconselhados em ambientes maisespaçosos ou abertos [8, p. 25].

Antes de a competição começar me-diu-se, com auxílio de uma fita métrica,o comprimento dos braços de todos osintegrantes das quatro equipes. Os valoresforam anotados pelos respectivos árbitrospara serem utilizados após o término daatividade.

As equipes eram formadas por cincointegrantes, sendo que apenas três de-veriam executar os movimentos em tornodo eixo e os outros dois seriam os árbitrosque fariam a análise das voltas da equipeadversária. O papel dos árbitros era crono-metrar o tempo de um minuto e fazer acontagem do número de voltas da equipeadversária, analisando se estavam de acor-do com as quatro regras do jogo.

Para o início da competição, uma dasequipes apresentou-se voluntariamente.Os três integrantes dessa equipe que ti-nham aproximadamente a mesma alturadirigiram-se para o centro da quadra deesportes (Fig. 5) e posicionaram-se de bra-ços dados.

Os dois árbitros das equipes adversá-rias posicionavam-se próximo do centro(Fig. 6) para analisar a regularidade dasvoltas e cronometrar o tempo gasto pelaequipe avaliada. Esse procedimentorepetiu-se até que todas as equipes tives-sem realizado as voltas em torno do centroda quadra.

O primeiro membro do grupo deveriase posicionar aproximadamente 10 cmdistante do centro da quadra (Fig. 7) emanter-se o maior tempo possível nestadistância para ter maior desempenho nahora da realização das voltas. Não era per-mitido pisar no eixo central do meio daquadra.

Após a realização da prática, as equi-pes se reuniram com seus integrantes ecalcularam as diferentes velocidades dostrês colegas que realizaram as voltas. Oscálculos foram realizados com o auxíliodo professor.

Resultados e discussões

Figura 2: Representação da movimentação feita em torno do eixo central. Fonte: MárcioRodrigues.

Figura 3: Representação da terceira regra do jogo. Fonte: Márcio Rodrigues.

Figura 4: Representação de uma infração (mãos separadas e braços flexionados). Fonte:Márcio Rodrigues.

55Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017 Ludicidade e ensino de física

A atividade teve duração de uma horae meia. A equipe campeã conseguiu reali-zar sete voltas em um minuto. O interes-sante é que a terceira equipe conseguiugirar 11 vezes em torno do centro da qua-dra. Entretanto, os árbitros julgaram queseis voltas não estavam de acordo com asregras, pois os integrantes soltaram asmãos em algumas voltas. Dessa maneira,a equipe foi penalizada em seis voltas eacabou com um total de cinco voltas

corretas.Com o término da atividade, os estu-

dantes que realizaram as voltas e que esta-vam na ponta mais afastada do centro daquadra questionaram o professor sobrequal o motivo de eles estarem muito maiscansados do que os membros da equipeque estavam mais próximos do centro. Aresposta para essa dúvida era o foco prin-cipal da atividade.

Antes de o professor responder, pediu

ao conjunto dos estudantes que tentassemelaborar possíveis respostas à questão,com suas próprias explicações, o que criourodas de discussão referentes ao conteúdode movimento circular uniforme (MCU).Uma das discussões se referia ao motivoda medição do comprimento dos braçosdos estudantes. O mais interessante foi ocomentário de um aluno que antes dessaatividade prática apresentava baixo rendi-mento durante as aulas tradicionais compincel e quadro branco, inclusive com bai-xo rendimento no que diz respeito à nota.Segundo esse aluno, a medição feita peloprofessor serviria para que os integrantesda equipe que eram responsáveis pelo cál-culo da velocidade de seus companheirosao redor do centro da quadra pudessemestimar o raio da trajetória circular per-corrida. O comentário desse aluno escla-recia a dúvida de toda a turma, sendo queesse era justamente o assunto em foco naatividade, razão pela qual o professor ha-via medido o comprimento dos braços dosintegrantes das equipes.

Outra estudante respondeu para oscolegas que o maior cansaço dos partici-pantes que estavam mais afastados docentro se devia ao fato de eles se moveremem torno do eixo com velocidade maiorque os outros colegas, pois possuíam umraio maior em relação ao centro da traje-tória.

Depois das discussões, cada equiperealizou os cálculos da velocidade dos inte-grantes que estavam realizando as voltasem torno do centro da quadra, conformeapresentado a seguir.

Equipe 1

A primeira equipe realizou cinco vol-tas completas em 60 s, logo, considerandoque o movimento tenha sido uniforme,cada volta teve duração de 12 s. Esse valorfoi utilizado para o cálculo da velocidadedos integrantes da equipe (Tabela 1), con-siderando o valor de pi (π = 3,14.).

Equipe 2

A segunda equipe realizou sete voltasem 60 s, logo, cada volta teve período deaproximadamente 8,5 s (Tabela 2).

Equipe 3

A terceira equipe conseguiu realizar11 voltas em 60 s. Embora tenham sidopunidos pelos árbitros por não cumpriremas regras em todas as voltas, os cálculosde velocidade consideraram as 11 voltas(Tabela 3), logo, cada volta teve duraçãode aproximadamente 5,45 s.

Equipe 4

A quarta equipe realizou oito voltas

Figura 5: Estudantes se preparando para a atividade. Fonte: Márcio Rodrigues.

Figura 6: Estudantes realizando voltas em torno do centro da quadra de esportes. Fonte:Márcio Rodrigues.

Figura 7: Equipe campeã em suas voltas. Fonte: Márcio Rodrigues.

56 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017Ludicidade e ensino de física

Tabela 2: Resultados encontrados pelos estudantes para a velocidade que cada membroda equipe 2 atingiu (em média) por volta.

Integrante Raio Velocidade no MC

Mais próximo do centro 0,1 m 0,073 m/s

Do meio 1,4 m 1,01 m/s

Mais afastado do centro 2,78 m 2,05 m/s

Fonte: Márcio Rodrigues.

Tabela 3: A tabela mostra os resultados encontrados pelos estudantes para a velocidadeque cada membro da equipe 3 atingiu (em média) por volta.

Integrante Raio Velocidade no MC

Mais próximo do centro 0,1 m 0,11 m/s

Do meio 1,41 m 1,62 m/s

Mais afastado do centro 2,91 m 3,35 m/s

Fonte: Márcio Rodrigues.

Tabela 4: A tabela representa a velocidade que cada membro da equipe 4 atingiu (emmédia) por volta.

Integrante Raio Velocidade no MC

Mais próximo do centro 0,1 m 0,083 m/s

Do meio 1,39 m 1,16 m/s

Mais afastado do centro 2,83 m 2,36 m/s

Fonte: Márcio Rodrigues.

Tabela 1: Velocidade que cada membro da equipe 1 atingiu, em média, por volta.

Integrante Raio Velocidade no MC

Mais próximo do centro 0,1 m 0,052 m/s

Do meio 1,42 m 0,74 m/s

Mais afastado do centro 2,86 m 1,49 m/s

Fonte: Márcio Rodrigues.

em 60 s; desta maneira, cada volta teveperíodo aproximado de 7,5 s. Essa equipetambém foi penalizada em duas voltaspelos árbitros, mas as oito foram consi-deradas para os cálculos da velocidade(Tabela 4).

As medidas dos raios representadosnas tabelas são resultado da soma do com-primento dos braços dos integrantes dasequipes (Fig. 8). Todos os participantes queestavam mais próximos do eixo de rotação(globo central da quadra de esportes) apre-sentaram raios de 0,1 m, pois estavamlocalizados a 10 cm do mesmo, e foi feitaconversão de unidade de centímetro parametros. O integrante do meio estava gi-rando em um raio de 1,37 m devido à so-matória do seu braço com o do integrantepróximo ao eixo de rotação. O estudanteda ponta girava em um raio maior, poisalém da medida de seu próprio braço aindahavia os braços de seus companheiros,totalizando um raio de 2,78 m.

Em todas as situações os integrantes

que estavam mais afastados do centro daquadra giravam com velocidade maior doque seus companheiros, pois possuíamum raio maior em relação ao eixo derotação. Isso significa que, por possuírem

velocidades maiores, eles deveriam per-correr uma distância maior para conse-guir acompanhar o ritmo dos outros doiscolegas.

A partir desses dados, os estudantesque estavam girando mais afastados docentro perceberam como tiveram que semover muito mais rápido que seus com-panheiros e por um espaço maior, e porisso estavam mais cansados.

Após a atividade e a realização dos cál-culos, os alunos foram questionados maisuma vez sobre a questão dos cinco pati-nadores, que havia motivado a atividade.Todos os participantes conseguiram assi-milar que o patinador mais afastado doeixo de rotação se movia com velocidadelinear superior à de seus companheiros.

Considerações finais

Os resultados da atividade mostramque seus principais objetivos foram alcan-çados. O primeiro deles estava relacionadoà participação dos alunos: a partir domomento em que estes se propuseram aparticipar, visto que não se tratava de umaobrigação, podemos avaliar que atingimoso propósito da ludicidade, que é envolveros alunos na brincadeira; some-se a issoo fato de que a atividade ocorreu fora deseu horário de aula, no contraturno dadisciplina. Quando o estudante escolheparticipar e professor dá suporte neces-sário para o desenvolvimento da atividade,o processo de ensino-aprendizagem acon-tece de maneira efetiva e producente, tor-nando-se bastante enriquecedor. Vemosque também foi alcançado um segundoobjetivo, relacionado mais especificamenteà aprendizagem de conceitos físicos, aoobservarmos o levantamento de hipótesese as respectivas considerações feitas pelosestudantes em relação ao conteúdo deMCU, mostrando uma compreensão dotema e evidenciando apropriação adequa-

Figura 8: Ilustração do processo de medida do raio de rotação de cada participante (Foiusada uma fita métrica para efetuação das medidas. As letras da imagem representameixo (E), meio (M) e ponta (P), indicando a posição de cada estudante). Fonte: MárcioRodrigues.

57Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017 Ludicidade e ensino de física

Referências

[1] M.C.T.D. Rau, A Ludicidade na Educação: Uma Atitude Pedagógica. – (Ibpex, Curitiba, 2011), Série Dimensões da Educação, 2ª ed., ver atual. e ampl.[2] M.A.R. dos Santos, Ludicidade, Estudos Transdisciplinares (Editora Açaí, Belém, 2013).[3] T.M. Kishimoto (org), Jogo, Brinquedo, Brincadeira e a Educação (Cortez, São Paulo, 2008), 11ª ed.[4] A. Chassot, Alfabetização Científica – Questões e Desafios para a Educação (Editora da Unijuí, Ijuí, 2016), 7ª ed.[5] A. Cachapuz, D. Gil-Pérez, A.M.P. Carvalho, J. Praia e A. Vilches (orgs), A Necessária Renovação do Ensino de Ciências (Cortez, São Paulo, 2011),

3ª ed.[6] C.W. da Rosa, e A.B. da. Rosa, Revista Ibero-americana de Educação 58, 1 (2012).[7] B. Sant’anna, G. Martine, H.C. Reis e W. Spinelli, Conexões com a Física (Moderna, São Paulo, 2010), v. 1, 1ª ed.[8] V. Dohme, Atividades Lúdicas na Educação: O Caminho de Tijolos Amarelos do Aprendizado (Vozes, Petrópolis, 2011), 6ª ed.

da de tais conceitos. Finalmente, quantoà questão do prazer de jogar envolvidona atividade, o trabalho em equipe, odesenvolvimento de atitudes de coopera-ção, o índice de envolvimento e a satis-fação dos estudantes indicam que houvedescontração e diversão.

A ludicidade, em especial o jogo, como

ferramenta metodológica para o ensinode física fornece uma opção de aumentara participação e o interesse dos estudantes,que estão a cada dia mais conectados aosequipamentos tecnológicos e apresentamcerta aversão a métodos tradicionais deensino. É papel do professor procuraralternativas para maximizar a aprendi-

zagem e formar o estudante para a vida,orientando o melhor caminho para aformação de pessoas conscientes, sensíveise participativas, que conheçam seus direi-tos e deveres e que contribuam para aconstrução de uma sociedade melhor.

58 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017Uma maquete fosforescente da constelação de Órion

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As constelações

As constelações foram definidascomo agrupamentos arbitráriosde estrelas que ocupam certa re-

gião no céu ao longo da história da As-tronomia. Esse conceito foi construído noimaginário dos povos antigos, represen-tando no céu noturno deuses, mitos, ani-mais e até objetos que eram usados nocotidiano [1]. As constelações surgiram naantiguidade para auxiliar os povos aidentificar os períodos das estações do ano,uma vez que era necessário saber as épo-cas propícias ao plantio. Do ponto de vistamoderno, as conste-lações não mais sãoclassificadas comoum simples agrupa-mento de estrelas,mas sim como áreasespecíficas que foramdeterminadas a partirdas figuras mitológicas. Em 1922, aUnião Astronômica Internacional (IAU)dividiu a esfera celeste em 88 partes, e des-de então qualquer estrela que esteja dentrodos limites dessas partes pertence àquelaconstelação [1, 2].

As estrelas são nomeadas de acordocom a ordem de seu brilho no céu, sendoa mais brilhante denominada alfa, a se-gunda beta e assim por diante. A estrelaalfa da constelação de Órion é a Betelgeuse.

Algumas constelações encontram-seem uma faixa limitada por dois paralelosde latitude celeste, mais precisamente a 8graus ao norte e 8 graus ao sul da eclíp-tica; nessa faixa sempre se pode observaro sol, a lua e os planetas. A eclíptica é ocírculo máximo da esfera celeste; ela re-presenta a trajetória anual do Sol em seumovimento aparente em torno da Terra.As 13 constelações zodiacais que são atra-vessadas pela eclíptica são: Peixes, Áries,Touro, Gêmeos, Câncer, Leão, Virgem, Li-bra, Escorpião, Ofiúco, Sagitário, Capri-

Giselen Lefer Padilha RennerLicenciatura em Ciências da Naturezacom Habilitação em FísicaInstituto Federal de Santa Catarina,Jaraguá do Sul, SC, BrasilE-mail: [email protected]

Atualmente, percebe-se que o ensino de Astro-nomia necessita de estratégias didáticas dife-renciadas, que tenham o potencial de desenvol-ver e tornar efetivo o processo de ensino/aprendizagem. Este artigo tem o propósito depropor a elaboração de uma maquete tridimen-sional fosforescente da constelação de Órion,com a possibilidade de que o aluno, ao mesmotempo em que constrói o modelo representa-cional, incorpore ou reelabore suas concepçõessobre o universo, com a abordagem de diversostemas ao longo de todo o processo.

córnio e Aquário [3].O Stellarium é uma carta do céu ou

um planetário de código aberto para ocomputador. Ele mostra um céu realistaem três dimensões igual ao que se vê aolho nu, com binóculos ou telescópio, ten-do ampla relevância no ensino de astrono-mia atualmente.

O gigante caçador

Algumas constelações são facilmenteobservadas no céu noturno devido ao fatode possuírem estrelas de maior brilhoaparente, como por exemplo a constelaçãode Órion, cuja sigla é “Ori”. Ela representa

a figura mitológica deum caçador na presen-ça de seus dois cães decaça (representadospelas constelações CãoMaior e Cão Menor).

Na mitologia gre-ga, em uma das várias

versões, Órion foi um herói, grande caça-dor e amado por Ártemis, (deusa da caça)até que Apolo, irmão de Ártemis, nãoaprovando o romance entre os dois, en-viou um escorpião para matá-lo, porémeste acabou picando seu calcanhar. Osdeuses resolveram colocá-los no céu deforma que não pudessem se confrontar,em lados opostos. Enquanto Órion se põeno Oeste, Escorpião está nascendo no Les-te. Em outra versão, Órion estaria fugindodo Escorpião e Apolo desafia a pontariade Ártemis, que acaba por acertar porengano Órion e matá-lo. Ela pede entãopara que Zeus os coloque entre as estrelas,na configuração representada na Fig. 1 [4].

Para encontrar a constelação deÓrion, o observador deve localizar três es-trelas próximas, de brilho parecido e enfi-leiradas, conhecidas como “Três Marias”(Alnilan, Alnitak e Mintaka), que com-põem o cinturão de Órion. A constelaçãotem o formato de um quadrilátero, noqual o vértice nordeste é formado pela es-

As estrelas são nomeadas deacordo com a ordem de seubrilho no céu, sendo a mais

brilhante denominada alfa, asegunda beta e assim por

diante

59Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017 Uma maquete fosforescente da constelação de Órion

trela avermelhada Betelgeuse, a qual mar-ca o ombro direito do caçador. O vérticesudoeste do quadrilátero é formado pelaestrela azulada Rigel, que representa o péesquerdo de Órion. Vale lembrar que nohemisfério sul, Órion aparece de cabeçapara baixo [3].

Magnitude aparente e absoluta

Um observador na superfície da Terrapode, sem instrumentos ópticos, diferen-ciar o brilho e a cor dominante dasestrelas. Essas observações estão associa-das às propriedades físicas das estrelas, ouseja, observando o fluxo da radiação emdiversos comprimentos de onda, pode-secomparar a estrela com um corpo negro.

Dessa forma, obtendo dados acerca depropriedades como temperatura e cor,considerando a atividade energética donúcleo e a composição química da atmos-fera de uma estrela, obtém-se um espectrocaracterístico. O brilho aparente de umaestrela, quando observada da Terra, de-pende da potência da radiação emitida eda distância da estrela até a Terra. Dessaforma são estabelecidos os conceitos demagnitude absoluta e aparente [5].

A magnitude aparente de determina-da estrela é uma medida do seu brilhoaparente [6]. A primeira escala para essamedição foi realizada por Hiparco no sé-culo II a. C. Em sua escala, Hiparco definiuque as estrelas mais brilhantes tinhammagnitude m = 1 e as menos brilhantescaracterizavam-se por m = 6. Dessa rela-ção resulta que uma estrela de magnitude1 é cerca de 100 vezes mais brilhante queuma estrela de magnitude igual a 6 [6].

A medida de magnitude aparente deuma estrela está relacionada com a medidado fluxo recebido para um dado compri-mento de onda do espectro, podendo serrealizada com um telescópio e um detec-

tor apropriado [5].Introduzimos o conceito de magni-

tude absoluta para compararmos as estre-las quanto à luminosidade [11]. A mag-nitude absoluta de uma estrela é definidacomo sendo a magnitude aparente queteria essa estrela a uma distância de 10 pc(parsecs) [5, 11].

Cor e temperatura das estrelas

A cor de uma estrela está associadaàs suas características físicas, ou maisespecificamente a sua temperatura super-ficial, na fotosfera. Essa cor podemos dife-renciar a olho nu ou com o auxílio detelescópios ou outros instrumentos ópti-cos [6,7].

Uma estrela com menor temperaturatem seu pico de emissão próximo do ver-melho e uma estrela com temperaturasmais altas possui pico de emissão mais pró-ximo do azul. O Sol é considerado uma es-trela de temperaturaintermediária, seu picode emissão está nafaixa do amarelo [6].

Em se tratando datemperatura, consi-dera-se um baixo va-lor em valores aproxi-mados de 2.000 K a 3.000 K, considerandoas camadas mais externas, responsáveispela emissão das cores que chegam àTerra. Valores considerados altos para opadrão de temperatura são aquelespróximos de 40.000 K.

Os astrônomos estudam a luz quechega até a Terra, oriunda das estrelas,para compreender sua formação e evolu-ção, além das estruturas em que elas seencontram, como os aglomerados e as ga-láxias.

Coordenadas celestes

Um sistema de coordenadas celestesé responsável por definir a posição de umastro na esfera celeste, utilizando para issodois valores angulares.

Dos sistemas mais utilizados emastronomia de posição vale mencionar oSistema Horizontal Local de Coordenadase o Sistema Equatorial de Coordenadas [7].

O Sistema Horizontal tem como pla-no fundamental o plano em que está con-tido o horizonte do observador e duascoordenadas: o azimute e a altura. O pri-meiro é o ângulo medido sobre o horizontecom origem no norte e que cresce nadireção leste, com sua extremidade noastro. Tem variação de 0 graus a 90 grauspara os astros que se localizam acima dohorizonte. Nesse sistema, o azimute e aaltura dependem da localização do obser-vador e variam a todo instante devido à

rotação da Terra [8].A Fig. 2 repre-

senta o sistema de co-ordenadas horizon-tais, ilustrando a me-tade da esfera celestevisível ao observador.

A posição doobservador é represen-

tada pelo ponto O e a posição do astro naesfera celeste é compreendida pelo ponto E.

No Sistema Equatorial, a posição doobservador não altera as coordenadas doastro. O plano fundamental nesse sistema éo plano do equador celeste, e o ponto de refe-rência é a posição do Sol. No momento emque o Sol cruza o equador celeste vindo dohemisfério sul, obtêm-se as duas coorde-nadas: a ascensão reta (α) e a declinação (δ).

A ascensão reta é um ângulo medidosobre o equador celeste e tem origem no

A magnitude aparente dedeterminada estrela é uma

medida do seu brilho aparente.A primeira escala para essamedição foi realizada porHiparco no século II a. C.

Figura 1: Figura mitológica da constelaçãode Órion, o Caçador, vista do hemisfériosul. Fonte: Stellarium.

Figura 2: Ilustração do Sistema Horizontal Local de coordenadas [7].

60 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017

ponto Vernal, e a declinação é o ângulomedido sobre o meridiano do astro. Geral-mente a ascensão reta é medida em horas(0 h a 24 h) e a declinação, em graus(0 graus a ± 90 graus) do equador parao polo celeste norte (positivo) ou sul(negativo) [7, 8].

A Fig. 3 ilustra o sistema de coorde-nadas equatoriais. O ponto T representao observador e o ponto E a posição de umaestrela na esfera celeste.

Determinação de distâncias

Dentre as medidas astronômicas, amais simples é a triangulação, que consis-te em um método para cálculo de distânciados astros mais próximos da Terra. Essemétodo consiste em calcular a distânciapor meio da semelhança de triângulos, aoaplicar o teorema de Tales.

Porém, é necessário que exista umobjeto distante que sirva como referência,para medir a variação da direção do objetomais próximo quando o observador mudade posição [10].

Essa mudança na direção do objetodevido à mudança de posição do obser-vador é chamada de paralaxe. A paralaxepode ser geocêntrica e heliocêntrica. A pri-meira, também conhecida como paralaxediurna, é um método que pode ser utili-zado para medir a distância até os planetasmais próximos, sendo definida como odeslocamento aparente sofrido pelo objetoquando observado de dois pontos por umadistância igual ao raio da Terra [9].

A paralaxe heliocêntrica, também co-nhecida como paralaxe anual, é o únicométodo direto que pode ser utilizado paramedir distâncias estelares (no alcance deestrelas da vizinhança solar). Esse métodoé definido como o deslocamento aparentesofrido pelo objeto quando observado dedois pontos separados por uma distânciaigual ao raio da Terra, em um período de

seis meses de observação. (1 UA) [11]. Parase utilizar dessa medida, é necessário me-dir a direção de uma estrela em relação àsestrelas de fundo quando a Terra está emum lado em relação ao Sol, e seis mesesdepois, quando está no lado oposto; a par-tir desses dados, é possível calcular a dis-tância.

Pode-se citar duas medidas de distân-cias comumente utilizadas na astronomia:o ano-luz e o parsec. Um ano-luz (al) é adistância que a luz percorre em um ano,propagando-se pelo vácuo.

O parsec (pc) é definido como a dis-tância de um objeto que apresenta umaparalaxe heliocêntrica de 1”. A distânciamedida em parsecs é igual ao inverso desua paralaxe heliocêntrica medida em se-gundos de arco [9].

Construção da maquete

Para a construção da maquete daconstelação de Órion foram utilizados osseguintes materiais:

• Folha de isopor;• 3 esferas de plástico (ou isopor) de

aproximadamente 1,3 cm de diâme-tro (as esferas representarão as es-trelas);

• 4 esferas de plástico (ou isopor) deaproximadamente 1 cm de diâme-tro;

• 12 esferas de plástico (ou isopor) deaproximadamente 0,5 cm de diâme-tro;

• 2 m de arame de 2 mm de diâmetro;• Cola instantânea;• Tinta fosforescente verde (ou azul);• Alicate de artesanato;• Régua ou fita métrica;• Imagem impressa da constelação de

Órion do software Stellarium.

Coleta de dados

Para iniciar o procedimento de mon-tagem da maquete é necessário que seestabeleçam as dimensões nas quais sepretende confeccioná-la, podendo-seprojetá-la em um gráfico em três dimen-sões, conforme a Fig. 4. Aqui:

• O eixo x corresponde à distância aque as estrelas se encontram da Ter-ra (valores serão obtidos no Stella-rium) em escala reduzida; o eixo ycorresponde à distância entre as es-trelas quando observadas no planofrontal;

• O eixo z corresponde à altura e osvalores das coordenadas foram obti-dos pela ampliação da imagem doStellarium.

• O ponto P corresponde a uma estrelaque terá posição definida por meiodesses valores.

Nesse caso, a maquete terá uma pro-fundidade de 20 cm, uma distância no pla-no frontal de 20 cm e uma altura máximade 29,5 cm.

Para os dados correspondentes ao eixox, basta buscar as medidas de distânciasno aplicativo Stellarium e reduzi-las emescala menor, considerando a distânciamáxima pretendida. Para isso pode-se usarregra de três simples, relacionando a dis-tância da estrela mais afastada com a dis-tância estipulada no início para a profun-didade pretendida, resultando na equação

em que dfinal = distância final convertidaem centímetros (componente do eixo x);dreal = distância da estrela a partir da Terra(por meio do Stellarium); dmax = distânciamáxima pretendida para a maquete.

A estrela mais afastada é Alnilan, a1976,71 anos-luz, ou, por arredonda-mento, a 2.000 anos-luz. Esse valor apro-ximado é válido para estipularmos as di-mensões da base. A estrela Alnilan ficaráem uma posição anterior ao limite da base.O cálculo fica, por exemplo, para o casode Rigel, distante 862,85 anos-luz

Logo após executar o cálculo para to-das as estrelas, será necessário definir aaltura na qual cada estrela vai se posicio-nar.

Para isso, será utilizada uma amplia-ção de imagem da constelação no Stella-rium. Nesse caso, como foi definida umaaltura máxima para a maquete de29,5 cm, foi necessária uma ampliação de5,6 vezes da imagem original do aplica-tivo.

Para determinar a altura (eixo z), foiutilizada uma régua na lateral da imagemampliada (Fig. 5).

Por exemplo, Rigel e Saiph encon-tram-se na base, logo pode-se considerar

Figura 3: Ilustração do Sistema Equato-rial de coordenadas [7].

Figura 4: Projeção da maquete em gráficode três dimensões.

Uma maquete fosforescente da constelação de Órion

61Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017

Tabela 1. Dados de magnitude aparente e conversão das distâncias a partir dos dados doStellarium de acordo com as medidas propostas inicialmente.

Estrelas Magnitude Distância média Eixo x Altura (eixo z) Eixo y aparente da Terra (Anos-luz) (cm) (cm) (cm)

Rigel 0,15 862,8 8,6 0,0 11,4Saiph 2,05 647,1 6,5 0,0 2,0Alnitak 1,85 817,4 8,2 8,0 5,2Alnilan 1,65 1976,7 19,8 8,6 6,5Mintaka 2,40 916,2 9,2 9,5 7,7Betelgeuse 0,45 497,9 5,0 17,9 3,0Meissa 3,50 1055,5 10,5 19,9 8,3Bellatrix 1,60 252,4 2,5 16,2 10,4Tabit 3,15 26,3 0,25 16,1 19,8N4 ori 3,65 1052,1 10,5 14,7 19,35 ori 5,30 590,9 5,9 11,4 18,3N6 ori 4,45 945,4 9,4 10,6 17,0N2 ori 4,35 224,5 2,2 18,1 19,7N1 ori 4,60 116,3 1,2 19,5 18,5μ ori 4,30 151,8 1,5 20,1 1,7ε ori 4,45 607,4 6,0 24,5 0,4V ori 4,40 516,1 5,1 24,9 1,5X1 ori 4,35 28,3 0,3 29,5 5,364 ori 5,10 718,4 7,2 29,1 3,4

Figura 5: Imagem da constelação de Órioncom réguas para determinação dasposições em relação ao plano frontal.Fonte: Stellarium.

Figura 6: Procedimento para iniciar amontagem da constelação, com o posicio-namento da estrela Alnitak. Figura 7: Fotos da maquete finalizada.

que ambas se encontram na altura zero,e Betelgeuse estaria a 18 cm da base; bastarepetir esse procedimento para as estrelasrestantes e anotar.

Ainda falta um dado a ser obtido, rela-cionado às posições das estrelas em relaçãoumas às outras. Para isso, pode serdeterminada como referencial a base daimagem, inserindo uma nova régua na par-te inferior da imagem (Fig. 5); esse dadovai compor as coordenadas do eixo y.

Saiph, por exemplo, estará posicio-nada em 2 cm, Betelgeuse em 3 cm e assimpor diante.

Os dados obtidos podem ser organi-zados em uma tabela, conforme represen-tado na Tabela 1.

A partir dos dados da tabela, a mon-tagem da maquete pode ser iniciada. Defi-nem-se os eixos na folha de isopor, gra-duando-os em seguida em centímetros.Com o dado de cada estrela, basta posi-cionar as bolinhas conforme ilustra aFig. 6, um sistema cartesiano no qual es-tão representados os dados e a posição fi-nal para a estrela Alnitak.

É possível notar que quanto maior amagnitude, menos brilhante é a estrela.

Para fixar a estrela na altura corres-pondente, pode-se utilizar de palitos dechurrasco ou qualquer outro material si-milar, lembrando que as estrelas estarão

somente encaixadas no palito, não serãocoladas nele.

Logo após, faz-se o mesmo procedi-mento para estrelas próximas, sendo inte-ressante que as estrelas que serão conec-tadas (as que formam o desenho da cons-telação), sejam ligadas simultaneamentea esse processo. Para isso, deve-se inserircola instantânea nas extremidades do ara-me e nas estrelas correspondentes, respei-tando o traçado do desenho da constelaçãoe as dimensões calculadas inicialmente.

Além disso, é relevante considerar amagnitude aparente das estrelas, obser-vadas na imagem e nos dados do Stella-

Uma maquete fosforescente da constelação de Órion

62 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017

Referências

[1] A.F. Clávia, Conhecendo as Constelações (Observatório Astronômico Frei Rosário, UFMG, 2010).[2] Observatório Astronômico de Lisboa, O Nome das Constelações (Tapada da Ajuda, Lisboa, 2013).[3] K.S. Oliveira e M.F. O. Saraiva. Astronomia e Astrofísica (Livraria da Física, São Paulo, 2004), 2nd ed.[4] J.R. Costa, Astronomia e Astrologia (UFABC, São Paulo, 2013), aula 7, disponível em https://astronomiaufabc.files.wordpress.com/2013/06/

aula07-astrologiamitologia1.pdf, acesso em 13/02/2017.[5] G.M.S. Silva, F.B. Ribas e M.S.T. Freitas, Revista Brasileira de Ensino de Física 3030303030, 1306 (2008).[6] J.L.G. Sobrinho, Estrelas: Espectros, Luminosidades e Massas (Universidade da Madeira, Funchal, 2013), disponível em http://www3.uma.pt/

Investigacao/Astro/Grupo/Publicacoes/Pub/Modulos/estrelas1.pdf, acesso em 15/19/2017.[7] G.F. Marranghello e D.B. Pavani, Física na Escola 12 12 12 12 12(1), 20 (2011).[8] F.I.R. Gonçalves, L.M.A. Magalhães e S.C.R. Pereira, Matemática na Astronomia (Universidade do Minho, Braga, 2007).[9] A. Justiniano, P.A. Bressan, E.M. Silva, L.D. Moraes e R. Botelho, Revista Brasileira de Ensino de Física 3939393939, e4505 (2017).[10] A.M. Muller, M.F. Saraiva e K.S.Oliveira. Distâncias Astronômicas, disponível em https://lief.if.ufrgs.br/pub/cref/n29_Muller/aula2/aula2a.pdf,

acesso em 15/09/2017.[11] M. Zeilik and E.V.P. Smith, Introductory Astronomy and Astrophysics (Saunders College Publishing, Philadelphia, 1973), 2nd ed.

Figura 8: Imagem do gif. Acesso ao gifem https://goo.gl/1gPwqd.

rium. Por exemplo, Rigel e Betelgeuse pa-recem maiores, seguidas de Bellatrix, Al-nilan e Alnitak, e assim por diante. Issose deve ao fato de considerarmos que estãoem um mesmo plano aparente.

Além desses conectores, será neces-sário inserir mais alguns para dar susten-tação à maquete, e estes ficam a critériodo professor e dos alunos no momentoda montagem, bem como a observaçãode onde serão necessários.

Quando todas as ligações estiveremprontas, a maquete pode ser retirada dabase e, logo após, basta que seja aplicadaa tinta fosforescente nas estrelas e nas li-nhas que formam a constelação. A Fig. 7mostra como fica a maquete depois daaplicação da tinta. É possível observar àdireita a maquete no escuro, as estrelas eas linhas que formam a constelação deÓrion.

Pode-se optar por fazer uma base, demodo que a bolinha que representa aestrela Alnilan fique na altura correspon-dente ao eixo z do plano cartesiano.

Considerações finais

A construção dessa maquete diferen-cia-se das demais na literatura por ser in-dependente de uma base, pois no final elapode ser retirada, permitindo a visuali-zação em diferentes ângulos e a analogiaà visão que se teria fora da Terra. A sua

elaboração, desde a fase inicial até a final,requer habilidades variadas, desde autilização de cálculos relacionados à ma-temática básica até as habilidades ma-nuais. Tem um grande potencial paradesenvolver os conteúdos de Astronomiadesde as questões mais teóricas, como aabordagem com cálculos, até os conheci-mentos mais abstratos, desenvolvendo noaluno a noção de espaço-tempo e geome-tria espacial.

Esse projeto foi executado com ma-teriais de baixo custo, compreendendo ovalor total necessário para sua confecçãoaproximadamente R$ 25,00.

Além de ser uma proposta viável, aconfecção de uma maquete que brilha noescuro pode se tornar uma ferramenta po-tencialmente significativa na aprendiza-gem de conceitos no âmbito da astrono-mia e da astrofísica. Está disponível nofinal do texto um link para acesso a umgif, no qual é possível visualizar a cons-telação em diferentes ângulos (Fig. 8).

Uma maquete fosforescente da constelação de Órion

63Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017 Lançamento de foguetes de garrafa PET

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Introdução

Oestudo de lançamento de foguetesfeitos de materiais de baixo custoé bastante difundido tanto na edu-

cação básica quanto no ensino superior.Todos esses experimentos são desenvol-vidos com o intuito de solucionar a pro-blemática da ausência de materiais delaboratório, focando na acessibilidade semperder a eficácia fenomenológica e con-ceitual envolvida [1]. Souza [2], em seutrabalho, descreve a construção de um fo-guete utilizando garrafas descartáveis dePET de 2 L, bem como a montagem deum sistema de propulsão à base de águae ar comprimido, objetivando estimar avelocidade máxima do foguete e sua acele-ração durante o período de ejeção da água.

Na perspectiva do desenvolvimento demateriais laboratoriais de baixo custo,como o estudo desenvolvido por Cuzinat-to [3], neste trabalho propomos a cons-trução de uma base de lançamento de umfoguete de garrafas PET com acionamentoeletromecânico e variação angular em ar-co, projetada com o intuito de buscar ummelhor desempenho.

Construção da base de lançamento

Lixamento das peças de colagem

Antes de qualquer colagem é neces-sário lixar as partes que receberão a cola,sempre optando por uma única direçãoem movimentos giratórios (Fig. 1), demodo a garantirmos uma melhor aderên-cia da mesma à superfície, bem como evi-

Sara Guimaraes NegreirosCentro Multidisciplinar de Pau DosFerros, Universidade Federal Rural doSemi-Árido, Pau Dos Ferros, RN, BrasilE-mail: [email protected]

Glaydson Francisco Barros deOliveiraCentro Multidisciplinar de Pau DosFerros, Universidade Federal Rural doSemi-Árido, Pau Dos Ferros, RN, BrasilE-mail:[email protected]

Por interagir com o discente, a prática é o mé-todo mais eficaz de expor o conteúdo teórico ecaptar a atenção do aluno, assim como des-pertar questionamentos. O lançamento de fo-guetes de garrafa PET torna-se um dos princi-pais métodos adotados, pois consegue propor-cionar o estudo do lançamento curvilíneo deprojéteis, das leis de Newton e de momento li-near, além de introduzir conceitos como a resis-tência do ar. Neste trabalho apresentamos ummeio alternativo, eficaz, com materiais acessí-veis e técnicas básicas para a construção de umabase de lançamento para foguete de garrafasPET. Com o acionamento eletromecânico pode-se garantir a segurança e a estabilidade do lan-çamento na montagem. Utilizando-se um cir-cuito com arduino e variação angular em arco,garante-se que o estudo do lançamento curvi-líneo não seja restrito apenas ao usual ângulode 45°.

tarmos qualquer tipo de vazamento.

Fixação de um parafuso a um cap

Faça um furo em um cap garantindoa abertura de 6 mm necessária para a fixa-ção de um parafuso de 5 cm com porca(Fig. 2 a). Para tal, pode-se utilizar umpedaço de câmara de ar nas partes internae externa do cap (Fig. 2 b), que servirápara melhorar a fixação do parafuso aomesmo e impossibilitar vazamentos.

Fixação de uma válvula a um cap

Faça um furo em um cap, garantindouma abertura de 8 mm para a inserçãode uma válvula de pneu de bicicleta. Aabertura pode variar de acordo com aválvula (Fig. 3). Para melhor fixação evedação, pode-se utilizar um pedaço decâmara de ar nas partes interna e externado cap (Fig. 3a-b).

Figura 1: (a) Lixamento de uma extremi-dade do cano PVC; (b) lixamento do cap.

Figura 2: (a) Seleção das peças utilizadas:cap, parafuso, brocas, câmara de ar; (b)fixação do parafuso ao cap com câmarade ar dentro e fora do cap.

Figura 3: (a) Seleção das peças utilizadas:cap, parafuso, brocas e câmara de ar; (b)fixação do parafuso ao cap com câmarade ar dentro e fora do cap.

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Fixação do manômetro a um cap

Faça um furo em um cap, garantindouma abertura de 10 mm para rosquear aválvula do manômetro, conforme a Fig. 4.É importante que a válvula seja inseridacom dificuldade, pois a rosca não deve per-mitir vazamento (Fig. 4a-b). Esse dispo-sitivo é essencial para monitorar a pressãointerna do sistema de lançamento do fo-guete e deve ser fixado o mais próximopossível do foguete.

Encanamento para compressãode ar

Para a montagem do encanamentopara compressão de ar observada naFig. 5a, devem-se utilizar: seis caps, sendoque dois terão as configurações mencio-nadas nas Figs 2 e 3 e um será destinadoà fixação do manômetro (Fig. 4), dois Tsde 90° com rosca na bolsa central, quatro

Ts de 90° sem rosca, um joelho, dois regis-tros e um adaptador com rosca. Todos osmateriais devem ser de PVC de 20 mm.Entre as conexões utilizam-se pedaços decano de PVC de 20 mm, cujos tamanhosestão identificados na Fig. 5b.

A importância de o sistema de enca-namento possuir essa configuração justi-fica-se pelas seguintes especificações apre-sentadas na Fig. 5c:

I – caso queira cancelar o lançamento,basta abrir este registro e, com o re-gistro IV também aberto, o ar seráliberado;

II – o ar será inserido através desta vál-vula de pneu de bicicleta e, caso nãohaja nenhum vazamento nas cone-xões, este será conduzido até o fo-guete por compressão;

III – esta parte serve como tampa ros-queada, responsável por permitir a

inserção de água no sistema;IV – após inserir o ar no encanamento

é necessário fechar este registro, poisele impedirá que o ar saia pela vál-vula de pneu de bicicleta;

V – este é destinado para o encaixe domanômetro, conforme a Fig. 4;

VI – este parafuso (ver Fig. 2) será umdos responsáveis pela variação an-gular do lançamento do foguete;

VII – esta distância, que vai da bolsacentral do T de 90° ao centro doparafuso, é equivalente a 20 cm edefine o raio do arco que aparecerána variação angular.

VIII – local onde será encaixado o lan-çador do foguete PET;

IX – esta peça será utilizada comofixador do sistema de encanamentopara a compressão do ar à estruturade variação angular. A mesma seráencaixada na bolsa central do T de90° localizado a 6 cm do primeiroregistro.

Lançador

A montagem realizada a seguir(Fig. 6) será responsável por prender o fo-guete durante a inserção de ar e é comu-mente denominada de lançador. Para rea-lizar a montagem dessa etapa, devem-secolar duas tiras de câmara de ar de pneuno cano de PVC (Fig. 6a) com aproxima-damente 1,5 cm de largura e com espaça-mento entre elas de 2 cm. Além das tiraspoderá ser inserida sobre as mesmas umafita adesiva dupla face, que facilitará a dis-tribuição das abraçadeiras de nylon para

Figura 5: Descrição dos materiais utilizados no encanamento de compressão de ar. (a) 6 caps, 2 Ts de 90º com rosca na bolsa central,4 Ts de 90º sem rosca, 1 joelho, 2 registros, 2 adaptadores com rosca e bolsa; (b) 13 pedaços de cano de PVC, sendo 10 de 3 cm, 2 de6 cm, 1 de 7,5 cm e 1 de 9 cm; (c) especificação dos itens enumerados de I a IX.

Figura 4: (a) Seleção das peças utilizadas: cap, manômetro, um adaptador com rosca ebolsa, 4 cm de cano PVC de 20 mm; (b) rosqueamento do manômetro no cap furado.

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a fixação das abraçadeiras de aço inoxsobre estas (Fig. 6b), tomando-se o cui-dado para impedir que fiquem frouxas.A extremidade inferior do lançador deveráter espaço suficiente para colá-la à cone-xão identificada por VIII na Fig. 5c.

Estrutura do arco para variaçãoangular

A variação angular de uma base delançamento é fundamental para o estudodo lançamento de projéteis, especialmentequando o quesito é obter alcance máximo.Nesse modelo de base sugerimos um arco(Fig. 7a e b) com raio igual a 20 cm, cor-respondente à distância estipulada na es-pecificação VII da Fig. 5c, feito em um pai-

nel de madeira. Com uma serra copo deveser feito um furo de 4,5 cm de diâmetrono centro de curvatura para fixar o rola-mento, enquanto que a abertura do arcodeve ter 8 mm de espessura, suficientepara a livre passagem do parafuso de6 mm indicado na especificação VI daFig. 5c. A base de apoio apresentada naFig. 7c deverá possuir dimensões iguais a40 cm × 25 cm × 7 cm, necessárias parasustentar a estrutura que contém todo o

aparato que envolve o lançamento.

Junção da estrutura com o arco eo encanamento

Para fixar o encanamento na estru-tura do arco para a variação angular bastainserir o cano com o cap (item IX daFig. 5c) pelo rolamento e colar o cano coma bolsa central do T de 90º, conformeapresentado nas Figs. 8 a e b. Caso o rola-mento não permita que o cano seja inse-

Figura 6: Montagem do lançador: (a) fixa-ção de duas tiras de câmara de ar de pneuno cano PVC; (b) fixação e distribuiçãodas abraçadeiras de nylon com uso de fitadupla face para facilitar a fixação dasabraçadeiras de aço inox.

Figura 7: Estrutura em madeira que servirá de suporte para o sistema de encanamento utilizado para o lançamento, com as devidasespecificações para a confecção da (a) estrutura do arco de raio igual a 20 cm e para a fixação do rolamento de 4,5 cm localizado nocentro de curvatura; (b) O mesmo que em (a) apresentado em uma perspectiva diferente e (c) base de apoio para todo o sistema delançamento.

Figura 8: Sequência para a montagem da junção da estrutura do arco com o lançador:(a) inserção do cano com o cap da Fig. 3 pelo rolamento e colagem ao cano com a bolsacentral do T de 90º; (b) colagem de um pedaço de cano PVC a fim de impedir que amontagem fique frouxa; (c) inserção de arruelas para auxiliar o parafuso que irá percorrero arco; (d) inserção de veda rosca entre as cabeças das abraçadeiras de nylon; (e) estruturada encanação do lançador fixada à estrutura com variação em arco, pronta para recebero foguete de PET.

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rido com facilidade, é necessário esquentaro cano PVC com cautela para inseri-lo.Note na Fig. 8 b que um pedaço de canoPVC impede que o cano fique frouxo, ouseja, sem movimentos para dentro dorolamento, apenas o giratório. Antes dessacolagem acrescente arruelas no parafusoque irá percorrer o arco, conforme Fig. 8c,para impedir qualquer movimento inde-sejável além do plano que contém o arco.Ainda nessa etapa, é necessário inserir ve-da rosca na região da cabeça das abraça-deiras de nylon com o intuito de permitirque o bocal da garrafa PET seja encaixadode modo firme (Fig. 8 d). Pode-se optarprimeiramente por passar esparadrapo edepois acrescentar o veda rosca. Na Fig. 8eobserva-se o lançador colado no encaixedo item VIII da Fig. 5c. Note que o enca-namento possui uma leve inclinação abai-xo do eixo horizontal. Em decorrência dis-so, para inserir a água no foguete bastacolocá-lo no lançador, abrir a tampa doencaixe III na Fig. 5c e deixar que a águasiga até o foguete devido a essa inclinação.

Gatilho para o lançador

Para o sistema de gatilho do lançadoré necessário utilizar uma luva de PVC de4 cm de raio. Nesta é necessário realizardois furos simétricos, com o mesmo espa-çamento entre si, e ligá-los com uma fitaseda como apresentado na Fig. 9a. Seguin-do-se com 1 m da mesma fita, deve serrealizado um nó centralizado com a fitaque foi colocada na luva e alocar esta aolançador do encanamento, conformeFig. 9b. Nos nós realizados deve-se passarcola (tipo Super Bonder) para impedir queeles desatem.

Caixa para alocar o motor e abateria de 12 V

Na Fig. 10a é apresentada uma caixautilizada para colocar um motor e umabateria de 12 V. Observa-se na Fig. 10bum furo na estrutura de variação angu-

lar para a inserção de um parafuso. Outrofuro é realizado na caixa da Fig. 10a coma mesma altura, de modo que um fio de1 m da estrutura da Fig. 9b possa ser dire-cionado, através do parafuso, para dentroda caixa. Ainda nessa etapa, pode-seobservar nas Figs. 10a e 10c que o fio podeser envolvido por veda rosca, tanto pararetardar a corrosão dele quanto parafacilitar seu deslizamento. O motor dentroda caixa é preso com abraçadeiras de ny-lon e possui o fio preso em seu bico comcola tipo Araldite (Fig. 10 c).

Acionamento do foguete: circuitoe código

Neste estudo utilizamos um circuito(Fig. 11a) com o uso de arduino, uma pro-toboard e componentes eletrônicos. Dentreas peças utilizadas para esse circuito temoso transistor NP tip 31 com três terminais:a Base, o Coletor e o Emissor, da esquerdapara a direita na ilustração da Fig. 11a.

No circuito tem-se até 5 V entrando naBase por meio do pino digital 2. O Coletorestá conectado a um terminal no motor.O Emissor está conectado ao terra. Noentanto, sempre que for aplicada uma vol-tagem na Base por meio do pino digital 2,o transistor liga, permitindo que a cor-rente flua por ele, entre o Emissor e oColetor e, assim, alimentando o motor,que está conectado em série com esse cir-cuito.

Entre o terminal que faz ligação como arduino alocamos um resistor de 2,2 kΩe um diodo. O diodo permite que acorrente siga apenas um caminho, isto é,segue pela extremidade que não contém afaixa branca e não realiza o caminho nosentido oposto. Utilizamos dois diodos,como apresentado na Fig. 11a.

Além disso, temos um led vermelhoe um led verde. Sua funcionalidade étransmitir uma mensagem visual aousuário quanto ao acionamento. Apósacionado o botão 1, o led vermelho vaiacender durante 5 s, seguindo-se o led ver-de durante 2 s após os 5 s. Se mantiver-mos o botão 2 pressionado durante esseintervalo, o acionamento será cancelado.Caso contrário, o motor irá funcionar eapenas o led verde ficará acesso enquantoisso. Ambos os leds possuem um resistorde 300 Ω nos seus terminais positivos(pernas maiores), enquanto que os botõesestilo pushbutton estão com resistores de10 kΩ.

Ainda na Fig. 11 a, observe que háno circuito uma fonte de 12 V para ali-mentação do motor. Os dois fios na corlaranja foram unidos aos jumpers queestão na protoboard e serão direcionados

Figura 9: Sistema de gatilho para o lançador: (a) ligação dos furos pela fita seda; (b)fixação de um metro de fita seda no aparato de (a) e alocação deste no lançador.

Figura 10: Sistema utilizado para a automação da estrutura do lançador com: (a) caixacujas dimensões sejam suficientes para colocar o motor e uma bateria de 12 V; (b)parafuso utilizado para direcionar o fio para dentro da caixa, preso na parte inferior daestrutura com o arco; (c) aparato para fixação do motor utilizando duas abraçadeirasde nylon e com o fio preso em seu bico.

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Figura 12: Base de lançamento com um foguete pronto para o lançamento. (a) Vistasuperior; (b) vista lateral.

Figura 11: Esquema e estrutura do circuito: (a) placa protoboard e arduino; (b)direcionamento dos fios para a base de lançamento e ligação dos terminais da bateria de12 V com o sistema de acionamento feito de (c) cano PVC de 100 mm de diâmetro e25 cm de comprimento e um cap em cada extremidade.

para a base de lançamento, sendo um paraa bateria e um para o motor. Além daspeças utilizadas na Fig. 11a e citadas notexto até o momento, utilizamos umabateria de 9 V com um cabo plug P4 paraalimentação do arduino. Como os fios naprotoboard foram concentrados em umadas extremidades, não comprometemos avisualização dos leds e o uso dos botões.

Com o intuito de proteger nosso cir-cuito optamos por inseri-lo em um canode PVC 100 mm com 25 cm de compri-mento e um cap em cada extremidade.Nessa estrutura realizamos no cap infe-rior uma abertura para permitir que osfios laranja do circuito da Fig. 11a fossemdirecionados para a caixa da base delançamento e ligados em seus respectivosterminais (Fig. 11b). Já no cap superiorrealizamos furos para permitir a alocaçãodos leds e dos botões (Fig. 11c). Observe ointerruptor simples que também estáalocado no cap. Em um terminal tem-seo cabo plug P4 e no outro a bateria de

9 V. Desse modo, determinamos quandoo arduino deve estar trabalhando, ainda

que apenas na espera de algum comando.Após posicionarmos os botões e os

leds, soldamos um fio condutor a um ter-minal do botão, por exemplo, e ligamos ooutro lado do fio ao jumper da protoboardcom fita isolante. O botão foi encaixado ecolado na superfície do cano de PVC comcola tipo Araldite. Na disponibilidade deuma protoboard menor pode-se optar poralocar o seu circuito nesta e, assim, dimi-nuir o tamanho do cano de PVC.

Após finalizarmos o circuito, realiza-mos no IDE (do inglês integrated develop-ment environment ou Ambiente de Desen-volvimento Integrado) para arduino, istoé, o ambiente que desenvolve um códigoque corresponde à linguagem em que oarduino consegue interpretar e realizarcomandos. No Apêndice apresentamos ocódigo para esse estudo com linhas de co-mentários. Em suma, o motor vai traba-lhar apenas durante 0,2 s depois de acio-nado. Esse tempo, necessário para liberaro foguete, deve ser testado antes para evi-tar qualquer dano.

Por fim, apresentamos em duas vis-tas na Fig. 12 a estrutura de lançamentocom um foguete pronto para o lançamen-to.

Conclusão

Após finalizarmos a base e realizar-mos alguns lançamentos, concluímos queela possui desenvoltura e estabilidade parao lançamento, além de atender com êxitoàs necessidades exigidas. O foguete podeser lançado em qualquer ângulo entre 0°e 90°, que podem ser obtidos através dasmedidas do raio e do comprimento do arcovarrido pelo sistema do lançador, sendoeste um fator crucial para o estudo domovimento curvilíneo.

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Apêndice: código para o circuito com a placa arduino

O acionamento remoto do lançamen-to eliminou a instabilidade gerada peloacionamento mecânico, que comumenteé feito por alguma pessoa. No acionamen-to mecânico pode ocorrer o deslocamentoda base durante a tentativa de puxar ogatilho, o que não ocorre pelo aciona-mento remoto proposto neste trabalho.Além disso, nossa proposta oferece maiorsegurança ao usuário, visto que sua inte-ração é unicamente com o gatilho nomomento do lançamento. Dessa forma,a base de lançamento automatizada podeser utilizada como ferramenta metodoló-gica para o estudo de movimento curvilí-neo.

Referências

[1] E.I. Santos, L.P.C. Piassi e N.C. Ferreira,in: Anais do IX Encontro Nacional dePesquisa em Ensino de Física, Jaboti-catubas, MG (2004), p. 9.

[2] J.A. de Souza, Física na Escola 8(2), 4(2007).

[3] R.R. Cuzinatto, A.M. D’Ambrosio, H.F.de Andrande, A.M. de Queiroz, M.F.de Toledo Filho, B.R. Duarte, V.C.Lorencetti, S.A. Maéstri e R.D. Mar-tins, Física na Escola 15(1), 51 (2017).

[4] M. McRoberts, Arduino Básico (NovatecEditora, São Paulo, 2011), 453 p.

Com este trabalho é possível abordardiversas áreas do conhecimento, comomecânica clássica, programação e eletrô-nica. Desse modo, é possível fornecer aosalunos uma visão mais ampla e até mes-mo necessária acerca da integração entreáreas distintas, visto que o mercado de tra-balho está cada vez mais restrito, em bus-ca de inovação e praticidade. A integraçãode diferentes áreas é também indispensávelpara a obtenção de resultados experimen-tais ou para a comprovação de teorias.Nossa proposta mostra que isso pode serfeito sem a necessidade do desenvolvimen-to de projetos com grandes complicaçõesou apenas superficiais.

const int ledvermelho = 1; //Led vermelho conectado ao terminal 13 do arduinoconst int ledverde = 2; //Led verde conectado ao terminal 9 do arduinoconst int acionar = 4; //Botão 1 conectado ao terminal 4 do arduinoconst int cancelaracionamento = 3; //Botão 2 conectado ao terminal 3 do arduinoconst int motor = 5; //Base do transistor (motor) conectado ao terminal 2 do arduino

void setup() {//Definição se os terminais recebem o sinal (input) ou transmitem um sinal (output)pinMode (acionar, INPUT);pinMode (motor, OUTPUT);pinMode (ledvermelho, OUTPUT);pinMode (ledverde, OUTPUT);pinMode (cancelaracionamento, INPUT);}

void loop() { if(digitalRead(acionar)== HIGH){//Se o botão 1 for pressionado digitalWrite(ledvermelho, HIGH); delay(5000);//Led vermelho aceso por 5s digitalWrite (ledverde, HIGH); delay(2000);//Led verde aceso por 2s if (digitalRead (cancelaracionamento)== HIGH){//Se o botão 2 estiver pressionado digitalWrite (ledvermelho, LOW);//Apaga led vermelho digitalWrite (ledverde, LOW);}//Apaga led verde else{//Caso contrário digitalWrite (ledvermelho, LOW);//Led vermelho desligado digitalWrite (motor, HIGH); delay(200);// Motor trabalha por 0,2s digitalWrite (motor, LOW);//Motor desligado digitalWrite (ledverde, LOW);}//Led verde desligado }}