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IGREJA EPISCOPAL ANGLICANA DO BRASIL Diocese Anglicana do Recife Bispo Diocesano: Dom Sebastião Armando Gameleira Soares [email protected] 5581 86547892 5581 99523616 Centro diocesano Dom Sebastião Armando Gameleira Soares Rua Alfredo Medeiros, 60 - Espinheiro, Recife - PE, 52021-030 5581 3242 [email protected] dar.ieab.org.br facebook.com/dar.ieab CARTA PASTORAL DE DOM SEBASTIÃO ARMANDO, POR GRAÇA DE DEUS E ELEIÇÃO DO POVO, BISPO DA IGREJA CATÓLICA DE CRISTO, NA DIOCESE ANGLICANA DO RECIFE, DA IGREJA EPISCOPAL ANGLICANA DO BRASIL, SOBRE A SAGRADA LITURGIA E SEU LUGAR NA VIDA DA IGREJA 1. INTRODUÇÃO: LITURGIA, A JOIA DA IGREJA Esta é a última Carta Pastoral que escrevo à Diocese, em meu ministério de Bispo diocesano. Há muito que tenho desejado fazê-lo, mas julgava que os tempos ainda não estavam maduros. Entrementes, crescemos e nos fortalecemos. Para mim, dois sinais são evidentes: depois de tantas crises e tribulações, a Diocese chegou ao Sínodo de 2006, se não unânime, com clara maioria, ao sugerir o nome de sua preferência para a eleição de bispo pelo Sínodo; e agora, no último Concílio, chegamos ao pleno consenso ao aclamar um só nome, o do Reverendo João Peixoto Filho, para a consideração do próximo Sínodo Provincial. Além disso, em nossas comunidades, temos crescido em novas sínteses: comunidade local e dimensão diocesana; paróquia da Catedral cada vez mais consciente de sua missão de sé diocesana; Igreja, comunidade a serviço da sociedade; espiritualidade e ação social; diaconia sociopolítica e diaconia da Liturgia... É verdade que “longo ainda nos resta o caminho a percorrer”, mas não é possível ignorar os passos que, pela graça de Deus, com esforço e alegria, temos feito. É que a vida caminha em seu próprio ritmo, quanto mais quando temos de considerar que interferem os ritmos e a respiração de cada pessoa e de cada grupo. Agora desejo “coroar”, quer dizer, concluir o exercício de meu ofício de bispo diocesano com o chamado à Diocese a refletir e meditar

CARTA PASTORAL DE DOM SEBASTIÃO …dar.ieab.org.br/wp-content/uploads/2013/07/SOBRE-A...que já está no meio, ou seja, Deus como dom total e absoluto, plenitude de nossa vida, já

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CARTA PASTORAL DE DOM SEBASTIÃO ARMANDO, POR GRAÇA DE DEUS

E ELEIÇÃO DO POVO, BISPO DA IGREJA CATÓLICA DE CRISTO, NA

DIOCESE ANGLICANA DO RECIFE, DA IGREJA EPISCOPAL ANGLICANA DO

BRASIL, SOBRE A SAGRADA LITURGIA E SEU LUGAR NA VIDA DA IGREJA

1. INTRODUÇÃO: LITURGIA, A JOIA DA IGREJA

Esta é a última Carta Pastoral que escrevo à Diocese, em meu

ministério de Bispo diocesano. Há muito que tenho desejado fazê-lo, mas

julgava que os tempos ainda não estavam maduros. Entrementes,

crescemos e nos fortalecemos. Para mim, dois sinais são evidentes: depois

de tantas crises e tribulações, a Diocese chegou ao Sínodo de 2006, se não

unânime, com clara maioria, ao sugerir o nome de sua preferência para a

eleição de bispo pelo Sínodo; e agora, no último Concílio, chegamos ao

pleno consenso ao aclamar um só nome, o do Reverendo João Peixoto

Filho, para a consideração do próximo Sínodo Provincial. Além disso, em

nossas comunidades, temos crescido em novas sínteses: comunidade local

e dimensão diocesana; paróquia da Catedral cada vez mais consciente de

sua missão de sé diocesana; Igreja, comunidade a serviço da sociedade;

espiritualidade e ação social; diaconia sociopolítica e diaconia da Liturgia...

É verdade que “longo ainda nos resta o caminho a percorrer”, mas não é

possível ignorar os passos que, pela graça de Deus, com esforço e alegria,

temos feito. É que a vida caminha em seu próprio ritmo, quanto mais

quando temos de considerar que interferem os ritmos e a respiração de

cada pessoa e de cada grupo.

Agora desejo “coroar”, quer dizer, concluir o exercício de meu

ofício de bispo diocesano com o chamado à Diocese a refletir e meditar

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sobre Liturgia. Já adianto que o texto será longo, para ser lido e pensado

lentamente. Não porque a Liturgia seja o que há de mais importante na

Igreja, apesar das aparências e de todo o investimento que fazemos

ordinariamente no aspecto religioso e ritual da expressão da fé cristã. Na

verdade, o que há de mais importante é o amor (cf. 1Cor 13). Aliás, é o

que nos ensina claramente o Evangelho e, particularmente, a Primeira

Epístola de São João. É o amor que nos define enquanto discípulos e

discípulas de Jesus, pois “declarar” a fé com os lábios, diz São Tiago, até os

demônios são capazes de fazê-lo (cf. Tg 2, 19). Pensar que sabemos orar

pode ser terrível ilusão narcisista. Pois a oração pode não passar de

simples exercício de olhar-se no espelho, para consolar-se ou confirmar-

se, justificando-se pelas próprias obras. Facilmente, podemos iludir-nos na

contemplação do próprio rosto, fechados(as) em nós mesmos(as), sem

capacidade de abrir-nos verdadeiramente a Deus, jogando-nos,

confiantemente, para além de nós. Segundo o autor da epístola joaneia, é,

ao abrir-nos a irmãos e irmãs que de nós necessitam, que testamos,

realmente, a capacidade de abertura a Deus, o Outro por excelência. Por

isso, o critério decisivo de pertença a Cristo é a capacidade e a decisão de

amar (cf. 1Jo 4, 7-21; Mc 12, 28-34).

Sim, a Liturgia não é o mais importante na vida da Igreja, decerto o

mais importante é o amor que se concretiza em dom de si, entrega,

serviço, partilha e sacrifício, até da própria vida. É a vida em adoração,

como ato contínuo de culto, nosso “corpo oferecido em sacrifício vivo” (cf.

Rm 12, 1-2). É a vida consagrada, total e radicalmente, sem divisões nem

dualismos. Adorar não é, prioritariamente, render culto ritual a Deus, é a

prática do amor que tem de estar no centro da vida pessoal e coletiva,

pois, das virtudes teologais, “ a maior delas é o amor” ( Cor 13, 13). Por

isso, nossas relações interpessoais e comunitárias, e o ministério de

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diaconia sociopolítica têm de ser o centro da vida quotidiana da Igreja. A

fé não é outra coisa senão a nova divina visão que se nos comunica pelo

amor e que surge da prática do amor, é ver o mundo como Deus o vê, a

saber, amorosamente. A esperança é firme confiança em que o

“éschaton” é o que nos move, em outras palavras, é o Fim do caminho

que já está no meio, ou seja, Deus como dom total e absoluto, plenitude

de nossa vida, já agora. Se o amor nos leva a operar com as mãos para que

a vida seja mais bela; se a fé nos descortina horizontes sempre de maior

beleza na experiência da realidade do mundo; a esperança de que a

beleza é possível, o que levava Santo Agostinho a cantar: “ó beleza tão

antiga e sempre nova”, é o que nos move a celebrar, proclamar a poesia

de nossas utopias, criar o espaço privilegiado do exercício de esperar. A

liturgia é, por excelência, celebração da esperança.

Sim, é verdade, Liturgia não é o mais importante, é só

“sacramentum” da realidade vivida e esperada, só traz à tona o

“mysterium absconditum”, oculto no íntimo de nossos amores. É só a jóia,

pedra preciosa a enfeitar de beleza e brilho a vida da Igreja de todo dia, é

o “glamour” autêntico escondido no quotidiano, no ordinário, na

simplicidade dos gestos desde os mais simples. Com efeito, liturgia não

são os dedos, nem os braços, nem a cabeça, nem o pescoço do corpo da

Igreja, mas é a jóia que lhes confere encanto, brilho, resplendor.

Manifesta aquela dimensão estética, criadora de beleza, que está na raiz

dos sonhos que fazem nascer qualquer projeto de vida (se o mundo é

bonito – cf. Gn 1 -- pode ser ainda mais bonito), e que se concretiza no

imperativo ético (se pode ser, deve ser mais bonito) e na prática política

(se deve ser, tem de ser mais bonito, com os meios de que de fato

dispomos). Na poética da Liturgia, resplende a beleza, irradia o brilho da

“glória de Deus que resplandece na face de Cristo” (2Cor 4, 6) e é capaz

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de, penosamente, redimir nossa vida e transfigurá-la pela beleza do amor

(cf. 2Cor 3, 18).

Não sei se serei capaz, pois falar de Liturgia é já tocar, de perto,

horizonte e atmosfera que sentimos em Apocalipse, livro eminentemente

litúrgico, quando se nos abrem os véus e como que se nos revela o céu.

Justamente a visão que teve Jesus ao receber o batismo: “E enquanto

subia da água, viu rasgados os céus e o Espírito descer até Ele” (Mc , )

na forma do pássaro gerador da criação (cf. Gn 1, 2; 8, 8-12). Como quer

que seja, minha intenção é só ajudar a Igreja a se deixar encantar pelo

resplendor da pedra preciosa, que, é certo, não está destinada a substituir

o “corpo” (cf. Rm 2, -2), mas a dar-lhe encanto e ressaltar a beleza de

seus traços. Liturgia é feita para tornar mais irradiante o brilho da vida e

nos devolver a ela, com a firme convicção de que pode ser ainda mais

bela, se lhe transfundimos a energia do Espírito que habita nossos corpos

como em templo (cf. 1Cor 3, 16; 6, 19-20). Afinal de contas, liturgia é ato

sublime de vida, e esta é templo, adoração, nosso “culto racional”, isto é,

o culto como deve ser.

Eis por que deixei que esta fosse a “última” Carta Pastoral. Como

um ato de entrega da jóia da Igreja, sempre a preservar com o cuidado de

quem guarda um tesouro, que enfeita seu corpo para se apresentar

dignamente, como noiva bonita, ornada e engalanada para seu Amado (cf.

Ap 21-22; a partir daqui valeria a pena reler Oseias e Cantares).

2. LITURGIA É ADORAÇÃO

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Conceito chave na tradição anglicana e nela onipresente é o de

“adoração” (“worship”, em inglês). Quem sabe, haja nisso forte influência

do monaquismo que, como sabemos, está nas raízes da formação do

Cristianismo nas Ilhas Britânicas. Provavelmente, através do monaquismo,

chega a influência da Igreja do Oriente na qual o conceito é central. A vida

é adoração, consagração do tempo e do trabalho a Deus, causa

transcendente e glória de toda a criação (cf. Sl ; 3 ). O lema “ora et

labora” sintetiza e manifesta, justamente, esta mentalidade: “a obra de

nossas mãos”, o trabalho, é o exercício da oração, da consagração a Deus

de nossa vida; doutro lado, a oração é chamada de “opus” (obra) ou de

“officium” (trabalho) ou também “servitium”, ou seja, os dois tipos de

“trabalho” se entrelaçam. É bom lembrar que “culto” tem a ver com

“cultura” (a totalidade da obra criativa humana sobre a natureza), e o

termo “cultura” se aplica particularmente ao trabalho agrícola e ao

trabalho intelectual – obra de nossas mãos e obra de nosso íntimo...

Daí, a imagem da liturgia como espaço privilegiado do sublime

encontro entre terra e céu. No Anglicanismo também a liturgia é algo

central. É experiência da dimensão profunda do mistério cristão,

enquanto aliança entre a comunidade humana, reunida pelo Espírito em

torno da Trindade, princípio e modelo de toda a realidade criada. Na

celebração comunitária da liturgia, a Igreja se expressa como comunidade

e aprende, na prática, a ser efetivamente comunidade. Também é na

celebração reiterada da liturgia que a Igreja aprende o que é para crer :

“Lex orandi, lex cridendi”. É da “concentração” (pensemos em atletas) na

liturgia que a Igreja se “dispersa” para realizar a tarefa de evangelização,

dizer ao mundo, por gestos e palavras, que o amor é possível, que a

comunhão é a forma autêntica de viver a humanização, de tal forma que a

experiência comunitária (trinitária) se difunda no tecido da sociedade e

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chegue até a penetrar a própria criação material. É por isso que se diz que

Anglicanismo é, antes de tudo, “atitude e atmosfera” de vida, ou seja,

espiritualidade.

Não devemos, porém, esquecer que, ao falar de liturgia, estamos a

pensar sob a categoria de “sacramentalidade”. Ou seja, celebração

litúrgica é evento sacramental, a saber, símbolo da realidade da salvação

que age eficazmente, na vida das pessoas, da comunidade, da sociedade,

do cosmos. Celebramos as obras de Deus em nossa vida, em nós e por

nossas mãos. Como nos diz, expressamente, o Apóstolo São Paulo, “o

sacrifício vivo” é nosso corpo, isto é, nossas relações, ações e as estruturas

de organização que criamos, tudo isso consagrado a Deus. E esse ato de

consagração se revela, em sua verdade, quando se opera em nós a

“metánoia”, ou seja, a transformação profunda de sentimentos e

pensamentos e, por decorrência, de comportamentos, na medida em que

já não nos “con-formamos” (não assumimos a forma, não nos deixamos

modelar) às estruturas do sistema deste mundo (cf. Rm 12, 1-2).

Adoração se dá, antes de tudo, na realidade do dia a dia. Os antigos

teólogos falariam aqui de “res”, coisa, acontecimento, isto é,”nós em

Cristo”, vitalmente. No ato litúrgico, essa realidade (“res”) vem à tona,

conscientemente, mediante “sinais” (“sacramentum”), coisas e gestos que

revelam a realidade escondida no íntimo e no quotidiano da vida ordinária

no mundo. Enquanto se realiza aqui e agora a liturgia, quando os “sinais”

compõem o ato litúrgico, então, temos o que os medievais chamavam de

“sacramentum et res”, ou seja, os sinais no ato de revelar (tirar o véu) a

realidade que está em nós. Lutero formulava a mesma coisa, quando dizia

que, “postos os elementos (sinais), a Palavra de Deus constitui o

sacramento”, isto é, mediante os sinais e a Palavra, revela-se a graça

salvadora presente em nossa vida.

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É por isso que, na Igreja, no centro de tudo, tem de estar o amor

que restaura pessoas e situações de vida, como o mostram claramente os

evangelhos e se explicita de maneira particular na Primeira Epístola de São

João. A liturgia, o culto, não é o centro de tudo, pois o Cristianismo não é,

nem simplesmente nem acima de tudo, religião. Se assim se apresenta

hoje na sociedade, é resultado de um lamentável desvio, desde que a

Igreja cristã se tornou religião da sociedade grecoromana e, assim,

legitimação ideológica de sua organização social, política e cultural. Não é

o que vemos no Novo Testamento e, muito menos ainda, no

comportamento de Jesus. Naturalmente, como se dá com Jesus, o amor se

exerce por gestos e palavras, e, em dimensão estrutural, através da

diaconia sociopolítica da Igreja, marcada essencialmente por gestos e

palavras proféticas. É isto o que se celebra e, por celebrá-lo, se confirma a

decisão e o compromisso de agir, de lutar para que este mundo vença o

pecado e vá além de sua forma atual, modelada por poderes de opressão

(cf. Ef 6, 10-17; Cl 1, 16), e se transforme de acordo com os sonhos do

Criador: “E Deus contemplou o que tinha feito e disse: é muito bonito”

(Gn , 3 : é bom lembrar que, em Hebraico, “bom” e “bonito” são o

mesmo vocábulo; cf. 1Cor, 7, 31). Não é outra coisa o que vemos nas “0

Marcas da Missão”, formuladas pela Comunhão Anglicana há anos.

Nascida do anúncio das boas novas pela conversão das pessoas, a Igreja se

sente um povo convocado por Deus a reunir-se e se fortalecer como

comunidade de crentes, pela comunhão fraterna, a escuta atenta da

Palavra de Deus e a celebração da liturgia, particularmente dos

sacramentos. Mas esse não é o objetivo de sua existência, pois é enviada

por Deus ao mundo para, em favor dele, exercer a tarefa salvífica do

próprio Deus, revelada na vida e obra de Jesus de Nazaré: prestar serviços

de amor a quem necessita; lutar pela transformação das estruturas

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injustas da sociedade; zelar pelos recursos da criação, conservar e renovar

a vida na terra; e lutar para promover e garantir a paz. Assim, na liturgia,

celebramos e testemunhamos a maravilhosa obra de Deus, que se realiza

pelo poder do Espírito Santo, através de nós, e, deste modo, nos

confirmamos e fortalecemos na missão de Deus.

Tudo isto significa que liturgia é, essencialmente, evento simbólico

que se dá pela mediação de determinados instrumentos de comunicação

(posturas corporais, relações entre as pessoas, gestos, coisas, palavras,

rituais, etc ). Sua função, enquanto produto cultural (religioso), é servir a

um objetivo antropológico, social e político: expressar e, ao mesmo

tempo, reforçar, e até produzir e legitimar uma determinada visão do

mundo, o que equivale a uma especifica maneira de compreender a ação,

uma mentalidade, em outras palavras, uma espiritualidade, ou seja,

explicitar os motivos teologais da ação e das lutas da vida.

Daí decorrem duas perspectivas, a partir das quais a Igreja é

chamada a avaliar sua vida, as relações e as instituições e,

particularmente, o culto com o qual tanto se ocupa: estamos a produzir e

manifestar uma vivência e visão do mundo de acordo com os padrões do

sistema estabelecido, de exploração, dominação e alienação¿ ou estamos

a promover a assimilação de atitude crítica que estimule a confrontar o

sistema estabelecido e, assim, encarnar a profecia bíblica, cuja finalidade

é denunciar a injustiça nas relações humanas e com o universo, e

anunciar novas possibilidades da realidade¿ Só assim se garante à vida

cristã sua dimensão escatológica de abertura ao futuro absoluto e

transcendente em relação às ”obras” já produzidas “por mãos humanas” e

ao presente como tal. A primeira perspectiva é o que a Bíblia designa

como “serviço aos ídolos”, a segunda é o “sacrifício de louvor” ao Deus

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vivo, interessado na salvação, a saber, na cura dos males, na restauração

da integridade das pessoas, em suma, na libertação e plenificação gloriosa

da imagem de Deus na humanidade.

3. IMPORTÂNCIA DA LITURGIA

Temos de dedicar zelo, cuidado e reflexão à liturgia. Não porque

seja o que há de mais importante na Igreja, uma vez que o mais

importante é a prática do amor. Mas porque, através dela, é que aparece

ao povo a face mais visível da Igreja, mais pública e identificável. Isto é

assim porque o senso do religioso é espontâneo e fundamental na vida

das pessoas, celebrar dá prazer e é necessidade humana primária. Até

quem é ateu tem necessidade de celebrar a vida e manifestar sua

dimensão poética profunda, isto é, sua transcendência, mesmo que essa

não se refira a um Deus pessoal. De fato, é mediante a liturgia que a

Igreja, ordinariamente, mantém contacto com a população, pois é o

espaço aonde o povo acorre em maior quantidade e com mais freqüência.

E, em última análise, lamentavelmente, dependemos de uma já longa

tradição de fazer da liturgia uma das atividades, senão a atividade, mais

importante da vida da Igreja.

Como dito acima, liturgia é expressão poética, simbólica, de nossa

vida consagrada à obra de Deus. Em todo caso de amor é assim,

precisamos de símbolos e momentos simbólicos que manifestem e

confirmem os sentimentos que nos inspiram a mover-nos e agir. O

problema é que muita gente tem compreensão equivocada do que

significa “símbolo”. Quantas vezes já não temos escutado frases como

esta: “Ah, pensei que era real, mas é só símbolo”¿ Ora, “sým-bolos” quer

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dizer aquilo que nos conecta, une com outra coisa ou pessoa. O contrário

é “diá-bolos”, o que divide, aparta, separa. No caso, o “sinal” externo nos

conecta com a “realidade”, invisível, interior, vivida. Mas atenção, não se

trata de realidade distante que é apenas lembrada mediante o sinal, mas

de “realidade” presente, agora, perto de nós e em nós. Ao produzir o

“símbolo”, fazemos vir à tona o que está “realmente” presente, mas não

se mostra por si mesmo, só por nossos gestos e relações, por nós e em

nós. Os mistérios da fé: o amor de Deus como Criador e Pai; a condição

sublime de sermos, em Jesus, filhos e filhas; a ação redentora e

santificadora de Deus , mediante Seu Filho e o Espírito Santo; a presença

real de Cristo ressuscitado, vivo entre nós, como Cabeça do Corpo que

somos nós, e do universo inteiro (cf. Cl 1, 15-20)... tudo isto é realidade já

presente, mas “escondida com Cristo em Deus”, pois não se mostra por si

mesma, só por “sinais”.

Não é, porém, de admirar, pois também em nossas relações

humanas as realidades mais belas e profundas não se mostram por si

mesmas, só se revelam por sinais. Pensemos no amor. Não se mostra em

si mesmo. Está “presente” realmente, marca o mais íntimo de nós, move o

que somos e nosso agir, mas só aparece por gestos e relações. Beijar e

abraçar, por exemplo, não são o amor, são sinais exteriores que podem

revelar (sim, “podem”, porque correm o risco de ser falsos e significar até

mesmo traição, pensemos no beijo de Judas), podem revelar que o amor

está presente e, deseja, fazer-se visível. Em outras palavras, os símbolos

são sinais que nos conectam com a realidade atual e presente na vida,

mas escondida. É isto o que chamamos de “sacramento” ou liturgia.

“Símbolo” é o que faz vir à tona as dimensões mais profundas e mais

lindas da vida. Ao celebrar a Eucaristia, por exemplo, a Igreja não costuma

falar de “memória de Jesus”, justamente para não deixar que tudo se

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perca em mera “lembrança”. Faz questão de falar de “memorial”, noção

bíblica muito mais rica e que aponta para a presença da vida e da obra de

Jesus no momento atual de nossa vida. Não se trata de mera recordação,

mas de vivência atual do mesmo mistério revelado no passado, presente

agora em nós. O Ressuscitado está no meio de nós (cf. Jo 20, 19-29; 14,

22.28; 15, 1-17), é Emanuel (cf. Mt 1, 23).

É por isso que podemos acrescentar que a liturgia manifesta a

vocação escatológica do povo de Deus, a saber, aquele dinamismo, já

presente, que nos impulsiona na direção do futuro de Deus, pois Deus

presente entre nós já carrega e garante esse futuro. De repente, no

espaço e no tempo do mundo presente, no “santuário”, espaço que

reservamos simbolicamente para que aconteça o aparentemente

impossível, como que “o véu se rasga”, abre-se a cortina e, à semelhança

do que se narra em Apocalipse, nós nos sentimos participantes da liturgia

celestial, para além do tempo e do espaço quotidianos. Eis por que a

liturgia é espaço e momento particularmente estéticos, de beleza que

deve atingir todos os sentidos – olhos, ouvidos, olfato, tato, pele, gosto,

enfim, mexer com nossas emoções, desde o profundo das vísceras, e com

nossas relações com as pessoas e as coisas. Isto está a exigir que a

preparemos da melhor maneira possível, justamente como se faz com

obra de arte, de poesia, de teatro, de música, de dança... Há texto,

retórica, cenário, coreografia, arquitetura, escultura, pintura e ação de

personagens em cena. Sim, não esqueçamos, liturgia é “drama”,

expressão totalizante, concentrada, daquilo que se acha disperso e

fragmentado nos tempos da história passada e nas vivências do

quotidiano de agora. Como em bom teatro, tudo tem de chamar a

atenção para o que há de mais profundo na vida que se vive a cada dia.

Daí, a liturgia dever ser, simultaneamente, bela, poética e mística,

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“evento” estético, que recolhe e antecipa a ética e a política. Celebrar e

contemplar, “como se estivéssemos a ver o invisível “(cf. Hb , 27), deve

enviar a agir para que a Beleza se encarne no dia a dia da vida e do

mundo, pois “o Verbo se fez carne” (Jo 1, 14; cf. Pr 8; Sb 7).

Permita-se que fale de duas experiências pessoais. Durante o

período em que fui bispo na Diocese Anglicana de Pelotas, tive a felicidade

de ser, ao mesmo tempo, pároco de duas comunidades, sucessivamente.

Na primeira, o objetivo principal era suscitar o senso de participação, não

só na execução, o que já acontecia de maneira exemplar, mas também na

reflexão e na decisão; avivar nas pessoas o senso missionário; promover o

estudo bíblico; renovar o canto na liturgia. Experiência gratificante que

ainda hoje recordo com alegria e saudade. Na outra, o principal era

renovar a liturgia, mediante a constituição de uma “equipe de liturgia”.

Reuníamo-nos, cada segunda-feira à noite, para avaliar o culto do

domingo e planejar a celebração do domingo seguinte. Éramos uma

diácona, um ministro pastoral auxiliar, o primeiro guardião, a

coordenadora da UMEAB, mais um leigo e eu. Compartilhávamos as

leituras bíblicas e as comentávamos, como também recordávamos o que

estava acontecendo em torno de nós, na comunidade e na sociedade, em

vista de preparar a pregação; escolhíamos os cantos correspondentes;

cada qual se encarregava de uma determinada tarefa, inclusive da

pregação. Tudo devia acentuar o tema bíblico do domingo e levar a

comunidade ao compromisso ao qual a Palavra nos chamava como povo

em comunhão. Era bonito sentir como a congregação percebia que a

celebração não saíra de uma única cabeça, nem estava concentrada numa

só pessoa. Ou seja, a maneira de preparar a liturgia já era mensagem de

comunhão e participação, de intercâmbio de dons entre clero e povo.

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Sinto saudades daquele momento, quando experimentávamos o que o

povo gosta de dizer: “O melhor da festa é esperar por ela”.

4. A LITURGIA, EXPRESSÃO DO QUE É DE FATO A IGREJA

Todos e todas nós conhecemos o clássico adágio do Catolicismo,

desde a Antiguidade, apropriado com muito zelo pela tradição anglicana:

“Lex orandi, lex credendi”. Isto quer dizer que na liturgia se revela o que

cremos, é espelho de nossa fé. Podemos acrescentar-lhe uma paráfrase e

dizer também: “Lex orandi, lex agendi”, na liturgia também se revela como

agimos, não é apenas espelho do que cremos, mas do que na realidade

somos. Ao celebrar, temos o retrato de como vivemos nossa vida na Igreja

e como Igreja.

A liturgia vai, necessariamente, mostrar se somos comunidade

aberta ao mundo e aos problemas da vida do povo, ou se somos um gueto

de gente piedosa; se somos um grupo de pessoas comprometidas com a

obra de Deus, ou apenas buscamos no culto consolo para nossas dores e

expressão de nossos sentimentos religiosos; se somos comunidade

alternativa ao sistema do mundo, onde se acolhem em pé de igualdade

gente rica e pobre, homens e mulheres, pessoas adultas, jovens e

crianças, gente madura na fé e neoconvertida; ou somos classistas,

sexistas, moralistas, gente cheia de preconceitos e excludente; se somos

uma roda de dons, onde se partilham serviços , carismas e bens, ou uma

pirâmide hierarquizada, conforme modelos de poder mundano; se somos

comunidade participativa na qual as pessoas leigas têm plena condição de

autoridade e criatividade, como “laós (povo) de Deus”, ou se somos um

“rebanho” controlado e dominado pelo clericalismo de pastores; se

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somos comunidade onde domina o personalismo do clero ou de pessoas

leigas influentes, ou, realmente, uma fraternidade vivida com alegria e

participação e sem constrangimentos; se somos um povo politizado, com

atitude crítica diante de qualquer sistema estabelecido, seja civil, militar

ou eclesiástico, ou uma massa acrítica e alienada; se somos gente com

profundidade espiritual, aberta culturalmente, preparada teologicamente

e capacitada metodologicamente, ou gente superficial, infantilizada,

despreparada. Na maneira como celebramos, infalivelmente, deixamos

transparecer a maneira de pensar a Igreja (teoria eclesiológica) e de viver

a Igreja (prática eclesial). Nossa práxis litúrgica (prática e teoria) será

reflexo da práxis eclesial (prática e teoria).

Se é assim, qualquer celebração litúrgica deve carregar algumas

características elementares: deve ser tradicional e inculturada, carregar

nossa herança de família e, ao mesmo tempo, testemunhar que nossos

olhos estão abertos ao contexto no qual estamos inseridos(as). Dom

Sherrill, bispo emérito e fundador de nossa Diocese, dizia certa vez, com

sabedoria: “Ser anglicano é, ao carregar nossa herança de família, fazer

em cada lugar onde estamos, com a iluminação do Espírito Santo, o de

que o povo necessita aqui e agora”; presidida (atenção, não “celebrada”)

pelo clero, mas celebrada pela comunidade toda, portanto, com a

qualidade verdadeiramente de “oração comum”, isto é, da comunidade.

Por isso, o que está no centro do espaço litúrgico é a mesa da refeição

comunitária, não a tribuna do pregador; bem preparada para que “faça

acontecer” e não seja apenas ato de recitação de um texto. Tem de levar

em conta as lições bíblicas com o tema central que propõem para cada

celebração, a situação em que se acha a comunidade no momento, e os

problemas da sociedade que nos envolve e, assim, seja cheia da vida;

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participativa, com tarefas do clero e do povo leigo, de tal modo que não

esteja centralizada, personalizada e clericalizada.

5. LITURGIA É PEDADOGIA

Se “lex orandi, lex credendi”, a Liturgia é espaço privilegiado de

fortalecimento da fé e de aprendizagem e assimilação da mente da Igreja

(doutrina, catequese, teologia, prática conforme o Evangelho)). Por isso, é

imprescindível dar particular importância a sua função pedagógica que se

desdobra em três aspectos: deve formar para a koinonía (comunhão da

vida comunitária), deve ser disdaskalía (transmitir a doutrina da fé), e

deve ser mystagogía (introduzir ao mistério de Cristo revivido em nossas

vidas).

O mais elementar é o povo perceber o curso do Ano Litúrgico, ou

Ano da Igreja. Conhecer as várias diferentes quadras do Ano, saber de sua

importância e sentido. Sobretudo as quadras de Advento-Natal-Epifania e

a da Quaresma-Páscoa, concluindo-se com a festa de Pentecostes e o

Domingo da Trindade. Ao longo do ano se desenrola pedagogicamente,

mediante “drama”, o mistério da salvação, para que sejamos

introduzidos(as) nele e o assimilemos profundamente ao crescer na

identificação com Cristo. Ao celebrar o Ano Litúrgico, a Igreja nos convoca

a consagrar a Deus todo o curso de nossa vida, da sociedade e da própria

criação.

Que bom será se o povo cristão tiver em mãos as indicações do

Lecionário Bíblico para a leitura diária das Escrituras! Se tiver

conhecimento do Santoral para contemplar, no testemunho de santos e

santas, como pessoas humanas como nós têm vivido o mistério de Cristo,

de tal forma que em suas vidas resplandece a vitória da graça de Deus.

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Assim, são exemplo e estímulo para a caminhada, como o faz a Carta aos

Hebreus (cf. Hb 11-12). E há certos sinais ou costumes que, com

sabedoria, a tradição da Igreja tem conservado e que são pedagógicos,

como, por ex., a cor litúrgica para cada tempo; a diferença nos

paramentos entre as ordens; as velas e as flores; a coroa do Advento; o

presépio; as cinzas (ou outro sinal mais atual) para marcar o começo dos

exercícios quaresmais; o Domingo de Ramos com a evocação da entrada

de Jesus em Jerusalém, aclamado com ramos de palmeira; oTríduo Pascal

com a bênção dos óleos e a renovação dos votos ministeriais, que

deveriam ser do clero e do povo; o lavapés; a solenização da Ceia do

Senhor e sua relação com a ceia judaica; o desnudamento do templo; a

Vigília Pascal, “Mãe de todas as vigílias”, dizia Santo Agostinho, com a

cerimônia do fogo novo, do círio e da água para lembrar o batismo... Uma

outra tradição anglicana – não católica romana – é, durante a Quaresma,

abster-se de celebrar casamentos, por seu tom particularmente festivo, e

batizados, reservando estes últimos para a Vigília ou o domingo de

Páscoa, momento mais apropriado para batizar.

Um dois ministérios mais importantes na Igreja é o do canto e da

música, e a eles se pode associar o da dança. Digo sempre que o canto

está na mesma altura da pregação e, sob certo aspecto, acima dela. É que

a pregação, por sua própria índole, tem de apelar bastante para o

raciocínio, a reflexão, enquanto o canto e a música vão ao mais recôndito

das emoções. O sentimento é a região mais secreta, brota das vísceras, o

mais íntimo, a região dos afetos, dos desejos profundos, onde se acha

nossa dimensão erótica (do prazer) e a sexualidade.

Não se trata simplesmente de “tocar e cantar”, como se fosse só

enfeite ou entretenimento. O canto e a música na liturgia devem fluir da

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espiritualidade de quem dirige esse ministério. Devem ser fruto de

sensibilidade espiritual. Por isso, como se dá com o ministério pastoral, o

“ministério de louvor” exige de quem o carrega profunda coerência de

vida cristã: honestidade nas relações e nos negócios, vida de oração,

simplicidade, bondade, modéstia e humildade, delicada atenção às

pessoas e fina sensibilidade para perceber seus sentimentos e estado de

espírito. Muito para além de arte, é “espírito”, atitude ética e atitude

mística. Assim, o ministro ou ministra se prepara para enfrentar certas

tentações típicas que avançam, com freqüência e às vezes

sorrateiramente, sobre quem se põe à frente e, particularmente,

pastores(as) e ministros(as) de música. No caso destes(as), com o

agravante de que se trata de artistas: a vaidade, o encantamento consigo

mesmos(as) e com a própria obra, a concorrência, a dificuldade de

trabalhar em equipe, o personalismo, o exibicionismo e a facilidade para

impor seus próprios gostos e projetos...

Além disso, é ministério que supõe fina sensibilidade para

auscultar o estado de espírito da comunidade e sua realidade no que diz

respeito ao estágio de maturidade da fé e da prática cristãs. Seu encargo é

o de conduzir a comunidade a expressar pelo canto o que já vive e pensa,

seu jeito de crer e de praticar a fé. Mas é sua tarefa também ajudá-la a

sedimentar e aprofundar as convicções de fé. Além disso, o canto da fé

tem de ser profético, como se lê nas Escrituras (cf. Ex 15, 1-21; Jz 5; 1Sm 2,

1-11; 1Cr 16; Jt 16; Lc 1, 39-80; Mt 11, 25-27). Na mesma linha profética,

de louvar a Deus por proezas na história em favor de Seu povo e

sobretudo pela consolação e o levantamento de quem é pobre e abatido,

encontramos muitos textos nos livros proféticos e em diversos salmos.

Para isto, é necessário ousadia, assim como, ao mesmo tempo, agudo

senso de paciência pedagógica para conduzir delicadamente a

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comunidade a crescer na fé e perceber novas dimensões dos apelos de

Deus, particularmente ajudá-la a abrir-se a manifestar, pelo canto, o

compromisso da Igreja – de nós – com a “obra de Deus”, que é a

libertação das pessoas, particularmente do povo mais pobre e desprezado

pelos sistemas deste mundo. Em outras palavras, ministério de música é

carisma de inspiração, “faro” de pastor e instinto profético.

Finalmente, não devemos esquecer que o ministério de música

não é para produzir “show musical”, objeto de enfeite ou de distração,

não é para chamar atenção para si, mas para servir na liturgia, ou seja, é

estímulo e auxílio a uma comunidade orante. Por conseguinte, é preciso

escolher o que cantar em cada quadra litúrgica. Há cânticos próprios de

Advento, tempo de espera; de Natal, alegria e louvor para celebrar a

Presença; de Epifania, revelação de Jesus a todos os povos; de Quaresma,

tempo de penitência, de intensificar a oração, a meditação da Bíblia e de

aprofundar a própria conversão; de Semana Santa e de Páscoa, celebração

da doação total de Jesus e de Sua Ressurreição. Deve mesmo haver

aqueles cânticos que só voltam cada ano na quadra litúrgica apropriada.

Não é para cantar qualquer coisa em qualquer tempo. Música litúrgica

tem tudo a ver com memória afetiva (o que se cantava em casa, ou na

infância, ou em determinados eventos de nossa história pessoal, familiar,

comunitária...), com discipulado, com formação bíblica, com catequese,

com conscientização e aprofundamento dos critérios do Evangelho, com

profecia e estímulo a comprometer-se com a obra de Deus na sociedade.

Tem tudo a ver com “nós”, e não apenas com “eu”...

Além de observar a quadra litúrgica, o canto tem de ser apropriado

a cada momento da celebração. Uma coisa é cantar na “entrada”, outra, é

preparar-se para confessar pecados; outra é louvar e agradecer pela

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generosa graça de Deus que se derrama em nossas vidas, outra, é cantar

para meditar, o salmo, por exemplo; outra é aclamar o Evangelho, santa

palavra de Jesus; outra é cantar para expressar nosso ofertório de vida e

bens; outra é celebrar nossa comunhão com Cristo e entre nós; outra é o

canto final de envio e de compromisso com a missão... Cada momentos

desses exige tipo de canto diferente.

Há certas Igrejas aonde nunca se chega com atraso, pois o culto

está sempre, de certo modo, a recomeçar: canto, leitura, palavra,

testemunho; de novo, canto, leitura, pregação, canto... Em nosso Igreja,

no entanto, a celebração da Santa Eucaristia tem um ritmo próprio, de

acordo com duas linhas dinâmicas. Uma corre em ritmo ascendente, cada

parte do culto vai conduzindo a comunidade ao ápice que é a Grande

Oração Eucarística e a santa comunhão. A outra linha corre em ritmo

circular, tudo deve girar em redor do tema bíblico do dia. O canto litúrgico

deve levar em conta essas duas linhas. De um lado, conduzir a

comunidade a dirigir-se à mesa, ao momento sublime da Ceia do Senhor,

para participar do mistério da Paixão e da Ressurreição de Jesus. Santa

Ceia não é apêndice à liturgia da Palavra. Daí, a importância do cântico de

ofertório, de comunhão e de envio, que contribuem como pedagogia

“mistagógica” (que introduz ao mistério da fé). Doutro lado, o canto deve

levar a comunidade a assimilar o tema bíblico proposto pelas leituras e

pela homilia, deve cumprir a função de “eco” da palavra bíblica e, assim,

ajudar a comunidade a interiorizá-lo e aprofundá-lo, enquanto o recebe

sempre de novo, de variada forma, ao longo da celebração, já desde o

processional de entrada, passando pelo canto de confissão, o louvor, a

aclamação ao Evangelho, o ofertório, a comunhão até o envio. Destarte,

será fácil ao povo levar o tema bíblico na mente e no coração para toda a

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semana, fortalecido pela comunhão no Corpo do Senhor, presente entre

nós.

6. CONCLUSÃO

Espero que esta reflexão, sobre princípios básicos da relação entre

liturgia e vida cristã, a jóia preciosa e “o corpo oferecido em sacrifício

vivo”, ajude a renovar em nós a compreensão mais plena da função do

culto como expressão e, ao mesmo tempo, confirmação de nosso

compromisso com “o brilho da glória de Deus” neste mundo. A esta

seguirá uma exortação pastoral para tratar de maneira mais concreta do

ordenamento do culto.

Recife, 24 de Junho de 2013,

Festa de São João Batista, Profeta Precursor de Nosso Senhor Jesus Cristo

+ Sebastião Armando, Bispo Diocesano