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IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA II CARTAS BAIANAS O LIBERALISMO E A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL (1821-1823) CORRESPONDÊNCIA LUSO-BRASILEIRA Estudo, organização e notas de ANTÓNIO MANUEL MONTEIRO CARDOSO e ANTÓNIO D’OLIVEIRA PINTO DA FRANÇA

Cartas duma Família Luso-Brasileira - incm.pt · de que me sinto próximo, chegadas do passado para um rendez-vous surpresa, que o cumprimento de deveres conjugais do avô Fonte

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IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

II

CARTAS BAIANASO LIBERALISMO E A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

(1821-1823)

CORRESPONDÊNCIA LUSO-BRASILEIRA

Estudo, organização e notas de

ANTÓNIO MANUEL MONTEIRO CARDOSO

eANTÓNIO D’OLIVEIRA PINTO DA FRANÇA

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APONTAMENTO SENTIMENTAL SOBRE OS TEXTOS

ÀmemóriadomeuPaiedomeu irmãoBento,quecomigopartilharamestaaventurapelopassado

Há muitos anos, desde que estas cartas vieram parar às minhasmãos, tinhaeu20anos,que imaginava trabalhá-lasepublicá-las,umdia.Nesteperíodoque se seguiu à independênciadas antigas colóniasportu-guesasemÁfrica,asuapublicaçãorevestiu-sedeparticularoportunidade,oferecendo temas de comparação e de meditação. Com efeito, está cons-tantemente presente nesta correspondência a angústia da opção entre oBrasilePortugal,porpartedosmembrosdumafamíliaapanhadaporumtemporal histórico que ia determinar fundas modificações no curso dosdoispaísesenassuasprópriasvidas.Essaspáginasestãocarregadasdasdúvidas, da lucidez, dos medos, do sofrimento e da coragem com queseguiam e se envolviam, dia a dia, nos acontecimentos que se desenca-deavam em torno de si. Constituem o testemunho da participação deuma família variada na gestação da independência brasileira.

Não é minha intenção escrever um prefácio a este conjunto de car-tas com a preocupação de fazer uma rigorosa inserção delas no períodohistórico da independência da Bahia, a que dizem respeito. É eviden-te que isso compete a um estudioso desse período. Pretendo localizá-las«romanticamente» no espaço, dar-lhes uma terceira dimensão. Recorro aesta expressão no sentido duma certa permissividade de sentimentos daminha parte ao manejá-las e interpretá-las. Não me fiquei severamentenos factos, deixei que a minha imaginação trabalhasse sobre eles, tanto

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quanto esses factos o permitiam. Entendi ainda que, do ponto de vista«romântico», a narração dos acontecimentos que rodearam o meu tra-balho—curiosamente começado no Rio e terminado em Bissau—e aslinhas de sangue e sentimentos que entrelaçaram esses acontecimentosdariam às cartas um novo sabor, essa terceira dimensão, o fascínio doencadeamentodavidaedaspessoas,amisteriosaprofundidadehistóricade cada homem, sempre nele presente. Também ouso fazer apreciaçõessobre o carácter de cada um dos personagens que participam na corres-pondência ora publicada, para além do que escrevem, na base da intimi-dade e da afinidade que histórias ouvidas por tantos anos acabaram porcriar entre mim e essas figuras, que se situam quase dois séculos atrás.

Esta colecção de cartas caracteriza-se por uma unidade que lhe vemde duas condições. Por um lado, todas elas, duma maneira ou doutra,estão ligadas ao problema da independência do Brasil, tal como vividoemSalvador.Poroutro,sãopraticamente todasendereçadas,por familia-res seus, a Luís Paulino d’Oliveira Pinto da França, que nesses anos foideputadopelaBahiaàsConstituintes.Baianodenascimento, jurista,bompoeta, militar, herói das campanhas napoleónicas, e também político ediplomata, que morreu marechal-de-campo do Exército Português. Umapersonalidadedegrandevigor,comtodososatributosdageraçãoqueemPortugal marcou a introdução do romantismo. A sua vida, os seus afec-tos e sobretudo a sua morte enquadram-se na gesta do herói romântico.

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Há quatro gerações, desde o regresso a Portugal, que circulam nafamíliasaudadesemitosdaBahiaquente,sensualemisteriosa.D.Antó-nia,D.SebastianadeSãoFrancisco,D.Mariade Jesus1, linhamatriarcalde enérgicas senhoras de engenho, que, no Recôncavo, nascem, amam,

1 D.MariaFranciscadeJesusFerreirad’EçanasceuemJacuípe,SantoAmarodaPurificação,em20deAbrilde1745,casouem8deFevereirode1762comocapitãoBento JosédeOliveiraemorreuemAgostode1777.D.Sebastiana, filhadeAmbró-sio Francisco de Pinho, natural de Portugal, mas sobrinho do fundador do Engenhoda Transfiguração de Jacuípe, e de D. Sebastiana Ferreira de São Francisco, nasceuem Santo Amaro e morreu em São Pedro do Rio Fundo, em 7 de Maio de 1755.D. Antónia, filha do sargento-mor André Ferreira d’Eça, natural de Portugal, e deD. Antónia Pereira, nasceu em Santo Amaro e morreu em São Pedro do Rio Fundo,em13deOutubrode1736.

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oupelomenoscasameprocriamsucessivamente,desdeosprincípiosdoséculo xvii, com homens vindos de Portugal em busca de glória, poder efortuna.Delas saem,nos finsdo século xviii, duas geraçõesdePintosdaFrança baianos com um pé lá e outro no Norte de Portugal.

Vão e vêm sempre em relação com as figuras literárias, políticas emilitares da sua época: períodos de vida no remanso de quietas e bu-cólicas quintas, no ambiente conservador de Penafiel, nos círculos inte-lectuais e pré-revolucionários das academias coimbrãs, no labutar pa-cato-burguês do comércio do Porto, em destemidas acções na catástrofenapoleónica, logo alternadas por vida mundana na corte do Rio, longasexperiências agrícolas no Engenho tropical de Aramaré2 ou envolvimen-tospolíticosemSalvador.Fermentaalia independência,extremam-seoscampos, e os Pintos da França, por educação e temperamento, homensde centro, seguem e analisam os acontecimentos com uma objectividadedolorosa, conscientesdosexcessosdos radicais,quenão lhesperdoamaclareza e a serenidade. São anos de angústia, que, na incerteza, vão em-purrando os homens para uma hora de escolha difícil: Portugal? Brasil?Soa a hora e a família separa-se, cada um na sua opção. O meu trisavôregressadefinitivamenteaPortugal,emboraos laçossemantenhamentretodosestreitos, íntimoseafectivos.Umpoucoemparaleloàsprópriasre-lações entre Portugal e oBrasil.Masospaíses têmmemória, comoexis-tência, mais longa que as famílias, e nós em Portugal vamos perdendocontacto com os parentes e o mundo baiano; rareia a correspondência,partilham-se, desfazem-se os bens da casa, bens materiais que ajudamo homem a manter fictícias uniões. Subsistem contactos, cada vez maisesparsos,degeraçãoemgeração.Permanecem,por fim,histórias, anedo-tas, documentos, nomes, dados hirtos e secos em livros genealógicos ouem biografias que, muito embora, ajudam a manter a magia antiga dostempos baianos.

Na geração do meu avô, passou por Lisboa o baiano Salvador daFrança, como seu primo direito do mesmo nome, boémio, versão tropi-cal do toureiro borda-d’água lisboeta, charme de fim de raça, como elearrancado à vida em pleno garbo pela tuberculose, fim romântico conve-niente ao galã da belle époque. O seu charme marcou as irmãs do meuavô, que, lembro-me, dele contavam a graça da pronúncia e de comoele sempre as chamava «ó prima, ó prima». Depois o silêncio, até 1955.

2 «Aramaré» parece ser uma palavra de origem tupi e designará um pequenopeixe fluvial.

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O meu pai, tios e eu próprio começámos então a receber cartas de pa-rentes genealogistas de Salvador, nos termos imprecisos em que muitosbrasileiros falamdopassado,mas, seguramente,pedindoelementosparase reencontrarem. Correspondência rala, mas que cerrou laços e tornouum pouco mais reais esses nebulosos primos do Brasil, que das brumassurgiram, ainda imprecisos, na multidão gerada pelos 17 filhos do tioHenrique, irmão do meu bisavô.

No ano agitado de 1974, chega-me de surpresa o convite para as-sumir o cargo de cônsul geral no Rio. Foi o alvoroço de restabelecer oslaços, de ser o primeiro a regressar a essa raiz tropical, após cento ecinquenta anos só de recordações! Para mim, era a grande aventura deidentificar «pessoas-nomes», ligadas a nós por um fio de sangue e tra-dição, definir caracteres, arrancar o véu àquelas denominações saborosasde terras longínquas, perdidas no continente, pisar o Engenho, redes-cobrir locais e sentimentos. E lá parto munido de listas com os nomesde parentes, sem endereço nem cidade, e de umas sessenta cartas defamília escritas na Bahia, entre fins de 1821 e 1823, que ainda ninguémtrabalhara.

EmAgostode1974,poucosdiasapósodesembarque, instaladopro-visoriamentenos faustos fastidiososdeSãoClemente3, localizooErnânida França Torres. Conhecia vagamente a ligação, fez-me festa calorosa ecarioca.«Nóssomosmuitos,amaiorpartenaBahia, jáprimossegundos,seremos poucos aqui no Rio, talvez uns 15. Vou fazer contactos, e lá es-taremos na próxima quarta-feira à noite.» Na véspera comunica-me que,iniciados os contactos, chegara à conclusão que errara nas contas: «Nãosomos 15, somos 80!»

Compareceram em massa. Que engraçado ver entrar pelas largasportas de São Clemente esses desconhecidos familiares, um tanto inti-midados, solenes, que aos poucos se descontraíam. Alguns não se viamhavia anos, outros nem se conheciam, e eram os mais velhos que, pres-surosos, acudiam: «Já viu meu neto? Está na Escola Naval» ou «Esse aíé meu genro!»

Sentei-os, mais tarde, em torno da grande mesa de São Clemente,para lhes explicar as origens comuns, essa misteriosa realidade imóvelno passado que nos unia na diversidade divertida, irónica, de nossos

3 Imenso palácio construído no Rio para residência dos embaixadores de Por-tugal,erro inexplicável,poisestava jáentãodecididaamudançadacapitalparaBra-sília.

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destinos actuais. Passei-lhes algunspapéis comdados esquemáticos e fa-lei-lhes do fascínio da instituição Família, lato sensu, passado-presente--futuro, que, mais do que forma de orgulho vão, é marca, mesmo queinconsciente, e cujodesvendaréumadas chavesdescodificadorasdaqui-lo que somos mental ou fisicamente. Disse-lhes pensar que esse fascíniovemdavocaçãoegostodetodoohomemparaseeternizar,essasededevencer a morte na doce e confortável ilusão que nomes, família, países,civilizaçõesperduramparasempre.Emboraconduzaaumaficção,a forçapor detrás do fenómeno é respeitável, por ser a mesma que nos leva aoconceitodeunidadeda raçahumana,desdeosprimórdios, e, sobretudo,a ideia de Deus.

Na euforia do fim da noite chegou o Sr. Seixas, fotógrafo fiel dacolónia, com a sua cabeleira de maestro, duma anafada loucura artística,óculosnapontadonariz,que,encarrapitadonumescadotebemafastado,já em pleno jardim, para dar ângulo à lente, fixou para a posteridade ogrupodeaparatoe circunstância laboriosamentearrumadonopórticodoPalácio. Diverte-me observá-los um por um, descobrir aqui e ali curiosassemelhanças de família. No Brasil, como em todos os países novos, ofenómeno social evolui rápido e livre.Raça,personalidade, sensibilidade,requinte e até cultura afirmam-se e esvaem-se, efémeros, numa geração,comovagasdooceanonaspraias.Paradoxalmente,parecem-mepreocupa-dos com a «pureza de sangue»; foi de reprovação e desgosto o tom emquenegaram, terminantemente, terhavidoqualquermiscigenação«sacrí-lega» nas cálidas noites baianas que os fecundaram. De facto, uma certacor pálida comprova a veracidade dessa dramática falta de imaginação.A minha ingénua pergunta reflectia o íntimo desejo de saber se teriaentrado na família a herança africana ou índia de doçura, naturalidade ealegriadeviver.Conhecendoo carioca,nãoesperavaosolhares escanda-lizados com que me fulminaram estes filhos de Salvador.

Aorevê-losna fotografia,eporelaosrelembrandoumporum,seráque imagino ou romanceio, descobrindo aqui e ali feições familiares oudetectando,namaioria,essemesmosentidodeamizadedesangueeuni-dade familiar,amesmasimpatiacalorosanocontactocomosoutrosquevivisempreentreosmeus?Nasuaquase totalidadesão figurashumanasde que me sinto próximo, chegadas do passado para um rendez-voussurpresa, que o cumprimento de deveres conjugais do avô Fonte Nova,lá pelos idos de 1830, colocou no meu destino.

Esbatidosos ecosdesse encontro, ficounaminhamesade trabalhoo dossier das cartas baianas. Durante meses, folheei-as ao sabor da fan-tasia.Era fácil ler anotaqueumantepassado intermediário, carinhosoe

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maisexpedito, lhesacrescentaraem floreadacaligrafiade finsdoséculo:«Cartas de Família, muito interessantes, por dizerem respeito aos acon-tecimentos que precederam a independência do Brasil.»4

Contudo,acaligrafiadosrestantespersonagensdessediálogoepisto-larpermanecia insondável, àparte algumas frasesmais evidentes.Quan-tos segredos, quantos dramas, amor e sofrimentos não se escondiamnelas? Saboreei a expectativa de as desbravar e comecei a trabalhá-las,muitodevagarinho.Aospoucos, foram-meabsorvendo, embebi-menelasaté já não ser necessário fazer qualquer esforço para resistir ao apeloestonteante da «praia», que, cada manhã, entra de roldão pelas casascariocas! Ao longo de um ano, familiarizei-me com as peculiaridades dascaligrafiasdosdiversospersonagens;àmedidaqueas transcrevia,aquelesnomesqueatéagoraeram,emalgunscasos,etiquetasvaziasemregistosgenealógicos ou, noutros, epígrafe de áridas biografias históricas ganha-ram conteúdo humano e dramática dimensão de angústias, afectos, qua-lidades ou vícios de personalidade. O carácter de cada uma foi ficandomais nítido, acontecimentos foram-se entrelaçando, até formar a malhadum quadro colorido e real de vida e sofrimento. Surgia a projecção dopensamento e da filosofia dum agitado período histórico, de seres hu-manos que se formaram entre fenómenos tão díspares como a Revolu-ção Francesa e a subsequente intervenção napoleónica em Portugal e astropicais e apaixonadas circunstâncias que rodearam a independência doBrasil. Profunda revoluçãodementalidades, violentodesafioque a todosenvolveu e a cada um obrigou a dolorosas opções de consciência, quepenetraram até à gama dos afectos familiares. Esses personagens torna-ram-se tão vivos que, em certo momento, comecei a ter a sensação deque se haviam vindo sentar, em semicírculo, em torno da secretária daminha sala de trabalho.

Maria-Bárbara-do-retrato-perdido, que, em 1829, cantando ao pianonum engenho do Recôncavo, fez ao viajante italiano Patroni5 «a mesma

4 O irmão mais velho do meu avô, Bento da França Pinto d’Oliveira, estaria aprepararumestudosobreessacorrespondência, trabalhoquenãoseencontra.Aco-lecçãodascartascontinuouguardadanosarquivosdafamíliaatéomeutio,Salvadord’OliveiraPintodaFrança,measteroferecidoemCoimbra,em1954.PordecisãodafamíliaPintodaFrança,ascartas, juntamentecomoespóliodeLuísPaulino,encon-tram-senoArquivoHistóricoMilitar,emLisboa (fundo52,cx.860-861).

5 A Viagem de Patroni pelas Províncias Brasileiras do Ceará, Rio de São Fran-cisco, Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro nos Anos de 1829 e 1830, editado emLisboaem1851.

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impressão que Vénus fizera ao pai dos deuses quando as lácteas tetaslhe tremiam no concílio celeste, congregado para decidir da sorte doslusitanos nos mares da Índia», desenhava-se-me uma beleza rubeniana,opulenta,vigorosa.Oestilodassuascartasnumerosassurpreende,antesde mais nada, pela cultura e pela facilidade e originalidade de expres-são numa mulher nascida em Penafiel, na segunda metade do séculoxviii e numa família da fidalguia rural, extracto social em que grassavaa ignorância, sobretudo entre as mulheres. Também é verdade que foinessa classe, da nobreza das províncias, entre a toga e a espada, que serecrutaram os «progressistas», permeados dos ideais pré-revolucionários,que constituíram os contingentes da liderança liberal. Maria Bárbara citaCamões, reproduz máximas latinas, mas reporta-se, constantemente, aosnovosconceitosromânticosdePátria,Nação,IndependênciaePoderCons-titucional. É impressionante a violência do seu amor pelo marido, comoviolentos são seus sentimentos em relação aos seus inimigos. Logo nasprimeiras cartas se reflecte a sua impetuosidade em torno do caso Ro-sado. Cumula-o de injúrias: «infame, cobarde, o maior dos monstros» eproclama que quer «ver-lhe aquela maldita farda arrancada daquele in-digno corpo», que tem ânimo de «beber-lhe o sangue».

Contudo, como muitos temperamentos apaixonados, mostra-se ge-nerosa, capaz de perdoar. Ao longo da correspondência, Maria Bárbararefere-se com amargura à ingratidão, mesquinhez e espírito intrigantedosseus irmãosFelicianoeHenriqueGarcez.Acusa-osdesealiaramaos«praistas»6ededizeremmaldeLuísPaulinoedo filhoLuís,atitudequeprovoca a ira violenta de Maria Bárbara. Mas quando a crise se agudizae Henrique se vê em apuros pela sua persistente acção contra o partidobaiano,elaescreveparaoRiode Janeiro,emfinsde1823,epedeaLuísPaulino:«DizaoManoHenriquequepororanãovenha […],poisqueosseusinimigos,quesãoosparentesdesuaMulher,trabalhamsurdamente.E, quando sequer insultar alguém, compram-seosnegrospara gritarem.Quedeixeacalmar,poiseutremoporele.Bemqueelepoucomemerece,mas sou sua irmã e a todos desejo venturas.» (Carta 55.) Não se sujeitaà orientação dos filhos já homens nem lhes aceita os conselhos. Prefereenfrentar as dificuldades e decidir só, nos momentos mais difíceis, quernas crises financeiras, quer nas políticas. Ciosa das suas prerrogativas, éela quem determina na administração do Engenho, dos empréstimos a

6 Designava os comerciantes da cidade baixa, portugueses de origem, que seopunhamaomovimento independentista.

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obter,das letrasa lançar7.Contraaopiniãodeseu filhoBento,éelaqueassume a responsabilidade de sair de Salvador e partir para o interiordominadopelos rebeldes,quando lhepareceperdidaa causaportuguesa.A ter-se enganado isso teria acarretado retaliações políticas, incluindo oconfisco de bens. A esse propósito, diz Bento, na carta de 27 de Agostode 1822: «A Mãe saiu para fora da Cidade […]. Não foi por minha von-tade que ela foi, mas ela quis e assim o fez.» (Carta 40.)

Curioso ressaltarem-se preocupações de carácter ecológico em MariaBárbara, numa época em que tão pouca atenção se dava a problemasdessaordem.Essaspreocupaçõesdãotestemunhodumasensibilidadere-quintada. Com efeito, em 24 de Agosto de 1822, quando o general Ma-deirasepreparavapara resistiraumeventualataquenavaldas forçasdeD. Pedro, Maria Bárbara relata assim as obras de defesa que alastravamna Cidade: «E todas as roças são reduzidas ao nada, não existe uma ár-vore, casas sãodemolidas […].Acasae roçadeLandofer sãodestruídas[…] finalmenteàBahiaumasóárvorenãoresta.Confesso-teque,acadagolpe de machado que eu via dar da minha janela, corriam dos meusolhos dilúvios de lágrimas. E que sucederia ao bom Silvestre, ao Folet,quando viu cair as duas grandes mangueiras que embelezavam a sua ro-cinha? Não tenho palavras e só te digo: se entrassem na Bahia canibaisassanhados não fariam tantos danos.» (Carta 38.)

Assaudades,odesespero,a intensapaixãopelomaridonuncaseso-brepõemaoseusentidodaresponsabilidadeevemo-la resistirà tentaçãode tudoabandonarpara regressaraPortugaleali realizarosonho,diver-sas vezes descrito, de se retirar com Luís Paulino à paz romântica dumaquintadoNorte.É certamenteesteautodomínioqueexplicaaparadoxalsensatez e a objectividade com que esta mulher tão apaixonada julga osacontecimentospolíticosdasuaépocaeaenergiacomquecondenaqueros radicais portugueses, quer os extremistas brasileiros. E ressalta dascartas que a distinção entre brasileiros e portugueses, ou «europeus»,era já uma realidade antes da independência. Luís Paulino era brasilei-ro, porque nascido na Cachoeira, e ela portuguesa, porque de Penafiel.

A certa altura,MariaBárbara resumenumasó fraseo estadodees-píritoquepareceanimarosautoresdas cartaseexplicaroequilíbriodassuas posições: «Amo Portugal, gosto do Brasil e desejo o bem, pois não

7 AacçãodeMariaBárbaraàcabeçadoEngenho,queseprolongariaportantosanosapósamortedomarido,parececorroborarereforçarastesesdealgunsescrito-resbrasileirossobreopapeldamulhernaadministraçãodosengenhos.

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sou nem egoísta nem ambiciosa», escreve ela em 13 de Abril de 1822.(Carta16.)E trêsdiasmais tardeafirmacomaltivez:«Tubemsabesqueeu sou imparcial e, como tu, amo o que for de justiça.» (Carta 17.) Comnotávelclarividênciaobservaem12deMaioseguinte:«Nãose iludamaí:nadafazemcomosbrasileirospor força.Doçuraemaisdoçura, igualdadee mais igualdade.» (Carta 25.) E em Agosto conclui, com indignada vee-mência: «Os brasileiros não são enteados, são filhos.» (Carta 38.)

A mentalidade acima reflectida é, pode dizer-se, outra face da uni-dade das cartas. Uma unidade espiritual. Constitui, talvez, um dos la-dos mais interessantes destes documentos. Data do período apaixonadoque se seguiu à independênciaumacerta atitudemaniqueísta aindahojeprevalecente entre alguns historiadores brasileiros. As personalidades daépocasão julgadasearrumadasemdoisblocos:pró-Brasil,ouanti-Brasil,bons e maus. Dos textos vivos e espontâneos destas cartas ressalta ummundo de nuances e uma gama de sentimentos que comprova a inde-pendência honesta e a pureza de intenções com que muitos procuraramsoluções justas de compromisso, buscaram a conciliação. Nesta corres-pondência, os interlocutores de Luís Paulino funcionam como um espe-lhodasuaconcepçãodosacontecimentosque,porcerto,marcaramasuaacção nas Constituintes. Onde está o «traidor» à causa brasileira que ajuntabaiana fezsairdeSalvadorem1823?Ondeestáo«intrigante»que,em Novembro de 1823, o governo brasileiro expulsa e, indirectamente,condenaàmortenoaltomar?Essavisãoda figuradeLuísPaulino repe-te-se depois no Brasil, de historiador em historiador, embora os trave avida heróica do personagem, enaltecida pelos historiadores portugueses.Quantas outras figuras continuarão injustamente interpretadas, como nasombra permanecerá todo um grupo social que, como a gente que escre-ve estas cartas, se esforçou por encontrar uma paz e uma unidade justaentre Portugal e o Brasil, embora bem conscientes da progressiva degra-daçãodasituaçãoprovocadapela intolerância, incompreensãoeexcessosdum lado e doutro.

O grau de ligação com o Brasil marca o tom das diferentes posi-ções familiares, que depois se traduziram na escolha do destino de cadaum. Bento, o filho mais velho, nascido e criado em Portugal, aí retorna;seu irmão Luís, nascido também em Portugal, mas educado na Bahia,adopta o Brasil, como o fazem as suas irmãs, uma delas casada com umbrasileiro da vanguarda da independência baiana. Mas todos guardam alucideze se recusamadeixar-sedominarporpaixõesou fanatismos.Porisso,coincidemtestemunhosquedãoe julgamentosqueemitemsobreosmesmos acontecimentos e até sobre as figuras políticas da época.

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Bento e Luís, então com 26 e 22 anos, escrevem com o fogo daidade, num estilo menos cuidado, aquém dos primores da mãe ou dopai, vítimasque terão sidodas convulsões sociaisdo seu tempo,queemmuito cercearam as condições de educação da nova geração. Revelam-sebem diferentes um do outro. Bento, uma personalidade forte, corajoso,duma rectidão por vezes quase desumana, mostra-se frio e inteligente,umembriãodo líderqueviria a ser.Nota-senelemenos calor e fantasiaque nos pais.

Luís acorda uma certa ternura pelo fulgor duma juventude só e an-gustiada.Nãoparecemuito inteligentenemmuito ambicioso,mas, inex-plicavelmente, deixa-nos uma impressão de encanto sensual e secreto,vítima dum doce cativeiro tropical, que terá saboreado dengosa e persis-tentemente, nos longos períodos de isolamento no Engenho. Enraizadono Brasil, só por respeito ao pai adiou, quase até ao final, a sua adesãoaos revoltosos, e é bem interessante acompanhar a evolução dos seussentimentos através da correspondência.

Será curioso referir o que dele nos diz a condessa de Barral, trintaanosmais tarde.O imperadorPedro II preparava, em1859, umaviagemàBahia epede à amigadedicada,baianadenascimento, que lhe forneçaelementos sobre as personalidades que ele iria encontrar. Essas notas«secretas», aliás cheiasde espírito, por vezespicantes, começamprecisa-menteporumaalusãoao filhomaisnovodeLuísPaulino,então jáavan-çado nos anos. Faz-lhe um retrato curto, mas duma severidade incisiva:«SuaMajestadeoImperadortemGuarda-Roupaefectivo,oBrigadeiroLuísda França Pinto Garcez, homem sem educação, um verdadeiro soldado,porémfilhodumdistintoPai,LuísPaulinoPintodaFrança,DeputadoàsCortesemLisboaehomemmuitodebem.»Claroqueaexpressão«semeducação»traduzaquia ideiade«semcultura»,característica imperdoávelparaaBarral,queduranteanoscirculounosmeios intelectuaisdeParis8.

Opensamentodosdois irmãos,acadanovacarta,avançaemdirec-çõesopostas, comoondas causadasnaságuasdas suasvidaspelapedra-da violenta daqueles acontecimentos incontroláveis, que, aos poucos, osultrapassam.

AúnicacartadeMariaSabinaconfirmaapersonalidadesuave,dócile vulnerável ao amor, que ressalta das referências da mãe. Viveria obce-cadapelapaixãoporummaridoquea ignorava,masquea fascinariana

8 CartasaSuasMajestades,1859-1890,CondessadeBarral,editadopeloArquivoNacionaldoRiode Janeiroem1977.

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sua truculênciademacho.Viveria a apagar-se, pálida emansa, resignadaa ver a única filha morta ser substituída por bastardos mestiços que,mais tarde, cairiam avidamente sobre a herança.

Maria Francisca9, a filha temporã, tem só 7 anos, é a fixação damãe e nela se terá fixado para morrer solteira, poucos anos depois dela.Mas também a indefinível Mimi deixa a sua marca nas cartas, numacurta frase à guisa de post scriptum, em caligrafia incipiente, a enviarbeijosaopai.Éumagotaquesealastrapelocoloridodavidaquotidiana,em meio à tempestade ameaçadora que envolvia a família. Ressurge doanonimatopara se finar, talvez amarga, em1859, aos45anos,deixandoemtestamentoaseusobrinhoSalvador10,portuguêsdistante,oSobradona cidade da Bahia, com seus móveis e escravos. Mas Salvador, talvezexaustopelas responsabilidadesdapastadaGuerraemgovernoregenera-dor,morrera,entretanto,eéseu irmãoBento11queobtémdossobrinhose enteados autorização para dissipar o último penhor baiano, dando, deLisboa, instruções para a sua venda.

Outros interlocutores se somam a este núcleo central. Alguns dosmuitos irmãosdeMariaBárbara tambémescrevemdoRio,dePenafieloudoPorto.Tãodiferentesunsdosoutros! José,oamigodesempredeLuísPaulino, é um espírito esclarecido e universal, o bravo da campanha daRússia, vigoroso mas desiludido pela amargura das acusações de «afran-cesado».Comoele liberal,masnoentusiasmodos20anos,éAntãoGar-cez, futuro barão da Várzea do Douro, figura romântica empenhado dealma e coração na causa liberal. António Garcez, ouvidor e provedor dejustiças no Rio, prudente, sem heroísmos nem fantasias, manifesta uma

9 MariaFrancisca ficariasolteira.Pareceadivinhar-seumvagoromancenas re-ferências que anos mais tarde lhe faz, em seu diário, António Ferrão Moniz, o inte-lectual baiano regressado de Paris, então nos seus 23 anos, e que Wanderley Pinhocolocanacategoriados«inadaptáveis».Ooriginaldessediárioencontra-senacx.36da colecção Wanderley Pinho, hoje no Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, noRiodeJaneiro.Deleconstamasseguintespassagens:15deJulhode1835,«LáestavaaeleganteMariaFrancisca»;30deAgostode1835,«TodaatardeestiveramD.MariaBárbaraesuafilha»;26deSetembrode1835,«JantouaquiD.MariaFrancisca,edenoitedançámoseaquiestiveramoVianaeD.MariaBárbara.»MariaFrancisca terianessaaltura18anos.

10 Salvador de Oliveira Pinto da França, segundo filho do 1.o conde da FonteNova,quemorreriaem1867.

11 BentodaFrançaPintodeOliveira,últimofilhodocondedaFonteNova,queviriaasergovernadordeTimor.

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mentalidade de pacato burguês de toga, cortesão e conformista. Dos ir-mãos Henrique e Feliciano existem cartas publicadas no 1.o volume des-ta obra (INCM, 2008), mas nenhuma figura na presente colecção. Poralgumas referências que lhes faz Maria Bárbara se conclui que esta osconsiderava intriguistas, ingratos e gananciosos. Henrique Garcez, apesarda sua hostilidade inicial à independência, viria a optar pela causa bra-sileira, alcançando o posto de brigadeiro no Exército do Brasil. Quantoa Feliciano Garcez, tornaria a Penafiel, nele recaindo a representação daCasa dos Garcez, por morte de seu irmão José.

ÉassimvariadooquadrodafamíliaGarcez…SóasogradeLuísPau-linosenãorevelanasduascartas impessoaisqueescrevedePenafielparao genro, então em Lisboa, nas agitadas lides do Congresso Constituinte,nadifícilepoucoretributivaposiçãodeseoporaexcessos,querportugue-ses,querbrasileiros,edenãotrairafidelidadepatriótica,queo ligava,fa-tidicamente,aomesmotempoaPortugaleaoBrasil,equeafinalolevariaàmorte.Essasduas cartasdeD.MariaLibóriaMáximaGuilherminasãoapenaspequenos«exercícios»,emestilobarroco,dumadamaprovincianadoséculoxviii,quepoucoounadanosdizemsobreapersonagemnascidade uma família de origem humilde, que fizera fortuna recente no Brasil.

Muito mais reveladoras são as duas cartas de Salvador Pereira daCosta, baiano, filho de Minas Gerais, pai de Maria José, nora de LuísPaulino e futura condessa da Fonte Nova. Oportunista, caçador de fa-vores, consegue, em poucas linhas, traçar o seu espírito aproveitador.E aproveitou tão bem que chegou a encarregado de negócios do Brasilem Lisboa. Uma das suas cartas e alguns comentários de Maria Bárbaradeixam adivinhar o personagem12.

Em Maio de 1822, encontra-se com sua mulher em Portugal, paraonde a junta de governo da Bahia o mandara preso, por implicação naintentonade3deNovembrode1821.Procura tirarpartidoda influênciade Luís Paulino, lamuria-se, queixa-se de falta de dinheiro e insiste, nãohesitando, videirinho, em intrigar por ganância, para que ele o consigaembarcar de graça numa corveta da Fazenda Nacional.

«V. Ex.a, para beneficiar-me, o que deve fazer é dirigir-se amanhã acasa do Quintela, Ministro da Marinha, a pedir-lhe que lavre uma porta-

12 LuísPaulinotiveracomelegravesdesentendimentos.Em1819,Bentocasarasem autorização paterna, às escondidas, e Luís Paulino afirmava, em cartas a seuscunhados,que tudohaviamsidomanobrasdeSalvadorPereiradaCosta, «à caçadehonrasedinheiro».V.o1.ovolumedestaobra (INCM,2008).

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ria para que o Comandante do Regeneração dê, ao Coronel Salvador detal,umdoscamarotesdacâmara,queestãodestinadosaosoficiaissubal-ternosquevãodepassagem, inclusiveumcapitãodePernambucoquevaiencaixar-senaLegião,nãoseiparaquê;atéseriabomqueodesembarcas-se,paranão irpreterirosoficiaisdeCavalaria,quehão-deardercomestedespacho,eassimtenhoeucómodo»,concluicomdesfaçatez. (Carta23.)De regressoaSalvador,MariaBárbaraacha-omuitoobrigadoaLuísPau-lino.PrudentementerefugiadoemcasadocônsuldeInglaterra,pornomePennel,adereàcausabrasileira.LuísPaulino jánão lhe interessavaagora,émesmoumaligaçãoperigosa,eMariaBárbara,a24deAgosto,mergulha-daemdesgostoehumilhaçãopor tervistoquenãoadmitiamseumaridoemSalvador, escreve amargamente aLuísPaulino,queacabarade seguirpara o Rio: «Da nossa pobre Sabina ainda não tive notícias. Seu maridonão fez o favor de procurar-me, nem o Senhor Salvador. Santas gentes!Mas isto me não dá cuidado! Pobres ingratos, eu vos carpo!» (Carta 52.)

Assim vivem, se agitam e se revelam estes interlocutores da po-derosa figura de Luís Paulino, formando um leque de personagens dasuaépocaqueemergemdummaçodecartasmilagrosamentepreservado.Esse maço terá viajado com Luís Paulino de Lisboa à Bahia, da Bahiaao Rio e, em Fevereiro de 1824, sido abandonado com os seus papéis,quandodobrigueGlória lançaramaoAtlânticoocorpoque,horasantes,ainda quente de paixões, sentimentos e ideias, escrevera um comovedore literariamente brilhante soneto de despedida a todos os que amara.Esse espólio terá sido entregue um mês mais tarde a seu filho Bento,queencontramosemLisboaemFevereirode1824.Terãoascartasvindoainda uma vez à Bahia, antes de regressarem definitivamente a Portu-gal, passando alguns meses nas gavetas dos gabinetes do Estado-Maiorliberal, na ilha Terceira, onde Bento participava nos preparativos do de-sembarque no Mindelo, ou terão ficado logo a repousar, esquecidas nosarquivos da família, algures, no Norte? Porque as conservaram, se nãotiveram o mesmo cuidado com as respostas, certamente mais valiosas,de Luís Paulino? Natural seria que Maria Bárbara as tivesse guardado,religiosamente, no seu sobrado ao Campo de São Pedro, em Salvador,para consolo da sua longa viuvez de vinte e oito anos. Leu-as e releu-astantas vezes que se desfizeram? Contudo, reflecte-se frequentes vezes,nestacorrespondência,apreocupaçãodesigiloporpartedeMariaBárba-ra. A posição de Luís Paulino era delicada, receava que papéis, onde asopiniões do marido sobre os grandes problemas políticos do momentoserevelavamcoma franquezaquea intimidade familiarpermite,caíssemnas mãos de seus inimigos. Face ao ambiente de intriga e suspeição que

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sepercebe reinavanaBahia, é tambémdeadmitirqueMariaBárbara te-nhatomadoadecisão,emboradolorosa,deacautelaromarido,destruin-do a sua correspondência à medida que chegava de Lisboa. Também épossívelque jazamesquecidasnalgumcaixotepordescuidodosparentesbrasileiros, sóviradosparao futuroe, apartirde certaaltura,obcecadospor problemas de sobrevivência financeira, que não deixavam lugar aqualquer outra preocupação13.

Soboângulohistórico,oestudodascartas implicaaprofundadoco-nhecimentoda independênciabaiana.Paraportugueses,eatéparamuitosbrasileiros, as circunstâncias especiais que condicionaram a independên-cia de cada região esbateram-se no fenómeno da independência globaldo Brasil, que se apresenta, no fundo, como uma transferência fraternal,sem solavancos ou choques violentos. Ora, na Bahia, a evolução não sófoi particularmente complexa, como se processou através de trágicas egraves tensões entre os campos mais extremados. Um erro de Lisboa,no iníciodacrise, colocounogovernomilitardaprovínciaogeneralMa-deira, homem honesto, mas rígido e pouco inteligente, que, para suadesgraça,sedeixoudominare isolarporumacamarilhasaídadopartido«praista», ou seja, dos ricos comerciantes portugueses da cidade baixa,que viam os seus interesses ameaçados.

Oficialduroedeterminado,Madeiramostrou-se inflexível,procuran-do até ao fim cumprir as ordens das Cortes, transmitidas em nome dorei, para se manter «até à última extremidade», recusando qualquer for-ma de apaziguamento ou conciliação. Apoiado em contingentes milita-resmetropolitanos,solidamenteentrincheiradona inexpugnável linhadefortificações de Salvador, foi aos poucos desarmando as tropas nativas,neutralizando a autoridade da junta, poder civil só em nome, e daípassouàmais severa repressãode toda equalquer tendênciapara acom-panhar a evolução que se processava no Rio e dali irradiava para todo oBrasil. Em 10 de Fevereiro de 1821, portugueses e brasileiros da Bahia

13 O Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, no Rio de Janeiro, guarda nacx. 553—arquivo Henrique Garcez—7 cartas de Luís Paulino dirigidas a seuscunhadosHenriqueeFelicianoGarcezao longodoanode1818, inseridasno1.ovo-lumedestaobra(INCM,2008).LuísPaulinocomandava,então,noRiodeJaneiro,o1.oRegimentodeCavalariadoExércitodoBrasil,mas tentavaobterdo rei autoriza-çãoparaseretirarparaaBahiaealitomaradirecçãodoEngenhodeAramaré.Essascartastratam,justamente,desseprojectodeempreendimentoagrícolaaquedesejavaassociaroscunhados,entãoa residiremSalvador.

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ÍNDICE

Apontamentosentimentalsobreos textos,porAntónio d’oliveirA Pinto dA FrAnçA ............................................. 7

Introdução, porAntónio MAnuel Monteiro CArdoso ............................................. 33

CORRESPONDÊNCIA

1821-1823

Critériosde transcrição .................................................................................. 49

Índicedascartas ............................................................................................ 51

ASCARTAS—1.aparte ............................................................................... 55

ASCARTAS—2.aparte ............................................................................... 151

Anexos

I.Documentos relativosà família ............................................................... 177

II.Documentos relativosàmissãodeLuísPaulinoaoBrasil .................... 183

III.Documentos relativosao falecimentodeLuísPaulino............................ 199

IV.ÁrvoresdecostadosdeLuísPaulinoeMariaBárbara .......................... 202