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CARTAS PAULINAS Curso do Pe. Antonio Luiz Catelan Ferreira (segue abaixo o mesmo texto apresentado nos Power Points) 1. Introdução Nos escritos do NT encontramos vinte e uma Cartas. Treze delas são atribuídas ao Apóstolo Paulo (algumas tem sua autoria questionada, como veremos adiante), e outras são colocadas sob a autoridade de outras figuras significativas da Igreja primitiva: duas são de Pedro; três de João; uma de Tiago e uma de Judas. E temos a “Carta” aos Hebreus de um autor desconhecido e que erroneamente foi atribuída a Paulo. Para a fé cristã estes escritos têm uma grande importância, seja porque são “canônicos”, seja porque deram origem à sucessiva reflexão teológica. Lendo as Cartas percebe-se logo que os autores manifestam um vivo testemunho da vida das primeiras comunidades. Estas Cartas enriquecem muito o quadro que obtemos do livro dos Atos dos Apóstolos, composto no final do I século. As Cartas Paulinas são uma reflexão teológica ou pastoral num segundo momento (com exceção da Carta aos Romanos). Antes disso, houve o trabalho missionário de fundar e organizar as comunidades. É certo que o número de comunidades fundadas pelo Apóstolo Paulo e seus companheiros foi muito maior daquelas que receberam alguma Carta. Outra constatação importante é que não foi possível conservar todos os escritos paulinos. Algumas cartas se perderam e não estão no cânon bíblico. Antes do estudo propriamente dito das Cartas Paulinas, vamos conhecer um pouco melhor a figura do seu autor. Sem conhecê-lo bem, é também sempre mais difícil entender toda a riqueza da sua mensagem. O ambiente e o contexto de cada uma das comunidades será conhecido por ocasião do estudo particular de cada Carta. 2. Paulo de Tarso O Apóstolo Paulo nasceu entre os anos 5 e 10 dC, na cidade de Tarso da Cilicia (At 9,11; 21,39; 22,3). Era filho de judeus, da tribo de Benjamin e como era o costume foi circuncidado ao oitavo dia. São Jerônimo informa que seus pais eram de Giscala, na Galiléia. Paulo cresceu seguindo a mais perfeita tradição judaica (Fl 3,5). Tinha uma irmã e um sobrinho que moravam em Jerusalém

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CARTAS PAULINAS

CARTAS PAULINAS

Curso do Pe. Antonio Luiz Catelan Ferreira(segue abaixo o mesmo texto apresentado nos Power Points)

1. Introduo

Nos escritos do NT encontramos vinte e uma Cartas. Treze delas so atribudas ao Apstolo Paulo (algumas tem sua autoria questionada, como veremos adiante), e outras so colocadas sob a autoridade de outras figuras significativas da Igreja primitiva: duas so de Pedro; trs de Joo; uma de Tiago e uma de Judas. E temos a Carta aos Hebreus de um autor desconhecido e que erroneamente foi atribuda a Paulo. Para a f crist estes escritos tm uma grande importncia, seja porque so cannicos, seja porque deram origem sucessiva reflexo teolgica. Lendo as Cartas percebe-se logo que os autores manifestam um vivo testemunho da vida das primeiras comunidades. Estas Cartas enriquecem muito o quadro que obtemos do livro dos Atos dos Apstolos, composto no final do I sculo.

As Cartas Paulinas so uma reflexo teolgica ou pastoral num segundo momento (com exceo da Carta aos Romanos). Antes disso, houve o trabalho missionrio de fundar e organizar as comunidades. certo que o nmero de comunidades fundadas pelo Apstolo Paulo e seus companheiros foi muito maior daquelas que receberam alguma Carta. Outra constatao importante que no foi possvel conservar todos os escritos paulinos. Algumas cartas se perderam e no esto no cnon bblico.

Antes do estudo propriamente dito das Cartas Paulinas, vamos conhecer um pouco melhor a figura do seu autor. Sem conhec-lo bem, tambm sempre mais difcil entender toda a riqueza da sua mensagem. O ambiente e o contexto de cada uma das comunidades ser conhecido por ocasio do estudo particular de cada Carta.

2. Paulo de Tarso

O Apstolo Paulo nasceu entre os anos 5 e 10 dC, na cidade de Tarso da Cilicia (At 9,11; 21,39; 22,3). Era filho de judeus, da tribo de Benjamin e como era o costume foi circuncidado ao oitavo dia. So Jernimo informa que seus pais eram de Giscala, na Galilia. Paulo cresceu seguindo a mais perfeita tradio judaica (Fl 3,5). Tinha uma irm e um sobrinho que moravam em Jerusalm (At 23,16). Sua profisso era arteso, fabricante de tendas (cf. At 18,3). O seu estado civil tambm um tanto incerto, ainda que na maioria das vezes se afirme que era solteiro. De fato, em 1Cor 7,8 ele escreve Aos solteiros e s vivas, digo que seria melhor que ficassem como eu. Mas em 1Cor 9,5 ele escreve No temos o direito de levar conosco nas viagens uma mulher crist, como fazem os outros Apstolos e os irmos do Senhor e Pedro?.

Ainda jovem foi para Jerusalm e, na escola de Gamaliel, se especializou no conhecimento da sua religio. Tornou-se fariseu, ou seja, especialista rigoroso e irrepreensvel no cumprimento de toda a Lei e seus pormenores (At 22,3).

Cheio de zelo pela religio, comeou a perseguir os cristos (Fl 3,6; At 22,4s; 26,9-12; Gl 1,13). Esteve presente no martrio de Estevo, cujos mantos foram depositados aos seus ps (At 7,58). Continuou perseguindo a Igreja (At 8,1-4; 9,1-2) at que se encontrou com o Senhor na estrada de Damasco (At 9,3-19). A experincia de Jesus mudou completamente a sua vida. De perseguidor passou a ser o anunciador at a sua morte, provavelmente em 68 dC.

Na sua primeira misso apostlica, entre os anos 45 e 49, anunciando o Evangelho em Chipre, Panfilia, Pisidia e Lacania (At 13-14), passou a usar o nome grego de Paulo de preferncia a Saulo, seu nome judaico (At 13,9).

Era um homem bem preparado, alm de conhecer bem a sua religio (o que pode ser comprovado pelas muitas citaes ao AT), possua boas noes de filosofia e das religies gregas do seu tempo. Em Tarso, sua cidade natal, havia escolas filosficas (dos esticos e cnicos) e tambm escolas de educadores. Ali nasceu Atenodoro, professor e amigo do imperador Augusto. Paulo algumas vezes utiliza frases desse educador: Para toda criatura, a sua conscincia Deus (Cf. Rm 14,22a). Ou: Guarde para voc, diante de Deus, a conscincia que voc tem ou: Comporte-se com o prximo como se Deus visse voc, e fale com Deus como se os outros ouvissem voc (Cf. 1Ts 2,3-7). Alm disso conhecia bem o grego e o mtodo da retrica. Esforava-se para compreender o modo grego de viver. Alm disso era cidado romano (At 16,37s; 22,25-28; 23,27). Embora no mencione isso em suas Cartas, como se o desprezasse, pois para ele a verdadeira cidadania outra (Fl 3,20). Porm, ele soube tirar proveito desse ttulo, bem como de toda a bagagem cultural adquirida, para conduzir todos a Jesus (1Cor 9,19-22).

Lendo as Cartas percebemos o carter do Apstolo: s vezes muito meigo e carinhoso; s vezes, severo. No abria mo das suas idias e ameaava com castigos. Escrevendo s comunidades comparava-se me que acaricia os filhinhos e era capaz de dar a vida por eles (1Ts 2,7-8). Sentia pelos fiis as dores do parto (Gl 4,19). Amava-os, e por isso se sacrificava ao mximo por eles (2Cor 12,15). Mas era tambm pai que educava (1Ts 2,11), que gerava as pessoas, por meio do Evangelho, vida nova (1Cor 4,15). Sentia, pelas comunidades que fundou, o cime de Deus (2Cor 11,2), temendo que elas perdessem a f. Quando se fazia necessrio, exigia obedincia (1Cor 4,21).

Muitas vezes Paulo apresentado como algum distante do povo e das suas comunidades, incapaz de manifestar sentimentos, indiferente ao drama das pessoas, anti-feminista, moralista e assim por diante. Os que vem Paulo com esses olhos esquecem-se de suas viagens, cadeias, sofrimentos, perigos e, sobretudo, sua paixo por Jesus e pelo povo. Era capaz de amar todos os membros de todas as comunidades, sem distino, chamando-os de queridos e amados ou irmos. Queria que todos fossem fiis a Deus. Assim se tornariam seus filhos, como por exemplo, era Timteo (1Cor 4,17). interessante ler as suas Cartas e anotar com quanta freqncia ele usava expresses, tais como: tudo, todo, sempre, continuamente, sem cessar, etc., e com elas expressar sua constante preocupao para com todos. E basta uma leitura mais cautelosa das suas Cartas para descobrir que Paulo no assim to insensvel e que todo o seu apostolado vem carregado de sentimentos. Ns vos falamos com toda liberdade, Corntios, o nosso corao se dilatou. No estreito o lugar que ocupais em ns, mas em vossos coraes que estais na estreiteza. Pagai-nos com igual retribuio; falo-vos como a filhos: dilatai tambm vossos coraes! (2Cor 6,11-13).

Encontrou dificuldade para ser aceito como Apstolo. As suspeitas vinham do fato ser um perseguidor e sobretudo porque no foi escolhido pessoalmente por Jesus. Quatorze anos aps a sua converso, subiu a Jerusalm, para o Conclio, onde defendeu a no circunciso para os pagos. Ele mesmo se defendeu das acusaes (Gl 1,12, 2Cor 9,2-3; 12,1-4). Para ele, anunciar o Evangelho era uma obrigao: Ai de mim se eu no anunciar o Evangelho! (cf. 1Cor 9,15-17).

Em sua incansvel misso de anunciar o Evangelho Paulo sofreu muito, mas no desistiu. Ele mesmo relata algumas das situaes difceis que passou: Muitas vezes, vi-me em perigo de morte. Dos judeus recebi cinco vezes os quarenta golpes menos um. Trs vezes fui flagelado. Uma vez apedrejado. Trs vezes naufraguei. Passei um dia e uma noite em alto-mar. Fiz numerosas viagens. Sofri perigos nos rios, perigo dos ladres, perigos por parte de meus irmos de estirpe, perigos dos gentios, perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, perigos dos falsos irmos! Mais ainda: fadigas e duros trabalhos, numerosas viglias, fome e sede, mltiplos jejuns, frio e nudez! (2Cor 11,23b-27). Teve que lutar contra os falsos missionrios (cf. 2Cor 10-12) que anunciavam um Evangelho fcil, que fugiam da humilhao e da tribulao. Anunciavam um Jesus sem a cruz. Paulo anunciava o Jesus Crucificado, ainda que isso fosse escndalo (1Cor 1,23). Porm a cruz no era o fim. O mesmo Jesus da cruz tambm o Jesus Ressuscitado (1Cor 15).

3. Paulo e os Atos dos Apstolos

Se Lucas, na segunda parte dos Atos (16-28), fala unicamente da atividade do Apstolo Paulo, isso no significa que ele tenha sido o nico. Paulo tornou-se o smbolo de todos os missionrios que souberam levar a Boa Nova de Jesus Cristo pelo mundo afora. E Paulo sozinho no teria atingido seu xito, se no fosse a grande ajuda de tantas pessoas que com ele abraaram a f, que o acolhiam em suas casas (At 16,15.34; 18,3.7) ou que contriburam com alguma ajuda para as suas necessidades (Fl 4,15-16; 2Cor 11,9).

Tambm importante notar que nem sempre podemos ficar somente com as informaes histricas que Lucas nos d sobre Paulo. Alguns estudiosos simplesmente as ignoram, j que lendo os Atos se descobre que o objetivo principal de Lucas no tanto a informao histrica, mas a transmisso da mensagem. Outros estudiosos tomam os dados dos Atos com cautela e tentam concili-los com os dados das Cartas, sobretudo sobre as suas viagens.

Os Atos dos Apstolos foram escritos cerca de 15 anos aps a morte do Apstolo. Como se sabe, Paulo no era muito bem aceito em certos grupos cristos. Lucas tentou resgatar a imagem e o trabalho evangelizador do Apstolo. Paulo , para Lucas, a figura ideal para representar o caminho do discpulo na histria. Um caminho feito de testemunhos em meio aos conflitos. Mostra que o caminho do discpulo no diferente do caminho do Mestre (cf. o Evangelho de Lucas). Por isso, serve-se de alguns (no todos) os fatos marcantes da vida de Paulo, apresentando-os a seu modo e segundo sua viso. A estrutura dos Atos dos Apstolos muitas vezes coincide com a do Evangelho de Lucas.

Nem sempre os Atos e as Cartas coincidem nas informaes. E nesses casos, devemos dar mais crdito s Cartas. Dois exemplos comprovam isso. Comparando At 17,17 e 18,5 com 1Ts 3,1a.6a. Lucas afirma que Enquanto Paulo esperava em Atenas, ficou revoltado ao ver a cidade cheia de dolos... Quando Silas e Timteo chegaram da Macednia, Paulo se dedicou inteiramente Palavra, testemunhando diante dos judeus que Jesus era o Messias. Paulo contudo, tem outra verso: Assim, no mais podendo agentar; resolvemos ficar sozinhos em Atenas, e enviamos a vocs Timteo... Agora, Timteo acaba de chegar da visita que fez a vocs, trazendo boas notcias sobre a f e o amor de vocs. A comparao mostra claramente a diferena. De acordo com os Atos, Paulo estava sozinho em Atenas. Quando os dois companheiros chegam, Paulo j est em Corinto. De acordo com a 1Ts, Paulo e Silas ficam sozinhos em Atenas e Timteo vai e volta sozinho de Tessalnica. Evidentemente deve-se dar crdito verso de Paulo.

Outro exemplo vem de 2Cor 11,24-25, em que Paulo afirma: dos judeus recebi cinco vezes os quarenta golpes menos um. Fui flagelado trs vezes; uma vez fui apedrejado; trs vezes naufraguei; passei um dia e uma noite em alto-mar. Olhando para o que Lucas diz de Paulo nos Atos, podemos perguntar: Onde esto as referncias s cinco vezes em que Paulo afirma ter sido punido com as 39 pauladas? Lucas ignora completamente as 195 chicotadas que Paulo recebeu. E onde os Atos falam de flagelaes? Lucas contenta-se em narrar uma (At 16,22-23), omitindo as demais. Por qu? Certamente porque em seus planos.bastava narrar uma flagelao. Nos Atos no se mencionam as trs flagelaes.

Tambm Lucas narra somente o grande naufrgio da quarta viagem (na qual talvez estava presente). E lembramos que quando Paulo escreve suas Cartas ainda estamos na terceira viagem. E mesmo assim garante ter passado 24 horas em alto-mar.

O certo, porm, que a vida e obra de So Paulo so bem maiores do que aquilo que nos relatam os Atos e as Cartas.

4. Paulo e Jesus

Paulo seguramente no viu o Jesus histrico e nem ouviu sua voz e suas palavras. Teve uma forte experincia do Cristo Ressuscitado (At 9,3-9; 1Cor 15,8). Alguns no queriam reconhec-lo como Apstolo pelo fato de no ter sido um dos Doze Apstolos e de no ter sido escolhido por Jesus e de no ter vivido com Ele.

Alguns textos das Cartas do margem a interpretaes diferentes. Por exemplo, em 2Cor 5,16b ele escreve: Mesmo que tenhamos conhecido Cristo segundo as aparncias, agora j no o conhecemos assim. Outro texto como 2Cor 12,1-6 poderia induzir que Paulo estivesse em Jerusalm por ocasio da Paixo do Senhor. H outros que pensam que Paulo fazia parte do Sindrio e que tenha votado pela condenao de Jesus, a partir da expresso dei meu voto (cf. At 26,10). Porm, a maioria dos autores segue a linha de que Paulo de fato no conheceu pessoalmente Jesus e no teve contato com ele.

O Apstolo no tinha ainda em mos os evangelhos escritos. Ele os trazia impressos na sua carne, marcada por toda sorte de sofrimentos (1Cor 11,21-29), a ponto de estar crucificado com Cristo (Gl 2,19), trazendo em seu corpo as marcas da paixo de Jesus (2Cor 4,10; Gl 6,17), e completando, no seu corpo, o que faltava das tribulaes de Cristo (Cl 1,24). Assim ele podia dizer que j no sou eu que vivo, mas Cristo que vive em mim (Gl 2,20).

Pelos escritos do Apstolo Paulo, ns verificamos tambm algumas diferenas entre o seu modo de anunciar e o modo como Jesus anuncia. Jesus anunciou a sua mensagem praticamente aos judeus, da Galilia, pois segundo os sinticos, Jesus s foi a Jerusalm para a Pscoa, quando foi crucificado e morto e depois ressuscitou. Paulo, por sua vez, percorreu o imprio romano e foi Roma (capital) como parte final da sua vida, onde sofreu a sua paixo. Jesus falava em aramaico e anunciava o reino em parbolas, criadas a partir da observao atenta da vida simples do povo da roa e das aldeias. Paulo, ao contrrio, embora tambm soubesse falar o aramaico, anunciou e escreveu em grego, porque seus ouvintes eram judeus da dispora e pagos que falavam a lngua oficial da poca. Paulo tambm era um bom observador da vida cotidiana, porm usava as imagens sobretudo da vida e da cultura urbana, das grandes cidades. Ele falava do atletismo, dos esportes, da construo civil, das paradas militares, das lutas nos estdios, da vida dos soldados, etc. Por isso, tentava inculturar a mensagem de Jesus de Nazar (que viveu a maior parte do tempo na Galilia) para o universo da cultura grega.

5. A converso

Os Atos relatam trs vezes a converso de Paulo, e as verses nem sempre so iguais. Antes, os relatos se complementam e se justificam. A primeira vez (At 9,1-25) insere-se no contexto do martrio de Estvo e de outras converses. Encaixa-se entre a converso do eunuco etope (8,26-40) e a de Cornlio (10,111,18). A segunda vez o relato feito aos judeus (22,1-21). E a terceira vez (26,1-23) narrada diante das autoridades polticas (judeus e no-cristos). No plano de Lucas os trs relatos da converso de Paulo seriam uma espcie de proclamao universal: aos cristos, aos judeus e aos no-judeus. Lucas pode querer mostrar o universalismo da mensagem de Paulo.

O evento de Damasco, historicamente foi sempre conhecido como converso de So Paulo (temos inclusive a festa no dia 25 de janeiro). Porm, Paulo no utiliza nunca a palavra metania. Tambm o que aconteceu com Paulo no segue o sentido que no AT os Profetas davam ao termo: voltar; retornar. Paulo no retornou ao farisasmo. Ao contrrio ele abandona o rigor da Lei.

Sabemos que Paulo havia se tornado um fariseu sem reprovao (Fl 3,6b). Era o mximo que um fariseu poderia alcanar, ser chamado de irrepreensvel, isto , que observasse toda a Lei, seguramente tambm que cumprisse os 613 preceitos. Os fariseus ( = separados) de fato acreditavam que o Messias viria quando todo o povo cumprisse a Lei fielmente, por isso consideravam o povo da terra e da Galilia uns malditos porque no cumpriam a Lei (cf. Jo 7,49).

Portanto, o que Paulo faz encontrar o verdadeiro caminho; encontrar-se com o Senhor. Depois da experincia no caminho de Damasco, ele volta a estudar tudo o que tinha aprendido e se dedica a conhecer a mensagem de Jesus. Alguns estudiosos entendem que este foi um longo processo at abraar de vez o seguimento de Jesus Cristo e tornar-se o grande evangelizador.

6. Um missionrio que escreve cartas s suas Igrejas

O grande carisma de Paulo ser missionrio. Depois de ter fundado as florescentes comunidades crists no mundo helenstico, ele no as deixou privadas de assistncia, mas as acompanhou com a sua guia pastoral: a preocupao por todas as Igrejas representa, como ele mesmo afirmava, a sua preocupao quotidiana (2Cor 11,28). E para manter os contatos com essas comunidades, para ajud-las a resolver os seus problemas e para rend-las mais eficazes no seu testemunho ao mundo circunstante, Paulo se tornou escritor: as suas cartas nasceram da misso e em vista da misso.

Paulo conhecia o bom funcionamento do correio do imprio romano e soube fazer deste meio, um instrumento de evangelizao. Foi assim, sem saber e sem querer, o primeiro grande escritor do Novo Testamento.

As Cartas foram escritas em funo da situao concreta das comunidades. O Apstolo acompanhava o crescimento das mesmas, com todos os seus problemas e dificuldades. Por isso, tambm a sua leitura hoje deve levar em conta a situao especfica da comunidade qual foi destinada cada uma delas.

O seu modo de ser missionrio tambm diferente da mentalidade grega da poca. Paulo trabalhava e ganhava o seu sustento com o prprio trabalho. E era um trabalho manual. Para as elites abastecidas de bens e culturalmente favorecidas, o nico trabalho que dignificava o ser humano era o trabalho intelectual. Numa sociedade onde em algumas grandes cidades at dois teros da populao era escrava, Paulo encontrou seu lugar social entre os trabalhadores empobrecidos, ainda que pudesse fazer valer seus direitos de Apstolo e fundador de comunidades (1Cor 9,1-18; 2Cor 11,7-12).

7. O Epistolrio Paulino

O conjunto das Cartas Paulinas compreende um total de treze Cartas que reivindicam a paternidade do Apstolo Paulo. A ordem em que se encontram no cnon bblico no reflete a data em que foram escritas, mas foram organizadas segundo a sua extenso.

Alguns procuram agrupar as Cartas do seguinte modo:

a) Cartas maiores: Romanos, 1-2 Corntios, Glatas e 1-2 Tessalonicenses.

b) Cartas da priso: Efsios, Filipenses, Colossenses e Filemon.

c) Cartas pastorais: 1-2 Timteo e Tito.

Outra classificao pode ser feita a partir da possvel autoria das mesmas:

Cartas Proto-Paulinas: que seguramente so autnticas, isto , que so de autoria do Apstolo Paulo, e que so aceitas por todos os estudiosos: Romanos, 1-2 Corntios, Glatas, Filipenses, 1 Tessalonicenses e Filemon.

Cartas Deutero-Paulinas: so aquelas cuja autenticidade no segura ou negada por um certo nmero de estudiosos: Efsios, Colossenses e 2 Tessalonicenses.

Trito-Paulinas: 1-2 Timteo e Tito. Essas dificilmente seriam do Apstolo Paulo, pois usam uma linguagem diversa e tratam de problemas que existiam nas comunidades no final do I sculo.

certo que algumas Cartas de Paulo foram perdidas. Em 1Cor 5,9 j se fala de uma Primeira Carta aos Corntios. Em Cl 4,16, Paulo se refere a uma Carta escrita aos cristos de Laodicia. E temos ainda a famosa Cartas em lgrimas aos Corntios (2Cor 2,4). Alguns estudiosos afirmam que a Carta aos Filipenses um conjunto de vrios bilhetes. E tambm que a 2Cor um ajuntamento de vrias cartas, enviadas em datas diferentes.

As Cartas no foram escritas do prprio punho pelo Apstolo. Ele as ditava (cf. Rm 16,22) e s vezes assinava (cf. Gl 6,11). Talvez a carta a Filemon tenha sido o nico escrito com sua prpria mo.

8. O estilo e linguajar das Cartas Paulinas

Em Tarso havia o comrcio de escravos, que Paulo deveria conhecer bem, pois usa essa imagem para falar da morte e ressurreio de Jesus (1Cor 6,20; 7,21-25). E vrias vezes ele usa a imagem da compra e resgate para ilustrar a ao de Jesus em favor dos cristos.

Tambm havia uma ambiente cultural muito grande: arte, arquitetura, esportes, etc., e que Paulo conhecia muito bem, basta ver como usa seus conceitos para elaborar suas metforas, como por exemplo a questo da parada militar.

Em suas Cartas encontramos vrios hinos (1Cor 13; Fl 2,5-11; etc.) que podem ser provenientes das comunidades onde Paulo evangelizava e que talvez no sejam de sua autoria, e que eram usados nas celebraes. Porm, nada impede que entre os tantos dons do Apstolo, pudesse tambm ter o potico.

9. Possvel cronologia

No fcil datar corretamente a vida e atividade de Paulo. Segue um possvel esquema:

+ ano 5: Nascimento em Tarso.

+ ano 11: Comea a freqentar a escola na Sinagoga.

+ ano 20: Muda-se para Jerusalm para estudar e tornar-se fariseu na Escola de

Gamaliel.

+ ano 35: Experincia no caminho de Damasco: a converso.

At o ano 37: Est na Arbia, Damasco e faz uma rpida viagem a Jerusalm (Gl 1,17-18).

At os anos 44 ou 45: Passa alguns anos em sua terra natal, Tarso.

No ano 45: Estadia em Antioquia da Sria.

Anos 46 a 48:Primeira viagem missionria.

Ano 49: Em Jerusalm para o Primeiro Conclio da Igreja (At 15,1-35).

Anos 49 a 52: Segunda viagem missionria.

Anos 53 a 58: Terceira viagem missionria.

Anos 59 a 62: Quarta viagem missionria.

Ano 68: Morre mrtir em Roma.

10. As etapas da histria

Para compreender as Cartas Paulinas importante situ-las no seu contexto histrico. A histria das primeiras comunidades do NT pode ser dividida em trs grandes partes:

Dos anos 30 a 40Dos anos 40 a 70Dos anos 70 a 100

O anncio do Evangelho entre os judeusA expanso Missionria no mundo gregoOrganizao e consolidao das comunidades

a) Dos anos 30 a 40

um perodo curto de apenas dez anos. O ponto de partida a manifestao de Pentecostes (At 2,1-36) que gera o anncio da Boa nova por toda a Palestina (At 2,41.47; 4,4; 5,14; 6,7; 9;31). Este perodo tambm chamado Movimento de Jesus. Este perodo termina com a crise provocada pela poltica do imperador Calgula (37-41) e pela perseguio dos cristos por parte do rei Herodes Agripa (41-44).

Neste perodo a maioria dos cristos era formada por judeus convertidos. Fundavam comunidades ao redor das sinagogas, margem do judasmo oficial. O seu crescimento obrigou-os a criar novas formas de organizao, como por exemplo, a escolha de novos animadores, chamados diconos (At 6,2-6).

O objeto da pregao era o anncio da chegada do reino (Mt 10,6) e a Morte e Ressurreio de Jesus (At 2,233,6; 3,14-15; 4,10-12). Os evangelhos ainda no tinham sido escritos. E por isso eles liam o AT a partir do evento Jesus Cristo e repetiam os ditos e feitos de Jesus a partir do testemunho dado por aqueles que tinham visto e ouvido Jesus Cristo.

J neste perodo aparecia a primeira divergncia entre os cristos judeus. Havia um grupo mais ligado a Estevo, que buscava uma abertura aos judeus da dispora e ao helenismo (At 7,1-53). De outro lado havia o grupo ao redor de Tiago, ligado aos judeus da Palestina, que defendia uma fidelidade Lei de Moiss e Tradio dos Antigos (Mc 7,5; Gl 1,14). Na primeira perseguio s os cristos ligados ao grupo de Estvo foram perseguidos (At 8,1). Porm, na segunda perseguio, aquela de Herodes Agripa (At 12,1-3), todos os grupos cristos eram alvo da represso. Esta perseguio aos cristos, na Palestina, teve como conseqncia a misso para fora do territrio judeu. Paulo e Barnab, seguindo a linha de Estvo, estavam entre esses missionrios que foram pelo mundo para formar novas comunidades.

b) Dos anos 40 a 70

A perseguio, o desejo missionrio e a vontade de anunciar a boa nova a toda a criatura (Mc 16,15) levou os cristos para fora da Palestina. Nesses trinta anos o Evangelho se expandiu por todo o imprio, chegando a todas as grandes cidades, inclusive a capital Roma, o fim do mundo (At 1,8).

Se seguirmos a descrio das trs viagens de Paulo e seus companheiros, narradas nos Atos dos Apstolos, vemos que eles percorreram em torno a 16 mil quilmetros. Enfrentaram muitos problemas (2Cor 11,25-26) e tambm dificuldades da prpria misso de anunciar o Evangelho.

Alm disso, a mensagem de Jesus foi marcada pelas mudanas de contextos. Vejamos as principais:

Do Oriente

para o Ocidente

Da Palestina

para a sia Menor, Grcia e Itlia

Da cultura judaica

para a cultura grega (helenismo)

Da realidade rural

para a realidade urbana

Das comunidades ao para comunidades ao redor das casas (oikj) nas periferias

redor das sinagogas das grandes cidades da sia e da Europa.

Estas passagens foram marcadas profundamente pela mudana de mentalidade e pela tenso entre os cristos vindos do judasmo e os novos cristos que vinham de outras culturas (At 15; Gl 2). Foi um doloroso processo de converso com muitos conflitos ao interno do prprio cristianismo. Imaginamos a dificuldade dos cristos judeus, formados dentro da viso judaica da Lei, e que deviam abrir-se para uma viso universal de Deus. A passagem da viso de um povo eleito, privilegiado por Deus entre todos os povos para a certeza de que em Cristo todos os povos faziam parte de um nico povo (multirracial e pluricultural) diante de Deus (Ef 2,17-18; 3,6).

As comunidades que surgiam, pequenas e frgeis, levavam a srio a mensagem de Jesus. E foram os outros a reconhecer isso. Em Antioquia, para distingui-los, deram a eles o nome de Cristos (At 11,26). E comearam assim a adquirir a sua prpria identidade. Os Atos dos Apstolos relatam a beleza e o vigor dessas primeiras comunidades (At 2,42-47; 4,32-37).

Mas a dificuldade nossa hoje que no temos as notcias de todas as primeiras comunidades. Os Atos e as Cartas relatam basicamente a misso do Apstolo Paulo e das comunidades surgidas atravs da sua misso. Quase nada sabemos do trabalho de outros missionrios, das comunidades espalhadas pelo norte da frica, na Itlia e pelas outras regies e que estavam presentes no dia de Pentecostes (At 2,9-10). Pouco sabemos tambm das comunidades da Sria e da Arbia, cujo centro era Antioquia. A comunidade de Antioquia chegou a competir em autoridade e influncia com a de Jerusalm. Foi desta comunidade que Paulo partiu para as suas viagens missionrias, e onde viveu muito tempo.

c) Dos anos 70 a 100

Alguns fatos polticos ajudam a entender esta terceira fase da histria. A ascenso de Nero ao poder do imprio romano, com a perseguio aos cristos, o martrio dos Apstolos Pedro e Paulo. O massacre aos judeus, sobretudo no Egito (66 dC) e a revoluo judaica na Palestina, iniciada no ano 68 dC e que levou brutal destruio de Jerusalm no ano 70. As comunidades crists ainda eram pequenas e sem influncia, e por isso se tornaram alvos fceis da perseguio romana.

Por outro lado, a destruio de Jerusalm e o fim do estado judaico e das suas instituies religiosas, provocou a separao definitiva entre cristos e judeus. Tornaram-se duas religies distintas, inimigas entre si, que se excomungavam mutuamente. E foi tambm o perodo do surgimento de muitas religies e doutrinas gnsticas e mistricas, que comeavam a invadir o imprio romano. Elas penetraram tambm nas comunidades crists e provocaram novos conflitos e tenses.

No final do sculo I os cristos foram perseguidos pelo imperador Domiciano. O cristianismo foi declarado religio no-lcita pelo imprio.

1 e 2 TESSALONICENSES

1. A cidade de Tessalnica

Tessalnica foi fundada em 315 aC por Cassandro, general de Alexandre Magno, no lugar de uma antiga vila chamada Thermas. Para habitar a nova cidade, Cassandro transferiu a populao de muitas pequenas vilas do Golfo Termaico.

A nova cidade recebeu o nome em homenagem sua mulher, Thessalonike, irm de Alexandre Magno, portanto, filha de Felipe II da Macednia. Thessalonike tinha nascido no dia da vitria de seu pai sobre os tesslios em 353 aC. Tessalnica, de fato, significa vitria dos tesslios.

A cidade de Tessalnica ocupava um lugar privilegiado e estratgico no mar Egeu. Estava situada no frtil vale do rio Vadar, protegida ao norte pelas montanhas Khortiatis e aberta ao sul para o golfo Termaico. Seu porto era um dos mais movimentados do mar Egeu. Distava 150 km de Filipos pela via Egnatia que colocava em contato com a regio do piro de um lado e com o Bsforo de outro.

Na poca de Paulo era, no dizer de Strabo, a metrpole da Macednia - a mais populosa cidade. O escritor romano Ccero, que se exilou ali de maio a novembro de 58, escreveu: Tessalnica est situada no meio do nosso imprio (as Atticum 3,19). O poeta Antpatro (50 aC - 25 dC) nela nascido, a celebra como Me de toda a Macednia.

Em 168 aC, os romanos conquistaram a Macednia e a transformaram em Provncia Romana. Em 146 aC, Tessalnica tornou-se a capital da Provncia Imperial da Macednia. Nela, morava, o procnsul romano, representante do imperador. Aps a batalha de Filipos em 42 aC, obteve de Augusto o ttulo de cidade livre. Era administrada por uma assemblia popular eleita anualmente pela populao e por magistrados chamados politarcos. Como era costume na poca, somente os cidados nascidos em Tessalnica tomavam parte na vida democrtica da cidade. Os pobres, escravos, libertos e estrangeiros domiciliados (metecos) estavam excludos da organizao da cidade.

No tempo de Paulo, Tessalnica era uma cidade de segunda grandeza no imprio, pouco menor que Alexandria do Egito, Antioquia da Sria, Corinto, feso, Cartago e Lio nas Glias.

Sua populao era formada por grande nmero de romanos e gregos, e caracterizada por fortes contrastes polticos-sociais. De um lado os comerciantes e armadores vindos de todas as partes do imprio, com todos os direitos e de outro a grande massa de pobres. Os escravos eram quase a metade da populao. Havia tambm uma numerosa e influente colnia judia, com sua prpria organizao, com sinagoga, tribunal e conselho de ancios e o privilgio de religio lcita.No campo religioso, havia em Tessalnica, como nas outra grandes cidades do Imprio Romano, um grande sincretismo religioso.

A deusa principal da cidade era Nike a deusa da vitria. Havia ainda templos dedicados a Zeus ou Jpiter pai de todos os deuses; Netuno ou Posseidon deus do mar; sis e Osres deuses do Egito e outros. Um dos principais cultos era o de Dionsio Baco, um dos cultos de mistrio com fortes ligaes com a vida ps-morte. De fato, uma das tribos deslocadas por Cassandro na fundao de Tessalnica, chamava-se Tribos Dionisias. As moedas da cidade traziam a esfinge desse deus.

O culto do imperador tambm ocupava um lugar importante. Tessalnica se orgulhava com o ttulo de Nekoros, concedido somente s cidades que tinham permisso de construir templos ao imperador. O culto ao imperador era um modo de conservar o privilgio de cidade livre. Os judeus sabiam disso e acusaram Paulo e seus companheiros de propor um outro rei Jesus (At 17,7).

Durante a conquista turca, a cidade passou a ser chamada Salnica, mas a partir de 1937 retomou seu antigo nome de Tessalnica.

2. A Evangelizao

A permanncia de Paulo na cidade no foi muito longa. At 17,2 fala de apenas trs semanas. Mas as cartas deixam supor alguns meses, de tal modo que Paulo teve tempo de aplicar-se a um trabalho manual e material para assegurar sua sobrevivncia (lTs 2,9) e, ao mesmo tempo, constituir uma comunidade bastante numerosa e formada sobretudo de pagos convertidos (lTs 2,10) e com uma certa "organizao" (1Ts 5,12-13). Quanto classe social dos cristos, At 17,4 fala de damas da sociedade e 1Ts 4,11 fala em ganhar o sustento com as prprias mos. Baseados nesses textos, os exegetas falam de uma mnima percentagem de membros da classe mdia e alta e a grande parte de trabalhadores manuais, isto e, escravos, artesos e pessoal do porto.

Como era seu costume, Paulo dirigiu-se, em primeiro lugar, aos judeus e por trs sbados ensinou na sinagoga (At 17,2). Sua pregao teve certo sucesso (At 17,4). Mas uma insurreio de judeus invejosos (At 17,5-10) obrigou Paulo e seus companheiros a abandonar a cidade, indo para Beria (At 1710 ) e depois para Atenas (At 17,15ss).

De Atenas, Paulo enviou Timteo a Tessalnica (lTs 3,1) para sustentar a jovem Igreja. Parece que era desejo seu ir pessoalmente Tessalnica, outra vez. Mas algo que desconhecemos atrapalhou seus planos.

Durante sua permanncia em Tessalnica, os judeus, provavelmente incitaram os pagos contra Paulo e contra os neo-convertidos. Sua partida da cidade no foi suficiente para serenar os nimos. Os cristos eram ainda objeto de calnias por parte dos judeus (lTs 3,6-10). Assim na impossibilidade de ir pessoalmente, Paulo enviou Timteo. Nesse nterim, Paulo partiu de Atenas, onde sua mensagem no foi bem recebida, para Corinto, onde Timteo o encontrara no seu regresso de Tessalnica.

3. As Cartas

Segundo At 18,5 e lTs 3,6 as duas cartas foram escritas durante a permanncia de Paulo em Corinto, pelo ano 50/51, durante a sua segunda viagem missionria.a) A primeira carta fruto da descrio, feita por Timteo, da situao da jovem Igreja.Esta Carta no somente a primeira em ordem de tempo, mas tambm o primeiro escrito do Novo Testamento. No que se refere ao essencial da vida crist, as notcias eram boas. Os cristos de Tessalnica permaneciam firmes na f, esperana e caridade. Sua f tinha sido aprofundada por causa das dificuldades e das provas encontradas (cf. lTs 1,3; 3,6-8). No entanto, a comunidade no tinha entendido bem a doutrina sobre a Parusia, e se preocupava pela sorte de seus membros mortos antes da vinda de Cristo (4,13). Isso gerava desvios morais, angstias, tristezas e at ociosidade.

Assim a carta de Paulo tem duplo objetivo:- um encorajamento da f dos cristos e uma ao de graas por sua operosidade (13);

- corrigir os desvios que surgiram na comunidade, sobretudo no que se refere sorte dos mortos na ressurreio e sobre a segunda vinda de Cristo (4,135,10).

b) Os estudiosos que defendem que a segunda carta tambm de autoria do Apstolo Paulo, afirmam que ela foi escrita, provavelmente, alguns meses depois da primeira Carta e praticamente tem o mesmo objetivo. Talvez as palavras de Paulo ns os que estivermos vivos... em lTs 4,15 tenham motivado ainda mais a preocupao de uma parusia iminente. O Apstolo procura desfazer tais idias descrevendo os sinais que precedero a vinda de Cristo (2,1-12) e exortando todos a se dedicarem ao trabalho (3,10-12).

4. Estrutura das Cartas

a) 1 Tessalonicenses dividida em duas partes:

1,1Endereo

1,2 3,131 parte: Agradecimentos e recordaes1,2-3 agradecimento pela f, caridade e esperana dos

Tessalonicenses;

1,4-10 ampliao do agradecimento: a resposta dos

Tessalonicenses pregao de Paulo;

2,1-12 Paulo retoma o agradecimento: a pregao de Paulo

em Tessalnica;

2,13-16 confirmao do agradecimento: a resposta dos

Tessalonicenses ao anncio evanglico;

2,173,5 o tempo do afastamento: no podendo ficar em

Tessalnica, Paulo enviou Timteo;

3,6-13 retomada do agradecimento: Timteo retornou

trazendo boas notcias.

uma grande ao de graas pela realidade da Igreja de Tessalnica. quase uma crnica emocionante, mas cheia de gratido a Deus. Paulo lembra a sua expulso de Filipos, o encontro com os tessalonicenses, a acolhida do anuncio do Evangelho, o perodo transcorrido na cidade, as dificuldades suas e dos cristos, a viagem de Timteo e as boas notcias recebidas. E termina com uma orao para que Senhor faa crescer sempre mais os tessalonicenses no amor e na conduta irreprovvel.

4,1 5,22 2 parte: Exortaes e vrios ensinamentos:

4,1-2 Introduo

4,3-8 a busca da santidade no amor;

4,9-12 o amor fraterno;

4,13-18 o destino daqueles que morreram;

5,1-11 os tempos e o momento do fim;

5,12-13 os responsveis da comunidade;

5,14-22 exortaes conclusivas.

5,23-28Concluso

Na primeira parte se nota a presena do binmio ns-vs. O ns dos missionrios e o vs dos tessalonicenses. Isso mostra a indiscutvel comunho que unia Paulo e seus companheiros comunidade de Tessalnica. O nexo dessa unio a aceitao do anncio de Jesus morto e ressuscitado. A participao nesse fato cria a unio entre os evangelizadores e os evangelizados. Essa unio se d pela palavra acolhida e anunciada, a mesma f e esperana. Nasce assim uma nova unio. Basta notar o freqente uso do termo irmos na carta (14 vezes).

Na segunda parte, prevalece os motivos de exortao, encorajamento, instruo (4,10ss; 5,12). Aqui Paulo se mostra como guia da comunidade. Fala com deciso, segurana e autoridade. Usa verbos no imperativo. Mas no se trata de uma exposio fria de princpios morais. Paulo fala ao corao e procura convencer. Percebe-se a conscincia que Paulo tem de sua prpria vocao apostlica.

b) 2 Tessalonicenses:

1,1-2Endereo

1,3-12Agradecimento e intercesso

1,3-5 F e amor mtuo dos tessalonicenses;

1,6-7 Punio dos perseguidores;

1,11-12 Orao pela comunidade de Tessalnica

2,1-12A vinda do Senhor (Parusia)

2,1-2 O dia do Senhor no eminente;

2,3-5 O fim ser precedido da manifestao do homem mpio;

2,6-7 Esta ser porm impedida de um misterioso obstculo;

2,8-12 Destruio do homem mpio com todos os seus adeptos.

2,13 3,15 Exortao

2,13-17 Novo agradecimento a Deus e exortao a manter as

tradies;

3,1-5 Solicitao de oraes;

3,6-15 Repreenso queles que se comportam de modo

indisciplinado.

3,16-18Saudao final

5. Mensagem:

Alguns pontos importantes que podemos concluir das duas cartas:

a) Temos aqui exemplo do que era o kerigma missionrio, onde j se pode perceber um sentido trinitrio do anncio. Insiste-se na adeso ao nico e verdadeiro Deus.

b) Pelas Cartas se pode perceber tambm as dificuldades encontradas, os primeiros problemas que surgiram nas comunidades e o modo como o Apstolo tentou resolv-los.

c) O Evangelho verdadeiramente Palavra de Deus (2,13). A 1Ts o primeiro escrito do NT. Esta Carta no endereada a pessoas, mas a uma Igreja (1,1). o novo Israel que Deus amou e escolheu (1,4; 2Ts 1,11).

d) interessante a preocupao com a Parusia e a Escatologia e as solues propostos por Paulo.

e) Na comunidade percebe-se j a existncia de alguns ministrios, a quem Paulo recomenda o respeito (1Ts 5,12). Porm, todos so instrumentos na mo de Deus (1Ts 4,9) e devem se ajudar mutuamente (1Ts 5,14).

f) A orao importante para o bem da comunidade, que tem tambm os dons do Esprito (carismas). Os cristos devem ter o discernimento, porm no devem apagar o Esprito e no devem desprezar as Profecias (1Ts 5,19-21).

g) Os cristos devem esperar com pacincia vinda de Cristo, portanto, devem trabalhar e inserir-se na vida social, ganhando o po de cada dia com o trabalho (cf. 2Ts 3,5-15). A histria humana prossegue o seu curso, sem que possamos estabelecer a data do seu fim.

i) Os temas trabalhados nestas duas Cartas permanecem atuais. O anncio da palavra sempre novo. Por esta razo que sem cessar agradecemos a Deus por terdes acolhido sua Palavra, que vos pregamos no como palavra humana, mas como na verdade , a Palavra de Deus que produz frutos em vs, os fiis (1Ts 2,13). De outra parte, muitos so os que hoje anunciam a Palavra com fins enganosos, anunciam ainda o fim do mundo (por ignorncia ou com objetivos econmicos), enganando multides. Palavra de Deus palavra que produz a vida e no o medo!

CARTA AOS FILIPENSES

1. A cidade de Filipos

O primeiro nome da antiga vila era Krenides ou cidade das fontes, por causa das fontes de gua que brotavam no local. Tinha sido fundada pelos habitantes da ilha de Tasos, a 12 km do mar sobre uma colina de onde se vislumbrava uma vasta plancie muito frtil. Seu porto natural era a vila de Nepolis, hoje chamada Cavalla.

Em 358-357 aC, ameaados pelos trcios, os habitantes de Krenides, pediram auxlio ao rei da Macednia, Felipe II, pai de Alexandre Magno. Este veio em sua ajuda e mudou o nome da vila para Filipos em honra de seu pai Felipe I, rei da Macednia. Felipe II fortificou e aumentou a nova cidade.

Filipos ocupava um ponto estratgico, pois dominava todas as rotas de caravanas da Grcia e da Trcia. Por ela passava a importante via Egntia, que unia a Itlia sia Menor.

Nas montanhas vizinhas foram descobertas ricas jazidas de ouro e prata. Tudo isso contribuiu para o enriquecimento da cidade.

No ano 168 aC Filipos foi conquistada pelos romanos. Esta ficava cerca de 1100 km de Roma.

Foi na sua plancie que em 42 aC, Otvio e Marco Antnio, herdeiros de Csar derrotaram Cassius e Brutus, os ltimos defensores da repblica. Quando Csar Augusto se tornou imperador romano estabeleceu uma colnia de veteranos soldados romanos em Filipos e lhe deu o nome de Colonia Augusta Julia Philippensium. Concedeu-lhe, tambm, o privilgio de Jus Italicum com a qual seus habitantes eram cidados romanos. Sua populao era formada por trcios, macednios e em grande parte por romanos.

Aps a batalha de Actio, na qual Otvio venceu Marco Antnio, novos veteranos foram enviados a Filipos. A cidade de Filipos perdeu a primazia para Tessalnica que tornou-se a capital da Provncia Romana da Macednia. Porm, Filipos manteve seus privilgios e era administrada por Roma. Filipos tinha direitos de colnia romana (At 16,12).

Na poca de Paulo, a cidade estava em declnio, pois as minas de ouro e prata estavam esgotadas. Havia, na cidade, uma colnia judia muito pequena, pois no possuam sinagoga. Na cidade havia, alm dos cultos locais trcios e macednios, culto ao imperador romano, coexistindo com outras religies vindas do Oriente, chamadas religies mistricas.

2. A comunidade de Filipos

Filipos, assim como Tessalnica e Bera, foram evangelizadas por Paulo, na sua segunda viagem missionria (At 15,3618,22). Paulo, Silas, Timteo e Lucas chegaram a Filipos em 50/51 vindos de Trade. Desembarcaram em Nepolis, porto distante 12 km da cidade. Filipos foi a primeira cidade da Europa a ser evangelizada. Em At 16,6-10, Lucas procura mostrar como essa misso guiada pelo Esprito.

Como no havia sinagoga na cidade, Paulo e seus companheiros, no sbado, foram para fora da cidade, s margens de um rio, onde provavelmente os judeus costumavam rezar (At 16,13). As primeiras converses aconteceram entre as mulheres. A mais conhecida Ldia, era uma comerciante de prpura, natural de Tiatira, na sia Menor, que foi batizada por Paulo com toda a sua famlia (At 16,14-15). Foi Ldia quem hospedou Paulo e seu grupo. A nova Igreja devia contar com poucos judeus. Era formada, sobretudo, por gentios e as mulheres, parecem ter ocupado um lugar importantes nela.

No sabemos quanto tempo Paulo permaneceu em Filipos. Podemos supor uma estadia de alguns meses. Sua permanncia na cidade foi tumultuada pela libertao de uma jovem escrava que possua um esprito de adivinhao (At 16,16ss). Os donos da escrava, que obtinham lucros com suas adivinhaes, se sentiram lesados e denunciaram Paulo e Silas aos magistrados. Ambos foram presos, aoitados e colocados na priso. Esta a primeira priso do Apstolo.

noite, um violento terremoto sacudiu a priso e libertou os prisioneiros. O carcereiro tentou o suicdio, julgando que os prisioneiros haviam fugido. Impedido por Paulo, se converteu e foi batizado com toda a sua famlia (At 16,24-34). No dia seguinte, sabendo que Paulo no podia ser flagelado nem preso, pois era cidado romano, os magistrados o libertaram com Silas e rogaram para que deixassem a cidade (At 16,35-40).

Paulo partiu de Filipos em direo de Tessalnica com Silas e Timteo. Lucas ficou na cidade. Paulo o reencontrou ali na sua segunda visita a Filipos (At 20,5-6). Alguns autores pensam que Lucas era originrio de Filipos.

Ao partir, Paulo deixou uma jovem e dinmica comunidade, que continuou a crescer e prosperar e que se manteve fiel ao Evangelho. O Apstolo se identificou muito com essa comunidade. Ele a chamou de minha alegria e minha coroa (Fl 4,1).

Numa cidade onde havia o culto ao Imperador, que se fazia passar por Deus e Senhor, Paulo anuncia o Evangelho que se torna Boa Notcia. em nome de Jesus que vem a libertao. Nome que est acima de qualquer outro nome e em nome do qual se dobre todo joelho (cf. Fl 2,8-11).

Paulo esteve, ainda outras vezes em Filipos. Foi ali provavelmente que durante sua terceira viagem missionria, pelo ano de 58, vindo de feso, Paulo escreveu a Segunda Carta aos Corntios. Na primavera do ano seguinte, voltando de Corinto, Paulo celebrou a Pscoa em Filipos (At 20,5ss). Em Fl 1,26 e 2,24 Paulo manifesta o desejo de retornar cidade. Esse desejo deve ter sido realizado aps sua primeira priso em Roma.

Muitas vezes, os filipenses enviaram auxlio para Paulo: em Tessalnica (Fl 4,16), em Corinto (2Cor 11,9) e durante sua priso (Fl 4,18) em feso ou Roma.

3. A carta

A Carta aos Filipenses chamada Carta da alegria. uma carta de amigos. Parece quase um contraste: Paulo est preso (situao de sofrimento) e a comunidade passa tambm por dificuldades, e a Carta fala tanto da alegria. uma Carta para animar, dar fora e esperana. No h nela nenhuma argumentao teolgica. Mesmo quando fala dos judaizantes, no com inteno polmica, mas somente para alert-los. Seu tom ntimo e muito familiar.

Mas a carta suscita alguns problemas. No se discute sua autenticidade, mas sua unidade. A Tradio sempre testemunhou uma nica carta de Paulo aos filipenses. Porm, Policarpo de Esmirna em sua Carta aos Filipenses, alude s cartas de Paulo aos mesmos destinatrios. Uma parte dos autores modernos afirma a unidade de Filipenses. Outros, baseados em critrios literrios, levantaram a hiptese de trs pequenas cartas ou bilhetes. Os argumentos so os seguintes:

a) a aluso que Policarpo faz s cartas de Paulo;

b) o prprio Paulo, em Fl 3,1, parece aludir uma outra carta;

c) a ruptura no discurso e no tom em Fl 3,1 e 3,2 e em 4,9 e 4,10.

A violenta denncia dos adversrios do captulo 3 no se enquadra nos captulos 1 e 2. Tambm em 4,10-20, onde o Apstolo desenvolve o motivo do agradecimento, no combina com o contedo precedente. Assim, a hiptese que Filipenses formada por trs pequenas cartas, bastante aceita hoje. Em ordem cronolgica as cartas seriam as seguintes:

4,10-20Carta A

1,13,1a + 4,2-7.21-23Carta B

3,1b.4,1.8-9Carta C

Carta A: Fl 4,10-20

Paulo se encontrava preso. Os cristos de Filipos souberam e preocupados com a sua situao enviaram-lhe donativos atravs de Epafrodito, membro da comunidade, que tinha tambm, o dever de assisti-lo na priso. Provavelmente, logo aps a chegada de Epafrodito, Paulo teria enviado esse bilhete de agradecimento.

Carta B: Fl 1,13,1a + 4,2-7.21-23

Epafrodito, que fora enviado para assistir Paulo em sua priso, ficou gravemente enfermo. A comunidade de Filipos soube de sua doena e preocupou-se tambm com ele. Uma vez restabelecido, Paulo enviou-o de volta com esse novo bilhete em que fala de sua condio de prisioneiro por causa do Evangelho, manifesta esperana de uma libertao em breve e exorta os filipenses concrdia.

Carta C: Fl 3,1b-4,1.8-9

Nesse texto, Paulo j no se refere mais sua priso e alerta a comunidade sobre o perigo de certos adversrios. Com toda probabilidade, Paulo se refere aos judaizantes.

Quanto ao local e data em que a carta foi escrita, as opinies acompanham as hipteses de unidade ou no. Segundo a opinio tradicional, que aceita a unidade da carta, essa foi escrita em Roma, durante a priso de Paulo, entre os anos 61-63. Outros admitem que a carta foi escrita em Cesaria onde Paulo esteve preso por dois anos, entre 59-60 (At 23,23-34,27).

Para os que admitem a hiptese de vrias cartas, Paulo teria escrito em feso. A proximidade das duas cidades explicaria as constantes viagens e notcias de ambas as partes. Porm, os Atos dos Apstolos no mencionam nenhuma priso de Paulo em feso. Mas existe a possibilidade como se pode deduzir de alguns acenos em 2Cor 1,8; 11,23. Ento, a carta teria sido escrita em feso durante a terceira viagem missionria pelo ano de 56/57, e seria colocada entre a 1Cor e a 2Cor.

4. Mensagem (Comunidade de Filipos e a Carta)

a) At 16-18 quer mostrar que duas dcadas depois da morte e ressurreio de Jesus, a Boa Notcia est chegando a outros continentes. Os quatro Evangelhos ainda no haviam sido escritos. Para Paulo, o Evangelho uma pessoa concreta: Jesus Cristo!

b) Quem anuncia a Palavra corre o risco de ser perseguido e preso. Mas o Evangelho no se deixa acorrentar. E mesmo o conflito pode ser motivo de crescimento da mensagem (converso e batismo do carcereiro e sua famlia). Paulo sabe que o martrio pode acontecer e est disposto a receb-lo. Isso significa ir logo para junto de Deus, mas por causa da comunidade, ele acha que mais importante continuar a viver (Cf. 1,21-26).

c) Filipos era uma das principais cidades de Macednia (At 16,12). Isso significa que o Evangelho est entrando nos centros urbanos; que est se encarnando na cultura das grandes cidades.

d) A Carta aos Filipenses nos mostra que Paulo j v a necessidade de organizar as comunidades. Elas tm os epscopos e diconos.

e) A ausncia da sinagoga mostra que a comunidade pode nascer independente dos judeus. a abertura aos outros povos.

f) Outro fator importante a presena e a participao das mulheres na Igreja nascente. numa casa delas que a Igreja se rene. A carta fala ainda de outras duas (Evdia e Sntique), ainda que estejam em conflito, Paulo lembra que elas o ajudaram muito na luta pelo Evangelho.

g) Na carta temos um importante hino cristolgico. Talvez j existisse e que fosse cantado nas celebraes e Paulo o tenha inserido na Carta. Este hino a sntese do Evangelho que ele anuncia. O hino tem dois movimentos: 1. Descendente. Jesus que se esvazia, se tornou humano, humilhou-se, foi obediente, servo e desce ao mais profundo da condio humana, e termina na cruz (cf. Is 52,1353,8). Jesus sujeito da sua ao... 2. Ascendente. Deus sujeito e exalta Jesus, ressuscitando-o e colocando-o no posto mais elevado que possa existir. Jesus Senhor do Universo e da histria (cf. Is 52,13-15; 53,10-12).

h) Paulo tambm se encarnou. De hebreu, circuncidado, fariseu, perseguidor da Igreja, observador da lei, sem reprovao (cf. 3,5-6), por causa de Cristo, Paulo perde tudo, abandona a Lei e atravs da f busca a justia (cf. 3,7-9). Tambm ele se esvaziou: Considero tudo uma perda (3,8). Tambm ele se considera um servo (1,1).

i) Em meio a tantas opes de religies, os filipenses escolhem seguir Jesus Cristo, algum que morreu na cruz. Paulo tambm sofre a perseguio. A comunidade tambm enfrenta as dificuldades, mas continua carregando a sua cruz.

j) A comunidade de Filipos compreendeu bem o que a mensagem de Jesus Cristo. Ser cristo ser solidrio, partilhar, repartir... isso que a comunidade fez (4,10-20). Comunidade solidria com as necessidades do Apstolo e com o sofrimento na doena de Epafrodito. Tambm Paulo faz isso, se for preciso vive na necessidade e sofre as privaes... Mas isso no problema, porque Tudo posso nAquele que me fortalece! (4,13).

l) A Carta mostra tambm como a misso evangelizadora uma tarefa comunitria. Basta ver o nome das pessoas envolvidas (Paulo, Timteo, Silas, Epafrodito, Ldia, Szigo, Evdia, Sntique...).

m) A comunidade deve se preocupar e defender-se dos ces e dos falsos operrios. Aqueles que querem dividir, que querem anunciar um outro evangelho. Diante desses, Paulo reage com dureza. O Apstolo se mostra contrrio aos judaizantes que querem que os pagos faam a circunciso, do contrrio sero impuros (cf. 3,2-3). Mas tambm so perigosos aqueles que querem um evangelho fcil, sem a cruz (cf. 3,18).

n) A carta nos mostra o lado carinhoso e da ternura. muito interessante ver como algumas palavras bonitas aparecem no texto: alegria, ternura, corao... Os filipenses esto em seu corao (1,7); so seus amados (2,12); queridos e saudosos irmos (4,1). E tambm uma Carta onde surgem algumas das frases mais belas da Bblia: Deus testemunha de que eu quero bem a todos vocs com a ternura de Jesus Cristo (1,8); Tudo posso nAquele que me fortalece! (4,13); Alegrai-vos sempre no Senhor! (4,4); Permanecei firmes no Senhor! (4,1); etc.

o) A Carta quase uma orao, uma celebrao, uma eterna ao de graas que o Apstolo parece rezar enquanto escreve. Isso nos mostra o lado mstico de Paulo e tambm a importncia da orao e da vida espiritual das nossas comunidades hoje.

p) Os cristos devem se modelar no exemplo de Cristo que se humilhou e por isso foi exaltado. O cristo deve viver em comunho fraterna, fruto do amor e da renncia aos prprios interesses, vivendo no meio de uma sociedade perversa e m (2,12-16). Eles devem imitar o comportamento de Paulo e dos demais evangelizadores (3,12-17).

q) Quem segue a Cristo, mesmo em meio a dificuldades, vive a alegria (3,1; 4,4). Colocando em prtica tudo aquilo que verdadeiro, nobre, justo, puro, amvel, honroso, virtuoso ou que de qualquer modo merea louvor, o Deus da paz verdadeiramente estar com eles (4,8-9).

r) Os cristos devem viver com esperana: esperar pelo dia glorioso de Cristo (1,10); esperar pela ressurreio (3,11), esperar pela ptria celeste (3,20). certo que Paulo pensa ao momento da morte individual de cada um, mas tambm fica vivo o pano de fundo de uma esperana numa escatologia csmica, que assinalar a transformao de todo o mundo segundo o plano de Deus.

AS CARTAS AOS CORNTIOS

1. A cidade de Corinto

A fundao da antiga cidade de Corinto perde-se no tempo, calcula-se que foi em torno a mil anos antes de Cristo. Era uma cidade famosa por seus vasos pintados e bronze trabalhado; um importante centro martimo e comercial.

Em 146 aC, o cnsul Lucius Mummius arrasou completamente a antiga cidade para suprimir uma rival comercial do novo porto de Delos do qual os romanos dominavam todo o mar Egeu.

Um sculo mais tarde, em 46 aC, Jlio Csar, aps sua vitria sobre Pompeu, mandou reconstruir a cidade com o nome de Laus Julia Corinthus. Seus primeiros habitantes foram romanos, sobretudo soldados das legies vencidas em Farsola. A eles, logo se juntaram povos provenientes de outras vilas da Grcia e de outras partes do imprio. A princpio a nova Corinto vivia da explorao das runas da antiga cidade de onde retiravam muitos tesouros. Mas, por causa de sua excelente posio geogrfica, entre dois mares, a nova cidade prosperou. Tambm, o porto de Delos, seu concorrente, entrou em declnio na guerra contra Mitridates.

Corinto estava situada a 8 km do istmo que une o Peloponeso ao continente. Era formada por duas partes; a cidade alta ou Acrpole e a cidade baixa. A Acrpole estava situada sobre o monte chamado Acrocorinto com 573 m de altura. Era habitada apenas por soldados e por pessoas que trabalhavam nos templos ali construdos, tais como o da deusa Fortuna, do Sol, de sis e Osres e, sobretudo, o grande templo de Afrodite Pndemos, ou Vnus de todo o povo.

A cidade baixa era a parte habitada pelos civis. Estava situada entre dois portos:

O porto de Lecaion ou Laqueu, a oeste, no golfo de Corinto. Recebia os navios vindos da Itlia, Espanha e norte da frica.

O porto de Cencre ou Cencria, a leste, a 10 km ao oriente, no Golfo Saronico, em direo de Atenas no mar Egeu.

Os dois portos eram unidos pelo Diolkos, uma estrada para navios com 9 km de extenso. Por ela, atravs de um engenhoso sistema de transporte, os navios eram transferidos de um mar a outro. Esse meio de transporte conferia uma extraordinria vida cidade. Estava sempre cheia de marinheiros, capites e soldados. Os impostos e as taxas eram uma preciosa fonte de riquezas; o comrcio prosperava e Corinto tornou-se uma cidade rica e clebre. Era a terceira cidade do Imprio, depois de Roma e Alexandria.

Por isso, no ano 27 aC, foi elevada categoria de capital da Provncia Senatorial da Acaia, suplantando sua rival Atenas. Nela morava o procnsul romano.

Alm dos dois portos, Corinto era dominada pelo templo de Afrodite Pndemos, situado na Acrocorinto com suas mil sacerdotisas (hierdulas), ou prostitutas sagradas. Os historiadores no esto de acordo sobre a natureza das cerimnias realizadas neste templo. Para uns a prostituio sagrada era uma prtica constante. Para outros, acontecia apenas nas grandes festas da deusa.

Alm do culto de Afrodite, Corinto abrigava uma multido de deuses e cultos: sis e Osres, Cibele da Frgia, Esculpio deus da medicina, Posseidon ou Netuno deus do mar, cujo templo estava situado no istmo. Todos os anos eram celebrados os jogos stmicos em honra de Posseidon. Havia, ainda, o culto do imperador.

Na poca de So Paulo, Corinto contava com aproximadamente 500 mil habitantes dos 2/3 eram escravos. Outros estudiosos afirmam que eram em torno a 250 mil pessoas. Temos dificuldade em saber exatamente, pelo fato que os escravos no eram contados.

Cicero chamou Corinto de Farol de toda a Grcia. Mas a cidade no gozava de boa fama. Os antigos escritores, diziam que nela dominavam a riqueza e a luxria. Os atenienses difamavam sua imagem por causa de sua licenciosidade e corrupo moral. Inclusive formaram-se expresses com seu nome, como: menina corntia para dizer prostituta; viver moda corntia indicava um modo dissoluto de viver.

Ali vivia tambm uma importante colnia de judeus que provavelmente habitavam na regio do porto de Lecaion. Foi entre eles que Paulo comeou a evangelizao de Corinto.

2. A evangelizao de Corinto

Paulo chegou em Corinto pelos anos 50/51, vindo de Atenas (At 17,32) em sua segunda viagem missionria. Dois acontecimentos nos permitem datar com certa preciso a permanncia de Paulo na cidade:

a) At 18,2: diz que chegando a Corinto, Paulo foi morar com quila e Priscila, chegados a pouco tempo da Itlia... depois do decreto do imperador Cludio, que expulsou de Roma todos os judeus. Esse edito de Cludio foi emanado no 12 ano de seu governo, que corresponde aos anos 49/50 dC.

b) At 18,12-17: narra o comparecimento de Paulo diante do procnsul da Acaia, Galio que era irmo de Sneca. Ora, pode-se determinar com preciso o governo de Galio em Corinto, entre a primavera de 51 e 52 dC.

Portanto, Paulo esteve em Corinto do final do ano 50 at a primavera de 52.

Ao chegar cidade, Paulo foi morar com quila e Priscila (At 18,2), negociantes de tecidos que mantinham comrcio em Corinto e feso. Paulo comeou a trabalhar com eles, fabricando o cilcio um grosso tecido de pele de cabras. No sabemos se quila e Priscila j eram cristos ou foram convertidos por Paulo. Conforme seu costume, Paulo trabalhava toda a semana e aos sbados pregava na sinagoga. Somente aps a chegada de Silas e Timteo de Tessalnica, trazendo ajuda financeira, sobretudo dos filipenses (2Cor 11,9; Fl 4,15-16), que Paulo dedicou-se inteiramente evangelizao.

Suas pregaes na sinagoga surtiram algum efeito. Alguns judeus se converteram, entre eles o chefe da sinagoga chamado Crispo (At 18,8).

Porm, diante da resistncia dos judeus, Paulo abandonou a sinagoga e passou a pregar na casa de um certo Tcio Justo (Titus Justus), talvez um proslito de origem latina, cuja casa estava ao lado da sinagoga (At 18,7).

Logo surgiu uma comunidade crist, formada em sua grande maioria por gregos convertidos e alguns judeus, eram pessoas muito humildes (1Cor 1,26-29; 12,2). Paulo permaneceu em Corinto 18 meses. E nesse espao de tempo evangelizou tambm a regio circunvizinha, assim que na 2Cor se fala das Igrejas da Acaia. Foi, tambm, durante essa sua estadia em Corinto, que Paulo escreveu as duas cartas aos Tessalonicenses. O que deu coragem e certeza a Paulo em sua misso foi uma viso do Senhor(cf. At 18,9-10).

O xito da evangelizao de Paulo, moveu os judeus a acus-lo no tribunal do procnsul Galio (At 18,12ss). Talvez a acusao fosse de pregar uma religio ilcita, um culto contrrio lei. Porm, Galio no viu crime nenhum na ao de Paulo e o deixou livre (At 18,15).

Paulo partiu de Corinto em companhia de quila e Priscila em direo de feso (At 18,18), deixando uma comunidade numerosa e florescente. Era a primeira grande comunidade crist chamada a viver em um contexto grego-romano, e fcil imaginar as dificuldades que teve de enfrentar.

Aps a partida de Paulo, esteve em Corinto um homem chamado Apolo, um judeu de Alexandria convertido ao cristianismo (At 18,24-28). Era um homem brilhante e eloqente, versado nas Escrituras. Suas pregaes foram importantes para a Comunidade e muitos passaram a preferi-lo em vez de Paulo. Mas Apolo no apoiava essa atitude e por isso no quis voltar mais a Corinto (1Cor 16,12). Tambm o apstolo Pedro visitou a comunidade como afirma Dionsio de Corinto.

Tudo isso concorreu para o crescimento e fortalecimento dos cristos de Corinto. Era uma comunidade viva e repleta de carismas. Mas logo apareceram os antigos vcios do paganismo. Consciente desse perigo, Paulo, durante sua permanncia em feso, na sua terceira vigem apostlica, escreveu uma carta aos corntios (1Cor 5,9-13). Essa carta se perdeu, embora alguns autores acreditam que uma parte dela estaria em 2Cor 6,14-7,1.

Algum tempo depois, enviou Timteo Corinto (1Cor 4,17). Este vos recordar as minhas normas de vida em Cristo Jesus. No sabemos mais nada sobre essa viagem.

Ainda em feso, Paulo recebeu uma delegao da Igreja de Corinto, composta por Fortunato, Acaio e Estefanes que traziam uma carta da prpria comunidade pedindo esclarecimentos sobre vrios assuntos. Ao mesmo tempo, foi informado pelos da casa de Clo sobre as desordens e divises que haviam na comunidade.

Baseado nesses dados, Paulo escreveu a segunda carta aos corntios, que hoje , para ns, a Primeira Corntios. Nela comenta sobre os problemas da comunidade e responde carta recebida. Provavelmente a carta de Paulo foi levada pela prpria delegao que viera de Corinto. No sabemos como a carta foi recebida. Porm, os problemas nela abordados no aparecem na outra carta.

Logo depois, Paulo enviou Tito Corinto para preparar a coleta para Jerusalm j planejada em 1Cor 16,1-4. Porm, com a chegada de novos pregadores, provavelmente judaizantes, a situao tinha mudado na comunidade crist. A autoridade e a pregao de Paulo eram contestadas. Informado da situao, Paulo resolve ir pessoalmente a Corinto.

Em alguns textos das duas cartas aos Corntios, podemos descobrir o desenrolar dos fatos:

a) Conforme 1Cor 16,5-9, o plano de Paulo era permanecer em feso at Pentecostes; depois ir Macednia e de l a Corinto onde passaria o inverno e provavelmente faria a coleta para as Igrejas da Palestina. Com a nova situao, mudam-se os planos.

b) Conforme 2Cor 1,15-16, Paulo prefere ir diretamente de feso a Corinto; de l visitar a Macednia; retornar a Corinto onde faria a coleta e partiria para a Palestina.

c) De fato, Paulo esteve em Corinto, onde foi contestado e ofendido gravemente, provavelmente no pela comunidade, mas pelos judaizantes. Porm, os cristos pareciam estar do lado dos novos pregadores. Paulo ficou muito pouco tempo em Corinto, e em vez de ir Macednia como se propusera (2Cor 1,15-16), retornou imediatamente a feso.

d) De l escreveu sua terceira Carta aos Corntios, conhecida como Carta em lgrimas (2Cor 2,4). Essa carta tambm est perdida.

e) Tito retornou a Corinto, talvez levando a Carta em lgrimas.

f) Paulo pretendia permanecer em feso, aguardando a volta de Tito. Porm, a revolta dos ouvires de feso contra Paulo (At 19,23-41), obrigou-o a partir para a Macednia.

g) Tito, voltando de Corinto, encontrou Paulo na Macednia e lhe trouxe boas notcias. A comunidade estava outra vez do lado de Paulo (2Cor 7,6-16). Ento, de algum lugar da Macednia, talvez Filipos, Paulo escreveu sua quarta carta aos corntios, que a nossa Segunda Corntios.

h) Provavelmente o prprio Tito voltou a Corinto levando a carta e preparou a chegada de Paulo. Esse chegou na cidade no inverno de 57/58 onde ficou trs meses (At 20,6). Ali escreveu a carta aos Romanos.

3. Primeira Carta aos Corntios

Essa a resposta s informaes recebidas em feso, trazidas pelos da casa de Clo (1Cor 1,11) e tambm uma resposta s perguntas feitas pela prpria comunidade por meio da carta trazida pela delegao.

Provavelmente os da casa de Clo, informaram Paulo sobre as desordens e divises existentes na comunidade. A resposta de Paulo pode ser identificada nos captulos 1-6.

A carta trazida pelos representantes da comunidade pedia tambm explicaes sobre vrios argumentos da vida comunitria: matrimnio e virgindade, permisso de comer as carnes imoladas aos dolos, ressurreio, etc. A resposta a estes pontos est nos captulos 7-15.

a) Diviso da Carta:

A maioria dos biblistas considera que Paulo ordenou a Carta com base s informaes e as perguntas que vieram de Corinto. Na primeira parte (1,106,20) corrige os abusos dos quais foi informado que havia na comunidade; depois (cc. 714) d a sua resposta a alguns pontos que foram pedidos por escrito (7,1; cf. 8,1; 12,1) e por ltimo enfrenta o problema da ressurreio final (c. 15).

Porm, existem alguns biblistas que pensam que Paulo tenha ordenado a Carta seguindo a retrica grega. Preferimos seguir a primeira hiptese.

b) Estrutura:

1,1-9

Saudaes e agradecimentoI - 1,106,20Alguns comportamentos negativos

1) 1,104,21: a diviso em partidos

a) 1,10-17: introduo

b) 1,183,4: a verdadeira sabedoria

c) 3,54,21: os pregadores cristos

2) 5,16,20:Trs abusos graves

a) 5,1-13:o incestuoso

b) 6,1-12:brigas entre cristos

c) 6,12-20:a fornicao

II - 7,114,40Orientaes e Conselhos

1) 7,1-40Matrimnio e virgindade

a) 7,1-16:os esposos cristos

b) 7,17-24:cada um permanea na sua condio

c) 7,25-40:as virgens, os celibatrios e as vivas

2) 8,111,1As carnes sacrificadas aos dolos

a) 8,1-13:liberdade crist e ateno aos irmos mais pobres

b) 9,1-27:o exemplo de Paulo

c) 10,1-13:os israelitas e a tentao da idolatria

d) 10,1411,1:orientaes prticas

3) 11,214,40As assemblias comunitrias

a) 11,2-16:o vu das mulheres

b) 11,17-34:a Ceia do Senhor

c) 12,114,40:os carismas

- 12,1-31: a sua funo da Igreja, corpo de Cristo

- 13,1-13: Hino ao Amor

- 14,1-40: orientaes prticas

III 15,1-58A Esperana crist

1) 15,1-34A ressurreio final

2) 15,35-53Caractersticas do corpo ressuscitado

3) 15,54-58Hino triunfal

16,1-24Eplogo e ps-escrito

c) Mensagem

Muitos pontos chamam a ateno nesta Carta, que tem uma finalidade ligada vida prtica. Talvez o mais importante que a salvao tem uma dimenso comunitria. Paulo enfrenta os problemas, em trs dimenses: anlise da situao, o confronto com os dados essenciais da f e enfim prope as solues possveis.

Alguns eixos fundamentais para entender a Carta:

a) O Deus, Pai de Jesus Cristo: Deus o Criador de tudo por meio da sua sabedoria (1,21). Ele que d vida a tudo e ao qual os que crem devem orientar a sua vida. Tudo vem dele e ns devemos viver para Ele (8,6).

b) O Cristo da cruz: parte fundamental do anncio Paulino. Por fora desta morte cruenta, Jesus se torna nossa Pscoa (5,7); o Cordeiro imolado pelos nossos pecados (15,3). Mas seu sentido s se compreende pela sua ressurreio. Por isso Jesus o Senhor (12,3). Dele vem a sabedoria (2,10-16).

c) O Esprito Santo: Ele que guia a comunidade mediante o dom dos carismas (12,7-11). Deus Pai continua sua obra atravs da ao do Esprito para a salvao de toda a humanidade.

d) A comunidade dos santos: a comunidade crist o povo de Deus, daqueles que so santificados em Cristo Jesus (1,2). A Igreja o templo de Deus (3,9), e sua caracterstica a unidade, mesmos com funes diversas dos seus membros, mas que no pode dilacerar o corpo de Cristo (1,13). Nela se entra pelo batismo (1,13-15; 10,2; 12,13) e este corpo se torna visvel na Ceia do Senhor, onde deve haver solidariedade (11,23-29), porm se necessrio deve excluir aqueles que so causa da sua destruio (5,11), porm esta uma funo medicinal (5,5).

e) A moral paulina: O Apstolo exige dos membros da Igreja um elevado comportamento moral e tico, sobretudo na questo sexual, onde se deve viver o amor recproco entre homem e mulher (6,16), este deve ser vivido no mbito da famlia (7,3-6). A conscincia determina as linhas prticas do comportamento baseadas na f crist. No se deve escandalizar os estrangeiros. E a vida deve ser vivida na espera escatolgica... Portanto, o amor deve guiar as relaes entre os membros da comunidade.

4. Segunda Carta aos Corntios

Esta Carta para ser bem entendida deve ser colocada no mbito das polmicas afrontadas por Paulo na comunidade. Porm, pode supor que os problemas enfrentados na Primeira Carta j tenham sido superados.

Paulo fala da sua viagem Macednia para encontrar Tito (1,13). Depois inicia um discurso apologtico sobre o seu ministrio apostlico, defendendo-se dos falsos apstolos. Paulo se diz cheio de consolao mesmo vivendo no meio das tribulaes por causa do anncio do Evangelho. Na Carta Paulo fala da sua famosa coleta em favor dos pobres de Jerusalm.

Alguns autores acreditam que os captulos 10-13 dessa carta seriam na realidade a carta em lgrimas.

a) Estrutura da 2Corntios:

1,1-11

Saudaes e agradecimentoI - 1,127,16Uma crise j superada

1) 1,122,13: Os fatos passados: a visita; uma ofensa recebida; a carta amarga

2) 2,147,4:A auto-defesa de Paulo

a) 2,14-17: introduo

b) 3,14,6:o ministrio da nova aliana

c) 4,75,10:em vista da glria futura

d) 5,116,2:o ministrio da reconciliao

e) 6,37,4:o comportamento do Apstolo

3) 7,5-16:Concluso dos fatos passados. O encontro com Tito

II - 8,1,9,15As coletas para os pobres de Jerusalm

1) 8,1-24:A comunho no servio dos santos

2) 9,1-15:Por uma eucaristia de todas as Igrejas

III - 10,113,10 Segunda defesa do apostolado

1) 10,1-11:A acusao de fraqueza

2) 10,12-18:A acusao de ambio

3) 11,112,18: O elogio do Apstolo

4) 12,1913,10: Expectativa de uma prxima visita

13,11-13Eplogo e saudao final

CARTA AOS GLATAS

1. A GALCIA

A palavra Galcia podia ser entendida de trs modos diferentes. Designava:

a) pas da Europa habitado pelos gauleses e chamada, em latim, de Glia;

b) a regio da sia Menor ocupada pelos gauleses no sc. III a.C.;

c) a Provncia Romana da Galcia, formada aps a morte do rei Amintas em 24 d.C.

Galcia propriamente dita foram juntadas a parte oriental da Frgia, a Licania, a Isauria e o Ponto. A Provncia Romana compreendia todos esses territrios. Esta Provncia da Galcia dependia do imperador e era governada por um legado pretoriano. O governador morava em Ancyra (atual Ancara), que era a grande metrpole da regio.

2. OS DESTINATRIOS DA CARTA

A carta endereada s Igrejas da Galcia (1,3). Porm, como entender o termo Galcia, j que com ele se podia designar a Galcia propriamente dita no norte da sia Menor e a Provncia Romana da Galcia?

Assim, a carta, pode ter sido enviada a um grupo de Igrejas situadas na Galcia propriamente dita, que Paulo evangelizou na sua segunda e terceira viagem missionria (At 16,6; 18,23), e seria o primeiro escrito Paulino; ou aos habitantes da provncia romana da Galcia, isto , s Igrejas de Antioquia da Pisdia, Icnio, Listra e Derbe, que Paulo fundou na sua primeira viagem missionria (At 13,1414,22). As duas opinies possuem seus defensores e argumentos de valor. A maioria dos exegetas, opta pela tese da Galcia propriamente dita, embora Lucas no mencione as Igrejas a fundadas.

Essas comunidades eram formadas em sua maioria por gentios, glatas convertidos (5,2; 6,12) Toda a argumentao da carta se apia na no necessidade da circunciso, pois quem salva a f em Jesus Cristo e no a circunciso. Se eles se fazem circuncidar, o Cristo no lhes servir para nada (5,2). De outro lado, muitos textos mostram que entre os leitores da carta havia judeus de nascimento e proslitos. (2,15; 3,13.23.25.28; 4,3). Isto , os leitores da carta conhecem o AT e a dialtica rabnica. Caso contrrio, Paulo no se serviria tanto da Bblia para apoiar sua argumentao doutrinal.

Com exceo da carta aos Romanos, Glatas o escrito paulino onde se encontra o maior nmero de citaes do Antigo Testamento. Portanto, os destinatrios da carta eram em sua maioria pagos, provavelmente proslitos e uma minoria de judeus de nascimento. o mais paulino de todos os escritos do Apstolo. E os temas aqui tratados sero melhor desenvolvidos da Carta aos Romanos.

3. OCASIO E OBJETIVO

Paulo evangelizou a Galcia durante sua segunda viagem missionria (At 16,6). Sua permanncia na regio, ao que parece, se prolongou por causa de uma doena (Gl 4,13). Foi bem recebido pelos glatas (4,14). Infelizmente no sabemos onde Paulo pregou. Seu ministrio foi frutuoso, pois os glatas receberam o Esprito Santo (3,2) e muitos milagres aconteceram entre eles (3,5). Segundo Paulo, tudo andava bem (5,7).

Parece que Paulo, na sua terceira viagem, visitou novamente essas comunidades (4,13). Depois de sua partida, as Igrejas da Galcia sofreram a infiltrao dos judaizantes (eram cristos de origem judaica que sustentavam a necessidade da observncia da Lei de Moiss, como meio indispensvel para a salvao). Provavelmente, vindos de Antioquia da Pisdia, ensinavam um evangelho diferente daquele que Paulo pregava (Gl 1,6-8).

Esse grupo de judeus-cristos era liderado por uma pessoa que desconhecemos, mas com uma autoridade reconhecida (Gl 5,10). No sabemos, tambm, como Paulo chegou ao conhecimento da situao da Galcia. Mas, certo que ao escrever a carta estava muito bem informado.

A carta nos mostra qual a ttica usada por seus adversrios. Atacavam seu apostolado e sobretudo sua independncia em relao aos Apstolos. Acusavam Paulo de no ter nenhum mandato para sua misso entre os gentios e ningum atestava sua misso, a no ser ele mesmo. Segundo estes adversrios, para agradar os neo-convertidos e ser estimado por eles, Paulo omitia em sua pregaes as partes essenciais do Evangelho.

Mas atacavam sobretudo o Evangelho de Paulo. Para eles, a Lei Mosaica era o sinal da Aliana eterna, dada pelo prprio Deus. Portanto, se os glatas quisessem participar dessa Aliana, e serem cristos completos, e ter parte nos bens messinicos, deviam ser circuncidados (5,2; 6,12) e observar as festas judaicas (4,10).

Alguns glatas parecem que ficaram fascinados com a nova doutrina (3,1). De fato, os judaizantes apoiavam sua doutrina no AT, na prtica de Jesus Cristo e dos Apstolos, e das Igrejas da Palestina. A seus olhos, Paulo teria pregado um evangelho incompleto. Eles estavam a ponto de aceitar um outro evangelho. J comeavam at a observar dias, meses, estaes e anos (4,10).

Mas parece que ainda no haviam aceitado a circunciso (5,2) e os adeptos do novo evangelho no eram muitos. Assim, ainda havia esperana de conserv-los na verdadeira f em Jesus Cristo.

Qualquer que fosse o sucesso de seus adversrios, Paulo se sentia inquieto. Desejava estar presente para admoest-los (4,20). Mas na impossibilidade de ir pessoalmente, escreveu a carta para persuadi-los. Teria, Paulo, ao contrrio de ditar suas cartas como era seu costume, escrito, ele mesmo toda a carta? Ou a observao de 6,11 se refere apenas aos ltimos versculos?

4. DATA E LUGAR DE COMPOSIO

H muita incerteza quanto a data e o local em que a carta foi escrita. Os autores que admitem que a carta foi escrita s Igrejas do Sul da Galcia, isto , a Antioquia da Pisdia, Icnio, Listra e Derbe, propem uma data em torno ao ano de 49. Assim, a carta aos Glatas seria a primeira carta de Paulo.

Porm, devemos reconhecer que a carta for escrita aps o Conclio de Jerusalm. De fato, a reunio em Jerusalm descrita em Gl 2,1-10 , sem dvida, a mesma relatada em At 15.

Para aqueles que sustentam uma destinao s Igrejas da Galcia propriamente dita, a carta teria sido escrita em feso entre os anos 54 a 57, na terceira viagem de Paulo. Alguns preferem dat-la em 57 da cidade de Corinto, por causa da grande semelhana com Romanos escrita ali em 58. Porm, a data mais aceita entre 54-57, depois da Primeira Corntios, na cidade de feso.

5. DIVISO

difcil encontrar consenso entre os biblistas quanto diviso da Carta. Eis uma boa proposta:

Introduo (1,1-10)

a) Pr-escrito (1-5)

b) Exortao e tema da Carta: a mensagem anunciada por Paulo o nico Evangelho, ao qual os Glatas devem permanecer fiis (6-10).

I - Prova autobiogrfica (1,112,21)

a) O Evangelho de Paulo provm de uma revelao (1,11-24)

b) Este foi reconhecido pelos notveis de Jerusalm (2,1-10)

c) Ele o defendeu coerentemente tambm diante de Pedro (2,11-21)

II Argumentao doutrinal (3,14,31)

a) A experincia crist dos Glatas (3,1-5)

b) Argumento com as Escrituras: o exemplo de Abrao (3,6-29)

- a bno a ele prometida se recebe somente mediante a f (3,6-14)

- a lei no pde anular a promessa (3,15-18)

- a lei o pedagogo que deixou o lugar a Cristo (3,19-29)

c) Liberdade e adoo filial (4,1-31)

- a obra de Cristo e do Esprito (4,1-7)

- a experincia feita pelos Glatas no momento da converso (4,8-20)

- novo argumento com as Escrituras: as duas alianas (4,21-31)

III Exortaes (5,16,10)

a) Convite adeso f que opera por meio da caridade (5,1-12)

b) Liberdade e vida no Esprito (5,136,10)

- O amor como resumo da lei (5,13-15)

- Viver segundo o Esprito (5,16-24)

- Unio fraterna e espera escatolgica (5,256,10)

Ps-escrito (6,11-18)

6. MENSAGEM

a) Cristo, autor da nossa liberdade:

O plano de Deus se realiza na pessoa de Cristo. Ele a realizao da promessa feita a Abrao (3,16). Quando chegou a plenitude do tempo, enviou Deus o seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a Lei, para resgatar os que estavam sob a Lei, a fim de que recebssemos a adoo filial (4,4-5). O Ressuscitado (1,1) aquele que se deu a si mesmo pelos nossos pecados, para tirar-nos deste mundo perverso, segundo a vontade de Deus e Pai nosso (cf. 1,4). Nele temos a verdadeira liberdade e se a perdemos voltamos a ser escravos (2,4-5; 4,7.9. Cristo nos resgatou da maldio da Lei, tornando-se Ele mesmo maldio por ns (3,13). A Cristo devemos a verdadeira e definitiva liberdade (5,1.13). Qualquer pessoa pode obter esta liberdade, mas somente na adeso a Cristo e sua obra: Quanto a mim, no acontea gloriar-me seno na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, por quem o mundo est crucificado para mim e eu para o mundo (6,14).

b) A justificao mediante a f:

A adeso a Cristo e a participao sua experincia de morte e vida feita mediante a f...no sou eu que vivo, mas Cristo que vive em mim. Minha vida presente na carne eu a vivo na f no Filho de Deus que vive em mim (2,20). Mediante a f se obtm a justificao: fomos justificados pela f em Cristo e no pelas obras da lei (2,16), pois se a justificao vem pela Lei, Cristo morreu em vo (2,21; 5,4). certo que a Lei agiu como um pedagogo que nos conduziu a Cristo (3,24). Paulo tem em mente a Lei que separada da f autntica se tornou uma srie de prescries, que so observadas para querer tornar-se bom aos olhos de Deus. O preceito do amor se torna mais importante (5,13-14) e a lei animada pelo Esprito (6,2), faz com que a f opere por meio da caridade (5,6).

Em sntese a polmica de Paulo com a Lei porque no quer minimizar a ao de Cristo em favor da salvao da humanidade. Especialmente deve ter em mente os cristos vindos do paganismo, aos quais se queria exigir a circunciso. Aceitar a Lei seria rejeitar Cristo e tornar v a sua cruz.

OBS. O problema da justificao apresentado aqui e melhor desenvolvido na Carta aos Romanos, historicamente produziu muitos problemas entre a Igreja Catlica e as Igrejas Protestantes, ainda que os pontos em comum eram maiores que os pontos divergentes. Assim, mais do que louvvel foi a Declarao Conjunta, assinada entre a Igreja Catlica Romana e a Federao Luterana Mundial em 1999, tentando superar estas divergncias.

c) A obra do Esprito no corao dos cristos:

A obra redentora de Cristo se realiza por meio do Esprito. Os Glatas receberam o Esprito no porque cumpriram as obras da lei, mas pela sua adeso a f em Cristo (3,2-3). Foi atravs de Cristo que eles puderam experimentar Deus como Pai e puderam sentir-se filhos: E porque sois filhos, Deus enviou ao nossos coraes o Esprito de seu Filho, que clama: Abba, Pai! (4,6). Ora foi este Esprito que os arrancou da escravido, para torn-los filhos. E sendo filhos, so tambm herdeiros! (4,7). Este mesmo Esprito que guia os cristos no caminho para Deus, inspirando neles desejos contrrios aos desejos da carne (5,16-26).

A justificao mediante a f tambm um meio com o qual Deus rene a Igreja, na qual est presente o Israel de Deus (6,16), isto , o povo eleito dos tempos escatolgicos. Esta a Jerusalm celeste, que gera os seus filhos na liberdade, uma comunidade marcada no pelas prticas legalistas, mas por uma vida de f e de amor. A Igreja universal, no somente porque aberta a todos, mas porque nela, mediante a adeso a Cristo, todos encontram a sua unidade: No h judeu nem grego, no h escravo nem livre, no h homem nem mulher; pois todos vs sois um em Cristo Jesus (3,28). Assim caem todas as barreiras de classe, sexo, casta, cultura que dividem a humanidade, tornando assim possvel uma experincia profunda de comunho fraterna. A adeso Igreja no pode mais ser resultado de fatores que pertencem histria, sociedade ou cultura, mas somente da deciso da f: por isso, todos podem tornar-se filhos de Deus sem o dever de abandonar aquilo que de vlido e bom existe no seu mbito cultural.

OBS. Os pontos 5 e 6 so baseados em A. Sacchi e collaboratori. Lettere Paoline e altre Lettere (Logos 6. Elle Di Ci, Torino 2002) p. 157-170.CARTA AOS COLOSSENSES

1. A cidade de Colossos

Colossos ou Colossas era uma antiga cidade da Frgia, situada na margem esquerda do rio Lico. Distava 200 km de feso e uns 15 km de Laodicia e 20 km de Gerpolis (Hierpolis). As trs cidades estavam situadas na regio sul da Frgia. No I sculo tinha em torno a 200 mil habitantes.

Os escritores gregos, Herdoto e Xenofonte, descrevem Colossos como a mais bela, rica e importante cidade da regio. Por ela passava uma importante estrada que unia feso Cilcia e Sria. Por ali passaram os exrcitos dos reis persas Ciro e Xerxes em suas conquistas da sia Menor. A regio circunvizinha era rica em pasto; da a grande criao de gado mido. Colossos era importante porque nela havia uma grande indstria de l.

Porm, a partir de 250 aC, a cidade foi perdendo importncia, pois Antoco II Thes fundou sobre a antiga cidade chamada Dispolis ou Roas, a cidade de Laodicia em honra de sua mulher Ladice. A nova cidade, distante apenas 16km de Colossos, tornou-se uma importante sede de uma escola de mdico-oculistas (Ap 3,8) e anos mais tarde tornou-se a capital do distrito. Toda essa regio tornou-se depois domnio do rei talo III de Prgamo, que em 133 aC deixou seu reino para os Romanos. Em 129 aC a Frgia tornou-se parte da Provncia Romana da sia.

Assim, na poca de Paulo, Colossos era uma pequena e insignificante cidade da sia. Pelo ano de 60/61 aC, durante o imprio de Nero, as trs cidades, Colossos, Laodicia e Gerpolis, foram destrudas por um terremoto que assolou todo o vale do rio Lico. As cidades foram reconstrudas, mas a primazia coube a Laodicia e Gerpolis. Gerpolis tinha se tornado um importante centro por causa de suas guas termais. Em 628, a cidade foi novamente destruda por outro terremoto e nunca mais foi reconstruda. Seus habitantes fundaram uma nova cidade 4km ao norte com o nome de Khonas.

O povo frgio era propenso ao misticismo e fantasia. Praticava um culto supersticioso aos anjos e demnios que existia ainda no sculo IV como demonstram as atas do Conclio de Laodicia.

Na regio havia tambm um grande nmero de judeus. Segundo Flavio Josefo (Ant. XII, 147-153), o procnsul romano Valrio Flacco (61-62 aC) seqestrou o dinheiro dos judeus recolhido para o Templo de Jerusalm (por isso foi processado e deposto). Foi dessa regio que saiu o fundador dos montanistas, um antigo sacerdote de Cibele convertido ao cristianismo. O culto principal era o de Cibele. Porm, graas ao trabalho dos colaboradores de Paulo, a regio tornou-se profundamente crist e muito unida ao apstolo Paulo.

2. A comunidade de Colossos

Segundo os Atos dos Apstolos, Paulo evangelizou a Frgia em duas ocasies: na sua segunda viagem missionria quando percorreu a regio norte indo da Psdia para a Galcia (At 16,6); e na terceira viagem ao dirigir-se para feso (At 18,23).

Porm, baseados em Cl 2,1, podemos deduzir que ele nunca esteve em Colossos e Laodicia. Por conseguinte, essas comunidades no foram fundadas diretamente por ele. Foram seus colaboradores que evangelizaram a regio sul da Frgia.

As Igrejas de Colossos e as de Laodicia e Gerpolis foram fundadas por pafras, um colossense. Provavelmente com Filemon, um outro colossense, e Ninfas, natural de Laodicia, encontrou Paulo em feso e se converteu. Paulo o chama de nosso amigo e companheiro de servio... (Cl 1,7). No sabemos se pafras fundou as comunidades crists de Colossos e das cidades vizinhas a mando de Paulo ou no. O certo , que ele mantm Paulo sempre informado sobre a comunidade (Cl 1,9) e recorre ao Apstolo para superar as dificuldades que surgem. De outro lado, Paulo fala e age com a conscincia de ter autoridade sobre a comunidade como se fosse ele o fundador.

A nica fonte de informao sobre a comunidade de Colossos a prpria carta. Dela resulta que a Igreja de Colossos era composta em sua grande maioria por cristos provenientes do paganismo (Cl 1,21-27; 2,13). Porm, devia haver uma percentagem de judeu-cristos. pafras devia ser de origem pag.

Tambm as comunidades de Laodicia e Gerpolis deviam ter a mesma constituio. Convm notar que Laodicia recordada no Apocalipse (Ap 3,14) e ali se celebrou um conclio no final do sculo IV.N.B.: O cristianismo, alm da Frgia, floresceu tambm na Misia e Ldia. As comunidades de Prgamo, Esmirna, Sardes, Filadlfia e Tiatira sero Igrejas ativas no final do sculo I. No sabemos nada sobre suas fundaes. Porm, podemos supor que elas tambm nasceram durante o ministrio efesino de Paulo.

3. A Carta

Colossenses uma das Cartas do Cativeiro, pois Paulo ao escrever a carta afirma estar preso (Cl 4,3.10.18). Mas no diz o lugar de sua priso, porque provavelmente, era conhecido dos destinatrios. Segundo Atos dos Apstolos, Paulo foi encarcerado ao menos trs vezes:

- At 16,23-40: Em Filipos, durante sua segunda viagem missionria, mas por uma nica noite;

- At 23,3326,32: Em Cesaria, na Palestina, por dois anos, entre 58-60;

- At 28,16.30: Em Roma, em liberdade vigiada, ou priso domiciliar, por dois anos, entre 61-63.

A carta aos Efsios muito prxima de Colossenses pelo estilo, linguagem e teologia, e, portanto, ambas devem ter sido escritas do mesmo lugar. Em Fm 23-24 e Cl 4,10-14 so lembradas as mesmas pessoas, o que tambm supe a mesma data. A priso romana de Paulo parece ser a data e o local mais indicado para as trs cartas.

pafras, fundador da Igreja de Colossos, se encontrava junto do apstolo. Paulo o chama de meu companheiro de priso em Cristo Jesus (Fm 23). No quer dizer que ele tambm estivesse preso, mas que condividia a mesma sorte de Paulo, pois, provavelmente morava na mesma casa.

Provavelmente, pafras tenha ido a Roma relatar a Paulo o estado da comunidade de Colossos e, ao mesmo tempo, pedir conselhos e ajuda contra uma nova doutrina que perturbava o ambiente da comunidade. pafras sabia do grande interesse de Paulo pela comunidade crist de Colossos e tambm de Laodicia.

Os colossenses tinham progredido em sua f e na caridade (1,4.8; 2,5). Porm, surgia uma falsa doutrina que ameaava o bem-estar da Igreja. No fcil, precisar com exatido que doutrina era essa. Paulo a chama de filosofia (2,8).

Note-se que se entendia por filosofia qualquer doutrina, mesmo religiosa, sobre o mundo e a vida. No sabemos se Paulo tinha ou no elementos suficientes para saber exatamente o contedo dessa doutrina. As aluses na carta so muito vagas. Podemos detectar algumas suas caractersticas:

- Em primeiro lugar, nota-se um certo influxo de correntes judaizantes. No se trata do judasmo que Paulo combate energicamente em Glatas e Romanos. Mas um resqucio de judasmo misturado com idias de outras religies pags. Paulo faz apenas uma meno circunciso (2,11-13). Talvez esses filsofos pregassem a circunciso, porm sem dar-lhe importncia para a salvao como faziam os judaizantes. Pregavam a observncia de festas anuais, mensais e dos sbados (2,16); a rgida abstinncia de alimentos (2,16.20-22);

- Davam grande importncia s potncias, isto , a seres celestes que estariam associados aos astros e que exerciam um certo papel sobre o mundo. Paulo fala de elementos do mundo (Cl 2,8) de culto dos anjos (2,18), de tronos, dominaes, principados e potestades (2,10.15). Esses seres aparecem como mediadores entre Deus e os homens, religando a segundo plano a mediao de Cristo. Nesses elementos todos, vislumbra-se uma clara influncia das religies de mistrio, to em voga na poca;

- Um terceiro elemento parece provir de uma espcie de gnosis, pois se ressalta a importncia do conhecimento. No se sabe qual o contedo desse conhecimento. Porm, atravs dele, se tinha acesso a um mundo superior.

No sabemos tambm se o pregador dessa doutrina era judeu, pago ou cristo. Paulo chama