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Capa: Renato Xavier Projeto Gráfico: Casa de Jdeias Produção Gráfica: Adalmir Caparrás Fagá 2" Edição Revista- 2005 - Ia Reimpressão - 2010 Título Original: Lettre sur l'humanisme Tradução: Rubens Eduardo Frias Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Heidegger, Martin, 1889 - 1976 Carta sobre o humanismo / Martin Heidegger. - 2 ed. rev. Tradução de Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Centauro - 2005 Título original: Lettre sur l'humanisme. ISBN 978-85-88208-64-3 Bibliografia 1. Filosofia alemã 2. Humanismo I. Título 05-7532 CDD-193 Índices para catálogo sistemático: 1. Filosofia alemã 193 e 2010 CENTAURO EDITORA Travessa Roberto Santa Rosa, 30 - 02804-0 I O- São Paulo - SP Te!. Ii - 3976-2399 - Te!'lFax 11- 3975-2203 E-mail: [email protected] www.centauroeditora.com.br SUMÁRIO C' b "H . " 7 "o re O umarusmo . .arta a Jean Beaufret (Paris) 87 ilossario Português-Alemão 91

Cartas sobre o humanismo Heidegger.pdf

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  • Capa: Renato XavierProjeto Grfico: Casa de Jdeias

    Produo Grfica: Adalmir Caparrs Fag

    2" Edio Revista- 2005 - Ia Reimpresso - 2010

    Ttulo Original: Lettre sur l'humanisme

    Traduo: Rubens Eduardo Frias

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Heidegger, Martin, 1889 - 1976Carta sobre o humanismo / Martin Heidegger. - 2 ed. rev.

    Traduo de Rubens Eduardo Frias.So Paulo: Centauro - 2005

    Ttulo original: Lettre sur l'humanisme.

    ISBN 978-85-88208-64-3

    Bibliografia1. Filosofia alem 2. Humanismo I. Ttulo

    05-7532 CDD-193

    ndices para catlogo sistemtico:

    1. Filosofia alem 193

    e 2010 CENTAURO EDITORATravessa Roberto Santa Rosa, 30 - 02804-0IO - So Paulo - SP

    Te!. Ii - 3976-2399 - Te!'lFax 11-3975-2203E-mail: [email protected]

    SUMRIO

    C' b "H . " 7"o re O umarusmo .

    .arta a Jean Beaufret (Paris) 87

    ilossario Portugus-Alemo 91

  • SOBRE O "HUMANISMO"CARTA A JEAN BEAUFRET (Paris)

    STAMOS AINDA LONGE DE PENSAR, COM SUFI-

    ciente radicalidade, a essncia do agir. Conhecemos o. . l'P \.

    agir apenas como o produzir de um efeito. A sua reali-

    dade efetiva segundo a utilidade que oferece. ~as a es- T:; e~sncia do agir o consuma!. Consumar significa des- C/'t.o ro.JLdobrar alguma coisa at plenitude de sua essncia; o, (te IGMOlev-la plenitude, producere. Por isso, apenas pode

    ser consumado, em sentido prprio, aqui o que j .

    O-que todavia "", antes de tudo, ~ o ser. O pensarconsuma a relao do ser com a essncia do homem.

    O pensar no produz nem efetua esta relao. Ele ape-

    nas a oferece ao ser, como aquilo que a ele prprio foi

  • Clarfa sobre o qumanismo

    ~confiado pelo ser. Esta oferta consiste no fato de, no

    pensar, o ser ter acesso linguagem. ~ linguagem a \'casa do ser. Nesta habitao do ser mora o homem. \

    1/Os pensaaores e os poetas so os guar as desta ha- I"

    bitao. A guarda que exercem o ato de con~nara manifestao CIoser, na me i a em que a levam

    ~uagem e nela a conservam. No por ele irradiarum efeito, ou por s~r aplic;do, que o pensar se trans-

    forma em ao. O pensar age enquanto exerce comopensar. Este agir provavelmente o mais sirlg~12..e,

    ao me~m;-tt.rr112~:_O~_~~_elevado .l2orgue interessa relao do ser com_o l-:!.'2...D.:lep;1.Toda a eficcia, porm,

    ~-se no ser e espraia-se sobre o ente. O pensar,pelo contrrio, deixa-se requisitar pelo ser para dizer a

    verdade do ser. O pensar consuma este deixar. Pensar L'engagement par L'tre. Ignoro se do ponto de vis-ta lingstico possvel dizer ambas as coisas ("par"e "pour"), numa s expresso, a saber: penser, c'est

    L'engagement de l'tre. Aqui, a palavra para o genitivo"de 1' ... " visa expressar que o genitivo , ao mesmotempo, genitivus subjectivus e objectivus. Mas nisto nose deve esquecer que "sujeito e objeto" so expresses

    inadequadas da Metafsica que se apoderou, muito

    cedo, da interpretao da linguagem, na forma da

    "Lgica" e "Gramtica" ocidentais. Mesmo hoje, mal

    8

    s mos capazes de pressentir o que se esconde neste

    I rocesso. A libertao da ' ..g1!,g!..mdos ~~a

    Gramtica e a abertura de um es ao essencialI!!~- o

    original est reservado .S,.omQJf!.tefa_illJL2.....2~r_. e.._--_.~..

    o poetiza . O pensar no apenas l'engagement dansr

    cl'action em favor e atravs do ente, no sentido doefetivamente real da situaco presente. O pensar , ~ ...~ ..--....l'engagement atravs e em favor da verdade ~r.

    ~ -------. ..... """",-.-"",, ."."._ .... """"'"A sua histria nunca completa, ela sempre est na

    iminncia de vir a ser. A histria do ser sustenta e

    determina cada conclition et' situation humaine.Para primeiro aprendermos a experimentar, na

    sua pureza, a cita essncia do pensar, o que significa,

    ao mesmo tempo, realiz-Ia, devemos libertar-nos da in-

    terpretao tcnica do pensar, cujos primrdios recuamat Plato e Aristteles. O prprio pensar tido, ali,

    como 'tEXU'11, o processo da reflexo no servio do fazere do operar. A reflexo, j aqui, vista desde o ponto

    de vista da rrpat e rroil1m. Por isso, o pensamento,tomado em si, no "prtico" . A caracterizao do pen-

    sar como Oecopic e a determinao do conhecer comopostura "terica" j ocorrem no seio da interpretao

    "tcnica" do pensar. uma tentativa de reao, visandosalvar tambm o pensar, dando-lhe ainda uma autono-

    mia em face do agir e do operar. Desde ento, a "Filo-

    9

  • ~~~

    ~,

    ~s~~,Ji~~

  • ~arta sobre o qumanismo

    pensar e o conduz, assim, para a sua essncia. Dito de

    maneira simples, o pensar o pensar do ser. O g niti-

    vo tem duplo significado. O pensar do ser na m dida

    em que o pensar, apropriado e manifestado p t r,

    pertence ao ser. O pensar , ao mesmo temp , p nsar

    do ser, na medida em que o pensar, pertenc I dser, escuta o ser. Escutando o ser e a ele pert n nd ,

    o ser aquilo que ele , conforme sua origem ss n-

    cial. O pensar - isto, quer dizer: o ser encarr g u-

    se, dcil ao destino e por ele dispensado, da ncia

    d E de uma " ." do pensar. ncarregar-se e uma coisa u uma"pessoa" significa: am-Ias, quer-tas. Est qu rer sig-

    nifica, quando pensado mais originariam nt : d m da

    essncia. Tal querer a essncia prpria d poder, o

    qual no apenas capaz de produzir isto ou aquilo,

    mas capaz de deixar que algo desdobre o seu ser em

    sua provenincia, isto significa que capaz de fazer-ser.

    O poder do querer a graa pela qual alguma coisa

    propriamente capaz de ser. Este poder propriamenteo possvel; aquele possvel cuja essncia repousa no

    querer. a partir deste querer que o ser capaz de

    pensar. Aquele possibilita este. O ser como o que pode

    e quer o "possvel". O ser como o elemento a "fora

    tranqila" de poder que quer dizer, isto , do poss-vel. Os nossos termos "possvel" e "possibilidade" so,

    12

    sem dvida, pensados, sob o imprio da "Lgica" eda "Metafsica", distinguindo-se da "atualidade"; isto

    significa, a partir de uma determinada interpretaodo ser - a metafsica - actus e potentia, distino que identificada com a de existentia e essentia. Quando

    falo de "fora tranqila do possvel", no me refiro ao

    possibile de uma possibilitas apenas representada, nem potentia enquanto essentia de um actus da existentia;refiro-me ao prprio ser que, pelo seu querer, impera

    com seu poder sobre o pensar e, desta maneira, sobre

    a essncia do homem, ou seja, sobre a sua relaco com

    o ser. Poder algo significa, aqui: guard-lo na sua essn-cia, conserv-o no seu elemento.

    Quando o pensar chega ao fim, na medida em

    que sai do seu elemento, compensa esta perda valori-

    zando-se como 't-EXv'll, como instrumento de formaoe, por este motivo, como atividade acadmica e aca-

    bando como atividade cultural. A Filosofia vai trans-

    formar-se em uma tcnica de explicao pelas causas

    ltimas. No se pensa mais; ocupamo-nos de "Filoso-

    fia". Na concorrncia destas ocupaes elas ento exi-

    b m-se publicamente como "ismos", procurando uma

    s rbrepujar a outra. O domnio destas ex resses no

    t' 'usual. Ele res.ide, e ist~ particularmente nos tem os 1iIII I rnos, na singular al~~U~Z~i;I~,J

  • 'larfa sobre o qumanismo

    assim chamada "existncia privada" no , entretanto,

    ainda o ser-homem essencial e livre. Ela simplesmente

    crispa-se numa negao do que pblico. Ele man-

    tm o chanto dele dependente e alimenta-se apenas

    do recuo diante do que pblico. Ele atesta, assim,

    contra sua prpria vontade, a sua subjugao opinio

    pblica. Ela mesma, porm a instauraco e domina-, .o metafisicamente condicionadas - porque se origi-

    nando do domnio da subjetividade - da abertura do

    ente, na incondicional objetivao de tudo. Por isso, a

    linguagem pe-se ao servico da meditaco das vias de. .comunicao, nas quais se espraia a objetivaco, comoo acesso uniforme de tudo para todos, com ~de~.

    de qualquer limite. Deste modo, a linguagem cai sob a

    ditadura da opinio pblica. Esta decide previamente oque compreensvel e o que de~e ser d;;prezado comincompreensvel.i

    Aquilo que se diz, em Ser e Tempo (1927) 27e 35, sobre o "a gente" no quer fornecer, de maneiraalguma, apenas uma contribuio incideni:al para a So-ciologia. Tampouco o "a gente" significa apenas a figura

    oposta, compreendida de modo tico-existencialista, aoser-em-si-mesmo da pessoa. O que foi dito contm, ao

    contrrio, indicao, pensada a partir da questo da

    verdade do ser, para o pertencer originrio da palavra

    14

    ~~--------------

    ao ser. Esta relao permanece oculta sob o domnio

    da subjetividade que se apresenta como a opinio p-

    blica. Se, todavia, a verdade do ser se tornou dignade ser pensada pelo pensar, deve tambm a reflexosobre a essncia da linguagem alcanar um outro nvel.

    Ela no pode continuar sendo apenas simples filosofia

    da linguagem. somente por isso que "Ser e Tempo"( 34) contm uma indicao para a dimenso essencial

    da linguagem e toca a simples questo: em que modo

    do ser, afinal, a linguagem, enquan,to linguagem, em

    cada situao? O esvaziamento da linguagem que gras-

    sa, em toda a parte e rapidamente, no corri apenas a

    responsabilidade esttica e moral em qualquer uso dapalavra. Ela provm de uma ameaa essncia do ho-

    mem. Um simples uso cultivado da linguagem no de-

    monstra, ainda, que conseguimos escapar a este perigo

    essencial. Um certo requinte no estilo poderia hoje, ao

    contrrio, at significar que ainda no vemos o perigo,

    nem somos capazes de o ver, porque ainda no ousa-

    mos nunca enfrentar o seu olhar. A decomposio da

    linguagem, atualm!12!.eto fa.1as!ae isto bastante tarde,

    ;;'o ~ntudo, a razo, mas j uma conse ncia do~~'""----'--- --- - -fato de que a linguagem, sob o domnio da metafsi~amoderna da subjetividade, se extravia quase irresistivel---------------------------- ------- . .mente do seu elemento. A linguagem recusa-nos ainda~--_--.. ,.. ~ --

    15

  • crarfa sobre o qumanismo

    salvao. Por mais que se distingam estas espcies dehumanismos segundo as suas metas e fundamentos, a

    maneira e os meios de cada realizao, e a forma da suadoutrina, todas elas coincidem nisto: que a hum~itas

    do homo humanus determinada a p~tir do ponto der ~

    vista de uma inter retaco fixa da natureza, da histria~ '----. :>o, ,

    do mundo e do fundamento do mundo, isto , do pon-----=------ >to de vista do ente na sua totalidade.

    (~--

    Todo o humanismo se funda ou numa Metafsicaou ele mesmo se postula como fundamento de uma talmetafsica. Toda a determinao da essncia do homem

    que j pressupe a interpretao do ente, sem a questo

    da verdade do ser, e o faz sabendo ou no sabendo , Metafsica. Por isso, mostra-se, e isto no tocante ao

    modo como determinada a essncia do homem o,elemento mais prprio de toda a Metafsica, no fato de

    ser "humanstica". De acordo com isto, qualquer hu-manismo permanece metafsico. Na determinao da

    humanidade do homem, o humanismo no s deixade questionar a relao do ser com o ser humano, mas

    o humanismo tolhe mesmo esta questo, pelo fato de,por causa de sua origem metafsica, no a conhecer

    II nem a compreender. E vice-versn, a necessidade e anatureza particular da questo da verdade do ser, es~. quecida na Metafsica e atravs dela, s pode vir luz20

    I .vantando-se no prprio seio da Metafsica a questo:[ue Metafsica? De incio, questes acerca do "ser" e

    s bre a verdade do "ser" podem ser apresentadas comoquestes "metafsicas".

    O primeiro humanismo, o romano, e todos osr--.....tipos do humanismo g~e, desde ~p~o at~ pres~n~~d -- 'b'" .. "te tm .surgi o, pressupem como o via a essencia

    mais universal do homem. O homem tomado como---- _._..-..,,- .animal rationale, Esta determinaco no apenas atradu co latina da expresso grega S

  • 'larta sobre o humanismo

    tado na clareira do ser o que eu chamo a ex-sistnciado homem. Este modo de ser s prprio do homem.

    A ex-sistncia assim entendida no apenas o funda-

    mento da possibilidade da razo, ratio, mas aquilo

    em que a essncia do homem conserva a origem desua determinao.

    A ex-sistncia somente se pode dizer da essncia

    do homem, isto , somente a partir do modo huma-d " ". hno e ser; pois, apenas o ornem, ao menos tanto

    quanto sabemos, nos limites da nossa experincia, est

    iniciado no destino da ex-sistncia. por isso que a

    ex-sistncia nunca poder ser pensada como uma ma-

    neira especfica de ser entre outras espcies de seres

    vivos; isto naturalmente supondo que o homem foi as-sim disposto, o que deve pensar a essncia do seu sere no apenas elaborar relatrios sobre a natureza e a

    histria da sua constituio e das suas atividades. Destamaneira, funda-se na essncia da ex-sistncia tambm

    aquilo que atribumos ao homem, mediante a compa-rao com o "animal". O cor o do homem algo de-

    essencialmente diferente de um organismo animal. O~ d'rro do biologismo no est supera-o quan o se j~-nta

    ao elemento corporal do homem a alma e alma o

    esprito e ao esprito o aspecto existencial, pregando

    ainda alto como at agora o apreo pelo esprito, para,

    24

    :rn nal, deixar tombar tudo de volta na vivncia da vida,n lmoestando-se ainda, com ilusria segurana, que o

    pensar destri, pelos seus conceitos rgidos, o fluxo

    Ia vida e que o pensar do ser deforma a existncia.fato de a Filosofia e a qumica fisiolgica poderem___ r

    examinar O homem como organismo, sob o ponto de

    vista dsCincias a atureza, no rova_de Que

    nesteeIem~t~ "orgnico", isto , de que no corpo ex- ~.----- _ ...- . - - -- ~-- ..., ... - - -~

    plicado cientificamente resida a essncia do ho~I11..._

    Isto vale tampouco como a opici;-de que, na energia

    atmica, esteja encerrada a essncia da natureza. Pois,

    poderia mesmo acontecer que a natureza escondesse

    precisamente a sua essncia, naquela face que oferece

    ao domnio tcnico do homem. Como a essncia do

    homem no consiste em ser um organismo animal,

    assim tambm no se pode eliminar e compensar esta

    insuficiente determinao da essncia do homem, ins-

    trumentando-o com uma alma imortal ou com as facul-

    dades racionais, ou com o carter de pessoa. Em cada

    caso, passa-se por alto a essncia, e isto em ~ ~

    mesmo prqjeto metafisio..-~quilo que o homem , o que na linguagem tra-

    dicional da Metafsica se chama a "essncia" do ho-~'mem, reside na sua ex-sistncia. Mas a ex-sistncia, as-

    sim pensada, no idntica ao conceito tradicional do

    .25

  • crarta sobre o qumanismo

    existentia, que significa realidade efetiva, na diferenacom a essentia enquanto possibilidade. Em Ser e Tempo(pg. 42), encontra-se a frase grifada: "A essncia doser-a reside na sua existncia". Aqui no se trata de

    uma contraposio de existentia e essentia, porque, demaneira alguma, ainda esto em questo estas duas

    determinaes metafsicas do ser, nem se fale ento da

    sua relao. A frase contm, ainda muito menos, uma

    afirmao geral sobre a existncia (dasein), na medida

    em que esta designao surgiu, no sculo XVIII, paraa palavra "objeto" deveria expressar o conceito metaf-sico de realidade efetiva do real. Ao contrrio, a frase

    diz: O homem desdobra-se assim no seu ser (west) queele o "a", isto , a clareira do ser. Este "ser" do a, e

    somente ele, possui o trao fundamental da ex-sistn-

    cia, isto , significa o trao fundamental da in-sistn-cia ex-sratca na verdade do ser. A essncia ex-srtica

    do homem reside na sua ex-sistncia, que permanecedistinta da existentia pensada metafisicamente. Esta

    compreendida pela Filosofia Medieval como actuali-tas. Kant representa a existentia como a realidade efe-tiva no sentido da objetividade da experincia. Hegeldetermina a existentia como a idia que se sabe a si

    mesma, a idia da subjetividade absoluta. Nietzscheconcebe a existentia como o eterno retorno do mesmo.

    26

    (~v rdade que ainda fica aberta a questo se atravs dotVI'ITIO "exstentu", em suas interpretaes, diferentes

    'I 'nas primeira vista, como realidade efetiva, j

    P insado com suficiente exatido o ser da pedra ou

    111 smo a vida como ser da flora e da fauna. Em todo

    'ns , os seres vivos so como so, sem que, a partir do, 'LI ser como tal, estejam postados na verdade do ser,Ifl.l(udando numa tal postura o desdobramento essen-

    ial do seu ser. Provavelmente, causa-nos a mxima

    dificuldade, entre todos os entes que so, pensar o

    li r vivo, porque, por um lado possui conosco o pa-

    r .ntesco mais prximo, estando, contudo, por outro

    Indo, ao mesmo tempo, separado por um abismo da~--------~----,---nossa essncia ex-sistente. Em comparao pode atn s parecer que a essn~ia do divino nos mais prxi-ma, como o elemento estranho do ser vivo; prxima,

    quero dizer, numa distncia essencial, que, enquantolistncia, contudo, mais familiar para a nossa essn-

    .ia ex-sistente que o abissal parentesco corporal como animal, quase inesgotvel para o nosso pensamento.

    Tais consideraes lanam uma estranha luz sobre a

    determinao corrente e, por isso, sempre provisria e

    apressada, do homem como animal rationale. Porque- -'-as plantas e os animais esto mergulhados, cada qual

    '--~"""- ---_ .....no seio de seu ambiente prprio, mas nunca esto in-~----------------------------------

    27

  • crarta sobre o qumanismo

    seridos livremente na clareira do ser - e s esta clareirac---- -,""'"__-- 11mundo 11 -, por isso, falta-Ihes a lingu;g~m. E n~

    porque lhes falta a linguagem esto eles s~sos sem

    mundo no seu ambiente. Mas nesta palavra "ambiente"

    concentra-se toda a dimenso enigmtica do ser vivo.

    Na sua essncia, a linguagem no nem exteriorizao

    de um organismo nem expresso de um ser vivo. Por

    isso, ela tambm no pode ser pensada em harmonia

    com a sua essncia, nem a partir do seu valor de sig-

    no, e talvez nem mesmo a partir do seu valor de sig-

    nificao. Linguagem advento iluminador-velador do- ~prprio ser.r--

    ~a, pensada extaticamente, no coin-

    c~uanto ao contedo, nem quanto ~a,com a existentia. Ex-sistncia si nifica sob o ontc: de~ -

  • crarfa sobre o humcnsmo

    no repousa no fato de ele ser a substncia do ente

    como seu "sujeito", para, na qualidade de potentado do

    ser, deixar diluir-se na to decantada "objetividade", aentidade do ente.

    Pelo contrrio, o homem "atirado" pelo prprio

    ser na verdade do ser, para que, ex-sistindo, desta ma-

    neira, guarde a verdade do ser para que na luz do ser o

    ente se manifeste como o ente que efetivamente . Se e

    como o ente aparece, se e como o Deus e os deuses, ahistria e a natureza penetram na clareira do ser, como

    se apresentam e ausentam, no decide o homem. O

    advento do ente repousa no destino do ser. Para o ho-

    mem, porm, permanece a questo de saber se ele achaa convenincia adequada sua essncia, que correspon-

    de a este destino, pois, de acordo com ele, o homem o

    pastor do ser. somente nesta direo que Ser e Tempopensa quando experimentada a existncia ex-srticacomo "o cuidado" ( 44a, pgs. 226 e segs.).

    Mas o ser - o que o ser? Ser o que mesmo.Experimentar isto e diz-lo a aprendizagem pela qualdeve passar o pensar futuro - no Deus nem um fun-

    damento do mundo. O ser mais longnquo que qual.

    quer ente e est mais prximo do homem que qualquer

    ente, seja este uma rocha, um animal, uma obra de arte,

    uma mquina, seja um anjo de Deus. O ser o mais

    34

    prximo. E, contudo, a proximidade permanece, para o

    homem, a mais distante. O homem atrn-se primeiro e

    para sempre apenas ao ente. Quando, porm, o pensar

    r 'I resenta o ente enquanto ente, refere-se, certamente,

    110 ser; todavia, pensa, constantemente, apenas o entecomo tal e precisamente no e jamais o ser como tal. A

    11 luesto do ser" permanece sempre a questo do ente.

    questo do ser no ainda aquilo que designa esta

    (illaciosaexpresso: a pergunta acerca do ser. A Filosofia

    s gue, como em Descartes e Kant, tambm ali onde ela

    se torna "crtica", constantemente na esteira da represen-(ao metafisica. Ela pensa, partindo do ente e para ele

    s dirigindo, na passagem pela mediao de um olhar

    1 ara o ser. Pois na luz do ser est situado cada ponto de

    1 artida do ente e cada retorno a ele.A Metafsica, porm, somente conhece a clareira

    \0 ser ou desde o olhar que nos lana aquilo que seapresenta no "aspecto" tOEU ou criticamente, como oobjeto da perspectiva de representao categorial por

    parte da subjetividade. Isto significa: a verdade do ser

    como a clareira em si mesma permanece oculta paraa Metafsica. Este ocultar, porm, no uma lacuna

    da Metafsica, mas o tesouro da riqueza a ela mesma

    recusado e ao mesmo tempo apresentado. A clareira

    em si, porm, o ser. Somente ela garante, no seio do

    35

  • crarfa sobre? o humanismo

    destino ontolgico da Metafsica, a perspectiva a partir

    da qual as coisas que se apresentam afetam o homem

    que lhes vem ao encontro: desta maneira, o prprio ho-

    mem pode apenas perceber o seu 8tydu na percepouosiu, (Aristteles, Met. 8, 10); somente a perspectivaatrai a viso para si e a ela se entrega quando o perceber

    se transforma no propor-diante-de-si, na perceptio da res

    cogitans como subjectum da certitudo.Supondo que em si nos seja dado questionar to

    simploriamente: como se comporta, ento, o ser emrelao ex-sistncia? O ser a relao, na medida em

    que retm, junto a si, a ex-sistncia na sua essncia

    existencial, isto , ex-sttica e a recolhe junto a si, como

    o lugar da verdade do ser, no seio do ente. Pelo fato de

    o homem como ex-sistente vir a postar-se nesta relao

    que a forma como o prprio ser se destina, enquan-

    to o homem o sustenta ex-staticamente, isto , assume

    com cuidado, ele desconhece primeiro o mais prximo

    e atem-se ao que vem depois deste. Ele pensa at que

    isto o mais prximo. Contudo, mais prximo que o

    prximo e, ao mesmo tempo, mais remoto que o mais

    longnquo para o pensamento corrente, esta proximi-dade a verdade do ser.

    O esquecimento da verdade do ser, em favor da

    agresso do ente impensado na sua essncia, o sen-

    36

    I ,I, \ da "decada" nomeada em Ser e Tempo. A palavra1\ u : ' refere a uma queda do homem, entendida sob o

    Ili \1\1) de vista da "filosofia moral" e ao mesmo tempoularizado, mas nomeia uma relao essencial do ho-

    III In m o ser, no seio do ser referenciado essncia" 11

    ,,, \ he mem. Portanto, as expresses preparatonas au-I 1111 idade" e "inautenticidade", usadas como preldio,

    I I li 1 significam uma distino moral-existencial, nem

    \I mtr polgica", mas a relao "ex-sttica" do ser huma-

    I \I \ m a verdade do ser que a primeira a ter que ser

    li -nsada porque at agora oculta para a Filosofia. Mas(i\ relao como no em razo da ex-sistncia, mas

    I 'S ncia da ex-sistncia existencial-ex-staticamente a

    IHI rtir da essncia da verdade do ser.A nica coisa que o pensar que, pela primeira vez,

    pr ura expressar-se em Ser e Tempo gostaria de alcan-

    \I\\' ' algo simples. Como talo ser permanece misterio-nrnente como a singela proximidade de um imperador

    [u no se impe fora. Esta proximidade desdobra o

    'LI ser como a prpria linguagem. Mas a linguagem no

    ~,npenas linguagem, no sentido em que a concebemos,

    quando muito, como a unidade de fonema (grafema),

    m lodia e ritmo e significao (sentido). Pensamos fo-I) 'ma e grafema como o corpo da palavra, melodia e rir-

    mo como a alma e o que possui significao adequada,

    37

  • mente diz-se "" das coisas que so. Estas ns as 'desig-

    namos .de ente.Ma~ .oser justamente no " 'o 'ente".Se "" vem dito sem maorexplcitao do ser ento o

    ser representado com demasiada facilidade como um

    "ente", ao modo do 'ente conhecido, que opera comocausa, e operado como efeito. Contudo, j Parmni-des afirma nos primrdios do pensamento: E'tcrt 'DypE'lu

  • (l.arfa sobre o humanismo

    antecipador da questo .da verdade do ser. Longe dele

    est a presuno de querer comear tudo desde o incio

    e declarar falsa toda a filosofia anterior. Para um pensar

    que procura pensar a verdade do ser, a nica questo

    que permanece se a determinao do ser como o sim-

    plesmente transcendente j nomeia a simples essncia

    da verdade do ser. Por isso, tambm se diz na pgina

    230 que somente a partir do 11sentido" , isto , a partir

    da verdade do ser, se pode compreender como o s.er

    . O ser manifesta-se ao homem no projeto ex-sttico,

    mas este projeto no instaura o ser.

    E, alm disto, o projeto essencialmente um

    projeto jogado. Aquele que joga no projetar no

    o homem, mas o prprio ser que destina o homem

    para a ex-sistncia do ser-a como sua essncia. Este

    destino acontece como a clareira do ser, forma sob

    a qual o destino . Ela garante a proximidade ao ser.Nesta proximidade, na clareira do "a", mora o ho-mem como o ex-sistente, sem que j hoje seja capaz

    de experimentar propriamente este morar e assumi-lo.A imd d IId 11proxrrm a e e ser, modo como o "a" do ser-a pensado - na conferncia sobre a elegia de Hlderlin"Retorno" (1943) a partir de Ser e Tempo - a partir da

    poesia do Poeta que-esta proximidade do ser percebi-

    da numa linguagem mais radical e nomeada a "ptria"

    I I' 11\ ir Ia experincia do esquecimento do ser. EstaI' 11 I 1'[\ pensada aqui numa acepo mais .originria,11 I I 'om acento patritico, nem nacionalista, mas de

    I t Ir I ) com a histria do ser. Mas a essncia da ptriaI , 110 mesmo tempo, nomeada com a inteno de pen-

    li' n apatridade do homem moderno a partir da his-

    \t'l\'in do ser. O ltimo a experimentar esta apatridade

    I li Nietzsche. Ele no foi capaz de encontrar, no seio\Ia Metafsica, outra sada que no fosse a inverso daM tafsica. Mas isto a consumao da perplexidade,

    "RT davia, Holderlin preocupa-se, ao compor o etor-HO", para que os seus "contemporneos" reencontremo lugar do seu desdobramento essencial. Isto ele no o

    procura, de maneira alguma, no egosmo de seu povo.Ele o v, ao contrrio, a partir da condio de eles faze-

    rem parte do Ocidente. Mas Ocidente no pensado

    regional e geograficamente, enquanto o ocidental se

    ope ao oriental, tambm no pensado como a Eu-ropa, mas na perspectiva da histria universal a partir

    da proximidade com a origem, Ns praticamente ain-da no comecamos a pensar as misteriosas relaes

    com o Oriente, que assomaram palavra na poesia deHolderlin (Vide "O Jster" e "A Peregrinao", 39 estrofe

    e.segs.). O "alemoll no proclamado ao mundo para

    que este se restabelea no modo de ser alemo, mas

    45

  • Garfa sobre o humanismo'

    suas raizes, at a apatricidade do homem: moderno.

    Esta alienao provocada e isto, a partir do destino

    do ser, na forma de Metafsica, por ela consolidada

    e ao mesmo tempo por ela mesma encoberta, como

    apatricidade. Pelo fato de Marx, enquanto experimenta

    a alienao, atingir uma dimenso, essencial da hist-

    ria, a viso marxista da Histria superior a qualqueroutro tipo de historiografia. M-asporque nem Husserl,nem, quanto eu saiba at agora, Sartre reconhecemque a dimenso essencial do elemento da Histria re-

    side no ser, por isso, nem a Fenomenologia, nem o

    Existencialismo atingem aquela dimenso, no seio da

    qual , em primeiro lugar, possvel um dilogo produ,

    tivo com o marxismo.

    Mas, para isto, naturalmente necessrio que

    a gente se liberte das representaes ingnuas sobre

    o materialismo e das refutaes mesquinhas que pre-

    tendem atingi-lo. A essncia do materialismo no

    consiste na afirmao de que tudo apenas matria;

    ela consiste, ao contrrio, numa determinao me,tafsica, segundo a qual' todo o ente aparece corno a

    matria de um trabalho. A essncia moderna e a me,

    tafsica do trabalho foram antecipadas no pensamen-

    to da Fenomenologa d Esprito, de Hegel, como o

    processo que a si mesmo se instaura, da produo. in-

    48-

    III 1\11:1 Ia, isto , da ohj.eti'tidadedo efetivamente11,,11\ homem experimentado como subjetividade.

    I lli In :\0 materialismo esconde,se na essncia

    1I 1 1\ \ n j 'obre esta, no h dvida, muito se-escre-I ( uco se pensa. A tcnica , em sua essncia,Iiri antolgico-historial da verdade do ser,

    I I I no esquecimento. A tcnica no remonta,Il \:lI , apenas com seu nome, at 'tE:X'Ull dos

    I j I I, I mas ela origina,se ontolgico.historicalmen,LI \X'Ull como um modo de .1l8EElV, isto ,

    I \\l\'l1i)[ o ente manifesto. Enquanto uma forma da111111 I ,a tcnica funda-se na histria da Metafsica.

    I I" I U ma fase privilegiada da histria do ser e a

    \111 11\ Ia qual, at agora, podemos ter uma viso de

    I 1 1111 \I ri to .I r mais diversas que sejam as pOSloes qtle se

    111111:\1 em face das doutrinas do comunismo e da suaIlIl\d:ll1l_entao, certo, sob o ponto de vista-ontolgi,I1 I historial, que nele se exprime uma experincia ele,

    1111'1 tar daquilo que atual na histria universal. Quem 11 11 '..:1' 11 orno

    11nna o "comunlsmo. apenas como partido ou- c"vlH do mundo" no pensa com suficiente, amplitude

    11:1 mesma maneira como aqueTes que, na expresso"1\ IlIcricanismol1, apenas visam, e ainda com acento pee[orativo, um particular estilo de vida. o: perigo para, .0

    49

  • I
  • crarta sobre o qumanismo

    vem como o lance no qual se origina a condio de ser-jogado do ser-a. o homem , em sua essncia ontol-gico-historial, o ente cujo ser como ex-sistncia consiste

    no fato de morar na vizinhana do ser. O homem ovizinho do ser.

    Mas - o senhor j h muito dever ter querido

    objetar-me - no pensa justamente um tal pensar a hu-manitas do homo humanus? No pensa ele esta humani-

    tas num sentido to decisivo, como Metafsica algumaa pensou e jamais a poder pensar? No isto um

    "humanismo" no sentido supremo? Certamente. ohumanismoquepensa a humanidade do homem des-

    de a proximidade do ser. Mas , ao mesmo tempo, o

    humanismo no qual est em jogo, no o homem, masa essncia hi-storial do homem, na sua origem desde averdade do ser. No depende, porm, desta circunstn-

    cia, ento, no mesmo tempo, de maneira absoluta, a

    ex-sistncia do homem? De fato, assim .

    Em Sere Tempo (pg; 38) afirma-se que todo oquestion:amentoda Filosofia "repercute na existncia".Mas a existncia no aqui a realidade efetiva do egocegue. Ela .tarnbm no apenas a realidade efetiva dossujeitos que agem juntos e .uns para os outros e assimchegam .a si mesmos. "Ex-sistnca" , numa diferena

    fundamentalccmoqualquer existentiae "existence", o

    :52

    morar ex-strico na proximidade do ser. Ela vigiln-

    cia, isto , o cuidado pelo saber. Pelo fato de neste

    pensar dever ser pensado algo simples, parece ele to

    Iifcil ao tipo de representao que nos foi transmitido, mo Filosofia. Mas a dificuldade no consiste numperder-se em profundas consideraes de carter parti-

    ular e em formar conceitos complicados, mas oculta-se no recuar que faz penetrar e pensar num questionar

    em busca de experincia, e que abandona as opinies

    correntes da Filosofia.Opina-se, por toda parte, que a tentativa de Ser

    e Tempo findou num beco sem sada. Deixemos estaopinio entregue a si mesma. Para alm de Ser e Tem-1)0, o pensar que procura .dar alguns passos no tratadoque temeste ttulo, ainda hoje no conseguiu avan-

    ar. Entretanto, talvez este pensar se tenha aproximado

    um pouco mais do miolo de sua questo. Todavia,en-quanto a Filosofia apenas se ocupar em obstruir cons-

    tantemente a possibilidade de penetrar na questo dopensar..a saber,a verdade do ser, ela est certamente

    livre do perigo de um dia romper-se na dureza da suaquesto .. Por esta razo .o "filosofar" sobre o fracasso

    est separado, por um abismo, de um pensar quereal-

    mente fracassa . .Se um dia o homem tivesse -a sorte de

    realizar um tal pensar, no aconteceria uma desgraa. A

  • (lar{a sobre o qumanismo

    ele, pelo contrrio, seria concedido o dom que poderia

    advir ao pensamento por parte do ser.Mas tambm isto importante: o objeto do pen-

    samento no atingido por um conversar toa sobrea "verdade do ser" e sobre a "histria do ser". Tudodepende do fato de a verdade do ser atingir a lngua-

    gem e de o pensar conseguir esta linguagem. Talvez a

    linguagem ento exija muito menos a expresso pre-cipitada do que o devido silncio. Contudo, qual de

    ns, contemporneos, quereria pretender que as suastentativas de pensar estivessem familiarizadas na senda

    do silncio? Quando muito, o nosso pensar poderiatalvez apontar para a verdade do ser como o que deve

    ser pensado. Assim, mais que de outra maneira, ele

    estaria livre do simples pressentimento e do opinar eseria entregue tarefa da escritura, que se tornou rara.

    As coisas que tm alguma consistncia ainda chegama tempo, por mais tarde que seja, mesmo que no se

    destinem para a eternidade.Se o mbito da verdade do ser um beco sem

    sada ou o livre espao em que a liberdade reserva asua essncia, isto poder decidir e julgar todo aquele

    que tentou, por seu prprio esforo, trilhar o caminho

    indicado, ou, o que ainda melhor, abrir um cami-nho melhor, o que significa uma vida mais adequada

    54

    11 questo. Na penltima pgina de Ser e Tempo (pg.

    'I i7), esto as frases seguintes: "A disputa na interpre-IIH;n do ser (isto, portanto, no significa do ente, eI '11) brn no do ser do homem) no pode ser decidi,

    \ 111, I)orque ainda nem sequer foi desencadeada. E, afinal,I Ia no se deixa introduzir improvisadamente, mas o

    \[escncadear da disputa j necessita de uma prepara' 10. s para isto que a presente investigao est a

    rnminho''. Estas frases continuam vlidas ainda hoje,

    IlpS muitos decnios. Continuemos ns, tambm nos

    tempos vindouros, como viajantes no caminho para avizinhana do ser. A questo por vs levantada ajuda a

    clarear o caminho.O senhor pergunta: Comment redonner uns sens au

    mor "Humanisme"? "De que maneira dar novamente palavra humanismo um sentido"? A sua pergunta no

    pressupe apenas que o senhor quer conservar a pala,vra "humanismo"; ela contm tambm a confisso de

    que esta palavra perdeu o seu sentido.Ela perdeu o sentido pela convico de que a

    ssncia do humanismo de carter metafsico e istosignifica, agora, que a Metafsica no s coloca a ques-to da verdade do ser, mas a obstrui, na medida em

    que a Metafsica persiste no esquecimento do ser. Mas

    o pensar que conduz a esta compreenso do carter

    55

  • crarfa sobre o liumcnismc

    "negativo", no sentido do destrutivo. Em Ser e Tempofala-se at, em alguma parte expressamente, da "destrui-

    o fenomenolgica". Pensa-se com o auxlio da Lgica

    e a razo, tantas vezes invocadas, que o que no po-

    sitivo negativo, e que assim se pratica o desprezo darazo e merece, por isso, ser marcado como deprava-o. Est-se to saturado de "Lgica" que se contabilizacomo elemento oposto condenvel tudo que se opuser

    serni-sonolncia do simples opinar. Rejeita-se tudo o

    que no permanece truncado junto ao conhecimento eidolatrado positivo, na fossa previamente preparada da

    pura negao, que a tudo nega e que, por isso, termina

    no nada e assim completa o nihilismo. Deixa-se, atra-vs deste caminho lgico, afundar tudo num nihilisrnoque se inventou com o auxlio da Lgica.

    Mas ser que efetivamente o "contra", que um

    pensar apresenta diante do que comumente se imagi-

    na, aponta necessariamente para a pura negao e parao negativo? Isto acontece s ento e neste caso, semdvida, de modo inevitvel e definitivo - isto , sem

    uma livre viso de qualquer outra coisa - quando j de

    antemo se coloca o elemento opinativo como "o po-

    sitivo", decidindo, a partir deste, absoluta e ao mesmo

    tempo negativamente, sobre o mbito de toda e qual-quer possvel oposio a ele. Num tal procedimento

    60

    I I 111 I -se a recusa de submeter a uma reflexo o que,1"11 pr conceito, se julga "positivo", juntamente com

    nc e oposio, dade esta em que se pensa estar aom o constante apelo ao elemento lgico susci-

    111 i1 aparncia de um empenho no pensar, quando,

    III!I( , justamente, se renunciou ao pensar.

    estas observaes deve ter resultado um pouco

    11\ tis laro que a oposio ao "humanismo" no impli-

    I li, d ' maneira alguma, a defesa do inumano, mas abre

    I 1111 rns pers pectivas.

    A "Lgica" entende o pensar como a representao

    ,111 .nte em seu ser, pensar que apresenta o representar1111 generalidade do conceito. Mas o que acontece com1\ 111 ditao sobre o prprio ser, isto , com o pensar

    1111 ' pensa a verdade do ser? Somente este pensar atinge, cs ncia originria do yo que, em Plato e Aris-11')1 .les, os fundadores da "Lgica", j foi entulhada e

    perdida. Pensar contra a "Lgica" no significa quebrar

    lnn ,as em defesa do ilgico, mas significa apenas: me-

    litar sobre o yo e a sua essncia nos primrdios dop nsamento: significa empenhar-se, primeiro, na pre-I nrao de um tal refletir. Que sentido possuem parans todos os sistemas da Lgica, por mais amplos que

    s cjam, quando se subtraem, e mesmo sem o saber, j

    ti antemo, da tarefa de primeiro questionar, mesmo

    61

  • {l'arla sobro o q.umanismo

    o ex-sistente. :Bleest postado, num processo

    trapassagem, na abertura do ser, que o modo orn

    o prprio ser ; este projetou a essncia do 11'011: l'I1 ,como um .lance, no "cuidado" de si. Frojetado d .. I

    maneira, o homem est postado "na abertura do

    Mundo a clareira do ser na qual o homem penetro\!a partir da condio de ser projetado de sua essn Ia,

    O "ser-no-mundo" nomeia a essncia da ex-sistn ia,

    com vista dimenso iluminada, desde a qual desde

    bra o seu ser o "ex" da ex-sistncia. Pensada a partir da

    ex-sistncia, "mundo" , justamente, de certa maneira,

    o outro lado no seio da e para a ex-sistncia. O homemjamais primeiramente do lado de c do mundo com

    " " "um sujeno, pense-se este como "eu" ou como "ns".NU:1ca tambm primeiramente e apenas sujeito, que,na verdade, sempre se refere, ao mesmo tempo, a ob-

    jetos, de tal maneira que a sua essncia consistiria narelao sujeito-objeto. Ao contrrio, o homem primei-

    ro , em sua essncia, ex-sistente na abertura do ser ,cuja abertura ilumina o "entre" em cujo seio pode "ser"uma "relao" de sujeito e objeto.

    A frase: a essncia do homem reside no ser-no-mundo tambm no contm uma deciso sobre a hip-

    tese se o homem , no sentido teolgico-metafsico, umser deste mundo ou do outro.

    64

    I \ 1111 a determinao existencial da essncia do

    111' 111, ainda nada est decidido sobre a "existncia deI1 II

  • (larfa sobre o qumanismo

    Caso tanto a "Ontologia" como a "tica", juntocom todo o pensar por disciplinas, se tomassem cadu-

    cas, adquirindo assim, o nosso pensar mais disciplina,

    qual ser ento a situao da questo da relao dasduas disciplinas mencionadas com a Filosofia?

    A "tica" aparece junto com a "Lgica" e a "Fsica",

    pela primeira vez, na Escola de Plato. As disciplinas

    surgem na poca que permite a transformao do pen-sar em "Filosofia", a Filosofia em m

  • 'larfa sobre o qumanismo

    Esta narrativa fala por si; destaquemos, contudo,

    alguns aspectos.

    O grupo de visitantes est frustrado e desconser-

    tado na curiosidade que os levou a dirigir-se ao pen-

    sador; o desconserto provocado pelo aspecto da sua

    morada. O grupo cria ter que encontrar o pensador,

    em circunstncias que, ao contrrio do simples viver

    dos homens comuns, deveria mostrar, em tudo, os

    traos do excepcional e do raro e, por isso, do emo-

    cionante. O grupo traz a esperana de, com sua visita,encontrar junto do pensador coisas que, ao menos

    por um certo tempo, sejam motivo de conversa. Os

    estranhos que querem visitar o pensador esperam v- .10 talvez justamente no momento em que ele, mergu-lhado em profundas meditaes, pensa. Os visitantesquerem "viver" isto, no para serem atingidos pelo

    pensar, mas simplesmente para poderem dizer queviram e ouviram algum, do qual, igualmente, apenasse diz que um pensador.

    Em vez disso, os curiosos encontram Herclto

    junto ao forno. um lugar banal e bastante comum.Sem dvida, nele se coze o po. Ele est a apenas

    para se aquecer. Assim revela ele, neste lugar, sem

    dvida, comum, toda a indigncia de sua vida. A vista

    de um pensador passando frio oferece muito pouco

    72

    Ii Interessante. Os curiosos perdem logo, pois, com

    I \" viso frustrante, a vontade de se aproximaremmnis. Que faro ali? Este fato, comum e sem encanto,

    Il' algum estar com frio e estar perto do forno, qual-'1\1 'r um pode reviv-lo, em qualquer tempo, em casa.Pura que procurar ento um pensador? Os visitantesIIpresentam-se para se afastar. Herclito l essa curio-

    I lade frustrada em seus rostos. Sabe que para umamultido j basta a falta de uma sensao esperada,pnra fazer com que os recm-chegados imediatamente

    voltassem para trs. Por isso, indundc-lhe coragem.Ele mesmo os convida a entrarem, contudo, dizendo:

    'lvat p Xat Ev'tau8a 8m, os deuses tambm\ 'to aqui presentes".

    Esta palavra situa a morada ~8o do pensador e

    H u agir, numa outra luz. A histria no conta se os

    visitantes imediatamente ou se alguma vez entenderam

    esta palavra, vendo ento tudo numa outra luz. Mas se

    esta histria foi contada e transmitida at ns, contem-porneos, isto reside no fato de que aquilo que relata

    provm da atmosfera deste pensador e a caracteriza:

    Xat Ev'tau8a, "tambm aqui", junto ao forno, nestelugar corriqueiro, onde cada coisa e cada circunstncia,

    cada agir e cada pensar s~o costumeiros e banais, isto

    , familiares, "pois, tambm aqui", no mbito do fa-

    73

  • (Iarfa sobre o humanismo

    contudo, a sua pergunta, pensada mais originariamen-te, retm um sentido e um peso fundamentais.

    Pois, deve se perguntar: se o pensar, pensando

    a verdade do ser, determina a essncia da humanitas

    como ex-sistncia a partir do fato de pertencer ao ser,

    permanece ento este pensar apenas um representarterico do ser e do homem, ou possvel retirar, ao

    mesmo tempo, de um tal conhecimento, indicaes

    para a vida ativa?

    A resposta : este pensamento no nem terico

    nem prtico. antes, desta distino, que ele acontece

    e se realiza. Este pensar , na medida em que , a lem-

    brana do ser e nada alm disso. Pertencendo ao ser,porque por ele jogado na guarda de sua verdade e paraela requisitado, ele pensa o ser. Um tal pensar no

    chega a um resultado: no produz efeito. Ele satisfaz a

    sua essncia, enquanto . Mas ele , na medida em que

    diz a sua propriamente dita. questo propriamentedita do pensar pertence apenas uma saga (Sage), aquelaque adequada ao que constitui a essncia da questo.

    A sua constrigncia essencialmente mais alta que avaidade das cincias, porque mais livre, pois ela deixa

    que o ser - seja.

    O pensar trabalha na edificao da casa do ser;

    como tal casa que a juntura do ser dispe, sempre

    76

    de acordo com o destino, a essncia do homem para

    morar na verdade do ser. Este morar a essncia do

    "Ser-no-mundo" (Ser e Tempo, pg. 54). A indicao" " " l - ,para o "ser-em como o morar, que a aparece, nao e

    um simples jogo etimolgico. A indicao que aparecena conferncia de 1936, sobre a palavra de Holder-

    lin, "Cheio de mritos, todavia poeticamente habita o

    homem nesta terra", no um enfeite de um pensar

    que foge da Cincia, salvando-se na Poesia. O discurso

    sobre a casa do ser no uma transposio da imagem

    da "casa" para o ser; ao contrrio, um dia seremos mais

    capazes de pensar o que "casa" e "habitar" a partir da

    essncia do ser adequadamente pensada.Sem embargo, o pensar jamais cria a casa do ser.

    O pensar conduz a ex-sistncia historial, isto , a huma-

    nitas do homo humanus, para o mbito onde nasce o

    que salutar.Com o salutar - o bom -, particularmente, se

    manifesta, na clareira do ser, o mal. A essncia do mal

    no consiste na simples maldade do agir humano, mas

    reside na ruindade do dio. Ambos, o bom e o dio,

    somente podem desdobrar o seu ser, no seio do ser, na

    medida em que o prprio ser o que est em conflito.

    Nisto se esconde a origem essencial do nadificar. Aqui-

    lo que nadifica ilumina-se como o que possui carter

    77

  • ~arfa sobre o qumanismo

    A expresso "trazer linguagem", aqui usada,

    deve ser tomada agora bem literalmente. O ser chega,

    iluminado-se, linguagem. Ele est constantemente a

    caminho para ela. Isto que est constantemente em ad-

    vento, o pensar ex-sistente, por sua vez, traz, em seudizer, linguagem. Esta assim elevada para a clareira

    do ser. Somente assim a linguagem daquela maneira

    misteriosa e que, contudo, constantemente, nos per-

    passa com o seu imperar. Portanto, enquanto a lin-

    guagem levada plenamente sua essncia historial,

    o ser guardado na lembrana. A ex-sistncia habita,

    pensando, a casa do ser. Em tudo isto, as coisas per-

    manecem como se nada tivesse acontecido atravs dodizer pensante.

    Todavia, h pouco mostrou-se um exemplo paraeste invisvel agir do pensar. Pois, enquanto pensamos

    de maneira apropriada, a expresso "trazer lingua-

    gem" que foi destinada linguagem, apenas isto e nada

    mais, enquanto conservamos isto que pensamos como

    o que no futuro deve ser constantemente pensado, na

    ateno de nosso dizer, trouxemos linguagem algoessencial do prprio ser.

    O estranho, neste pensamento do ser, a sua sim-

    plicidade, pois ela nos mantm dele afastados. Pois,

    procuramos o pensar que tem seu prestigio universal

    sob o nome "Filosofia", na forma do inabitual que

    apenas acessvel aos iniciados. Representamo-nos, ao

    mesmo tempo, o pensar, maneira do conhecimento

    cientfico e seus empreendimentos de pesquisa. Me-

    dimos o agir na produo impressionante e cheia de

    sucesso da prxis. Mas o agir do pensar no nemterico nem prtico, nem a imbricao dos dois mo-

    dos de comportamento.Pelo seu modo simples de ser, o pensar do ser

    torna-se para ns irreconhecvel. Se, contudo, nos tor-

    namos amigos do no costumeiro do simples, ento as-

    salta-nos imediatamente uma outra preocupao. Surge

    a suspeita de que este pensamento do ser se torna vti-ma da arbitrariedade; pois, no pode encontrar apoio

    no ente. Onde busca o pensar a sua medida? Qual a

    lei do seu agir?

    aqui que se deve escutar a terceira pergunta dasua carta: comment sauver l'lement d'aventure que com-porte toute recherche sans faire de la philosophie une sim-ples aventuriere? S de passagem vamos nomear agora

    a Poesia. Ela confronta-se com as mesmas questes e

    da mesma maneira, como o pensar. Mas ainda sempre

    vale a pouco meditada palavra de Aristteles em sua

    Potica que o poematizar mais verdadeiro do que oinvestigar o ente.

    82 83