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artciencia.com (ISSN 1646-3463) Ano I ● Número Dois ● Fevereiro-Abril 2006
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CARTEL FANTASMA Alexandre Figueiredo
Novembro de 1995
Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo
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Capítulo 1
- Jorge?!...
- Sim, sou eu... Cheguei em má altura, foi? - começou o jovem entrando na espaçosa
sala em que a sua prima Ana e um rapaz que ele desconhecia, estavam sentados, vendo um
filme.
- Não, claro que não - respondeu a rapariga um pouco atrapalhada - chega aqui por
favor - pediu - quero apresentar-te o meu namorado, o Rui Pedro.
- Ela fala muito de ti - disse o outro, estendendo-lhe a mão direita, enquanto que
mantinha a esquerda sobre os ombros de Ana, acariciando-lhe suavemente o cabelo
castanho ondulado.
- Bom, foi um prazer conhecer-te, ... - declarou Jorge encaminhando-se para a saída
da sala de estar - mas fiquem à vontade que eu vou só ao quarto buscar umas coisas e saio
já...
- Vais-te já embora? - inquiriu a prima, com um brilho nos olhos castanhos que não
enganava ninguém; ela estava ansiosa para se livrar do recém-chegado, para poder ficar de
novo a sós com o companheiro.
- Sim, prometi à Isabel que chegava antes das nove, e já são sete e cinco! Estive com
a Rita, a Joana e a Sofia no salão de jogos e atrasei-me um pouco - concluiu, abandonando
aquela divisão e dirigindo-se ao quarto que ocupava e que ficava ao fundo do enorme
corredor.
Alguns minutos mais tarde, voltou a entrar na sala de estar, no intuito de se despedir
da prima.
- Bom fim-de-semana! - exclamou, beijando Ana na face, e apertando a mão a Rui
Pedro - Portem-se bem! - recomendou, sorrindo maliciosamente pegando nos dois sacos de
viagem que deixara à entrada da sala, e encaminhando-se para a porta de entrada, enquanto
que a rapariga e o seu namorado se voltavam a sentar muito juntinhos no confortável sofá.
Por fim, saiu, fechando a porta atrás de si. Depois de cruzar o portão lançou um rápido
olhar sobre a rua deserta, iluminada apenas pelos escassos candeeiros de iluminação
pública. Soprava uma ligeira brisa que lhe levantava os cabelos louros. Caminhou
tranquilamente alguns metros no passeio, e atravessou a estrada ainda molhada em
consequência da chuva que caíra na manhã daquele dia de Dezembro, dirigindo-se ao seu
automóvel que estava estacionado do outro lado da rua. Abriu em primeiro lugar o porta-
bagagens , onde colocou os dois sacos de viagem que transportava, entrando de seguida no
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Rover preto. Rodou a chave na ignição e arrancou calmamente, logo que o motor começou a
funcionar. Após ter percorrido alguns metros, tomou a estrada que conduzia a Coimbra...
Jorge, era estudante do primeiro ano do curso de Direito da Universidade de Coimbra,
e partilhava com a sua prima Ana uma habitação que pertencia aos pais da rapariga. Ele,
contava com vinte anos de idade, tinha cabelos louros, e olhos azuis. Era bastante alto, e
fisicamente muito forte, e para além disso praticava também karaté, o que fazia qualquer um
pensar duas vezes antes de o desafiar para alguma luta...
Naquele momento, o jovem cruzava uma das principais avenidas da cidade de
Coimbra, e que dava acesso à auto-estrada. Contudo, aguardava-o uma surpresa
desagradável...
- Grande merda! Só faltava mais isto! - desabafou, muito pouco satisfeito, quando
alguns metros mais adiante foi forçado a parar atrás de uma interminável fila de trânsito.
Jorge aguardou serenamente até que os automóveis que estavam parados à sua
frente começassem a andar. Contudo, estes permaneceram imóveis, e ele resolveu ligar o
auto-rádio no intuito de se distrair. Alguns minutos mais tarde, porém, a música foi
interrompida pela voz de um locutor que anunciou:
“ - Em Lisboa e Porto , o trânsito processa-se com normalidade e não existam filas... A
situação mais complicada regista-se em Coimbra nos acessos ao IP1 e à auto-estrada, onde
o embate entre dois pesados provocou um engarrafamento enorme, impedindo assim a
fluidez do tráfego... Também em... “
Ele, colocou uma cassete no auto-rádio e ao som da música que esta continha
esperou pacientemente que a circulação fosse restabelecida, o que aconteceu cerca de
quarenta e cinco minutos mais tarde, quando por fim o veículo que se encontrava imobilizado
à sua frente retomou a marcha aumentando progressivamente de velocidade. Porém,
somente alguns instantes mais tarde, o jovem estudante conseguiu entrar na via de acesso à
auto-estrada, constatando que de facto haviam colidido dois veículos pesados, e que apesar
de terem sido já retirados para a berma continuavam a obstruir uma boa parte da estrada,
dificultando a passagem ao intenso trânsito.
“ - Agora é sempre a andar! “ - pensou aliviado, quando parou na portagem para retirar
o titulo que deveria apresentar à saída, e olhando para os ponteiros do seu relógio de pulso,
acrescentou ainda - porra, já são oito e dez! A Isabel não vai ficar nada satisfeita!
Jorge, efectuou ainda uma curta paragem na Área de Serviço de Pombal, de modo a
encher o depósito de combustível do seu automóvel, retomando a viagem não muito tempo
depois...
Alguns instantes após ter saído da auto-estrada, já no acesso a Santarém, o telefone
que estava instalado no veículo tocou, e ele apressou-se a responder:
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- Ah, és tu, Isabel!? - inquiriu quando identificou a voz da personagem que do outro
lado da linha lhe falava - Não,... não me demoro muito... acabei agora mesmo de sair da
portagem - explicou, fazendo uma breve pausa para escutar aquilo que a rapariga lhe dizia -
Pronto, está descansada, eu estou quase aí,... depois falamos, o.k.? - concluiu, voltando a
pousar o auscultador do aparelho, e centrando de novo a sua a tenção na condução.
Cerca de quinze minutos mais tarde, já no interior da cidade de Santarém, entrou
numa rua deserta, olhando atentamente para a sua frente. Lá ao fundo, erguia-se o edifício
onde habitava com a sua irmã. O automóvel contornou o prédio de apartamentos, e nas
traseiras do mesmo, dirigiu-se para uma entrada que dava acesso à cave, que servia
simultaneamente de garagem e arrecadação.
Jorge, estacionou o Rover preto que conduzia, ao lado do BMW amarelo que também
lhe pertencia, e depois de ter aberto o porta-bagagens, retirando do seu interior os dois sacos
de viagem que trouxera de Coimbra, deu alguns passos para a direita, encaminhando-se para
o elevador...
No momento em que pousou a bagagem no chão, à entrada do seu apartamento para
abrir a porta, deu uma rápida olhadela para o seu relógio de pulso. Faltavam então cinco
minutos para as dez horas da noite. Rodou a chave na fechadura e entrou, fechando a porta
atrás de si.
- És tu, Jorge? - perguntou uma voz do interior da habitação.
- Sim, Isabel, sou eu... - respondeu ele, carregando os sacos até à entrada de um
espaçoso e comprido corredor - Onde estás - inquiriu ainda.
- Estou na cozinha - gritou Isabel, enquanto o irmão se dirigia para aquela divisão -
Nunca mais chegavas e eu já estava a ficar preocupada. Pensei que te tivesse acontecido
alguma coisa. Porque é que te atrasaste tanto?... - questionou a rapariga colocando dois
pratos sobre a mesa.
- O trânsito em Coimbra estava infernal - justificou-se o jovem, aproximando-se da
irmã puxando-lhe os longos cabelos dourados e apanhando-os, fazendo um rabo-de-cavalo,
enquanto a beijava suavemente na face - Como é que te correu o dia?
- Bem,... - respondeu ela, beijando-o igualmente no rosto, e olhando-o fixamente
através dos seus lindos e intensamente brilhantes olhos azuis - Então e a Ana, como é que
está?
- Ela está óptima! - principiou ele rindo-se - Na verdade deve estar na maior. Quando
eu me vim embora ficou sozinha com o namorado, por isso, deve estar radiante. Ainda por
cima eu não estou lá para atrapalhar... - concluiu com um sorriso malandro.
- Já entendi,... não precisas de dizer mais nada! - disse, sorrindo, o que deu origem a
que no seu rosto angelical aparecesse uma covinha muito original - Vocês homens, são todos
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iguais! Bom, senta-te que o jantar está pronto - anunciou ela, pegando num tabuleiro que
pousou sobre a mesa, sentando-se em seguida.
- Bacalhau com Natas! - exclamou Jorge, satisfeitíssimo - És um amor!...
Ambos saborearam tranquilamente aquela esplêndida refeição, enquanto relatavam
um ao outro os acontecimentos mais significativos da semana que estava prestes a terminar.
Após o final do jantar, os dois irmãos lavaram e secaram a louça em conjunto, sentando-se
depois ambos no confortável sofá da sala de estar, perto da lareira onde ardiam alguns
pedaços de lenha, que aqueciam o ambiente, tornando-o bastante mais acolhedor. Ainda
ligaram o televisor porém, como nenhum dos programas lhes agradou, Isabel dirigiu-se ao
fundo da sala e ligou a excelente aparelhagem de som, que se encontrava arrumada entre os
dois pequenos sofás individuais. Ambos permaneceram naquela divisão ouvindo música, até
que no relógio de parede baterem as zero horas...
- Vou-me deitar! - anunciou ele, e passando com a sua mão sobre os longos cabelos
louros da irmã - Também vens? - inquiriu por fim, pondo-se de pé.
- Não,... acho que ainda vou ficar mais um pouco - respondeu a rapariga com uma voz
doce e meiga - não tenho sono, por isso, talvez vá ler um pouco...
- Então não fiques levantada até muito tarde - recomendou o rapaz aproximando-se
dela - Até amanhã! Dorme bem! - acrescentou, beijando-a com ternura na testa, ao que ela
respondeu com um boa-noite, envolvendo com os seus braços frágeis e delicados os ombros
fortes e musculados do irmão, num gesto de apreço e amizade.
Assim Jorge, abandonou aquele espaço, e encaminhou-se para o quarto de dormir
que habitualmente ocupava, enquanto que Isabel se dirigiu até à magnífica estante da sala
de onde retirou um livro, que instantes mais tarde folheava serenamente. Contudo, não muito
tempo depois os seus olhos começaram progressivamente mais pesados, e as letras
impressas no livro desfocavam... O cansaço vencera, e a jovem adormecera profundamente,
confortavelmente enroscada no acolhedor sofá de pele...
- Isabel!... - chamou Jorge baixinho, quase sussurrando ao ouvido da irmã, e
abanando suavemente o seu corpo adormecido - Isabel!... Que fazes tu aqui? - questionou,
quando por fim ela abriu os olhos.
- Isso pergunto eu, - respondeu a rapariga, afastando os cabelos que entretanto lhe
tinham caído sobre o rosto, e bocejando longamente - deixa-me dormir!- pediu ainda, virando-
se para o outro lado.
- Então,... vá lá, vai-te deitar - continuou ele pacientemente.
- Mas,... mas,... onde estou eu? - interrogou-se, compreendendo finalmente que não
estava deitada na sua cama, mas sim no sofá da sala de estar - Devo ter adormecido! -
concluiu, pegando no livro que havia caído no chão.
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- Eu vim beber água, e fiquei admirado quando ainda vi luz aqui - esclareceu o rapaz -
Depois, quando te vi, percebi logo que te tinhas deixado dormir... Bom, vamos lá deitar-nos...
- Desculpa lá,... não foi com intenção...
Jorge conduziu a irmã até ao quarto dela, e em seguida regressou ao seu, deitando-se
sem mais delongas. Cinco minutos, foi o tempo que Isabel demorou até se encontrar enrolada
no meio dos lençóis e cobertores, adormecendo quase de imediato. Em breve aquele
magnífico apartamento voltou a ficar mergulhado num silêncio quase absoluto...
A manhã de Sábado surgiu bastante luminosa, com o sol a brilhar intensamente no
azul do céu, aqui e ali salpicado por uma ou outra nuvem mais persistente. a temperatura
estava amena, e na rua uma fresca e agradável brisa. Passavam apenas alguns minutos das
dez e meia da manhã quando Jorge acordou, encaminhando-se em seguida para o quarto de
banho. Tomou um prolongado duche, surgindo algum tempo depois com um toalhão enrolado
à volta da cintura. Vestiu-se, e dirigiu--se para o quarto da irmã. Deu três pancadinhas suaves
na porta e, não obtendo qualquer resposta rodou a maçaneta, entrando silenciosamente.
Aproximou-se da cama onde Isabel descansava tranquilamente e ajoelhou-se no chão,
observando fascinado a beleza angelical do rosto adormecido da irmã. Alguns dos compridos
louros da rapariga pendiam-lhe sobre a face, brilhando intensamente devido à incidência da
luz solar que irrompia pelas frinchas da janela fechada, iluminando palidamente o quarto
ainda mergulhado na escuridão. Jorge não resistiu e passou suavemente a sua mão, primeiro
pelos cabelos, e depois pelo rosto sereno e tranquilo da jovem, o que deu origem a ela
despertasse quebrando aquele momento de magia.
- Olá, bom dia! - saudou a rapariga na sua voz doce e ternurenta.
- Bom dia, dormiste bem? - indagou ele, beijando-a suavemente na face.
- Sim, foi óptimo. Há já muito tempo que não acordava e me sentia assim,...,...tão
bem! - respondeu, bocejando longamente e beijando o irmão no rosto.
- Então arranja-te, e vem ter comigo à sala, o.k.? - pediu ele, com um ar muito
misterioso, e abandonando o quarto a fim de a deixar à vontade...
Cerca de trinta minutos mais tarde após Jorge se ter confortavelmente sentado no
sofá da sala, surgiu por fim Isabel, usando um elegante vestido preto.
- Estás linda! - observou o rapaz, observando-a atentamente - Mas falta qualquer
coisa,... - acrescentou, abrindo uma pequena caixinha de onde retirou um reluzente fio de
ouro - ... talvez um fio não ficasse mal no teu pescoço.
- É tão lindo! - exclamou ela surpreendida - Lembraste-te? - perguntou, olhando para
ele fixamente, através dos seus magníficos olhos azuis.
- Feliz aniversário! - começou o jovem dando alguns passos na da rapariga,
mostrando-lhe o seu presente - Segura os cabelos, por favor... - pediu, colocando-lhe o fio à
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volta do pescoço - pronto, já está, podes largar os cabelos - anunciou ele, enquanto ela se
aproximava do espelho que estava pendurado numa das paredes.
- Obrigado!... És um amor!... Eu,... não tenho palavras! Desde que te conheci tens sido
tão bom para mim, e eu nunca te conseguirei mostrar o quanto gosto de ti. Tu és
maravilhoso!... Obrigado... - acrescentou, não conseguindo com a emoção evitar uma lágrima
mais teimosa que lhe surgira ao canto do olho.
- Bom, é quase meio-dia, por isso é melhor irmos... - anunciou ele, olhando para os
ponteiros do seu relógio de pulso.
- Onde vamos? - perguntou Isabel, ardendo em curiosidade, e tentando descobrir
através da expressão de Jorge descobrir qual seria a sua ideia.
- Já vais ver! - respondeu ele, mantendo o mesmo ar enigmático e sorridente...
O jovem conduziu a irmã até à porta e saíram ambos, entrando em seguida para
elevador, que os levou até à cave do majestoso edifício. Aí, dirigiram-se ambos para o BMW
M3 amarelo que estava estacionado ao lado do Rover, e entraram. Jorge, rodou a chave na
ignição, e aguardou que o ruído do motor em funcionamento se fizesse ouvir. Depois,
engrenou a primeira velocidade, e abandonou calmamente a garagem subterrânea daquele
prédio de apartamentos...
- Onde é que queres almoçar? - inquiriu o rapaz, quando cerca de vinte minutos após
terem saído de casa se encontravam numa das mais movimentadas avenidas de Almeirim.
- Ali! - respondeu de pronto a jovem, apontando com o indicador direito para uma
construção de dois pisos que se situava uns quantos metros mais à frente, na esquina do
cruzamento entre duas ruas. caminharam alguns metros, e entraram ambos no restaurante.
Já no interior do estabelecimento, escolheram uma mesa próxima da janela, e sentaram-se
aguardando que um funcionário lhes trouxesse a ementa.
Cerca de meia hora mais tarde, o empregado deixou em cima da mesa duas travessa
com aquilo que tinham pedido; Carne de Porco à Alentejana, acompanhada de batatas fritas
e amêijoas que ambos saborearam, enquanto conversavam animadamente. Terminaram a
refeição bebendo um cremoso café, tendo-se ainda deliciado com uma esplêndida
sobremesa, que comeram entre o prato principal e o café. Em seguida, Jorge pagou a
despesa, e os dois irmãos abandonaram aquele restaurante, encaminhando-se para o BMW
amarelo que ficara estacionado não muito longe daquele local.
- Onde é que vamos? - perguntou Isabel, quando concluiu que o irmão não tomara a
estrada que conduzia a Santarém.
- Eu espero não me enganar... - principiou ele, olhando receoso para as muitas
nuvens que entretanto haviam coberto o céu azul - ... a ideia, seria irmos ver o pôr-do-sol à
Nazaré, e jantarmos lá - esclareceu por fim, virando-se para a irmã, que sorria radiante - mas
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se as coisas continuarem como estão, palpita-me que o que vamos ver é uma bela chuvada.
- Então queres dizer que não vamos? - questionou Isabel, olhando para ele com uma
expressão triste nos seus brilhantes olhos azuis.
- Não, claro que vamos! - esclareceu ele peremptoriamente passando a palma da mão
com ternura sobre os ombros de Isabel - É evidente que vamos, quanto mais não seja para
vermos as ondas do mar, que nesta altura do ano são espectaculares - acrescentou por fim,
voltando a colocar a sua mão direita no volante.
...
- Lindo, não é? - perguntou Jorge, virando-se para a irmã que continuava sentada a
seu lado, observando as monstruosas muralhas água que se desfaziam em enormes
manchas de espuma de encontro aos rochedos que ficavam dentro do mar, não muito longe
do extenso areal, que do local onde se encontravam facilmente podiam ver.
- Se pelo menos parasse de chover, poderíamos sair e ver melhor - lamentou-se
Isabel com uma expressão cabisbaixa.
- Tem calma, - tranquilizou-a ele - temos muito tempo, ainda é tão cedo, são... -
continuou o jovem fazendo uma breve pausa para consultar o seu relógio de pulso - ... seis
menos um quarto, por isso.
- Mas depois começa a anoitecer, e aí é que não vemos mesmo nada - replicou ela.
Porém, alguns minutos mais tarde, a chuva parou de cair, e ambos puderam então
sair do automóvel, aproximando-se uma falésia, embora muito cuidadosamente, pois, o
pavimento estava muito escorregadio devido à chuva que caíra momentos antes, e por isso o
risco de quedas era bastante grande.
- Vê! - exclamou Jorge de súbito, apontando para o horizonte - ali,... - acrescentou,
indicando com o dedo à irmã aquilo que vira - Afinal parece que sempre vamos ver o pôr-do-
sol! - concluiu sorridente, quando lá ao longe se começavam a vislumbrar alguns raios de sol,
que tentavam irromper pelas espessas e numerosas nuvens, que continuavam a cobrir
ameaçadoramente o céu, prometendo chuva.
- É maravilhoso! - observou a rapariga, radiante - Repara,... nos sítios onde os raios
brilham parece que existe uma espécie de nevoeiro amarelo,... é lindo...
Os dois jovens, ficaram ainda por mais algum tempo a observar maravilhados aquele
cenário deslumbrantemente belo, tendo ainda oportunidade de assistir ao pôr-do-sol. Porém,
depois do último raio de sol ter desaparecido no horizonte, não demorou muito tempo até que
silenciosamente a noite chegasse, envolvendo tudo ao redor numa penumbra cada vez mais
escura, sendo acompanhada por uma acentuada descida de temperatura...
- Tenho frio! - anunciou Isabel, abotoando mais alguns botões no casaco que trazia
vestido.
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- Tens razão, - concordou o irmão - arrefeceu bastante... - prosseguiu, deitando um
último olhar para o mar, antes de conduzir a rapariga até ao automóvel em que haviam
chegado até ali - Bom, vamos procurar um restaurante para jantarmos - concluiu por fim,
usando o controle remoto para destrancar as portas do veículo, vestindo também ele o
casaco que trouxera consigo, entrando no interior do BMW coupé logo em seguida.
Dirigiram-se para o centro daquela pitoresca vila do litoral , e depois de deixarem o
carro parado num parque de estacionamento, percorreram tranquilamente a pé algumas
centenas de metros na avenida marginal. Finalmente, encontraram um restaurante com o
qual simpatizaram de imediato, por causa da sua fachada tipicamente tradicional, e
resolveram entrar. Sentaram-se numa mesa perto de uma das janelas, e optaram por
experimentar um prato de Caldeirada, que algum tempo depois ambos saboreavam com
satisfação, enquanto conversavam animadamente. Como sobremesa, escolheram um
delicioso Doce de Amêndoa, e terminaram aquela refeição bebendo o habitual café,
abandonando o sossegado restaurante logo após Jorge ter liquidado a despesa. Em ritmo de
passeio turístico percorreram calmamente em sentido contrário a avenida marginal, que
naquele momento se encontrava quase deserta, sendo apenas iluminadas pela lua, e pelos
candeeiros de iluminação pública. De súbito, o ruído da rebentação das ondas na praia foi
abafado por um outro; começara a chover naquele preciso instante, intensificando-se muito
rapidamente.
- Corre! - pediu Jorge a Isabel, que acelerou o passo, colocando-se ao seu lado - Vá
lá, mais depressa, senão vamos ficar totalmente encharcados - insistiu o jovem.
- Encharcados já nós estamos! - replicou a rapariga, sorrindo satisfeita, começando a
correr, enquanto passava as mãos pelos longos cabelos louros que estavam já bastante
molhados - É maravilhoso! - exclamou radiante, quando por fim chegaram próximo do BMW
amarelo, entrando ambos rapidamente no interior do mesmo, a fim de se abrigarem da chuva,
que caía em grande quantidade lá fora...
- Atchiiiim! - começou o rapaz, rodando a chave na ignição, e colocando o potente
motor do automóvel em funcionamento - Porra, de certeza que me vou constipar! - lamentou-
se, acrescentando ainda - Burro, porque é que não trouxeste o chapéu-de-chuva?
- Deixa lá, respondeu Isabel confortando-o, enquanto passava a sua mão pelos
cabelos molhados do irmão - quando chegarmos a casa, tomamos um bom banho, bebemos
qualquer coisa bem quente, e vamos logo deitarmo-nos, o.k.?...
Aproximadamente hora e meia depois de terem deixado a pitoresca vila de Nazaré,
entraram na cave do prédio em que habitavam. Jorge, estacionou o automóvel no local
habitual, e ambos subiram apressadamente até ao apartamento deles, de modo a poderem
trocar aquelas roupas molhadas que provocavam arrepios de frio em ambos. Tomaram um
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prolongado e reconfortante banho, e após terem vestido os pijamas e robes de chambre,
encaminharam-se para a cozinha, onde Isabel preparou um cacau bem quente, que beberam
ambos, acompanhando a bebida com alguns biscoitos de chocolate.
- Bom, vou-me deitar - anunciou Isabel, bocejando longamente - Também vens? -
inquiriu ainda, passando as mãos pelo largos e robustos ombros do irmão.
- Sim, também estou cheio de sono - respondeu o rapaz, conduzindo a irmã para o
compridíssimo corredor que dava acesso aos quartos de dormir, desligando os interruptores
de luz à medida que ia passando por eles.
- Obrigado, Jorge!... Foi um dia maravilhoso!... - começou Isabel, já à porta do seu
quarto - És um amor... - continuou a rapariga, tentando encontrar as palavras certas para
exprimir aquilo que sentia - és,... estupendo,..., e foste a melhor coisa que me aconteceu...
- Ainda bem que gostaste - respondeu ele, satisfeito por ter agradado à irmã - Boa
noite, e bons sonhos! - exclamou o jovem por fim.
- Para ti também! - acrescentou a irmã, beijando-o suavemente na face, e tentando
através daquele ternurento beijo exprimir toda a alegria e gratidão que sentia naquele
momento - Até amanhã! - concluiu ela sorrindo radiante...
Jorge passou ainda a sua mão delicadamente pela pele macia do rosto dela,
abraçando-a também de encontro a si, encaminhando-se depois para o seu quarto de dormir,
enquanto que Isabel fechava a porta. Deitaram-se ambos quase de imediato, e não demorou
muito tempo até que estivessem os dois mergulhados num tranquilo e profundo sono.
Contrastando com o ambiente calmo e silencioso que se verificava no interior daquele
magnífico apartamento, lá fora, no entanto, recomeçara a chover, com uma intensidade
apreciável, acompanhada por algumas rajadas de vento que de vez em quando se faziam
sentir com alguma violência...
A manhã seguinte surgiu bastante desagradável. Para além da chuva que teimara em
ficar, associaram-se-lhe ainda um frio intenso, e o vento forte, que já se havia feito sentir
durante a noite, mas que agora marcava a sua presença de uma forma mais vigorosa e
regular.
Passavam já alguns minutos do meio-dia, quando Isabel, que fora a primeira a
levantar-se, se sentou no sofá de sala de estar, entretendo-se com uma revista. Não tardou
muito até que a cabeça de Jorge assomasse à entrada da porta da espaçosa divisão.
- Bom dia! - cumprimentou ele.
- Olá, então, dormiste bem? - inquiriu a rapariga, enquanto trocavam um beijo.
- Sim, foi uma noite óptima - respondeu o jovem sentando-se ao lado da irmã, no
confortável sofá de pele - Bem, vou comer qualquer coisa, porque tenho aí uns apontamentos
que a Sofia me emprestou, e tenho também que rever algumas matérias, por isso, não posso
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perder muito tempo.
- A que horas é que voltas para Coimbra? - indagou Isabel pousando a revista sobre a
pequena e elegante mesa de madeira escura que se encontrava no meio da sala.
- Não sei bem, mas não é muito conveniente sair muito depois das oito, porque senão
só lá chego à uma e tal, como aconteceu na semana passada, e amanhã tenho aulas às oito
e meia... - esclareceu o rapaz, levantando-se, e encaminhando-se para o corredor - Vou
almoçar, vens comigo? - pediu ainda.
Os dois jovens dirigiram-se então para a cozinha. Jorge, foi ao congelador do
frigorífico, retirando de lá uma embalagem de pizza congelada, que a irmã colocou dentro do
forno de micro-ondas. Alguns minutos mais tarde saboreavam ambos com prazer aquela
refeição rápida, que acompanharam com sumo de laranja. Em seguida Jorge, foi ao seu
quarto de dormir, pegou nos seus livros e nuns quantos cadernos de apontamentos, e fechou-
se no magnífico e espaçoso escritório da habitação, que tinha igualmente a função de
biblioteca. Isabel, pelo contrário, depois de ter colocado os pratos e a restante louça de que
se haviam servido ao almoço na máquina de lavar louça, regressou à sala de estar, e sentou-
se num dos mapples lendo um livro e ouvindo música em simultâneo.
Os dois irmãos, permaneceram totalmente absorvidos nas suas ocupações, até cerca
das cinco da tarde. A essa hora Jorge, fez uma pausa nos estudos, e foi até à cozinha no
intuito de lanchar. Porém, passou em primeiro lugar pela divisão, onde Isabel continuavam
totalmente absorvida pela leitura.
- Queres vir lanchar? - perguntou, enquanto carinhosamente fazia um rabo-de-cavalo
com os longos cabelos da irmã.
- Não, agora não me apetece. Mas quando acabar sou capaz de ir trincar qualquer
coisa - respondeu ela, olhando-o através dos seus expressivos e brilhantes olhos azuis - Já
só faltam quarenta páginas, por isso agora quero ficar a saber qual é o final da história -
rematou, voltando a centrar a sua atenção no livro.
Jorge, dirigiu-se para a cozinha, e pegou numa maçã que mastigou rapidamente,
regressando logo depois ao escritório. Isabel por seu lado, continuou entretida com a leitura
durante mais uns quantos minutos. Quando por fim terminou, levantou-se e foi até à cozinha.
Comeu alguns biscoitos, que acompanhou com um copo de sumo de laranja. Em seguida,
começou calmamente a preparar o jantar.
Passavam alguns minutos das seis e meia, quando o irmão se juntou a ela na
cozinha...
- Queres ajuda? - perguntou aproximando-se dela, que observava atentamente o
jantar que cozinhava no forno.
- Não, não é preciso. Mas, se quiseres ir arrumar as tuas coisas, sempre é trabalho
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que adiantas, que o jantar ainda deve levar aí uns vinte minutos.
O jovem deixou a cozinha, e entrando no espaçoso corredor subiu as escadas que
conduziam ao andar superior, onde se situava o seu quarto de dormir, assim como o de
Isabel, e ainda um terceiro. Após ter entrado nos seus aposentos, colocou cuidadosamente
algumas roupas dentro de um dos sacos de viagem que trouxera de Coimbra, enquanto que
reservou o outro para guardar os seus livros e cadernos de apontamentos. Em seguida,
retornou ao piso inferior, deixando a bagagem no hall de entrada junto à porta,
encaminhando-se posteriormente para a cozinha.
- Queres que ponha a mesa? - ofereceu, abrindo uma gaveta pegando numa toalha
que estendeu sobre a mesa.
- Sim, o jantar está pronto, por isso se não te importas... - respondeu a rapariga,
enquanto abria o forno, puxando para fora um tabuleiro onde se podia observar um apetitoso
peixe assado com pequeninas batatas igualmente assadas.
Jorge, espalhou ainda sobre a toalha de linho branca os pratos e talheres, bem como
os guardanapos e os copos. Em seguida, sentaram-se ambos nas cadeiras, e principiaram a
saborear aquela refeição preparada por Isabel.
- A que horas te vais embora? - perguntou Isabel, olhando para os ponteiros do relógio
que estava pendurado na parede por cima da cabeça do irmão, que indicavam passarem
exactamente dezasseis minutos das sete da tarde, levando o garfo à boca.
- Vamos beber café, e quando voltarmos eu deixo-te lá em baixo na entrada, e sigo -
esclareceu ele, passando o guardanapo pelos lábios, e terminando a sua bebida...
...
- Guia com cuidado... - recomendou Isabel, quando cerca de quarenta minutos mais
tarde, ambos se encontravam nos degraus que davam acesso à entrada principal do edifício
onde habitavam.
- Não te preocupes, serei prudente - descansou-a ele, sorrindo, no momento em que
um pingo de água caiu em cima dela - Vá, vai para dentro que está a começar a chover...
- Está bem - concordou a rapariga, abraçando o irmão uma última vez, antes de este
entrar para o BMW amarelo que estava estacionado ali mesmo junto a eles - Faz boa viagem
- acrescentou por fim , subindo depois apressadamente os degraus até se encontrar
protegida da chuva, que entretanto aumentara de intensidade, vendo ainda o automóvel que
Jorge conduzia, afastar-se rapidamente, até desaparecer totalmente, na sinistra escuridão da
noite...
A chuva que caía com abundância não impediu no entanto que o jovem efectuasse a
sua viagem. Alguns minutos depois de ter saído de Santarém, parou na portagem da auto-
estrada de modo a retirar o título que aproximadamente duas horas mais tarde entregou ao
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portageiro, na saída da via rápida em que circulara.
Eram quase dez e meia, quando o veículo que o rapaz conduzia estacionou em frente
da casa dos pais de Ana, a prima com quem dividia a habitação. Após ter retirado do porta-
bagagens as duas malas, trancou o carro, usando o comando à distância, e dirigiu-se de
imediato para a porta de entrada da vivenda, entrando sem mais delongas.
- Ana! - chamou, avançando às escuras pelo corredor, e constatando com alguma
surpresa que não havia qualquer divisão iluminada - Ana! - insistiu o jovem, ligando o
interruptor, e atirando as chaves do BMW para cima da pequena mesa da entrada, sobre a
qual se encontrava o telefone - Ana, onde estás? - chamou de novo, percorrendo todo o
comprido corredor, e concluindo por fim que não se encontrava ninguém em casa...
Após ter transportado a bagagem até ao seu quarto de dormir, entrou na ampla sala
de estar da habitação, e sentou-se confortavelmente no sofá. Quando esticou a mão até à
mesinha que se encontrava no centro daquela dependência, para agarrar no controlo remoto
do televisor, reparou num pequeno envelope endereçado a si. Abriu-o, e desdobrou o papel
que estava no seu interior, reconhecendo de imediato a letra da prima:
“Jorge, vou passar as férias de Natal ao Brasil! Eu sei que deves ficar surpreendido, mas quem nos convidou
foi a mãe da minha madrasta. A princípio ainda hesitei, mas depois acabei por aceitar, quando o meu pai me disse que o
Rui Pedro também podia ir.
Partirei amanhã Domingo), e só voltarei no início de Janeiro para os exames.
Agora que estás sozinho em casa, vê lá o que fazes. Porta-te bem!...
Mil beijinhos da tua prima:
Ana”
Jorge, estava de facto surpreendido. Rapidamente voltou a ler a carta, não
acreditando naquilo que lia.
- “ Não pode ser! “ - pensava, enquanto pousava a carta sobre a mesa, e pegava no
comando do televisor - “ Sortuda!... Ao Brasil hem!?... Que pinta!... “ - disse em voz alta,
passando os pés por cima da pequena mesa de madeira, ao mesmo tempo que se esticava
no sofá, de modo a encontrar uma posição o mais cómoda possível - “ Afinal, vendo bem as
coisas a viagem dela até tem algumas vantagens, senão vejamos; a casa é toda minha
durante três semanas, que óptimo!... “ - acrescentou ainda, sorrindo radiante.
Permaneceu estendido no sofá com os pés assentes na mesa durante mais alguns
momentos. contudo, e como a programação televisiva não lhe agradava, optou por ir dormir,
até porque na manhã seguinte as aulas começavam bem cedo. Assim, dirigiu-se ao seu
quarto de dormir, deitando-se breves instantes depois. Ao contrário daquilo que era habitual,
Jorge, demorou bastante tempo até adormecer. Porém, o cansaço acabou por vencer, e
quando no mostrador digital do relógio despertador, apareceram as zero horas, já o jovem
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estava mergulhado num profundo e tranquilo sono...
Fim do 1º Capítulo
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Capítulo 2
- “ Antena 3,... bom dia,... são sete horas!... Vamos às notícias com...”
Jorge despertou, e ainda bastante ensonado esticou o braço e desligou o rádio. Em
seguida, levantou-se e bocejando bastante encaminhou-se para o quarto de banho., tomando
o seu habitual prolongado duche matinal. Após se ter vestido, dirigiu-se à cozinha e bebendo
um iogurte líquido, pegou nos livros, vestiu o blusão, e abriu a porta de entrada da
habitação...
- “ Que frio!... “ - exclamou arrepiado - fechando a porta atrás de si, e percorrendo
apressadamente a curta distância que o separava do BMW M3 coupé amarelo.
Entrou no automóvel, atirando os livros para o assento do lado, e logo após ter ouvido
o ruído característico do motor em funcionamento, engrenou a primeira velocidade, e
arrancou bruscamente, fazendo patinar os pneus no asfalto húmido. Já em Coimbra, deixou o
veículo num parque de estacionamento próximo da Universidade, cruzando os portões da sua
faculdade às oito e meia em ponto. Por isso, não perdeu tempo, encaminhando-se logo para
a sala de aulas...
...
- Jorge!... - chamou uma voz feminina, quando o jovem percorria tranquilamente o
extenso corredor do edifício, dirigindo-se para o anfiteatro onde teria a aula seguinte.
- Rita..., olá! - exclamou, virando-se para trás e reconhecendo a cara sorridente da
rapariga que se aproximava dele - Onde estão a Sofia e a Joana? - inquiriu surpreendido por
encontrar a colega sozinha.
- Só vêm para a próxima semana. Tinham uns trabalhos para fazer, e por isso
resolveram ficar mais uns dias no Porto... - esclareceu a jovem beijando-o na face.
- Já se resolveram a aceitar o meu convite? - perguntou ansioso
- Acerca do fim-de-semana? - indagou a rapariga, fazendo uma breve pausa, e
prosseguindo após um sinal afirmativo de Jorge - Elas dão-te a resposta quando voltarem,
pode ser?...
- Sim, claro - anuiu ele, olhando de repente para o relógio de pulso - Porra, já estou
atrasado! - exclamou muito pouco satisfeito - Tenho que ir,... - anunciou, - almoças comigo? -
propôs ainda.
- Não posso, tenho que preparar uns apontamentos, - respondeu a colega - mas se
quiseres podemos jantar juntos, podes ir lá ter..., às... oito! - sugeriu ela.
- Está bem, - concordou o jovem - então até logo, ...às oito - concluiu por fim, dirigindo-
Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo
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se apressadamente para a porta do anfiteatro que ficava um pouco mais à frente...
Duas horas e meia mais tarde o espantoso BMW amarelo parava a alguns metros de
distância da habitação que Jorge ocupava com Ana, sua prima, e que pertencia aos pais da
rapariga. O rapaz, pegou nos seus livros, atravessou rapidamente a estrada, e entrou em
casa, depois de ter rodado a chave na fechadura, fechando a porta logo em seguida. Atirou
os livros para cima da secretária do escritório, e foi à cozinha buscar uma lata de cerveja para
acompanhar com a pizza que trouxera de Coimbra. Sentou-se descontraídamente no sofá da
sala de estar, descansando as pernas sobre a pequena mesa de madeira, que para ele tinha
outra utilidade para além da de decoração. Serenamente foi trincando as fatias da pizza
bebendo também a cerveja, enquanto assistia na televisão às noticias da uma hora. Mais
tarde, instalou-se confortavelmente na cadeira do escritório, ligou o computador, e entreteve-
se durante bastante tempo a jogar um simulador de corridas de Fórmula 1. Quando
finalmente se fartou do jogo, pegou nos cadernos de apontamentos, e após ter ido buscar o
seu walkman, releu atentamente as notas que tirara das aulas daquela mesma manhã, ao
som do seu grupo musical favorito.
Por volta das cinco e meia da tarde, deu por fim o estudo, dirigindo-se à cozinha a fim
de lanchar, sentando-se depois em frente do televisor, vendo um filme que a prima gravara na
semana anterior...
Jorge, fechou a porta atrás de si, e deu alguns passou em direcção ao automóvel que
estava estacionado do outro lado da rua deserta. Ao entrar no BMW M3 coupé, uma ligeira
brisa desagradável soprou, levantando-lhe os cabelos louros, e causando-lhe um pequeno
arrepio. Por fim, pôs o veículo em marcha, tomando a estrada que levava a Coimbra,
deixando o carro estacionado quase em frente ao prédio em que Rita dividia um apartamento
com Sofia e Joana. Cruzou serenamente a porta de entrada do edifício, e subiu as escadas,
dando depois três leves pancadinhas na porta de madeira, que a colega lhe veio abrir quase
de imediato, convidando-o a entrar:
- Vens cedo! - observou, voltando a fechar a porta, e conduzindo o amigo para a sala
de estar - O jantar ainda vai demorar um pouco, por isso senta-te aqui! - convidou, apontando
para o sofá que estava encostado a uma das paredes daquele espaço um tanto ou quanto
apertado.
- Não obrigada, eu quero ajudar em qualquer coisa... - respondeu o jovem num tom
decidido.
- Bem, se fazes tanta questão nisso,... - começou Rita, dirigindo-se para a cozinha, -
...podes pôr a mesa aí mesmo - acrescentou por fim, regressando com uma toalha branca na
mão que entregou ao colega...
...
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- Passa-me a salada, por favor - quando ambos estavam já sentados à mesa,
saboreando um delicioso prato de carne assada, acompanhada por batatas fritas.
- Quando acabarmos, queres ir dar uma volta? - propôs Jorge, pousando os talheres e
terminando a sua refeição - Conheci um sítio, que não fica muito longe, e é lindíssimo à
noite...
- Está bem... - concordou a rapariga, limpando os seus doces e suaves lábios ao seu
guardanapo, dirigindo-se posteriormente à cozinha e levando consigo os pratos que ambos
haviam utilizado - ...mas antes, quero que proves isto, - anunciou ela, regressando momentos
depois, apresentando-lhe um esplêndido bolo, decorado com natas e algumas pepitas de
chocolate.
- É óptimo! - elogiou Jorge, provando um pouco do cremoso bolo...
Alguns minutos mais tarde, os dois jovens sentaram-se no interior do automóvel
amarelo que pertencia a Jorge, e que arrancou quase de seguida...
- Afinal, aonde é que vamos? - inquiriu a rapariga, ardendo em curiosidade, e
recebendo apenas como resposta um sorriso misterioso do companheiro, que a deixou ainda
mais intrigada.
- Estamos quase a chegar!... - anunciou Jorge, cerca de dez minutos depois, virando-
se para a atraente rapariga que seguia a seu lado - É ali à frente - concluiu por fim, quando o
automóvel que guiava acabava de descrever uma curva apertada - Vem! - acrescentou,
abrindo a porta do veículo logo após este se ter imobilizado completamente.
- Que lindo! - exclamou Rita, saindo igualmente do carro e aproximando-se do colega,
passando o seu braço sobre os robustos ombros dele.
- Repara,... - principiou Jorge, fazendo uma breve pausa, enquanto procurava as
palavras que mais adequadamente exprimissem aquilo que sentia - ...as luzes da cidade, ...o
rio, ...o movimento dos carros, e ...este silêncio e tranquilidade cá em cima. Não achas que é
harmoniosamente belo?...
- Sim, é maravilhoso,... - concordou a jovem - ...e olha as estrelas,... vê como
cintilam... Aquela é a Estrela Polar, não é? - perguntou ela, apontando para um minúsculo
ponto de luz que brilhava ao lado de muitos outros na negra escuridão do céu...
- Não sei bem, - respondeu Jorge - Quem gostava muito de observar as estrelas era o
meu pai, até chegou a comprar um telescópio... - esclareceu ele, em voz baixa e deixando
escapar uma lágrima mais teimosa, sem que no entanto Rita se apercebesse.
- Então, agora já não tem tempo para isso?
- Não... - começou ele suspirando, enquanto outra lágrima lhe correu pela face triste -
Na verdade..., o meu pai,... e a minha mãe,... morreram num acidente de carro à cerca de um
ano e meio... - disse por fim, limpando o rosto húmido por causa das lágrimas que acabaram
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por vencer e corriam abundantemente pela face ensombrada por memórias tão dolorosas
como eram as do desaparecimento dos pais.
- Desculpa se,..., eu não sabia,..., nunca pensei,..., que,... bem,... - começou a
rapariga, simultaneamente surpreendida e confusa, tentando, embora um pouco embaraçada,
confortar o colega - Tu és sempre tão alegre e divertido, que,... a,... bem,... eu não queria,...
- Não tens que pedir desculpa,... Afinal, tu não sabias de nada, por isso,... não tens
culpa... - interrompeu ele com uma voz trémula, quando se apercebeu da atrapalhação de
Rita, passando a sua mão pelo cabelo castanho da jovem...
- Como é que..., como é que os teus pais,...?
- Como é que eles..., como é que foi, é isso que queres saber...? - questionou Jorge,
continuando logo após um sinal afirmativo da colega - Morreram num acidente de carro... -
respondeu vagamente, fazendo uma pausa, e continuando em seguida - Foi numa noite,
quando vinham de Lisboa..., o meu pai não mediu bem uma ultrapassagem, e quando
percebeu que não dava, já estavam debaixo de um camião,... o carro explodiu, eles tiveram
morte imediata, e o condutor do camião morreu dois dias depois no hospital... - esclareceu
por fim com alguma dificuldade, enxugando as lágrimas com um lenço que a rapariga lhe
emprestara.
- E a Isabel, como é que reagiu?
- A principio,... ficou mais perturbada que eu, mas ela acabou por se recompor muito
mais rapidamente que eu. Ela conseguiu aceitar os factos, e eu ainda não fui capaz de
enfrentar essa situação... - respondeu Jorge, aproximando-se da beira do miradouro,
observando atentamente as luzes da cidade, que brilhavam lá ao longe - Bom..., mas se não
te importas eu preferia mudar de assunto... - pediu, envolvendo com um braço os ombros
delicados da companheira - ...falar disto ainda me é muito difícil... - concluiu por fim,
sentando-se numa enorme pedra uma pouco mais recuada em relação ao precipício.
- Eu compreendo... - anuiu Rita, sentando-se a seu lado - Responde-me só a uma
pergunta; porque é que queres ser advogado?
- Para ser sincero, eu até nem gosto muito disto...
- Porquê? - insistiu a companheira interrompendo-o, surpreendida com tal revelação -
Se não gostas deste curso, porque razão o escolheste?
- No fundo, eu não gosto da advocacia, porque acho que não é um jogo limpo. Não é a
verdade que está em causa, mas tudo se resume ao ganhar ou perder o caso. Não interessa
que o réu seja culpado ou inocente; o que interessa para todos, é ganhar a qualquer preço,
entendes?
- Sim, mas continuo sem compreender; se não concordas com o sistema porque é que
queres ser advogado? - inquiriu Rita um tanto confusa.
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- Porque o maior desejo dos meus pais, era que eu me licenciasse em Direito, e um
dia mais tarde ficasse eu como dono da firma de advogados que eles tinham em Lisboa... -
esclareceu ele, demonstrando com a sua atitude o quanto respeitava os pais - ... por isso,
jurei sobre a campa deles que iria fazer aquilo que eles sempre haviam desejado, mas que
por outro lado, iria combater o sistema com todas as armas que tivesse.
- Então, qual era o curso que gostavas realmente de tirar? - perguntou Rita de novo.
- Tens frio...? - interrogou Jorge, reparando que a companheira tremia - Queres ir
embora?... - sugeriu, despindo o blusão, e colocando-o sobre os ombros da colega.
- Não..., podemos ficar mais um pouco...
- Bem, eu gostava de ter podido estudar Engenharia Mecânica, ou então Informática,
que foi o meu curso no secundário, mas...
- Mecânica?!... - exclamou a rapariga surpreendida - Tu gostas de mecânica...?
- Sim..., adoro... - respondeu ele sorrindo, e sem alterar o tom de voz - ... na verdade,
até tenho um Volkswagen Carocha de 1969, que comprei num ferro-velho, e que estou a
restaurar para oferecer à Isabel... Já comprei um motor de um Porsche em segunda mão, e
adaptei-o para o Carocha; vai ficar com quase 3000 cm3 de cilindrada, e mais de 200 cavalos
de potência. Também pedi a um amigo que tem uma grande oficina perto de Lisboa, para me
reforçar a estrutura do carro, de modo a aguentar com aquele motor, e agora ando a arranjar
os travões, porque quero instalar ABS, e umas jantes de alumínio com 20 ou 22 polegadas de
largura. Depois, vou mandar pintá-lo de cor-de-rosa, ou então bordeaux.
- Uaaaaauuu!... Nunca pela ideia me passou que fosses tão engenhoso!... - exclamou
Rita, não conseguindo disfarçar a simpatia e admiração que sentia pelo colega - Então, e
como é que vai ficar; coupé ou cabriolet?
- Cabrio..., aliás, quando o levei ao meu amigo em Lisboa, ele deixou-mo logo
descapotável, e pronto a levar uma capota em tecido impermeável... - esclareceu Jorge,
satisfeito com o interesse demonstrado pela companheira - ...mas estou a ver que também
percebes disto, muito bem, estou a gostar de ver!... Vem cá... - pediu ele levantando-se, e
dirigindo-se para o espectacular BMW M3, que estava parado alguns metros mais acima - ...
quero mostrar-te uma coisa... - acrescentou, esperando que a colega chegasse junto dele -
Este carro tem de série...
- É um belo carro... - observou alguém, intrometendo-se na conversa - Talvez mo
queiras emprestar para eu ir dar uma volta... - continuou o indivíduo do rabo-de-cavalo,
aproximando-se dos dois jovens.
- Não me parece... - respondeu o rapaz, sem se mostrar muito impressionado com a
enorme e reluzente lâmina que acabara de surgir na mão direita do intruso, apesar de Rita ter
ficado petrificada - Bom..., vou dar-te um conselho; pira-te daqui, imediatamente. Estou-te a
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avisar!...
- Ouviram...!? - recomeçou o outro, falando para os dois homens que acabavam de
sair de entre um arbusto - Ele está-me a avisar... - prosseguiu em tom irónico, dando alguns
passos na direcção de ambos, enquanto brandia com destreza a enorme faca - ... quem te
avisa, sou eu; tenham juízinho, e nada vos acontecerá..., só queremos verificar um pequeno
pormenor, e depois soltamo-vos...
- Marco,... - chamou o indivíduo que vestia fato e gravata, usando uma gabardina por
cima - ...tem calma,... não nos precipitemos... Tu,... - disse, falando para Rita, que
permanecia imóvel - ...vem cá...
- Lamento desiludir-vos, mas infelizmente não me parece que ela vá a lugar algum... -
respondeu de pronto Jorge, continuando muito pouco impressionado com o ambiente hostil
criado pelos três malfeitores.
- Marco,... - insistiu o outro - ... trá-la cá, e se aí o nosso amigo fala-barato se
manifestar trata-lhe da saúde!... - concluiu com cara de poucos amigos.
- Não é preciso Dr.,... - disse o terceiro homem, falando para o do fato, que parecia ser
o chefe do grupo - ... não é ela...
- Tens a certeza do que estás a dizer? - insistiu o outro.
- Absoluta... - prosseguiu ele - não é ela, a outra miúda não tinha sardas, era mais
baixa, e o cabelo era mais escuro do que o desta... - esclareceu por fim.
- Vê lá, não te precipites, o chefe não quer perder mais tempo com esta história -
insistiu o homem do fato.
- Eu tenho a certeza, não é ela, ...garanto-lhe Dr. -
- Marco,... deixa-os,... vamos embora... - ordenou o tal Dr. ao fulano do rabo-de-
cavalo.
Porém, Marco não parecia estar pelos ajustes, e antes de se afastar presenteou o
desprevenido Jorge com um soco na cara, que de imediato ripostou, agredindo o outro com
um pontapé violentíssimo no baixo ventre, e depois com dois murros na cara, que deixaram o
tipo que se chamava Marco estendido no chão sangrando do nariz e dos lábios.
- Toma lá filho da puta!... Para a próxima toma atenção aos conselhos que te dão -
comentou o jovem, quando o outro com alguma dificuldade se começou a levantar.
- Agora é que vais ver como elas te mordem!... - gritou Marco de cabeça perdida,
avançando furioso para o rapaz.
- Tu não aprendes!?... - ironizou Jorge - Queres levar outra vez?...
- Marco!... - chamou o indivíduo que tratavam por Dr. - Vamos embora..., já... é uma
ordem!... - ordenou o tipo que vestia fato, num tom de voz que não deixou dúvidas ao homem
do rabo-de-cavalo.
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- Fica para a próxima,... não te esqueças da minha cara!... - ameaçou por fim, antes
de se juntar aos outros dois, que desapareceram rapidamente pela colina acima.
Alguns segundos depois, ouviu-se um automóvel arrancar a grande velocidade, não
muito longe dali...
- Pronto..., já se foram embora!... - observou Jorge aliviado - Estás bem? - perguntou à
colega.
- Sim... - principiou ela, tentando enxugar as lágrimas que entretanto começaram a
cair - ... mas tenho medo..., não gostei muito das últimas palavras do gajo do rabo-de-
cavalo...
- Não te preocupes..., não ligues..., aqueles gajos só são duros com uma arma na
mão..., são uns cobardolas, jamais terão coragem de nos chatear outra vez... - comentou o
jovem, tentando tranquilizar a colega, que agora tremia de medo.
- Achas!?...
- Tenho a certeza... - esclareceu o rapaz não deixando lugar a qualquer tipo de
dúvidas - Só não entendi bem o que queriam..., ...é óbvio que se enganaram, pelo menos foi
o que percebi das palavras do gajo que estava com o “ fato “, devem andar atrás de alguém.
É melhor prevenirmos a polícia...
- Eu trato disso amanhã... - ofereceu-se Rita de imediato, já mais calma.
- Está bem... - concordou o companheiro - ...mas agora, o melhor é irmos embora, já
chega de surpresas por uma noite...
Jorge conduziu a colega ao magnífico BMW M3 coupé amarelo, e abriu a porta para
que ela entrasse. Depois, deu a volta ao veículo, e entrou também. Em seguida, rodou a
chave na ignição, engrenou a primeira velocidade, e arrancou em direcção à estrada que
conduzia a Coimbra.
- Queres ir dormir lá a casa? - sugeriu o rapaz, reparando que a colega estava muito
nervosa.
- E a Ana? - lembrou a rapariga com a voz trémula...
- A Ana não está lá..., foi passar o natal ao Brasil com os pais e o namorado... Ontem
quando cheguei de Santarém, já ela não estava. Deixou-me um bilhete a explicar tudo.
Então..., ficas no teu apartamento, ou queres vir comigo... - insistiu ele
- Se não te importares, eu preferia ir contigo...
- Bom..., então vamos...
Cerca de dez minutos mais tarde, o espectacular automóvel conduzido por pelo jovem
estudante, parou em frente à habitação que pertencia aos pais de Ana, e que ele dividia com
a prima. Depois, Jorge, conduziu Rita até à porta da casa, e após ambos entraram, fechou a
porta com cuidado. Em seguida, encaminhou a colega até ao quarto de dormir que
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habitualmente estava vago, e foi procurar um pijama da prima que entregou a Rita.
- Estás tão tensa... - observou, reparando que a rapariga continuava a tremer - ...
queres um calmante para te ajudar a dormir? - sugeriu, tentando confortá-la apertando-a de
encontro ao seu peito robusto.
- Sim,... se não te der muito trabalho.
O jovem, dirigiu-se para a cozinha, e voltou alguns minutos mais tarde, trazendo um
copo de água, e o calmante que deixou sobre a mesa-de-cabeceira do quarto.
- Se precisares de alguma coisa,... seja o que for, é só chamares, está bem? -
recomendou, encaminhando-se para o corredor - Vá, vai descansar, e esquece aquilo que se
passou. Tudo não passou de um engano, foi só um grande susto... Até amanhã!... - concluiu
por fim, saindo e fechando simultaneamente a porta do quarto.
- Jorge!?... - chamou Rita.
- Sim,... - respondeu ele de pronto abrindo de novo a porta.
- Nada,... só... obrigado!... - disse, aproximando-se dele, e apanhando-o desprevenido,
beijou-o com ternura nos lábios - Boa noite!...
O jovem, puxou mais uma vez a porta, e afastou-se em direcção ao seu quarto de
dormir, pensando surpreendido no prémio que acabara de receber. Após ter tomado um
duche rápido, o rapaz vestiu o pijama, e enrolou-se confortavelmente no meio dos quentes e
acolhedores cobertores, recordando confuso os acontecimentos daquela mesma noite no
miradouro; “ Quem seriam aqueles indivíduos? Quem procuravam? Porque razão perseguiam
alguém? “ A única coisa que ele compreendia, é que obviamente os três malfeitores haviam
confundido Rita com a outra pessoa que por algum motivo perseguiam.
Apesar de entretido com aqueles pensamentos, não demorou muito porém até que
adormecesse, embora o sono fosse muito pouco tranquilo. No quarto ao lado, pelo contrário,
Rita, com a ajuda do calmante rapidamente se encontrou mergulhada num tranquilo e
profundo sono, mexendo-se de quando em vez na cama...
...
- Bom dia! - cumprimentou Jorge, entrando na cozinha - Já estás levantada!?... -
exclamou surpreendido, apertando o cinto do roupão - São oito e meia, não me disseste que
hoje não tinhas aulas de manhã?
- Olá! - saudou a colega, sorrindo - Sim..., não tenho aulas, mas tenho que ir ao Porto.
- prosseguiu ela bebendo um gole de café - Só hoje quando acordei é que me lembrei que
tenho uma consulta no médico.
- E como é que passaste a noite? Dormiste bem? Estás mais calma? - questionou
Jorge atenciosamente, pegando numa chávena e servindo-se igualmente de um pouco de
café.
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- Sim, graças ao calmante que me deste, dormi bem, e já me convenci que apesar dos
tipos de ontem serem perigosos, não nos vão chatear nunca mais. Mas ontem tinha tanto
medo!... Obrigado!... Foste bestial, um verdadeiro amigo!...
- Ainda bem que já estás mais calma... - observou Jorge satisfeito - Queres que te vá
pôr à estação para apanhares o comboio? - ofereceu-se o rapaz.
- Isso era óptimo! - agradeceu Rita, terminando o pequeno-almoço - Mas antes de
irmos, queria pedir-te que não dissesses a ninguém o que aconteceu ontem, porque eu não
quero que os meus pais descubram isso..., senão há logo sarilho.
- Nem mesmo à polícia?
- Não, está descansado que eu vou lá apresentar queixa... Só não quero que mais
alguém saiba disto... Posso contar contigo? - inquiriu, aguardando ansiosa pelo voto de
silêncio do colega.
- De acordo. Prometo que nada direi a ninguém... - garantiu ele, acrescentando depois
- Então, dá-me um quarto de hora, enquanto vou tomar um banho e vestir-me... - pediu
abandonando apressadamente a dependência onde ambos se encontravam.
Alguns minutos mais tarde, Jorge entrou na sala de estar, pegou nas chaves do BMW
amarelo, e conduziu Rita até à saída. Depois de fechar a porta, dirigiram-se os dois para o
espectacular automóvel que estava estacionado do outro lado da estrada. Logo que se fez
sentir o ruído do potente motor do veículo em funcionamento, o rapaz engrenou a primeira
velocidade, e iniciou a marcha suavemente, tomando a estrada que conduzia a Coimbra...
- Voltas a que horas? - indagou, quando já no interior da cidade avistou ao longe o
edifício da estação ferroviária.
- Ainda não sei. Possivelmente até ficarei esta noite em casa da Joana... - respondeu
falando quase em surdina, no momento em que o automóvel parou em frente da velha
construção - Até amanhã! - disse, despedindo-se do colega, com um beijo na face - Obrigado
pela boleia, e obrigado por ontem... - concluiu por fim, fechando a porta do BMW, e dirigindo-
se para a entrada da estação.
- Faz boa viagem!... - respondeu Jorge, ficando por mais uns instantes a observar a
rapariga que se afastava.
Em seguida, arrancou bruscamente, tomando o caminho de regresso a casa, onde
chegou aproximadamente dez minutos mais tarde, entrando na habitação sem mais
delongas. Como era ainda muito cedo, passavam alguns minutos das nove e meia da manhã,
pegou no seu walkman e sentou-se no escritório em frente do computador, entretendo-se
com alguns jogos, enquanto recordava de novo os estranhos acontecimentos da noite
anterior.
- “ Há aqui qualquer coisa que não bate certo!... “ - pensou, desviando
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momentaneamente a sua atenção do jogo, suspeitando que a colega lhe escondia algo - “
Está-me a escapar algo!... A Rita deve saber de alguma coisa!... Tenho que apertar um pouco
mais com ela!... “ - concluiu, voltando a centrar a sua atenção no monitor do computador, e no
simulador de futebol que estava a jogar.
Aquela viagem súbita era no mínimo bizarra, e a tentativa de ocultar a situação da
polícia, ainda que velada, bem como o ocorrido na noite anterior alimentavam de
sobremaneira as suspeitas do jovem...
...
- Good Afternoon!... - saudou amavelmente o professor de Inglês, rodando a maçaneta
da porta da sala de aulas - How was the week-end?...
- Short... - começou um colega de Jorge que seguia mesmo atrás do altíssimo
indivíduo britânico - ...as usually, it was very short!... - acrescentou depois no meio da
gargalhada geral.
- Sir... - principiou um outro, rindo divertido - ...this morning a little bird told me that
Liverpool have lost, ...again!...
- No comments, please... - respondeu bem humorado o professor, que numa das aulas
anteriores havia cometido o erro de revelar aos seus alunos ser associado daquele clube
inglês, tendo alguma dificuldade em se fazer ouvir perante a gargalhada bem-disposta que
surgiu após aquela perspicaz observação - Okay, now... please, ...enough!... - pediu - Now...,
lets go to work! - disse por fim, aguardando que todos se sentassem de modo a poder
principiar a leccionar a matéria para aquela aula...
- Vou-me “ baldar “ a Direito! - anunciou Jorge, quando cerca de duas horas mais tarde
cruzou os portões da faculdade, acompanhado por um grupo de colegas.
- Isso é que é falar! - aprovou uma rapariga, dando-lhe uma palmada amigável nas
costas - Vou para o salão jogar, querem vir? - convidou ainda.
- Que se lixe,... também vou - concordou um outro, acendendo o seu cigarro, e
oferecendo um à jovem que os acompanhava - Estou farto daquela merda!... - disse por fim
pontapeando furioso uma lata de cerveja que fora deixada no passeio.
- Vamos jogar o quê, Marta? - perguntou alguém quando o grupo entrou no salão de
jogos.
- Snooker a quatro! - sugeriu Jorge, pegando num taco, e dirigindo-se para a
esplêndida mesa que se encontrava a um canto daquele espaço de diversão.
- Vamos tornar as coisas mais interessantes... - começou um dos rapazes sorrindo -
...quem perder, ...paga, o.k.?
- De acordo, André! - aprovou Marta, pegando também num taco - Vocês podem jogar
juntos, que eu fico com ele - disse, apontando para Jorge, que se aproximava trazendo as
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bolas do jogo.
- Está no papo! - comentou o outro rindo - Preparem a “ massa “, que aqui o mestre
vai dar uma aula de bem jogar isto ao pessoal, ... e à borla... - anunciou, virando-se para
Jorge e Marta, que permaneciam quietos a um canto da mesa...
- Convencido... - principiou Marta, aproximando-se discretamente do parceiro, e
perguntando-lhe em surdina - Percebes alguma coisa disto?
- Talvez... - respondeu vagamente o jovem, esquivando-se à pergunta, e não
revelando os seus verdadeiros conhecimentos acerca do jogo.
Meia hora mais tarde...
- Falas demais! - observou o colega de André, olhando acusadoramente para este - Tu
e as tuas ideias! Devias pagar isto sozinho, ...animal! - continuou, puxando da carteira muito
pouco satisfeito, para pagar a despesa do jogo, uma vez que Jorge e Marta haviam levado a
melhor - As miúdas não percebem nada de snooker, ...aqui o grande mestre dá bem conta
deles - repetiu, imitando de uma forma irónica a voz e os gestos do parceiro.
- Foi sorte de principiante! - defendeu-se o outro, lamentando-se da sua pouca sorte.
- Queres repetir?... - desafiou Marta, pegando de novo no seu taco e aproximando-se
da mesa, perante o olhar atento dos três rapazes.
- Não... - desculpou-se o outro um tanto atrapalhado enquanto se afastava com o
parceiro para pagar a despesa - Tenho que me ir embora, senão ...era já!...
- E eu também! Foi fixe, mas tenho que me pirar! - anunciou Jorge, pegando nos seus
livros, e despedindo-se dos colegas, encaminhando-se depois para a saída do salão de
jogos.
Tranquilamente percorreu as cerca de duas centenas de metros que o separavam do
parque de estacionamento em que deixara o seu BMW. Por fim, avistou o espantoso coupé
amarelo, usando o controle remoto para destrancar as portas do automóvel, logo que chegou
a uma distância suficientemente perto para que o pequeno aparelho funcionasse
adequadamente. Já sentando ao volante do veículo, atirou os livros para o assento traseiro,
arrancando bruscamente logo em seguida.
Alguns minutos volvidos, o jovem encontrava-se já à entrada da habitação que
ocupava, a mesma que pertencia aos pais da prima com quem a dividia. Entrou, fechando a
porta atrás de si deixando as chaves do BMW e os livros em cima da pequena mesa sobre a
qual se encontrava também o telefone.
Não demorou muito tempo até que Jorge se instalou confortavelmente no acolhedor
sofá da sala de estar, saboreando umas sanduíches de pastéis de bacalhau, que ele mesmo
preparara instantes antes, enquanto assistia ao noticiário na televisão. De súbito, porém,
lembrou-se de ir à cozinha buscar uma bebida para acompanhar a refeição.
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- “ Porra, ...já não há cerveja! “ - exclamou desiludido, quando abriu a porta do
frigorífico, e constatou que apenas restavam algumas latas de refrigerantes - “ Bom, ...lá terá
de ser!... “ - pensou conformado, pegando numa lata de cola, e voltando a sentar-se em
frente ao televisor, aproveitando, como era hábito, o tampo da pequena mesa de madeira
escura que se encontrava ao centro daquela divisão...
Após a refeição, esperou ainda pelo programa desportivo, que era transmitido noutro
canal, entretendo-se depois com um livro que começara a ler há bastante tempo, ouvindo
música em simultâneo. Contudo, não demorou até que se começasse a sentir sonolento, e
embora fosse ainda muito cedo, optou por ir dormir, pelo que, desligou a potente
aparelhagem sonora, dirigindo-se em seguida para o seu quarto. Assim, quando nos dígitos
vermelhos do rádio relógio apareceram as zero horas, já o jovem estava mergulhado num
tranquilo e profundo sono...
- “ ... Antena 3, falta um minuto para as nove da manhã... Vamos entrar na próxima
hora com... ‘ Crazy ’ dos Aerosmith, depois ...‘ About a Girl ‘ do álbum ‘ Unplugged in New
Yorq ‘ dos Nirvana, e no final da sequência..., ‘ Tudo o que te dou ‘ de Pedro Abrunhosa,...
Deixem-se ficar..., esta é a Antena 3, a partir de Lisboa para todo o país...”
Jorge deu meia volta na cama, e ficou mais um pouco deitado, ouvindo com atenção
os temas musicais que o locutor anunciara alguns instantes antes. A muito custo, lá se
resolveu por fim a levantar, encaminhando-se apressadamente para o quarto de banho, não
sem antes ter aumentado o volume ao rádio, de modo a continuar a ouvir música, enquanto
se aprontava para mais um longo dia de aulas, como ele muitas vezes gostava de referir...
Depois de trancar as portas do vistoso BMW M3 coupé amarelo, Jorge deu uma
rápida mirada aos ponteiros do seu relógio de pulso. Eram então exactamente dez e um
quarto da manhã... O jovem, olhou ainda receoso para as muitas e ameaçadoras nuvens que
cobriam totalmente o habitual azul do céu, atravessando em seguida a estrada ainda molhada
pela chuva que caíra com persistência durante quase toda a madrugada. Por fim, cruzou a
entrada da sua faculdade, dirigindo--se de imediato para o edifício principal, para se proteger
melhor do intenso frio que se fazia sentir...
- Hei,... então... - chamou uma voz feminina quando Jorge entrou no enorme corredor
que dava acesso às salas do 2º piso - Já não ligas às colegas - insistiu a voz, quando ele
finalmente se voltou para trás, deparando-se com três caras conhecidas.
- Sofia!?... Joana!?... - exclamou surpreendido - Não era suposto ficarem no Porto até
segunda? - inquiriu, cumprimentando as três raparigas com um beijo na face.
- Bom, resolvemos voltar mais cedo - respondeu a atraente jovem dos cabelos louros,
que inicialmente o chamara, sem no entanto revelar o motivo pelo qual haviam decidido
antecipar o regresso.
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- Ainda bem que voltaram mais cedo... - começou Jorge com uma expressão grave -
...estou preocupado com a Rita...
- Nós sabemos... - principiou a outra, olhando o colega fixamente através dos seus
lindos olhos, que não tinham uma cor definida, embora se situassem algures entre o azul e o
verde - ...a Rita quando ontem nos visitou pôs-nos a par da história toda - esclareceu por fim.
- Fico mais tranquilo, agora que sei que vocês regressaram - observou Jorge aliviado,
olhando para o relógio de pulso.
- Tens alguma aula agora? - indagou Rita, apercebendo-se da insistência com que o
colega olhava para o relógio.
- Sim. Na verdade, já estou atrasado quase um quarto de hora, e hoje era conveniente
chegar a horas...
- Tu..., chegares a horas..., a uma aula!? - exclamou rindo a bela e atraente jovem dos
cabelos louros - Estiveste a beber? - perguntou brincando.
- Não! - respondeu Jorge, compreendendo que a rapariga estava a entrar com ele -
Agora a sério, a aula de hoje é muito importante... Além disso, ontem dei folga ao professor,
por isso...
- Ó Sofia, vai chamar um médico!... - insistiu a outra, interrompendo-o de novo - Ele
está mesmo doente!... Agora até já quer ir às aulas! - prosseguiu dando-lhe uma palmada
amigável nas costas - Desde quando é que há aulas importantes? - inquiriu indignada,
estendendo os braços em sinal de reprovação...
- É um brincalhão este Jorge! - exclamou divertida a colega, cujos olhos de uma cor
indefinida tanto fascinavam o rapaz, fingindo não o levar a sério.
- Bom, tenho mesmo que ir andando... - concluiu, suspirando longamente, dando dois
passos na direcção do corredor.
- Queres jantar connosco? - convidou ainda Rita.
- Aaaaaa... - principiou, fazendo uma pausa para pensar - Hoje jantamos em minha
casa! - Vou buscá-las às sete, o.k.? - terminou, encaminhando-se apressadamente para a
sala de aulas, deixando as três raparigas conversando animadamente à entrada do
corredor...
Alguns minutos depois do meio-dia, Jorge, abandonou o recinto da faculdade,
despedindo-se da colega, logo após ambos terem cruzado o enorme portão. Ela, seguiu para
uma estreita e pouco movimentada travessa, enquanto que o jovem estudante continuou em
frente, descendo até uma ampla praça, que se encontrava quase deserta àquela hora. Em
seguida, atravessou a estrada entrando no snack-bar, onde almoçava sempre que não tinha
tempo para ir a casa, e que não ficava muito longe da sua faculdade...
Optou por um hambúrguer com batatas fritas e salada, que lhe puseram à frente
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poucos instantes depois, bem como a cerveja que tinha pedido para acompanhar o prato
principal. Para terminar, saboreou uma deliciosa sobremesa, bebendo ainda o habitual café.
Por fim, pegou nos livros, pagou a despesa, saindo de imediato.
Como lhe restava ainda bastante tempo antes da aula seguinte, foi caminhando
tranquilamente até ao seu espectacular BMW, sentando-se descontraídamente no assento do
condutor. Inclinou um pouco as costas do banco, de modo a ficar mais confortavelmente
instalado, ligando também o potente auto-rádio que se encontrava montado na consola
central do automóvel. Depois, fechou os olhos, ficando a ouvir a excelente música que estava
a ser transmitida pela estação de rádio que sintonizara. Contudo, alguns minutos mais tarde o
jovem dormia profundamente, totalmente alheado do intenso movimento naquela rua. De
súbito, porém, um veículo que circulava próximo travou bruscamente, buzinando com
insistência. O irritante ruído da buzina, depressa chegou aos ouvidos de Jorge, que despertou
de imediato, compreendendo instintivamente que se deixara dormir...
- Merda!... Já estou atrasado, ...que porra!... - disse, enquanto olhava muito pouco
satisfeito para o seu relógio de pulso, e pegando precipitadamente nos livros que estavam
sobre o assento ali mesmo ao seu lado abriu a porta do BMW sem perder mais tempo.
Depois, encaminhou-se apressadamente para a faculdade que não ficava muito longe
do local em que se encontrava...
...
- Uaaaaaaauuuu!!!... - exclamou Jorge surpreendido, quando Joana lhe abriu a porta
de entrada do apartamento que dividia com Rita e Sofia - Tu estás..., a... um... espanto! -
concluiu observando boquiaberto a colega que, estava de facto deslumbrante...
- Não queres entrar enquanto elas não vêm? - convidou a jovem dos cabelos louros,
que naquela noite usava um lindo vestido negro, que não só realçava o sensual corpo da
jovem, como também os seus magníficos cabelos.
- Elas não demoram muito, pois não? - indagou Jorge, algo inquieto.
- Acho que não... - principiou a rapariga - ... mas há algum problema?
- Bem..., é que..., deixei o carro estacionado à balda, e estou com medo, não apareça
a bófia e se ponha a implicar. - esclareceu ele, encostando-se ao corrimão de madeira da
escada - A última vez, avisaram-me que não me voltavam a perdoar uma multa de
estacionamento... - acrescentou ainda.
- Eu vou ver se elas ainda demoram... - anunciou Joana, desaparecendo no interior da
habitação, perante o olhar atento de Jorge.
- Que corpo espectacular..., ufa!... Qual das três a melhor... - desabafou entredentes,
sorrindo-se cumplicemente dos seus pensamentos mais ousados...
- Vamos?... - inquiriu Joana, regressando acompanhada por Sofia e Rita que vinham
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logo atrás de si.
- É só um jantar garotas!... Não era preciso tanto!... - comentou, enquanto desciam os
quatro as escadas que conduziam à saída daquele prédio de apartamentos - Bem..., assim
sendo, ...tenho uma ideia melhor... - acrescentou, abrindo a porta da frente para que Sofia e
Joana pudessem entrar para os lugares traseiros.
- Em que é que estás a pensar? - inquiriu Rita ardendo em curiosidade, enquanto
Jorge dava a volta para entrar do outro lado.
- Surpresa... - respondeu ele vagamente com um sorriso misterioso, sentando-se ao
volante, e rodando a chave na ignição.
Logo que o ruído do potente motor do BMW M3 coupé se fez ouvir, Jorge engrenou a
primeira velocidade, iniciando suavemente a marcha logo em seguida. Alguns instantes mais
tarde, circulavam numa estrada pouco movimentada em direcção ao sul...
- Não sejas chato... - recomeçou Rita pela milionésima vez - ..diz lá onde vamos!...
- Já não precisas de esperar muito... - respondeu o jovem pacientemente - ...estamos
a chegar - concluiu, apontando para uma construção de um piso único, que se erguia um
pouco mais à frente...
...
- Já escolheram?... - inquiriu delicadamente o empregado daquele restaurante
aproximando-se da mesa que Sofia escolhera.
- Sim... - principiou Jorge, dando uma última vista de olhos pela ementa - ...queremos
quatro doses de Bacalhau com Natas...
- E para beber?... - prosseguiu o outro, enquanto tomava nota daquilo que o rapaz
pedira.
- Para mim uma imperial... - respondeu o jovem, fazendo um sinal às companheiras
para que pedissem a bebida que queriam.
- Pensava que os caloiros só bebiam leite!... - comentou Joana, logo que o empregado
se retirou...
- Ah!... Ah!... Ah!... Que piada!... - brincou Jorge, fingindo-se ofendido pela observação
da colega - E, em relação ao meu convite, já tomaram alguma decisão?
- Bem..., nós estivemos a pensar, e... - começou Sofia, fazendo uma breve pausa,
enquanto bebia um gole do sumo de laranja que o empregado havia acabado de lhe pôr à
frente.
- E...?... - insistiu o companheiro, mostrando-se bastante impaciente.
- Resolvemos aceitar!... - esclareceu por fim, passando os seus finos e doces lábios
pelo guardanapo, terminando finalmente com aquele momento de suspense, para gáudio do
colega que sorria satisfeitíssimo com a notícia - Mas... - acrescentou ainda - tem que ser
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antes das férias de Natal.
- Se quiserem, pode até ser já neste fim-de-semana... Que dizem?... - propôs ele,
pedindo mais uma bebida ao empregado.
- De acordo! - anuíram as três raparigas, após uma breve troca de olhares - Mas tens
a certeza de que não há nenhum inconveniente? - indagaram, ainda hesitantes.
- Absolutamente nenhum! - respondeu o colega decididamente, começando a servir-se
do esplêndido Bacalhau com Natas que o empregado acabara de trazer naquele mesmo
instante. - Só preciso de prevenir a Isabel. Mas quanto a isso, não há problema, ...amanhã
telefono-lhe.
- Então, está combinado. Na sexta, vamos contigo para Santarém...
...
- Vêmo-nos amanhã? - perguntou Jorge, quando o vistoso BMW amarelo parou por
alguns instantes em frente ao edifício em que habitavam as três jovens.
- Não queres subir só por um bocadinho? - convidou Rita, libertando o fecho do cinto
de segurança.
- Sinto muito, mas não posso. Tenho umas tretas para ler, e uns apontamentos para
reler, por isso, não dá - lamentou-se o rapaz, com tristeza, dando um murro no volante do
automóvel.
- Então, vemo-nos amanhã! - concluiu a companheira, despedindo-se dele com um
beijo na face, e abrindo a porta da viatura, deixando que as duas raparigas que seguiam no
assento traseiro pudessem igualmente sair.
- Até amanhã! - disseram simultaneamente Sofia e Joana, que se juntaram no passeio
a Rita, vendo o potente veículo desaparecer rapidamente na curva que ficava algumas
dezenas de metros mais abaixo.
Jorge, após uma noite bem passada na companhia das colegas com quem travara
conhecimento através da prima Ana, dirigiu-se para casa, conduzindo velozmente o
espantoso BMW M3 coupé, que deixou estacionado como habitualmente em frente da
habitação que partilhava com a prima, agora de férias no Brasil. Atravessou tranquilamente a
estrada, olhando fixamente para o céu estrelado, que era iluminado pela luz intensa da lua
cheia, que naquele momento brilhava a descoberto de umas quantas nuvens que se podiam
igualmente observar. Passavam apenas alguns minutos das dez e meia da noite, quando o
jovem rodou a chave na fechadura da porta de entrada da habitação, entrando logo em
seguida...
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Capítulo 3
- Olá, bom dia! - cumprimentou o jovem estudante, chegando junto dos seus colegas
de turma, que aguardavam junto da entrada da sala de aula a chegada do professor de
Direito.
- Chamas bom dia, ...a isto!?... - exclamou uma rapariga, protestando contra o tempo
cinzento, húmido, desagradável e frio que se fazia sentir naquela manhã de Dezembro.
- Não deviam existir aulas de manhã! - prosseguiu um outro, terminando
disfarçadamente um cigarro que acendera poucos tempo antes, visto que não era permitido
fumar nos corredores da faculdade, e naquele momento aproximava-se um funcionário.
- Aulas só um dia por semana, e com férias pagas treze meses por ano! - comentou
de súbito alguém dando origem a uma gargalhada bem-disposta, que fez esquecer por
breves instantes aquela manhã fria e chuvosa.
Em seguida, chegou o professor, cumprimentando delicadamente os seus alunos, e
abrindo a porta, de modo a que todos pudessem entrar.
À aula de Direito, seguiu-se uma outra de Economia, tendo existido de permeio entre
ambas um curto intervalo com uma duração de quinze minutos, que o jovem aproveitou para
rapidamente tomar o pequeno-almoço, num simpático café, que embora minúsculo, não
deixava de ser bastante acolhedor, e que ficava próximo, regressando depois à faculdade, a
fim de assistir à aula de Economia...
Por volta da uma da tarde, quando finalmente terminaram as aulas daquele dia
sombrio, Jorge, dirigia-se apressadamente para o seu automóvel, quando foi interpelado
pelas três raparigas com quem jantara na noite anterior.
- Não queres ir à aula de Inglês por mim? - principiou Rita, brincando com ele,
enquanto se cumprimentavam trocando alguns beijos.
- Não..., ...não me parece que esteja muito interessado na tua extraordinária oferta... -
declarou o jovem rindo, enquanto abria a porta do espantoso BMW M3 coupé, atirando com
os livros que segurava na mão direita para cima do assento contíguo ao do condutor - Não sei
como, nem porquê, mas a verdade, é que recentemente auto-diagnostiquei-me como
extremamente alérgico a aulas, prejudicam seriamente a saúde, especialmente a minha -
prosseguiu, encostando por momentos a porta para que o veículo que surgiu de frente
pudesse passar sem problemas - Mas se quiserem, podemos ir beber qualquer coisa, antes
de eu ir embora, que dizem?...
- Se tu pagares, aceitamos, ...não é? - prontificou-se imediato Joana, trocando um
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olhar cúmplice com as duas companheiras.
- Pago pois!... Vamos!... - propôs ele, pegando nas chaves do automóvel para o voltar
a fechar.
- Ela está a brincar! - explicou Sofia, apontando de imediato para o mostrador do seu
relógio de pulso - Já estamos atrasadas mais de dez minutos, e faltámos às duas primeiras
aulas da semana, por isso temos mesmo que ir - esclareceu por fim.
- Têm a certeza?... - insistiu Jorge, desistindo logo em seguida, quando as raparigas
acenaram com a cabeça, indicando que não podiam mesmo - E que tal jantarmos?
- Hoje não dá... - respondeu Rita muito vagamente, escusando-se a revelar mais
pormenores.
- Porquê? - indagou o jovem não ficando satisfeito com aquela recusa aparentemente
sem justificação.
- Amanhã falamos... - concluiu a colega, fechando-se num enigmático sorriso, e
afastando-se rapidamente com Joana e Sofia - Agora temos que ir... - acrescentou ainda,
encaminhando-se depois as três para o interior do recinto da faculdade, deixando Jorge junto
do seu carro, que apesar de não ter compreendido muito bem a estranha atitude das três
raparigas, entrou no automóvel, não dando demasiada importância ao ocorrido.
- “ Provavelmente devem ter algum trabalho para fazer, e como também já estavam
atrasadas... ” - pensou, rodando a chave na ignição do BMW coupé, e arrancando velozmente
sem perder mais tempo, dirigindo-se para casa.
Depois do almoço, o jovem resolveu telefonar à irmã, para a pôr ao corrente do
convite que fizera às colegas, e que as mesmas haviam aceite. Por isso, pegou no telefone, e
marcou nas teclas correspondentes ao seu número em Santarém. Esperou alguns instantes
até que do outro lado da linha soasse a voz conhecida da irmã, que de imediato disse:
- Ainda bem que telefonas... - principiou a rapariga, com uma voz trémula -
...recebeste a minha mensagem?
- Que mensagem!?... - inquiriu Jorge surpreendido.
- Eu telefonei-te anteontem, e ontem, mas como não estavas, deixei recado no
gravador de chamadas, ...não o ouviste? - insistiu ela.
- Não, mas... passou-se alguma coisa? - perguntou Jorge inquieto, depreendendo pela
voz insegura da Isabel, que algo sucedera.
- Sim... - recomeçou a irmã a medo - Bem, a... eu... tive um acidente com o Ford, na
terça... - concluiu por fim soluçando.
- O quê!?... - exclamou o rapaz, um tanto confuso pela revelação que a irmã acabara
de lhe fazer - Mas..., e estás bem..., isto..., quer dizer, ...tu estás bem? - indagou preocupado
- Não te aconteceu nada?...
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- Não... - disse, soluçando cada vez mais, e começando também a chorar - Não..., não
me aconteceu nada..., mas o carro ficou sem o pára-choques, os vidros dos faróis, e... os
piscas ficaram partidos. Desculpa, ...está bem...?
- Acalma-te... - pediu o jovem, verificando que ela ainda não recuperara do susto -
escuta, ...isso não interessa. O que interessa é que estás bem... Então, ...acalma-te, ...não há
razão para isso... - prosseguiu, tentando confortar e descansar a irmã, minimizando o
problema - Então, ...como é que isso aconteceu?
- Anteontem, quando ia a caminho da escola, ia a parar atrás de uns carro que
estavam parados nos semáforos, ... e quando carreguei no travão o carro continuou a
deslizar, ...e eu para não bater nos que estavam à minha frente, dei uma guinada no volante,
e fui bater de frente num muro... - esclareceu a rapariga um pouco mais serena.
- E depois, ...o que fizeste?
- Depois, ...peguei no telemóvel, e telefonei aos tipos da oficina para irem lá buscar o
carro. Disse-lhes onde estava, e esperei que eles lá chegassem para me vir embora...
- E eles disseram o que foi?
- Sim..., foi falta de travões, ...ao que parece, uma das mangueirinhas do óleo tinha
uma fuga, e o nível estava no zero. Desculpa, ...está bem? - esclareceu Isabel ainda um
pouco perturbada.
- Ouve, já te disse que não há problema nenhum. O que me importa, é que a ti não te
aconteceu nada. Por isso, esquece esse assunto, ...já faz parte do passado, o.k.? - pediu o
irmão, não se preocupando muito com o sucedido - E, a propósito, ...quando é que te
devolvem o carro?
- Já cá o tenho. Vieram-no entregar hoje de manhã, e até já paguei o arranjo. Antes do
almoço fui dar uma volta com ele, e fiquei contente porque tiraram aquele baralho que eu te
disse, e tiraram aquele risco que tu fizeste na porta.
- Ainda bem. Pronto, ...então podes esquecer isso duma vez por todas. Tiveste um
acidente, e daí?
- Sim, vou fazer como dizes... - respondeu a irmã muito mais calma - Mas, diz-me uma
coisa, ...se não recebeste o meu recado, porque razão telefonaste?
- Ah! É verdade, ainda bem que me lembras, que eu com esta história já me estava a
esquecer!... A Rita, a Sofia, e a Joana resolveram finalmente aceitar o meu convite para
passarem o fim-de-semana connosco, e eu queria prevenir-te que elas amanhã vão comigo -
explicou Jorge, esperando que a irmã não visse qualquer inconveniente em relação àquele
assunto - Não te importas, pois não?
- Não, claro que não! Na verdade, ainda bem que as trazes... Estou ansiosa para as
conhecer...
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- Pronto, está assente. Obrigada! - agradeceu Jorge contente pelo anuimento pronto
da irmã - Bem, então posso ficar descansado que tu estás bem, ...certo? - insistiu de novo o
rapaz, querendo certificar-se que de facto Isabel não sofrera quaisquer danos físicos.
- Sim, ...podes ficar descansado, que eu estou óptima. Só tenho uma nódoa negra no
joelho direito, e ontem doía-me um bocadinho a barriga... - respondeu a rapariga
convictamente.
- E foste ao médico? - indagou o irmão
- Não, ...não é necessário... Isto foi só o susto, e aquilo do carro, portanto fica
tranquilo... - esclareceu ela - E, ...mudando de assunto, a que horas chegas amanhã?
- Não sei bem...
- Mas, ...não estás a contar chegar tão tarde como na semana passada, pois não?
- Livra!... Espero bem que não!... Já me chegou uma vez, porra!... Não estou muito... -
principiou, interrompendo-se logo em seguida - Olha, vou ter que desligar, está alguém a
tocar à campainha... Vemo-nos amanhã, está bem? Um beijinho... - concluiu, pousando
rapidamente o auscultador do telefone e, precipitando-se para a porta de entrada, quando
uma vez mais o ruído da campainha ecoou pelo corredor...
- Boa tarde! - cumprimentou o carteiro, quando Jorge abriu finalmente a porta,
recebendo das mãos do indivíduo um pequeno volume e duas cartas.
- Obrigado!... - agradeceu o jovem delicadamente, voltando a entrar em casa, e dando
uma vista de olhos pelo correio, constatando com alguma surpresa que a única
correspondência que lhe era dirigida, tinha o remetente do Rio de Janeiro, Brasil...
Espantado, abriu rapidamente o envelope, desdobrando de imediato o papel que este
trazia no seu interior... De imediato reconheceu a letra de Ana...
“Jorge, espero que esteja tudo bem por aí. Isto aqui é espectacular. O Rio de Janeiro é uma cidade enorme, e
igualmente linda. As praias são maravilhosas, com areais longuíssimos, e águas límpidas e cristalinas. A vida
nocturna é agitadíssima e as discotecas muito animadas, estão sempre cheias. Eu e o Rui estamos óptimos, e temo-nos
divertido imenso. Espero que tu estejas a aproveitar a minha ausência para fazeres o mesmo.
‘Quem disse que a vida não é bela?’
Um beijo meu e da Paula, e um abraço do meu pai, e outro do Rui.
Mil beijinhos da tua prima:
Ana “
Jorge, sentou-se confortavelmente na cadeira do escritório, e após ter ligado o
computador foi observando com atenção a restante correspondência que era dirigida à prima,
enquanto esperava que o jogo que escolhera entrasse, e com o qual se ocupou durante
Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo
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bastante tempo. Por volta das cinco e meia da tarde, o jovem entrou na cozinha, e depois de
beber um copo de água, dirigiu-se para a sala de estar, levando consigo uma apetitosa maçã.
Pegou no livro que começara a ler há já algumas semanas, instalando-se no acolhedor sofá
de pele, trincando descontraidamente a suculenta maçã e lendo em simultâneo. A leitura
ocupou-o por completo até próximo das oito horas, quando por fim ficou a conhecer o
desenlace da história. Nessa altura, voltou a dirigir-se para a cozinha, a fim de preparar o
jantar. No congelador do frigorífico encontrou uma embalagem de lasanha, que apenas teria
de aquecer no forno micro-ondas, para que esta estivesse pronta a comer. Quando por fim
aquela refeição rápida ficou pronta, Jorge abriu o forno e usando uma luva para não se
queimar, pegou no prato em que espalhara a lasanha, pousando-o sobre a mesa.
- Porra..., esqueci-me outra vez de comprar cerveja! - exclamou, pegando desiludido
numa lata de sumo de laranja, continuando a lamentar-se pelo seu esquecimento, sentando-
se finalmente à mesa.
A seguir à refeição o jovem juntou toda a louça que utilizara e arrumou-a
cuidadosamente no interior da máquina de lavar, onde já se encontrava também uma
quantidade apreciável de louça suja. Por isso, Jorge decidiu-se a premir o botão que fazia
funcionar o aparelho de modo a que este pudesse lavar tudo aquilo que ele fora acumulando
às refeições durante vários dias. Mais tarde, voltou a sentar-se comodamente no confortável
sofá da sala de estar, descansando as pernas, como era hábito em cima da pequena e
elegante mesa de madeira escura que se encontrava ao centro da dependência, enquanto
esperava pelo filme que ia ser transmitido por um dos canais de televisão naquela noite...
A manhã seguinte surgiu de novo escura e fria à semelhança do dia anterior, e
embora não chovesse, a verdade é que o intenso nevoeiro que se formara durante a noite,
tornava mais desolador um cenário que era por si só suficientemente sombrio. Por sorte,
Jorge não tinha qualquer aula naquela manhã, pelo que já passavam alguns minutos do
meio-dia, quando por fim ele se decidiu a sair debaixo do aconchego que lhe era
proporcionado pelos inúmeros cobertores que tinha na sua cama, dirigindo-se de imediato
para o quarto de banho a fim de tomar o seu habitual duche matinal, que tanto apreciava.
Logo após terem soado as treze horas no antiquíssimo relógio da sala de estar, Jorge,
terminou o almoço, e precipitando-se para a entrada da habitação, pegou apressadamente
nos seus livros, saindo rapidamente, e fechando a porta atrás de si com um provocando um
estrondo enorme. Depois, em passo de corrida, encaminhou-se para o espantoso BMW M3
coupé, que permanecia estacionado em frente da habitação. Já no interior do automóvel,
rodou a chave na ignição, arrancando de uma maneira um tanto brusca, o que provocou que
os pneus do veículo tivessem deixado alguma borracha agarrada ao asfalto irregular daquela
estrada. Um pouco mais à frente, o jovem virou à direita num cruzamento, tomando o
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caminho que conduzia a Coimbra...
- Jorge!... Jorge!... - gritou uma voz ao longe, no momento em que ele cruzava os
portões da faculdade - Estamos aqui!... - anunciou a voz, quando finalmente o jovem se virou
para trás, reconhecendo surpreendido as três colegas que ocupavam uma mesa na
esplanada daquele pequeno café que ficava próximo da faculdade.
- Queres beber alguma coisa? - inquiriu Rita, convidando-o a sentar-se, logo que ele
chegou junto delas, após ter atravessado a estrada.
- Pode ser um café... - pediu o jovem, quando o empregado se aproximou da mesa
que ocupavam - Então, está tudo bem?
- Sim... - principiou Sofia, trincando mais um pedaço do cremoso bolo que tinha num
pequeno prato mesmo à sua frente - Queríamos saber a que horas nos vais buscar?
- Bem, ...eu saio às ...seis e meia - começou ele, fazendo uma curta pausa para
pensar - ...portanto, ...estejam prontas às sete menos um quarto - concluiu, abrindo uma
saqueta de açúcar, e despejando o seu conteúdo no interior da chávena de café que o
empregado acabara de pousar sobre a mesa.
- Avisaste a Isabel? - inquiriu Joana, prosseguindo após um aceno afirmativo do
colega - Ela não se importa?
- Não, claro que não! Na verdade, ela até ficou bastante contente com a notícia, e ao
mesmo tempo, também um pouco mais animada... - esclareceu Jorge, terminando
rapidamente o seu café, e dando a entender que algo sucedera com a irmã.
- Passa-se alguma coisa? - indagou Rita curiosa, depreendendo pelas palavras do
companheiro que tinha acontecido qualquer coisa com Isabel.
- Ela teve um acidente com o nosso Ford Escort RS Cosworth, na terça... - respondeu
vagamente o jovem, pegando nos seus livros - Mas felizmente, segundo ela me disse foi só
um grande susto. Ela está óptima, e o carro também não deve ter sofrido muito, uma vez que
também já está arranjado - acrescentou por fim, resumindo aquilo que a irmã lhe dissera na
véspera pelo telefone, e levantando-se da cadeira - Bem, eu tenho que ir embora, que já
estou demasiado atrasado...
- Tu tinhas aulas agora!?... - perguntou Joana, olhando-o surpreendida, através dos
seus magníficos olhos azuis - Então pira-te que nós pagamos isso!... - ordenou, após mais
um sinal afirmativo do rapaz, que puxava da carteira para pagar a despesa.
- Está bem! - concordou ele, voltando a guardar a carteira no bolso traseiro dos jeans
enquanto se despedia das três raparigas - Então até logo, ...às sete menos um quarto! -
disse, afastando-se apressadamente logo em seguida...
...
- Bom fim-de-semana, pá!...
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- Obrigado! Para ti também! - agradeceu Jorge, retribuindo as palavras simpáticas do
colega, enquanto abria a porta do BMW amarelo, entrando de imediato no elegante
desportivo...
Quando já estava próximo do prédio no qual as três colegas dividiam um apartamento
o rapaz, lembrou-se de súbito da bagagem que preparara na noite anterior para levar no
regresso a Santarém, e da qual se esquecera por completo, quando já de tarde saíra
precipitadamente de casa. Daí, que tenha feito meia volta, e resolvido ir primeiro à casa que
partilhava com a prima buscar os dois sacos de viagem que estavam no hall de entrada,
mesmo junto à porta. Jorge, pegou nos dois volumes, e sem perder mais tempo, dirigiu-se
apressadamente para o automóvel cujo motor nem se dera ao trabalho de desligar,
arrancando bruscamente, tomando o caminho de volta a Coimbra. Cerca de dez minutos
mais tarde, voltou a sair apressadamente do BMW M3 coupé que conduzia, dirigindo-se para
a entrada do edifício onde habitavam as três raparigas. Subiu os degraus da escada dois a
dois, e não demorou muito até que chegasse ao segundo andar, carregando duas vezes no
botão da campainha correspondente ao apartamento do lado direito. Poucos segundos
volvidos, a porta abriu-se, aparecendo a cabeça de Rita.
- Estão prontas? - inquiriu o rapaz, avançando para o interior da habitação,
observando umas quantas malas de viagem que se encontravam logo ali à entrada, no
momento em que Sofia e Joana surgiram trazendo às costas uma pequena mochila cada -
Podemos ir?
- Onde estiveste? - indagou rispidamente a atraente rapariga dos cabelos louros
fingindo-se zangada - Estás quase meia hora atrasado!...
- Também não é tanto assim... - defendeu-se ele, olhando para o seu relógio de pulso
- ...são só vinte minutos... Então, estão prontas?
- Sim, só temos que levar estas malas para baixo... Importas-te? - pediu Rita, olhando
para ele e apontando simultaneamente para os quatro volumes que estavam cuidadosamente
dispostos mesmo ali à sua frente
- Não, claro que não! - respondeu Jorge, pegando cavalheirescamente em duas das
malas, e dirigindo-se para o patamar exterior - Trazem tudo?...
- Sim, está tudo aqui, e é só a Joana fechar a porta que vamos já... - replicou Sofia,
agarrando numa mala, enquanto que Rita pegava na última, e Joana tirava do bolso um
molhe chaves a fim de fechar a porta de entrada.
Os quatro jovens, desceram tranquilamente os vários lanços de degraus, até
chegarem à saída do edifício. Depois Jorge, abriu o espaçoso porta-bagagens do BMW
coupé, e juntou aos dois sacos de desporto que fora buscar a casa, os quatro volumes
pertencentes às colegas. Em seguida, deu a volta ao automóvel, entrando também ele no
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interior do veículo, ocupando o lugar do condutor. Por fim, iniciou cautelosamente a marcha,
dirigindo-se a velocidade moderada para a via de acesso à auto-estrada, por força do intenso
tráfego que se registava àquela hora.
Eram sete e meia da tarde, quando o BMW amarelo parou na portagem da via rápida.
Jorge abriu o vidro, e esticando o braço esquerdo retirou o título que devia entregar à saída.
- Segura nisto, por favor... - pediu a Rita, que seguia a seu lado, entregando-lhe o
pedaço de papel, e arrancando sem perder mais tempo.
- Queres que eu guarde? - sugeriu a colega, colocando o tiket no bolso dos seus
jeans...
- Sim, se não te importas. E é melhor pores o cinto... - aconselhou, reparando que Rita
não fazia uso do cinto de segurança.
Enquanto que nos lugares da frente Rita e Jorge conversavam animadamente, lá
atrás, Sofia e Joana permaneciam aparentemente silenciosas, escutando com atenção o
desenrolar da conversa entre os dois primeiros...
- Trouxeste aquilo? - indagou a dada altura Sofia, falando ao ouvido da colega que
seguia ao seu lado.
- Que disseste...? - perguntou a outra talvez um pouco mais alto do que devia,
recebendo por isso uma cotovelada.
- Cala-te que eles podem ouvir!... - ordenou-lhe de imediato a rapariga furiosa,
suspirando de alívio, uma vez que nem Jorge, nem Rita se aperceberam da suspeita troca de
palavras em surdina, que se desenrolava no assento traseiro - Eu perguntei se não te
esqueceste de trazer “ aquilo “...
- Fica descansada que está tudo aqui dentro... - esclareceu Joana falando baixinho, e
apontando para a mochila que estava junto aos seus pés.
- Se a Rita alguma vez te perguntar por isto, tu não sabes de nada... - recomendou ,
sussurrando-lhe ao ouvido - Se ela descobre o que vamos fazer, ...estamos fritas...
- Não te preocupes... - principiou a sedutora jovem dos cabelos louros - ...olha bem
para ela, está completamente caídinha por ele...
- E ele por ela... - observou Sofia com perspicácia, trocando um olhar cúmplice com a
amiga.
- ...Então, ...não dizem nada? - indagou de súbito Jorge, levantando um pouco a voz,
falando para Sofia e Joana, que continuavam entretidas, conversando em surdina - Joana!?...
Sofia!?... - chamou ele observando-as pelo espelho retrovisor.
- Diz, ...o que é?... - respondeu Joana, levantando a cabeça um tanto comprometida.
- Eu e a Rita estávamos a combinar darmos um passeio amanhã ou no Domingo para
vocês ficarem a conhecer um pouco do Ribatejo, ...o que acham?
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- Óptima ideia!... - concordaram ambas prontamente.
- Gostávamos imenso! - acrescentou Sofia.
...
- Vou ter que parar ali à frente em Pombal para meter gasolina... - anunciou Jorge,
quando passavam a grande velocidade por uma placa que indicava a distância a que se
encontravam da Área de Serviço mais próxima.
Alguns instantes mais tarde o BMW amarelo desviou-se da auto-estrada, entrando na
via de acesso ao posto de abastecimento. Após o veículo se ter imobilizado surgiu o
gasolineiro ao qual o rapaz entregou a chave que abria o depósito de combustível do
automóvel...
Minutos depois, quando já rodavam de novo na auto-estrada, foram surpreendidos por
alguns pingos de água que à medida que o tempo passou foram aumentando
progressivamente, até que a dada altura chovia quase diluvianamente. Por volta das oito e
meia, passavam ao lado de Leiria, e mais tarde próximo de Fátima, onde os esperava uma
surpresa desagradável; à chuva que caía torrencialmente, juntou-se-lhe também um nevoeiro
muito intenso o que obrigou Jorge a reduzir ainda mais a velocidade por força das difíceis
condições de visibilidade.
- Se isto continua assim até Santarém, não chegamos lá hoje!... - observou o jovem,
mostrando-se bastante desagradado com o mau tempo.
- Ainda falta muito? - indagou Rita lá de trás, que aquando da paragem na Área de
Serviço de Pombal havia trocado de lugar com Joana.
- Um pouco, ...mais ou menos cinquenta quilómetros, e se apanhamos nevoeiro aqui,
o mais certo é termos que o aguentar até Torres Novas. Talvez...
- E falta muito para Torres Novas? - interrompeu Sofia.
- Cerca de vinte quilómetros... - esclareceu Jorge, guiando com perícia naquelas
condições tão adversas...
...
- É naquele prédio lá ao fundo... - disse o rapaz, respondendo à pergunta de Joana,
apontando também para a enorme construção que fora erguida no final da rua em que
circulavam - Vamos entrar pela garagem subterrânea... - prosseguiu, contornando o edifício,
enquanto procurava simultaneamente no tablier do veículo o controlo-remoto que fazia abrir o
portão que dava acesso à cave do prédio.
Jorge deixou o BMW coupé estacionado não muito longe do elevador, e logo que abriu
a porta do automóvel, repetiu o gesto com o comando à distância, para que o portão fechasse
de novo. Ainda antes de sair do interior do espantoso coupé amarelo, puxou a alavanca que
se encontrava ao lado do assento do condutor para que se abrisse o porta-bagagens,
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puxando depois para fora todas as malas, que pousou com cuidado no chão, transportando-
as logo em seguida para o elevador. Após todos terem entrado, Rita premiu o botão no qual
estava inscrito o numero nove, e o elevador iniciou lentamente a ascensão...
- Isabel!... Onde estás? - gritou Jorge, pousando a bagagem no chão do hall de
entrada do apartamento, fazendo um sinal às colegas para que fizessem o mesmo.
- Estou aqui, ...na sala, ...eu vou já!... - respondeu uma voz feminina do interior da
habitação - Olá!... - cumprimentou a rapariga surgindo de súbito à entrada do corredor,
dirigindo-se a Jorge, e abraçando-o com ternura - Por fim chegaste, já começava a ficar
preocupada...
- Havia nevoeiro na Serra D’Aire... - esclareceu o jovem - Bom, mas isso não
interessa... Olha, estas são as colegas de quem te falei: esta é a Rita, a Sofia, e aquela é a
Joana - disse, apontando respectivamente para cada uma delas à medida que ia
pronunciando os seus nomes - E esta, é a Isabel, a minha irmã - acrescentou, apertando
contra si o corpo frágil e delicado da irmã.
- Pára... - protestou ela, rindo-se divertida - Está quieto, ...estás a fazer-me cócegas,
...pára, ...por favor...!...
Isabel conseguiu por fim libertar-se dos braços fortes que a envolviam, e
cumprimentando delicadamente as colegas do irmão, convidou-as para a enorme e
acolhedora sala de estar, onde na lareira ardia um agradável fogo que aquecia e tornava mais
agradável aquele espaço.
- Que bela casa! - observou Joana, sentando-se no confortável sofá de pele em frente
da lareira.
Isabel não respondeu ao comentário da lindíssima rapariga dos cabelos louros,
limitando-se a sorrir, e anunciando que ia ver se o jantar já estava pronto saiu,
encaminhando-se para a cozinha. No entanto as visitas insistiram em ajudar, e juntas
esticaram uma toalha de linho branco sobre a mesa da sala de jantar, distribuindo depois
cinco pratos, e igual número de copos, talheres e guardanapos.
- Isto está óptimo! - observou Rita, saboreando mais um pouco do suculento assado
que Isabel preparara para a refeição - Batatas assadas com carne de... ...de quê...? -
indagou, virando-se na direcção da irmã de Jorge que ocupava um dos topos da mesa.
- É cabrito assado...
- Cabrito, ...hem, acho que nunca tinha provado.
- Gosto mais de javali... - interrompeu Jorge bebendo um gole de sumo de laranja.
- Javali!?... - exclamou surpreendida Sofia.
- Sim, tem uma carne muito saborosa e compacta, muito diferente daquilo a que
estamos habituados - explicou o anfitrião, ajudando a irmã a recolher os pratos, depois de
Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo
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todos terem terminado.
Isabel pegou na louça que havia sido utilizada durante a refeição, e desapareceu no
corredor em direcção à cozinha. O irmão acompanhou-a, regressando pouco tempo depois,
trazendo um prato, sobre o qual se podia observar um apetitoso bolo gelado. atrás dele surgiu
Isabel com taças e talheres para todos.
- Espero que gostem disto... - principiou a rapariga, cortando a deliciosa sobremesa
em fatias - porque foi tudo o que consegui encontrar. hoje saí muito tarde, e já não tive tempo
para fazer nada. - acrescentou ainda, entregando uma taça a Rita, que agradeceu sorrindo...
Depois de terem terminado a refeição, Jorge propôs que fossem beber um café à
pastelaria que ficava ali próximo. Porém, Sofia lembrou que já passavam alguns minutos das
onze horas, pelo que os cinco jovens optaram por se sentarem nos confortáveis sofás da sala
de estar, em frente da acolhedora lareira, vendo o filme que Isabel alugara no clube de vídeo,
nessa mesma tarde.
Quando por volta da uma hora da manhã o filme terminou, Joana sugeriu que fossem
dormir, o que agradou a todos, pelo que foram buscar as malas que haviam deixado no hall
de entrada. Depois, Jorge distribuiu pelas três visitas os quartos que estavam vagos,
entregando a cada uma das colegas a respectiva bagagem.
- Aquela porta ali..., é da casa de banho privativa - indicou a Rita, que ficara com o
último quarto - Boa noite e até amanhã!... - acrescentou ainda.
- Então, ...até amanhã!... - respondeu a jovem, empurrando a porta até esta ficar presa
no trinco.
Após Rita, Sofia e Joana terem sido instaladas, Jorge e Isabel subiram tranquilamente
os degraus que conduziam aos seus quartos. Já no piso superior, depois de se abraçarem
com ternura, trocaram um beijo na face, e despediram-se com um “ Boa Noite! “.
Por fim, Jorge entrou no seu quarto, e fechando a porta dirigiu-se para o seu quarto de
banho privativo, regressando poucos minutos volvidos já preparado para dormir. Por isso,
enrolou-se confortavelmente nos lençóis, desligando o pequeno candeeiro da mesinha de
cabeceira em seguida. não tardou muito até que os cinco jovens dormissem profundamente e
aquele magnífico apartamento estivesse mergulhado num silêncio quase absoluto...
A meio da noite, porém, a tranquilidade reinante foi subitamente interrompida... A dada
altura, o ruído de uma porta a ranger fez-se ouvir... Alguém circulava pela casa... Um vulto
sinistro foi sucessivamente abrindo as portas de todos os quartos de dormir, espreitando para
o seu interior, procurando talvez certificar-se de que todos os ocupantes da casa dormiam.
Depois, movendo-se silenciosamente a misteriosa personagem dirigiu-se para a sala... Sem
fazer barulho, abriu várias gavetas da enorme estante, afastou alguns livros, voltando a
arrumar tudo cuidadosamente... De súbito, ouviu-se novo ruído; desta vez a madeira a
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estalar, precedida de uns quantos passos que pareciam vir da escada e se aproximavam
depressa... O intruso, agindo quase por instinto ocultou-se rapidamente atrás de um dos
mapples, arrastando consigo o cinzeiro de metal que caiu com estrondo sobre o chão... De
imediato a sala ficou iluminada, e um segundo indivíduo penetrou no seu interior... Era Jorge,
que olhava surpreendido para todos os lados, pegando confuso no pequeno objecto de metal,
e voltando a colocá-lo sobre a elegante mesa de madeira que servia de objecto de decoração
àquela divisão. Antes de sair, deu ainda uma última vista de olhos sobre a sala, e não
encontrando nada fora do comum, desligou o interruptor, e afastou-se tomando a direcção da
cozinha... Aí, tomou um copo de água fresca, e regressou ao seu quarto...
Entretanto, o que se passara com a misteriosa personagem que se refugiara
precipitadamente atrás de um dos sofás individuais quando escutara os primeiros ruídos...?
Aparentemente nada, pois permanecia ajoelhada no mesmo local em que se escondera
momentos antes... Logo que pressentiu que Jorge fechara a porta do seu quarto, o vulto
voltou a movimentar-se, e erguendo-se, continuou a sua estranha busca... Depois da sala de
estar, dirigiu-se ao escritório, revistando todas as gavetas da secretária sobre a qual se
encontrava um computador pessoal. Na segunda, encontrou um rolo de fita-adesiva, que tirou
para fora, cortando duas tiras que colou no estranho objecto que segurava na mão esquerda.
Em seguida, abriu a última gaveta da secretária, , e tirando-a para fora, colou sob o seu
fundo o bizarro volume... Por fim, voltou a colocar a gaveta no seu devido lugar, pegando
também no rolo de fita-adesiva... Porém, logo a seguir ouviu-se novo ruído... Alguém acabara
de entrar na cozinha. Aquela misteriosa personagem arrumou a fita no seu lugar, e sem
hesitar abandonou o escritório, fechando cuidadosamente a porta, e indo discretamente
espreitar quem estaria a pé àquela hora; era Isabel, que encostada a u armário trincava
descontraidamente uma maçã. Esta, viu uma sombra em movimento, e intrigada correu para
fora da cozinha... O indivíduo, quando pela atitude de Isabel suspeitou que a sua presença
fora detectada, esgueirou-se rápida e silenciosamente para o escuro corredor,
desaparecendo em seguida, pelo que, quando Isabel chegou à entrada do mesmo e não
vislumbrou nada de anormal, acabou tranquilamente de saborear o fruto, regressando depois
ao seu quarto... Eram então cinco e meia da madrugada, e aquele apartamento voltou a ficar
mergulhado num silêncio quase absoluto...
...
- Naquele armário encontras melhor que isso... - principiou Jorge, entrando na cozinha
ainda em roupão, e encontrando Sofia que já pronta tirava pacientemente a pele a um kiwi.
- Caramba, assustaste-me!... - exclamou a colega que não se apercebera da presença
do rapaz, dando um salto e deixando cair o fruto.
- Olá, ...bom dia! - cumprimentou o jovem - Desculpa, não quis assustar-te... -
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prosseguiu - ... mas deve haver para aí bolachas e biscoitos, por isso serve-te à vontade
enquanto eu vou tomar um duche.
Jorge terminou a frase, e sorrindo afastou-se tranquilamente em direcção ao seu
quarto de dormir. Quando alguns minutos mais tarde o jovem reentrou na cozinha, Sofia já lá
não se encontrava. Tirou uma porção de biscoitos de chocolate do interior do pacote que a
colega deixara sobre a mesa, e resolveu procurá-la. Tentou em primeiro lugar na sala de
estar, mas um ruído vindo do escritório chamou-lhe a atenção, pelo que para lá se
encaminhou sem grandes pressas. pela nesga da porta entreaberta, avistou a rapariga, que
parecia entretida com um jogo de computador.
- Não sabia que gostavas destas coisas!...
- Tu..., ...outra vez!... Já é a segunda vez hoje... Queres matar-me de susto? - acusou,
fingindo-se indignada.
- Tenho aí jogos melhores que esse! - principiou Jorge, puxando uma cadeira, e
sentando-se ao lado de Sofia.
- Também queres jogar?
Os dois passaram um pedaço divertido, competindo um contra o outro num simulador
de corridas de automóveis. Algum tempo depois, a porta do escritório voltou a abrir-se, e
apareceu a cara de Joana, que rindo foi perguntando:
- Posso juntar-me à festa?
- Podes, ou melhor, até me podes substituir, enquanto eu vou acordar a minha irmã.
Temos que aproveitar hoje, uma vez que não está a chover, para darmos o tal passeio pelo
Ribatejo... - esclareceu, cedendo o seu lugar à recém-chegada, e saindo em seguida.
Após Jorge ter fechado a porta, e os seus passos terem deixado de se ouvir, Sofia
perguntou com uma expressão pouco inocente.
- Já te livraste daquilo?
- Sim... - respondeu a outra, e baixando a voz, prosseguiu cumplicemente quase em
surdina - ...mas quase fui apanhada por duas vezes. Quando estava na sala à procura de um
esconderijo para aquilo, apareceu o Jorge, que não me descobriu por pouco... Depois,
quando tinha acabado de esconder os negativ...
- Chiiiiuuuuuuu!!!... Cuidado, - avisou Sofia - ...não fales nisso, ...pode aparecer
alguém! Então e depois, ...que aconteceu...? - indagou por fim.
- Quando eu acabei, ouvi um barulho na cozinha; ...era a Isabel. Como ela estava
distraída, aproveitei a altura para me pôr ao fresco, ...mas ela deve ter-me topado, porque
veio atrás de mim...
- E apanhou-te?
- Não, quando chegou à entrada do corredor, e não viu ninguém, desistiu, e voltou
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para a cozinha...
- E aonde é que os escondeste?
- Estão aqui... - respondeu a atraente jovem dos cabelos louros, abrindo a última
gaveta da secretária sobre a qual estava o computador, e mostrando à companheira onde
estava escondido o objecto de que tanto se queriam ver livres...
- Guarda isso, porra!... - ordenou Sofia rispidamente - E não digas nada à Rita, está
bem? - insistiu ainda.
- T’ ás louca! - replicou a outra, voltando a colocar a gaveta no seu lugar - Se ela
descobrisse, dava cabo de nós!...
Estava então desvendado o enigma acerca da misteriosa personagem que durante a
madrugada anterior vagueara pelo apartamento. Fora Joana, que errara pela habitação na
tentativa de esconder o volume que acabara de mostrar à sua cúmplice. esta situação era no
mínimo bizarra; porque teriam as duas raparigas teriam escolhido a casa de Jorge e Isabel
para ocultarem tão suspeito objecto, e porque razão insistiam em não dar a conhecer o facto
à companheira e amiga, Rita.
Entretanto, e enquanto se desenrolava tão comprometedora conversa, o anfitrião fora
despertar a irmã. Porém , após ter entrado no quarto dela, o jovem compreendeu que Isabel
já se levantara, e estaria provavelmente naquele momento debaixo do chuveiro, pois de onde
estava o rapaz ouvia nitidamente o som da agua a cair na superfície da banheira. Por isso,
Jorge saiu, e desceu os degraus que conduziam ao piso inferior. Depois encaminhou-se para
o quarto em Rita ficara instalada, e bateu levemente três vezes, chamando em simultâneo
pela jovem. Não obtendo qualquer resposta, rodou a maçaneta, e entrou, deixando a porta
entreaberta. Sem ruído, aproximou-se da cama, e ajoelhou-se junto da mesinha de cabeceira,
contemplando o rosto adormecido da colega.
Alguns dos longos cabelos castanhos pendiam-lhe sob a face tranquila, iluminada
pelos escassos raios de luz que conseguiam timidamente penetrar pelas frinchas da janela. O
rapaz passou-lhe as mãos pelos cabelos, beijando-a com ternura no rosto, e pronunciando o
seu nome em seguida:
- Rita!... - chamou com voz doce, quase sussurrando - Rita!... Acorda!... - insistiu,
abanando suavemente o corpo sensual e franzino da rapariga.
Por fim ela abriu os seus magníficos olhos castanhos, fitando-o com um olhar puro e
singelo.
- Madrugaste, hem!?... - observou, bocejando longamente - Que se passa?
- Como está bom tempo, eu pensei que poderíamos dar hoje aquele passeio,
conforme tínhamos combinado ontem. - esclareceu ele, beijando-lhe suavemente a pele
suave do rosto - Então, ...que dizes?
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- É uma óptima ideia! - concordou a colega - Que horas são?
- Dez e meia - respondeu Jorge, consultando os ponteiros do seu relógio de pulso - Vá
lá, levanta-te e arranja-te para não perdermos mais tempo.
- Está bem, eu vou só tomar um duche num instante, e já lá vou ter, o.k.? - anunciou,
levantando-se, e passando a sua mão com ternura pelos cabelos louros do companheiro.
- Não te demores!...
Depois Rita, dirigiu-se apressadamente para o quarto de banho, fechando suavemente
a porta. Ainda Jorge não tivera tempo de se levantar, quando a porta de abriu de novo:
- Não vale espreitar, ouviste? - avisou ela gravemente, falando para o anfitrião que
permanecia serenamente sentado na cama desarrumada, desaparecendo novamente no
interior do quarto de banho logo em seguida...
...
- Que paisagem espectacular! - comentou Joana, chegando-se à beira da espessa
muralha que se erguia sobre a vasta extensão de planícies verdejantes que se estendiam à
sua frente por vários quilómetros, e que a rapariga contemplava maravilhada. - Com uma
vista assim, não era muito difícil a quem estivesse no aqui castelo avistar qualquer inimigo
que se aproximasse.
- Sim, é verdade... - concordou Isabel, que estava mesmo ao lado da colega do irmão.
- Em que ano tomou D. Afonso Henriques este castelo? - perguntou Sofia.
- Não sei bem... - principiou a irmão de Jorge hesitando um pouco - ...talvez...., talvez
o Jorge saiba!... - disse, vendo o rapaz aproximar-se, acompanhado por Rita.
- Bem, é melhor irmos embora, ou não conseguiremos ver tudo - propôs ele chegando
junto das três raparigas - Que dizem?
- Talvez seja boa ideia... - aprovou Joana.
- Onde é que vamos a seguir? - indagou Rita.
~- Ainda vos queria mostrar o Museu de S.João de Alporão, e a Igreja de Marvila
antes do almoço... De tarde, podíamos ir a Tomar, se vocês quiserem. Se no fim ainda sobrar
tempo, depois logo vemos. - anunciou o jovem.
- Então, ...estamos à espera de quê? - inquiriu Sofia, tomando a iniciativa e dando um
passo em frente.
Os cinco jovens encaminharam-se tranquilamente em direcção ao distinto Rover 620
preto, deixando para trás as Portas do Sol. Isabel ocupou o assento do condutor, tendo a seu
lado Joana, enquanto que o irmão dividia o assento traseiro com Rita e Sofia...
À uma e meia da tarde, , já depois de terem visitado o Museu de S. João de Alporão, e
a Igreja de Nossa Senhora de Marvila, entraram num restaurante típico que ficava no centro
histórico da cidade de Santarém. Escolheram uma mesa não muito longe da entrada, e por
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fim sentaram-se, aguardando pacientemente que um dos indivíduos de casaca preta que
circulavam entre as várias mesas lhes trouxesse e ementa. Jorge e a irmã escolheram “
Bacalhau com Natas”, enquanto que as três colegas do rapaz optaram por provar a “ Carne
de Porco à Alentejana “. Para a sobremesa, decidiram-se pelo “ Doce de Amêndoa ”,
seguindo o conselho do empregado de mesa, que o recomendava vivamente. A refeição
terminou com o habitual e quase inevitável café.
Após aquele esplêndido almoço puseram-se a caminho de Tomar, a fim de visitarem
alguns dos inúmeros locais de interesse turístico da cidade...
- Onde é que vamos agora? - perguntou Isabel ao irmão a dada altura.
- Podemos começar pelo Convento de Cristo, que fica já ali naquele monte - sugeriu
Jorge, apontando para uma elevação que se via a curta distância do sitio onde se
encontravam.
- Não é lá que fica aquela janela muito famosa, ...a janela... do..., do..., do..., -
principiou Rita, tentando recordar-se do nome da célebre obra de arte, que aparecia
frequentemente nos livros de História.
- Do Capitólio!... - ajudou Sofia.
- Capítulo... - corrigiu o colega, rindo-se divertido da confusão da rapariga.
- Janela do Capítulo!... - repetiu ela - è isso mesmo, falámos dela muitas vezes
quando estudámos o Manuelino em História no secundário. - concluiu com um sorriso
triunfante.
Aquele grupo bem-disposto chegara a Tomar pouco tempo antes. Apesar da
sugestão de Jorge, acabaram por passear primeiro por alguns dos muitos jardins da cidade.
Sofia ficou encantada com a tarambola que girava lentamente ao sabor das águas tranquilas
do Nabão. Rita e Joana, por sua vez ficaram bastante impressionadas com as pinturas que
foram encontrar na Igreja Matriz, de onde acabavam de sair naquele momento...
Jorge, que entretanto trocara de lugar com a irmã, ocupou o lugar do condutor do
lindíssimo Rover negro, iniciando suavemente a marcha, poucos instantes após ter
engrenado a primeira velocidade, e libertado igualmente a alavanca do travão de mão do
automóvel. Não tardou muito, apenas uns quantos minutos, até que se encontrassem todos à
entrada do imponente monumento. Uma vez dentro do Convento de Cristo, observaram
atentamente não só a famosa Janela do Capítulo, como também as belas pinturas e os
riquíssimos azulejos, e ainda as curiosas e antiquíssimas ruínas que foram descobertas no
espaço envolvente do majestoso monumento de estilo Manuelino, que outrora pertenceu aos
Templários e posteriormente à Ordem de Cristo.
Após deixarem o Convento de Cristo, Jorge propôs que fossem lanchar, e sem
esperar pela resposta das companheiras entrou decididamente na primeira pastelaria que
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encontrou, ocupando de imediato uma mesa...
- Isto não é nada bom para a “ linha “ ! - observou Sofia a dada altura, saboreando
gulosamente mais um pouco do seu cremoso bolo - Supostamente eu estou a fazer dieta!... -
acrescentou ainda despreocupadamente.
- Eu também!... - respondeu o colega, prontamente, acabando de comer a deliciosa
fatia de torta com chantilly - Traga-me outra, por favor!... - pediu quando a simpática
empregada passou pela mesa onde se tinham instalado.
- Realmente nota-se!... - observou a irmã com um ar de reprovação - Não tens mesmo
emenda!... Guloso!...
As quatro raparigas esperam pacientemente até que ele terminasse a sua bebida,
saindo depois todos juntos. Já à saída, Jorge sugeriu que visitassem a Sinagoga da cidade.
Aquele templo de culto hebraico, adquiriu particular importância uma vez que é o único do
género em Portugal, pelo que o rapaz, argumentando que seria uma pena não o visitarem,
voltou para trás em busca do monumento...
Faltavam escassos minutos para as seis da tarde quando deixaram Tomar. A caminho
de Santarém, passaram ainda por Torres Novas no intuito de irem ao Castelo da cidade, e
visitarem o Museu Municipal Carlos Reis. Contudo, não tiveram sorte, uma vez que ambos
haviam encerrado pouco tempo antes; às três horas. Por isso, foi com alguma tristeza que
entraram de novo no elegante automóvel negro, e iniciaram a viagem de regresso a
Santarém...
Ainda não eram sete da tarde, quando Jorge estacionou o Rover 620i na garagem
subterrânea do imponente edifício em que o jovem habitava com a irmã. Na rua, os últimos
raios de sol há muito que haviam já descido no horizonte, dando lugar à escuridão da noite.
- Foi uma pena não termos chegado a tempo de vermos o museu e o castelo em
Torres Novas... - lamentou-se Isabel à entrada do apartamento, esperando que o irmão
abrisse a porta.
- Não faz mal... - retorquiu de pronto Rita - ...fica para a próxima.
- Afinal o que interessa é que ficamos a conhecer um bocadinho de uma região
diferente, e que não imaginávamos que fosse tão bonita...
- Em todo o caso, poderemos sempre combinar outro fim-de-semana, ou talvez até
uma semana inteira! - disse Jorge, abrindo finalmente a porta de entrada.
- E porque não...? Até é uma boa ideia!... - concordou a irmã de pronto, encantada
com a ideia de poder receber de novo as três companheiras, com quem tanto simpatizara...
Sem perderem mais tempo dirigiram-se todos rapidamente para a cozinha, a fim de
prepararem o jantar. Como haviam almoçado bem, Sofia propôs que jantassem qualquer
coisa mais leve, e que sobretudo não desse muito trabalho a confeccionar, pois o serão no
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mínimo prometia. Na televisão ia ser transmitido o desafio de futebol entre o Benfica e o
Sporting, e uma vez que os dois clubes seguiam empatados no primeiro lugar da
classificação, o interesse era redobrado, pelo que, nenhum dos cinco jovens, como grandes
admiradores que eram daquele desporto, queria perder o encontro por nada. Por isso,
optaram por grelhar uns hambúrgueres, que acompanharam com um suculenta salada de
alface e outros vegetais. Jorge, pegou ainda nalgumas laranjas, que transformou num
fresquissímo sumo natural, com a ajuda do espremedor de citrinos. Por fim, dividiram o que
restava do enorme saco de biscoitos de chocolate, e voltaram a guardar tudo, arrumando
também a louça suja na máquina de lavar-louça.
Às oito e vinte, instalaram-se todos nos cómodos sofás de couro castanho da sala de
estar, aguardando com grande expectativa pelo início do derby, que principiaria dez minutos
mais tarde. Não tardou muito até que estivessem os cinco com os olhos pregados no
televisor. O ambiente não poderia der melhor no que diz respeito às cores clubísticas, havia
de tudo um pouco; os anfitriões eram ambos sócios do Benfica, e enquanto que Joana torcia
pelo Sporting, Rita e Sofia mantinham-se um pouco mais distanciadas da disputa. A primeira
gostava do Boavista, enquanto que a simpatia da segunda recaía no F.C. Porto.
- Não tens vergonha!?... - principiou Jorge com um ar de troça, fingindo-se indignado
ao mesmo tempo, falando na direcção de Joana - Nasceste e cresceste no Porto, quando não
estás em aulas é no Porto que vives, e és sportinguista? Poderias pelo menos ter feito como
elas; - continuou, fazendo uma breve pausa, e apontando para Sofia e Rita - mal por mal, é
preferível apoiar os clubes da terra. Mas tu, ...sem comentários!...
- Não sabia que tinhas nascido em Lisboa!... - respondeu prontamente a colega na
mesma moeda.
- Um igual: estão empatados!... - exclamou Isabel divertida servindo de árbitro na
discussão - Vamos ao segundo assalto!...
O despique estava ao rubro, e as duas raparigas que até então se tinham mantido em
silêncio, resolveram também entrar na disputa. Por isso, quando alguém propôs que
apostassem a dinheiro, para tentarem adivinhar o resultado do jogo, todos alinharam de
imediato, e em breve cinco notas de mil escudos apareceram em cima da pequenina mesa de
madeira que se encontrava no centro da sala de estar. O par que torcia pelo Benfica,
apostava numa vitória das suas cores; Joana, pelo contrário, afirmava que seria o Sporting a
vencer o derby. Rita e Sofia que se mantinham neutrais, sempre iam dizendo que o ideal para
os clubes dos seus corações seria que perdessem ambos. Porém, e como tal não era
possível Sofia apostava num empate a zero, enquanto que a amiga dizia que tinha acabado
de ter uma visão, na qual previra que o resultado seria um empate, mas a dois golos.
Entretanto, o desafio principiara, e de imediato se fez silêncio, apenas interrompido
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aqui e ali pelas poucas palavras do comentador da televisão, ou pelo ruído da assistência
quando se manifestava com maior vivacidade... E, quarenta e cinco minutos após o início,
chegou o intervalo com o resultado ainda sem alteração para desespero de Jorge e Isabel,
que pareciam ser os mais insatisfeitos...
- Eu bem vos falei da minha visão! Tenho a impressão que talvez não fosse má ideia
começar a apostar mais vezes com estes nabos! - dizia Rita, após o final do jogo, recolhendo
as cinco notas de mil escudos que se encontravam sobre a mesinha da sala de estar.
A jovem não cabia em si de contente; tinha acertado em cheio no resultado do derby.
Apesar da primeira parte ter sido nula em golos, o segundo tempo trouxe quatro; dois para
cada lado, exactamente aquilo que a rapariga previra aproximadamente duas horas antes, e
por isso, os cinco mil escudos da aposta foram direitinhos para a sua carteira.
- Já sabes, ...para a semana és tu a pagar os lanches!... - avisou Jorge brincando,
embora tivesse conseguido manter um ar sério - Nem vale a pena discutires... - acrescentou
ainda, não deixando que a colega tivesse oportunidade de ripostar.
- Está bem, ...de acordo!... - anuiu ela, levantando-se enquanto anunciava - Hoje foi
um dia um bocadinho cansativo, e eu estou a ficar com sono. Vou-me deitar! - concluiu,
encaminhando-se para a entrada do corredor...
...
A manhã de Domingo, à semelhança do dia anterior surgiu igualmente radiosa, com o
sol a brilhar intensamente sob o esplendoroso azul do céu, aqui e ali salpicado por algumas
nuvens mais persistentes. Porém, a temperatura não estava tão amena, e a brisa que
soprava de norte tornava-se por vezes muito desagradável.
Apesar de na véspera ter sido o último a deitar-se, uma vez que após o jogo ainda
ficou levantado para ver o filme que ia começar de madrugada, Jorge foi naquela manhã o
primeiro a levantar-se, alguns minutos antes de baterem as dez horas.
- “ Nada melhor que um belo duche para começar bem o dia!... “ - pensou, correndo
apressadamente para o quarto de banho privativo.
Não demorou muito tempo, até que o jovem entrasse na cozinha a fim de tomar o seu
pequeno-almoço. Não começara ainda a saborear os seus cereais, quando foi surpreendido
por Rita que surgiu à entrada da divisão usando ainda um roupão por cima da camisa de
noite:
- A pé tão cedo!?... - exclamou admirada - Vais sair...? - indagou curiosa,
aproximando-se do colega e beijando-o com carinho na face.
Sim..., tenho umas coisas para fazer... Queres vir?... - convidou ele.
- Se não te importares de esperar um pouco enquanto me vou vestir, ...aceito!
- Não, claro que não me importo, ...temos muito tempo!...
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Depois de ter terminado o seu pequeno-almoço, Jorge foi sentar-se na sala de estar
folheando distraidamente as páginas de uma revista que ficara esquecida em cima da
minúscula mesinha de madeira escura, enquanto aguardava pela rapariga. Rita voltou alguns
minutos mais tarde, e em seguida saíram ambos.
- Onde vamos? - inquiriu a atraente companheira entrando no elevador.
- Já vais ver... - respondeu o colega com um sorriso enigmático, ao mesmo tempo que
carregava no botão do painel que correspondia ao piso subterrâneo.
Já na garagem imensa do imponente edifício Jorge conduziu a jovem em direcção ao
espectacular Ford Escort RS Cosworth que estava estacionado não muito longe do poço do
elevador.
- Então?... Anda daí, ...entra! - pediu, vendo que Rita parecia hesitar, sentando-se ao
volante do automóvel.
Rita acedeu ao convite do colega entrando finalmente no interior do espantoso
veículo. Jorge engrenou a primeira velocidade, e o carro dirigiu-se muito devagar para a saída
do prédio de apartamentos, tomando depois o caminho que conduzia aos arredores de
Santarém. Poucos quilómetros mais à frente o automóvel vermelho desviou-se da estrada em
que circulava, e parou junto de uma construção que a julgar pelo aspecto exterior não seria
muito recente. Jorge tirou do bolso do seu casaco um molhe de chaves e saiu do carro,
fazendo um sinal à companheira para que fizesse o mesmo. Rita seguiu-o de perto, embora
não compreendesse porque razão o colega a trouxera até àquele lugar deserto e sinistro que
mesmo à luz do dia lhe causava arrepios.
- Que sitio é este? - perguntou a rapariga, um pouco intimidada pelo aspecto um tanto
desolador daquele local.
- Antigamente isto tudo servia de armazém a uma grande cadeia de supermercados,
mas um dos sócios enganou os outros, e fugiu para o Brasil com todo o dinheiro da empresa.
Depois foi declarada falência, e desde então que ninguém cá vem ...
- Então o que estamos aqui a fazer? Não achas que deveríamos ir embora? - sugeriu
Rita ansiosa por sair daquele cenário pouco tranquilizador.
- Tem calma... - descansou-a ele, mostrando-lhe as chaves que tinha na mão
avançando para um porta lateral.
- Isto é teu?
- Bem... - principiou o jovem hesitando - ...sim e ...não. Na verdade, o dono é o pai da
Ana, mas na prática é como se fosse meu, porque o meu tio nunca cá veio. A empresa devia-
lhe muito dinheiro, e quando foi declarada a falência o meu tio exigiu aquilo que lhe deviam.
Como não lhe queriam pagar, ele processou-os e como a firma estava falida acabaram por
lhe entregar este armazém e mais um escritório em Lisboa - concluiu, abrindo a porta e
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deixando que a colega entrasse em primeiro lugar.
Já no interior do espaçoso armazém, Jorge conduziu a acompanhante para próximo
de um volume que Rita não conseguiu identificar por este se encontrar protegido debaixo de
uma capa de tecido grosseiro bastante suja. Depois de ter solto as pontas de tecido que
estavam presas ao objecto, o jovem começou cuidadosamente a enrolar a capa, deixando
finalmente à vista um automóvel, provavelmente de colecção, cujo restauro não estava ainda
totalmente concluído.
- Então, que tal, o que achas? - indagou Jorge, apontando com orgulho para o veículo.
Uaaaaaauuuuuu!!!... - exclamou a rapariga, surpreendida - Parabéns, está um
espectáculo! Foste tu que fizeste tudo?
- Não, ...por exemplo a capota e as alterações na estrutura foram feitas em Lisboa por
um amigo meu que tem uma oficina, o motor comprei-o em segunda mão, mas de resto e
excepto a pintura e os travões que mandei instalar, fui eu quem fez. - principiou o jovem,
tentando recordar-se de alguns pormenores - Aos fins de semana, ou quando tinha tempo
livre, vinha para aqui trabalhar no carro. Quando o comprei estava um miséria, comecei por o
desmontar todo, quase peça por peça para fazer um inventário de tudo o que iria precisar,
depois foi só percorrer lojas de acessórios de automóveis, sucatas, etc. e arranjar as peças
que precisavam de ser substituídas, embora não tenha sido fácil, porque algumas partes
demorei vários meses até encontrar exactamente aquilo que queria.
- Mas valeu a pena, ou não?
- Claro que sim. É recompensa suficiente olhar para o carro agora, e lembrar-me de
como ele estava quando mo vieram aqui trazer, nem sequer andava, e estava a desfazer-se
em ferrugem, para além das amolgadelas, riscos na pintura, os farolins partidos, estava
mesmo muito mal cuidado.
- Já vi alguns Carochas lindos, e muito bem artilhados, mas este é de longe o mais
bonito, e a pintura em azul metalizado ficou impecável - observou Rita, que ficara de facto
maravilhada com o aspecto do gracioso automóvel.
- É verdade, ...modéstia à parte, mas ficou um espanto! Espero que a Isabel goste
tanto como tu... - findou, voltando a colocar cuidadosamente a capa sobre o veículo - Anda,
quero mostrar-te uma coisa, mas tens que me prometer que não falas disto a ninguém, nem
mesmo à Joana e à Sofia.
- De acordo, mas o que é? - concordou Rita, deixando-se guiar pelo companheiro até
uma porta de madeira um tanto inestética, e toscamente acabada.
Jorge pegou de novo no molhe de chaves que trazia consigo, e abriu o cadeado que
cerrava a porta. Em seguida, entrou, recomendando à colega que esperasse um pouco
enquanto através do tacto procurava o interruptor da electricidade. Finalmente aquele recanto
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mais obscuro iluminou-se deixando à vista um patamar, e um buraco no chão que daria
possivelmente acesso a uma cave através da escada de ferro que a rapariga vislumbrava do
local onde se encontrava...
- Tem cuidado, porque os degraus são um bocado falsos... - avisou o rapaz, descendo
com uma agilidade notável, ajudando-a também depois na descida.
- Mas o que é isto? - indagou Rita, olhando incrédula à sua volta.
- Isto é o meu santuário, a minha paixão. Facas, catanas, espadas, sabres, estiletes,
punhais, em suma, tudo aquilo que tiver lâminas é uma loucura para mim. Tudo o que aqui
vês fez parte da minha colecção privada, ...mas lembra-te, ...ninguém pode saber da
existência deste material - pediu, fazendo uma expressão grave, e acrescentando depois -
...tu és a primeira pessoa que aqui trago. Nem mesmo a Isabel sabe da existência deste
lugar, portanto é muito importante para mim que continue secreto.
- Está descansado, podes contar comigo - garantiu Rita, fazendo igualmente uma
expressão séria, porém orgulhosa por o colega ter decidido partilhar consigo a sua secreta
paixão. Mas, tens aqui uma colecção impressionante! Como é que conseguiste reunir tanta
coisa? - inquiriu Rita, pegando num punhal cravejado de pedras multicores que estava
exposto mesmo à sua frente - São verdadeiras? - indagou.
- São... - respondeu o jovem acenando com a cabeça em sinal afirmativo - Esse
punhal é a jóia da coroa da minha colecção. Para além de ter sido o primeiro, é o mais
valioso. Foi-me oferecido pelo meu pai no dia em que fiz doze anos - explicou, não
conseguindo disfarçar uma certa emoção na voz quando se referiu ao progenitor - ...é uma
herança de família. Eu limitei-me a acrescentar alguns exemplares. Depois fui-me virando
para outro tipo de objectos, que ia comprando em feiras de coleccionismo, a coleccionadores
particulares, até chegar a isto que vês.
- É impressionante, mas porque razão manténs verdadeiras obras de arte neste lugar
tão escondido, tão poeirento. É uma pena, peças tão lindas como estas estarem-se aqui a
estragar. Já pensaste em fazer uma exposição?
- Não quero...
- Mas porquê, que mal é que tinha?
- Mesmo que eu te pudesse explicar tu não compreenderias. Há coisas no meu
passa... - principiou, interrompendo-se logo em seguida, e mudando imediatamente de
assunto - Já viste as horas. É quase uma da tarde, temos que ir!... - concluiu, após ter
consultado o seu relógio de pulso.
Rita compreendeu de imediato que o colega deixara escapar qualquer coisa que não
queria, e por isso preferiu não insistir, deixando-se guiar de novo ao piso superior, e depois
até ao magnífico Ford Escort Rs Cosworth que permanecia imóvel junto da cerca metálica
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que delimitava a área envolvente do armazém e impedia simultaneamente a aproximação de
estranhos...
...
- Onde é que estiveram? - inquiriu Sofia com cara de poucos amigos, quando ambos
cruzaram a porta de entrada do apartamento pertencente ao jovem.
- Não achas que estás a querer saber de mais? - replicou Rita, sem se atrapalhar por
um segundo.
- Então não querem lá ver que convidei um membro da Inquisição para minha casa -
acrescentou Jorge, concluindo o raciocínio da cúmplice - Queres mesmo saber onde fomos?
- Sim, ...aliás, não quero, ...exijo! - prosseguiu a colega conseguindo manter-se séria.
- Tens a certeza? - insistiu Jorge
- Certeza absoluta! - respondeu Sofia convictamente.
- Desiste... - aconselhou Isabel - ...quando ele começa com essa conversa ninguém
lhe arranca nada! Mais vale irmos almoçar - sugeriu, encaminhando-se para a cozinha.
- É isso mesmo... - aprovou o rapaz, seguindo a irmã - ... o que é que temos para o
almoço? - perguntou.
- Já vais ver! Por agora, podes ir levando para a casa de jantar aquilo que for preciso,
e lembra-te que temos visitas, ...não faças o mesmo do costume.
Jorge ainda tentou protestar. Porém Isabel lembrou-lhe um jantar de há poucas
semanas. Ele calou-se de imediato, e um pouco embaraçado pegou na tolha de linho que a
irmã lhe entregou, saindo em direcção à sala de jantar. O jovem voltou volvidos apenas
alguns instantes, ajudando depois Rita e Joana a levarem pratos, talheres, e copos, que
espalharam cuidadosamente sobre a distinta mesa de madeira exótica. Quase em seguida
entraram Isabel e Sofia, trazendo uma travessa cada, finamente decoradas com rodelas de
tomate e ovo cozido, folhas de alface, e cobertas por uma razoável camada de maionese, que
pousaram delicadamente em cima da mesa.
- Então o que é que vamos fazer esta tarde? - indagou Jorge, insistindo para que as
colegas e a irmã se servissem em primeiro lugar.
- Podíamos ir ao cinema... - sugeriu Isabel, fazendo uma pausa enquanto ingeria um
gole do seu sumo de maçã - ...li no jornal que estreia hoje um filme espectacular na sessão
das quatro, por isso talvez pudéssemos ir.
- Está combinado! - decidiu Joana - E como até nem é muito tarde, dá tempo para
jantarmos descansados e voltarmos cedo, porque amanhã há aulas logo de manhã...
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Capítulo 4
- “ ...Antena 3, são sete horas da manhã. Vamos às notícias com Car... “
Jorge acordou de imediato e esticou a mão para desligar o despertador. Em seguida
levantou-se e foi até à janela. Ao longe no horizonte surgiam os primeiros raios de luz de mais
uma fria manhã de Dezembro.
- Segunda-feira!... - suspirou, falando de si para si - ...detesto as segundas-feiras!... -
lamentou-se bocejando longamente.
Antes de se dirigir para o quarto de banho optou por ir desfazer as malas, e arrumar
as roupas que trouxera na véspera de Santarém, visto que na noite anterior quando chegara
não atirara toda a bagagem para cima do brilhante soalho do hall de entrada, e lá a deixara
até àquele momento. Essa tarefa ocupou-o durante aproximadamente vinte minutos. Por fim,
entrou então no quarto de banho repetindo uma vez mais o seu habitual duche matinal,
vestindo-se logo depois. Antes ainda de sair, passou pela divisão onde habitualmente se
encontrava o computador, e pegou nos livros que se encontravam sobre a secretária. Depois,
dirigiu-se até à cozinha e bebeu apressadamente um iogurte liquido, e finalmente saiu,
fechando a porta de entrada atrás de si. Atravessou a rua pouco movimentada àquela hora da
manhã, e entrou no seu carro que ficara estacionado mesmo em frente. Rodou a chave na
ignição, e arrancou como sempre o fazia, bruscamente, tomando a estrada que conduzia a
Coimbra no cruzamento que ficava umas dezenas de metros mais à frente.
O dia estava um pouco frio, e algumas nuvens cinzentas pairavam sob o céu azul
ameaçando chuva. O sol, já há alguns minutos que surgira no horizonte, sendo por vezes
ocultado pelas sinistras nuvens que vagarosamente passavam.
Quando cruzava os portões da faculdade, Jorge foi surpreendido pelas colegas que
surgiram nas suas costas tentando discretamente surripiar-lhe a carteira que como
habitualmente o jovem trazia no bolso traseiro dos jeans. Porém, Joana tocou-lhe
suavemente no braço, o suficiente para que de imediato o jovem lhe agarrasse
instintivamente a mão:
- Vocês!?... - exclamou incrédulo, libertando a rapariga.
- Tens que ter mais cuidado com a carteira... - avisou a atraente colega dos cabelos
louros rindo divertida, devolvendo-lhe o objecto de pele que segundos antes quase
conseguira furtar com êxito.
- Estou a ver que sim. Com vocês por perto ninguém está seguro. Mas, ...olá! Bom dia!
- cumprimentou, beijando uma a uma as três companheiras.
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- Então, estás melhor? - indagou Rita passando-lhe a mão pela testa - Ontem estavas
mesmo em baixo.
- Já está tudo bem... - principiou Jorge sorrindo aliviado - Depois de ter chegado a
casa tomei um comprimido, e enfiei-me logo na cama, nem arrumei nada, ficou a tralha toda
espalhada à entrada. Hoje de manhã felizmente acordei bem disposto, e sem febre.
- Queres ir almoçar connosco lá a casa? - convidou a colega.
- Está bem, porque não. Eu tenho aulas até à uma menos um quarto... - disse fazendo
uma curta pausa para consultar o seu horário - ...é isso mesmo! - confirmou, voltando a
guardar o papel na carteira - Por isso, o mais tardar estou lá à uma!
- Então está combinado, à uma estaremos à tua espera. E não te atrases... - avisou
Sofia com uma expressão grave.
- Estejam descansadas, serei pontual... - disse sorrindo - ...prometo!
- Se fores tão pontual como estás a ser agora... - gracejou Joana, exibindo o
mostrador do seu discreto relógio de pulso.
- Mal parecia ao professor era se eu chegasse a horas, ...podia ficar ofendido! -
interrompeu o jovem despedindo-se apressadamente das três raparigas, e afastando-se com
passos rápidos na direcção do edifício da sua faculdade.
Quando chegou junto da porta da sala onde ia ter a primeira aula do dia, que à
Segunda-feira era Inglês, estavam ainda a entrar os últimos colegas...
- “ Afinal até nem cheguei muito atrasado! “ - comentou com os seus botões sorrindo-
se.
À aula de Inglês segui-se uma outra de Direito, que começou por volta das dez e meia
da manhã. O professor tinha adoecido, e estaria ausente durante algum tempo, pelo que a
aula seria assegurada por um substituto. A dada altura um dos alunos lançou uma questão
relacionada com a custódia dos filhos do casal nos casos de divórcio, o que gerou de
imediato uma acesa discussão entre todos, e que acabou por se arrastar pelo restante tempo
da aula, sempre com o professor a esclarecer prontamente as dúvidas que iam surgindo...
Passavam pouco mais de quarenta minutos depois do meio dia quando Jorge
abandonou o recinto da faculdade, encaminhando-se para o vistoso Ford Escort RS
Cosworth, que alguns segundos depois arrancava velozmente do parque de estacionamento,
parando poucos minutos mais tarde em frente do nº23 da rua em que fora construído anos
antes o prédio em que as três colegas dividiam um apartamento. Subiu apressadamente os
vários lanços de degraus, e quando por fim se encontrou em frente à porta de entrada do 2º
direito, premiu o botão da campainha. Não teve que esperar muito tempo até que diante dele
a porta se abrisse, surgindo Joana, que de imediato o convidou a entrar.
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- Como vês, fui pontual!... - disse, apontando para o relógio de pulso, no momento em
que cruzava a entrada - Não sabia que tinham visitas... - observou tranquilamente ao deparar-
se com o indivíduo que vestia de negro e segurava Rita mantendo-lhe uma arma de fogo
apontada à nuca...
- Não somos propriamente convidados... - respondeu um outro trazendo Sofia,
igualmente armado com um revólver, usando os cabelos compridos apanhados - Ainda te
lembras de mim? - indagou com um sorriso pouco tranquilizador - Eu disse-te que nos
voltaríamos a encontrar, não disse?
- Realmente eu tinha a impressão que já te tinha visto o focinho algures. Agora
lembrei-me; tu és aquele durão do rabo-de-cavalo que me quis bater há uns dias! - respondeu
de pronto, mostrando-se muito pouco incomodado com os dois intrusos.
- Marco! Marco! - avisou um terceiro sujeito que vestia fato completo e gravata,
surgindo subitamente do interior da habitação, impedindo que o outro agredisse Jorge -
Vamos ter calma. Primeiro vamos resolver aquilo que nos trouxe aqui, depois terás a tua
oportunidade de tratares da saúde aí ao nosso amigo comediante. E voltando ao nosso
assunto... - continuou, virando-se para as três raparigas - é a vossa última oportunidade. Se
se portarem bem, e nos derem aquilo que pretendemos, isto não passará de um interessante
passeio turístico! - concluiu com à-vontade.
- Mas, ... mas afinal que merda vem a ser esta? - perguntou Jorge com cara de
poucos amigos - O que é que querem estes gajos? - insistiu, falando para as colegas.
- Elas têm algo que nos pertence... - explicou o indivíduo do rabo-de-cavalo - ...e nós
queremo-lo. Se nos derem aquilo que pretendemos, tudo se resolverá a bem, caso contrário
as coisas poderão ficar bastante desagradáveis... - ameaçou com um sorriso amarelo.
- Nós já revistamos a casa toda... - principiou o homem do fato - ...e não encontrámos
nada. Por acaso não nos quererão indicar um local onde não tenhamos verificado bem? -
sugeriu, mantendo uma postura incrivelmente calma.
Porém, as três raparigas mantiveram-se em silêncio, olhando cumplicemente umas
para as outras, perante a surpresa de Jorge, que embora não se mostrasse muito enervado,
estava no entanto bastante surpreendido. Que teriam feito Sofia, Rita e Joana? Que queriam
delas os três perigosos malfeitores?
- Têm a certeza que não querem acrescentar nada...? - repetiu o outro, fazendo uma
pausa esperando que alguém falasse - Receio, que assim sendo tenhamos que vos levar
connosco.
- Então isso quer dizer que já não vamos almoçar!?... - perguntou Jorge pondo um ar
inocente, permanecendo sereníssimo, falando para as companheiras, que esboçaram um
sorriso muito tímido.
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- Tu aí, ...ó espertinho, ...vamos a calar, ...antes que te arrependas! - ordenou
rispidamente aquele a quem tratavam por Marco.
- Bem, eis o que vai o que vai acontecer... - principiou aquele que parecia ser o líder
do grupo - vocês quatro vão-se portar bem, e vêem connosco fazer uma viagem, e quem
sabe até umas curtas férias para visitarem uma pessoa muito, muito importante. Por isso,
juízinho... - recomendou, e pegando num revólver continuou - Eu não quero ter que usar isto,
...mas se for preciso, ...vocês sabem o que eu quero dizer. E agora, ponham-se em fila,
vamos sair - acrescentou, friamente guardando a pistola.
Eles obedeceram de pronto, e enquanto que o perverso homem que usava fato e
gravata se colocou à frente, os outros dois ficaram na retaguarda, imediatamente atrás de
Rita. Jorge, embora calmo, estava perplexo com aquela situação, visto que continuava sem
compreender qual a ligação das colegas aos três indivíduos. Porém o jovem não estava
disposto a obedecer e a deixar-se levar fosse onde fosse sem que antes esgotasse todas as
hipóteses de fuga. Por isso, logo que o primeiro abriu a porta, pôs em prática a primeira ideia
que lhe surgira:
- Têm a certeza que isto não é para os “apanhados”...? - perguntou, tentando através
da ironia provocar os três sujeitos, enquanto representava, olhando para todos os lados à
procura de uma pretensa câmara de filmar - Onde é que está a câmara, mas onde é que
vocês meus malandros esconderam a porra da câmara, está muito bem escondida...
O trio não parecia estar contudo para brincadeiras, porque de imediato rodearam
Jorge, falando num tom que não deixava grandes dúvidas:
- Ouve com atenção meu merdas, porque não vamos voltar a repetir; ...ou estás
quietinho, ou levas uma ameixa aqui mesmo, lembra-te que depres...
Porém, não chegaram a acabar, pois o jovem com um exímio golpe de karaté
derrubou de imediato dois dos comparsas, atirando-se de imediato ao outro mesmo antes
deste ter tido tempo de sacar da sua arma, agredindo-o com vários socos violentíssimos até
que ele caiu desamparado no chão...
- Cuidado!... Atrás de ti... - gritou Joana, vendo que os dois primeiros acabavam de se
erguer.
Jorge com mais um pontapé certeiro derrubou o primeiro, socando depois o segundo...
- Vamos embora, aproveitem enquanto eles estão no chão - disse - Rápido porra!... -
insistiu chegando junto do sujeito que voltava a levantar-se, e sovando-o de novo até este cair
por terra.
Depois pegou nas pistolas dos malfeitores e atirou-as para bem longe, juntando-se às
colegas que desciam as escadas a correr.
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- Outro!... - exclamou Jorge, quando viu aparecer um quarto homem que avançava
para eles de arma em punho vindo do exterior do edifício - Vão para o carro e esperem por
mim - pediu, atirando as chaves na direcção de Sofia, enquanto que atacava decididamente o
perigoso desconhecido.
Primeiro desarmou-o com mais um pontapé, e em seguida já com o revólver em seu
poder, usou-o para agredir o indivíduo na nuca, aproveitando depois para fugir. Quando o seu
opositor se começou a levantar surgiram os comparsas ainda cambaleando. Porém, no
exterior já o Ford vermelho arrancava bruscamente, deixando atrás de si dois rastros de
borracha marcados no pavimento. O bando de malfeitores vendo que era inútil disparar,
precipitaram-se para o interior de dois Mercedes negros, e foram em perseguição dos quatro
jovens...
- Afinal, o que é que estes gajos querem? - perguntou Jorge olhado muito pouco
satisfeito para Rita que ocupava o assento ao seu lado.
- Querem que nós lhes entreguemos umas fotografias que tirámos nas férias... -
principiou a colega a medo.
- E porque é que essas fotografias são tão importantes?
- Não sabemos ao certo, mas desconfiamos que foi alguém que pode ter ficado por
acaso numa das fotografias.
- Então e ...onde é que vocês as esconderam?
- A... - Sofia hesitou antes de responder, trocando um olhar cúmplice com Joana, no
entanto, e perante a insistência de Jorge acabou por revelar com voz sumida - ...estão em...
estão... em Santarém, no teu apartamento...
- O quê!?... Estão onde!?... Repete lá... - respondeu Jorge não ficando muito agradado
com aquilo que acabava de ouvir.
- Jorge, olha, eles já vêm aí atrás! - preveniu Joana
- Vamos à polícia... - decidiu o rapaz, observando através do retrovisor o Mercedes
que seguia mesmo colado à sua retaguarda...
- Não... - implorou Rita - ...à polícia não, não pode ser, eles têm grande poder lá
dentro. Ouve... - continuou com um ar preocupado mas sincero - ...a nossa única chance é
fugirmos e escondermo-nos por uns tempos. Por favor confia em mim... logo que estivermos
a salvo eu prometo contar-te a história toda.
- De acordo... - anuiu Jorge, virando inesperadamente num cruzamento quase
perdendo o controlo do veículo - ...farei como me pedem. Agora, ponham os cintos porque
vão ser precisos, e não façam barulho - pediu, efectuando uma ultrapassagem mesmo no
limite, evitando no último instante o veículo que circulava em sentido contrário.
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O automóvel cruzava as ruas de Coimbra a uma velocidade alucinante, sempre
perseguido de perto pelos dois Mercedes pretos que não descolavam. Jorge pensou ainda
em tentar fugir na auto-estrada, porém acabou por desistir da ideia pois receou que os carros
dos malfeitores fossem mais velozes que o seu, pelo que a melhor solução seria sair da
cidade, e tentar despistá-los numa estrada sinuosa...
Os pneumáticos do Ford Escort RS Cosworth chiavam em cada curva de uma forma
assustadora. Também, o caso não era para menos, pois o ponteiro do velocímetro raras
vezes fora abaixo dos 120 Km/h, e nem mesmo nas curvas o jovem abrandava, seguindo
muito para além dos limites do próprio veículo, sem que no entanto tenha perdido por uma
vez que fosse o controle do mesmo. As colegas apesar de espantadas e completamente
surpreendidas pela perícia do amigo, seguiam amedrontadas, receando o pior a cada
manobra mais arriscada que o audaz rapaz efectuava. Contudo, mantinham-se em silêncio,
respeitando o pedido do companheiro. Era absolutamente necessário que Jorge não
perdesse a concentração, pois àquela velocidade qualquer distracção poderia revelar-se fatal.
Apesar do automóvel seguir bastante para lá dos limites, a distância que conseguira ganhar
aos perseguidores resumia-se em algumas escassas dezenas de metros, o que era
manifestamente insuficiente para as pretensões do jovem. Por isso, ele carregou ainda mais
fundo no pedal do acelerador, numa tentativa desesperada de ganhar terreno, e apesar de
não estar muito calor, já era visível o suor que lhe corria abundantemente pelo rosto.
Subitamente, e logo após uma curva sem visibilidade surgiu-lhes pela frente um veículo
pesado... Em sentido contrário, e não muito distante circulava outro que se aproximava
rapidamente... Jorge não hesitou, e num acto quase suicida ultrapassou o camião, quase
embatendo no outro, cujo condutor buzinou fortemente protestando contra a ousada manobra
do jovem. Atrás do camião com quem acabavam de se cruzar surgia uma coluna composta
por vários ligeiros, e logo a seguir aparecia mais uma sucessão de perigosas curvas e
contracurvas. Os dois automóveis de cor negra ficaram retidos atrás do pesado, o que
provocou uma considerável perda de tempo, que favoreceu em muito os quatro fugitivos, que
juntaram alguns segundos às escassas dezenas de metros que já haviam conquistado...
Quando aproximadamente cinco quilómetros mais à frente apareceu uma pequena
povoação, Jorge olhou uma vez para os espelhos, depois uma segunda vez, até que por fim
pediu:
- Vejam lá se eles já lá vêm.
- Não consigo ver nada - respondeu Joana, voltando-se de pronto para trás.
- Então vamos aproveitar, e escondemo-nos já aqui... - anunciou o colega, procurando
um cruzamento, ou um local onde se pudessem ocultar, embora sem reduzir a velocidade -
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...depois é só esperar que eles passem, e fazermos o caminho de volta a Coimbra - concluiu
serenamente.
De súbito vislumbrou um cruzamento que aparecia à esquerda. De imediato carregou
no pedal do travão, tentando contudo não deixar marcas da borrachas dos pneus no
pavimento, e torceu o volante, iniciando em seguida a íngreme subida. Por fim ocultou o
automóvel nas traseiras de um casebre em ruínas.
- Não saiam daqui! - pediu, libertando o fecho do cinto de segurança, ao mesmo
tempo que abria precipitadamente a porta - Eu volto já... - concluiu, correndo apressadamente
para a zona de onde calculava poder ver a estrada principal.
Com efeito, e apesar de escondido atrás dos ramos de uma frondosa figueira, Jorge
podia facilmente observar a faixa de asfalto que passava uns metros mais abaixo. Ainda não
tivera tempo para se dissimular totalmente, quando a grande velocidade apareceu o primeiro
dos dois Mercedes... Logo a seguir, a curta distância surgiu o segundo... Para alívio do jovem,
ambos passaram bastante depressa por aquele cruzamento, prosseguindo a marcha sem
suspeitarem que acabavam de ser enganados...
As três raparigas esperavam ansiosamente no interior do admirável veículo vermelho
vivo, quando de súbito viram aparecer o colega que corria velozmente:
- Por agora, estamos safos! - anunciou sorridente, enquanto limpava o suor que lhe
corria abundantemente pela face - Vamos voltar para minha casa, para pensarmos com
calma naquilo que vamos fazer a seguir.
Jorge, rodou a chave na ignição, e logo que o ruído do potente motor do sensacional
Ford Escort RS Cosworth se fez ouvir engrenou a primeira velocidade, e arrancou sem perder
mais tempo. Em seguida, desceu a encosta da pequena colina, voltando a apanhar a estrada
em que circulara momentos antes, porém agora em sentido contrário...
Passavam alguns minutos das três da tarde, quando o vistoso automóvel parou em
frente da vivenda que o jovem partilhava com a prima Ana algures nos arredores da cidade
de Coimbra.
- Achas que aqui estamos seguros? - indagou Rita
- Penso que sim, pelo menos por agora. Mas por via das dúvidas, vou levar o carro lá
para trás para o quintal - decidiu, pegando no molhe de chaves que guardava no bolso dos
jeans, e saindo para abrir o portão que dava acesso às traseiras da habitação.
- Vamos lá conversar então... - principiou Jorge, esperando que Joana entrasse, e
fechando a porta de entrada, rodando também cautelosamente a chave na fechadura -
...quero que me contem essa história tintim por tintim.
- Tudo começou quando...
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- Venham, ...vamos para a cozinha - interrompeu o colega, dirigindo-se para essa
divisão - ...estou a morrer de fome. Deve haver qualquer coisa no frigorífico para podermos
almoçar. E vocês devem-me um almoço, ... não pensem que se escapam! - acrescentou,
tentando pôr as três raparigas à vontade.
- Tudo aconteceu em Setembro, - recomeçou Sofia - quando a Rita nos convidou para
passarmos as férias com ela em casa de uns tios na Costa da Caparica. Quando numa tarde
passeávamos numa praia deserta, muito pequenina, que quase não tinha areia, era tudo só
rocha, vimos um iate enorme e espectacular ancorado a poucos metros da costa, e
resolvemos fotografá-lo. Na praia, estavam uns tipos com metralhadoras à espera que o bote
que acabara de ser lançado à água chegasse a terra. Achámos aquilo muito estranho, e
como estávamos escondidas atrás de umas rochas eu peguei na máquina e fotografei
também. Só que, um dos tipos que tinha ficado no iate deve ter visto o reflexo da objectiva, e
através dum rádio deu o alarme para terra, porque logo a seguir o bote voltou para trás, e os
fulanos que estavam na praia, começaram a vasculhar tudo. Conseguimos esconder-nos
numa pequena saliência entre dois rochedos e usamos uns ramos secos de palmeira que
ajudaram ao disfarce. Eles andaram muito perto de nós, um deles, aquele gajo do rabo de
cavalo até atirou um cigarro para cima da Joana.
- É verdade, - confirmou a jovem dos cabelos louros, abrindo a porta do forno micro-
ondas e retirando do interior do mesmo uma pizza já cozinhada que colocou sobre a mesa -
...quase que nos apanhavam, porque aquilo caiu-me mesmo em cima da perna, e eu era a
única que estava em fato de banho. Ainda tenho a marca da queimadura, na altura quase que
gritei, não fosse a Rita a tirá-la de cima de mim, tenho a impressão que teria deitado tudo a
perder - acrescentou.
- Depois eles começaram a discutir entre eles sempre em espanhol. A dada altura
houve um que disse que já lá não devia estar ninguém, e logo a seguir apareceu o tipo do
fato, aquele que eles tratam por Dr. que começou a ralhar com eles, mas em português.
- E o que é que ele disse? - indagou o atento ouvinte, cortando mais uma fatia da
apetitosa pizza - Conseguiram ouvir alguma coisa?
- Sim, mas é melhor ser a Joana a contar porque era ela quem estava mais perto e por
isso ouviu melhor do que nós...
- Ele disse que era vital não nos deixarem escapar, porque nós poderíamos ter
fotografado o senhor Escobar, e que essas fotos poderiam por em causa toda a operação, e
que por isso jamais poderiam ser encontradas. Como os outros lhe disseram que nós já
devíamos ter conseguido fugir, porque já tinham procurado em todo o lado e não tinham
encontrado ninguém, o tal homem do fato disse que ia de imediato para Lisboa falar com um
tal de Dr. Álvaro de Matos, e que esse outro, com os conhecimentos e as influências que
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tinha na polícia arranjaria uma forma de nos descobrir, ou mesmo se nós levássemos as
fotografias à polícia ele ficaria a saber, e então que não seria difícil arrumar a questão, como
ele mesmo disse.
- Nós ficámos tão assustadas que mesmo depois de eles terem ido embora estivemos
por mais de duas horas no mesmo sítio sem nos mexermos com medo que eles tivessem lá
deixado alguém para nos apanharem... acrescentou Rita.
- E, ...como eles não nos apanharam nessa altura, pensámos que tinhamos escapado,
e que eles tivessem desistido do assunto - rematou Joana.
- Até à semana passada... - comentou Rita - ...naquele dia em nós fomos passear à
noite e que eles apareceram recomeçou o pesadelo. Por isso é que eu fui na Quarta ao Porto,
e foi também por essa razão que elas voltaram mais cedo - revelou a rapariga apontando
para as duas companheiras.
- Por isso, como medida de precaução resolvemos esconder os negativos e as
fotografias num local seguro - ajudou Sofia - O teu convite para irmos no fim-de-semana a tua
casa era a nossa melhor chance de podermos estar mais ou menos descansadas, porque se
eles querem tanto as fotografias, não nos podem fazer mal enquanto não as tiverem.
- Assim, resolvemos esconder os negativos no teu apartamento, sem a Rita saber
porque quando lhe falámos na nossa ideia ela disse logo que se o fizéssemos que te diria, e
mantivemos as fotos na nossa casa - esclareceu Sofia.
- Não está mal visto, não senhor... - aprovou Jorge - foi muito bem pensado! - felicitou
o rapaz, que fora totalmente apanhado de surpresa pela audácia das três companheiras.
- Percebes agora porque é que eu não quis ir à polícia da outra vez, e porque razão te
dissemos à bocado que não lhes podíamos falar neste caso? - prosseguiu Rita, terminando a
sua bebida.
- O mistério, é saber como é que eles nos descobriram...
- Não é mistério nenhum... - interrompeu de pronto o colega.
- Não é!?... Então, nós não deixámos vestígios, não fomos à polícia, não contámos
esta história a ninguém...
- É verdade, tu és a primeira pessoa a quem contámos isto, - ajudou Joana - e para
além disso, o mais importante é que nenhum dos homens nos viu...
- Pois, é aí que está o engano... - voltou Jorge a interromper - ...eles viram uma de
vocês. Como não sei, mas de alguma forma eles devem ter visto a Rita, e foi por essa razão
que nos atacaram a semana passada no Miradouro - explicou o jovem olhando para Rita -
Lembras-te que houve um deles que disse: “ Podemos ir embora, não é esta! “ e afirmou que
tinha a certeza, por isso deve ter-te visto bem. Tivemos sorte porque ele confundiu-se e não
foi capaz de te reconhecer, caso contrário ter-nos-iam apanhado logo.
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- Então e o que é que pudemos fazer agora? - perguntou Sofia
- Só temos uma solução, ...desaparecer, ...mas desaparecer por completo e sem
deixar rasto durante algum tempo, pelo menos até termos a certeza de que eles desistiram de
nos procurar.
- E como é que vamos saber quando eles desistirem?
- Não se preocupem, eu também tenho as minhas fontes, e os meus conhecimentos...
- tranquilizou-as Jorge, sem no entanto querer abrir o jogo.
- E como é que vamos desaparecer, de modo a que eles não descubram - inquiriu
Joana não totalmente convencida pelas palavras do colega.
- Tenho cá umas ideias, depois vêem... - respondeu o anfitrião vagamente,
escusando-se novamente a revelar mais pormenores.
- Mas vamos ter que sair daqui, não é? - insistiu Joana
- Sim, tem mesmo que ser. Não vai tardar muito até que eles descubram quem sou e
onde moro, e ...esperem lá... a Isabel também pode correr perigo - disse, precipitando-se para
o telefone e marcando o número correspondente ao seu apartamento em Santarém.
- Isabel? - chamou, quando segundos depois, do outro lado da linha alguém levantou
o auscultador, reconhecendo de imediato a voz da irmã - Ouve... quero que tomes muita
atenção àquilo que te vou dizer, e que faças o que te peço...
- Passa-se alguma coisa? - indagou a jovem, compreendendo que algo de anormal se
passava com Jorge - Tu estás bem? - insistiu.
- Por favor, faz aquilo que te peço, e não faças perguntas... - pediu - Separa algumas
roupas, pega no BMW, e sai de casa já! Não voltes enquanto eu não te disser para o fazeres.
Toma atenção ao telefone do carro, que eu depois ligo para te dar mais instruções. Mas por
favor, não me ligues, nem para casa, nem para o carro, percebeste, aconteça o que
acontecer não me telefones, o.k.?
- Sim, compreendi. Mas diz-me o que se passa. Há algum problema? - perguntou de
novo Isabel.
- Sim, ...há, e... bem grande. Mas por enquanto está tudo bem, por isso faz o que te
peço, e não te preocupes. É muito importante que faças tudo o que te disse. Olha, eu agora
vou desligar, depois voltamos a falar... - disse por fim, pousando o auscultador em seguida.
- Ó Jorge, se nós vamos desaparecer, também vamos precisar das nossas roupas.
Temos de ir a casa buscar tudo... - lembrou Joana logo que o colega se virou para elas.
- Sim, ...têm razão. Esse pormenor não me tinha ocorrido... - começou com um ar
pensativo - E se eles estão a vigiar a casa? - continuou apreensivo.
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- Já não devem estar. Afinal, devem pensar que nós a esta hora já vamos longe, e
devem estar a reunir esforços para nos localizarem, por isso acho que não devem perder
tempo a vigiarem o prédio - replicou Sofia.
- Hum, não sei... - duvidou Jorge - aquilo que dizes não é mal visto. Por outro lado,
eles também se podem lembrar disso.
- Mas nós precisamos das nossas roupas! - pediu Rita - Para além disso, as
fotografias estão lá em casa...
- Mas não estavam em minha casa? - indagou Jorge confuso.
- Não, só os negativos... - esclareceu Joana.
- Está bem, vamos lá, embora eu continue a achar que é muito arriscado. Por via das
dúvidas, só vai uma comigo - decidiu ele - É mais seguro assim, ...e vamos esperar que
comece a anoitecer
- Então vou eu! - ofereceu-se Rita prontamente...
...
- Traz todos os agasalhos, e as roupas mais quentes que aí tiverem - pediu o jovem,
ficando à entrada do apartamento para evitar surpresas, enquanto que Rita tentava no meio
de toda a desarrumação reunir os mais quentes agasalhos das três.
- Calçado, também? - perguntou a colega lá de dentro.
- Sim, - respondeu ele dirigindo-se à janela do patamar daquele andar, tentando
certificar-se que estavam em segurança e que ninguém vigiava os seus movimentos.
Dez minutos mais tarde...
- Trazes tudo? - inquiriu Jorge, olhando para os três sacos de viagem que Rita
amontoara à entrada da habitação, mais a mochila que segurava.
- Sim... - respondeu, e fazendo uma pausa para pensar, prosseguiu concluindo -
Roupas e agasalhos, sapatos e botas, escovas de cabelo, etc.. Está tudo, podemos ir
embora.
- E as fotografias? - indagou o companheiro
- Não as trouxe, deixei-as no mesmo sítio. Se eles não as encontraram até agora,
acho que é preferível deixá-las onde estão.
- Sim, é uma óptima ideia - aprovou o jovem - Cachecóis e luvas, trouxeste?
- Não, ...é preciso? - perguntou ela, voltando a entrar no apartamento a um sinal
afirmativo do jovem, e regressando instantes depois, trazendo mais uma mochila.
- Vamos embora - disse o rapaz, pegando decididamente nas três malas.
Já no exterior atiraram tudo para dentro do porta-bagagens do desportivo vermelho e
entraram ambos no automóvel que arrancou logo em seguida. Durante a viagem de regresso,
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várias foram as vezes que Jorge olhou para os retrovisores, e a companheira notando a
insistência com que o jovem repetia aquele gesto não se conteve, e perguntou:
- Somos seguidos?
- Não, penso que não. Mas... com tipos como estes nunca se sabe, por isso o melhor
é não facilitar nem um pouquinho.
Por fim, o automóvel estacionou de novo em frente da habitação que pertencia aos
pais da prima Ana, agora de férias no Brasil, entrando os dois logo depois.
- Esperem aqui que eu vou só buscar umas roupas para levar - pediu ele,
desaparecendo no extenso corredor, e voltando alguns minutos mais tarde carregando dois
sacos de desporto - Pronto, estou despachado, vamos embora!
Jorge deixou que as colegas saíssem em primeiro lugar, saindo ele por último
certificando-se que a porta ficara bem trancada. Depois, juntou-se às companheiras, e em
grupo atravessaram a estrada, encaminhando-se para o automóvel estacionado quase
paralelamente à habitação. Os dois sacos que o rapaz transportava foram igualmente
arrumados no porta-bagagens do veículo, e por fim entraram todos. No momento em que
Jorge se preparava para fazer trabalhar o potente motor do Ford vermelho, apareceu de
súbito um carro em sentido contrário, que efectuou um pião, barrando-lhes o caminho...
- Merda!... São aqueles filhos da puta outra vez!... - exclamou o jovem reconhecendo
de imediato um dos dois Mercedes pretos aos quais se conseguira escapar nessa mesma
tarde - Devem-nos ter seguido desde vossa casa!... - concluiu, e sem se atrapalhar por um
instante, engrenou a marcha-atrás - Segurem-se bem que isto agora vai ser a doer! - avisou,
libertando o travão de mão, e acelerando a fundo.
Imediatamente o automóvel respondeu percorrendo umas boas dezenas de metros
andando ao contrário. Em seguida, Jorge puxou decididamente o travão de estacionamento,
e deu uma volta completa ao volante. O magnífico Ford fizera meio pião. Sem perder um
segundo que fosse, o condutor libertou de novo o travão, engrenou a primeira velocidade, e
arrancou bruscamente. Porém, de frente apareceu o segundo Mercedes, que se imobilizou
mesmo à frente deles. Jorge, puxou mais uma vez a alavanca do travão de estacionamento,
recuou, repetiu a manobra do pião, e com uma destreza e frieza notáveis avançou a grande
velocidade na direcção do primeiro automóvel. Depois, meio no passeio, meio na estrada
passou miraculosamente entre o obstáculo e o muro de uma das habitações vizinhas,
afastando-se velozmente. Contudo, ainda os perseguidores não tinham desaparecido nos
retrovisores, quando se ouviu um estrondo, e o espectacular Ford descontrolou-se quase
embatendo num poste de iluminação, antes de efectuar vários piões, até que se imobilizou
por completo.
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- Os cabrões atiraram-me aos pneus. Agora é que não há mais nada a fazer, estamos
perdidos - lamentou-se ele, embora não totalmente rendido - Só temos uma hipótese... -
principiou - ...talvez nem tudo esteja perdido. Façam aquilo que eu vos pedir sem fazerem
perguntas, e sobretudo deixem-me ser eu a falar, entendido? - pediu, falando muito depressa,
e quase em surdina, pois os perigosos malfeitores acercavam-se do veículo.
Do lado de fora, houve um cano de metralhadora que bateu suave e
provocadoramente no vidro...
- É outra vez aquele cabrão do rabo de cavalo... Filho da puta, começo a perder a
paciência com ele...
O outro, com a arma fez sinal para que todos saíssem do carro...
- Então, senhor Jorge de Melo, parece que nos voltamos a encontrar, não é - observou
com um sorriso muito pouco tranquilizador - Não te julguei tão ingénuo - observou, retirando
um aparelho minúsculo que estava escondido no pára-choques traseiro do Ford... - Voltar ao
apartamento foi estúpido - concluiu, atirando o objecto na direcção do rapaz.
- Um sinalizador! - exclamou Jorge - Assim podiam seguir-nos sem que eu vos visse...
- A aula acabou... - anunciou o outro, mudando imediatamente de expressão - Quero
as fotografias, e quero-as já! - ordenou, num tom de voz que não deixava grandes dúvidas.
- Nem penses... - respondeu Jorge tranquilamente, sem se mostrar muito
impressionado com a má-disposição do indivíduo do rabo-de-cavalo - As fotografias já estão
em segurança, com uma pessoa da minha total confiança e que tem as instruções para as
tornar públicas logo que eu falhe um contacto.
- Vais dizer-me onde elas estão, e já! - insistiu o homem com maus modos.
- Só podes estar a delirar... - replicou Jorge friamente, enervando ainda mais o sujeito.
Marco fez um sinal para que um dos seus cúmplices agarrasse Sofia, e encostando-
lhe o cano de um revólver à nuca ameaçou:
- Ou me dás as fotografias, ou quem paga são elas. Não queres ver os lindos miolos
delas espalhados pelo chão, pois não?
- Não queres começar antes por esta? - sugeriu Jorge empurrando Rita de encontro
ao seu interlocutor com um à-vontade no mínimo provocante - Ou porque não esta? -
continuou, apontando na direcção de Joana, que olhava para ele incrédula - Ou eu? E porque
não todos? Afinal o que são umas fotografias comparadas com...
- Estás a fazer bluff...
- Porque não tentas descobrir? Porém, devo-te avisar que cada um de nós tem que
confirmar com uma senha que só o próprio conhece que está bem. Só assim as fotos não
serão reveladas.
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- Não brinques comigo... - voltou a ameaçar o homem a quem os outros chamavam
Marco - Vou começar a contar, e não chego aos três... Um!... Dois!...
- Marco! - chamou a sinistra personagem do fato saindo do interior de um dos
automóveis - Pára com isso imediatamente! - ordenou rispidamente.
- Mas, ...mas, Dr. a nossa missão é...
- Cala-te imediatamente! Aqui quem dá ordens sou eu... - disse, falando num tom de
voz que não permitia discussão - O que é que queres em troca das fotografias? - perguntou
falando para Jorge.
- Não falo com lacaios... - principiou o jovem estudante - Só faço acordos com o outro
gajo, ...o chefão!
- O chefe sou eu, e quero as fotografias, se no-las entregares, bem como aos
negativos soltar-te-emos a ti e a elas, e não vos perseguiremos mais. Caso contrário as
coisas poderão ficar bastante feias para o teu lado... - avisou - Então, como é que é?
- Já te disse que não falo com lacaios. Eu quero falar é com o tal gajo de quem tu
falaste hoje de manhã, ... o tal que é uma pessoa muito importante...
- Mas meu caro amigo, essa pessoa foi uma invenção minha para vos convencer a
entregarem-me aquilo que pretendo.
- Deixa-te de merdas, e leva-me ao estrangeiro, ...ao Escobar.
- Mas deve haver algum engano, desconheço a pessoa a quem te estás a referir -
retorquiu o Dr., tentando ludibriar o rapaz, que no entanto não parecia totalmente convencido,
e muito menos disposto a ceder.
- Já te disse, que quero falar é com o argentino, colombiano, ou lá o que ele é. Eu só
falo com o Escobar, aquele que aparece nas fotografias, e que não quer ser encontrado -
arriscou o jovem - E escusam de fazer ameaças, ou nos levam a esse gajo, ou nada feito... -
terminou decididamente.
- Está bem - concordou o outro, concluindo que não tinha alternativa - Marco... -
chamou - ...traz as algemas, e distribui-os pelos carros.
- Mas Dr., os dois carros não chegam para tanta gente...
- Então, levamos também o dele - respondeu, apontado para o Ford vermelho -
mudem a roda. Não temos tempo a perder.
- Ninguém a não ser eu toca nesse carro... - ameaçou Jorge - ...e elas vão comigo no
meu carro.
- Não creio, meu amigo. Vamos fazer assim: tu vais guiar realmente o teu carro, ...e
vais-te portar bem, porque ali aquela moça vai comigo - disse apontando para Rita - e aqui o
Marco vai-te fazer companhia para garantir que tu desta vez não te enganas no caminho. Já
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andei um dia inteiro atrás de ti, por isso não estou disposto a perder mais tempo. E em
relação a ela, vai no meu carro para eu ter a certeza que tu vais ser um menino bonito...
- Nem pensem...
- Acalma-te rapaz - insistiu o sujeito do fato - ...não me parece que estejas em
condições de fazer exigências, portanto é como eu digo. E não te atrevas a pôr-nos à prova,
lembra-te que nós também temos os nossos trunfos... - acrescentou puxando Rita pelo braço
direito.
- Vais-te arrepender, eu ainda te hei-de lixar, cabrão! - insultou Jorge.
- Bem, ...cuidadinho com a linguagem - avisou, virando-se depois para Marco - Vocês
vão no meio, e tu vais sentar-te ao lado dele para mais facilmente o poderes controlar, e tem
muita atenção, o.k.? - findou o Dr., dirigindo-se com Rita para o mais próximo dos dois
Mercedes pretos.
- Então e as algemas? - lembrou Marco.
- Não são precisas. Era preciso ele ser muito estúpido para tentar alguma coisa com a
miúda ali.
- Entrem vocês, ...já! - ordenou Marco, logo que o homem que fora encarregado de
trocar a roda do automóvel terminou a sua tarefa, falando para Sofia e Joana, que
obedeceram de pronto - Agora vou entrar eu, ...e depois tu, entendeste?
Jorge acenou com a cabeça em sinal afirmativo, e aguardou em silêncio que o
malfeitor ocupasse o seu lugar, para que também ele pudesse entrar.
- Podes ir-te embora “ Rosé “ - disse ao homem que de arma em punho vigiava
atentamente todos os movimentos de Jorge - E tu, estás a ver isto? - perguntou, apontado
para o seu revólver - Espero que para teu bem não seja necessário servir-me dela...
- “ Rosé “!?... - repetiu o rapaz, vendo o outro afastar-se em direcção ao Mercedes
mais próximo - O gajo é espanhol? - indagou curioso.
- Não tens nada com isso! - respondeu o carcereiro com os maus modos e a antipatia
habituais - E agora silêncio. Põe o motor a trabalhar, e segue aquele carro... - ordenou, no
momento em que eram ultrapassados pelo primeiro veículo.
Jorge obedeceu em silêncio, e colocou-se entre os dois luxuosos automóveis negros.
Dirigiram-se primeiramente para Coimbra, e já no interior da cidade tomaram o caminho que
conduzia à auto-estrada. À entrada da via rápida o jovem compreendeu que viajavam para
sul, porém não fez comentários. Também no assento traseiro as duas raparigas não ousaram
contrariar a ordem de Marco, permanecendo mudas...
- Para onde vamos? - inquiriu Jorge alguns quilómetros mais à frente.
- Cala-te e guia! - foi a resposta rude que obteve do captor.
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- Preciso de saber... - insistiu o condutor, acrescentando depois - ...é que o carro não
tem muita gasolina, e estamos a chegar a uma bomba - informou avistando a placa indicativa
da distância a que se encontravam da Área de Serviço, seguida da distância até à próxima.
- A seguir a esta, onde é que há outra?
- Não sei bem... - principiou o jovem - ...mas sei que perto de Santarém existe uma! -
esclareceu, sem desviar os olhos da estrada.
- A gasolina chega até lá? - questionou a dura personagem do rabo-de-cavalo,
olhando fixamente para o ponteiro indicador do depósito de combustível, enquanto aguardava
por uma resposta do condutor que pensativo, acenou a cabeça em sinal afirmativo - Então
continua, paramos lá! - decidiu friamente...
...
- Posso pôr música? - pediu Jorge, quando o perigoso sujeito voltou a arrumar o
telefone móvel no compartimento do porta-luvas, depois de ter estado a conversar com os
comparsas, a fim de os prevenir para a paragem que iram efectuar.
- Eu ponho, - anunciou, baixando a cabeça - ...mas se tentas alguma coisa és um
homem morto - ameaçou rispidamente - Onde é que isto se liga? - perguntou ainda.
Jorge com a mão direita tacteou o painel do auto-rádio, e quando se apercebeu que o
outro estava distraído, não hesitou, e segurando-o pelos cabelos compridos, fez com que a
nuca do perigoso malfeitor fosse embater com bastante violência no tablier do Ford. Em
seguida, apanhou a arma que Marco deixara cair, e agrediu-o várias vezes com o punho da
pistola até que este tombou para o lado, desmaiado. Tudo isto se desenrolou em apenas
alguns segundos, no entanto o suficiente para que os papéis se invertessem.
- Tu és completamente louco! - exclamou Sofia, com uma expressão apreensiva - O
que é que vai acontecer quando eles chegarem às bombas de gasolina, e virem que tu lhe
trataste da saúde.
- Não se preocupem... - principiou o jovem - Eu ouvi a conversa dele ao telefone... e
sei o que tenho a fazer. Mas não há tempo a perder. Vou já telefonar à Isabel para vos vir
buscar... - decidiu Jorge, falando para as duas companheiras que seguiam no assento
traseiro, a cada momento mais surpreendidas pela imensidão de recursos, e facilidade de
improvisação do amigo.
- Mas onde é que vamos ficar? - indagou Joana, não conseguindo esconder as suas
inquietações.
- Na Área de Serviço, é claro! - respondeu ele, procurando no corpo inerte do agora
seu prisioneiro as mesmas algemas que o outro exibira em Coimbra, ao mesmo tempo que
guiava - Dois pares! - observou - Que sorte! - concluiu sorrindo com satisfação, guardando os
objectos metálicos num pequeno compartimento que integrava a consola central do tablier.
Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo
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- Que vais fazer com isso?
- Prendê-lo... não posso correr riscos, ou ele avisa os outros, e então é que estará
mesmo tudo perdido - explicou gravemente - Agora escutem: - prosseguiu - A Isabel há-de
vir-vos buscar, ela saberá como vos esconder num sítio seguro, e não se esqueçam de levar
os negativos convosco. Estamos a chegar... - anunciou o rapaz, desviando-se da via rápida e
entrando na zona do posto de reabastecimento, continuando a circular entre os dois
automóveis negros, que seguiram em frente, imobilizado-se algumas dezenas de metros mais
à frente. - Atenção, logo que eu parar, vocês só têm três ou quatro minutos no máximo para
fugir. Eu vou deixar a porta deste lado e a mala aberta, para ser mais fácil. Sejam rápidas e
discretas - pediu.
Jorge parou o espectacular Ford desportivo mesmo ao lado de uma das bombas, e
abriu a porta, saindo em seguida. Todos os seus movimentos eram atentamente seguidos a
curta distância a partir dos dois Mercedes. O jovem dirigiu-se para a bomba mais próxima e
pegou na pistola, introduzindo-a no bocal do depósito de combustível do seu veículo... No
interior, Sofia e Joana permaneciam sentadas, aguardando desesperadamente por uma
oportunidade para se esgueirarem. Entretanto, o rapaz atestou o depósito, sempre debaixo
do olhar do bando de malfeitores que aguardava mais à frente, e dirigiu-se para o edifício do
posto a fim de pagar o combustível que metera. Esta operação não demorou mais que dois
minutos. Já no caminho de regresso constatou desapontado que as colegas não tinham ainda
conseguido fugir. Porém, acabara de parar um camião enorme entre o Ford Escort RS
Cosworth e os dois luxuosos automóveis que impedia que os seus movimentos pudessem ser
observados pelos captores.
- “ É agora ou nunca! “ - pensou, correndo velozmente na direcção do seu carro -
Saiam! - pediu - Rápido, não podemos perder mais tempo - disse, dirigindo-se ao porta-
bagagens do Ford, e tirando para fora toda a bagagem que pertencia às companheiras.
- Então e tu? - indagou Joana, com uma expressão apreensiva.
- Eu vou atrás deles... - respondeu - Não vou deixar a Rita sozinha! Eu sei cuidar de
mim, está descansada! - tranquilizou-a, sentando-se apressadamente ao volante, enquanto
se servia das algemas para amarrar o perigoso patife que jazia desmaiado e sem sentidos no
assento contíguo ao seu.
- Por favor, tem cuidado! - recomendou Sofia partilhando da preocupação da amiga.
Primeiro prendeu os pulsos de Marco passando-os por detrás das costas do assento,
prendendo-lhe depois as pernas à estrutura metálica do banco, e por fim amordaçou o outro
servindo-se para tal do lenço que tirara do bolso do seu casaco. Em seguida, ligou o motor, e
seguiu devagarinho, para junto dos dois Mercedes, que permaneciam imobilizados no
exactamente no mesmo lugar. Estes, quando o viram aproximar-se, iniciaram a marcha,
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formando de novo a coluna que ali chegara, com o desportivo vermelho a circular outra vez
entre os dois carros alemães.
- “ Por agora, está tudo bem! “ - pensou aliviado, regressando à via rápida, enquanto
procurava no compartimento do porta-luvas o mesmo telefone móvel de que Marco se servira
momentos antes.
Logo que o encontrou, e sempre sem desviar os olhos da estrada foi marcando o
número do telemóvel que estava instalado no BMW amarelo, que lhe pertencia igualmente.
Do outro lado Isabel atendeu de imediato:
- Isabel, sou eu!...
- O que é que se está a passar, para quê tudo isto? - inquiriu a irmã um tanto confusa,
e muito pouco satisfeita.
- Primeiro escuta-me... - pediu - Quero que vás às bombas de gasolina da auto-
estrada, aí em Santarém e que apanhes a Sofia e a Joana que já lá estão à tua espera.
Depois quero que as leves a casa para elas irem buscar uma coisa muito importante que lá
deixaram, e depois vão todas para a casa de férias, e deixem-se lá ficar até eu lá chegar.
Posso contar contigo?
- Claro que podes, mas por favor explica-me o que se passa. O que é que me estás a
esconder? Estás em perigo?
- Está tudo bem, não te preocupes. - mentiu Jorge - Mas agora não posso falar... -
continuou vagamente, escusando-se a revelar mais pormenores que pudessem assustar a
irmã - Tudo o que te posso dizer é que andam uns tipos atrás delas por causa dumas
fotografias, e apanharam a Rita... Compreendeste tudo? - questionou o rapaz.
- Sim, vou buscá-las à área de serviço, e depois levo-as para a Serra da Estrela, é
isso?
- É isso mesmo. Mas não te esqueças de passar por casa, é muito importante, e
deixem-se estar em lá em casa até eu aí chegar... Eu agora vou desligar. Vai buscá-las já,
que elas põem-te ao corrente da história. E aconteça o que acontecer deixem-se ficar na
serra, e sobretudo, não me telefones, por favor, não telefones - recomendou Jorge uma vez
mais, despedindo-se da irmã, e voltando a guardar o telefone portátil no porta-luvas.
Tanto à frente, como atrás, ninguém nos dois elegantes automóveis pretos parecia ter
notado nada de anormal. A fuga das duas jovens não teria, pelo menos aparentemente, sido
detectada.
- “ Tanto melhor! Assim a Isabel tem tempo suficiente... “ - pensou aliviado,
recostando-se descontraídamente no confortável assento de desenho desportivo,
continuando absolutamente compenetrado na condução.
Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo
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A viagem continuou por auto-estrada durante bastante tempo. Sempre alinhados em
fila, separados por escassos metros, os três veículos continuaram seguindo a direcção de
Lisboa. Antes porém de entrarem na cidade, e embora continuassem numa via rápida,
tomaram o caminho que conduzia ao sul. Na altura em que rolavam por cima do “tabuleiro” da
Ponte Sobre o Tejo, igualmente conhecida por Ponte 25 de Abril, o passageiro que seguia ao
lado do jovem parecia dar sinais de ter começado a recuperar a consciência. Por fim, ergueu-
se com bastante dificuldade no assento desportivo do Ford vermelho, abrindo os olhos e
fitando o condutor com dureza. Em seguida, olhou para o banco traseiro, e constatando
furioso que as duas raparigas haviam fugido soltou alguns grunhidos imperceptíveis por
causa da mordaça.
- Ah! Sim, ...elas... - principiou Jorge, tranquilamente, sem se mostrar demasiado
preocupado com a expressão ameaçadora do seu prisioneiro - ...bem, elas não estavam a
apreciar o passeio, e por isso tiveram que sair mais cedo... - continuou sorrindo, enervando o
outro que em vão tentava libertar-se - ...sabes, tu não foste nada simpático! Assim nunca
conseguirás apanhar nenhuma!... - concluiu, sem que Marco deixasse de se contorcer, não
conseguindo fazer grandes progressos, embora continuasse a emitir os mesmos ruídos
estranhos, tentando a todo o custo falar, mas que a mordaça abafava, tornando-os
incompreensíveis - É música que tu queres? Não há problema... - disse, premindo a tecla que
fazia com que o auto-rádio funcionasse - Vês, já temos música! Se pedires com delicadeza...
Marco não parecia porém disposto a calar-se, e muito menos no que diz respeito ao
manter-se quieto, movendo-se continuamente no assento dianteiro do sensacional automóvel,
não desistindo de dar safanões no banco, na ânsia de se libertar.
- Importas-te de te calares... - pediu Jorge fitando-o por momentos - E pára quieto
porque não vais conseguir libertar-te. Por isso, o melhor será estares quietinho, e apreciares
a música, ou voltarei a usar isto... - ameaçou o jovem com mau-humor, mostrando
prontamente a arma de fogo de que se apropriara.
O outro, compreendendo que os seus esforços na tentativa de se libertar eram inúteis,
e perante a ameaça do captor que tinha um ar de quem não parecia disposto a brincadeiras,
calou-se de imediato, e recostou-se no confortável assento, não voltando a esboçar o mais
leve sinal de se pretender movimentar.
- Assim está melhor! - observou Jorge, prosseguindo viagem, sempre de permeio
entre os dois carros de fabrico estrangeiro - Ainda falta muito? - inquiriu, voltando a dirigir-se
ao prisioneiro, que se limitou a acenar negativamente com a cabeça...
Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo
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Capítulo 5
- É aqui? - interrogou Jorge, quando cerca de uma hora após terem atravessado a
ponte sobre o rio Tejo, o primeiro Mercedes estacou junto a um enorme portão, cercado por
um muro elevadíssimo...
Marco não respondeu, limitando-se a confirmar com um aceno de cabeça que haviam
chegado ao destino.
Por fim, o portão abriu-se lentamente... O automóvel que estava imobilizado à frente
do admirável Ford vermelho avançou muito devagar, seguindo o trilho do asfalto que alguns
metros mais à frente fazia uma ligeira curva, começando também a subir. Só no fim de
contornar a curva é que o jovem conseguiu enfim avistar a sumptuosa mansão que se erguia
à sua frente, por causa das frondosas árvores que cresciam em grande número, rodeando
por completo a grandiosa habitação. Mesmo assim, e apesar de ser noite, o rapaz conseguiu
distinguir claramente os contornos da construção. Era uma moradia de dois pisos,
provavelmente com águas-furtadas, pois podiam-se observar várias janelas separadas em
intervalos regulares que saíam do telhado. A forma desta seria aparentemente rectangular,
muito próxima no entanto da quadrangular, e tinha uma entrada riquíssima, com uma
cobertura que era sustentada por seis enorme colunas possivelmente em pedra, e que
lembrava a Jorge as entradas das antigas domvs romanas. Finalmente o automóvel que
seguia na dianteira imobilizou-se, mesmo ao lado da entrada principal da mansão. O jovem
parou logo atrás, ficando de imediato trancado entre os dois luxuosos Mercedes negros. Em
seguida, o espectacular Ford vermelho foi rapidamente cercado por vários sujeitos munidos
de armas de fogo que se distribuíram estrategicamente em redor da viatura. Sem perder o
sangue frio, Jorge pegou na pistola que tirara ao prisioneiro, e apontou-lha à nuca...
- Trá-los cá para fora Marco! - ordenou o Dr.
- Vamos fazer uma troca... - gritou o destemido rapaz abrindo a porta do veículo - O
vosso homem pela Rita! - continuou, deixando que os bandidos vissem claramente que Marco
fora feito prisioneiro - Quero-a aqui já!
A um sinal da pérfida personagem do fato, “Rosé” dirigiu-se ao primeiro automóvel da
fila, e pediu à jovem que saísse, aprisionando-a logo que ela saiu. Depois, puxou habilmente
de uma enorme faca e passou-a à volta do pescoço da atraente rapariga.
- Larga isso, e solta-o ...imediatamente - ordenou impaciente o Dr. - Será que estás
mesmo disposto a arriscar a vida dela? - prosseguiu com uma expressão de dúvida - Então,
desistes ou não?
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Jorge hesitava... Não queria de forma alguma colocar a vida da colega em risco, além
disso ainda tinha um trunfo na manga. Desse modo, decidiu render-se. Contudo, antes que
tivesse tempo para o fazer, a colossal porta da mansão foi aberta, surgindo à entrada um
homem alto, forte, de cabelo já grisalho, sentado numa cadeira de rodas, que conduzido por
um sujeito que vestia de negro avançou decididamente para o Dr., acompanhado de perto por
vários seguranças.
- Que se passa? Porque razão não os levam para dentro?
- Ele apanhou o Marco! - esclareceu o outro.
O recém-chegado ouviu atentamente as palavras do seu subalterno, e sem responder
pediu com um sinal que o levassem para perto do Ford vermelho. Depois, pausadamente, fez
com que as rodas da cadeira onde estava sentado deslizassem muito devagar, aproximando-
se ainda mais da viatura.
- Como podes ver estou desarmado... - disse serenamente, levantando ambas as
mãos e fitando Jorge nos olhos - Não tens hipóteses. Rende-te, estás cercado...
- Nem penses...
- Eu sou um homem honrado... - insistiu o sujeito - Se te entregares, nada te
acontecerá, tens a minha palavra. Mas se continuares a resistir as coisas poderão ficar muito
feias, especialmente para a tua linda amiga... - terminou, aguardando que o jovem tomasse
uma decisão - Sê sensato... - recomendou ainda mantendo-se imóvel no assento.
Jorge reconheceu que os seus recursos se tinham esgotado. Estava completamente
cercado, e isolado. O seu único trunfo era Marco. Ainda para mais, “Rosé” mantinha a faca
sob a garganta de Rita. A melhor atitude a tomar seria entregar-se sem resistir mais,
pensava, olhando uma última vez para a colega, enquanto entregava a pistola do prisioneiro
do rabo-de-cavalo ao desconhecido. Depois, foi puxado violentamente para fora do automóvel
e algemado de imediato. Entretanto do outro lado do carro vários homens ocupavam-se da
tarefa de libertar Marco, que de pronto correu para Jorge tentando agredi-lo.
- Marco, ...pára imediatamente! - repreendeu com autoridade a altiva personagem -
Eu dei a minha palavra, ...e vou cumpri-la... - acrescentou.
- Mas este filho da puta, soltou as outras duas miúdas...
- Ele fez o quê? - perguntou irado o indivíduo estrangeiro, apanhado totalmente
desprevenido com a revelação de Marco - Como foi isso possível se o Fontes ainda há vinte
minutos me telefonou a dizer que tudo corria bem!?...
- Mas Enrique o Dr. não sabia de nada... - principiou, enquanto alguns dos seguranças
revistavam o Ford Escort RS Cosworth - Tivemos que parar para meter gasolina, e este
cabrão deu-me um soco, bateu-me com a arma, eu devo ter desmaiado, e ele aproveitou para
as soltar.
Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo
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- Não está cá mais ninguém, só duas malas de viagem - informou um cúmplice.
- Mas como? - perguntou-se Fontes, acercando-se de Jorge com cara de poucos
amigos - Nós só deixámos de o ver por alguns segundos porque meteu-se um camião no
meio, mas ele apareceu logo, é impossível que tenha tido tempo...
- Como é que foi possível duas miúdas terem fugido mesmo nas vossas barbas,
...quando já as tinham apanhado!?... - interrogou Enrique, levantado a voz pela primeira vez,
gritando irritadíssimo - Vocês são umas bestas!... - acrescentou furioso, dando um murro
violento no braço da cadeira de rodas na qual continuava instalado.
- Mas Enrique...
- Não quero desculpas... Quero resultados!... - interrompeu furioso, pouco disposto a
escutar as justificações que o Dr. lhe queria transmitir - Ando eu a pagar-vos uma fortuna, e
vocês só fazem merda... Imbecis!... Idiotas!... Incompetentes!... - insultou cada vez mais
agastado e exaltado.
- Ele deve saber onde elas estão! - lembrou Marco, aproveitando uma pausa do amo,
apontando colérico para Jorge, que permanecia imóvel vigiado atentamente por diversos
homens que vestiam de negro.
- Tragam-nos para dentro... - decidiu Enrique recuperando o sangue-frio - Temos que
as encontrar rapidamente! É absolutamente necessário apoderamo-nos dessas fotografias... -
acrescentou apreensivo, fazendo um sinal ao homem que conduzia a cadeira de rodas para
que o levasse de novo para o interior da moradia.
Jorge e Rita seguiram-no sem oferecerem resistência, e embora sempre sob apertada
vigilância conseguiram trocar discretamente algumas curtas palavras:
- Estás bem? Não te fizeram mal? - indagou o jovem quando penetraram no amplo hall
de entrada da deslumbrante habitação.
- Não, ...só me ameaçaram... - respondeu vagamente, e quase em surdina - E tu,
...como estás?
Porém, ela foi empurrada mais para a frente, pelo que não tiveram oportunidade de
dizer mais nada. Instantes mais tarde estavam ambos sentados lado a lado numa divisão que
servia simultaneamente de escritório e biblioteca sumptuosamente decorada e mobilada, na
presença do enigmático indivíduo que convencera o rapaz dos cabelos louros a entregar-se.
- Permitam que me apresente... - disse, falando pausadamente enquanto fumava um
charuto, oferecendo um a Jorge, que educadamente recusou - ...o meu nome é Enrique
Escobar, e tanto para a polícia boliviana, como para a Interpol, ou até mesmo para a DEA, eu
estou morto... - continuou, sorridente - Há alguns meses atrás eu simulei a minha morte, ...um
trágico acidente de automóvel nos Estados Unidos, e com muitas testemunhas, ...como
convém. Só que não era eu que ia no carro, e por sorte a minha ficha dentária coincidia com
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os dentes do infeliz agente da DEA que tão voluntariosamente tomou o meu lugar.
Coincidências... - observou com uma expressão mordaz - Depois, foi tão somente sair do
país, e encontrar um lugar agradável onde tranquilamente pudesse gozar a minha reforma...
- E Portugal era o paraíso...? - antecipou-se Jorge com perspicácia.
- Brilhante dedução meu jovem... - disse, fazendo uma pausa, prosseguindo depois -
Portugal era o país ideal, tem muito sol, leis favoráveis, e é um país onde tendo os amigos
certos, e desde que eles estejam contentes, tudo se arranja. Para além disso eu vivi muitos
anos cá, conheço os costumes a língua, e é cá que tenho, ...digamos que... bem... a minha
organização estende-se por toda a Europa, mas é aqui em Portugal que eu tenho conseguido
maiores lucros no meu negócio. Como naturalmente já devem ter compreendido eu dedico-
me ao comércio de...
- Comércio, hem... - interrompeu Rita, não conseguindo conter a sua indignação -
Chama comércio a isso que faz, destruir as vidas de milhares de pessoas...
- Sim, - recomeçou o anfitrião delicadamente, não se ofendendo com o comentário da
jovem - ...é um comércio limpo, ainda que ilegal, reconheço. No entanto, eu vendo e as
pessoas compram. Eu não obrigo ninguém a tomar drogas, eles procuram, pagam o meu
preço e eu vendo, livremente, e sem qualquer tipo de pressões... Além disso, também o
tabaco e o álcool matam e destroem milhares de vidas todos os anos, provocam igual
dependência, e ninguém parece condenar isso; os narcóticos e os estupefacientes não são
mais perigosos do que a bebida e os cigarros, e em público quem mais os condena é quem
em privado mais os procura, ou até obtém altos dividendos à sua custa... - disse com uma
expressão sincera - Mas, ...mudando de assunto, vamos ao que realmente interessa. Visto
que fui descoberto por vós, já não é para mim seguro permanecer em Portugal, e por isso
terei que procurar um paraíso alternativo. Contudo, eu não me quero ir embora sem ter a
certeza absoluta de que ninguém poderá provar que eu estou vivo, e como devem
compreender, depois de todo o trabalho que tive a encenar a minha morte, é para mim muito
importante que essas fotografias que vocês conseguiram, ...desapareçam.
- E se nós não estivermos dispostos a colaborar? - interpelou Jorge, sempre com uma
frieza a toda a prova.
- Por certo que vão colaborar. Eu estou disposto a entrar num acordo convosco. As
fotografias, e respectivos negativos em troca da vossa liberdade. Com vêem, é simples,
vocês dão aquilo que eu pretendo, e eu libertar-vos-ei. Porém, existe uma condição: quero
que me digas onde é que as nossas duas amigas que tu ajudaste a fugir estão escondidas.
Então, temos acordo? - questionou Enrique, pedindo uma bebida a um dos seguranças
presentes.
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- Não me parece mal... - começou Jorge, fingindo analisar a proposta do interlocutor -
No entanto, não sei porquê, mas não confio muito... - disse, duvidando da amabilidade do
outro.
- Tens a minha palavra... Enrique Escobar é um homem honrado - garantiu,
principiando a saborear a sua bebida - Então, vais dizer-me onde é que elas estão?
- Não... - respondeu Jorge provocadoramente.
- Não abuses da minha paciência. Eu sou um pessoa tolerante, mas...
- Chefe, dê-me meia-hora a sós com ele... - pediu Marco interrompendo o amo - ...eu
arranco-lhe a verdade a murro.
- Chega Marco... - retorquiu Enrique olhando duramente para o seu segurança - Eu dei
a minha palavra!... Mais uma vez te pergunto onde é que escondeste as duas moças - insistiu
de novo o sujeito sul-americano, virando-se outra vez para o jovem estudante que
permanecia tranquilamente sentado na poltrona continuamente vigiado pelos sinistros
homens que vestiam de negro.
- A verdade é que não sei... - repetiu Jorge confiante.
- Quanto vale para ti a vida da tua linda companheira? - indagou Escobar, mostrando-
se um tanto impaciente com a persistência do seu prisioneiro
- Já te disse que não sei...
- Parece que não compreendeste a minha mensagem. Ou começas a colaborar, ou
então vais vê-la morrer, ...devagarinho - ameaçou colérico - Não me menosprezes pela minha
deficiência, já outros o fizeram, e arrependeram-se...
- Eu não sei de facto onde é que elas estão. Tudo o que te posso dizer, é que as
deixei realmente nas bombas da auto-estrada em Santarém. Depois, telefonei à minha irmã, e
pedi-lhe que as fosse lá buscar, alugasse um carro, e que desaparecesse pelo menos
durante duas semanas... - revelou por fim Jorge, perante a surpresa do inquisidor - A minha
irmã é uma rapariga cheia de recursos, e principalmente de amigos. Se ela fizer aquilo que
lhe pedi resta-vos esperar que ela apareça, pois com os conhecimentos dela jamais a
encontrarás, a não ser que ela o queira - acrescentou ainda com um ar triunfante.
- Se isso é verdade, tenho que reconhecer que por agora levas uma vantagem
importante no nosso joguinho, mas conforme te disse, eu também tenho os meus recursos, e
ainda não joguei todos os meus trunfos... - replicou sem se mostrar demasiado impressionado
por mais este contratempo - E quanto a vocês... - prosseguiu falando mansamente para os
seus subordinados - ...são umas bestas!... Uns incompetentes!... Como é possível que um
tipo sozinho possa pôr em causa a toda a minha organização, e meses e meses de
trabalho!... - gritou visivelmente irado, dando um murro violento sobre a secretária de madeira
exótica - O que é que têm a dizer acerca disto?
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Contudo, ninguém ousou responder, e fez-se um silêncio quase absoluto na sala,
unicamente interrompido pelo próprio anfitrião que continuou ordenando:
- Vão procurá-las! E não se atrevam a voltar de mãos a abanar. Eu quero sair do país
o mais breve possível, e tenho que ter as fotografias! Saiam! - exigiu agastado.
Os perigosos sujeitos que vestiam de negro abandonaram de pronto a divisão não
ousando contrariar a ordem dada por Enrique. Na ampla sala, ficou apenas o líder da
organização, os dois prisioneiros, o Dr. Fontes, Marco, e ainda o tal que todos tratavam por
“Rosé”.
- Bem, até que aqueles inúteis me consigam trazer outras moças, vocês serão meus
convidados nesta casa - anunciou amavelmente o anfitrião, começando outro charuto.
- Haverá alguma hipótese de nós recusarmos o seu amável convite? - indagou o
jovem com ironia.
- Não me parece, ...e se o fizerem eu insistirei energicamente para que fiquem. São
meus hóspedes até conseguirmos recuperar as nossas fotos...
- Ah, bem me parecia - redarguiu Jorge mordazmente - Já agora, não causaria muito
transtorno, e já que somos visitas, tirarem-nos as algemas?
- Tirem-lhas - solicitou o altivo sujeito boliviano, falando para os dois seguranças que
haviam permanecido no escritório - Bem, ...já passa bastante da meia-noite, e depois de um
dia tão agitado e atribulado decerto que os meus hóspedes estarão exaustos...
- Sim, de facto - admitiu o rapaz bocejando longamente - Perdão... - desculpou-se.
- Uma vez que assim é, - decidiu Enrique - instala-os a ambos no quarto do sótão, e
certifica-te que a porta fica bem fechada, para que os nossos amigos não possam ser
importunados - recomendou friamente a “Rosé” - Ah, ...desculpem, ...que falta de educação a
minha. Não se importam de ficar no mesmo quarto?
- Não, claro que não, de modo algum... - respondeu Jorge aliviado - “ Pelo menos
vamos ficar juntos! “ - pensava, enquanto acrescentava - ...não queremos abusar da sua
hospitalidade...
“Rosé” solicitou a Marco que o acompanhasse, e os dois levaram Rita e Jorge para o
magnificente hall de entrada, fazendo-os subir uma escada em madeira exótica ricamente
esculpida; uma verdadeira obra de arte pensava o rapaz. Ao chegaram ao primeiro andar
ficaram em frente de um extenso corredor para o qual foram encaminhados pelos dois
perigosos sujeitos que seguiam atrás, sempre de arma em punho. Enquanto cruzavam o
passadouro, Jorge ia olhando de relance para as inúmeras pinturas penduradas nas paredes
em intervalos mais ou menos regulares, provavelmente bastante valiosas supôs. No final do
corredor voltaram a subir um segundo lanço de escadas, este bastante mais simples que
aquele que partia do piso térreo, encontrando-se de novo num corredor igualmente comprido.
Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo
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Por fim, “Rosé” abriu uma porta, fazendo-lhes sinal para que entrassem. Indicou-lhes onde
era o quarto de banho, e em seguida, já de saída preveniu:
- Estão a ver aquilo ali...? - disse apontando para uma câmara de vigilância instalada
por cima da entrada para o quarto de banho - Aquilo permite-nos ver tudo o que fizerem aqui
dentro. Se tentarem fugir nós vemos, se taparem a objectiva, nós estaremos logo aí, e do
lado de fora vai estar sempre um guarda. Por isso é inútil tentarem fugir.
- Ali no roupeiro têm tudo aquilo de que precisam... - informou Marco com a rudeza
habitual, aproximando-se sorridente de Jorge - E tu, ...tem cuidado. Quando eu te apanhar,
...nem queiras saber, entendeste? Dá-me só um pretexto, ...cabrão!... - findou, agredindo
Jorge com um soco certeiro que o deixou estendido no chão, saindo de imediato.
Rita, acercou-se do companheiro de pronto, ajudando-o a erguer-se, enquanto que do
lado de fora chegava o ruído da chave rodando na fechadura.
- Está fechada! - concluiu o jovem tentando forçar a porta - Nada feito, é muito forte... -
acrescentou, começando cuidadosamente a afastar móveis, virando quadros, espreitando
debaixo da cama...
- Que procuras? - inquiriu a colega chegando junto dele.
- Microfones... - esclareceu o rapaz - ...quero saber se para além de observados não
estamos também a ser escutados. - disse, prosseguindo a sua busca - Bem, parece-me que
está limpo, podemos falar à vontade, não há microfones escondidos, e a câmara só capta
imagens.
- E agora, que vamos fazer? Tenho medo... - principiou Rita receosa, falando
sumidamente.
- Tem calma... - redarguiu Jorge, abraçando-a com ternura, na tentativa de acalmar a
inquieta e dócil jovem - Temos o tempo a nosso favor. Em duas semanas por certo que
conseguiremos arranjar uma forma de escapar... - tranquilizou-a falando com confiança.
- Mas aquele tipo nojento do rabo-de-cavalo, ...tenho tanto medo do que ele te possa
fazer...
- Está descansada, não te preocupes. Enquanto for o estrangeiro a mandar...
- Mas eu ainda confio menos nesse fulano! - interrompeu Rita quase soluçando -
Assim que ele tiver as fotografias, por certo que se vai livrar de nós. E tu não devias confiar
nele nem um bocadinho. Ele serve-se da sua deficiência para manipular as pessoas. E tu
estás a cair no jogo dele, ele é muito mais perverso do que parece. Aquela cadeira de rodas é
uma arma que joga a seu favor - acrescentou Rita, muito nervosa.
- E quem te disse que eu confio nele?
- Se desconfias dele, porque razão lhe disseste que elas vão aparecer daqui a duas
semanas?
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- Tu acreditaste nisso...!? Fui assim tão convincente!?... - exclamou surpreendido -
Bem, se te enganei a ti, talvez também o paralítico de merda tenha engolido a história... -
acabou, deitando-se radiante em cima de uma das camas.
- Estavas a mentir!?... - exclamou atónita, já bastante mais calma.
- Claro que sim! - respondeu Jorge sorridente - Mas, cuidado... - avisou baixando a
voz e continuando quase sussurrando - não podemos facilitar, e embora eu não tenha
conseguido encontrar microfones, não quer dizer que eles não existam.
- Então tu sabes onde elas estão escondidas? - perguntou Rita, sentando-se na outra
cama.
- Vem cá... - pediu, fazendo uma pausa enquanto esperava que a companheira se
aproximasse - Elas estão escondidas numa casa que tenho na Serra da Estrela...
- E a Isabel...?
- Está com elas. Por isso, não te apoquentes. Elas estão em segurança. A casa é
isolada, e ninguém, a não ser a Isabel sabe que sou eu dono. Se não tivéssemos sido
apanhados era para lá que iríamos todos... - revelou, falando muito baixinho ao ouvido da
rapariga.
- E, ...a história das duas semanas?
- É tudo treta. Foi uma bela história, que nos acabou de dar duas semanas para
elaborarmos um plano de fuga... - continuou, falando quase em surdina.
- Só que há a câmara, os seguranças, e lembra-te que estamos num sótão fechados à
chave... - retorquiu a jovem
- Detalhes... - minimizou Jorge, parecendo extremamente seguro de si, e igualmente
confiante - ...facilmente ultrapassáveis - acrescentou, sempre com a mesma frieza - Há
muitas coisas sobre mim que tu não sabes... - disse, vagamente.
- Queres falar sobre isso? - sugeriu Rita mostrando-se bastante interessada no
passado do companheiro.
- É uma longa história que um dia te contarei, ...prometo. Por agora tudo o que te
posso dizer é que, há três quatro anos atrás, quando eu era mais novo, afastei-me do
caminho de Deus, e fiz muitas coisas reprováveis. A menos grave, foram as drogas;
...consumi de tudo, desde haxixe a heroína, LSD, cocaína, etc... Bem, mas isso felizmente já
pertence ao passado. Agora vamos mas é dormir que eu estou mortinho de sono - terminou,
mudando rapidamente de assunto.
Vou-me trocar - assentou Rita, compreendendo que o colega não estava ainda
preparado para lhe revelar todos os pormenores sobre a sua vida, enquanto se dirigia para o
quarto de banho com um pijama debaixo do braço esquerdo.
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A rapariga voltou apenas volvidos alguns minutos, e em seguida também Jorge entrou
na acolhedora dependência a fim de vestir o pijama que a esbelta jovem lhe entregara. Enfim,
enrolaram-se ambos no meio dos lençóis, procurando a melhor posição para repousarem.
- Jorge!? - chamou a rapariga baixinho.
- Sim...?
- Posso ir dormir contigo? - arriscou a medo.
- Claro que podes... - anuiu o companheiro, chegando-se mais para a sua direita.
- És bestial... - elogiou Rita, passando-se para a cama contígua à sua, acomodando-
se entre os vários cobertores - Até amanhã!... - disse, envolvendo o rapaz nos seus braços ao
mesmo tempo que o beijava apaixonadamente nos lábios, que recuou surpreso - Desculpa,
...fiz mal?
- Não, ...gostei muito, ...só que apanhaste-me desprevenido, não estava nada à
espera... - explicou Jorge algo confuso.
- A sério que não ficaste zangado?
- Juro. E para ser sincero adoraria repetir, mas não à frente da câmara, porque fico
sempre um pouco embaraçado.
- Ainda bem... - redarguiu aliviada - Só te queria dizer mais uma coisa:
- Podes falar.
- Queria dizer-te que gosto muito de ti, que tens sido um amigo espectacular, e pedir-
te desculpa por te termos envolvido em toda esta trapalhada...
- Esquece isso... Embora estejamos prisioneiros, nada está ainda perdido... -
descansou-a Jorge, com a sua habitual serenidade - Vais ver, daqui a uns dias estaremos
todos juntos outra vez. Vá, agora dorme...
- Boa noite! - desejou Rita, voltando-se para o outro lado, deixando que Jorge
passasse os seus fortes braços em torno do seu corpo frágil e delicado...
Depois de um dia tão extenuante, recheado de inúmeras emoções e peripécias,
estavam ambos exaustos, pelo que não demorou muito até que dormissem profundamente,
sempre vigiados através da câmara de segurança instalada numa das paredes do quarto.
Repousando tranquilamente no último piso da soberba mansão, os dois jovens não
suspeitavam da conversa que se desenrolava no mesmo escritório onde haviam estado
pouco tempo antes.
- Mas Enrique, escuta....
- És uma besta Fontes!... - insultou com arrogância o sujeito boliviano - Eu não quero
desculpas, ...quero resultados. Vocês falharam porque foram incompetentes. Como é
possível que um miúdo de vinte anos vos consiga iludir. Isso só aconteceu porque vocês o
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subestimaram - continuou não muito contente - Temos que conseguir essas fotografias a todo
o custo, e depois livramo-nos deles...
- Ele sabe de certeza onde as outras duas estão escondidas! - interrompeu o Dr. - Eu
podia....
- Eu também sei disso... - revelou Escobar.
- Então porque não me deixou arrancar-lhe a verdade a murro? - indagou Marco algo
confundido pelas palavras do amo.
- Não valeria o esforço... - limitou-se a responder o perigoso traficante com a frieza
habitual - Eu tenho uma ideia melhor... - prosseguiu com serenidade, acendendo mais um
charuto - Será o nosso amigo a levar-nos até às outras duas miúdas e às fotografias!
- Não estou compreendendo... - declarou “Rosé” pensativo.
- Para vencermos o inimigo teremos que aprender a pensar como ele, e se necessário
deixarmos que seja ele a jogar primeiro. Lembras-te disto? - indagou Enrique falando para o
seu segurança.
- Foi o “pátron” quem me disse isso uma vez há muitos anos atrás, quando a
organização do Ramirez andava a tentar dar cabo de nós...
- Exactamente “Rosé”, e com este gajo teremos que deixar que seja ele a jogar
primeiro...
- Como...?
- Vamos convidá-lo a fugir, e deixamos que ele nos leve até às outras duas...
- Ou três... - lembrou o Dr. - Não sabemos se a irmã dele está realmente com elas!
- Mas como é que estás a pensar fazer isso Enrique?
- Não te preocupes, Marco. A seu tempo verás, - respondeu vagamente o líder, com
um sorriso enigmático - ... amanhã jogaremos a nossa primeira cartada, e depois é só esperar
que o peixe morda no anzol - acrescentou não querendo revelar mais pormenores - Estou
muito cansado. Leva-me para os meu aposentos, “ Rosé” - pediu por fim aguardando que os
seus homens o ajudassem a instalar-se na cadeira de rodas que estava mesmo ao lado da
poltrona em que se encontrava naquele momento.
...
Entretanto, o que sucedera com Sofia e Joana, que Jorge deixara no posto de
abastecimento da auto-estrada em Santarém?
Depois de o jovem ter abandonado o local, as duas raparigas sempre protegidas pelo
camião que acabara de chegar, viram o colega afastar-se, e depois voltar a rodar entre os
dois Mercedes negros, enquanto aguardavam que Isabel aparecesse.
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- Ele conseguiu! - exclamou Sofia radiante - Aqueles idiotas caíram mais uma vez! -
concluiu, vendo os três automóveis regressarem à via rápida.
- Tenho fome... - anunciou Joana - Vamos comer qualquer coisa? - sugeriu, pegando
na carteira...
- Eu também estou mortinha de fome, afinal só almoçámos, e já passa das nove -
observou consultando o seu relógio de pulso - ...mas mesmo assim, ...não sei... - hesitou -
Não achas que era melhor ficarmos por aqui não vá a Isabel demorar pouco tempo a chegar?
- lembrou a companheira.
- Tens razão... - concordou Joana - Eu vou lá, e compro qualquer coisa para as duas -
decidiu a jovem, encaminhando-se para o pequeno café que existia no local, voltando alguns
minutos mais tarde, trazendo duas latas de Coca-cola, um pacote de batatas fritas, e dois
chocolates.
- Anda, vamos sentar-nos ali - sugeriu Sofia, apontando para um pequeno jardim um
pouco mais afastado, onde se podiam ver vários bancos de madeira.
- Achas que vai correr tudo bem com a Rita e com o Jorge? - perguntou a colega,
pousando os sacos de viagem na chão, e instalando-se igualmente no assento de madeira
pintada de verde.
- Não sei... - principiou a outra - ...mas os outros gajos até se passam quando
descobrirem que ele arrumou aquele nojento do rabo-de-cavalo, e que nós fugimos...
- É disso que eu tenho medo... Já pensaste se eles se resolvem vingar neles dois? -
notou Joana, trincando com um olhar apreensivo mais uns pedaços de batata frita.
- Já me tinha ocorrido, mas não te preocupes, o Jorge é um tipo às direitas... -
contrapôs Sofia, terminando a sua bebida, ao mesmo tempo que rasgava o papel que
envolvia o seu chocolate - Ele sabe o que faz. Viste como ele guiou o carro hoje à tarde
quando fugimos de Coimbra?
- É verdade, lá atrás eu estava completamente acagaçada, já reparaste se nos
despistássemos àquela velocidade. Eu consegui ver o velocímetro duas ou três vezes, e
reparei que ele deu curvas a cento e sessenta, e até mais!... - prosseguiu não conseguindo
conter a admiração pelo rapaz que havia conhecido na faculdade poucos meses antes - A
cada curva que ele dava, eu já nos via esborrachados numa árvore ou noutro gajo que viesse
de frente, mas ele controlou o carro sempre com uma perícia como eu nunca tinha visto, nem
o meu irmão consegue guiar assim.
- E a ultrapassagem ao camião?
- Aquilo foi de cortar a respiração!... - reconheceu Sofia, reunindo as duas latas de
refrigerante, bem como as restantes embalagens daquilo que haviam consumido, e deitando
tudo no caixote do lixo que estava a poucos metros de distância.
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- É verdade, eu nunca pensei que conseguíssemos, naquele momento eu paralisei por
completo...
- Então e eu... - replicou a colega, não chegando a terminar o seu raciocínio, pois
Joana interrompeu-a:
- Olha ali... - começou - ...aquele BMW, não será a Isabel?
- Parece, mas não tenho a certeza. Vamos esperar que alguém saia, ou então que o
carro se aproxime mais - sugeriu Sofia, observando o veículo com atenção.
Porém, segundos depois o espantoso coupé amarelo debaixo da cobertura das
bombas de combustível, e a porta abriu-se, saindo de pronto uma personagem familiar que as
duas fugitivas reconheceram de pronto. Desse modo, pegaram ambas nas malas de viagem
que Jorge lhes deixara, e correram velozmente na direcção do elegante desportivo, enquanto
que a recém-chegada aproveitava para encher também depósito de gasolina.
- Vá, entrem! - pediu Isabel, abrindo o porta bagagens, e arrumando tudo no seu
interior - Entrem que eu vou só pagar a gasolina, e depois já falamos - assentou a rapariga,
correndo apressadamente para o edifício que se erguia mesmo na sua frente, regressando
volvidos escassos segundos.
- Agora que ninguém nos pode ouvir, quero que me contem o que se está a passar,
tintim por tintim! - pediu a irmã de Jorge, entrando no carro, e fechando a porta com estrondo
- Grande porra!... - exclamou - ...agora para sairmos da auto-estrada temos que ir até
Aveiras... - lamentou-se, no momento em que o BMW coupé voltava a rolar velozmente na via
rápida - Afinal, que história é essa das fotografias, e porque razão andam esses gajos atrás
de vocês?
- O que se passa, é o seguinte... - começou Sofia, contando a Isabel toda a história,
sempre ajudada por Joana que ia lembrando os pormenores que a companheira esquecia.
Isabel continuou a conduzir com perícia o magnífico automóvel, enquanto que as duas
raparigas prosseguiam com o seu relato. Pouco tempo depois, Joana avistou uma placa que
indicava a distância para a saída de Aveiras de Cima, avisando de pronto a irmã de Jorge que
abandonou a auto-estrada, voltando a entrar logo em seguida, porém no sentido inverso.
Instantes mais tarde, Sofia terminava a sua narração, enquanto Isabel recapitulava tudo
resumidamente para se assegurar que tinha compreendido bem toda aquela bizarra situação:
- Então, estão a dizer-me que anda um estrangeiro qualquer atrás de vocês por causa
de umas fotografias, e que os conseguiu apanhar a todos. Só que o meu irmão foi às trombas
a um, ajudou-vos a fugir e quer que eu vos esconda, enquanto ele vai buscar a Rita? É isso,
não é?
- Sim, é isso mesmo - confirmou Sofia, que seguia no assento contíguo ao da irmã do
colega.
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- Se ele quer que eu vos esconda, será o que faremos... - assentou Isabel, carregando
no botão que fazia descer o vidro, quando chegaram à saída da auto-estrada - ...eu vou levar-
vos para um sitio seguro! - anunciou, entregando uma nota de mil escudos ao portageiro.
- Eu tenho medo, é que os outros fulanos se resolvam vingar no teu irmão e na Rita
por causa da nossa fuga... - lembrou Joana, quando o automóvel amarelo arrancou de novo
já depois de ter parado na portagem.
- Eu também estou um pouco preocupada... - revelou Isabel - ...mas não há razão
para isso. Eu conheço o Jorge, e sei do que ele é capaz. Ele é muito inteligente, e tem alguns
trunfos que a maioria das pessoas desconhecem. Quase que aposto, que ele vai jogar com a
vossa fuga para arranjar o tempo suficiente até pensar numa maneira de escapar...
- Mas estes tipos são muito perigosos... - advertiu Sofia - ...eles têm muito poder, e
amigos influentes no governo, na polícia, etc. - acabou com uma expressão cabisbaixa - O
Jorge pode correr grande perigo, e a Rita também...
- Há coisas no passado do Jorge, que mesmo eu desconheço...
- Que espécie de coisas...? - indagou curiosa a atraente rapariga dos cabelos louros,
enfiando a cabeça entre os dois assentos dianteiros do BMW.
- Tudo o que te posso dizer, é que ele consegue ser tão Macgyver quanto o original, e
sem ser o Houdini, já fez milagres do género... - acrescentou vagamente.
- Que queres dizer com isso do Macgyver, e do Houdini? - insistiu Joana, cada vez
mais interessada nas proezas do colega.
- Não te posso dizer mais do que aquilo que disse... - concluiu, fechando-se em
seguida num sorriso enigmático, e escusando-se a revelar mais pormenores.
- Então agora para onde é que vamos? - indagou Sofia, mudando o rumo da conversa.
- Para já vamos a Santarém, o Jorge pediu-me para vos levar ao nosso apartamento,
buscar qualquer coisa muito importante que vocês lá deixaram.
- É verdade, os negativos estão lá!... - confessou inocentemente a jovem dos cabelos
louros.
- O quê!?... Os negativos estão onde!?... - perguntou Isabel assombrada, sendo
apanhada desprevenida pela revelação de Joana - Bem, estão de parabéns... - reconheceu
rindo divertida - Quem iria pensar que vocês tinham sido cuidadosas a esse ponto. Foi
inteligente... - observou a irmã de Jorge largando o volante por segundos, e dando uma
palmada amigável nas pernas de Sofia.
- Isso já o teu irmão nos disse! - confidenciou a jovem que seguia a seu lado - Espero
que não fiques muito aborrecida, mas quando percebemos que eles estavam a chegar muito
perto resolvemos jogar pelo seguro. Quem é que se ia lembrar que os negativos estavam no
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vosso apartamento, se nem vocês mesmos sabiam - explicou Sofia com um ar triunfal,
continuando depois - Ficaste chateada...?
- Nem um pouquinho! - respondeu Isabel com sinceridade, anunciando depois -
Chegámos!...
O admirável BMW M3 coupé amarelo parou em frente da entrada principal do
majestoso prédio, pelo que, ao contrário daquilo que era habitual não entraram no edifício
pelo piso subterrâneo, subindo apressadamente os degraus que conduziam ao interior do
prédio. Passavam então escassos segundos das dez horas da noite. Em seguida, dirigiram-
se rapidamente em direcção ao elevador...
- Onde é que...? - indagou Isabel procurando na sua bolsa as chaves da porta, quando
ficaram em frente da entrada do apartamento.
- Estão no escritório... - declarou Joana, enquanto Isabel rodava a chave na
fechadura.
Sofia e Joana deixaram-se conduzir por Isabel até ao escritório. Em seguida, Joana,
aproximou-se da secretária sobre a qual estava instalado um completo equipamento
informático, e puxou para fora a mesma gaveta onde poucos dias antes tinha escondido os
comprometedores negativos.
- Aqui estão! - exclamou triunfante, entregando o pequeno volume a Isabel, ao mesmo
tempo que voltava a colocar a gaveta no último espaço da secretária.
- Os meus parabéns! - felicitou a irmã de Jorge - Só mesmo por sorte é que alguém
conseguiria descobrir isso! Vê se falta alguma coisa... - pediu ainda.
- Não..., está aqui tudo - assegurou a jovem, depois de ter aberto o envelope, e
verificado cuidadosamente o conteúdo do mesmo.
- Então vamos embora... - decidiu Isabel - ...não temos mais nada a fazer aqui!
Querem comer alguma coisa, ou beber...? - indagou a rapariga - ... a viagem ainda é longa -
preveniu depois.
- Não, ...trincámos qualquer coisa enquanto estivemos na Área de Serviço à tua
espera, por isso agora não temos fome, - recusou Sofia delicadamente - ...mas obrigada!
- Vamos... - pediu Isabel, escoltando as duas companheiras em direcção à saída -
...pode ser perigoso permanecermos aqui por mais tempo, além de que ainda temos muitos
quilómetros pela frente.
Depois de ter rodado a chave na fechadura da porta de entrada do apartamento,
Isabel guardou a mesma no bolso dos jeans juntando-se de pronto a Sofia e Joana que já
esperavam no interior do elevador. Já no piso térreo do imponente edifício, saíram dirigindo-
se apressadamente ao BMW M3 coupé que havia ficado estacionado mesmo em frente do
prédio. Joana deixou que Sofia entrasse em primeiro lugar ocupando ela em seguida o
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assento contíguo àquele em que se sentara Isabel. Sem mais delongas, a jovem pôr o
potente motor o automóvel amarelo em funcionamento, arrancando de imediato, e da mesma
forma que o irmão o costumava fazer; bruscamente...
...
- Afinal para onde é que nós vamos? - indagou a dada altura Joana, algum tempo
depois de terem deixado Santarém, quando teve a certeza que se dirigiam algures para o
interior.
- Vamos para a Serra da Estrela... - esclareceu a companheira desviando por
momentos o olhar da estrada - ...vamos para casa dos avós do Jorge...
- Do Jorge e teus, não é?
- O quê...?
- Os avós do Jorge também são teus, não é?
- Não, por acaso até nem são... - revelou a rapariga, deixando as outras duas
completamente mudas de espanto...
Compreendendo que deixara as duas jovens sem fala, Isabel apressou-se a explicar:
- Os pais do Jorge não são os meus verdadeiros pais, nem tão pouco o Jorge é meu
irmão...
- Não!?... - exclamaram ambas ao mesmo tempo, cada vez mais confusas - Então
como é que... - inquiriu Sofia, recompondo-se mais rapidamente que a colega, embora sem
conseguir articular uma questão.
- Queres saber como é que eu vivo com o Jorge, e porque é que ele me trata por irmã,
não é? - indagou Isabel, adivinhando os pensamentos da rapariga, e prosseguindo após um
sinal afirmativo de ambas - É uma longa história, que começou nas urgências do Hospital de
S. José...
- Conta, conta... - pediu Joana.
- Eu nasci em Lisboa... - principiou a jovem, fazendo uma pausa para melhor organizar
as ideias, e continuando quase de seguida - ... mais ou menos na zona de Chelas, e vivia
numa barraca. Sempre fomos pobres, o meu pai estava constantemente desempregado, e a
minha mãe ganhava muito pouco. Desde sempre que o meu pai bebia muito, batia-me a mim
e à minha mãe, e ela de vez em quando fugia, e estava vários dias sem aparecer em casa, às
vezes até semanas. Só que de há alguns anos atrás, eles começaram a mudar, passaram a
beber os dois, brigavam cada vez mais vezes, e começaram a roubar e a drogar-se. Só que o
aquilo que conseguiam com o roubo deixou de chegar para a droga, como estavam os dois
desempregados, o dinheiro mal chegava para comermos, quanto mais para sustentar os
vícios deles. Então, obrigaram-me a roubar também. A princípio, foi só isso, mas depois,
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começaram a obrigar-me a fazer-lhes certos serviços, até que a dada altura vendiam o meu
corpo a quem mais pagasse...
- O que queres dizer com isso...?
- Exactamente aquilo que disse, Sofia. Para além de me obrigarem a roubar, e do meu
pai ocasionalmente violar-me, chegou a um ponto em que fizeram de mim uma puta que
servia unicamente para pagar os malditos vícios daqueles dois marginais. Tanto podia ser um
qualquer desconhecido, como o próprio gajo que lhes fornecia a merda do pó, ou até mesmo
os amigos deles. Era preciso é que pagassem..., e de preferência ...bem, para logo a seguir
poderem ir fumar mais um charro, mandar mais um chuto, ou até mesmo cheirar um pózinho!
- concluiu Isabel por fim, não conseguindo esconder a sua revolta, bem como todo o ódio que
sentia para com os progenitores - Os meus pais são uns miseráveis, umas pessoas
desprezíveis, de quem não tenho saudades nenhumas, ou remorsos por aquilo que lhes
aconteceu...
- E nunca tentaste fugir, ...ou ir à polícia? - perguntou Sofia que seguia no assento
traseiro.
- Nunca tive coragem para fugir, e a polícia nunca se interessou, pelo menos até uma
noite...
- E o que é que aconteceu nessa noite...? - insistiu Joana.
- Houve uma noite em que eu cheguei a casa com menos dinheiro que o habitual, eles
já deviam ter bebido bastante, e bateram-me. Depois só me lembro de ter acordado no
hospital cheia de dores. Os médicos desconfiaram que eu tinha sido vítima de maus tratos, e
contactaram o tribunal de menores, porque eu ainda não tinha sequer 17 anos. Fizeram uma
investigação, e eu embora estivesse cheia de medo que os meus pais me voltassem a bater,
acabei por contar tudo. A Sra. Melo, a mãe do Jorge foi escolhida para me representar, e
conseguiu que os meus pais fossem ambos condenados por aquilo que me fizeram; o meu
pai apanhou 28 anos, e a minha mãe 16.
- Foi bem feita para aqueles dois pulhas! - observou Joana não se conseguindo
conter.
- Os filhos da mãe tiveram o que mereciam... - retorquiu Sofia, não conseguindo
esconder a sua satisfação pelo destino cruel que havia sido reservado aos velhacos
indivíduos - ...desculpa, falei sem pensar... - acrescentou de imediato, apercebendo-se que
Isabel poderia de algum modo ficar ofendida.
- Está descansada, no que diz respeito àqueles dois nada me ofende, nem nada me
faz ter pena deles...
- Assim é que é!... - apoiou de novo a lindíssima rapariga dos cabelos louros.
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- Depois de concluído o processo tinham que arranjar uma família que me acolhesse,
porque eu não tinha familiares que quisessem tomar conta de mim. Então, a Sra. Melo,
responsabilizou-se por mim, enquanto não me arranjassem um lar definitivo, e convidou-me a
ir morar com eles. Alguns meses mais tarde, e a pedido do Jorge os pais dele, acabaram por
tratar da papelada necessária para que eu fosse adoptada por eles, mas...
Isabel fez uma pausa, as últimas palavras havia-a-as dito com a voz alterada pela
emoção. Por qualquer razão era-lhe difícil falar do assunto, e ela não conseguira disfarçar.
- O que tu queres dizer, é que eles tiveram aquele trágico acidente antes de as coisas
se resolverem em concreto, não é? - questionou Joana - O Jorge contou à Rita, e ela contou-
nos... - revelou a rapariga reparando que a companheira fora apanhada de surpresa pelo seu
comentário.
- Sim, é isso mesmo. Depois, o Jorge atravessou uma crise emocional muito longa e
profunda. Desistiu de estudar, fechava-se em casa, e recusava-se a sair, passava os dias a
beber, e não queria ver ninguém. Até ele conseguir aceitar a morte dos pais foram uns meses
muito difíceis. Mas o Jorge acabou por conseguir ultrapassar a situação, e hoje embora não
esteja ainda completamente recuperado, porque por vezes ainda lhe é muito penoso falar no
assunto, mas pelo menos parece ter aceite as coisas, e tenta lidar com elas o melhor
possível. Durante esse tempo, eu nunca o abandonei, e tentei ajudá-lo em tudo o que pude.
Quando eu precisara, não só os pais, como ele foram impecáveis comigo, por isso senti-me
na obrigação de o apoiar naquele momento tão terrível.
- Então é por isso que te trata por irmã?
- Com a morte dos pais dele, o Jorge não poderia à luz da lei ser o meu tutor. Porém,
conseguiu-se de certa forma contornar a lei, uma vez que eu entretanto tinha feito os 18 anos,
e então aí, o Jorge exigiu que eu passasse a viver com ele, e ocupasse o lugar da irmã que
ele sempre desejou, mas que nunca teve. E assim foi...
- O Jorge realmente é um tipo impecável; sincero, directo e frontal, simpático, alegre e
bem-disposto, inteligente, etc, etc, etc... - enumerou Joana num tom elogioso.
- Estás a esquecer um qualidade muito importante: acima de tudo, é um borracho! -
replicou Sofia satisfeita - Mas vocês não têm nada um com o outro, isto é, não andam...? -
indagou depois.
- Não, claro que não! - respondeu Isabel de pronto - Nós gostamos apenas muito um
do outro, tal como dois irmãos, partilhamos tudo, entre nós não há segredos, mas não
namoramos! - esclareceu em seguida, acrescentando ainda - Está descansada, que não serei
eu a intrometer-me entre o meu irmão e a Rita...
- Como é que soubeste? - inquiriu Joana assombrada - Ele disse-te?
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- Nem era preciso. Mesmo antes de eu conhecer a Rita já sabia. Via-se nos olhos dele
quando falava dela, e embora o Jorge nunca tenha dito nada, o fim de semana que vocês
passaram lá em casa confirmou todas as minhas suspeitas!... - concluiu a jovem com um
sorriso maroto.
- Bolas que tu não deixas escapar nada! - observou Sofia rindo divertida - E, mudando
de assunto, falta muito para chegarmos?
- Não... - principiou Isabel pensativa - ...embora eu não tenha vindo com atenção às
placas, devemos estar a poucos quilómetros da Covilhã. Logo a seguir começa a estrada
para a Torre, e a casa fica a cerca de quinze, vinte minutos do centro da cidade...
Com efeito, aproximadamente quarenta minutos mais tarde, o exuberante coupé
amarelo, depois de ser ter desviado algumas centenas de metros da estrada principal,
estacou junto a um enorme portão de ferro, ladeado por um muro exageradamente alto
erguido em pedra de granito. Isabel precipitou-se para fora do automóvel, dirigindo-se
apressadamente para o enorme portão. Em seguida, usou uma chave que tirara do bolso dos
jeans, abrindo o portão. Sem perder tempo, voltou a entrar no automóvel, deixando-o
estacionado debaixo de um espaçoso alpendre que fora construído precisamente para esse
fim.
- Brrrrrrrrr!... Bolas, que frio!... - queixou-se Joana abrindo a porta do automóvel -
Uaaaaauuu!... Que casa...
- Tiraste-me as palavras da boca! - interrompeu Sofia - Sempre sonhei ter uma casa
assim num sítio como este. Tudo aqui é tão belo, tão silencioso, tão harmonioso, tão perfeito.
- Tens razão... - concordou Isabel - ...eu e o Jorge vimos aqui sempre que podemos. O
lugar é encantador. O Jorge adora isto aqui em cima. Às vezes, senta-se em frente à lareira,
e fica horas seguidas a ver nevar, parece hipnotizado... - foi dizendo, ao mesmo tempo que
abria o porta-bagagens do BMW - Vá, dêem-me aqui uma ajuda com as malas, que eu estou
a ficar gelada! - pediu, pousando a última mala no chão e fazendo accionar o fecho
centralizado do veículo, através do respectivo controlo remoto.
De pronto, as duas raparigas auxiliaram a irmã de Jorge a transportar as três malas de
viagem até à entrada da soberba habitação.
- Olha que engraçado... - observou Joana enquanto esperava que Isabel abrisse a
porta - ...uma sineta! Hoje em dia já não se vêem muitas...
- Esta casa é muito antiga... - explicou Isabel, deixando que as duas companheiras
entrassem em primeiro lugar - ...tem quase trezentos anos. Segundo dizia o Sr. Melo, outrora
pertenceu a um fidalgo. Quando o avô do Jorge a comprou estava completamente
abandonada e praticamente em ruínas, mas ele restaurou-a totalmente, e já depois de ele ter
falecido os pais do Jorge fizeram o mesmo, por isso por dentro tem todas as comodidades
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modernas! Até temos parabólica, e ligação à Internet!... - terminou, pousando as malas no
chão, e voltando a sair em passo de corrida.
- Onde vais? - inquiriu Joana seguindo-a de perto.
- Não te preocupes, vou só fechar o portão!
A rapariga entrou de novo no interior da habitação, deixando a porta entreaberta para
quando Isabel regressasse, e foi juntar-se à colega que entretanto desaparecera no extenso
corredor que se seguia ao hall de entrada, em busca da cozinha.
- Joana!? Sofia!?... Onde estão? - chamou a anfitriã, orientando-se pelas luzes acesas
ao mesmo tempo que avançava pelo interior da habitação.
- Estamos na cozinha... - respondeu a voz de Sofia não muito longe - Espero que não
te importes... - começou a jovem, logo que a companheira cruzou a entrada - ...mas com o
frio que está pensámos em beber qualquer coisa quente antes de nos irmos deitar, só que
não conseguimos encontrar o café...
- Está aqui!... - mostrou Isabel, abrindo uma das portas do armário que envolvia todo o
perímetro da dependência, exibindo uma embalagem de café para máquina - Serve?...
- Perfeitamente... Bem, vamos lá fazer isto, porque eu estou mesmo a precisar de
dormir um bocado. Bolas, estou mesmo estafada...
- Safa, foi um dia mesmo cansativo! - concordou a rapariga dos cabelos louros.
- E pelo que me contaram igualmente agitado... - comentou Isabel, distribuindo três
chávenas de café em cima da mesa.
- Sim, é verdade. Espero é que o teu irmão e a Rita estejam bem... - lembrou Sofia
com uma expressão algo apreensiva, puxando de uma cadeira e sentando-se - Tenho muito
medo do que aqueles gajos lhes possam fazer, eles estão desesperados, e querem as
fotografias a qualquer preço!...
- Eu também não estou muito tranquila... - revelou a anfitriã, procurando um pacote de
bolachas no armário - ...mas estou confiante que o Jorge arranjará uma solução! Hão-de ver
se tenho ou não razão! O Jorge tem sempre um trunfo na manga, e neste caso, tem pelo
menos dois: vocês e as fotografias!...
- Tens razão, enquanto os outros gajos não nos apanharem e não tiverem as
fotografias, eles estarão em segurança...
- Também acho que sim... - admitiu Joana, estendendo a sua caneca a Isabel que a
encheu com o café que acabara de fazer.
- Temos é que tomar algumas precauções... - principiou a colega - ...não devemos sair
daqui, nem telefonar a ninguém porque se eles têm tantas influências podem muito bem ter
os telefones dos nossos pais sob escuta, enfim, temos que nos fingir de mortas!
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- Vamos ser duas mortas-vivas! - acrescentou a companheira sorrindo divertida com a
ideia.
- Terminem lá isso, para eu vos levar aos vossos quartos... - pediu Isabel, pousando a
sua chávena em cima da mesa - Estou a precisar de uma bela noite bem dormida. Amanhã,
depois de termos descansado algumas horas, e com a cabeça fresca, será mais fácil
pensarmos em alguma coisa. Agora não tenho cabeça para nada! Safa, estou mesmo
estafada!... - concluiu com um suspiro profundo, bocejando longamente logo em seguida, ao
que Sofia e Joana corresponderam de imediato, imitando-a.
- Bolas que isto pega-se! - observou a esbelta morena rindo.
- E de que maneira, ...é pior que um vírus!... - concordou a segunda juntando a sua
caneca já vazia à da irmã do colega.
As duas raparigas terminaram rapidamente o seu café, e depois de pegaram nas
malas de viagem, acompanharam Isabel até às escadas que conduziam ao piso superior. Já
no andar de cima, Sofia e Joana encontraram-se num amplo hall, decorado com requinte. A
anfitriã deteve-se em frente de uma porta, que abriu instantes depois.
- Aqui é o quarto de banho, mas qualquer um dos quartos tem uma casa de banho
privativa, a diferença é que nos outros só podem tomar duche, e este tem uma banheira
enorme... - informou, voltando a fechar a porta logo após Sofia e Joana terem dado uma
rápida espreitadela - Neste quarto podes ficar tu... - continuou apontando para a jovem dos
cabelos louros, rodando a maçaneta, e empurrando a porta simultaneamente - Têm pijamas?
- interrogou - Se for preciso eu empresto... - ofereceu ainda.
As duas companheiras trocaram um olhar, e encolheram os ombros, respondendo que
não sabiam, uma vez que fora Rita a preparar a bagagem para todas. Porém, Joana abriu a
sua mala, encontrando de pronto dois dos pijamas que habitualmente usava.
Logo depois, Isabel indicou a Sofia qual o quarto em que poderia ficar, mostrando-lhe
também onde poderia encontrar cobertores no caso de ter frio, ou até mesmo um roupão para
quando tomasse banho.
Por fim, a rapariga completamente extenuada recolheu ao quarto de dormir que
habitualmente ocupava, e após um reconfortante e um tanto prolongado duche enrolou-se
confortavelmente no meio dos lençóis, adormecendo quase em seguida. Nos outros dois
quartos, também Sofia e Joana, se deixaram vencer facilmente pelo cansaço...
Lá fora, a temperatura descera ainda mais, e em breve da sinistra escuridão do céu
carregado de nuvens começaram abundantemente a cair finos farrapos alvos, que
silenciosamente foram salpicando toda a zona envolvente, dando origem a que com o
avançar da madrugada se fosse formando um espesso manto branco...
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Capítulo 6
O dia seguinte amanheceu quente e soalheiro. Porém, ao longe podiam avistar-se
algumas nuvens negras que ameaçavam cobrir todo o azul do céu. Em breve, o céu ficara
totalmente encoberto, escurecendo bastante.
Rita e Jorge repousavam tranquilamente, encarcerados no último piso da faustosa
mansão que pertencia ao vil Enrique Escobar, e sempre observados com atenção através da
camera de vigilância instalada no interior do quarto.
A dada altura, num dos raros momentos em que os raios solares conseguiram
irromper através da espessa camada de nuvens, Rita foi despertada por um desses feixes
luminosos que incidiu em cheio no seu rosto ainda adormecido, despertando-a de imediato. A
principio, a jovem sentiu-se um tanto confusa, pois ao abrir os olhos deparou-se com um
quarto estranho, não reconhecendo nada daquilo que a rodeava. Contudo, não demorou
muito até se recordar dos últimos acontecimentos da noite anterior, concluindo que, tal como
Jorge que a seu lado dormia profundamente, continuava prisioneira do poderoso malfeitor sul-
americano.
Rita levantou-se, vestiu o roupão e aproximou-se de uma das janelas do amplo quarto,
abrindo-a de par em par. Depois, olhou ao seu redor, contemplando maravilhada a magnifica
paisagem que se estendia à sua frente por vários quilómetros. Porém, no exterior corria uma
brisa fresca, que de quando em vez se tornava bastante desagradável, pelo que a jovem
voltou a fechar ambas as portadas da janela. Em seguida, escolheu uma toillete do armário
que servia de roupeiro, e dirigiu-se ao quarto de banho a fim de se arranjar. Voltou não muito
tempo mais tarde, usando um sensual vestido negro, que realçava de sobremaneira a
elegância do seu corpo. A jovem preparava-se para acordar o colega que continuava
sossegadamente a dormir, quando de súbito ouviu alguns passos do lado de fora da porta
que lentamente se aproximavam. Então, o ruído deixou de se ouvir, e alguém bateu ao de
leve, perguntando em seguida:
- Posso entrar?
- Quem está aí? - indagou a rapariga.
- Sou apenas eu, o “Rosé”! - respondeu a voz - Vou entrar... - avisou ainda, fazendo
rodar a chave na fechadura, empurrando depois a porta - A señorita está uma brasa... -
observou com simpatia, olhando por momentos fixamente para Rita.
- Obrigado “Rosé”!... - respondeu a jovem, ficando um tanto embaraçada com o
galanteio do carcereiro.
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- O patrón manda dizer que o almoço será servido á uma hora em ponto. Como já
passam alguns minutos do meio-dia, eu aconselhava a señorita a acordar o seu
companheiro... - disse, apontando para o rapaz que permanecia enrolado nos inúmeros
cobertores - ...porque o señor Enrique não tolera atrasos.
- Assim farei... - respondeu Rita na sua voz meiga e doce - obrigado “Rosé”! -
agradeceu, tentando imitar o sotaque espanhol, do segurança de Escobar.
O captor abandonou o aposento, voltando a trancar a porta, enquanto que a rapariga
se decidiu ir despertar o colega, a quem a visita do outro indivíduo não teria incomodado, pois
não havia mexido um só músculo. Começou por lhe acariciar o cabelo, ao mesmo tempo que
enrolava caracóis louros entre os dedos, até que o beijou docemente na face, repetindo
meigamente o seu nome:
- Jorge!... Jorge..., ...acorda ...seu dorminhoco! Então, ...vais passar o dia na cama?
Por fim Jorge abriu os seus olhos azuis, fitando-a longamente. Depois, agarrou-a com
os seus braços fortes, e puxou-a decididamente para o seu lado, abraçando-a de imediato.
Rita tentou em vão libertar-se...
- Estás linda! - observou o companheiro com um brilho especial nos olhos,
aproximando os seus lábios dos dela, e beijando-a apaixonadamente.
- E a câmara? - volveu a rapariga, libertando-se por um segundo.
- Estou-me nas tintas para a câmara!... - respondeu despreocupadamente, retomando
o beijo.
- Por favor pára! - pediu Rita, afastando o colega de novo.
- Porquê, não gostaste!?... - indagou Jorge, algo surpreendido pela recusa da
companheira.
- Não, ...não é isso, ...é ...que ...hoje sou eu que estou com vergonha - confessou Rita
bastante embaraçada, corando muito - Por favor, não fiques chateado...
- Está bem... - compreendeu Jorge - Então vou tomar um duche e vestir-me! - disse,
escolhendo algumas roupas do guarda-vestidos, e encaminhando-se para o quarto de banho.
Faltavam cerca de cinco minutos para a uma da tarde, quando Jorge já pronto voltou
para junto da colega, usando umas calças negras, e uma camisola de gola subida, de igual
cor. Por cima, vestia uma casaco bordeaux de corte elegante :
- Uaaaaauuu!... Que chique! - observou a rapariga, observando atentamente o distinto
conjunto do companheiro.
- Gostas!? - perguntou sorridente - O teu vestido também não te fica nada mal, ...estás
uma brasa! - acrescentou, retribuindo o cumprimento, no momento em que alguém do lado de
fora da porta rodava a chave na fechadura, entrando logo a seguir; ...era Marco:
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- Venham! - ordenou - o señor está à vossa espera!... - concluiu, com os habituais
maus modos.
Os dois jovens obedeceram-lhe de imediato, e saíram do quarto de dormir, sempre
vigiados de perto pelo perigoso malfeitor, que seguia atrás de ambos. Este, conduziu-os pelo
infindável corredor até às escadas, e depois de novo por um extenso corredor, até chegarem
às sumptuosas escadas que ligavam o rés-do-chão ao piso superior. Chegados ao hall de
entrada, foram encaminhados para uma porta aberta de par em par, e que dava acesso á
sala de jantar. Ao fundo da longa mesa, e no topo da mesma, estava o anfitrião, instalado na
sua cadeira de rodas. Logo que os viu entrar, fez-lhes sinal para que se sentassem num dos
lugares vagos, cumprimentando-os com o cinismo próprio da situação:
- Boa tarde! - principiou sorridente - Como estão os meus hóspedes? Estão bem
instalados? Têm sido bem tratados? - inquiriu, com falsa delicadeza, fingindo-se empenhado
no bem-estar dos seus prisioneiros.
- Boa tarde, passou bem? - respondeu Jorge educadamente - Sim, agradecemos o
seu amável convite, e a sua extraordinária hospitalidade... - findou com descaramento e um
à-vontade notáveis.
- Penso que já conhecem todos... - prosseguiu Escobar não parecendo minimamente
afectado pelos comentários do rapaz - Este é o Dr. Fontes o meu advogado e representante
em Portugal, o Marco, o “Rosé”, e aquela moça bonita... - disse, apontando na direcção de
uma rapariga bastante atraente que ocupava o lugar mesmo em frente de Jorge que a
cumprimentou com um sorriso - ...é a Claudia. Tal como vocês, também é minha convidada,
só que está á espera que o pai se decida a reconsiderar uma proposta bastante aliciante que
eu lhe fiz... - concluiu, escusando-se a revelar mais pormenores, embora deixasse implícito
que a jovem fora raptada de modo a pressionar o pai em relação a algo.
- A sua generosidade é inigualável... Certamente na hora da verdade, Deus não se
esquecerá de si!... - observou Jorge mordazmente, o que provocou que as duas raparigas até
então quase imóveis deixassem escapar um sorriso tímido.
- Em breve eu terei todos os meus assuntos devidamente tratados, e logo que isso
aconteça vocês serão postos em liberdade, enquanto eu discretamente escolherei outro local
para gozar a minha reforma... Ibiza, talvez até o Hawai, ou quem sabe, um país nórdico,
Suécia, Finlândia, Noruega, e há sempre a possibilidade de poder comprar uma ilhazinha
jeitosa... - lembrou - Para isso, só faltam mesmo alguns detalhes, e claro está as minhas
fotografias que a tua irmã e as vossas colegas têm na sua posse, mas que não tardarão a
entregar-me. É tudo uma questão de oportunidades... - frisou, com uma expressão de quem
aparentava estar totalmente seguro do que dizia.
Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo
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- Por acaso não tem piscina? - perguntou Jorge com uma expressão enigmática,
perante o olhar de interrogação de Enrique e seus comparsas.
- Fica nas traseiras da casa... - informou o anfitrião, terminando a apetitosa sopa de
legumes - ...mas receio não ter conseguido acompanhar o teu raciocínio.
- Concerteza não me vai recusar uns mergulhos quando chegar o Verão? - prosseguiu
o jovem sem adiantar mais
- Aqui o Fontes vai fazer com que isso não seja necessário - replicou o outro
adivinhando-lhe o pensamento - A seu tempo verás que tenho razão; provavelmente no Natal
até já estarás junto da tua irmã, e eu bem longe deste país! - revelou o estrangeiro sem
hesitar.
- Não duvido das suas capacidades, ...já das deles!... - retorquiu o rapaz com ar de
troça, olhando na direcção dos capangas do traficante sul-americano.
- Então, não provas a lagosta? - observou Escobar, mudando rapidamente o assunto
da conversa, e falando com um ar de reprovação para a desconhecida Cláudia, reparando
que ela havia recusado o requintado prato que o indivíduo de casaca preta foi distribuindo por
todos os que se sentavam à mesa - Olha que está uma delícia! - insistiu, provando um pouco.
- O problema não é da lagosta, mas sim da companhia! - respondeu a outra com
desdém, o que lhe valeu um sorriso de aprovação de Jorge.
De súbito, fez-se silêncio, e até final da refeição ninguém mais falou. Aos sucessivos
sinais do anfitrião o seu empregado ia servindo as iguarias que faziam parte da refeição.
Após a lagosta, foi servido um suculento assado, e depois uma deliciosa sobremesa. Por fim,
e como habitualmente, o inevitável café. Depois de ter pousado a sua chávena no respectivo
pires, Enrique puxou do seu charuto, e com um sinal pediu a Marco que o levasse para fora
da dependência. Antes porém, preferiu algumas palavras, dirigindo-se aos três prisioneiros:
- Se quiserem passar a tarde a passear pelo jardins da minha propriedade, poderão
fazê-lo à vontade, desde que respeitem as ordens que lhes sejam dadas - convidou, falando
pausadamente e com delicadeza - Peçam a algum dos meus homens que vos levem até lá
fora - acrescentou, desaparecendo no hall de entrada da faustosa mansão.
Os dois jovens aceitaram com agrado sugestão do infame captor, e Cláudia ofereceu-
se para lhes fazer companhia. Alguns minutos mais tarde, estavam os três confortavelmente
instalados nas cómodas cadeiras de jardim ao redor de uma mesa que pertencia ao mesmo
conjunto, conversando animadamente, sempre sob o olhar atento dos seguranças do vil
Enrique Escobar...
- Afinal o que é que estás aqui a fazer? - indagou Rita curiosa.
- Como devem percebido pela conversa daquele canalha, ele raptou-me para poder
chantagear o meu pai... - principiou a esbelta rapariga dos cabelos louros.
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- Mas que interesse pode ter em te raptar? - interrompeu Jorge - Dinheiro...? Não
acredito, ele deve ser riquíssimo...
- O meu pai, é dono de uma das maiores empresas de importação e exportação de
arte em Portugal, e faz negócio com centenas de outros comerciantes de arte, um pouco por
todo o mundo. - revelou a jovem - O ordinário do Fontes era o advogado da firma, só que há
algum tempo atrás o meu pai descobriu o que ele andava a fazer, e despediu-o...
- Então o tipo andava a servir-se do negócio do teu pai como cobertura para as
operações dele de tráfico de droga, certo? - antecipou-se Rita, prevendo o que Cláudia ia
dizer a seguir.
- Certíssimo!... - confirmou a outra - Ele foi despedido, mas ameaçou o meu pai que se
denunciasse o caso eu seria morta. Depois disto desapareceu, e nós nunca mais o vimos. Só
que há algumas semanas atrás foi ao escritório chantagear o meu pai; ou ele colaborava com
eles, e dava cobertura às operações, ou nunca mais me via... Suponho que não é muito difícil
adivinharem qual foi a resposta do meu pai - acabou a rapariga com um olhar de raiva
contida.
- Há quanto tempo te trouxeram para aqui?
- Fez ontem uma semana.
- E o teu pai ainda não fez nada para te libertar? - indagou Rita surpreendida.
- Sabes, eu e o meu pai nunca tivemos uma relação muito pacífica, mas desde que ele
casou com aquela fulana, as coisas pioraram bastante, agora mal nos vemos, e raramente
nos falamos.
- Então e a tua mãe?
- A minha mãe, eu..., ...eu não quero falar dela... - respondeu friamente, deixando
transparecer que também não nutria grande afecto pela mãe.
- E ainda não tentaste fugir daqui? - questionou Jorge, mudando o rumo da conversa,
apercebendo-se que o tema dos pais irritava a rapariga.
- Não tenho feito outra coisa, senão pensar numa maneira de escapar, mas até agora,
de todas as vezes que tentei, o melhor que consegui foi chegar ao portão... Não há hipóteses,
eles vêem tudo através das câmaras. Ainda nós não chegámos ao chão já eles lá estão à
nossa espera...- respondeu, mostrando-se algo desalentada pelos sucessivos insucessos - Já
me convenci que é impossível sair daqui...
- Impossível não é palavra que conste do meu vocabulário... - interrompeu o audaz
rapaz - acredito que não seja propriamente fácil, mas nada é impossível, é tudo uma questão
de se saber jogar a cartada certa, no momento oportuno - concluiu, fechando-se no seu
habitual sorriso enigmático, sem revelar mais pormenores.
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- Estás a pensar fugir? - inquiriu Cláudia, mostrando-se de súbito muito interessada no
assunto, fitando-o fixamente nos olhos.
- Claro que sim!
- Então e as câmaras?
- São apenas mais um obstáculo! - respondeu o Jorge com segurança, não se
mostrando demasiado preocupado abstendo-se no entanto de revelar mais pormenores, e
levantando-se anunciou - Vou dar uma volta... - disse - tive umas ideias que preciso pensar
melhor.
As duas raparigas ainda se ofereceram para o acompanhar, porém o jovem para
grande surpresa de Rita recusou decididamente, e afastou-se logo em seguida sem mais
palavras.
Jorge acabara de ter uma ideia, que podia ser o ponto de partida para a fuga.
Contudo, precisava de reflectir tranquilamente sobre ela, de modo a elaborar um plano
infalível. Cláudia dissera que de todas as vezes que tentara fugir, tinha sido sempre
alcançada pouco tempo depois. Mas a bela rapariga dissera mais, algo que de repente deu
uma grande esperança a Jorge; as câmaras... As câmaras eram o maior obstáculo, porém
poderiam tornar-se também no melhor dos aliados... O rapaz ia compondo os seus
pensamentos, enquanto caminhava tranquilamente sobre a verdejante relva da extensa
propriedade.
- " Se a câmara do quarto transmitisse as imagens que eles querem ver, só se
aperceberiam da nossa fuga quando já estivéssemos bem longe... " - idealizava, passeando
próximo do portão pelo qual entrara na noite anterior - "Agora só preciso de 'fabricar' as
imagens certas, e bye... bye!..." - concluiu com um sorriso triunfante - " Hum, ...tal como
eu suspeitava, ...deve ser comandado a partir da casa!... " - comentou, aproveitando a sua
proximidade ao portão para fazer uma inspecção detalhada, fingindo observar algo do lado de
lá, sempre vigiado a curta distância por um capanga do indivíduo estrangeiro.
Em seguida, o jovem afastou-se do elevado muro que delimitava a área da fabulosa
mansão, prosseguindo a sua caminhada aparentemente inocente ao redor da propriedade,
sentando-se por fim debaixo de um semi-despido plátano colorido de um tom de amarelo
muito próximo do castanho. Depois, serviu-se do volumoso tronco da árvore como apoio para
as costas, ao mesmo tempo que o sol mais uma vez era ocultado pelas inúmeras nuvens que
cobriam quase por completo o azul do céu. Porém, não demorou muito tempo até que se
erguesse de novo, resolvendo ir procurar o seu automóvel, embora sem grandes resultados,
pelo que foi forçado a pedir a um dos homens de negro que a curta distância vigiavam os
seus passos que lhe indicasse onde fora guardado o soberbo Ford Escort Rs Cosworth. O
outro prontificou-se de imediato a acompanhá-lo, levando-o até um espaçoso telheiro
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concebido para no seu interior poder albergar um número apreciável de viaturas, embora
naquele momento apenas se encontrassem ocupados cinco lugares; os dois luxuosos
Mercedes já bem conhecidos de Jorge; uma limusine que mais parecia tirada dos filmes
americanos; um maravilhoso Ferrari cabriolet, e por último o seu Ford Escort RS Cosworth. O
jovem examinou cuidadosamente o seu automóvel, concluindo aliviado que tudo estava em
ordem, aproximando-se depois do esplêndido desportivo vermelho:
- Que belo carro! Um dia hei-de ter um assim! - observou, abrindo a porta para melhor
poder observar o interior do fantástico automóvel.
- Já chega! Fora daqui! - ordenou o outro mostrando-se repentinamente muito
nervoso, apontando-lhe a arma.
- Está bem! Está bem, ...eu saio! - Só estava a ver como era por dentro... - concluiu,
afastando-se obedientemente do local.
Em seguida, retomou o seu passeio, caminhando pensativamente pela calçada da
propriedade. A dada altura, desviou-se do caminho que seguia, aproximando-se da mesma
árvore onde minutos antes estivera a descansar, sentando-se de novo.
- " É isso mesmo!... - disse entredentes com um sorriso de orelha a orelha - Uma
televisão, um vídeo, um bocado de sorte, ...e estamos safos! Ah! Ah! Ah! Sou um génio! -
terminou, rindo, abrindo os braços em sinal de contentamento.
Porém, entretido que estava a pensar na melhor forma de convencer Enrique a dar-lhe
aquilo que pretendia, nem sequer se apercebeu da aproximação das duas raparigas:
- Ah, ...então é aqui que tu estás! - observou Cláudia sentando-se a seu lado.
Jorge que não tinha dado conta da aproximação das duas companheiras, não estava
a contar ser surpreendido daquela forma, pelo que apanhou um valente susto.
- Então que já voltavas, hem? - comentou Rita com uma expressão de reprovação,
sentando-se também a seu lado, ao mesmo tempo que passava o seu braço pelos ombros do
colega.
- Desculpem, entretive-me a passear, fui ver o meu carro, e nunca mais me lembrei
que vos tinha deixado sozinhas. Por acaso até tinha acabado de me sentar aqui...
- Então génio, diz lá porque é que estás tão contente? - indagou Cláudia.
- Já arranjei maneira de sairmos daqui! Tudo o que precisamos é de um pouco de
sorte, e da colaboração do nosso amigo Enrique...
- Se estás a contar com isso, ...esquece - informou a bela jovem dos cabelos louros -
Jamais ele te dará seja o que for!
- Não percebeste... - retorquiu o rapaz - ...ele vai colaborar, ...só que ainda não sabe! -
acabou rindo.
- Qual é afinal o teu plano? - insistiu Cláudia...
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- É simples. Tudo o que temos que fazer é usar as câmaras a nosso favor...
- Desculpem... - interrompeu Rita, - ... o lanche não é agora às quatro e meia?
- É verdade... - confirmou Cláudia - ... olha está ali um gajo a fazer-nos sinal para
irmos para dentro, deve estar a chamar-nos para o lanche. - supôs a rapariga - Vamos?
- Vai andando, que nós vamos já... - respondeu Rita abraçando Jorge, e deitando-se
no chão, beijou-o com ternura, enquanto a companheira se afastava apressadamente em
direcção à imponente mansão.
- Não pares! - pediu Jorge quando Rita pôs fim aquele momento de paixão.
- Não é que não tivesse vontade, mas agora foi só foi uma manobra de diversão! -
revelou a rapariga, não permitindo que ele se levantasse.
- Mas porquê?
- Foi a única maneira que encontrei de podermos falar a sós, sem a víbora ouvir...
- Quem?
- A Cláudia! Temos que ter muito cuidado, há qualquer coisa na história dela que não
bate certo...
- Mas o quê?
- Não sei, é só um pressentimento de que ela não é tão inocente quanto quer fazer
crer, por isso tive que desviar a conversa, porque tu parecias um papagaio.
- Se não tens a certeza não deves acusá-la de nada. Quando fugirmos, também
tencionas deixá-la aqui com este bando de criminosos? - perguntou Jorge indignado.
- Não, não é isso, só não precisamos é de lhe dizer tudo, pelo menos até termos a
certeza de que lado é que ela está. E, quando fugirmos, logo se vê, mas até lá peço-te que
lhe digas o menos possível.
- Está bem... - concordou o rapaz - mas acho que estás a ser paranóica - observou
erguendo a cabeça, e avistando Cláudia ao longe - Vamos, ela está a chamar-nos - disse por
fim, ajudando Rita a levantar-se, e de mãos dadas caminharam romanticamente como um
parzinho de namorados em direcção à soberba mansão...
Instantes depois, encontravam-se já confortavelmente sentados nas cómodas
cadeiras do salão de chá, apenas acompanhados à mesa por Cláudia e "Rosé".
- Onde estão todos? - indagou Jorge surpreendido, falando na direcção do segurança
de Escobar.
- O senõr saiu com o Dr. Fontes e o Marco. Apenas voltarão ao jantar - respondeu o
outro, escusando-se a dar mais informações.
- Olha lá..., ó "Rosé", ... se eu quiser ver televisão, ou até mesmo uns filmes de vídeo
à noite depois de ir para o quarto como é que eu devo fazer? - questionou Jorge.
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- Como o quarto não tem nem uma coisa nem outra, só mesmo pedindo ao señor, e
talvez ele consinta nisso.
- E achas que ele permitirá? - perguntou ainda o prisioneiro.
- Não sei - foi a resposta obtida - mas se quiser, eu poderei interceder por si junto do
patrón - ofereceu-se o outro prontamente.
- Seria óptimo "Rosé" - agradeceu Jorge - Não compreendo como é que sendo tu tão
diferente, continuas misturado com esta gente.
- Desculpe-me, ...mas vou ter que sair - anunciou este bastante comprometido, não
chegando sequer a terminar a fatia de torta que acabara de partir.
Após a precipitada saída de "Rosé", os três jovens ficaram de novo a sós no amplo
salão, e logo Cláudia voltou a tocar no assunto do plano de fuga:
- Há bocado não acabaste de explicar a tua ideia - principiou - ...afinal como é que
estás a pensar contornar as câmaras?
- A seu tempo verás... - respondeu o rapaz prudentemente, seguindo o conselho de
Rita - ...até porque não tenho a certeza se resulta ou não, ainda tenho que limar algumas
arestas, e por isso não vos quero dar falsas esperanças. - respondeu vagamente - Bem, mas
mudando de assunto, sabes onde é que se pode ver um bom filme aqui? - perguntou à
esbelta companheira dos cabelos louros.
- Boa ideia - aprovou a rapariga - ...vamos para a sala. Normalmente é o que faço.
- E não há problema? - lembrou Rita
- Não, até ao jantar podemos andar por onde quisermos. Todo o interior da casa está
vigiado por câmaras, e há seguranças por todo o lado, por isso é melhor aproveitarmos
enquanto podemos, porque a seguir ao jantar fecham-nos nos quartos.
- Então vamos... - decidiu o rapaz.
Dirigiram-se então para a sala de estar que Cláudia indicara, e acomodaram-se nos
sofás do aposento, enquanto Jorge escolheu uma cassete que de imediato colocou no
aparelho de vídeo. Permaneceram nesse espaço sem serem incomodados até próximo das
oito horas, altura em que o sujeito do rabo-de-cavalo abriu a porta da sala, informando que o
jantar seria servido de imediato. Assim, os três jovens foram encaminhados para a mesma
sala onde havia decorrido o almoço, onde o anfitrião, sentado na sua cadeira de rodas, já os
aguardava, com um outro convidado que nunca tinham visto.
- Ah, estão aí! - principiou com a habitual fria delicadeza - Creio que ainda não
conhecem o Dr. Álvaro de Matos... - disse, apresentando o desconhecido - ...é ele que me vai
ajudar a encontrar as tua irmã e as tuas colegas.
- Muito prazer... - cumprimentou Jorge com educação, antes de ocupar o seu lugar à
mesa - ...mas permita-me que lhe diga, está a perder o seu tempo! A Patrícia jamais se
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deixará apanhar... - acrescentou pleno de confiança, trocando um olhar cúmplice com Rita,
que de imediato compreendeu a mensagem: Jorge estava a dar aos captores uma pista falsa.
- Muito em breve verás como estás enganado - respondeu o outro secamente,
mostrando igual à-vontade.
Para além do anfitrião, dos três prisioneiros, e do Dr. Álvaro de Matos, estavam ainda
presentes, o Dr. Fontes, Marco e "Rosé". Este último teria já por certo discutido o pedido de
Jorge com o patrão, pois foi mesmo Enrique quem mencionou esse assunto:
- Soube que queres uma televisão e um vídeo no teu quarto, posso saber para quê
também o vídeo, não será a televisão suficiente?
- Não, porque à noite a televisão raramente transmite programas com interesse, e
como eu estou habituado a deitar-me bastante tarde, e adoro filmes, pensei nessa solução
para nos distrairmos.
- Está bem, de acordo. Amanhã mesmo o "Rosé" tratará de vos instalar os aparelhos
no quarto - aprovou o anfitrião, após trocar alguns olhares com a personagem que se
encontrava a seu lado - Agora experimentem os bifes que estão uma delícia - sugeriu - Por
acaso já provaram disto, ou não?
- Mas que porra é esta, peixe, outra vez! - reclamou Cláudia não escondendo o seu
descontentamento.
- Minha querida, são bifes de atum grelhados, é óptimo, devias provar, e o Pablo
cozinha-os divinalmente - retorquiu Enrique permanecendo inalterável.
- Estou-me nas tintas para estas mariquices; lagostas, camarão, bifes de atum,
caviar... - enumerou com ar de troça, podes enfiá-los todos, ...onde tu bem sabes! - terminou
em tom desafiador, atirando ainda ao chão o prato que o mordomo acabara de lhe colocar na
frente.
- A verdade, minha menina, - recomeçou o estrangeiro dominando a sua fúria - ...é
que começo a ficar cansado destas cenas às refeições - prosseguiu aborrecido, embora sem
levantar a voz - Marco, acompanha a nossa amiga até ao seu quarto, por favor.
O outro obedeceu contrariado, agarrando a atraente jovem dos cabelos louros pelo
seu braço direito, e conduzindo-a para fora da sala. Cláudia ainda se tentou libertar, no
entanto Marco pouco disposto a brincadeiras, torceu-lhe o braço atrás das costas, e a jovem
deixou de resistir.
- Solta-me!... Larga-me!... Filho da puta!... - insultou a rapariga perante a indiferença
do segurança - Eu mato-te... Estás a ouvir... dou cabo de ti!... Cabrão!...
Instantes depois a voz de Claudia deixou de se ouvir, e o silêncio apenas foi
interrompido por Jorge, que perguntou na direcção do anfitrião:
- Que vão fazer com ela?
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- Está descansado, não lhe faremos mal... - informou Enrique calmamente - ...se ela
se portar bem - acrescentou em seguida, tentando deixar claro que a sua paciência tinha
limites.
O sujeito do rabo-de-cavalo voltou volvidos poucos minutos, ocupando de novo o seu
lugar, e depois daquele episódio ninguém mais ousou falar durante o tempo que ainda
demorou a refeição. Finda a mesma, "Rosé", e Marco levantaram-se de pronto, fazendo sinal
a Jorge e Rita para que os acompanhassem...
Assim que passaram a porta de entrada do último piso da casa de habitação, Marco
avançou alguns metros, abrindo a porta do mesmo quarto que os dois jovens haviam
ocupado na noite anterior, empurrando-os depois para o seu interior:
- Bons sonhos! - disse, com um sorriso amarelo.
- Tchauu! Bons sonhos para ti também, Marco... - respondeu Jorge com cortesia, ao
mesmo tempo que Rita se despedia com um provocador piscar de olho, que o outro fez por
ignorar.
Logo que os passos dos dois capangas de Enrique Escobar deixaram de se ouvir,
Jorge escapou-se sorrateiramente para debaixo da câmara de vigilância, ficando coberto pelo
ângulo morto da mesma. Em seguida, puxou a cadeira que se encontrava a seu lado, subindo
para cima dela...
- Então, depois daquilo que se passou ao jantar ainda estás convencida de que a
Cláudia está com eles? - perguntou, enquanto observava minuciosamente o sistema de
vigilância.
- Fiquei com a certeza absoluta. Reparaste nos sinais que ela fez ao tal gajo novo e ao
Enrique quando lhes disseste que a tua irmã se chamava Patrícia?...
- Estás a ser paranóica... - replicou Jorge.
- E tu cego... - retorquiu a rapariga - Só espero que quando perceberes não seja
demasiado tarde... - acrescentou com um ar muito sério - Mas mudemos de assunto; afinal o
que estás para aí a fazer?
- Espera um pouco... - pediu, remexendo nos fios que saíam da parte de trás da
câmara - ...só preciso de ver mais uma coisa... Pronto!... - exclamou, saltando da cima da
cadeira com um sorriso no rosto - ...Vai ser mais fácil do que eu pensava!
- Que estás para aí a dizer? - indagou a colega sem compreender o significado da
última expressão do companheiro.
Jorge porém, não respondeu, e avançou decididamente na sua direcção...
- Não estragues tudo... - pediu, deitando-a suavemente sobre o leito da cama -
...vamos apenas distraí-los - findou, deitando-se a seu lado, e encostando os seus lábios aos
dela, envolvendo com os seus braços fortes o corpo frágil e delicado da jovem.
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- Por favor pára... - implorou Rita, tentando em vão afastar o colega.
- Está descansada, não faremos nada enquanto não te sentires preparada, isto é
apenas uma manobra de diversão... - sossegou Jorge, acariciando a face da companheira
que deixou de resistir - Já sei como vamos sair daqui! - disse, segredando-lhe ao ouvido - Vai
ser o sistema de vigilância a dar-nos cobertura!
- Como? - questionou Rita, puxando Jorge para cima de si, e beijando-o com ternura.
- Vamos interferir no sistema de vigilância... - principiou, falando em surdina, ao
mesmo tempo que apertava o tronco da rapariga contra o seu - ...fabricamos umas imagens,
e depois só teremos que as pôr no ar na altura certa, e enquanto eles vêem um filme, nós
piramo-nos nas calmas! - acrescentou depois.
- Tens a certeza que resulta? - questionou Rita não parecendo totalmente convencida,
afagando-lhe o cabelo.
- Acho que sim... - recomeçou Jorge, esticando-se ao comprido na espaçosa cama, e
puxando a companheira para o seu lado - ...a câmara é fixa, não tem zoom, e mesmo as
ligações não são muito difíceis de violar.
- E onde é que entra a televisão e o vídeo? - inquiriu a jovem, deixando que o colega
passasse o seu braço por detrás dos seus ombros, ficando a servir-lhe de apoio para a
cabeça.
- A televisão não tem utilidade nenhuma, só serve para justificar o vídeo. Nós só
precisamos do vídeo e de uma cassete...
- Então a televisão, é só para disfarçar, porque eles iam desconfiar se pedisses só o
vídeo, certo? - deduziu a atraente estudante.
- Certíssimo!... - continuou Jorge - Nós vamos interferir no sistema de vigilância duas
vezes; a primeira para gravarmos uma noite de sono, ou seja vamos gravar aquilo que eles
estão a ver, e depois na noite a seguir cortamos a ligação da câmara, e pomos no sistema as
imagens da gravação. Como a câmara é fixa, eles só podem descobrir que nós estamos a
fugir se entrarem no quarto, ou se os guardas que estiverem lá fora nos apanharem.
- Brilhante! - exclamou Rita, saltando para cima do colega, e beijando-o
apaixonadamente - Mereces!... - disse, interrompendo por breves instantes aquele momento
íntimo para tomar fôlego - Agora nem uma palavra à Cláudia, ...promete!
- Mas ela vai connosco! - replicou Jorge, não deixando lugar a discussão.
- Está bem, mas não precisa de saber de nada... - concordou a companheira com
relutância - ...e só lhe dizemos mesmo quando já estivermos a fugir para ela não ter tempo de
avisar os amigos, ...vá, ...jura!
- Juro... - garantiu o rapaz levantando a mão direita, fazendo também uma expressão
muito séria - ...mas ainda acho que estás enganada.
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- Caíste no jogo dela que nem um patinho! - retorquiu a atraente rapariga, insistindo
mais uma vez nas suas desconfianças - Ela vai-nos trair, ...espera, e verás!
- Estás a ser injusta...
- Desculpa... - redimiu-se ela, apercebendo-se que o seu último comentário magoara o
colega - ...não vale a pena zangarmo-nos por causa disso! - concluiu, acariciando-lhe o rosto.
- Vá, deixa-te disso, ...eu não fiquei chateado... - sorriu Jorge, tentando desvalorizar
aquele mal-entendido - Ainda é muito cedo, ...queres jogar alguma coisa?
- Que tal Batalha Naval?- sugeriu Rita - Temos papel e canetas...
- De acordo! - aprovou o rapaz, indo buscar o material necessário - Eu fico daquele
lado... - disse, entregando uma caneta e um bloco de apontamentos à colega, sentando-se
depois na cama do lado.
- O que é que apostamos?
- E se for..., - principiou Jorge pensativo - ...um jantar? - propôs.
- Está no papo!
Começaram ambos por espalhar os seus "navios" de maneira a que o rival não os
pudesse descobrir facilmente. Rita deixou que fosse o companheiro a começar, jogando ela
logo a seguir.
O jogo prolongou-se por mais de uma hora, pois os dois jovens ao mesmo tempo que
tentavam através de palpites descobrir a localização dos barcos do adversário, iam contando
anedotas, pelo que ambos passaram um pedaço bem animado. Porém, quando já não
restavam muitas hipóteses Rita arriscou:
- H7...!
- Bem, ...haaaa, ...huuumm, ... - balbuciou Jorge adiando uma resposta - Tiro, ...e
barco ao fundo! - acrescentou desconsolado.
- Ganhei!... Há! Há! - exclamou radiante - Já estou a imaginar onde será o nosso
jantar: ...um belo restaurante à beira-mar, ou porque não um jantarzinho romântico à luz da
vela num sítio bem sossegado...
- Combinado!... - decidiu Jorge de pronto - Conheço um restaurante francês que é o
máximo!... E não vale a pena dizeres que não... - continuou, reparando que dissera aquilo por
brincadeira - Está decidido!
- Depois se vê... - replicou Rita, bocejando longamente - Vou-me deitar! - anunciou,
colocando a mão à frente da boca para esconder o segundo bocejo.
- Também estou a ficar com sono... - declarou o companheiro, espreguiçando-se em
cima da cama - Queres ir trocar-te primeiro?
A jovem acenou com a cabeça em sinal afirmativo, e pegou na camisa de noite que
estava arrumada no guarda-vestidos, encaminhando-se em seguida para o quarto de banho.
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Rita regressou poucos minutos após ter entrado, indo acordar o companheiro que entretanto
adormecera tranquilamente deitado sobre o confortável colchão da cama. Em seguida,
também o rapaz se dirigiu para a mesma dependência a fim de se trocar. Demorou
igualmente não muito tempo, voltando para junto da colega, que já se refugiara entre os
lençóis da cama:
- Fica comigo... - pediu, notando que ele se aproximava da cama contígua.
- Está bem! - anuiu Jorge, juntando-se à jovem debaixo dos vários agasalhos.
Por fim, trocaram um ternurento beijo na face, e muito aconchegadinhos preparam-se
para dormir...
Lá fora, a temperatura descera bastante, e para além do intenso nevoeiro que
entretanto se formara, ao longe ouviam-se os primeiros trovões de um temporal que
ameaçava perturbar o tranquilo repouso dos dois prisioneiros...
Fim do 6º Capítulo
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Capítulo 7
A manhã seguinte surgiu bastante tristonha... Apesar de ser ainda Outono, aquele dia
de Quarta-feira anunciava uma chegada antecipada do Inverno. Na verdade, desde que o dia
rompera a chuva não deixara ainda de cair, e o vento assobiava vigorosamente de encontro
às robustas paredes da velha mansão. Também a espessa camada de nevoeiro que durante
a noite se formara, teimara em ficar, pelo que o cenário em redor da faustosa habitação era
quase irreal, mais parecendo tirado do guião de um filme de suspense.
Jorge, foi o primeiro a acordar naquela escura e sombria manhã de Dezembro. No
entanto, tendo-se deparado com aquela situação muito pouco convidativa, deu meia volta,
aconchegou-se ainda mais entre os lençóis, e voltou a adormecer não muito tempo depois.
Antes porém, olhou por instantes para colega que a seu lado repousava tranquilamente. Por
fim, as pálpebras fecharam-se lentamente...
...
- Señor!... Señor!... - chamou uma voz conhecida, abanando o corpo inerte do rapaz -
Señor, ...acorde! - insistiu a voz.
- Que se passa? - inquiriu Jorge despertando estremunhado, abrindo então os olhos, e
identificando a personagem que o acordara - Que queres "Rosé" ? - indagou, bocejando ao
mesmo tempo.
- Vim acordá-lo a si e à señorita, pois já passa do meio-dia...
- Meio-dia!? - interrompeu o jovem surpreso - Mas o meu relógio só tem dez e meia... -
contrapôs, observando os ponteiros do seu relógio de pulso que continuava em cima da
mesinha de cabeceira - Porra! Está parado! - disse, verificando que o ponteiro que marcava
os segundos estava imóvel.
- Se quiser, eu mesmo posso providenciar uma pilha nova... - ofereceu o prestável
indivíduo sul-americano.
- Obrigado... - respondeu Jorge, entregando-lhe o relógio.
- Tenho também aqui aquilo que me pediu ontem... - recomeçou "Rosé", apontando
para o televisor e o videogravador que deixara à entrada do quarto.
- Deixa ficar, que eu mesmo monto logo à noite... - agradeceu o prisioneiro falando
delicadamente, enquanto o outro se encaminhava para o exterior.
- Voltarei à uma hora... - informou, saindo e fechando a porta atrás de si, fazendo
rodar a chave na fechadura logo depois.
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Por fim, Jorge saiu debaixo dos lençóis, não sem antes contudo observar a
companheira, que docilmente a dormia a seu lado. Em seguida, escolheu umas roupas do
guarda-vestidos, e correu em direcção ao quarto de banho. Regressou volvidos
aproximadamente vinte minutos, usando uns jeans azul desbotado e uma camisola de gola
alta negra. Depois, constatando que Rita ainda não acordara, decidiu-se por despertá-la:
- Rita... - chamou baixinho ao ouvido da jovem, não obtendo no entanto qualquer
resposta - Rita... - repetiu, afastando os cabelos que lhe pendiam sobre o rosto - Acorda... -
pediu, passando ao mão ao de leve pela pele suave da colega, ao mesmo que a beijava com
ternura na face.
A rapariga deu enfim sinais de vida, primeiro mexendo-se entre os cobertores, e
abrindo os olhos logo a seguir.
- Bom dia! - disse, saudando o companheiro com um carinhoso beijo nos lábios - Que
horas são? - indagou, espreguiçando-se repetidamente.
- Preguiçosa... - comentou Jorge, enquanto procurava o relógio da jovem - Faltam
vinte e cinco minutos para a uma da tarde... - anunciou, voltando a arrumar o relógio
cuidadosamente em cima da mesinha de cabeceira - ...vamos, é melhor ires arranjar-te, o
"Rosé" disse que voltava antes da uma.
- Ele esteve aqui?
- Sim, veio trazer a televisão e o vídeo... - esclareceu o rapaz, apontando para os dois
aparelhos que o segurança de Enrique Escobar havia deixado à entrada do quarto - Vá, vai-
te vestir, que eu vou ver o que consigo fazer com aquilo.
Rita resolveu-se finalmente a sair debaixo do aconchego da cama ainda quente,
saltando descalça para o chão.
- Brrrrrrr!... Que frio!... - exclamou arrepiada, escolhendo à pressa uma toillete do
guarda-roupa, antes de se precipitar em direcção ao quarto de banho.
Jorge entretanto, examinou cuidadosamente os dois volumes, tentando certificar-se se
porventura em algum dos dois tivesse sido colocado algum dispositivo de escuta, concluindo
aliviado que tudo parecia estar em ordem. Deste modo, ocupou-se de imediato de arranjar o
melhor local para instalar ambos os aparelhos, de forma a que ficassem o mais próximo
possível da câmara de vigilância, escolhendo para isso uma enorme peça de mobiliário, com
cerca de um metro e meio de altura, e aproximadamente dois e meio de largura.
- "É já aqui!" - decidiu prontamente, transportando a televisão para cima da colossal
cómoda, à qual juntou depois o videogravador, terminando a operação ligando todos os
cabos entre os dois aparelhos.
Em seguida, deu uma rápida vista de olhos pelo painel de botões do vídeo. Procurava
uma função em particular:
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- Esplêndido! - exclamou felicíssimo - LP! - disse, referindo-se à tecla que indicava a
função de Long Play, que permitia que o tempo normal de gravação/reprodução de uma
cassete fosse duplicado.
Este pormenor, iria permitir um importante ganho de tempo aquando da fuga, caso
esta se concretizasse. No preciso momento em que Jorge terminava a sua tarefa, ouviram-se
passos do lado de fora da porta, seguindo-se duas pancadas na porta.
- Podes entrar "Rosé"... - respondeu o jovem, deduzindo que se tratava de novo do
indivíduo estrangeiro.
Porém, não foi "Rosé" quem assomou à entrada do quarto quando a porta se abriu.
Era Marco, que nos seus habituais maus modos foi dizendo:
- Vamos!... O señor Enrique está à vossa espera para almoçar... - informou
rispidamente.
- Espera um pouco, por favor. - pediu Jorge com delicadeza - A Rita ainda não está
despachada. - concluiu.
- Nesse caso, ...eu vou apressá-la! - disse, avançando decididamente em direcção ao
quarto de banho, sendo no entanto impedido pelo prisioneiro que o puxou firmeza, não
permitindo que o outro levasse avante os seus intentos.
- Nem penses... - avisou ainda.
- Ou me largas já, ou desta vez parto-te os cornos!... - ameaçou furioso, mostrando
que não estava disposto a brincadeiras, ao mesmo tempo que tentava libertar-se.
- Não sejas estúpido, espera um pouco. Ela deve estar a sair... - repetiu o jovem, sem
levantar a voz, soltando Marco, que de imediato fez menção de o agredir, chegando mesmo a
atingi-lo com uma cotovelada, embora não muito violenta.
- Ninguém me dá ordens, entendeste? - disse, encaminhando-se de novo para o
quarto de banho, sendo de novo puxado por Jorge - Desta vez é que é! Vou acabar com a tua
raça, ...filho da puta! - gritou, totalmente fora de si.
- Não te admito que insultes a memória da minha mãe... - respondeu o rapaz,
agredindo o outro com um soco na cara, que o deixou agarrado ao nariz.
- Eu mato-te, ...cabrão!
- Anda cá, ...vá! - desafiou o prisioneiro - Ou não és homem suficiente... - duvidou
Jorge, fazendo com que Marco perdesse a cabeça por completo.
O perigoso sujeito do rabo-de-cavalo, puxou de uma enorme faca que guardava no
interior do blusão de cabedal preto, manejando-a com destreza, tentando atingir o indefeso
jovem, que se desviava com uma elasticidade impressionante dos golpes do atacante. Nesse
mesmo momento, abriu-se a porta do quarto de banho. Era Rita, que alertada pelos gritos
que ouvia do exterior, resolveu ir ver o que se passava. Ao deparar-se com aquele cenário de
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violência, não conseguiu conter um grito de terror, enquanto o companheiro se desviava de
mais uma investida do temerário malfeitor.
- Rita! Volta para dentro, ...já!... - ordenou o destemido colega, logo que se apercebeu
da presença da rapariga - Faz o que te digo, ...volta para dentro! - repetiu, num tom de voz
que não deixava lugar para qualquer discussão.
Rita obedeceu aterrorizada, voltando a fechar-se no quarto de banho, enquanto Marco
mais uma vez brandia a enorme faca. Porém Jorge, aproveitando-se de um deslize do rival,
conseguiu com um exímio pontapé acrobata, fazer com que a faca saltasse da mão direita de
Marco para o outro lado da cama. Em seguida, aplicou-lhe uma série de rudes golpes de
karaté, concluindo com um duro pontapé, que fez com que Marco saísse do quarto, indo
esbarrar violentamente com "Rosé" e o Dr. Fontes que se aprestavam para entrar,
estatelando-se todos três sobre a alcatifa do corredor.
- Que se passa aqui? - inquiriu o Dr. num tom autoritário.
- Foi este filho da puta... - principiou Marco furioso.
- Vê lá como falas... - ameaçou Jorge, recolhendo do chão a faca com que o sujeito do
rabo-de-cavalo o atacara - Já te fui aos cornos uma vez... - prosseguiu, sendo prontamente
interrompido pelo Dr. Fontes.
- Parem com isso, ...imediatamente, ...ouviram? - gritou irado, no mesmo tom
autoritário que usara instantes antes - Dá cá isso! - ordenou a Jorge, referindo-se à enorme
faca que o jovem segurava na mão esquerda, no preciso momento em que Rita saía do
quarto de banho, constatando aliviada que aparentemente o companheiro se encontrava bem
- Viste o que aconteceu? - indagou de novo o Dr. Fontes, mostrando-se bastante irritado com
toda aquela situação.
- Não sei de nada... - respondeu a rapariga com sinceridade - ...eu estava-me a vestir,
quando ouvi uma grande gritaria, vim ver o que se passava, e só vi aquele tipo... - disse ao
mesmo tampo que apontava para Marco - ...com uma faca na mão. Depois o Jorge mandou-
me voltar a entrar, e a partir daí não vi mais nada.
- Eu vou fingir que nada aconteceu. - recomeçou o Dr. Fontes visivelmente agastado -
Seria muito aborrecido que o Enrique tomasse conhecimento da vossa gracinha. Mas espero
que esta palhaçada não se volte a repetir, ...ouviram bem? - concluiu com cara de poucos
amigos - Vamos almoçar! - acrescentou ainda.
Posto isto, dirigiram-se todos em silêncio para a sumptuosa sala de jantar, onde
Enrique já algo impaciente os aguardava, sentado como habitualmente na sua cadeira de
rodas.
- Porque se atrasaram tanto? - indagou pouco satisfeito.
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- A moça atrasou-se um pouco a arranjar-se... - esclareceu o Dr. Fontes, enquanto
Jorge e Marco trocavam um olhar azedo, que felizmente ninguém percebeu.
- Ha... - limitou-se a dizer o anfitrião, fazendo um sinal ao mordomo para que
começasse a servir a sopa, que constava de um fino creme de legumes com espargos.
Cláudia desta vez não ousou reclamar da comida que era servida, mantendo-se em
silêncio como todos os restantes presentes. O prato seguinte era constituído por escalopes
de vitela panados, acompanhados por esparregado de espinafres, e arroz branco. Foi por fim
Enrique quem quebrou o silêncio:
- Vou ter que me ausentar durante alguns dias... - principiou, dirigindo-se aos três
prisioneiros que o olharam com uma expressão interrogativa - ...espero que sejam sensatos,
e não arranjem problemas aos meus homens. Seria muito desagradável que algum de vocês
tivesse um qualquer acidente... - prosseguiu, deixando bem claro que deixara ordens precisas
aos seus capangas, no intuito de prevenir alguma tentativa de fuga dos reclusos.
- Decerto que não causaremos o mínimo transtorno aos seus soldadinhos... - começou
Jorge com insolência - ...afinal, estas férias têm sido de tal forma reconfortantes, que para
quê estragá-las com pormenores tão fúteis...
- Óptimo... Como disse, seria mesmo muito aborrecido, que algo sucedesse com
algum de vós... - insistiu o anfitrião, ao mesmo tempo que com um sinal autorizava o
mordomo a servir a sobremesa.
- Vai em negócios? - questionou de novo o jovem estudante, provando um pouco do
doce de ananás que o indivíduo da casaca preta acabara de lhe colocar na frente.
- É apenas uma reunião para discutir orçamentos, e planear estratégias a adoptar
futuramente...
- O negócio da "coca" vai de vento em poupa... - observou Rita com desdém - ...se
calhar até tem um departamento que se ocupa da lavagem de dinheiro...
- Para além de muito bonita, és também uma moça muito inteligente...
- Vindo de si, esse elogio soa a insulto... - respondeu Rita de pronto, não deixando
sequer que Enrique terminasse a frase.
- Agora não é a melhor altura, no entanto, quando eu voltar, terei imenso prazer em
discutir este assunto contigo. Estou certo, que depois de conversarmos a tua opinião será
diferente.
- O senhor deve estar a delirar... - respondeu a sensual prisioneira com convicção.
- Gostaria de ficar mais um pouco, no entanto o meu avião espera-me... - anunciou,
bebendo o seu café de num só gole.
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- Boa viagem!... - desejou Cláudia, em tom de ironia observando o vil malfeitor ser
conduzido por Marco para fora do imponente salão, acompanhados de perto pelo Dr. Fontes,
e por "Rosé".
Um a um, também os três jovens terminaram o seu café, abandonando igualmente a
ampla dependência. Em seguida, após terem chegado à conclusão que naquele dia não iria
ser possível passar a tarde nos jardins da mansão, encaminharam-se algo desapontados
para a sala de estar. Durante um bom pedaço, entretiveram-se conversando animadamente,
no entanto, algum tempo depois, Jorge optou por ir procurar um livro para se ocupar,
deixando as duas raparigas distraídas com um filme.
Deste modo, o jovem começou por explorar o piso térreo no intuito de encontrar a
biblioteca, espreitando para o interior de todas as portas que lhe surgiam na frente.
- Será aqui? - interrogou-se, parando defronte uma entrada, depois de ter já
examinado uma boa parte das divisões daquele piso - És o maior! - exclamou, explorando o
interior da sala pela frincha da porta entreaberta, concluindo sorridente que acabara de achar
aquilo que procurava.
Em seguida, penetrou no amplo espaço, ricamente decorado e mobilado, fechando a
porta atrás de si com todos os cuidados. À sua volta, uma descomunal estante ocultava por
completo as paredes da biblioteca, totalmente recheada das mais diversas obras literárias. Ao
fundo, duas enormes janelas forneciam ao espaço uma ténue iluminação, por causa da pouca
luz proveniente do exterior. A curta distância podia-se observar uma sumptuosa secretária em
madeira exótica, e logo por cima desta, fixa na parede, encontrava-se uma câmara de
vigilância. Jorge percebeu enfim que se encontrava na mesma divisão onde Enrique Escobar
se apresentara aos dois prisioneiros escassos dois dias antes. Sobre a imponente secretária
encontrava-se um excelente equipamento informático, que de imediato prendeu a atenção do
audaz rapaz. Jorge instalou-se na luxuosa e agradável cadeira, ligando o computador sem
mais delongas. Primeiro decidiu listar todos os ficheiros contidos no disco duro...
- Hm! Interessante... Será que... - disse, falando para os seus botões - Com um
bocadinho de sorte, ...quem sabe?
Ao executar o comando que listava os ficheiros da unidade fixa do computador
pessoal, o jovem deparou-se com alguns programas que não conhecia. À atracção inicial pela
máquina, juntou-se a curiosidade de saber até que ponto poderia o vil Enrique Escobar ter
armazenadas no disco rígido daquele PC informações importantes das suas actividades
ilícitas, de que o jovem se pudesse posteriormente servir em caso de necessidade. Os
conhecimentos informáticos de Jorge eram bastantes vastos, pelo que não demorou muito a
localizar alguns ficheiros que ele suspeitava estarem relacionados com os negócios menos
claros do anfitrião. De súbito, porém ouviram-se vozes junto da porta do escritório... Alguém
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acabara de passar mesmo em frente da entrada da sala, sem suspeitar sequer do ousado
intruso, que sem perder o sangue-frio, continuou a sua tarefa logo que as vozes se afastaram.
Contudo, quando o rapaz se aprestava para pesquisar os segredos do perigoso malfeitor,
surgiu-lhe uma dificuldade adicional:
- Merda!... Esta porra está codificada... Gaita!... Gaita!... Gaita!... - exclamou
desanimado, não se dando no entanto por vencido - Pensa... Pensa... Pensa... Vou demorar
demasiado tempo para tentar descobrir a password, ...além de que é muito perigoso... Pensa,
porra... pensa... - repetiu, procurando uma solução que lhe permitisse aceder àquela
informação, que se poderia revelar muito importante... - Internet... é isso mesmo! - exclamou -
Não, ...não pode ser... podiam descobrir o rasto... - concluiu, tentando ser o mais prudente
possível - Uma disquete, ... preciso duma disquete... - disse, procurando precipitadamente
nas gavetas da impressionante secretária - Ora aqui está..., que sorte! - prosseguiu,
introduzindo o disco flexível, na ranhura do computador.
Por fim, digitou no teclado os dados necessários para que os ficheiros que pretendia
fossem copiados para a disquete, e a máquina iniciou a operação. No exterior, mais uma vez
se ouviram vozes que se aproximavam. Em seguida, os passos estacaram próximo da
entrada do escritório, e alguém mexeu na maçaneta... Nesse mesmo instante, o computador
terminou a tarefa, e Jorge com o coração aos pulos escondeu o precioso disco sob a
camisola de gola alta que vestira nessa manhã, desligando o aparelho sem tomar as
precauções recomendáveis, pois se o fizesse corria um risco ainda maior de ser apanhado
com a "boca na botija".
- "Vou ser caçado!" - pensou alvoraçado, quando enfim a porta foi aberta.
- Que fazes aqui!?... - inquiriu asperamente o Dr. Fontes fitando-o surpreendido.
- Estou a ler!... - respondeu o intruso mostrando o livro que segundos antes tirara ao
acaso da enorme estante.
- Não sabes que não podes entrar aqui? - indagou rispidamente a irritante
personagem.
- Não sou adivinho... - retorquiu com descaramento o prisioneiro.
- E estás a gostar da história? - insistiu o perverso indivíduo, apontando para o livro,
tentando aquilatar-se se de facto o estudante falava verdade.
- É bastante interessante... - prosseguiu o jovem sem se atrapalhar, lendo os
pensamentos ao inquisidor - Quer que lhe conte a história? - acrescentou com uma tal
confiança que deixou o outro sem argumentos.
- Não, não é necessário... - redarguiu o recém-chegado, observando discretamente a
secretária, tentando certificar-se que o atrevido recluso não tivera acesso a nada que
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pudesse comprometer ainda mais a organização - Agora sai! - ordenou por fim, num tom mais
sereno.
Jorge obedeceu de pronto, dirigido-se sem demora para a saída, dando graças pela
sorte que tivera ao pegar justamente num livro que tinha lido fazia algum tempo. Antes de ter
tempo para alcançar a porta, o Dr. Fontes perguntou:
- Que vieste cá fazer?
- Andava à procura de um bom livro com que me pudesse entreter - esclareceu o
estudante com sinceridade
- Há quanto tempo cá estavas?
- Não sei ao certo... - respondeu de novo o jovem, fazendo uma pausa para pensar -
... mas devia ser para aí há uma hora, talvez...
- E ninguém te veio avisar que não podias estar aqui? - insistiu o pouco escrupuloso
advogado.
- Absolutamente ninguém.
- Muito bem, ... podes sair. Mas não voltes a repetir a gracinha! - avisou o Dr. Fontes,
puxando do isqueiro para acender o charuto que acabara de tirar do bolso do casaco,
murmurando qualquer coisa que o arrojado rapaz não conseguiu compreender.
Jorge saiu por fim do escritório, dando um suspiro de alívio, e fechando a porta atrás
de si. Conseguira safar-se com relativa facilidade duma situação algo comprometedora, e
igualmente arriscada. Um segundo mais poderia ter deitado tudo a perder. Se tivesse sido
apanhado, por certo ele próprio e Rita ficariam em maus lençóis. Em seguida, resolveu ir
procurar as duas raparigas, que provavelmente continuariam na sala de estar.
- De volta tão cedo? - observou a sensual companheira dos cabelos louros - Não
encontraste nada que te interessasse, ou mudaste de ideias?
- Mudei de ideias... - respondeu o rapaz, seguindo o conselho de Rita, e não
adiantando muito mais, acomodando-se depois entre as duas jovens no acolhedor sofá
assistindo ao final do filme.
...
Faltavam apenas dois minutos para as oito horas, quando um segurança que
desconheciam entrou na divisão onde haviam passado a tarde, informando que o jantar seria
servido de imediato. Os três prisioneiros acompanharam a sinistra personagem, que os
conduziu até à sumptuosa sala de jantar, ocupando em seguida os lugares habituais. Nesse
mesmo instante também o Dr. Fontes entrou naquela dependência. Antes porém de se
sentar, dirigiu-se a Jorge, que ficou lívido:
- Tens aqui o teu relógio! - disse, entregando-lhe o elegante adereço - Há bocado não
me lembrei de to dar... - justificou-se ainda.
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- Qual era o problema? - indagou o prisioneiro, recobrando o sangue-frio.
- Era a pilha que estava fraca... - revelou o outro, regressando ao seu lugar, sentado-
se por fim, ao mesmo tempo que autorizava o mordomo a servir a sopa.
Para aquela refeição, encontravam-se apenas presentes os três jovens, o perverso
advogado de Enrique, e ainda o mesmo segurança que os escoltara até àquela dependência,
vigiava atentamente os movimentos dos prisioneiros, especialmente os de Jorge. Após se
terem sentado à mesa, ninguém mais falou, pelo que o silêncio apenas foi quebrado pelo
mordomo ao recolher os pratos usados para a sopa. Em seguida, o indivíduo da casaca preta
pousou com primor defronte os quatro presentes um prato refinadamente apresentado do
qual constavam filetes de bacalhau fresco, acompanhados por uma boa quantidade de
legumes; cenouras minúsculas, couve roxa, brócolos, ervilhas, etc.. Cláudia voltou a torcer o
nariz, não muito contente com aquilo que via. Porém, ao contrário daquilo que fizera na noite
anterior, desta vez optou por nada dizer.
- Então, não comes? - indagou Fontes, falando pela primeira vez desde que se
sentara à mesa, reparando que ela mais uma vez não fazia tenção de provar a comida.
- Não muito obrigado... - respondeu a rapariga, com indiferença, optando por
experimentar o sumo de laranja.
- Tu lá sabes... - limitou-se a dizer, abanando a cabeça em sinal de reprovação.
Depois de todos terem terminado o prato principal, o mordomo recolheu a louça suja,
arrumando-a com cuidado no carrinho que trouxera consigo para servir a refeição. Em
seguida, distribuiu com esmero uma requintada sobremesa, confeccionada à base de frutos
secos; nozes, amêndoas, passas, avelãs, pinhões, envolvidos depois em natas e bolachas
semi-geladas. Por fim, o habitual café, pôs fim ao opulento repasto.
- Ei, Miguel... - principiou o detestável advogado, terminado o seu descafeínado -
...assim que os nossos amigos terminarem acompanha-os até aos respectivos quartos.
- Si señor! - anuiu o segurança, ao mesmo tempo que o Dr. abandonava
apressadamente a magnificente sala de jantar.
...
- Para que queres isso? - indagou Rita, logo que os passos do segurança que dava
pelo nome de Miguel deixaram de se ouvir nas proximidades da porta, apontando para a
cassete de vídeo que o companheiro trouxera consigo.
- Precisamos dela... - respondeu o rapaz vagamente dirigindo-se ao quarto de banho.
- Onde vais?
- Espera um pouco... - pediu, desaparecendo por breves instantes, regressando logo
depois, trazendo um rolo de adesivo e uma tesoura.
Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo
120
- Que estás a fazer? - insistiu a colega, observando intrigada o colega tirar uma
disquete que tinha guardada sob a roupa que trazia vestida.
Posteriormente, o colega cortou duas tiras da fita adesiva, com as quais envolveu o
disco flexível, colando-o cuidadosamente na parte inferior do fundo da enorme cómoda sobre
a qual estavam a televisão e o vídeo.
- O que é isso? - repetiu Rita impaciente com tantos segredos.
- Não sei ao certo... - principiou Jorge com sinceridade - Esta tarde estive no escritório,
e encontrei um computador. Andei a espiolhar no disco rígido, e encontrei alguns ficheiros
que suspeito conterem informações importantes sobre as actividades do nosso amigo
paralítico. Como estava com medo de ser apanhado, e porque os ficheiros estão codificados,
resolvi copiar tudo para uma disquete. Mesmo assim foi à justa, mais um segundo e o filho da
puta do Fontes tinha-me caçado...
- E que vais fazer com isso?
- Guardamo-la bem escondida, e quando fugirmos levamo-la connosco. Estou
convencido que com um bocadinho de paciência consigo decifrar o código - disse, olhando ao
seu redor - Agora precisamos de nos concentrar na fuga. Para a primeira fase do nosso plano
é indispensável que arranjemos uma ficha eléctrica.
- Para quê?
- Vou provocar uma falha de energia.
- É mesmo necessário?
- Sim, porque quando mexer nos cabos do sistema de vigilância, eles vão notar
interferências na imagem, e podem desconfiar - explicou Jorge, tentando em vão encontrar o
acessório que pretendia - Por isso, mais vale jogar pelo seguro.
- Porque não usamos a ficha de um dos candeeiros da mesa de cabeceira? - sugeriu a
companheira tentando ajudar.
- Não pode ser... porque eles estão a vigiar-nos, e iam ver pela câmara...
- Mas nós podemos resolver isso facilmente... - retorquiu Rita, puxando-o
energicamente para o raio de alcance do sistema de vigilância.
- Que estás a fazer? - perguntou surpreendido, enquanto a companheira lhe despia a
camisola de gola alta, atirando-a de encontro à câmara, ao mesmo tempo que o beijava
meigamente nos lábios.
- Porra! Não resultou... - lamentou-se, constatando com uma pontinha de desilusão
que a camisola de Jorge não acertara no alvo.
- Deixa-me tentar! - pediu o jovem, ajudando a colega a despir o seu pulóver,
enquanto mais uma vez trocavam um carinhoso beijo, atirando depois ao acaso a peça de
vestuário, que voltou a não acertar na câmara.
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- Também falhaste! - exclamou - Por este andar acabamos nus e não conseguimos
nada! - concluiu rindo divertida - Temos que os despistar, senão começam a desconfiar... -
preveniu a rapariga, segredando-lhe ao ouvido - Tira-me a camisa, e lança-a para perto das
camas...
- T'ás louca!?...
- Não te preocupes, ainda fico com o soutien...
Jorge obedeceu sem protestar, arremessando a camisa da colega propositadamente
para longe da câmara, de modo a afastar as suspeitas dos carcereiros. Depois auxiliou Rita,
que em vão se esforçava para lhe tirar a t-shirt, uma vez que se mantinham abraçados,
beijando-se de quando em vez, agindo sempre o mais naturalmente possível. Rita conseguiu
por fim deixar o companheiro em tronco nu, mantendo nas suas mãos a camisola de mangas
curtas, preferindo esperar alguns segundos para efectuar o lançamento com mais precisão.
- Espera! - pediu Jorge, procurando evitar sem sucesso que Rita consumasse o
arremesso da t-shirt, uma vez que a rapariga se encontrava de costas para o alvo - Não
acredito!...
- Acertei!? - inquiriu ela.
- Em cheio... - completou Jorge, observando incrédulo a camisola branca que
permanecia pendurada na objectiva da câmara de vídeo, impedindo deste modo que os
captores pudessem o que se passava naquela dependência - Mas, ...não há tempo a
perder... - acrescentou, libertando-se da rapariga, e precipitando-se em direcção ao candeeiro
que estava colocado sobre a mesa de cabeceira mais afastada da porta.
Sem demora, puxou a ficha que ligava o candeeiro à tomada de electricidade,
cortando logo depois o fio com uma faca que tirou da meia da perna direita...
- Onde é que arranjaste isso? - questionou Rita, não querendo acreditar no que via.
- Palmei-a ao jantar!
- Como é que conseguiste sem que ninguém percebesse?
- Prometo que um dia te explico... - disse não revelando mais pormenores, e
fechando-se no seu habitual sorriso enigmático.
- Ouço qualquer coisa!... Vem aí gente! - alertou a companheira alarmada pelos
passos que se aproximavam rapidamente.
- Depressa, tira as calças! - pediu o companheiro raciocinando quase
instantaneamente.
- Hã!?
- Despe as calças e atira-as para o chão... - repetiu Jorge quase em surdina, perante a
surpresa da colega, enquanto tratava de ocultar as comprometedoras provas.
Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo
122
A rapariga obedeceu prontamente, confiando plenamente no companheiro, que quase
em desespero escondeu todos os utensílios mesmo por detrás da pesada cómoda sobre a
qual se encontravam o vídeo e a televisão. Rita, semi-desnuda, aguardava junto da cama
mais próxima da entrada da divisão que o jovem lhe explicasse o que pretendia... Ele porém,
nem sequer falou, descalçando-se precipitadamente, deitando-se enfim por cima do corpo
franzino da sensual rapariga... Nesse mesmo momento, a porta do quarto abriu-se...
- Hum! Parece que temos festa! - observou Fontes, penetrando no amplo espaço, e
dirigindo-se aos dois jovens, que se separaram de pronto, enquanto se aparentavam algo
comprometidos - Vejo que estão a aproveitar, para se conhecerem melhor... Seus marotos... -
continuou a detestável personagem, ironizando a situação.
- Que querem daqui!? - perguntou o prisioneiro, fingindo-se surpreendido e indignado
com a violação da sua privacidade, apanhando furioso do chão a sua camisola e entregando-
a a Rita para que ela se cobrisse.
- Desculpem a interrupção, ...mas nós temos que ver tudo o que fazem... - explicou o
infame indivíduo, com um sorriso de malícia - A manobra da t-shirt não vale... - disse com
sarcasmo destapando a lente da câmara - Parece-me que isto te pertence... - continuou,
entregando seguidamente a peça de vestuário ao prisioneiro.
- Podiam pelo menos ter batido antes de entrarem... - protestou Rita, nada satisfeita
com a intromissão dos recém-chegados.
- E perdíamos a oportunidade de te ver quase nua? - comentou o cúmplice que
acompanhava o Dr. Fontes - Deixa-me dizer-te, tens um corpo formidá...
O atrevido sujeito não teve tempo sequer de terminar a frase. Rita, com um soco
certeiro rebentou-lhe o lábio inferior, e deixou-o agarrado ao queixo, perante o olhar
estupefacto de Fontes e Jorge.
- Puta... - insultou o outro furioso.
- Queres outro? - desafiou a rapariga, não parecendo muito disposta a tolerar aquele
género de comentários.
- Cala-te Miguel! - ordenou o insuportável advogado - Tiveste aquilo que merecias,
vamos embora...! - acrescentou, encaminhando-se em direcção ao exterior - Espero ter sido
bem claro, ...não repitam a gracinha, ...fiz-me entender? - concluiu por fim, saindo para o
corredor.
Os dois prisioneiros limitaram-se a acenar com a cabeça em sinal afirmativo, vendo o
par de intrusos desaparecer do outro lado da porta. Depois, ficaram muito atentos ao ruído
dos passos que rapidamente deixaram de se ouvir, tentando deste modo assegurarem-se que
estavam de novo completamente sós.
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- Onde é que aprendeste a bater daquela maneira? - questionou o jovem, ainda
surpreso pela reacção da sedutora companheira - Será que temos aqui uma Barbie
Rambo...? - brincou, enfiando a t-shirt sobre o robusto e musculado tronco.
- Eu também tenho alguns segredos... - respondeu a jovem, imitando a expressão
misteriosa que Jorge fizera minutos antes - Diz a verdade, ...representamos bem, hem? -
observou depois, mudando de assunto, voltando a vestir os jeans azul desbotado.
- Parecíamos duas vedetas de Hollywood!... - exclamou o rapaz, rindo-se divertido do
seu último comentário - Bem, ...mas vamos ao trabalho! - findou, reunindo de novo os
objectos que ocultara atrás do aparelho de televisão - O primeiro passo, é deixarmos a casa
ás escuras... - explicou, juntando os dois fios condutores que saíam da ficha eléctrica que
subtraíra ao pequeno candeeiro, de modo a que estes provocassem um curto-circuito na
instalação de energia da mansão.
Em seguida, o engenhoso jovem, isolou a ligação, servindo-se do adesivo que
surripiara da malinha de primeiros socorros que encontrara no armário do quarto de banho...
Mais tarde, com uma frieza impressionante, pediu a Rita que se afastasse, introduzindo a
preciosa ficha na tomada de electricidade... Depois tudo aconteceu muito rapidamente;
primeiro ouviu-se um estouro vindo da instalação eléctrica, que soltou igualmente algumas
faíscas, e de imediato a enorme divisão ficou mergulhada na mais completa obscuridade...
- Bonzai!... - exclamou o rapaz com um ar triunfal, revolvendo os seus bolsos - Não te
mexas, ...é só um segundo! - pediu à colega, acendendo enfim a minúscula lâmpada da
lanterna que tinha no seu porta-chaves.
- E agora? - questionou Rita, juntando-se ao companheiro, que examinava
atentamente os fios que partiam da traseira da câmara de vigilância - Queres ajuda com a
luz? - ofereceu.
Jorge agradeceu, e acenando que sim, entregou o simpático objecto à rapariga, que
atentamente seguia os seus gestos.
- Basicamente, aquilo que temos que fazer, é um shunt, ...estás a compreender? -
indagou, enquanto descarnava o cabo que ligava o aparelho de televisão ao videogravador.
- Para ser sincera isso é chinês...
- É simples. Fazes de conta que tens por exemplo duas estradas... - começou por
dizer, fazendo uma pausa para que Rita pudesse seguir o seu raciocínio - ...para as ligares
uma à outra o que é que fazes?
- Um cruzamento? - arriscou a companheira.
- Exactamente! É o mesmo que estamos aqui a fazer... - explicou Jorge, acabando
também de abrir dois pequenos furos no cabo da câmara - ...a seguir, só tens que juntar
malha com malha, e o condutor com o condutor, e já está! - concluiu, enrolando
Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo
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cuidadosamente os finíssimos fios de cobre uns nos outros - Depois, é sempre conveniente
isolares muito bem as ligações que acabaste de fazer, e certificares-te de que não há
contacto algum entre as malhas e os condutores - acrescentou ainda, enquanto enrolava
pequenas tiras do mesmo adesivo que pedira emprestado do estojo de primeiros-socorros.
- E porque é que foi preciso desligar a luz? - questionou Rita algo confusa.
- Porque se não tivéssemos desligado a luz, quando mexi naqueles fiozinhos, eles
teriam notado um montão de interferências, e iam desconfiar... - resumiu Jorge, totalmente
seguro daquilo que dizia.
- És um génio! - elogiou a sedutora companheira, premiando-o com um meigo beijo na
testa.
- Agora, vai-te trocar... - pediu ele, reunindo os utensílios operação que acabara de
executar, e escondendo-os cautelosamente por debaixo do pesado guarda-vestidos - Espera,
leva isto... - disse, entregando o rolo de adesivo a Rita - ...guarda-o na mala de primeiros-
socorros.
- Já não vais precisar?
- Não..., ou melhor, se calhar até vou - respondeu, procurando às apalpadelas a
videocassete que trouxera consigo para o quarto - Afinal, preciso mesmo. É só um
bocadinho... - acrescentou, verificando que o selo que permitia a gravação fora retirado -
...para tapar este buraco - terminou, ao mesmo tempo que apontava para um pequeno orifício
na cassete, que à ténue luz da lanterna do porta-chaves mal se vislumbrava.
Rita entrou enfim no quarto de banho, regressando poucos minutos mais tarde. Jorge
recomendara-lhe que não se demorasse, pois seria demasiado arriscado prolongarem a
sabotagem por muito mais tempo. Ele receava que os captores acabassem por se aperceber
da situação, o que os deixaria a ambos numa posição algo delicada. Embora enquanto a ficha
permanecesse na tomada, não existisse o perigo de serem vigiados através da câmara, uma
vez que sempre que a energia fosse ligada, ocorria um novo curto-circuito, e por conseguinte
a corrente eléctrica voltava a ser interrompida, no entanto impunha-se prudência...
- Prepara-te, que eu vou tirar a ficha... - avisou, regressando ao quarto de dormir, já
depois de ter trocado de indumentária - Ai... porra! - gritou soltando um uivo de dor.
- Que se passa? Estás bem? - instou a companheira aflita
- Não foi nada... - disse, desviando arrastando algo no soalho de madeira - ...bati com
o joelho na porcaria da cadeira - revelou finalmente.
De súbito, o quarto iluminou-se, e o impassível prisioneiro introduziu a cassete no
aparelho de vídeo, pegou no controlo remoto do mesmo, e sorrateiramente levou o acessório
para a cama. Antes porém, desligou o interruptor, deitando-se na mesma cama que Rita
escolhera.
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- A partir de agora mexe-te o menos possível, e não fales... - pediu, carregando
discretamente na tecla que correspondia à função de gravação - Pronto, já está... - confirmou,
consultando o display do comando...
Fim do 7º Capítulo
Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo
126
Capítulo 8
- Jorge!... Jorge!... Acorda por favor! - pediu Rita, sacudindo o corpo do companheiro,
que a seu lado dormia tranquilamente - Jorge!... - insistiu de novo, com uma voz doce -
Acorda, ...já passa das onze e meia!
- Hum! Hum! Deixa-me dormir! - protestou ele, virando-se para o outro lado.
- Não pode ser, ...e se entra alguém... - continuou ela pacientemente - Vá, tens que ir
desligar os cabos... - acrescentou ainda, abanando uma vez mais o corpo do rapaz.
Jorge abriu enfim os seus olhos azuis, fitando o rosto angelical da sensual colega.
Depois, aproximou os seus lábios dos dela, e beijou-a com afecto.
- Estás linda como nunca!... - disse, com uma voz rouca, afastando os cabelos que
pendiam sobre a face da rapariga, não conseguindo conter dois longos bocejos.
- Não digas tolices... - retorquiu Rita, algo embaraçada pelo galanteio - É melhor
recolheres o fio, não vá alguém entrar de surpresa - avisou.
O jovem estudante de Direito, resolveu-se por fim sair debaixo dos cobertores,
primeiro saltando descalço para o chão gélido, e depois precipitando-se para a entrada do
quarto de banho.
- Porra, ...está um frio do caneco! - exclamou, posicionando-se mesmo por debaixo da
câmara de segurança - Age como se eu não estivesse aqui... - pediu, agachando-se ao lado
do guarda-vestidos, que por sorte também ficava fora do alcance do aparelho de vigilância,
procurando a faca que pedira emprestada no jantar da última noite.
Em seguida, puxou ainda a ficha que igualmente na véspera subtraíra ao pequeno
candeeiro da mesa de cabeceira, introduzindo-a prontamente na tomada de energia que se
encontrava mesmo a seu lado. De novo, em apenas escassos segundos, ouviu-se um fraco
estouro, soltaram-se algumas faíscas, e mais uma vez a instalação eléctrica da velha mansão
fora sabotada pelo audacioso prisioneiro.
- Cortaste a luz outra vez!? - indagou Rita assombrada, apercebendo-se da acção do
companheiro - T'ás louco?
- É só por alguns minutos... - replicou Jorge com uma expressão insolente - ...preciso
de tirar o adesivo, desligar o cabo do vídeo, e consertar o da câmara para que não se veja
que fio violado - explicou, metendo mãos à obra.
...
- Venham! - ordenou um segurança que ambos desconheciam, entrando de surpresa
na ampla dependência.
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Os dois cativos obedeceram prontamente, deixando que o mal-encarado indivíduo os
conduzisse para fora do quarto, e depois até ao piso térreo. Eram treze horas em ponto,
quando ambos se sentaram defronte a majestosa mesa de madeira exótica da sala de jantar.
Quase simultaneamente entrou Cláudia, acompanhada pelo mesmo segurança que Rita tinha
sovado na noite anterior. Para além dos três jovens e dos dois seguranças, ninguém mais se
encontrava na sala.
- O nosso amigo Fontes não almoça connosco? - indagou Jorge, quando o mordomo
principiou a servir a sopa.
- Mas que tipos sociáveis... - notou Cláudia, concluindo que nenhum dos dois
carcereiros parecia disposto a responder.
Ambos os indivíduos mantiveram a mesma expressão dura, ignorando os comentários
dos jovens, enquanto que o sujeito da casaca negra aguardava tranquilamente junto da porta
de entrada para poder servir o prato seguinte. A atenção de Jorge prendeu-se por alguns
segundos naquele homem. Aparentava cinquenta e muitos anos, tinha cabelo grisalho, e
barba igualmente grisalha. Por debaixo do vestuário escuro engomado com rigor,
apresentava-se uma personagem fria e rígida, fiel aos princípios e valores. A sua expressão
fria e distante dava-lhe uma aparência algo severa e até mesmo sinistra. Ali, imóvel, quase
encostado à parede mais parecia uma estátua sem vida. A dada altura, o mordomo mexeu-
se, e aproximando-se da mesa, recolheu os pratos num gesto rigoroso e seguro repetido
inúmeras vezes. Em seguida, sempre com o mesmo primor colocou na frente de cada um dos
presentes um prato de salmão grelhado acompanhado por batatas cozidas e maionese,
apresentado com o requinte habitual. Durante o tempo que ainda durou a refeição ninguém
falou, a logo após terem bebido o cremoso café expresso que mais uma vez lhes foi servido
pela altiva personagem, os três jovens abandonaram rapidamente a ampla sala de jantar.
Ao contrário do dia anterior, naquela tarde optaram pelo jardim, uma vez que apesar
do céu estar coberto de ameaçadoras nuvens não chovia. Cláudia propôs que dessem um
passeio pelo jardim para ajudar a passar o tempo, sugestão que foi de pronto aceite pelos
dois companheiros...
...
- Duas e dez! - observou Jorge, consultando os ponteiros fosforescentes dos seu
relógio de pulso que se encontrava em cima da mesa de cabeceira - Está na hora do
espectáculo! - pensou, abanando suavemente o corpo adormecido da colega - Rita!... -
chamou ao ouvido sussurrando - Rita!... - insistiu não obtendo qualquer resposta.
A rapariga porém nem reagiu, continuando sossegadamente ali mesmo a seu lado,
pelo que o jovem decidiu pôr em prática o plano de fuga que se ocupara a aperfeiçoar
durante as últimas horas...
Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo
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Jorge definira anteriormente que a primeira tarefa seria sabotar uma vez mais a
instalação eléctrica da velha mansão. Para essa operação recorreu de novo à ficha de
tomada que já utilizara na véspera, e que discretamente trouxera consigo para a cama,
quando escassas horas antes se deitara junto com Rita. Usando de todas as precauções, o
audaz estudante de Direito pegou na preciosa ferramenta, e disfarçadamente introduziu-a na
tomada de energia, que quase simultaneamente soltou as já conhecidas faíscas seguidas de
um pequeno estrondo que deixou a enorme habitação às escuras...
Não havia tempo a perder... Em primeiro lugar era necessário ir resgatar Cláudia ao
quarto contíguo àquele em que se encontravam. No entanto Rita poderia arranjar-se
enquanto ele se encarregava dessa missão. Jorge optou por acordar a companheira antes
mesmo de se preocupar com a tarefa de ir buscar Cláudia.
- Rita, ...acorda! - pediu, abanando suavemente o corpo adormecido da colega -
Rita!... - chamou, falando um pouco mais alto, ao mesmo tempo que com a sua mão direita
lhe tapava a boca, não fosse a rapariga assustar-se e como consequência deitar tudo a
perder - Rita, ...tem calma, sou só eu... - disse-lhe em surdina, quando por fim ela abriu os
olhos fitando-o quase em pânico.
- Está na hora? - indagou mais calma, logo que Jorge lhe destapou a boca.
- Sim, temos que aproveitar agora, porque até o tempo parece jogar a nosso favor... -
principiou, fazendo uma breve pausa - ...ouviste? - inquiriu, prosseguindo depois - É um
temporal dos feios, e ao que parece aproxima-se desta zona! - concluiu, esfregando as mãos
de contentamento.
- Já trataste da electricidade?
- Sim... - respondeu o companheiro acenando com a cabeça em sinal afirmativo -
...mas não podemos perder tempo. Veste qualquer coisa prática enquanto eu vou num pulo
buscar a Cláudia...
- Não vais mesmo desistir dessa ideia suicida de levares a víbora connosco? - indagou
com uma expressão de reprovação.
- Não... - retorquiu Jorge com convicção, preparando-se para abrir a janela.
- Nesse caso não vou permitir que estragues tudo... - principiou com dureza -
...escolhe, ou me levas a mim, ... ou a ela! - findou, friamente.
- Estás a ser injusta e egoísta... - argumentou o rapaz tentando chamá-la à razão -
Afinal que tens tu contra ela?
- Nada, a não ser que ela está a jogar dos dois lados... Por isso escolhe, ...ela, ...ou
eu!
- Estás a agir como uma criancinha mimada! Afinal de que lado estás?
- Do teu, grande burro. Estás tão cego que nem consegues ver isso!
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- Não vou permitir que os teus ciúmes mesquinhos e parvos impeçam a Cláudia de ir
connosco... - disse em tom acusador e severo - Espero que quando eu voltar pares com essa
parvoíce... - concluiu abrindo a janela e saltando para cima do telhado escorregadio.
- Muito bem, será como queres! - replicou Rita furiosa entredentes, observando o
colega desaparecer do lado de fora da janela de águas-furtadas.
Jorge parecia um gato em cima das telhas cada vez mais encharcadas, pois naquele
momento chovia já a cântaros. Movendo-se com uma agilidade impressionante o jovem
rapidamente chegou junto da janela do quarto onde Cláudia se encontrava enclausurada. Em
seguida, tentou sem êxito forçar as portadas de madeira da janela. De súbito um raio que
caíra perto assustou-o quase o fazendo perder o equilíbrio.
- Porra, foi por pouco! - exclamou, recobrando o sangue-frio, concentrando de novo a
sua atenção na enorme janela.
Porém, nem precisou de se esforçar muito, aproveitando o contínuo ribombar dos
trovões para abafar o ruído que provocou quando rebentou a fechadura. Sem perder tempo,
acercou-se rapidamente da cama onde a prisioneira repousava.
- Cláudia! - chamou, tapando-lhe igualmente a boca - Sou eu, o Jorge - disse, perante
o espanto da rapariga, que de imediato abriu os olhos.
- T'ás louco!? - indagou perplexa, logo que o intruso a libertou - Eles vêem-nos através
das câmaras!... - avisou ainda, fitando-o incrédula.
- Não te preocupes. Tenho tudo controlado... - tranquilizou-a o imperturbável
companheiro - Enfia qualquer coisa rapidamente, enquanto eu trato de arranjar a cama -
pediu, procurando algo que pudesse simular o cabelo louro da jovem.
Com os vários cobertores que encontrou no roupeiro Jorge moldou um volume que no
escuro, e pela distância a que se encontrava a câmara de vigilância por certo facilmente
iludiria os seguranças de Enrique. Em seguida, pegou na toalha de banho que encontrou
noutra gaveta, e com destreza embrulhou-a entre os lençóis, deixando propositadamente uma
ponta sobre a almofada, de modo a dar a ideia que se tratava da cabeça da prisioneira.
- Estou pronta... - anunciou Cláudia regressando do quarto de banho.
- Descalça os ténis! - recomendou Jorge - O telhado está muito escorregadio... -
complementou, reparando que a rapariga não compreendera a razão do pedido.
O estudante de Direito subiu primeiro para o parapeito da janela, equilibrando-se nas
telhas encharcadas, ajudando depois a companheira.
- Vai devagar... - pediu, ficando para trás, tentando fechar as portadas da janela, de
modo a que estas não ficassem a bater, alertando assim os carcereiros.
Instantes mais tarde, o rapaz juntou-se a Cláudia e a Rita que também já arranjada o
esperava com uma expressão carrancuda. Jorge no entanto nada disse, aproximando-se do
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local onde se encontrava fixa a câmara de vigilância. Em seguida, subiu para o assento da
cadeira, puxou da lanterna do seu porta-chaves, e com uma perícia invejável sabotou o
sistema de segurança, reunindo o fio de ligação do circuito de vigilância, com o cabo que
emitia o sinal do videogravador. Por fim, pegou na cassete de vídeo, introduzindo-a na
ranhura do aparelho destinada a esse efeito.
- Que estás a fazer? - indagou Cláudia, observando com atenção os movimentos do
rapaz.
- Lembras-te de te ter dito que as câmaras podiam ser o nosso melhor aliado para dar
cobertura à fuga. É apenas uma questão de as pormos a trabalhar para nós - foi dizendo,
perante o ar de reprovação da colega de estudos - Rita, ...tira a ficha, por favor - pediu,
premindo de pronto a tecla de reprodução - Agora esperem um pouco enquanto eu visto
qualquer coisa - rematou, desaparecendo no interior do quarto de banho...
- Tens a certeza que queres sair agora? - indagou Cláudia, contemplando a chuva que
caía copiosamente.
- É agora ou nunca - decidiu o jovem, sentando-se sobre o parapeito da janela - Tu
vens primeiro - acrescentou ainda, falando para Rita, ao mesmo tempo que a ajudava a subir
- Agora tu, Cláudia.
Após ter ajudado ambas a subir para o telhado, Jorge conduziu-as cautelosamente até
ao local onde ele calculava estarem fixos os apoios da hera, e que iriam utilizar como apoio
na descida. O destemido rapaz tomou de novo a iniciativa, acercando-se perigosamente do
limite das telhas, deixando-se depois escorregar nos últimos centímetros do beirado,
apoiando-se por fim na estrutura que segurava a hera ao redor da habitação. Mais uma vez
auxiliou Rita, amparando igualmente Cláudia, deixando depois que as duas raparigas
descessem na frente. A colega chegou ao chão sem problemas, no entanto, Cláudia não teve
tanta sorte, pois já bastante próximo do solo escorregou, e caiu desamparada sobre a relva
encharcada, soltando um grito de dor. Jorge que se encontrava logo atrás ainda tentou
segurá-la, embora sem sucesso, terminado depois a descida em grande velocidade.
- Magoaste-te? - indagou, chegando junto da enferma.
- Não sei, mas acho que parti o pé!... Dói-me imenso! - declarou, com uma expressão
de angústia.
- Deixa-me ver... - pediu o jovem, examinando o tornozelo magoado - Parece-me que
está apenas torcido - anunciou aliviado - não é grave... - completou, despindo rapidamente o
seu blusão, e a t-shirt que rasgou em tiras com as quais envolveu o pé da rapariga, voltando
a calçar-lhe o sapato de desporto após ter terminado a tarefa.
- Aproxima-se alguém! - avisou Rita entredentes, avistando dois vultos que pareciam
dirigir-se para aquele local.
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- Para baixo do arbusto, ...depressa - ordenou, sem perder o sangue-frio, ajudando as
companheiras a esconderem-se.
- Onde vais? - indagou Cláudia vendo que ele não se lhes juntava.
- Silêncio! - pediu, subindo a uma árvore ali mesmo ao lado.
De cima do ramo sobre o qual se encontrava sentado, Jorge podia facilmente observar
os movimentos do duo de malfeitores que rapidamente se acercavam daquele local. Os dois
homens pararam mesmo em frente do arbusto onde as duas raparigas se tinham escondido.
O estudante, com o calculismo e frieza habituais, atirou-se em voo sobre os intrusos,
deitando-os por terra. Primeiro puxou a pistola de um, agredindo-o depois com a coronha da
arma, deixando-o estendido inconsciente no chão, a sangrar da cabeça. Em poucos
segundos, Jorge, com um par de duros e exímios golpes de karaté dominou o segundo
segurança, deixando-o igualmente sem sentidos deitado sobre a relva molhada.
Chovia cada vez com mais intensidade, e a tempestade que o rapaz previra dirigir-se
para aquele local parecia estar no auge. Os trovões ribombavam incessantemente no silêncio
da noite, e os relâmpagos iluminavam o céu escuro quase sem interrupção. O jovem, pegou
no seu blusão completamente encharcado, enfiando-o por cima do tronco nu. Em seguida,
aproximou-se do arbusto onde as duas raparigas permaneciam abrigadas.
- Podem sair, ...já passou o perigo - disse, ajudando Cláudia a levantar-se, e
agarrando-a ao colo.
- Não é preciso isso... - protestou a companheira, rindo divertida da situação.
- Não há tempo a perder! - argumentou Jorge - Se estes dois vieram cá fora, é porque
devem desconfiar de algo, e por isso não tardarão aí mais uns quantos... - advertiu ainda -
Segue-me sempre o mais agachada possível... - pediu depois, falando para Rita, que pela
sua cara de poucos amigos continuava amuada.
Jorge, fez por ignorar a expressão da colega, começando a correr velozmente,
levando Cláudia ao colo, e fazendo sinal à rapariga para que o seguisse. O pequeno grupo de
fugitivos seguiu sempre por entre as inúmeras árvores do jardim da propriedade, alguns
instantes mais tarde encontravam-se albergados debaixo do amplo telheiro que servia de
guarida às diversas viaturas de Enrique, bem como ao Ford Escort Rs Cosworth do
prisioneiro.
- Dêem-me só um segundo... - pediu, aproximando-se do Mercedes negro estacionado
mesmo ao lado do seu desportivo.
O impassível sujeito, com uma tranquilidade impressionante, abriu o capôt do
automóvel, voltando a fechá-lo depois de lhe ter subtraído uma peça, e alguns cabos. Em
seguida, repetiu a mesma operação, primeiro com o segundo Mercedes, e segundos depois
com o espantoso Ferrari vermelho.
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- Jorge, ...depressa vêm aí cinco gajos! - gritou Rita quase em pânico, antes mesmo
do jovem ter tido tempo para concluir a operação, apontando para o grupo de indivíduos que
corria naquela direcção com lanternas numa mão, e as metralhadoras na outra.
- Só um segundo... - pediu ele, olhando rapidamente para o local que a colega lhe
apontava, e concluindo que ainda teria tempo para concluir a sabotagem - Já está! -
exclamou por fim, precipitando-se para o interior do carro, quando o grupo de malfeitores
estava já bastante próximo - Baixem-se! - gritou, ao mesmo tempo que os primeiros tiros
disparados pelos homens atingiram a carroçaria do veículo.
Sem perder o sangue-frio, o jovem colocou o motor em funcionamento, arrancando
ainda mais bruscamente do que era hábito, dando depois uma guinada no volante quando
seguia já a uma velocidade considerável, na direcção dos perigosos atiradores, que quase
por milagre se conseguiram desviar do veloz automóvel. Jorge seguiu depois pelo estreito
caminho que conduzia ao portão da propriedade, ao mesmo tempo que os cinco seguranças
tentavam em corrida perseguir o Ford vermelho.
- Agarrem-se bem! - gritou uma vez mais Jorge, quando o pesado portão lhes surgiu
pela frente.
O estudante de Direito, sem hesitar carregou ainda mais no pedal do acelerador,
embatendo estrondosamente no portão, que no mesmo instante se abriu de par em par
saltando dos eixos, sendo mesmo arrastado pelo carro durante algumas dezenas de metros.
- És completamente louco! - repreendeu-o Cláudia, quando o rapaz entrava em slide
noutra estrada - Tu és um perigo! - observou por fim.
- Ai é!? Então repara... - disse rindo, ao mesmo tampo que sem avisar puxou o travão
de mão e virou o volante para a esquerda.
Com o asfalto completamente encharcado, de imediato a potente viatura entrou em
pião, ficando virado em sentido contrário. Rapidamente, Jorge engrenou a marcha-atrás,
repetindo a mesma manobra que fizera segundos antes, voltando a colocar o carro na
direcção inicial, prosseguindo a marcha.
- Tu és mesmo doido! - continuou a rapariga, abanando a cabeça em sinal de
reprovação - E se eles viessem atrás de nós?
- Não vêm... - respondeu Rita secamente, abrindo a boca pela primeira vez desde que
haviam escapado aos captores - ...pelo menos de carro! - concluiu, mostrando os cabos e as
peças que o colega surripiara aos carros de Enrique, deixando igualmente escapar um tímido
sorriso.
- És um génio, pensas em tudo! - elogiou Cláudia, dando-lhe uma palmada amigável
nas costas - Mas fizeste um belo trabalho, não haja dúvida, o pára-brisas está todo estalado,
espelhos nem vê-los, e a frente deve estar toda amassada.
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- Azar... - limitou-se a responder o jovem, não dando a menor importância aos
estragos...
Passavam poucos minutos das três e meia da manhã, quando o automóvel vermelho
passou a grande velocidade sobre o tabuleiro da Ponte 25 de Abril, seguindo para Este em
direcção à auto-estrada do norte. Jorge, começava a sentir arrepios de frio, e as roupas
encharcadas só acentuavam o desconforto. A seu lado, Rita parecia ter cedido ao cansaço, e
adormecera. O mesmo teria certamente sucedido com Cláudia, enroscada no assento
traseiro pois há já um bom pedaço que se mantinha em silêncio...
...
- Ei, meninas, ...acordem! - pediu Jorge, desligando o potente motor do Ford Escort Rs
Cosworth - Vá lá, não sejam preguiçosas... - prosseguiu, abrindo também a porta do
automóvel.
Primeiro Cláudia, depois Rita, as duas raparigas deram sinais de vida. Somente ao
cabo de algumas tentativas o jovem conseguiu despertar ambas.
- Onde estamos? - indagou ainda ensonada a companheira dos cabelos louros,
desconhecendo em absoluto o local onde se encontravam.
- Estamos em Santarém... - revelou enfim o estudante, ajudando a enferma a sair do
veículo - Ainda temos umas duas ou três horas de viagem, por isso achei boa ideia pararmos
aqui. Tomamos um duche, vestimos roupas secas, descansamos um bocadinho, e depois
seguimos - concluiu.
- Esplêndida ideia! - aprovou a jovem de pronto.
Jorge pegou em Cláudia, transportando-a ao colo até ao elevador. Em seguida, os três
fugitivos aguardaram até que o elevador os levasse até ao nono andar. Por fim o anfitrião
empurrou a porta de entrada do seu luxuoso apartamento, auxiliando mais uma vez a
companheira a deslocar-se.
- É aqui que vives? - indagou algo surpreendida, ao que o jovem correspondeu com
um sinal afirmativo - Que bela casa... - observou, enquanto se deixava conduzir até um dos
quartos de dormir.
- Podes ficar já aqui. - decidiu Jorge, pousando-a sobre a cama - Depois de trocares
de roupa eu vejo melhor o teu pé - declarou o rapaz, apontando para o tornozelo inchado,
encaminhando-se em seguida para a saída - Se precisares de alguma coisa, é só chamares -
acrescentou ainda, fechando por fim a porta.
De imediato o anfitrião foi em busca da colega que permanecia na entrada do
apartamento com uma expressão carrancuda.
- Ainda estás chateada comigo? - indagou aproximando-se dela, e abraçando-a com
ternura.
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Rita não parecia porém na disposição a perdoar a traição do companheiro, afastando-
o energicamente. Perante nova investida do estudante, a rapariga presenteou-o com uma
violenta estalada na face que o deixou atónito.
- A resposta parece-me óbvia... - gracejou Jorge, em tom de brincadeira.
- És um canalha... - insultou Rita, tentando agredi-lo de novo - Porque não voltas para
junto daquela cabra? - sugeriu furiosa.
- Então Rita, acalma-te... - pediu Jorge, tentando chamá-la à razão - ...assim não
resolves nada. Estás muito tensa... Um duche vai ajudar-te a aclarar as ideias... - aconselhou
o anfitrião, abraçando-a de novo.
- Larga-me, não quero nada contigo, ...és um filho da puta! - gritou a rapariga
empurrando o companheiro - Vai lá ver o pézinho da víbora que eu viro-me sozinha, não
preciso de ti para nada, ...traidor! - findou, correndo para o quarto de dormir contíguo àquele
em que se encontrava Cláudia.
Jorge optou por deixar a colega sozinha. Apenas ao cabo de alguns segundos se
recompôs, dirigindo-se perplexo para os seus aposentos que ficavam no piso superior,
tentando em vão descobrir uma explicação para a atitude agressiva da colega. Embora
compreendendo que Rita pudesse estar algo ressentida com consigo, Jorge ficou algo
magoado com as últimas palavras proferidas pela colega, pois não conseguiu encontrar uma
justificação para aquele comportamento.
Após um rápido duche e depois de ter trocado de roupa, o rapaz retornou ao piso
inferior do apartamento, parando junto à porta do mesmo quarto onde Rita se refugiara após
a acesa discussão entre ambos. A rapariga estaria por certo no duche, pois Jorge conseguia
escutar o som de água corrente vindo do quarto de banho. O anfitrião encaminhou-se então
para o quarto contíguo, observando através da frincha da porta entreaberta, a atraente
companheira dos cabelos louros que acabava de se sentar sobre a descomunal cama,
trazendo um toalhão de banho enrolado à volta do seu corpo sensual.
- Posso? - perguntou, abrindo totalmente a porta, penetrando na dependência após
um sinal afirmativo da rapariga - Como está o pé? - indagou depois, chegando junto dela.
- Dói-me bastante... - confessou Cláudia, deixando que o jovem lhe examinasse o
tornozelo.
- Está um pouco inchado, mas não deve ser nada de grave. Continuo a achar que está
apenas torcido... - disse, repetindo o diagnóstico anterior - Se dentro de dois dias ainda
tiveres dores, então levo-te ao hospital - prosseguiu apalpando cuidadosamente a zona
magoada...
- Ai! - queixou-se a enferma - Essa doeu!
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- É melhor por uma ligadura... - decidiu Jorge, encontrando uma na gaveta da cómoda,
que depois foi enrolando à volta do pé da rapariga.
- Também és enfermeiro?
- Não, mas como pratico karaté aprendi a avaliar, algumas lesões que por vezes
acontecem connosco, luxações, rupturas, torções, ou às vezes mesmo fracturas. Para tratar
entorses, na maior parte dos casos basta ligar o pé e pôr um pouco de gelo - Pronto, já está.
Agora não deves andar, nem mesmo apoiar-te nesse pé - terminou, calçando uma meia de
algodão por cima da ligadura.
- És um amor - agradeceu Cláudia premiando-o com um beijo na face.
- Escolhe qualquer coisa do armário para vestires, enquanto eu vou fazer um café
quente - anunciou o anfitrião dirigindo-se para o corredor.
Jorge preparava-se para colocar água a aquecer quando Rita entrou na divisão,
envergando igualmente roupas secas. Algo envergonhada a colega sentou-se numa cadeira,
mantendo-se em silêncio. Jorge, embora ainda um pouco magoado com as palavras que a
rapariga proferira minutos antes optou por não mencionar o assunto, pousando a cafeteira a
escaldar sobre a mesa.
- Bebe um café... - sugeriu, passando-lhe uma chávena.
- Obrigado... - respondeu Rita timidamente, deitando duas colheres de café solúvel na
caneca, juntando depois uma porção de água quente, ao mesmo tempo que a cabeça de
Cláudia assomou à entrada da cozinha.
O anfitrião dividiu com as duas raparigas um saco de biscoitos de canela, que os três
acompanharam com a reconfortante bebida.
- É melhor irmos - decidiu Jorge consultando os ponteiros do seu relógio de pulso -
São quase quatro e meia, e ainda teremos entre duas e três horas de viagem - completou
ainda, arrumando cuidadosamente a loiça no interior da máquina de lavar...
Poucos minutos depois, e após ter ainda escolhido alguns agasalhos e outras peças
de vestuário que arrumou dentro de um saco de desporto, já na garagem subterrânea do
edifício de apartamentos o jovem instalou ambas companheiras no Rover preto. Em seguida
aproximou-se do seu Ford Escort Rs Cosworth examinando com atenção os consideráveis
estragos na viatura.
- Que merda! - suspirou não muito satisfeito - Mesmo assim não é tão mau como eu
esperava... - acrescentou também, pensando em voz alta.
Por fim, juntou-se às duas raparigas, rodando a chave na ignição, e conduzindo com
serenidade o veículo para o exterior da garagem...
...
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136
- Não façam barulho... - pediu Jorge, fechando a porta do automóvel com mil cuidados
- Não quero que elas acordem, porque senão nunca mais me deixam dormir! - concluiu
bocejando repetidas vezes.
- És um sortudo... - observou Cláudia caminhando apoiada no jovem até ao alpendre
da habitação - Que sítio magnífico!
- Já nem consigo enfiar... - riu-se o anfitrião, ignorando o comentário da rapariga, ao
mesmo tempo que tentava sem sucesso enfiar a chave na fechadura - Porra que está um
briol do caraças! - murmurou entredentes, tiritando por causa do intenso frio que se fazia
sentir.
O estudante conseguiu enfim abrir a porta de entrada da habitação, deixando que as
duas companheiras entrassem em primeiro lugar, e trancando-a depois atrás de si...
Passavam dez minutos das sete da manhã, quando o jovem estudante de Direito se
enrolou finalmente nos acolhedores lençóis da sua cama. Embora completamente extenuado,
Jorge demorou ainda algum tempo até adormecer, recordando por instantes os
acontecimentos vividos nessa mesma noite. Ao cabo de dez minutos no entanto, todos
dormiam profundamente.
...
- Isabel! Isabel! - chamou alguém, abanando o corpo da rapariga.
- Deixa-me dormir... - pediu ela com voz rouca.
- Vá lá, não sejas preguiçosa, acho que tenho boas notícias... - insistiu a personagem
com grande ansiedade.
- Que queres, ...Sofia? - indagou Isabel, abrindo por fim os seus olhos azuis, e fitando
a rapariga que a despertara.
- Vem ver uma coisa... - pediu, quase arrancando a outra da cama, conduzindo-a até à
sala da estar - ...chega aqui à janela... - continuou com uma expressão misteriosa.
- Então nevou, e depois, ...qual é a novidade... - disse a anfitriã, contemplando através
da janela o manto branco que cobria tudo ao redor.
- Não é isso palerma - interrompeu Sofia - Olha ali... - prosseguiu apontando na
direcção do BMW coupé em que tinham chegado até ali - ...aquele Rover preto, não é do teu
irmão? - indagou por fim.
- Achas que...? - sugeriu Isabel, não terminando a frase e correndo até ao quarto de
dormir do rapaz.
Em seguida, abriu a porta com cuidado, constatando felicíssima que Jorge se
encontrava tranquilamente deitado na sua cama.
- Então? - indagou Sofia chegando junto a ela.
- Dorme que nem um bebé...
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- Espera, ...onde vais? - indagou a recém chegada, puxando Isabel não permitindo
que ela entrasse no quarto - Ele deve ter chegado muito tarde, e por certo está cansado, ...é
melhor deixarmo-lo dormir até lhe apetecer.
- Tens razão - concordou - Será que ele conseguiu libertar a Rita? - perguntou-se
ainda.
- Só há uma maneira de saber... - sugeriu a companheira.
As duas raparigas desceram então as escadas evitando fazer barulho, parando ambas
junto porta da primeira dependência.
- Então?
- Não sei, mas aquela não é a Rita!... - afirmou Isabel, espreitando pela frincha da
porta entreaberta, deixando que Sofia pudesse também observar o vulto que estava deitado
na cama.
- Que estão a fazer!? - indagou Joana, chagando sorrateiramente junto delas.
- O meu irmão já voltou...
- Ai sim...? - fez a recém-chegada.
- Ele ainda está a dormir, e por isso não o quisemos acordar... - principiou Sofia - Mas
estávamos curiosas se ele tinha conseguido libertar a Rita...
- E então resolvemos pesquisar... - confessou Isabel.
- Só que aquela moça que ali está não é a Rita... - completou a colega dos cabelos
castanhos, deixando que Joana espreitasse também para o interior da dependência.
- Tens razão - concordou a recém chegada - Mas se não é a Rita quem será? E onde
está a Rita?
- Pode estar no quarto ao lado do teu... - sugeriu a irmã de Jorge, seguindo as outras
duas...
- Despacha-te! - pediu Sofia, agachando-se junto da colega, que cautelosamente abria
a porta, tentando apressá-la - Então, é ela? - indagou, logo que a primeira se voltou para trás.
- Apesar de estar um bocado escuro parece-me que sim, mas...
- Afinal é ela ou não? - indagou - Deixa-me ver - disse espreitando igualmente para o
interior divisão - É a Rita... - confirmou depois.
- Nesse caso resta-nos saber quem é a outra fulana.
- Tenho a leve impressão que para isso ainda vais ter de esperar, ...um bom bocado -
gracejou Joana.
- Parece-me que tens razão - confirmou Sofia, voltando a fechar a porta do quarto
onde Rita repousava.
- Então, é melhor irmo-nos arranjar - sugeriu Isabel, afastando-se das duas
companheiras em direcção ao piso superior.
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Segundos mais tarde, a rapariga voltou a entrar nos seus aposentos. Logo após
pegou numa enorme toalha de banho, entrando no quarto de banho, e fechando a porta atrás
de si. Isabel demorou-se cerca de vinte e cinco minutos, regressando com o mesmo toalhão
enrolado à volta do corpo. De súbito, o seu olhar fixou-se num pedaço de papel depositado
sobre a mesinha de cabeceira com o seu nome inscrito. Ela reconheceu de pronto a letra do
irmão, desdobrando a folha de caderno sem mais delongas, lendo rapidamente as escassas
linhas que Jorge lhe dirigira:
"Isabel, cheguei esta madrugada, já passava das sete da manhã. Consegui libertar a Rita, e também trouxe
uma rapariga chamada Cláudia que estava prisioneira dos bandidos. Estamos todos bem, mas muito cansados. Peço-te
que nos deixem dormir à vontade.
Um beijo.
Jorge. "
Isabel, escolheu finalmente uma toillette, vestindo-se logo depois. Em seguida, foi
procurar as duas companheiras...
- Olhem o que eu achei na minha mesa de cabeceira... - começou, entrando na
cozinha.
No entanto, Sofia e Joana encontravam-se acompanhadas por uma personagem que
ela não conhecia, embora tenha deduzido que se tratasse da rapariga que Jorge tinha
libertado das garras dos vis captores.
- Esta é a Cláudia! - apresentou Joana.
- Olá, eu sou a Isabel... - disse a recém chegada cumprimentando Cláudia com um
aperto de mão.
- Ela estava a contar-nos como conseguiram fugir - explicou Sofia - ...mas continua -
pediu ainda.
- Deves ter muito orgulho no teu irmão, ...ele é um génio! - principiou a outra elogiando
Jorge, ao que Isabel correspondeu com um sorriso.
- Continua... - insistiu Joana.
- Bem, ... então, depois de eu ter torcido o pé, ele rasgou a camisola, e ligou-me o
tornozelo. Entretanto, apareceram dois fulanos, e o Jorge em três tempos tratou-lhes da
saúde. A seguir, agarrou-me ao colo, e corremos até ao telheiro onde estavam os carros. A
seguir, enquanto eu e a Rita entrávamos para o Ford, ele sabotou todos os outros carros, até
um Ferrari. Mas de repente, apareceram cinco gajos a correr. Nessa altura, o Jorge entrou no
carro e arrancou. Foi quando eles começaram aos tiros. Mas o Jorge nem hesitou e passou
por eles sem abrandar, aliás até os tentou atropelar. Por fim, ... à saída... o teu irmão é
completamente doido... - fez a jovem abanando a cabeça na direcção de Isabel, enquanto
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bebia um gole de café - ...bem, ...à saída, levou o portão na frente. Deu cá um tratamento ao
carro... E depois, a loucura maior foi que logo ali ainda se meteu a fazer piõezinhos. Então,
antes de virmos para aqui passamos também por Santarém. Tomamos um duche, vestimos
roupas secas, bebemos um café quente, e viemos embora. Como o outro carro ficou um
bocado mal tratado, ele resolveu trazer este.
- Conta lá à Isabel como é que fugiram dos quartos! - pediu Sofia.
- Não sei bem, mas o teu irmão criou um estratagema para sabotar a luz da mansão, e
conseguiu também interferir no sistema de segurança da casa...
- Os gajos tinham câmaras para vigiarem tudo aquilo que eles faziam - explicou Joana.
- Como eu estava a dizer, o Jorge arranjou maneira de quando fugisse eles ficarem a
ver imagens dele e da Rita a dormir, ele é um génio...
- Parece-me que começo agora a compreender aquela história do Macgyver e do
Houdini! - observou Joana falando para a anfitriã.
- Quem!? - indagou Cláudia, não compreendendo absolutamente nada.
- A Isabel disse-nos no dia em que nós fomos apanhadas, depois do Jorge nos ter
libertado, que ele conseguia ser tão bom ou melhor que o Macgyver, e que sem ser o Houdini
já fez milagres do género.
- O Jorge tem um período na sua vida em que andou muito afastado de Deus -
confidenciou Isabel - Nessa altura ele conseguiu proezas dignas de um super herói.
- Não queres contar-nos - pediu Cláudia, ficando subitamente bastante interessada
nos feitos do jovem.
- Lamento, mas não posso. O Jorge não sabe sequer que eu tenho conhecimento
desse assunto, pois foi a mãe dele quem me contou... - revelou a rapariga - ...mas felizmente
ele conseguiu emendar-se a tempo, e hoje isso já pertence ao passado. No entanto, o meu
irmão, fez muitas coisas das quais por certo não se orgulhará, a não ser no aspecto de que
realmente conseguiu feitos incríveis.
- Quem é que conseguiu feitos incríveis? - indagou Jorge, entrando de surpresa na
divisão.
- Tu! - apressou-se a responder Isabel, indo abraçar o "irmão" - A Cláudia estava a
contar-nos as tuas proezas...
- Segundo nos contou a Cláudia, andaste a fazer de Macgyver, e saíste-te tão bem
quanto o original...
- Ela é uma exagerada... - principiou - ...mas modéstia à parte, até nem foi muito
difícil... - revelou Jorge, cumprimentando ambas as colegas com um beijo - Para ser sincero,
estive a pensar, e acho mesmo que foi tudo demasiado fácil... - observou, fitando Cláudia nos
olhos - ...começo a desconfiar se não quiseram que fugíssemos. Só não consigo
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compreender porquê. Que te parece? - perguntou finalmente, dirigindo-se para a
companheira de fuga.
- Talvez tenhas razão... - concordou a rapariga - Embora tenhas conseguido enganar
as câmaras, e isso é uma grande vantagem... - acrescentou ainda.
- Estás a ser paranóico... - tranquilizou-o Isabel - Está tudo bem, e isso é que
interessa.
- És capaz de ter razão... - admitiu Jorge, apesar de não parecer totalmente
convencido - Bem, uma vez que já não é preciso apresentar-vos, vou tomar um duche! -
anunciou, fazendo menção de abandonar a cozinha - Ah, já me esquecia... - disse, voltando
atrás - ... como está o teu pé? - questionou, falando de novo para Cláudia.
- Bastante melhor... - respondeu a jovem, deixando que o rapaz pudesse examinar o
tornozelo magoado - ... hoje até já quase nem tenho dores - acrescentou depois.
- Como te disse ontem, é apenas uma pequena entorse, o inchaço já desapareceu, e
mais dois ou três dias já podes andar normalmente - concluiu ele, dirigindo-se por fim para
fora da dependência.
Antes porém de regressar aos seus aposentos, Jorge resolveu ir despertar Rita. Uma
vez diante da porta, deu algumas pancadas suaves na madeira, não obtendo no entanto
qualquer resposta. Em seguida, entrou silenciosamente no quarto, ajoelhando-se ao lado da
cama.
- Rita, estás acordada? - inquiriu aproximando-se um pouco mais da colega - Rita! -
chamou, passando-lhe a mão pela pele suave do rosto - Rita, acorda! - insistiu beijando-a
também na face.
- Deixa-me dormir - resmungou ela, tentando afastá-lo.
- Vá lá, não sejas chata, levanta-te - continuou Jorge, não desistindo dos seus intentos
- Não tens vergonha? Um dia tão lindo lá fora e tu na cama, ...anda, toma um duche, e veste-
te enquanto eu vou fazer o mesmo.
- Tenho sono, não chateeis!
- Eu já venho... - disse, dirigindo-se para o exterior da divisão - ...e quando voltar,
quero-te pronta, senão... - avisou em tom de brincadeira, fechando a porta atrás de si.
Tinham decorrido aproximadamente vinte minutos desde que o jovem estudante de
Direito abandonara o quarto de dormir onde se encontrava Rita. Quando regressou,
encontrou a colega ainda deitada, confortavelmente enroscada entre os inúmeros cobertores
que lhe serviam de aconchego. Com efeito, após Jorge ter fechado a porta do quarto, Rita
virara-se para o outro lado, e adormecera de novo.
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- Se não te levantas a bem, eu trato de te convencer... - disse fingindo-se duro,
tentando mais uma vez despertar a rapariga - Então, decides-te ou não - continuou, quando
ela abriu os olhos.
- Tu!? Outra vez!? Deixa-me em paz, quero dormir! - refilou Rita, escondendo a
cabeça debaixo dos lençóis.
- Não, desta vez só saio daqui quando te levantares - argumentou o anfitrião,
envolvendo o corpo da colega mesmo por cima dos cobertores - Olha que eu recorro à
tortura! - ameaçou fazendo uma expressão séria.
- Não serias capaz...
- Não me tentes... - retorquiu Jorge, beijando-a com ternura nos lábios.
Rita não se ficou correspondendo ao gesto de afecto do companheiro, trocando um
carinhoso beijo.
- Tortura-me outra vez! - pediu Rita, recobrando o fôlego, apertando o tronco do rapaz
de encontro ao seu - Amo-te! - acrescentou igualmente, retomando o apaixonado beijo.
- Também te amo... - retribuiu Jorge, deixando-se conduzir pela atmosfera palpitante
daquele momento de paixão...
- Rita, já estás levanta... Mas... - principiou Joana entrando de surpresa no quarto -
Não interrompi nada, pois não? - indagou a rapariga com ar de troça, perante o embaraço dos
dois jovens que de imediato se separaram.
- Ah, não, ...não interrompes nada, nós estávamos só a... - balbuciou Rita, não
conseguindo encontrar desculpa alguma.
- Eu sei, estavam a fazer exercícios de respiração boca a boca... - observou
mordazmente a intrusa, rindo divertida pelo flagrante que dera nos colegas.
- Mas vinhas a quê? - inquiriu Jorge recuperando o discernimento.
- A tua irmã pediu-me para acordar a Rita, ...mas parece-me que já não é necessário!
- Concordo plenamente! - correspondeu o rapaz, rebatendo o comentário pouco puro
de Joana.
- Nesse caso, estou a mais... - concluiu ela, encaminhando-se para o exterior - ...até
já! - acrescentou, dobrando a porta.
- Espera! Eu vou contigo... - ofereceu-se Jorge, acompanhando a atraente colega, ao
mesmo tempo que piscava o olho a Rita.
Jorge seguiu Joana até à cozinha, onde Isabel, Sofia e Cláudia se ocupavam do
almoço. Enquanto a irmã cortava as batatas já descascadas em pequenos cubos, Cláudia
desfiava cuidadosamente algumas postas de bacalhau previamente demolhadas.
- Então, que temos para o almoço? - indagou o rapaz, entrando na divisão, e
espreitando o conteúdo do tacho que cozinhava sobre o fogão, sob o olhar atento de Sofia.
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- Este é ao contrário... - antecipou-se Joana - ...primeiro come a sobremesa, e depois
é que pergunta pela ementa... - findou, perante o olhar de interrogação das companheiras, à
excepção de Jorge que corou de imediato.
- Que se passa? - questionou Sofia, observando atentamente o colega - Sentes-te
bem Jorge? Estás tão vermelho...
- Ele está bem, não se preocupem... - atalhou Joana entrando com ele uma vez mais,
recebendo por isso um olhar fulminante do rapaz - ...é só falta de fôlego! - acrescentou em
seguida, ignorando os repetidos gestos do colega.
As restantes raparigas não puderam deixar de rir com a insolência de Joana, e
compreenderam de imediato a mensagem, trocando entre si olhares de troça.
- Posso ajudar em alguma coisa? - ofereceu Jorge, cada vez mais comprometido,
tentando a todo o custo mudar o assunto da conversa.
- Podes ir pôr a mesa, se não te importares... - sugeriu Isabel, para alívio do "irmão"
que viu naquele pedido uma oportunidade para se escapar a um ambiente pouco confortável,
sem ser forçado a uma retirada estratégica.
...
- Estava divinal! - aplaudiu Jorge, engolindo com prazer o último pedaço do apetitoso
Bacalhau com Natas, que a irmã confeccionara junto com Cláudia e as suas colegas de
estudos - Passamos directamente ao café, ou há alguma sobremesa? - perguntou ainda.
- A Sofia ontem fez uma salada de frutas, serve? - declarou Isabel.
- Perfeitamente! - aprovou o anfitrião - Deixa, que eu vou buscar... - disse, recolhendo
rapidamente a louça suja, e desaparecendo da sala de jantar em direcção à cozinha.
O anfitrião regressou volvidos alguns instantes, trazendo consigo um recipiente de
vidro no qual fora preparada a sobremesa, que posou sobre a mesa. Em seguida, distribuiu
também as taças e respectivas colheres pelas cinco companheiras, servindo-as
sucessivamente com todo o requinte, tentando imitar os gestos que observara no mordomo
de Enrique Escobar.
- Oh!... Bravo Ambrósio!... - agradeceu Joana, tentando meter-se com ele mais uma
vez.
- Não tem de quê, ...senhora! - gracejou o rapaz, correspondendo ao comentário da
colega.
Sempre bastante animados, terminaram a sobremesa, bebendo o café que Jorge mais
uma vez voluntariosamente se ofereceu para fazer. Por fim, dividiram pelos seis as tarefas de
levantar a mesa e arrumar a loiça na máquina de lavar.
Em seguida instalaram-se na sala de estar, vendo televisão e contando uns aos outros
as aventuras vividas nos últimos dias. Primeiro, Jorge relatou à irmã, e às duas colegas todas
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as peripécias da estadia, ainda que curta, na luxuosa mansão de que era proprietário o vil
Enrique Escobar. Rita e Cláudia escutavam com atenção, interrompendo-o de quando em vez
para acrescentarem algum pormenor que o rapaz esquecera. Após o jovem ter terminado a
sua narração, foi a vez de Sofia e Joana contarem resumidamente todos os acontecimentos
desde o momento em que Jorge as deixara na Área de Serviço da auto-estrada em
Santarém. Isabel encarregou-se depois de explicar o que tinham feito desde que ali haviam
chegado.
- Já levaste as nossas convidadas à Torre? - perguntou Jorge à irmã quando esta
concluiu o seu relato, ao que a rapariga correspondeu com um sinal afirmativo.
- Estivemos lá ontem de tarde... - explicou Joana - Porque não vão vocês? - lembrou,
ainda.
- É uma excelente sugestão - concordou o rapaz, ao mesmo tempo que nas suas
costas a colega fazia sinais a Cláudia, pedindo-lhe para que não fosse - Queres ir? -
questionou o anfitrião.
- Adorava... - principiou a rapariga - ...mas com o pé assim, talvez não seja boa ideia.
Fica para outra vez!... - acrescentou depois, fingindo-se desapontada.
- E tu Rita, queres vir comigo - instou, com um brilho especial nos olhos.
- Vai... - aconselhou Sofia - ...tu sempre quiseste ver neve! Ora aí tens a tua
oportunidade.
- Está bem! - aceitou a jovem, juntando-se ao colega, que procurava no armário da
entrada as botas que habitualmente usava quando nevava.
- Ora cá estão elas! - exclamou sorridente, calçando-as num instante - Nós não nos
demoramos nada! - disse, conduzindo depois a acompanhante para o pátio coberto de neve.
- Obrigado por não teres aceite... - agradeceu Joana, falando para Cláudia logo que
Jorge fechou a porta de entrada - Assim os pombinhos podem estar à vontade! - concluiu
rindo.
- Era por isso que te estavas a meter com o meu irmão á hora de almoço? - indagou
Isabel, acomodando-se no chão mesmo em frente da lareira.
- Havias de ter visto aquilo que eu vi... - confidenciou, relatando minuciosamente às
companheiras o flagrante que dera nos colegas na manhã desse mesmo dia...
...
Entretanto, nesse mesmo momento, Jorge e Rita instalavam-se nos assentos do
Rover 620i preto. Em seguida, com grande tranquilidade, o jovem rodou a chave na ignição, e
libertou a alavanca do travão de estacionamento antes de engrenar a marcha-atrás. Depois,
com igual serenidade manobrou o automóvel para fora do telheiro. Quando se preparava para
arrancar em direcção ao portão, o motor do veículo soluçou e deixou de se ouvir.
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- Azelha! - riu-se Rita, percebendo pela expressão do colega que a asneira fora
cometida por si.
- É o motor que ainda está frio! - justificou-se o rapaz, carregando duas vezes o pedal
do acelerador até ao fundo, iniciando a marcha logo após, conduzindo a viatura até á estrada
principal que passava a curta distância dali.
Por fim, Jorge tomou o caminho que conduzia até ao cume da Serra da Estrela, cujo
lugar era conhecido por Torre, por nele ter sido erguido uma torre artificial com nove metros
de altura, que somados aos mil novecentos e noventa e um da Serra perfaziam um total de
dois mil metros exactos de altitude. A viagem não demorou mais que quinze minutos, apesar
mesmo do piso se encontrar um tanto escorregadio, por causa da neve que se acumulara
sobre o asfalto. Por fim, Jorge estacionou o seu estupendo Rover negro, junto a um grupo de
outros carros.
- Que grande confusão! - observou Rita, libertando o fecho do cinto de segurança, ao
mesmo tempo que contemplava a multidão que circulava em torno das cerca de três dezenas
de barracas dispostas ao acaso.
- Hoje é feriado, depois mete-se o fim-de-semana, e o pessoal aproveita para cá dar
uma saltada... - explicou Jorge, saindo do automóvel - ...eu faço isto muitas vezes, dá-me na
cabeça, e venho com a Isabel passar o fim-de-semana à Serra - acrescentou também - Bem,
podemos começar por dar uma voltinha pelas barracas, que te parece? - indagou.
Rita aceitou de bom grado a sugestão do companheiro, acenando com a cabeça em
sinal afirmativo. Os dois jovens deram então as mãos, e o apaixonado par misturou-se na
pequena multidão de turistas, percorrendo também uma a uma as várias tendas de venda de
recordações e produtos tradicionais da região.
- Prove menina... - convidou uma vendedora, quando os dois se aproximaram da sua
barraca - ...este é o verdadeiro Queijo da Serra, não é daquelas imitações sem qualidade que
vendem aí nos supermercados - disse, cortando com destreza uma fatia de amostra que
ofereceu a Rita.
- É excelente! - aprovou a rapariga deliciada - Queres um pouco? - perguntou ao
companheiro, dividindo com ele a pequena fatia.
- Dos melhores que tenho saboreado... - observou Jorge, igualmente agradado com o
paladar do nobre queijo - Arranje-me um, ...por favor! - pediu, puxando prontamente da
carteira.
O jovem esperou serenamente enquanto a vendedora pesou e embrulhou
cuidadosamente o artigo solicitado. Em seguida, Jorge pagou o queijo, afastando-se com Rita
em direcção à tenda seguinte, que ao invés da primeira exibia uma variedade apreciável de
enchidos dependurados numa trave de madeira. A disposição dos artigos, bem como a
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decoração da própria barraca, ainda que bastante simples, tentava recriar um ambiente
semelhante ao dum fumeiro tradicional. Jorge começou por examinar atentamente alguns
chouriços, virando-os, e revirando-os várias vezes, enquanto o comerciante atendia um outro
casal.
- Vejo que o senhor é entendido... - observou o indivíduo, com um sorriso franco,
quando finalmente lhes deu atenção - Acertei?
- Mais ou menos... - redarguiu o rapaz rindo - ...o meu avô vivia aqui perto, e quando
eu era miúdo ensinou-me alguns truques... - explicou Jorge, escolhendo três chouriços
daqueles que examinara anteriormente.
- Se me permite... - principiou o vendedor, escolhendo um exemplar doutro grupo -
...estes são a minha especialidade, têm um paladar divinal... - disse, exibindo o chouriço - ...é
um pouco mais caro, mas afianço-lhe, ...é uma categoria de chouriço, não encontra mais
nenhum aqui na zona com esta qualidade!
- Aceito a sua sugestão - consentiu o estudante - E, que mais especialidades é que
tem? - indagou.
- Tenho estas morcelas, que são excelentes, sou eu mesmo que as faço, com carne
da melhor qualidade, e depois, tenho ainda umas farinheiras que o senhor não encontra em
lugar algum. Só eu faço farinheira desta maneira... - disse com orgulho.
- Adoro morcelas, quanto às farinheiras não sou lá muito adepto, não gosto da
farinha... - declarou o rapaz.
- Isso, é porque ainda não provou as minhas! - exclamou o comerciante - As minhas
não são umas farinheiras quaisquer, são feitas com muita carne, vinho, mas o segredo está
mesmo na quantidade, e no tipo de farinha que lhes meto. Eu asso-lhe uma, ...então, que
diz?
- Não é necessário, ...confio em si - respondeu ele, examinando o enchido que o
homem lhe passara para as mãos.
- Apalpe, vai ver que quase não encontra farinhas - garantiu o indivíduo.
- De facto, tem razão - concordou Jorge - Sendo assim, pese-me quatro chouriços dos
tais que me mostrou, três farinheiras, e três morcelas - decidiu por fim o rapaz - Queres levar
mais alguma coisa? - perguntou à companheira.
- Que tal um naco de presunto... - sugeriu Rita, pegando num enorme pedaço.
- Acrescente mais isto... - pediu rapaz sem hesitar, entregando o artigo ao
comerciante.
...
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Já depois de terem comprado também uma apreciável porção de nozes e figos secos,
o parzinho de namorados parou defronte de uma barraca de artesanato, que comerciava
sobretudo artigos manufacturados em pele.
- Gostas? - questionou Jorge, mostrando à companheira um par de luvas castanhas
em pele de carneiro.
- São tão fofinhas... - respondeu Rita, enfiando uma na mão esquerda - ...Uaaauuu, e
que quentinhas!
- Escusas de as tirar... - principiou o rapaz, procurando outro par igual - Essas são
para ti, e estas para mim! - decidiu, voltando a puxar da sua carteira - Quanto é que eu devo?
- perguntou ainda para ao homem já de idade avançada que sentado numa cadeira de
madeira unia habilmente dois pedaços de pele.
- És um amor - agradeceu a rapariga, premiando-o com um meigo beijo nos lábios -
Anda ali ver uma coisa... - pediu, quase arrastando o companheiro que guardava ainda o
troco que recebera das mãos do artesão.
Rita conduziu o colega em direcção a uma tenda que ficava quase ao lado. À
semelhança do espaço que haviam visitado antes, também ali se comerciavam artigos
manufacturados em pele, e que haviam lhe haviam despertado a atenção.
- Que te parece, ...gostas? - indagou ao colega, exibindo um conjunto de carteira,
porta-chaves, e porta-moedas.
- Adoro... - apreciou o jovem, examinando minuciosamente as três peças que
constituíam o conjunto.
- Nesse caso, ...levo! - decidiu a companheira abrindo a sua carteira - Agora é a minha
vez de te oferecer algo... - acrescentou ainda, entregando duas notas ao comerciante.
Jorge guardou cuidadosamente o presente de Rita juntando-o às compras que haviam
realizado até ao momento. Em seguida, deram de novo as mãos, circulando tranquilamente
entre os inúmeros parzinhos de namorados, que como eles haviam escolhido aquela mesma
tarde para um descontraído passeio na Serra completamente vestida de branco. De quando
em vez, os dois jovens trocavam um ou outro gesto de maior afecto, sempre rodeados por
uma pequena multidão de turistas.
- Queres alugar uns esquis para experimentares, ou preferes ir dar uma voltinha a pé?
- questionou Jorge, parando junto da última barraca daquele mercado improvisado.
- Em que é que estás a pensar?
- A minha ideia é fazer algum tempo para vermos o pôr do sol, que aqui de cima é
espectacular! - explicou, colocando a mão direita sobre os ombros da companheira.
- Então, talvez seja melhor darmos um passeio a pé, ...não te quero deixar ficar mal! -
respondeu Rita rindo, não muito segura das suas capacidades de esquiadora - Fica para
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outra vez... - adiantou ainda, passando também a sua mão esquerda à volta das costas do
colega.
Os dois jovens dirigiram-se então ao vistoso Rover negro, deixando os sacos das
compras que haviam efectuado cuidadosamente arrumados no espaçoso porta-bagagens do
automóvel. Em seguida, deram de novo as mãos, caminhando descontraidamente sobre a
espessa camada de neve, optando por se afastarem um pouco dos olhares indiscretos das
pessoas que se encontravam concentradas sobretudo em torno das diversas tendas que eles
tinham já visitado. A dada altura porém, quando passavam mesmo ao lado de uma área
completamente gelada, Jorge com astúcia deu um empurrão subtil à companheira, que de
imediato se estatelou no gelo escorregadio.
- Isto não fica assim! - gritou, tentando levantar-se, mas caindo de novo - Vais pagá-
las!...
- Aaaahhhh!... Aaaaaaaahhhhhh!... Aaaaaaahhhhh!... - ria Jorge, dando uma sonora
gargalhada de cada vez que a companheira escorregava no chão congelado -
Aaaaaaahhhhh!... Isto é de morrer a rir! - dizia, já quase com as lágrimas nos olhos de tão
hilariante que era a cena.
- Se te apanho nem sei que te faça... - ameaçou Rita, estatelando-se uma vez mais.
- Queres que te vá buscar? - ofereceu-se o jovem voluntariosamente.
- Não, eu consigo amanhar-me sozinha... - recusou convictamente - ...mas não deixes
que te apanhe, senão...
- É tudo uma questão de equilíbrio! - explicou Jorge, não conseguindo parar de rir,
vendo Rita dar mais uma queda - Não me digas que não és capaz... - continuou dando largas
à sua felicidade.
- Está bem, ganhaste, ...mas tira-me daqui, por favor - pediu a rapariga cedendo
finalmente, deixando-se ficar sentada no chão gélido.
- Está bem, mas tens que me prometer, que não tentas nada... - contrapôs o colega,
insolentemente.
- De acordo, ...prometo! - anuiu a companheira.
Jorge dispôs-se enfim a auxiliar a rapariga, saltando com destreza para aquele
pequeno lago gelado, e caminhando cautelosamente sobre o gelo escorregadio, resgatou
Rita transportando-a depois ao colo para a margem da poça congelada por causa das baixas
temperaturas.
- Engordaste, desde a última vez que te peguei ao colo!... - queixou-se o jovem
sorrindo com descaramento, pousando-a por fim em terra firme - Porra, já não tenho idade
para estas coisas! - disse depois, fingindo-se cansado.
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Rita porém não perdeu tempo a consumar a sua vingança. No mesmo momento em
que o colega a libertou, agarrou numa porção de neve, moldando uma bola, que atirou à cara
do camarada.
- Então, ...isso não vale, ...tu prometeste! - protestou Jorge, desviando-se por um triz
doutra porção de neve arremessada pela rapariga.
- Fiz figas, ...sabes o que é, ...não sabes? - questionou com sarcasmo, enquanto
modelava mais uma mão-cheia de gelo, apontando de novo à cara do colega.
- Se é guerra que queres... - começou Jorge enfiando as mãos na espessa camada
alva - ...então é o que vais ter! - exclamou, correndo atrás da parceira, tentando enfiar-lhe a
neve pelas costas abaixo.
- Está quieto, ...pára! Jorge, por favor páraaaaaaaaa!... - pediu Rita, soltando um grito
agudo quando os pequenos pedacinhos de gelo entraram em contacto com a sua pele -
Desta vez não há perdão, ...tens que ser severamente castigado! - declarou fazendo uma
expressão muito zangada, puxando compulsivamente o companheiro de encontro a si, e
beijando-o com doçura.
- Castiga-me mais! - exigiu Jorge, risonho - Sê má, ...maquiavélica, ...não tenhas
piedade!... - continuou, parecendo cada vez mais agradado...
...
- Vamos para baixo? - sugeriu Jorge, subindo o fecho do o seu blusão impermeável.
- Está bem... - concordou a acompanhante, contemplando encantada um último raio
de sol que desaparecia no horizonte distante - Jorge... - começou a jovem, deixando-se
conduzir até ao distinto Rover.
- Sim...
- Bem... - recomeçou Rita ainda a medo - queria agradecer-te esta tarde maravilhosa...
- Não tens que agradecer, isto não foi nada... - interrompeu o colega - ...sabes bem
que te adoro, e sou capaz de tudo para que a minha coisa linda esteja feliz! - declarou o
rapaz com um brilho especial nos olhos azuis.
- Deixa-me acabar por favor... - pediu a rapariga - Eu..., bem, ...eu quero pedir-te
desculpas por ontem à noite. Estava com ciúmes por estares a dar mais atenção à lambisgóia
do que a mim...
- Não tem importância... - desvalorizou Jorge - Já estavas perdoada, não precisavas...
- Mas eu ontem fui egoísta e disse coisas sem pensar, fui muito injusta contigo, e se
estiveres magoado comigo eu compreendo...
- Não te rales, ...eu entendo, ...estavas de cabeça perdida. Ás vezes também me
acontece, por isso sei como é... E além do mais eu também tenho culpa, porque deixei que
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pensasses que estava a dar mais importância à Cláudia... - retorquiu o colega, perdoando-a
de pronto - Vamos pôr uma pedra sobre o assunto, ...está bem? - acrescentou por fim.
Rita acenou com a cabeça em sinal de anuência, esperando que Jorge destrancasse
as portas do sublime Rover para depois entrarem em simultâneo. Logo que o ruído do motor
do automóvel se fez ouvir, o jovem iniciou vagarosamente a marcha, apanhando alguns
metros mais à frente a estrada que conduzia ao sopé da Serra.
Passavam poucos minutos das seis e meia da tarde quando o Rover negro cruzou
lentamente os portões da casa que servia de refúgio aos seis fugitivos procurados pela
organização de Enrique Escobar. A noite caíra fazia algum tempo, envolvendo tudo ao redor
numa sinistra escuridão. Jorge estacionou cuidadosamente a viatura, indo depois a correr
fechar o portão. Em seguida voltou para junto da colega, auxiliando-a com os diversos sacos
das compras que haviam trazido do passeio dessa tarde. Enfim, encaminharam-se ambos de
mão dada para a entrada da habitação, abrigando-se debaixo do pequeno alpendre enquanto
o anfitrião procurava a sua chave. Tal não foi no entanto necessário, pois volvidos apenas
alguns instantes Sofia veio abrir-lhes a porta, tornando a fechá-la logo que os dois entraram.
- A Torre devia estar o máximo! - começou a rapariga metendo-se com o recém-
chegado parzinho.
- Na verdade, ...um espanto! - retorquiu Jorge, fingindo-se desentendido - Aliás,
fartámo-nos de fazer compras... - acrescentou ainda.
- Trouxemos um queijo, um naco de presunto, quatro chouriços, três morcelas
enormes, três farinheiras, nozes, e figos... - enumerou Rita, à medida que tirava tudo para
cima da pequena mesa de centro da sala de estar.
- Então, estão à espera de quê!? - questionou o anfitrião indignado - Vá, podemos
começar pelo queijo e pelo presunto...
- Será possível que já tenhas fome outra vez! - repreendeu a irmã com uma expressão
de reprovação.
- Claro, estava a pensar que alinhavam todas numa espécie de lanche ajantarado.
Provávamos o queijo e o presunto como aperitivos, e depois assávamos os enchidos na
brasa.... - explicou, fitando as companheiras - ...e para terminar, nada melhor que uns
figozinhos recheados com nozes.
- Tenho que admitir, ...é uma excelente ideia! - aprovou Joana - Sofia, ...dás-me uma
ajuda?
A rapariga concordou de pronto, acompanhando a colega em direcção à cozinha.
Isabel, foi procurar a grelha que habitualmente usavam sempre que faziam grelhados na
lareira. Jorge por seu lado ocupou-se de atiçar o lume de modo a conseguir brasas mais
rapidamente.
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- Traz essa mesa para aqui, por favor - pediu, falando para Cláudia ao mesmo tempo
que apontava para a elegante mesa decorativa que se encontrava no centro da dependência
- Rita, tu podias ficar aqui a olhar pelas brasas, enquanto eu vou procurar uma mesa
desmontável que nós temos e que serve perfeitamente para aquilo que queremos.
- Está bem! - concordou a colega, aceitando a tenaz que o companheiro lhe entregou.
...
- Estou cheia, não consigo comer mais nada! - queixou-se Isabel, engolindo a muito
custo um último pedaço de farinheira.
- Eu também já não sou capaz de engolir mais nada - reforçou Cláudia igualmente
satisfeita.
- Então e este chouriço, vai ficar aqui? - indagou Jorge fingindo-se desapontado.
- Podes comê-lo à vontade, que eu cá, não quero mais nada...
- Nesse caso... - agradeceu o rapaz, cortando o enchido em grossas rodelas - ...não
podemos deixar esta maravilha aqui, ...pode estragar-se!... - findou rindo.
- Não tens emenda... - repreendeu Isabel, observando o irmão devorar o chouriço num
abrir e fechar de olhos - ...és sempre o mesmo glutão!
- E agora, para terminar, nada melhor que umas rodelas de ananás para queimar as
gorduras.
- Eu não quero...
- E eu se comer mais alguma coisa rebento...
- Eu adorava, mas não consigo comer mesmo mais nada.
- Então, não há ananás para ninguém... - decidiu Isabel prontamente - ...ouviste? -
questionou, falando para o irmão que parecia não estar muito convencido - Não há
discussão!... - concluiu depois.
- Pronto, pronto, não se fala mais nisso... - aceitou Jorge - E que tal se fôssemos lá
abaixo à Covilhã... - sugeriu ele - podíamos ir à discoteca fazer a digestão, ou então, a um bar
espectacular que abriu há pouco tempo, que dizem?
- Talvez não seja boa ideia expormo-nos demasiado - lembrou Cláudia - o tal Álvaro
de Matos pode ter usado os conhecimentos dele, e quem sabe se não distribuiriam fotos
nossas à policia, ou podem ter mesmo gajos à nossa procura.
- Ela é capaz de ter razão - corroborou Isabel - se eles têm assim tantas influências, é
melhor termos cuidado, e não arriscarmos.
- Não me tinha lembrado disso... - concordou Jorge - Sendo assim, que vamos fazer?
Alguma sugestão? - indagou, fitando as cinco raparigas que se mantiveram em silêncio -
Não? Bem, nesse caso proponho um joguito de "soneca"?
- De quê?
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- Sueca... - corrigiu Isabel - ...ele é sempre assim, não liguem.
- Escolham os pares enquanto eu vou procurar um baralho - anunciou o estudante de
direito, levantando-se com uma agilidade admirável e deixando a sala por alguns instantes,
regressando poucos segundos depois com dois baralhos de cartas... - Estão ambos viciados,
mas não faz mal porque só eu é que sei... - disse com um sorriso malandro - Escolhe um... -
pediu, estendendo ambos a Joana.
Fim do 8º Capítulo
Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo
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Capítulo 9
- Levanta-te!...
- Não me chateiem, deixem-me dormir! - resmungou Jorge, acordando sobressaltado
por alguém que o pontapeou duas vezes.
- Levanta-te! Imediatamente! - insistiu a voz masculina num tom autoritário - Não me
faças perder a paciência - prosseguiu a voz asperamente.
- Que porra! Será que não se pode... - principiou o jovem irritadíssimo, abrindo os
olhos ao mesmo tempo - Tu!?... - exclamou reconhecendo surpreendido o indivíduo que o
despertara - Não!... Não, ...não pode ser! Tu outra vez!? Isto não está a acontecer... - disse
ele - é apenas um pesadelo! - concluiu o rapaz beliscando-se.
- Não, sou mesmo eu, - recomeçou a personagem - ...em carne e osso, queres ver? -
indagou, agredindo Jorge com soco violento no ventre.
- Filho da puta! - insultou o rapaz - T'ás fodido! - gritou, levantando-se subitamente, e
agredindo o homem com dois socos violentos que o deixaram estendido na chão.
De imediato, dois outros intrusos se acercaram dele, tentando dominá-lo. No entanto,
o bravo jovem esquivou-se agilmente a ambos, e pegou no candeeiro da mesa de cabeceira
que arremessou com toda a força acertando em cheio na cabeça do primeiro agressor,
presenteando o segundo com uma série de exímios pontapés de karaté.
- Alto! - ordenou outra voz com autoridade, entrando de súbito nos aposentos - Mais
um gesto e a tua namorada vai ter com os antepassados! - ameaçou, apontando uma pistola
à nuca de Rita - Estão à espera de quê, ...agarrem-no! - gritou o recém chegado aos dois
homens que se levantavam - Marco, chega-lhe!
- Com todo o prazer doutor!
Marco Abelardo não perdeu tempo a cumprir a ordem do líder, socando violentamente
o indefeso estudante. Primeiro acertou-lhe com alguns murros na cara, agredindo-o depois no
ventre, e concluindo com dois pontapés certeiros que fizeram o rapaz soltar-se dos dois
sujeitos que o agarravam, indo estatelar-se no chão.
- Levanta-te! - exigiu o estrangeiro, pontapeando-o mais uma vez - Ouviste? Mandei-te
levantar! Queres apanhar mais? - questionou com presunção.
Jorge porém não respondeu, conseguindo a muito custo erguer-se, sangrando
bastante do nariz e da boca, e queixando-se também da barriga. À distancia Rita conseguiu
observar ainda que o companheiro tinha igualmente um inchaço no sobrolho direito, e uma
ferida no ombro do mesmo lado.
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- Veste-te! - ordenou o detestável segurança de Enrique Escobar - E não te armes em
engraçadinho, ou limpo-te o sebo aqui mesmo, ...fiz-me entender? - perguntou outra vez,
parecendo bastante à-vontade - Lava a tromba imbecil, não queremos que sujes os estofos
do carro - acrescentou ainda.
O rapaz acenou com a cabeça em sinal afirmativo, dirigindo-se a coxear da perna
esquerda para o quarto de banho dos seus aposentos, regressando poucos instantes mais
tarde. Nessa altura, já Rita e o pouco escrupuloso advogado tinham desaparecido. Marco
Abelardo e os dois seguranças que o acompanhavam continuavam na dependência,
encostados a um canto, mantendo-se alerta a todos os gestos do prisioneiro, não fosse este
tentar algum truque.
- Vamos a despachar, não temos a noite toda! - refilou Marco, exigindo a Jorge que se
apressasse.
Logo que o rapaz enfiou o seu blusão de cabedal negro, foi empurrado com maus
modos para fora do quarto, sendo depois conduzido à sala de estar. Para além das cinco
companheiras, e dos sujeitos que o vigiavam, encontravam-se ainda presentes "Rosé",
Fontes, o Dr. Álvaro de Matos, e alguns seguranças que o rapaz conhecia da sua estadia na
mansão do poderoso Enrique Escobar.
- Boa noite, caro jovem... - começou por cumprimentar o Dr. Álvaro de Matos -
...pareces um tanto inferiorizado, espero que não seja nada de grave - continuou com falsa
cortesia.
- Vai-te foder! - retorquiu Jorge com atrevimento, sendo prontamente presenteado com
uma dolorosa pancada nas costas dada com o cabo de uma metralhadora.
- Conforme podes ver, a minha profecia bateu certo - principiou com presunção -
Decerto que estás recordado da nossa interessante troca de ideias no dia em que fomos
apresentados? - lembrou a altiva personagem com vaidade - Bem, mas não é por isso que
estamos aqui, não é verdade? Tudo o que pretendemos é um pouco de colaboração, em
troca da vossa liberdade, então, ...que dizes? - propôs o impassível sujeito.
- Vai levar no cú!...
- Resposta errada! - limitou-se a dizer o outro sem alterar o tom de voz, fazendo um
sinal a Fontes.
O comparsa correspondeu com um sinal afirmativo, puxando Rita pelos cabelos para o
centro da divisão. Em seguida, rasgou as roupas que cobriam o tronco da rapariga, deixando-
a apenas em soutien. Depois, dois dos seguranças que o acompanhavam desapertaram os
jeans que a rapariga envergava descendo-os até meio das pernas.
- Eu mato-vos, filhos da puta! - gritou Jorge, agredindo com um soco violentíssimo o
homem que o vigiava, fazendo menção de avançar sobre Fontes.
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- Quieto! - ordenou Marco, encostando um revólver à nuca de Isabel - Para trás,
imediatamente! - exigiu, colocando o dedo sobre o gatilho.
Jorge obedeceu, sendo de pronto agarrado e algemado. Mesmo assim o jovem não
deixou de se debater, quase arrastando os dois seguranças que lhe prendiam os braços na
direcção do perverso advogado.
- Se lhe tocas, juro que te mato! - gritou furioso, esperneando com todas as suas
forças - Ouviste, mato-te!
- Podes começar Fontes! - pediu o Dr. Álvaro de Matos, acendendo tranquilamente um
charuto.
O outro pegou no chicote que um dos capangas lhe entregou, fazendo-o estalar com
força nas costas frágeis de Rita que não conseguiu conter um grito de dor. Em seguida,
Fontes repetiu o mesmo gesto, uma, duas, três vezes, perante a fúria de Jorge que mesmo
preso e algemado conseguiu arrastar os dois indivíduos que o seguravam até muito próximo
do cobarde advogado, agredindo-o com um feroz pontapé na cara que o deitou por terra. Rita
permanecia quieta, escondendo a cara húmida por causa das lágrimas que corriam a quatro e
quatro entre as mãos trémulas.
- Juro que vos fodo a todos! - ameaçou o rapaz, quase conseguindo libertar-se por
duas vezes - limpo-vos o sarampo a todos!
- Já pudeste ver que não estamos para brincadeiras, por isso é melhor acalmares-te -
sugeriu o Dr. Álvaro de Matos com frieza, fumando descansadamente o seu charuto - Olha
que é ela quem sofre as consequências...
- Vai à merda! - gritou Isabel do local onde se encontrava, recebendo com prémio pela
insolência algumas bofetadas fortes, que a atiraram ao chão.
- Onde estão as fotografias? - perguntou a execrável personagem falando para Jorge
que entretanto parecia mais prudente.
- Não lhe dês nada - suplicou Isabel, agarrada à face esquerda.
- Façam-na calar - ordenou o outro.
Assim, a rapariga foi de novo agredida, recebendo desta vez dois pontapés que a
deixaram no chão contorcendo-se com dores.
- O próximo filho da puta que tocar na minha irmã há-de se haver comigo. Esmurro-
vos a tromba a todos!... - ameaçou Jorge, enfurecendo-se de novo.
- Talvez seja melhor moderares a tua linguagem - aconselhou o sinistro Dr. Álvaro de
Matos, falando com à-vontade - Podes continuar Fontes, pelo menos até o nosso amigo
recuperar da amnésia.
O detestável advogado ergueu de novo o chicote, fazendo menção de bater em Rita.
- Não lhes dês nada! - implorou a rapariga, tapando a cara com as mãos.
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- Espera! - pediu Jorge - Eu digo-te onde estão a merda das fotografias - disse enfim.
A um sinal do Dr. Álvaro de Matos, Fontes baixou o chicote. Contudo, os dois
capangas que seguravam os braços de Rita mantiveram-na na mesma posição para qualquer
eventualidade.
- As fotos estão no meu apartamento em Santarém... - revelou o jovem parecendo dar-
se por vencido.
- Lembra-te meu menino, eu não nasci ontem... - principiou o outro não se deixando
enganar - Foste muito inteligente quando me deste uma pista falsa acerca do nome da tua
irmã, mas não me tomes por um totó... - continuou falando com clareza - O teu apartamento
já foi revistado. As fotografias não estão lá. - revelou com a mesma frieza de sempre - Queres
evitar o sofrimento da tua linda namorada, ou preferes que o Fontes continue?
- Não lhe dês as fotografias, eles matam-nos na mesma... - implorou Rita, fitando o
colega.
- Então, decides-te ou não? - insistiu a maquiavélica personagem.
- Está bem... - suspirou Jorge reconhecendo que nada mais havia a fazer - Eu vou
buscá-las.
- Vai com ele Marco, e assegura-te que o nosso amigo não faz disparates.
Jorge deixou a ampla sala, encaminhando-se em direcção ao lanço de degraus que
conduzia à cave. Apesar do prisioneiro se encontrar algemado, Marco optou por guardar uma
cautelosa distância, vigiando atentamente todos os movimentos do jovem. Já no piso inferior
o traiçoeiro sujeito do rabo de cavalo seguiu Jorge até uma espécie de escritório,
aproximando-se depois dele.
- Estão nesse envelope... - disse Jorge, indicando com a cabeça um sobrescrito
branco que se encontrava por debaixo do teclado do computador.
- E as chapas, onde estão? - inquiriu o outro com rudeza.
- Abre a segunda gaveta - pediu o prisioneiro - Estão dentro desse livro... - disse por
fim, quando o carcereiro puxou a gaveta.
Marco Abelardo folheou o livro que o jovem indicara, encontrando finalmente os
malfadados negativos, que cuidadosamente guardou no bolso interior do seu blusão.
- Vamos embora, e nada de gracinhas... - avisou ainda, empurrando Jorge em
direcção às escadas.
Jorge obedeceu em silêncio, começando a subir lentamente os degraus que
conduziam ao piso térreo da habitação. Em seguida, voltou a entrar na ampla sala de estar
onde se encontravam todos.
- Então? - questionou o Dr. Álvaro de Matos quando ambos penetraram na sala.
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- Tenho aqui tudo! - exclamou Marco com um sorriso de orelha a orelha que
contrastava com a desilusão estampada no rosto das cinco raparigas.
- Deixa ver! - pediu Fontes, recebendo das mãos de Marco o precioso envelope,
examinando rapidamente o conteúdo do sobrescrito - Veja aqui doutor, se estas fotos
caíssem nas mãos erradas o Enrique estaria em maus lençóis.
- De facto... - concordou o outro - nestas três especialmente reconhece-se
perfeitamente.
- Felizmente que lhes deitamos as mãos a tempo, o Enrique vai ficar satisfeito - disse
com um ar vitorioso.
- Não percamos mais tempo. Vistam qualquer coisa a essa miúda, e algemem-nos a
todos... - ordenou uma vez mais o insuportável Dr. Álvaro de Matos, dirigindo-se a Marco -
Vá, vamos embora, rápido! - acrescentou ainda.
- Com todo o prazer... - cumpriu o malvado capanga.
Em poucos minutos, todas as raparigas foram algemadas. Antes porém de
aprisionarem as mãos de Rita, os horríveis carcereiros permitiram que esta se compusesse,
entregando-lhe uma camisola de lã grossa, e deixando que ela voltasse a subir os jeans. Por
fim, também os pulsos da rapariga foram envolvidos por um par de algemas.
- Ah, quase me esquecia... - recomeçou o odioso advogado - Decerto que não te
importas que levemos os teus carros emprestados?
- Vai-te foder! - foi a resposta dada por Jorge, que como habitualmente foi premiado
com dois socos pela impertinência.
- Deduzo que isso seja um "sim"! - sorriu-se o outro bastante satisfeito.
Enfim, os seis prisioneiros foram empurrados até à porta de entrada. O audaz rapaz,
não parecendo disposto a entregar-se sem lutar, aproveitou um momento de distracção dos
seguranças que o vigiavam para lançar a confusão. Primeiro empurrou energicamente todos
quantos seguiam à sua frente, que se estatelaram no chão, usando depois o pé direito para
fechar a porta aos perseguidores. Logo a seguir, correu velozmente, tentando mais uma vez
escapar-se.
- Acerta-lhe com um tranquilizante... - ordenou Fontes a Marco que a seu lado se
levantava precipitadamente - ...o Enrique disse que os queria vivos! - explicou em seguida.
O outro assim fez, e o fugitivo foi prontamente atingido pelo projéctil caindo
desamparado no chão coberto de neve.
- Jorge! Jorge! - gritou Isabel em pânico, quando a porta se abriu, temendo pela vida
do irmão, que alguns metros à frente jazia deitado sem reacção no chão gelado.
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- Bom trabalho! - elogiou o pérfido advogado, enaltecendo a pontaria o comparsa -
Não se preocupem... - continuou a detestável personagem falando para Isabel que estava
inconsolável - ...ele não está morto, ...ainda! - findou com um sorriso de maldade.
- Filho da puta! - insultou a rapariga desvairada - Eu mato-te! - gritou ela de cabeça
perdida tentando agredir o outro sujeito.
- Está calada! - ordenou o outro perdendo a paciência, e esbofeteando-a com força - O
teu irmão está apenas a dormir, atingimo-lo com um tranquilizante... - explicou, com desdém -
Vai dormir até amanhã de manhã! - acrescentou depois.
- Por que esperam? - questionou Marco algo irritado - Vão buscá-lo... - disse para os
dois homens que se encontravam a seu lado.
- Vamos embora, não percamos mais tempo... - concluiu o Dr. Álvaro de Matos - estes
putos já nos deram trabalho de sobra - concluiu secamente, entrando para o primeiro dos dois
Mercedes negros que acabara de parar junto à entrada da habitação...
...
- Jorge!?... Ei, ...venham, ...ele já está acordado, ...depressa! - chamou Rita - Estás
bem? - perguntou, fazendo-lhe uma festa carinhosa na face, no momento em que as três
raparigas se acercavam de ambos.
- Que se passa...? Onde estamos...? - questionou o rapaz algo desorientado - Que
merda é esta, porque razão estou algemado?
- Tem calma... - pediu Isabel tentando serená-lo - Por favor, fala comigo... Como te
sentes? Estás bem? - indagou depois.
- Mais ou menos, ...tenho uma dor de cabeça horrível, estou muito cansado e cheio de
sono, e a merda das algemas magoam-me!... - queixou-se - Mas respondam-me, onde
estamos, e porque é que estou algemado?
- Estamos em casa do Escobar... - revelou enfim Sofia - Não te lembras, de ontem à
noite?
- Lembro-me que lhes entreguei as fotografias, e que fugi quando estávamos a ser
levados para os carros, ...ou será que sonhei? - interrogou-se ainda bastante confuso.
- Não, ...não sonhaste, foi real! - esclareceu Joana.
- E não te lembras de mais nada...? - inquiriu Rita, ajudando-o o sentar-se.
- Não sei bem... - começou ele, fazendo uma pausa, tentando recordar os
acontecimentos da última madrugada - ...lembro-me, ... lembro-me de ir a correr, ...de repente
senti-me muito cansado e com muito sono. As pernas não me obedeciam, parecia que o meu
corpo não era realmente meu, ...e depois, bem, ...comecei a ver tudo enevoado. Devo ter
desmaiado, porque antes de perder os sentidos ouvi umas vozes, mas não consegui perceber
Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo
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o que diziam, mas acho que antes disso caí!? Será, é que não me consigo mesmo lembrar
com exactidão.
- Sim, foi isso mesmo - ajudou Isabel - Tu empurraste toda a gente, fechaste a porta,
largaste a correr.
- Mas entretanto, aquele tipo nojento do rabo de cavalo acertou-te com um
tranquilizante, e tu caíste - completou Sofia - Havias de ter visto a Isabel, estava convencida
que tu tinhas morrido, e quase comeu o Fontes vivo! - acrescentou rindo.
- Esses dois filhos da puta!... - exclamou furioso - Não descanso enquanto não limpar
o sebo aos dois - prosseguiu furioso - Só não consegui ainda perceber foi como é que eles
nos conseguiram descobrir.
Ao mesmo tempo que o rapaz se interrogava acerca do modo como haviam sido
localizados, as quatro raparigas enrugaram a testa trocando entre elas um olhar pouco
inocente, que no entanto não passou despercebido a Jorge, compreendendo de imediato que
algo se passava.
- Que sabem vocês acerca disto? - indagou - Não vale a pena esconderem-me nada,
eu vi como vocês olharam umas para as outras quando eu toquei no assunto - insistiu - Foi a
Cláudia, não foi? - arriscou.
- Achamos que sim, embora não tenhamos a certeza... - explicou Rita - Não ouvimos
nada a esse respeito, e desde que nos fecharam aqui, ainda não apareceu ninguém.
- Fui um burro! Caí que nem um patinho no jogo daquela ordinária! - suspirou furioso
consigo mesmo - E agora estamos nesta situação, e tudo por culpa da minha teimosia... Se
eu te tivesse dado ouvidos... - concluiu tentando conter a revolta que sentia naquele momento
- Desculpa... - lamentou-se ainda o rapaz, tentando compensar a companheira
- Já estavas perdoado... - tranquilizou-o Rita - ...não precisavas.
- Não te preocupes, afinal ela também nos enganou a nós - acrescentou Joana.
- Mas não se apoquentem, talvez nem tudo esteja perdido... - revelou Jorge, sorrindo
de novo - ...eu ainda não joguei todas as cartas...
- Que dizes, ...tens um plano? - questionou a irmã.
- Não, mas tenho um trunfo que, ...
- E que trunfo é esse? - interrompeu o Dr. Álvaro de Matos entrando de surpresa na
sala, acompanhado pelo Dr. Fontes, "Rosé", Cláudia, e outros três seguranças.
Por fim, surgiram Enrique Escobar, e Marco que empurrava a cadeira de rodas do
amo.
- Então, que trunfo guardas tu? - insistiu a personagem.
- Julgavas-te então muito esperto... - provocou o jovem estudante com ironia - És
outra besta como todos os outros, - continuou com enorme serenidade - o único aqui que
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merece algum crédito é o teu chefe. Pensavas então, que me tinhas vencido, ...imbecil.
Precisas de muito mais...
- Diz-me meu caro amigo... - começou o anfitrião metendo-se na conversa - ...qual é
então o teu trunfo?
- Achas mesmo que eu vos entregava as fotografias sem ter feito cópias delas...?
- Mas isso não te serve de nada, com todos aqui, basta-nos eliminar-vos, para que as
fotografias deixem de ser ameaça.
- Na verdade, tens razão...
- Quem é afinal o imbecil? - questionou o outro esfregando as mãos de
contentamento.
- Contudo, o trunfo a que me referia não é esse... - recomeçou Jorge, absolutamente
tranquilo - Lembras-te de me teres apanhado uma vez no escritório? - indagou o jovem,
falando para Fontes.
- Sim, e daí...?
- Gostavas de saber o que lá estive a fazer? - perguntou o prisioneiro, prolongando o
suspense - Estive a brincar com o vosso computador, e achei bastante interessante o
conteúdo de todos aqueles ficheiros codificados, que por acaso, tive o cuidado de copiar para
uma disquete, que por sua vez enviei a alguém de confiança, que se encarregará de a fazer
chegar à polícia.
- Ele está a fazer bluff!... - contrapôs Cláudia.
- És uma putéfia! - insultou Isabel, tentando agredir a infame traidora.
- Tem calma Isabel... - pediu o irmão - ela não sabe o que está a dizer... - prosseguiu
com enorme à-vontade.
- Fontes, é verdade o que o miúdo está a dizer? - questionou Enrique de sobrolho
franzido.
- Eu de facto apanhei-o no escritório... - respondeu o outro algo comprometido - Na
altura não desconfiei, uma vez que ele me disse que estava a ler. Mas se a Cláudia disse que
ele está a fazer bluff, devemos acreditar na palavra dela.
- Bluff uma ova! - recomeçou Jorge - A Rita desconfiou dela logo no primeiro dia, por
isso eu tomei muito cuidado... - continuou com enorme segurança - Porque razão é que eu
não lhe disse quando iríamos fugir?
- Foste descuidada... - repreendeu-a Enrique - Quanto a si doutor, - disse ainda,
dirigindo-se ao Dr. Álvaro de Matos - ...trate de encontrar essa disquete quanto antes - findou,
atirando o charuto para o chão.
- Que fazemos com eles? - inquiriu o execrável advogado, falando para o amo.
- Marco... - chamou o outro, fazendo um gesto com a cabeça.
Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo
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De súbito, deu-se uma cena bizarra. Correspondendo à sinalética de Enrique, Marco
apontou uma arma à nuca de "Rosé", que recuou surpreendido.
- Que quer isto dizer? - perguntou incrédulo - Enrique, que se passa? - insistiu.
- Desiludiste-me muito "Rosé"... - respondeu o anfitrião mostrando-se desapontado -
Sabes que não suporto a traição...
- Mas, ...Enrique, sabes bem que jamais te trairia, és como um pai para mim... -
defendeu-se o segurança em pânico.
- Tens razão, depois de tudo o que fiz por ti nunca pensei que me vendesses por uns
míseros... Quanto é que foi? Dois milhões? Três? - perguntou.
- Enrique, estás enganado! - gritou "Rosé" alarmado - Não sei de que estás a falar...
Peço-te Enrique! - suplicou o estrangeiro - Estou inocente!
- Não percamos mais tempo... - decidiu o anfitrião com frieza - Marco, amarra-o com
os outros e vai buscar a bomba - ordenou, fazendo sinal a um dos capangas para que o
levasse dali.
- Enrique! Enrique! - gritou "Rosé", tentando apelar ao amo que se afastava
imperturbável - Enrique, espera! Tem piedade! Eu estou inocente! Enrique!
- Cala-te! - exigiu Fontes, brindando-o com um soco no baixo ventre.
- Doutor, por favor, estou inocente, fui incriminado! - continuou o sujeito.
- Desiste "Rosé", eles são todos da mesma laia... - suspirou Rita comovida.
"Rosé" porém, não parecia disposto a ceder, continuando a clamar pela sua inocência.
Contudo, nenhum dos ex-comparsas ousou interceder por ele, receando possíveis
represálias. Em seguida, uma a uma, as quatro raparigas foram aprisionadas com resistentes
cordas. Depois de lhe terem sido tiradas as algemas, também Jorge foi amarrado primeiro
nos pulsos e logo após também nos tornozelos.
- Agora prendam-nos aos pilares - ordenou o irritante Marco, acabando de laçar as
cordas em torno dos pulsos e dos tornozelos de "Rosé" - Isso mesmo, costas com costas... -
aprovou, aproximando-se de Cláudia, e abraçando-a - Vamos chéri?
- Que mau gosto!... - observou Rita não se contendo.
- Vou despedir-me do nosso amigo... - respondeu Cláudia, chegando perto de Jorge, e
beijando-o carinhosamente na face.
- És uma putéfia de segunda! - censurou Jorge, tentando esquivar-se da inimiga - Não
me toques, cabra!...
- Estúpido! - retribuiu ela, aplicando-lhe duas sonoras bofetadas.
- Eras como um irmão mais velho... - disse Marco, agachando-se junto de "Rosé" -
estou muito desapontado contigo, não tenho palavras... - concluiu cuspindo com altivez na
cara do ex-companheiro, que optou por se manter em silêncio - Quanto a ti, meu merdas... -
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recomeçou, presenteando Jorge com um par de pontapés nas pernas - ...primeiro ninguém
chama puta à minha noiva... - continuou sovando-o sem misericórdia.
- Mas ela não passa disso mesmo... - retorquiu o rapaz com um ar provocador -
...havias de ter visto como ela gemeu quando a comi...
A insolência custou-lhe mais alguns duros golpes, que o deixaram a sangrar da boca.
Foi enfim a insuportável Cláudia, quem afastou o noivo do prisioneiro, acompanhando-o
depois em direcção à porta.
- Adeus! - disse, despedindo-se com um beijo - Gozem bem estes momentos,
...porque serão os últimos - acrescentou, desaparecendo junto com Marco no corredor do
lado de fora.
- Não estejas tão certa disso!... - replicou Jorge entredentes.
Um a um, também os seguranças do vil traficante de droga foram abandonando a
dependência. O último, ligou o interruptor que fazia accionar o detonador do engenho
explosivo, saindo depois. Por fim, a porta fechou-se com um estrondo, e do lado de fora uma
chave rodou na fechadura, trancando-a. Instantes mais tarde ouviu-se claramente o ruído de
passos que se afastavam rapidamente, depois, nada..., apenas o silêncio.
- "Rosé", quanto tempo temos? - perguntou Jorge, que se encontrava de costas para o
detonador.
- Menos de vinte minutos... - revelou o outro algo conformado.
- Jorge faz qualquer coisa! - pediu Sofia alarmada - Só tu nos podes salvar.
- Não vale a pena entrarmos em pânico... - tranquilizou-a o colega - Preciso que me
ajudem, e não que me enervem - continuou falando com clareza - Se têm ideias partilhem-
nas connosco, senão calem-se! - ordenou, um tanto bruscamente - "Rosé", de que lado
estás? - inquiriu depois.
- Do seu señor! - redarguiu o outro decididamente.
- Óptimo! Nesse caso, quero que te tentes levantar ao mesmo tempo que eu... - pediu,
tentando a todo o custo erguer-se - Está quase! - disse, empenhando-se ao máximo.
- Conseguimos!... - exclamou o parceiro ofegante.
- Agora temos que nos tentar soltar das cordas que nos prendem ao poste - explicou
Jorge, esforçando-se por se libertar da corda que o amarrava pela cintura.
- Não sou capaz... - queixou-se "Rosé" - ...as cordas estão muito apertadas. Não
vamos conseguir.
- Tens razão... - concordou o jovem - ...não há nada a fazer, temos que pensar noutra
solução - completou ainda algo desalentado.
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- Tive uma ideia! - exclamou subitamente o ex-capanga de Enrique - Talvez resulte... -
disse, esticando as pernas, e tentando puxar o charuto que o amo deitara para o chão algum
tempo antes.
- Que estás a fazer "Rosé"? - indagou Jorge, algo inquieto por desconhecer em que se
ocupava o parceiro - Que disseste? - insistiu, sendo incapaz de descodificar os sons que o
indivíduo emitiu - Esta não é a altura ideal para te pores com brincadeiras! - disse,
começando a perder a paciência.
- Faça força na corda! - pediu o sujeito - Mais! - repetiu "Rosé" - Está quase! - disse,
encorajando o companheiro - Vai partir... - continuou, sentindo que a amarra começava a
ceder - Já está! - concluiu enfim vitorioso.
- Como conseguiste? - questionou Jorge erguendo-se, ao mesmo tempo que afastava
para longe os restos da corda.
- Usei o resto do charuto que o Enrique deitou fora... - declarou a personagem com
modéstia - Temos que ser rápidos... - avisou - ...restam-nos pouco mais de dez minutos!
- O.k., não percamos tempo. Vira-te de costas para mim - pediu o jovem - Vou tentar
libertar-te as mãos... - explicou depois...
- Não está a dar... Assim não vamos conseguir - verificou "Rosé" ao cabo de alguns
minutos - Continuo sem conseguir mexer as mãos... - completou logo após.
- Tens razão... - concordou Jorge algo desalentado - Assim não dá...
- Estamos perdidos!... - disse Joana - Vamos morrer todos... - continuou assustada.
- Cala-te, não sejas parva... - repreendeu-a Sofia com severidade - O Jorge há-de
pensar em alguma coisa.
- Tenham calma, ainda não estamos vencidos... - redarguiu Jorge, tentando transmitir
às companheiras a tranquilidade que estava longe de sentir - Se perdemos a cabeça agora é
o fim, portanto, calma... - continuou serenamente.
- Alguém tem um canivete? - questionou "Rosé", fitando desalentado as quatro
raparigas que responderam negativamente.
- Só temos uma solução... - recomeçou o estudante olhando pensativo ao redor da
sala - "Rosé", qual é a espessura daquela porta?
- Não é muito grossa, mas se está a pensar arrombá-la, ...esqueça, amarrados nunca
conseguiremos... - respondeu o outro.
- Mas se nos conseguirmos libertar... - sugeriu, avançando decidido para um móvel
que se encontrava ao fundo da dependência.
Em seguida, o inventivo rapaz deitou-se de costas no chão, posicionando-se depois
mais próximo do móvel. Sem perder tempo, acertou com violência nas portadas envidraçadas
da magnifica peça de mobiliário, despedaçando os vidros que se estilhaçaram no chão. Por
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fim, sentou-se no chão de madeira, recolhendo cuidadosamente um pedaço de vidro,
servindo-se deste para cortar as cordas que lhe prendiam os pulsos.
- O señor é um génio - aprovou "Rosé" com admiração, não perdendo tempo em imitá-
lo.
Após alguns momentos de intenso esforço, o jovem conseguiu enfim libertar-se das
cordas que lhe envolviam os pulsos, perante o olhar atento das companheiras, que não
paravam de o incentivar. Em poucos segundos Jorge desembaraçou-se habilmente das
amarras que lhe prendiam as pernas. A seu lado "Rosé", parecia sair-se igualmente bem,
pois já se encontrava a desatar o último nó da corda que Marco lhe havia enrolado à volta dos
tornozelos.
- Liberta as raparigas, que eu abro a porta!... - pediu, logo que o parceiro se ergueu,
correndo precipitadamente para a porta - Quanto tempo temos?
- Três minutos e meio... - respondeu o outro, virando-se para trás por um instante,
enquanto se ocupava de soltar Sofia.
O rapaz deu um primeiro encontrão à porta. Esta porém não cedeu, mantendo-se
firmemente encaixada nas dobradiças. Jorge nem pensou duas vezes, tomando balanço para
um novo embate. Após o choque a madeira pareceu enfim vacilar, abrindo algumas brechas.
Sem perder tempo, Jorge encetou nova tentativa para arrombar a porta, recuando primeiro
alguns passos, investindo depois em grande estilo sobre a teimosa madeira. Desta vez, o
jovem foi bem sucedido, fazendo com que a porta saltasse fora do aro, ficando apoiada numa
única dobradiça que resistiu à violência da colisão.
- Vão! - ordenou "Rosé", falando na direcção de Sofia e Joana que havia libertado em
primeiro lugar - Rápido, ...e afastem-se o mais possível da casa! - disse enquanto desatava
as cordas que prendiam Rita.
- Dois minutos! - informou Jorge, ajudando o parceiro a libertar a colega - Eu solto a
Isabel! Agora, vão! - exigiu com firmeza.
O coração de Isabel palpitava desordenadamente. Apesar no nervosismo a rapariga
nada disse, receando atrapalhar o irmão. Jorge pelo contrário, apesar da forte tensão
conseguiu manter o habitual discernimento que o caracterizava em situações difíceis,
libertando Isabel num ápice.
- Cinquenta e três segundos! - exclamou ajudando-a a levantar-se - Vamos!
Os dois correram velozmente pelo estreito corredor, chegando rapidamente ao lanço
de degraus que conduzia ao piso térreo da luxuosa habitação, subindo-os dois a dois.
Contudo, e com a precipitação da fuga, Isabel apoiou mal o pé direito, caindo desamparada
sobre o cruel chão.
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- Aaaiiiiiii!... - gritou, contorcendo-se com dores - Torci o pé, não consigo andar. Foge,
deixa-me aqui, mas salva-te... - pediu emocionada.
- Não digas tolices! - repreendeu-a o irmão pegando-lhe prontamente ao colo, subindo
rapidamente os restantes degraus.
Em seguida, correu o mais depressa que conseguiu, transportando Isabel nos seus
braços ao longo doutro corredor que parecia interminável. Enfim, chegou ao sumptuoso hall
de entrada da casa... No preciso instante em que alcançava a porta de entrada, suou um
barulho aterrador, ao mesmo tempo que uma força desconhecida os impelia violentamente
para o exterior da mansão...
De súbito, apenas silêncio, e uma nuvem de poeira que envolvia tudo ao redor da
habitação...
- Onde estão eles? - perguntou Rita inquieta, não conseguindo vislumbrar nada para
além do pó que cercava a construção - Será que não escaparam a tempo... - pensou,
aterrorizada com tal ideia, começando a choramingar.
- Tenho a certeza que estão bem! - tranquilizou-a "Rosé" - Venha, vamos procurá-los -
acrescentou ainda.
Assim, correram ambos em direcção à entrada principal do edifício, buscando pelos
dois últimos companheiros.
- Señorita, olhe! - exclamou "Rosé" radiante - Estão ali! - completou, apontando para
os corpos dos dois jovens que estavam deitados sobre a espessa camada de relva do jardim.
- Jorge! Isabel! Estão bem? - questionou a rapariga chegando junto deles.
Jorge e Isabel, tranquilamente abraçados riam sem parar, cobertos de pó e com as
roupas em desalinho.
- Uaaauuuuu! Que pedrada! - principiou o rapaz sem deixar de rir - A isto é que eu
chamo adrenalina pura! - continuou excitadíssimo.
- Oh! Que bom... Ainda bem que estão bem! - exclamou Rita aliviada, chorando de
felicidade - Por momentos pensei que não tivessem saído a tempo...
- Atrasámo-nos porque eu torci um pé, e o Jorge teve que me trazer ao colo - explicou
Isabel levantando-se.
- Que se passa... - indagou Jorge, enxugando o rosto da namorada - Estiveste a
chorar?
- Pensei que te tinha perdido... - respondeu a rapariga algo envergonhada.
- Então, também não é caso para isso... Pronto, já passou - tranquilizou-a o
companheiro, não se importando com os presentes, e beijando-a apaixonadamente nos
lábios.
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- Meninos... Então, que vem a ser isto! - censurou Sofia juntando-se ao grupo - Estão
todos bem? - questionou depois, deixando-se cair exausta sobre o manto verde do jardim.
- Nós fartámo-nos de esperar... - principiou Joana - ...e como ouvimos a explosão e
não apareceu ninguém, resolvemos vir ter convosco - explicou por fim.
- E agora "Rosé", que fazemos? - inquiriu Jorge ajudando Rita a erguer-se...
...
- "Rosé", tens a certeza que é este o local? - indagou Jorge, observando através dos
binóculos o monte deserto - Não se vê ninguém...
- Certeza absoluta... - respondeu o outro - ...Eu e o Marco estudámos vários sítios, e
chegámos à conclusão que esta baía seria o melhor lugar para fazer o Enrique sair do país
em segurança. Eles estão aí, ...tenho a certeza - assegurou o companheiro, espreitando entre
a folhagem dos arbustos.
- Mas poderiam mudar de planos... - sugeriu o rapaz, entregando os binóculos ao
estrangeiro.
- Eles nunca fariam isso, seria demasiado arriscado... - garantiu "Rosé" - Veja... -
pediu o ex-segurança de Enrique passando de novo os binóculos para as mãos de Jorge -
Olhe só quem apareceu no cimo do monte...
- É outra vez aquele filho da puta! - exclamou o rapaz, reconhecendo de pronto a
figura de Marco - O que é que ele está a fazer? - interrogou-se observando atentamente os
movimentos da detestável personagem.
- Baixe os binóculos! Rápido! - ordenou "Rosé" de súbito, arrancando energicamente o
objecto das mãos do estudante - Ele assim vê-nos... - explicou - ...estamos contra o sol, e as
lentes reflectem a luz... - acrescentou depois.
- Não me parece que nos tenha topado... - disse Jorge, seguindo os passos de Marco
que parecia voltar para de onde quer que tivesse surgido - Que estava ele a fazer?
- Reconhecimento...
- Será que dali ele conseguia ver os carros?
- Não, as ruínas são demasiado altas, e tapam-lhe o campo de visão... - explicou
"Rosé" - Não se preocupe, as señoritas estão em segurança - garantiu ainda.
- Talvez não tenha sido boa ideia deixar que viessem connosco... - lamentou-se Jorge,
algo inquieto.
- Eu também achei isso, mas a sua irmã...
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- É verdade... - concordou Jorge - ...a Isabel é uma miúda muito teimosa, mas talvez
seja por isso que consegue sempre aquilo que quer - sorriu-se o rapaz - Espero que elas
tenham conseguido convencer a polícia a aparecer, senão nada feito...
- Estou certo que a sua irmã teve êxito!... - afiançou "Rosé" sorrindo muito seguro
daquilo que dizia.
- Espera!... - alertou Jorge alvoraçado - Onde é que vão aqueles gajos?
- Algo se passa... - afirmou o companheiro, afastando alguns ramos para poder ter um
maior campo visual - Viu onde é que se enfiaram? - perguntou o estrangeiro, perdendo os ex-
parceiros de vista.
- Não, desapareceram sem deixar rasto... - concluiu Jorge, olhando em todas as
direcções.
- Errado... - respondeu uma voz conhecida, afastando a folhagem dos arbustos -
Estamos mesmo aqui!...
- Não pode ser... - protestou o rapaz virando-se para trás incrédulo - Tu!? Outra vez... -
acrescentou, reconhecendo Marco.
- Venham! - ordenou com os habituais maus modos - Rápido! - insistiu, pontapeando
"Rosé" que não parecia muito disposto em fazer-lhe a vontade.
- Hijo de puta! Cabron! - vociferou o outro furioso.
Os dois intrusos, foram então empurrados até à face oculta da pequena elevação. Já
do outro lado, uns quantos seguranças vigiavam atentamente a estrada que passava
próximo. Ao invés, mais ao fundo, Enrique e Cláudia observavam tranquilamente o mar.
- Mierda!... - exclamou "Rosé" subitamente - Elas foram descobertas! - observou
desalentado, apontando para o grupo que acabava de dobrar o alto da colina.
- Que lindo... - notou o desprezível sujeito do rabo-de-cavalo com à-vontade - ...uma
reunião de família!
- Gaita! Isto está a complicar-se... - desabafou Jorge com o companheiro.
- Desculpa a minha teimosia... - lamentou Isabel baixando humildemente a cabeça,
esgueirando-se para junto do irmão - A polícia vem a caminho... - acrescentou entredentes,
piscando o olho direito.
- Enrique!... - chamou Marco - Enrique! - insistiu, chegando junto do líder - Olha quem
nos veio visitar.
O outro virou-se então para trás, fitando surpreendido o recém chegado grupo de
prisioneiros. Em seguida trocou algumas palavras com o vassalo, certamente pedindo-lhe
explicações. Os dois sujeitos conversaram ainda por mais alguns instantes, parecendo
discutir o que fazer dos intrusos. Por fim, Enrique fez um gesto para Marco que se apressou a
conduzir o amo até ao local onde se encontrava o destemido grupo.
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- Confesso que a tua persistência me começa a irritar seriamente - principiou com uma
expressão carrancuda - ...mas a tua sorte está prestes a terminar!
- Poupa-me... - retorquiu Jorge com um ar insolente - ...esses discursos de gangster
de segunda já eu conheço dos filmes americanos!
- Não abuses da minha paciência, fedelho... - ameaçou o malfeitor começando a
perder a calma.
- Não passas de um velho, ainda por cima paralítico... - continuou o rapaz insistindo
em provocar o opositor - ...e a tua organização, ou melhor, desorganização mete água por
todos os lados...
- Talvez tenhas razão... - admitiu Enrique cabisbaixo, conseguindo controlar a sua ira -
...na verdade, devo estar a amolecer, pois de contrário, há já muito que tinhas ido ter com os
anjinhos!... - redarguiu o vil personagem com frieza - De facto, subestimei-te, ...demasiado,
mas isso não acontecerá mais, verás como desta vez falo a sério...
- Não tenhas tanta certeza disso... - argumentou "Rosé" serenamente, metendo-se na
conversa.
- Diz-me espertalhão... - teimou o perverso bandido - ...como pensas escapar desta? -
questionou ainda com vaidade.
Depois de estacionarem o automóvel,
- Não tardarás muito a descobrir...
- Não é muito boa ideia confiares nesse traidor... - prosseguiu Enrique Escobar
referindo-se ao seu ex-segurança - Talvez queiras saber como foi que descobrimos onde
estavas depois da tua brilhante fuga... - sugeriu o detestável sujeito com ironia - Foi graças a
um brilhante plano aí do teu amigo "Rosé", que se lembrou de colocar um emissor no teu
relógio...
- Tretas... - vociferou Rita interrompendo o estrangeiro - Não acredito numa só palavra
do que estás a dizer.
- Porque não lhe perguntas...
- Ele diz a verdade... - confirmou "Rosé" cabisbaixo, perante a expressão de desilusão
estampada no rosto dos cinco prisioneiros.
- Enrique! - chamou Cláudia, descendo do alto da falésia - O barco vem aí... - disse
depois.
- Óptimo!... - exclamou o outro com satisfação - Já não falta muito...
- Señor! Señor! - interrompeu um dos seus homens descendo velozmente a pequena
elevação, correndo na direcção do amo - A polícia vem aí! - gritou ofegante.
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- O quê!? - exclamou Enrique surpreendido, ficando de súbito muito nervoso - Tens a
certeza? - perguntou ainda.
- Absoluta... - garantiu o indivíduo - E quase parece um exército... - acrescentou em
seguida.
- Filho da puta!... - berrou Cláudia, acertando com duas bofetadas em Jorge que sorria
de felicidade - Que fazemos? - indagou, de cabeça perdida.
- Traz esse para aqui! - exigiu Escobar apontando para Jorge - Dá-me essa pistola... -
disse para Marco - Eu ainda não perdi! - concluiu, virando-se furioso para o jovem.
No cume da pequena elevação, surgiram enfim os primeiros agentes da polícia
portuguesa, de armas bem erguidas. Eram seguramente mais de trinta elementos, que
corriam velozmente na direcção do grupo de malfeitores. Porém, quando se encontravam já a
poucos metros de distância, pararam, acedendo à ameaça de Enrique.
- Se dão mais um passo, rebentou-lhe os miolos - ameaçou, apontando a arma que
Marco lhe havia entregue instantes antes à nuca de Jorge.
- Você não tem hipóteses, está completamente cercado - argumentou o comandante
das forças policiais - Entregue as armas imediatamente, e garantimos que será tratado com
justiça.
- Não, nem pensar. Larguem as armas, e em troca liberto os miúdos, quando estiver
em segurança.
- Nada feito... - recomeçou o agente - Ordeno-lhe que se entregue de imediato, ou
seremos obrigados a abrir fogo.
- Desafio-o a fazê-lo - retorquiu Enrique sem perder o sangue-frio - Porém, se o fizer
eles vão começar a comer chumbo - avisou ainda.
- Se resistir, só tem a perder
- Pensa que estou a brincar? - questionou, encostando a pistola à cabeça de Jorge -
Tem trinta segundos para decidir, ou me deixa partir, ou aqui o fedelho vai juntar-se aos
antepassados... - findou, com cara de poucos amigos - Aconselho-o a não me pôr à prova... -
acrescentou depois, algo impaciente.
- Então, decidem-se ou não? - inquiriu Cláudia com autoridade - Será preciso tratar da
saúde ao nosso herói para compreenderem que não estamos a brincar?
- Se não se entregarem imediatamente, abriremos fogo... - informou o comandante da
polícia.
- Se é assim que querem... - redarguiu a rapariga pegando numa pistola - ...não é
nada de pessoal... - continuou, apontando a arma com frieza a Jorge - ...talvez se não fosses
tão teimoso pudéssemos ter tido qualquer coisa...
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- Tem calma Cláudia... - ordenou Enrique desviando-lhe o braço - Não nos
precipitemos, se os matarmos agora eles atiram, é melhor negociarmos...
- Cala-te, velho tonto, não sabes o que dizes... - respondeu a jovem desafiando o amo
- Quem dá ordens sou eu...
- Silêncio! - exigiu Enrique, erguendo-se miraculosamente da cadeira de rodas em que
se encontrava sentado, e esbofeteando Cláudia - Não tolerarei outra brincadeira do género -
advertiu com cara de poucos amigos.
- Mas tu não és paralítico? - perguntou-se Jorge incrédulo.
- Uma bela encenação, ...não? - questionou Enrique satisfeito pelo efeito causado -
Agora nós menina... - prosseguiu, dirigindo-se severamente a Cláudia - O facto de seres
minha sobrinha não te dá o privilégio de me desautorizares. Para teu bem, espero que não
repitas a graça...
- Ele é teu tio!? - perguntou o prisioneiro seguindo atentamente o desenrolar do
diálogo.
- Esta organização é tanto minha como tua... - retorquiu a rapariga revoltada - ...sem a
ajuda do meu pai, jamais terias conseguido dar aquele golpe sozinho!
- Não faças com que eu perca a calma... - preveniu Enrique, parecendo ter atingido o
limite da sua paciência - Não passas de uma fedelha, por isso põe-te no teu lugar...
- O meu pai não chegou onde chegou a negociar... - lembrou Cláudia teimosamente -
...se for preciso eliminamo-los a todos...
- Cala-te imediatamente! - ordenou Enrique, perdendo as estribeiras, agredindo a
jovem com duas violentas bofetadas que a deitaram por terra - Quem manda sou eu! Se eu
digo que negociamos, então negociamos...
- Não Enrique, desta vez não... - retorquiu a destemida rapariga, apontando ao amo a
pistola que segurava na mão direita - Chegou a hora de reclamar aquilo que por direito me
pertence... - prosseguiu totalmente fora de si preparando-se para disparar sobre o tio.
- Tem calma Cláudia... - argumentou Enrique temendo pela vida - ...não faças nada de
que te venhas a arrepender... - continuou algo transtornado - ...eu e o teu pai demos juntos o
golpe do século... - acrescentou com a voz trémula - ...roubámos um bilião de dólares ao
governo do México, e conseguimos enganar toda a gente - revelou enfim, com um ar triunfal -
Isso não significa nada para ti?
- Miguel Ângel Valdez, considere-se preso pelo crime de desvio de fundos do estado
mexicano! - pronunciou Marco, apontando a sua arma à cabeça de Enrique - Alto! - gritou
Marco aos companheiros - Polícia do México, ninguém se mexe! - ordenou com autoridade.
- Chui, ...tu!? - indagou Jorge, cada vez mais confuso - Há qualquer coisa neste filme
que está ao contrário - observou com perspicácia - Não estás enganado?
Cartel Fantasma Alexandre Figueiredo
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- Não, sou mesmo agente da polícia federal mexicana... - garantiu o outro rindo, - Há
cinco anos que actuo como agente infiltrado na organização do nosso amigo Enrique
Escobar, que não é mais do que a reencarnação de Miguel Ângel Valdez, um ministro
mexicano, que ficou famoso por ter conseguido roubar um bilião e cem milhões de dólares ao
estado mexicano, há quinze anos atrás. Há seis anos descobri-lhe a pista, e desde então
tenho tentado reunir provas da ligação entre Enrique Escobar e Miguel Ângel Valdez. Hoje
consegui a única que me faltava para o poder prender, a confissão do próprio... - concluiu
Marco radiante.
- Filho da puta! Como pudeste fazer-me isto! Traidor! - vociferou Cláudia desesperada,
disparando contra o agente - Morre traidor! Morre! - berrou completamente descontrolada.
Marco caiu desamparado no chão, ferido no ombro direito, em consequência do
disparo efectuado pela rapariga. Cláudia, apercebendo-se que não atingira Marco
mortalmente, empunhou de novo a arma, tentando desta feita vingar-se do astuto agente.
Jorge porém, conseguiu com um pontapé providencial desviar o braço da jovem, que por
esse motivo falhou a pontaria. De súbito, ouviram-se dois disparos. Marco, mesmo ferido no
ombro direito, empunhou corajosamente a sua arma alvejando-a com uma bala certeira no
peito. A sedutora rapariga desequilibrou-se perigosamente em direcção ao enorme precipício.
"Rosé" ainda tentou socorrê-la, contudo chegou demasiado tarde, não conseguindo evitar a
queda de Cláudia. Jorge, Enrique, e dois outros seguranças, que de imediato se acercaram
do alto penhasco tiveram tempo apenas para ver o corpo da jovem ser rapidamente engolido
pelas bravas ondas.
- Não te devias ter metido fedelho... - gritou Enrique perdendo o controle - Agora vais
pagá...
Porém não terminou, pois no mesmo momento em que empunhou o seu revólver, foi
atingido na perna esquerda por um disparo efectuado pelo comandante da polícia
portuguesa, que havia aproveitado a confusão gerada em torno da revelação de Marco para
dominar a maior parte dos homens do vil malfeitor.
- Alto! - ordenou - Ninguém se mexe! - ordenou - Considerem-se todos detidos!
...
Oito meses mais tarde...
- Chegámos a pensar que se tinham perdido!... - exclamou Isabel, abrindo a porta da
habitação.
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- Fui eu que pedi ao Jorge para ficarmos mais um pouco... - explicou Rita com um
brilho especial nos olhos - ...queria ver o pôr-do-sol com ele! É tão lindo... - acrescentou
radiante.
- Pois, pois, essa história já nós conhecemos... - retorquiu Sofia sorrindo - ...já ontem
deram a mesma desculpa, "É tão lindo, que não resistimos a ficar mais um pouco!" - lembrou,
imitando com uma expressão trocista a voz da colega.
- Mas tu não imaginas... - defendeu-se ela - Só nós dois, sem ninguém num raio de
quilómetros, é magnífico...
- Venham mas é comer que eu estou cheia de fome... - refilou Joana do interior da
casa - Essa história já eu estou cansada de ouvir!
- O que é o jantar? - questionou Jorge, tentando através do olfacto descobrir a
resposta.
- Ainda pensámos oferecer-te o jantar lá em baixo na Covilhã... - principiou Sofia.
- Mas depois decidimos fazê-lo nós próprias... - continuou Joana, mantendo o
suspense.
- Bon apetit! - concluiu Isabel colocando sobre a mesa uma enorme travessa onde se
podia observar um convidativo Bacalhau com Natas.
- Mas que óptima ideia... - aprovou o jovem, premiando cada uma das raparigas com
um beijo de agradecimento.
- Ah, é verdade... - interrompeu Isabel - O Marco e o "Rosé" telefonaram!
- Ai sim!?
- Sim... - confirmou ela - ...queriam enviar-te os parabéns pelo teu aniversário, e
deram-me também o teu presente via telefone... - disse, fazendo uma breve pausa,
continuando depois - O Enrique, ou melhor o senhor ministro Miguel Ângel Valdez foi
condenado a cinco penas de prisão perpétua, e os todos os outros camaradas, apanharam
pelo menos vinte anos cada. O único que ficou em liberdade foi o "Rosé", porque colaborou
com a investigação, e contribuiu decisivamente para a conclusão do processo - revelou a
rapariga.
- Óptimo! - exclamou Jorge radiante, não conseguindo conter a sua satisfação -
Brindemos a isso - acrescentou, enchendo uma por uma as taças das companheiras.
- À tua! - disseram em coro as quatro raparigas.
- À nossa... - emendou ele prontamente - ...para que nos momentos menos bons nos
tenhamos uns aos outros!
- À nossa... - completaram as convivas.
- Toma... - disse Isabel, entregando ao irmão um envelope que lhe era destinado -
...vieram levá-la à cerca de meia-hora.
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- Estranho, de quem será... - interrogou-se o aniversariante, abrindo cuidadosamente
o envelope - ...não tem qualquer remetente!
- Queres que eu leia? - ofereceu-se Rita.
- Está bem, pode ser... - concordou o namorado entregando-lhe o sobrescrito já
aberto, de onde ela retirou uma folha dobrada em quatro partes.
- É uma carta bastante curta... - anunciou ela, observando o papel - ...tem apenas
cinco linhas...
- Despacha-te - protestou Joana - Vá lá, quero jantar...
- Ora cá vai, prestem atenção:
"Espero que estejam todos bem, porque eu também estou, apesar de poderem pensar o contrário.
Aproveito esta oportunidade para te desejar um óptimo aniversário, e porque não, um feliz dia para todos.
Mil beijos
Da vossa grande amiga:
Cláudia.
P.S. - Tenham cuidado convosco, pois nos dias que correm ninguém está seguro.”
- Não pode ser ela...
- Não é possível...
- Filha da puta...
- Afinal a cabra sobreviveu...
FIM