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Cartilha de Elaboração de Plano Diretor

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  • IV Congresso Brasileiro de Direito Urbanstico Desafios para o Direito Urbanstico Brasileiro no Sculo XXI.

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    MACEI: DE CIDADE IDEAL CIDADE REAL.

    UMA ANLISE DA LEGISLAO URBANSTICA DO ZONEAMENTO DO USO E

    OCUPAO DO SOLO.

    DE OLIVEIRA, Tcio Rodrigues Batista1 Autor

    ALBUQUERQUE, Adriana Cavalcanti de2 Colaborador

    RESUMO

    O processo acelerado de expanso urbana de Macei aliado insuficincia de investimentos na urbanizao, e ainda, a implantao de instrumentos urbansticos conservadores de regulao do uso e ocupao do solo, induziram e vm consolidando a segregao scio-espacial na cidade. Neste sentido, este artigo faz uma anlise da legislao urbanstica vigente do Zoneamento do Uso e Ocupao do Solo da cidade de Macei, objetivando ampliar o processo de discusso em torno desse instrumento de planejamento urbano, sua evoluo terico-conceitual e como se d sua implantao frente ao espao urbano. Em verdade, o zoneamento de Macei no contm propostas que proporcione o desenvolvimento scio-espacial sustentvel e/ou medidas que mitiguem as desigualdades e os impactos oriundos dos problemas urbanos, ela apenas reproduz a realidade sem considerar a dinmica urbana, contribuindo com o aumento da excluso social. Esses efeitos so causados principalmente, na medida em que essa legislao no definiu ZEIS - Zonas Especiais de Interesse Social, nem previu a flexibilizao dos parmetros construtivos em reas da cidade ocupadas por populaes menos favorecidas, conforme prev a Lei Federal de Parcelamento do Solo Urbano, no.6.766/79.

    INTRODUO

    Historicamente e mesmo aps a promulgao da Constituio Federal de 1988, em grande parte dos municpios no Brasil, os Planos Diretores, na prtica, eram utilizados como meros documentos administrativos, restritos basicamente as suas normas legais, tais como: cdigos de edificaes, de

    1 Arquiteto-urbanista, mestrando DECART - Universidade Federal de Pernambuco,

    [email protected]; [email protected] (82) 8836-9358;

    2 Arquiteto-urbanista e advogada, mestranda DEHA - Universidade Federal de Alagoas.

    [email protected] (82) 9981-9458 ;

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    posturas e de urbanismo. Esses planos, vias de regras, desconsideravam completamente a realidade fsico-territorial e as prticas sociais histricas das cidades brasileiras propondo modelos ideais de cidades.

    Como exemplo dessa interpretao, o municpio de Macei, capital de Alagoas, insere-se nesse contexto e, alm disto, s construiu e aprovou plenamente seu Plano Diretor de Desenvolvimento Territorial em dezembro de 2005, conforme exigncia do Estatuto da Cidade. At ento, os nicos instrumentos de planejamento urbano para regulaao e controle do uso e ocupao de solo eram o Cdigo de Edificaes, no qual esta inserido o zoneamento, Cdigo de Urbanismo e Cdigo de Posturas, todos da dcada de 80. H que se entender porm que esses novos Planos Diretores so instrumentos capazes de intervir pelo processo de desenvolvimento local e seu uso principal deve ser a traduo do conceito de funo social da propriedade.

    A partir deste contexto, se verifica a necessidade de aprofundar as reflexes sobre os instrumentos da politica urbana municipal adotado pelos cdigos mencionados, compreend-los, apreendendo os objetivos de suas propostas, e at que ponto a cidade as assimilou, para ento construir uma nova ordem urbana, sob a tica da funo social, embasando os novos instrumentos urbansticos. Nessa concepo, esse artigo faz um recorte dessa discusso, e apresenta uma anlise da legislao do zoneamento de Macei, por se entender sua importncia como elemento modelador do espao urbano durante os ltimos vinte anos, e que foi utilizado como suporte para construo do Plano Diretor de Macei 2005.

    Atualmente, encontra-se em fase de elaborao a lei complementar que que normatizar o uso e a ocupao do solo, inclusive trazendo no seu bojo uma nova proposta de zoneamento para cidade, no entanto este novo instrumento legal ainda no foi efetivamente aprovado, e portanto, ainda no possvel afirmar se abrir novas perspectivas para solucionar as questes analisadas por este artigo.

    1. ZONEAMENTO: ORIGENS E DEFINIES A normatizao do uso do solo urbano uma preocupao de longa data na histria dos pases de economia de mercado. Desde o final do sculo XIX possvel encontrar dispositivos que tentaram controlar a produo e o uso do meio ambiente construdo, como o tradicional zoneamento funcional, a fiscalizao fundiria e o urbanismo operacional. Isto representa a ao direta do poder pblico como agente indutor na construo do ambiente urbano e da paisagem urbana.

    Essas intervenes do Estado aliado a outros agentes modeladores, sobre as reas na cidade apareceram em face dos objetivos higienistas e econmicos. O aglomerado de atividades e de pessoas, alm de ocasionar sobreposies de usos (produtivo, comercial e residencial) desde o final do sculo XIX, comeou a ser compreendido como gerador de problemas sociais, de doenas

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    e de irracionalidade no funcionamento econmico da cidade (RIBEIRO E CARDOSO, 1996:226).

    Nos EUA, no arcabouo de um conjunto de reformas sociais e econmicas, estabelecem-se as primeiras experincias de regulamentao pblica como atividade de planejamento, ou seja, aes estratgicas e contnuas do poder pblico (TOPALOV3, apud RIBEIRO E CARDOSO, 1996:226). Segundo esses autores:

    O zoneamento foi primeira forma de regulao pblica. Seu objetivo foi instaurao de normas, critrios e padres de uso e ocupao do solo urbano, com objetivos de bem distribuir as atividades no espao, evitando as misturas consideradas inadequadas, e de fixar as densidades construtivas mximas que evitassem o congestionamento da vida urbana. Em conseqncia, as duas peas centrais do zoneamento foram diviso funcional dos espaos da cidade e o estabelecimento de coeficientes de utilizao dos terrenos. (RIBEIRO E CARDOSO, 1996:226)

    A prtica de zoneamento como instrumento de poltica urbana, teve sua apario em 1867 nos EUA, com as primeiras restries de usos e ordenao legal de So Francisco (CULLINGWORTH4, apud SOUZA, 2002:251), e toma uma grande fora nos processos de planejamento americano por satisfazer a sua realidade scio-histrica, conservadora e marcada por grandes desigualdades sociais, principalmente a discriminao tnica, a excluso de pessoas e usos indesejveis, e por conseqncia a preservao do status quo (LAVEDAN5, apud SOUZA, 2002:252).

    O instrumento de controle do uso do solo originou-se em duas interfaces: em um primeiro momento, na periferia das grandes cidades americanas, onde pertenciam as classes mdias e superiores da sociedade, o zoneamento tinha como objetivo evitar que estas zonas residenciais fossem invadidas pelas indstrias e pelas camadas populares (principalmente em virtude do crescimento da populao estrangeira ilegal); Em um segundo momento, ele implantado nos bairros centrais, com o objetivo de proteger o centro de negcios e de comrcio de luxo dos mesmos efeitos negativos. Ratifica-se a vinculao existente entre a poltica de zoneamento e a proteo dos interesses imobilirios de risco que o crescimento urbano acelerado poderia trazer para seus investimentos (GRAZIA, 1990:80).

    As definies de zoneamento apontadas por diferentes autores, apresentam-se no Quadro 1.a

    Quadro 1.1: Sntese dos conceitos de zoneamento segundo autores distintos:

    autor conceito

    3 TOPALOV, C. La Naissance de LUrbanisme Moderne et Reforme de LHabitat Populaire aux

    tats-Units 1900-1940. Centre de Sociologie Urbaine. Paris, 1998. 4 CULLINGWORTH, J.Barry (1993): The political culture of planning. American hand use planning

    in comparative perspective Nova Iorque e Londres: Pontledge 5 LAVEDAN, Pierre (1959[1936]): Gographie ds Villes. Paris : Galleword ( nova edio)

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    SOUZA (2002) Instrumento de planejamento urbano por excelncia para

    controle do uso e ocupao do solo

    RIBEIRO E CARDOSO(1990

    ) Gesto poltica do solo urbano

    RIBEIRO E CARDOSO

    (1996) Estabelece regras e padres para a ocupao do solo

    urbano

    BONDUKI (2003) Separao de reas da cidade para destinao de

    determinados usos definindo parmetros de ocupao

    Fonte: Organizado por estes autores

    O zoneamento um instrumento de planejamento urbano e gesto fsico-territorial que pode ser utilizado como um todo em polticas muito mais abrangentes do que normalmente lhe so atribudo. Contudo, os sistemas clssicos de planejamento, principalmente nos EUA, o adotam apenas para estabelecer uma diviso espacial para fins de separao e controle do uso da terra. Ele a diviso do territrio sob administrao de um governo local, em categorias que sero objetos de diferentes normas no tocante ao controle do uso do solo e da sua ocupao (CULLINGWORTH6, apud SOUZA, 2002:250).

    De acordo com BONDUKI (2003:57):

    O zoneamento a destinao dos vrios pedaos da cidade para determinados usos (comrcio, servios, moradia, indstria) e determinados parmetros de ocupao ou normas de ocupao dos terrenos (gabaritos das construes, coeficiente de aproveitamento, recuos, etc.). Ele trata tanto do porte das construes, como das formas permitidas (ou no) de ocupar os terrenos. Por exemplo: define se pode ocupar tudo ou se tem que deixar trecho livre, se pode cimentar tudo ou no. Esta determinao tem muito haver com quem poder ocupar aquele espao. Por exemplo: se a rea fica definida como lugar para grande indstria e com grandes terrenos e grandes recuos, s as grandes empresas vo conseguir se instalar ali. As pequenas e microindstrias no vo conseguir. Da mesma forma a moradia. Quando se define, zona residencial unifamiliar de baixa densidade, isto significa dizer, rea de moradia de alta renda, pois s exige que o terreno s possa ser construdo uma casa, para morar uma s famlia, deixando ainda muito terreno livre, isso define a forma de construir s para as famlias de alta renda.

    O zoneamento enquanto instrumento, corresponde a uma legislao de uso e ocupao do solo e os requisitos para sua ocupao, definindo o tipo de uso para cada zona e as formas em que elas podero ser ocupadas. Ao definir zonas na cidade, o zoneamento estipula regras que regulam o uso e ocupao do solo nestas reas, de acordo com a realidade espacial e as suas especificidades no que concerne a geomorfologia, meio ambiente, infra-estrutura urbana, sistema virio, dentre outros. Esses parmetros devero

    6 CULLINGWORTH, op. cit.

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    nortear as densidades adequadas para cada zona, juntamente com a demanda social.

    1.1 TIPOS DE ZONEAMENTO A reflexo sobre o conceito de zoneamento aponta para excluso de alguns usos em detrimento de outros (CULLITNGWORTH, apud SOUZA, 2002:261). A proibio de certos usos, intenciona muitas vezes, a excluso de grupos sociais de certos espaos. Contudo, a construo deste instrumento varia de acordo com a sua finalidade, podendo variar os tipos e modelos, assim como os elementos que o compem, conforme Quadro 2.

    Quadro 2: Tipos de zoneamentos:

    Zoneamento de Uso do Solo-Funcionalista

    separao dos usos primrios (morar, circular e trabalhar)

    Zoneamento de Uso do solo no-funcionalista

    indica e regula os usos incmodos e perigosos (ex.:indstrias poluidoras)

    Zoneamento de Densidades indica as reas adensveis e no adensveis

    Zoneamento Includente determina as reas carentes como prioridade

    Fonte: Souza, 2002: p 251-273.

    O zoneamento de uso do solo funcionalista e de natureza excludente o modelo predominante utilizado nas tcnicas convencionais e conservadoras de planejamento. O zoneamento sofreu diversas variaes nos moldes funcionalistas, principalmente nos EUA. Adotaram-se diferentes formas e modelos para sua implementao, mas sem fugir da sua principal inteno funcionalista, como o zoneamento racial (zoning racial), que classificava as reas de acordo com os grupos sociais, principalmente a separao por etnia, e o zoneamento higienista, que delimitava reas de epidemias. Esses modelos de zoneamento funcionais (zoning fonctionell) permearam tambm a Europa, que historicamente sofreu um processo de segregao residencial (SOUZA, 2002).

    O zoneamento funcional continua ainda hoje a induzir, em grandes propores, as diferentes formas de segregao scio-espacial. A forma como so definidos os critrios e parmetros para ocupao do solo, como a taxa de ocupao e o tamanho mnimo do lote , determina uma fonte para a segregao residencial e scio-econmica (RIBEIRO E CARDOSO 1990:81).

    O modelo funcional acentua preos diferenciados da terra urbana, em diferentes locais da cidade, e esse fato reforado quando h uma separao de zonas de uso. Uma rea restrita ao uso residencial custa menos do que uma rea onde so permitidos usos que propicie maior rentabilidade e maior arrecadao de impostos, como as zonas de comrcio e servios. Quando se separam os diferentes tipos de uso do solo na cidade, alm de aumentarem os preos da terra, aumenta tambm os problemas urbanos, pois como a populao precisa se locomover da reas estritamente residenciais para os

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    postos de trabalho e os centros de oportunidades, sobrecarrega a infra-estrutura urbana, principalmente o sistema virio e o de transportes (SOMEKH 1996:258).

    O modelo tradicional de zoneamento de uso do solo (de carter funcional) no se direciona apenas excluso, embora a excluso esteja associada minimamente ao carter original do modelo em face das restries que so propostas pelo plano. Ele difundido pelo mundo sob o iderio funcionalista do Urbanismo Modernista, onde a funcionalidade era entendida como a separao rigorosa das funes bsicas do viver urbano, produzir, morar, circular e recrear-se (SOUZA, 2002).

    Esse tipo de zoneamento de base funcionalista toma fora nos processos de planejamento no Brasil, principalmente antes da constituio de 88, embora a realidade scio-espacial e econmica brasileira aclamasse por planos de cunho estruturalmente social. Em contrapartida, e ao contrrio da realidade, os modelos de zoneamento funcionalistas conservadores adotados contriburam para uma sociedade ainda mais excludente, do ponto de vista scio-espacial e o aumento da segregao residencial. O problema no o zoneamento de uso do solo enquanto instrumento, mais sim o seu carter funcionalista-separatista e conservador, que apesar de ser utilizado em outras culturas, no condiz com a realidade brasileira, por acentuar os problemas scio-espaciais das cidades no Brasil, e no democratizar o acesso terra urbana. Alis, estes fatos juntamente com a concentrao de renda, so os grandes problemas scio-econmicos e espaciais do pas. (SOUZA, 2002).

    O segundo tipo de zoneamento identificado por SOUZA (2002) o de uso do solo no funcional. Conforme o autor, a sua utilizao extremamente importante para o controle dos usos indesejveis e perigosos. A prioridade deste modelo identificar quais os usos que comprometem o bem-estar social e a preservao ambiental, e no tem como meta separao rgida dos usos primrios do viver urbano, apenas suas restries. Contudo, ele ainda no abrange polticas sociais, e ainda no permevel a participao popular, sendo de cunho tecnocrtico e apriorstico, apesar da sua vital importncia no processo do planejamento urbano e regional.

    O terceiro tipo o zoneamento de densidades, que pode ser considerado como parmetros de controle do solo, e funciona concomitante com outros modelos de zoneamento e instrumentos de planejamento (SOUZA, 2002). o parmetro mais utilizado dentro do processo de construo do zoneamento, pois com ele que se destinam reas edificveis e non-aedificandi, considerando a saturao de vias e de construes. Existem dois tipos de densidades que so utilizadas, densidades demogrficas e densidades construtivas, com estas podem ser trabalhadas reas para destinao de construes de moradia, trabalho, comrcio e servios.

    O quarto tipo o chamado zoneamento includente ou zoneamento de prioridades. o modelo mais relevante para os propsitos deste trabalho, posto que prioriza a justia scio-espacial no tecido urbano. Isto no descarta

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    porm a importncia do zoneamento de uso de solo e de densidades, uma vez que eles podem ser utilizados paralelamente (SOUZA, 2002).

    O zoneamento Includente tem como bero a Reforma Urbana brasileira, movimento que idealiza uma sociedade mais igualitria do ponto vista scio-espacial. Entende-se que a cidade tinha a responsabilidade de cumprir sua funo social, ou seja, ela tinha que assegurar o bem estar coletivo, sendo necessria uma melhor distribuio dos benefcios concretos de cidade para seus habitantes, bem como a moradia digna e melhor qualidade de vida para todos. A partir disto, criam-se instrumentos que possam dar suporte a essa idealizao para o desenvolvimento social. Por isso entende-se a vital contribuio de um Zoneamento Includente para o desenvolvimento social das cidades brasileiras, por ele estar condizente com a sua realidade, definindo a resoluo dos problemas scio-espaciais como prioridades nos processos de planejamento, visando uma maior justia territorial (RIBEIRO E CARDOSO 1990; Estatuto da Cidade, 2001; SOUZA, 2002).

    Este instrumento prope um mapeamento de todas as regies carentes de infra-estrutura na cidade e define essas regies como prioridades nos processos de planejamento. A principal questo que permeia o zoneamento includente o acesso a moradia digna, uma vez que esse o grande problema scio-ambiental do pas. Por isso atribuda a reviso de tamanho dos lotes, a racionalizao no uso da terra urbana, a induo para ocupao dos vazios urbanos e a destinao de reas de habitao popular, dentre outros mecanismos dos atuais sistemas de planejamento e gesto urbanos do pas, que priorizem o acesso a terra para a populao de baixa renda (RIBEIRO E CARDOSO, 1990; Estatuto da Cidade, 2001; SOUZA, 2002). 2. O ZONEAMENTO NOS MOLDES DA REALIDADE BRASILEIRA

    A atual situao scio-espacial dos municpios no Brasil, aponta para uma grande necessidade de regularizao fundiria no espao urbano, principalmente das habitaes de baixa renda, visto que essa parcela da sociedade corresponde maioria da populao menos favorecida dos benefcios da cidade. Desta mesma maneira, h tambm uma parcela que concentra os benefcios concretos da cidade para o uso individual, com isso h um aumento das desigualdades scio-espaciais, bem como a segregao residencial, uma vez que o espao tambm reflete a condio scio-econmica de uma nao. Por isso, a construo de um instrumento urbanstico deve nascer de uma leitura reconstrutivista7 da realidade, onde sero apontados os principais embates a serem resolvidos (RIBEIRO E CARDOSO, 1990; Estatuto da Cidade, 2001; SOUZA, 2002).

    7 Leitura Reconstrutivista da realidade corresponde a uma apreenso da problemtica fsico territorial, e define

    propostas para mudana da situao encontrada, pautadas na justia scio-espacial.

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    Neste contexto, o zoneamento pode vir a servir como instrumento de controle do uso e ocupao do solo, e pode definir padres que protejam e assegurem a qualidade de vida, com uma otimizao da urbanizao existente, e contribuir com uma gesto mais democrtica, compreendida como distribuio mais eqitativa dos benefcios concretos de cidade (RIBEIRO E CARDOSO, 1990:81).

    A base que define a cidadania, so os direitos e garantias cidade para seus moradores, deve nortear os princpios de zoneamento dos sistemas de planejamento no Brasil, uma vez que ele deve servir como instrumento da poltica urbana que vise amenizar as desigualdades sociais expressa no espao, e busque melhor qualidade de vida aos seus habitantes. O zoneamento deve prev reas onde possam ser implementada a regularizao fundiria, principalmente nas reas de concentrao da populao menos favorecida, para contribuir com o desenvolvimento e expanso urbana, garantindo parmetros de ocupao do solo que assegurem a qualidade de vida e o equilbrio ambiental, e ainda exercendo a sustentabilidade nas cidades brasileiras (RIBEIRO E CARDOSO, 1990:81).

    Ao defender os princpios da Reforma Urbana, Ribeiro e Cardoso (1990:81), prope um modelo de zoneamento bsico, que pode ser adotado por diferentes sistemas de planejamento direcionado aos grandes centros urbanos brasileiros. O modelo criado se embasa nas leituras realizadas sobre a realidade scio-espacial das cidades brasileiras, onde foram apontados os problemas e carncias bsicas para o viver urbano em sociedades mais eqitativas, uma vez que as desigualdades sociais imperam no espao urbano. Este modelo de zoneamento progressista poder servir como base para nortear novos instrumentos, assim como evidenciar os contrastes causados pelos tipos de zoneamentos tradicionalistas conservadores adotados pelas cidades brasileiras.

    Dentre estes instrumentos propostos por Ribeiro e Cardoso (1990:83) os mais relevantes e que indicam a articulao entre o zoneamento e a ao reguladora do poder pblico, so:

    (i) Oramento: onde a construo deve ser permevel a participao popular e dever conter decises do Plano Diretor no que define o destino dos recursos do poder pblico. A apresentao deve ser feita de modo claro e passvel de mudanas conforme as pr-discusses dos projetos sociais;

    (ii) Licenciamento: nesse processo, os autores supracitados propem a introduo de um Relatrio de Impacto Ambiental (RIMA) que concede ou no a licena para a construo em locais que contrariam os parmetros de ocupao, j previstos no zoneamento, como por exemplo, aumentando a densidade construtiva, populacional e modificando o uso social ou econmico do espao em determinadas zonas da cidade, ou ainda, que permitam o crescimento da demanda por servios urbanos ou, ainda, que ameacem o equilbrio do meio ambiente natural. Esses relatrios podero conter diretrizes de ocupao de determinadas reas da cidade;

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    (iii) Regulamentao pblica da produo informal do meio ambiente: como uma grande parcela da populao dos centros urbanos brasileiros vivem na clandestinidade, sugere-se a tentativa de implantao de instrumentos que viabilizem essa regulamentao. So os casos da construo por conta prpria promovida pelos moradores, como as moradias para aluguel, vilas, apartamento em sobrados irregulares, puxadinhos, dentre outras tipologias. Nas cidades brasileiras, h uma grande parte da populao vivendo em situaes que passam ao largo do conhecimento do poder pblico.

    Nas palavras de RIBEIRO E CARDOSO (1990:85):

    necessrio enfrentar o desafio de introduzir padres e regras nestes processos de modo a orientar e mesmo condicionar estas prticas construtivas de acordo com os objetivos do Plano Diretor. Antes de tudo, necessrio legalizar esta parte da cidade, ou seja, realizar o ato de reconhecimento oficial de sua existncia. Poder-se-ia pensar na criao de Zonas de Habitao de Interesse Social, ZEIS, na qual prevaleceriam algumas normas e exigncias construtivas especficas, adaptadas s condies sob as quais se desenrolam estas formas de produo da moradia. Por outro lado, seriam previstos certos procedimentos do governo municipal de apoio, orientao e assessoria com intuito de melhorar o padro construtivo resultante daquelas formas de produo da moradia.

    Atualmente, todas essas propostas sugeridas por RIBEIRO E CARDOSO em 1990, encontram-se regulamentadas pelo Estatuto da Cidade, atravs de suas diretrizes e instrumentos.

    3. O ZONEAMENTO E O ESTATUTO DA CIDADE

    O Estatuto da Cidade a lei de nmero 10.257, de 10 de julho de 2001, que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituio federal de 1988, que so relativos Poltica Urbana. O artigo 182 define que o poder pblico, na sua esfera municipal, o responsvel direto para que a cidade cumpra sua funo social e garanta o bem-estar de seus habitantes, e determina mediante diretrizes gerais fixas em lei, que o instrumento bsico desta poltica o Plano Diretor Municipal. J o artigo 183, aumenta as possibilidades para a regularizao fundiria de favelas, vila, alagados, invases ou loteamentos, em geral, reas de baixa, ao instituir o usucapio urbano. Ou seja, todo aquele que possuir imvel urbano de at duzentos e cinqenta metros quadrados, durante o perodo ininterrupto de cinco anos, poder ter o domnio legal da rea .

    Ao regulamentar as exigncias constitucionais, o Estatuto da Cidade abarca instrumentos que aumenta o escopo das aes do poder pblico no que concerne a regularizao fundiria, regulamentao do uso da propriedade urbana em prol do interesse pblico e coletivo, garantias de qualidade de vida aos seus cidados e o equilbrio ambiental, e ainda determina os princpios bsicos destas aes. Ele define diretrizes gerais para nortear a poltica urbana para o pleno desenvolvimento das funes sociais da cidade e da propriedade.

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    Essas diretrizes apontam para o direito a cidades sustentveis, ou seja, democratizao do acesso terra urbana e moradia digna para os seus habitantes, bem como dos benefcios concretos de cidade, como o saneamento ambiental, infra-estrutura urbana, ao transporte e servios pblicos, ao trabalho e ao lazer, no s para as geraes atuais, como para as que viro (OLIVEIRA, 2001:7-13).

    Conforme a demanda social e o suprimento das necessidades das populaes de baixa renda, o Estatuto da Cidade define que a Legislao de parcelamento, de uso e ocupao do solo, seja elaborada de forma mais simples, com a finalidade de facilitar o encaixe das construes de baixa renda aos moldes burocrticos das leis. Ou melhor, facilitar a aplicao dos parmetros urbansticos nas construes promovidas pela prpria populao de baixa renda, com o objetivo de possibilitar um aumento na oferta dos lotes e unidades habitacionais e minimizar custos nos processo construtivos (OLIVEIRA, 2001:13).

    Neste contexto, o Zoneamento deve ser considerado to ou mais importante que os outros instrumentos urbansticos ao qual o sistema de planejamento do municpio adotar para o controle legal do uso do solo urbano. O objetivo da poltica urbana deve estar demonstrado no Plano Diretor de forma clara, e a sua construo deve partir de uma ampla leitura tcnica da realidade bem como uma rica leitura comunitria com vrias camadas da sociedade, fazendo assim uma gesto mais democrtica. Com isso, define-se qual o destino especfico que se pretende dar as diferentes reas do municpio, no bojo de seus objetivos e estratgias de desenvolvimento.

    Uma crtica que pode ser feita sobre o Estatuto da Cidade o fato dele no mencionar o zoneamento explicitamente em seus artigos, de no d nfase ao instrumento mais importante para o uso e controle do uso, deixando omissa as diretrizes gerais que pudesse nortear novos zoneamentos a partir dos atuais princpios da poltica pblica federal. Contudo, a partir da implantao do Estatuto da Cidade, os planejadores urbanos puderam ampliar os limites das polticas pblicas ao articular o zoneamento a outros instrumentos.

    4. A CONSTRUO DO ZONEAMENTO DE MACEI NO BOJO DA (IN)OPERABILIDADE DE SEU PLANO DIRETOR DA DCADA DE 80...

    O Plano Diretor de Desenvolvimento de Macei que definiu a Legislao de uso e ocupao do solo urbano no Municpio8, e que esteve vigente at 2005, comea a ser discutido como instrumento de planejamento em 1979, no mandato do ento prefeito Fernando Collor de Melo.

    8 O Plano Diretor era composto pelas estratgias de desenvolvimento; pelos mapas analticos e pela

    Legislao de uso e ocupao do solo. Esta Legislao composta por trs cdigos, o de urbanismo, o de

    edificao, o qual incorpora a lei de zoneamento, e o de postura; e mapas de proposies; e quadro de usos.

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    Em 1982, todo o Plano enviado para Cmara de Vereadores para a sua discusso e aprovao, e por uma deciso poltica, o Plano Diretor de Macei no aprovado totalmente, permanecendo at 2005 o Municpio sem um plano legal de desenvolvimento territorial. Nos dois anos subseqentes, 1983 e 1984, so feitas as discusses sobre os trs Cdigos, Urbanismo, Edificaes e Postura, embora no se tenha discutido o contedo do plano, onde estava includo o zoneamento. Vrios setores tcnicos e polticos da cidade de Macei participaram no processo de discusso dos cdigos. Ao final destas discusses, em 1985, os trs cdigos voltam para Cmara para serem aprovados, e em dezembro do mesmo ano foram sancionados pelo prefeito Jos Bandeira, porm sem a aprovao do quadro de usos. O que foi aprovado da proposta do Plano Diretor foram os Cdigos de Urbanismo (Lei n 3.536 de 25/12/1985), o Cdigo de Edificaes (Lei n 3.537 de 25/12/1985), no qual estava includo o zoneamento, e o Cdigo de Posturas (Lei n 3.538 de 25/12/1985), devido presso do setor imobilirio sobre alguns vereadores (LINS, 1999).

    Somente em 1989, ps a constituio de 1988, e j na gesto do prefeito Guilherme Palmeira, e na equipe de planejamento comandada pelo Secretrio Municipal de Desenvolvimento Urbano, arquiteto Marcos Vieira, foi aprovado pela Cmara e sancionado pelo prefeito o quadro de usos relativo s zonas urbanas, definidos no Cdigo de Edificaes de Macei.

    Desde o incio de sua concepo at a sua aprovao final, os instrumentos urbansticos demoraram quase uma dcada para serem implantados, passando pela gesto de trs prefeitos e trs diferentes equipes de planejamento. Na interpretao do autor deste artigo, isto teve como conseqncia, instrumentos que no acompanharam a evoluo urbana nesse perodo, ficando ainda mais desatualizados a cada ano que se passava sem a sua implantao. Isto porque comearam a ser elaborados para uma realidade scio-espacial que no corresponde mais com a cidade atual. Os moldes da poltica urbana maceioense e a sua lentido na aprovao dos instrumentos, quase uma dcada, contriburam com os problemas advindos de diferentes equipes de planejamento que passaram pela concepo e discusses a respeito deles, e que no incorporaram a dinmica da evoluo urbana na Legislao de uso e ocupao do solo. E, mesmo elaborados quando a cidade tinha uma outra realidade, ou melhor explicando, e mesmo estando desatualizados frente cidade real, os Cdigos e o zoneamento so ainda a atual Legislao urbana que regula o parcelamento e o uso do solo de Macei.

    Para esse artigo especfico, ser demonstrada uma anlise realizada sobre o Zoneamento (parte integrante do Cdigo de Edificaes) e que estava contido no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Macei de 1982.

    5. AVALIAO DO ZONEAMENTO DE MACEI

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    O zoneamento de Macei, enquanto instrumento de planejamento e gesto urbanos, define zonas especficas para a ordenao do solo urbano. Neste trabalho sero analisados os contedos do zoneamento, que a Legislao que rege os parmetros de uso e ocupao de cada zona apontada dentro do Cdigo de Edificaes, atravs dos artigos e quadro de usos, e os trs mapas que caracterizam os seus setores geogrficos, que so o mapa da rea urbana e expanso urbana, o mapa de restrio urbanizao e o mapa de Zoneamento do uso do solo9.

    As reas que foram consideradas de expanso urbana inicialmente, passaram a fazer parte do permetro urbano legal, a partir de 1998, em virtude da Lei de Abairramento de Macei que redefiniu e atualizou os cinqenta bairros da cidade. Porm, essa rea que era considerada de expanso, mesmo j incorporada ao permetro urbano, continuou sem Legislao especfica no que concerne os parmetros urbansticos para o uso e ocupao do solo, ficando parcialmente regida pelos parmetros das zonas vizinhas, que, na verdade tm uma Legislao especfica para a realidade de seus bairros.

    O zoneamento no definiu parmetros urbansticos para uso e ocupao das reas consideradas de expanso urbana, e como elas no faziam parte da cidade consolidada essa medida facilitaria o planejamento urbano no tocante a urbanizao e ocupao destes locais. Porm, j aparece no Mapa de Expanso Urbana, a marcao dos grandes conjuntos habitacionais populares da cidade, o que d indcios que o zoneamento tinham o objetivo de induzir a localizao de populao de baixa renda na periferia da cidade. A exemplo disto, o Conjunto Benedito Bentes, que mesmo sendo de 1986 j aparece representado no mapa desde a elaborao dos Cdigos, o que prova esse objetivo dos planejadores que desconsideraram a falta de infra-estrutura urbana da rea. Na interpretao do autor, esse tipo de atitude alm de produzir interstcios na cidade, chamados de vazios urbanos, onera os custos da urbanizao, principalmente do sistema virio, uma vez que a populao precisa se deslocar para o trabalho em outros bairros.

    O Mapa de Restrio Urbanizao se refere s reas de proteo dos recursos naturais, e as reservas florestais, ambas em reas perifricas, e as restries institucionais e de segurana representadas no mapa, todas j definidas em Leis Federais como ocupao proibida e/ou restrio ocupao.

    Na Legislao est definida a proibio de ocupao de fundos de vale, embora essas reas alm de no estarem mapeadas, o maior vale existente no

    9 O Plano Diretor de Macei acompanhado por quinze mapas analticos, numerados da seguinte

    forma: Mapa 01- Grande Macei, Mapa 02- desconhecido pelo autor, Mapa 03- Restries urbanizao,

    Mapa 04- evoluo urbana e tendncia da expanso urbana, Mapa 05- Uso do solo, Mapa 06- Abastecimento

    dgua, Mapa 07- Sistema de Esgoto Sanitrio, Mapa 08- Rede de guas Pluviais, Mapa 09- Sistema de energia convencional, Mapa 10- Sistema virio-Tipologia das Vias, Mapa 11- Hierarquizao das Vias, Mapa 12-

    Transportes Urbanos e rea de Influncia, Mapa 13- Habitao, Mapa 14- Equipamentos Sociais, Mapa 15- Limpeza

    Urbana e trs mapas de proposies: Mapa 01- rea urbana e rea de expanso urbana, Mapa 02- Zoneamento de Uso do

    solo e Mapa 03- Usos especficos do solo. No entanto, para esse trabalho, sero analisados o mapa 01 e o mapa 02 de proposies e o mapa analtico 03, por eles caracterizarem os setores geogrficos do zoneamento e d os subsdio para sua

    construo.

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    permetro intra-urbano encontra-se ocupado e desconfigurado sob o ponto de vista ambiental. As encostas e reas com declividade igual ou superior a 30% tambm so consideradas restritas urbanizao, embora esteja a maioria delas ocupadas pela populao menos favorecida.

    Outro elemento que aparece demarcado no mapa de restries urbanizao o raio de visibilidade do farol, que exclui a possibilidade de construo de qualquer edificao no permetro indicado que ultrapasse o cone imaginrio. Desta forma toda e qualquer edificao que esteja dentro desta rea de abrangncia, dever observar, de acordo com a sua localizao, a altura correspondente no mapa, a qual no poder ser ultrapassada. A rea de influncia do cone corresponde plancie litornea de maior valorizao da cidade, o que eleva a especulao imobiliria e os valores dos imveis, em virtude da escassez de terras.

    Outra restrio existente na orla e nas encostas, que deviam obedecer ao nmero de pavimentos progressivos, contados a partir de 06 (seis), dos lotes na primeira quadra das praia ou beira das encostas. Por isso o impedimento de prdios beira mar acima desta altura, como almejam o mercado imobilirio e os empresrios do setor, principalmente na Ponta Verde, o que valoriza e aumenta o mercado de terras gerando grande presso poltica para alterao destas restries. Nesta rea da cidade, o zoneamento se cumpre em face dos interesses polticos e imobilirios de especulao e valorizao da terra.

    Percebe-se como o zoneamento articulado aos interesses especulativos do mercado imobilirio. Por ele definir a rea mnima dos lotes, nessa zona, como sendo de 450m, elitiza os terrenos, impossibilitando que a populao detentora de pouca renda se instale. O disparate maior por se entender que essa rea alm de possuir a melhor infra-estrutura da cidade esta mais perto dos centros das oportunidades, o que absorveria uma maior densidade populacional.

    O Mapa de Zoneamento do Uso do Solo define as zonas em que foi dividida a cidade, conforme a destinao de seu uso. O complemento I do cdigo de edificaes do Plano Diretor de Macei, Lei no. 3.943, de 09 de novembro de 1989, a parte destinada descrio das zonas e dos quadros de usos. O texto corresponde aplicabilidade das zonas apontadas no mapa de zoneamento. No total, onze zonas residenciais (ZR-1 a ZR-11), quatro zonas especiais (ZE-1 a ZE-4), uma zona central de comrcio e servio (ZCCS), uma zona de comrcio e servio no bairro da Pajuara (ZCS), quatro zona de atividades mltiplas (ZAM-1 a ZAM-4) e reas de proteo de encostas.

    Como hiptese, as zonas foram caracterizadas de acordo com os bairros j consolidados. Ou seja, aparentemente no houve um planejamento que alterasse os usos j destinados aos bairros, ou que inclussem novos usos nesses bairros. A leitura apriorstica que foi realizada sobre a realidade espacial de Macei aponta para um carter excludente socialmente, ou seja, sem incorporar as necessidades reais da cidade em suas propostas de desenvolvimento, e sem ser permevel participao popular.

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    O zoneamento foi aprovado e implementado totalmente em 1989, dez anos depois da lei federal 6.766/79, que define que um lote mnimo urbano tem que medir 125 m, e que abaixo disso s permitido esse tipo de configurao em ZEIS, Zona Especial de Interesse Social. Estas zonas devem ser previamente aprovadas pelo poder pblico municipal, no que concerne aos parmetros urbansticos especiais para essas reas, a sua localizao e as condies de infra-estrutura bsica, principalmente, o saneamento ambiental. Este um dos problemas do zoneamento proposto para Macei, que mesmo elaborado depois da aprovao da Lei 6.766/79 no incluiu as ZEIS nas suas propostas de planejamento do uso do solo. O Poder Pblico Municipal no definiu no zoneamento quais reas da cidade esto destinadas para habitao de interesse social, nem seus parmetros urbansticos.

    Segundo o Cdigo de Edificaes Macei, complemento I, no que se refere Legislao de uso e ocupao do solo no tocante a habitao de interesse social, a Lei nmero 3.943/89 definem dois de seus artigos:

    Art.9- Os loteamentos devero satisfazer as disposies contidas no Cdigo de Urbanismo e mais os seguintes requisitos:

    I- Os lotes tero suas reas definidas atravs do quadro de usos anexos, salvo nos casos em que o loteamento se destinar urbanizao especfica ou edificao de conjuntos habitacionais de interesse social, previamente aprovados pela Prefeitura Municipal de Macei.

    III- pargrafo 3- A Prefeitura Municipal de Macei, atravs do Conselho Municipal de Desenvolvimento, poder, no interesse social, regularizar a existncia de lotes com rea mnima inferior a estabelecida pela Lei Federal Num. 6.766/79, mediante apresentao de ttulo que comprova a aquisio da rea com data a publicao desta Lei, desde que tal regularizao no tenha fins lucrativos.

    Art. 26- as habitaes permitidas, tendo em vista o atendimento ao interesse social, obedecero as caractersticas especiais que procuraro a mxima compatibilizao com a baixa renda das populaes, sendo definidas como:

    I- LOCALIZAO:

    Sero localizadas em reas previamente definidas como base em recomendaes do rgo Municipal de Planejamento, constantes de projetos especficos e devidamente justificados.

    II- DIMENSES DO LOTE E PARMETROS CONSTRUTIVOS:

    Variveis com base em anlise tcnica do rgo Municipal de Planejamento.

    O zoneamento de Macei apenas diz muito vagamente que tendo em vista o atendimento ao interesse social, as habitaes obedecero s caractersticas especficas que compatibilizaro com a baixa renda da populao, mas no garante nem define os parmetros de ocupao, nem legislao especfica,

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    nem reas do tecido urbano que sero destinadas a essas habitaes. Sem uma legislao bsica para as ZEIS no possvel a regularizao fundiria das favelas existentes em Macei, por exemplo.

    Os dispositivos legais que normatizam o parcelamento do solo esto contidos no Cdigo de urbanismo, Lei no. 3.536/85, e que seguiu risca as determinaes da Lei Federal 6.676/79, que regula o parcelamento para fins urbanos. Propriamente a cidade de Macei no tem uma legislao especfica para o parcelamento do solo urbano contemplando os loteamentos destinados populao menos favorecida, deixando essas situaes dependentes de decretos ou outros instrumentos que s burocratizam, dificultando solues para habitao que promovam a incluso social. A Prefeitura, o poder pblico estadual e federal em relao habitao, adota aes para mudanas no parcelamento no solo que no so satisfatrios para suprir a demanda social. Segundo LINS e BOSI (2004), a Legislao municipal especfica no est acessvel a maiores informaes a respeito das transformaes que sofreram as formas de parcelamento urbano no pas, no tocante aos projetos de habitaes populares realizados pelo setor pblico. No se tem noo com a Lei 6.766/79 tem sido absorvida e interpretada localmente, bem como, sobre as forma de punio pelo no cumprimentos de sua normas. Contudo, a Procuradoria Municipal afirma que estas irregularidades se fazem presente por todo o territrio da cidade de Macei (LINS e BOSI, 2004).

    Ao se observar nos parmetros urbansticos da Legislao de uso do solo de Macei quais so as reas onde so permitidos os lotes mnimos de 125 m, v-se que eles se localizam nas reas mais pobres da cidade, onde a infra-estrutura urbana precria. Ou seja, uma maior parcela da populao no desfruta dos benefcios concretos da cidade, pois o adensamento da populao de baixa renda realizado onde o servio urbano mais precrio, enquanto que localizam a populao de alta renda, onde os servios urbanos so mais eficientes. Percebe-se como o zoneamento aos poucos vai demonstrando seu carter elitista e excludente, com seu posicionamento conservador.

    Essa diviso scio-espacial interfere na formao dos preos das terras urbanas, e cria concentrao de renda em determinados pontos da cidade. Em Macei, s reas mais valorizadas so as que detm uma maior infra-estrutura urbana bsica e de lazer, em face de escassez das outras reas. Essa concentrao de benfeitorias nos espaos urbanos mais valorizados da cidade, contribui com a especulao imobiliria e dificulta o acesso a terra pela populao de baixa renda.

    A Legislao de zoneamento de Macei pode ser considerada como uma colcha de retalhos, dados s vrias Leis sobrepostas e alteradas por uma srie de normas setoriais que, inseridas na estrutura administrativa do poder pblico municipal, resultando num documento normativo confuso e pouco eficiente, e cria superposies de atribuies e deixando lacunas no regularizadas. Como os Cdigos Urbansticos que tm as Leis bases N. 3.536/85 e 3.537/85, alteradas pela Lei N. 3.943/89, que aprovou o quadro de

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    usos, e depois sofreu vrias alteraes at a mais recente mudana pela Lei N 5.354/04.

    Essa sobreposio de legislaes, passou a gerar inmeros problemas de operacionalizao, pelos tcnicos que a utilizavam, causando dvidas, omisses, sobreposio de regras, passando a ser quase um desafio cumpri-la.

    Em razo disso, a partir de 1997 os Cdigos de Edificao e Urbanismo de Macei passaram por uma discusso e uma reviso do seu contedo, atravs da Secretaria Municipal de Controle e Convvio Urbano, com o objetivo de racionalizar a aplicao de suas normas e agilizar os mtodos administrativos, pois os Cdigos desatualizados, estavam causando a lentido de procedimentos de licenciamento e controle que por sua vez estariam dificultando o investimento produtivo, aumentando a irregularidade, a sonegao e a especulao alm de no promover a ocupao do solo de forma coerente com as caractersticas ambientais, sociais e a disponibilidade de infra-estrutura. (MACEI:2003 apud LINS e BOSI, 2004).

    Entretanto, as discusses sobre a reviso dos Cdigos no foram consensuais, divergindo as interpretaes e indagaes das representaes do processo, que contou com a participao de vrias instituies, assim como ocorreu na discusso realizada na Cmara de Vereadores de Macei. Mesmo com as ressalvas, os Cdigos revisados, foram aprovados pela Cmara sob a Lei n 5.354 e sancionados pela Prefeitura, em janeiro de 2004, com alteraes no seu bojo de carter meramente polticas. Alm do mais, decorridos mais de quatro da concluso da reviso mencionada, quando da sua aprovao o mesmo j se encontrava desatualizado devido ao simples fato de que neste nterim havia sido aprovado o Estatuto da Cidade, e com ele vrios instrumentos urbansticos que no tinham sido contemplados pela legislao em questo. Ressalte-se que o zoneamento da cidade no foi alvo de discusso, mas alguns ndices foram objeto de alterao, na oportunidade da aprovao junto Cmara de Vereadores. Apesar de estarem de acordo que os procedimentos administrativos precisariam ser re-elaborados, discordava-se sobre a modificao de aspectos relacionadas ao uso e ocupao do solo, em determinadas zonas da cidade. Contudo, esses fatos no passaram de amplas discusses, continuando as conseqncias de uma Legislao desatualizada a se expressar no espao urbano, e as conseqncias das reas de expanso continuarem sem parmetros urbansticos especficos para a definio do uso e ocupao do solo urbano (LINS e BOSI, 2004).

    5.1 SNTESE DA AVALIAO DO ZONEAMENTO DE MACEI

    Analisada a Legislao de Zoneamento ainda em vigor, estabelecem-se as seguintes questes:

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    - Embora o Zoneamento no seja o responsvel direto pela excluso scio-espacial da cidade de Macei, mas ele contribui com esse fato ao consolidar a realidade em sua Legislao;

    - No houve mudanas significativas nos usos e ocupao do solo dos bairros e reas da cidade em que foram definidas as zonas especficas, o que hipoteticamente demonstra que o zoneamento foi construdo para ser reduzido meramente a Cdigos administrativos, excluindo as prticas sociais demandadas pelas necessidades da cidade;

    - O modelo de zoneamento proposto para a cidade de Macei torna-se um excludente socialmente, por ele induzir o adensamento de populao de mais baixa renda em locais onde a infra-estrutura urbana bsica precria, e enquanto que ao mesmo tempo, ele induz a locao de populao de alta renda em locais privilegiados da cidade do ponto de vista da infra-estrutura urbana;

    - A Legislao de uso e ocupao do solo foi elaborada sem um conhecimento preciso da realidade e sem um estudo analtico da sua infra-estrutura urbana para definir quais as reas suportaria maior adensamento. Na interpretao do autor, o princpio que definiu a densidade desejvel nas zonas da cidade, foi muito mais conforme a renda dos habitantes que a capacidade da infra-estrutura urbana;

    - No tocante ao interesse social, o zoneamento se relaciona de forma muito paliativa a situao real, sem incluir a habitao de baixa renda em polticas que as beneficie. Na interpretao do autor, o zoneamento identifica a populao de baixa renda no espao da cidade, porm ele no define mudanas que pudessem melhorar a situao da populao;

    - O zoneamento mesmo sendo elaborado depois da 6.766/79 no define ZEIS na cidade. No est espacializada nem definidas essas zonas na cidade;

    - O instrumento que regula o uso e ocupao do solo da cidade no proporciona que ela cumpra sua a funo social da propriedade urbana, uma vez que o zoneamento restringe a moradia digna e dificulta, atravs de sua Legislao, o acesso terra urbana;

    - O zoneamento aponta para locao de populao de baixa na periferia da cidade, longe das reas centrais da cidade e das oportunidades, e que ocasiona tambm custos onerosos com a urbanizao e saturao do atual sistema de transporte virio. Isto refora que o tipo de zoneamento adotado para cidade de Macei de natureza funcional conservadora, no atendendo a demanda local;

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    - Um dos principais problemas da lei de uso do solo de Macei a falta de uma boa estrutura de fiscalizao de sua implantao, o que a torna ainda mais ineficaz;

    - A Legislao de zoneamento em vigor, que regula o uso e ocupao do solo urbano de Macei, foi elaborada quando a cidade tinha uma outra realidade, estando esta Lei desatualizada e incoerente com a cidade real, com muitas lacunas que no atende as demandas da cidade. Fazem-se necessrias a sua reviso e uma anlise minuciosa das conseqncias da implantao dela, para a partir disto ela poder servir de base a formulao de uma nova legislao urbanstica.

    6. CONCLUSES

    O zoneamento de Macei foi elaborado para ordenar o uso e ocupao do solo urbano, embora, o instrumento que foi concebido seja funcionalista conservador considerando a realidade da cidade e as necessidades dos diferentes grupos na cidade.

    A equipe de planejadores e gestores urbanos, seguiu os padres funcionalistas que se disseminavam pelos sistemas de planejamento brasileiro da poca. Adotaram os princpios bsicos de um modelo de zoneamento que no coerente com a realidade, pois ele no abrange as desigualdades scio-espaciais da cidade, definindo-as como prioritrias em polticas pblicas para o desenvolvimento urbano.

    O Zoneamento no o responsvel direto pela realidade desigual da cidade, mas ele consolida essa realidade atravs de sua Legislao, o que evidencia hipoteticamente uma leitura apriorstica que foi feita da realidade. Isso demonstra a falta de dados sobre situao real que foi feita para se obter os subsdios para sua construo.

    O problema que o modelo tomado como espelho foi feito para uma cidade idealizada, onde as suas propostas se concentram na funcionalidade, enquanto que um zoneamento proposto para uma cidade consolidada, como Macei, deve partir de uma avaliao crtica da realidade para um melhor controle do uso e da ocupao do solo.

    Como alternativa para construo de um zoneamento aos moldes da realidade maceioense, faz-se necessria uma leitura reconstrutivista, que absorva as demandas da cidade e as incorpore nas polticas de desenvolvimento.

    No momento atual encontra-se em fase de construo um novo ordenamento jurdico que normatiza o uso e a ocupao do solo, inclusive trazendo no seu bojo uma nova proposta de zoneamento para cidade, no entanto este novo instrumento legal ainda no foi publicado oficialmente, e portanto, ainda no

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    possvel afirmar se abrir novas perspectivas para solucionar as questes analisadas por este artigo.

    7. BIBLIOGRAFIA

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    LINS, R.D.B., V. Dinmicas urbanas em Macei. Documento preliminar de circulao restrita. Macei/Braslia, 2004.