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Henri Acselrad, André Dumans Guedes Laís Jabace Maia (Organizadores) Cartografias sociais, lutas por terra e lutas por território: um guia de leitura Rio de Janeiro IPPUR/UFRJ 2015 cartografias_2015.qxd 4/2/15 1:03 AM Page 1

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Cartografias Sociais, Terra e TerritórioHenri Acselrad

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  • Henri Acselrad,Andr Dumans GuedesLas Jabace Maia(Organizadores)

    Cartografias sociais,lutas por terra

    e lutas por territrio:um guia de leitura

    Rio de JaneiroIPPUR/UFRJ

    2015

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  • Copyright dos autores, 2015

    Coordenao editorial: Henri AcselradProjeto grfico: A 4 Mos Comunicao e Design Ltda.Capa: A 4 Mos Comunicao e Design Ltda, a partir da reproduo de exemplaresde mapas produzidos por grupos de moradores e trabalhadores no contexto do Projeto

    Nova Cartografia Social".

    Editorao eletrnica: A 4 Mos Comunicao e Design Ltda.CtP, impresso e acabamento: Armazm das Letras Grfica e Editora Ltda.

    ETTERN/IPPUR/UFRJ

    Prdio da Reitoria, sala 543

    Cidade Universitria, Ilha do Fundo

    CE 21941-590

    Rio de Janeiro RJ

    DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAO-NA-PUBLICAO (CIP)

    C328 Cartografias sociais, lutas por terra e lutas por territrio / Henri Acselrad,Andr Dumas Guedes, Las Jabace Maia (organizadores). Rio de Janeiro:Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa ePlanejamento Urbano e Regional, 2015.166 p. : 18 cm. (Coleo territrio, ambiente e conflitos sociais ; n. 5)

    Inclui bibliografia.ISBN 978-85-86136-11-5

    1. Cincias sociais e cartografia. 2. Sociologia e geomtica. 3.Sistemas de informao geogrfica. I. Acselrad, Henri. II. Guedes, AndrDumans. III. Maia, Las jabace. IV. Universidade Federal do Rio de Janeiro.Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional.

    CDD: 301

    Apoio:

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  • Sumrio

    Apresentao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

    Introduo: o debate sobre cartografiae processos de territorializao - anotaes de leitura . . . . . . . . . . . . . . . . 8Henri Acselrad

    Seo I: Cartografias, Cincia,Conhecimento(s) e Representaes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

    Texto 1: David TurnbullMasons, Tricksters and Cartographers (I) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

    Texto 2: David TurnbullMapping the World. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

    Texto 3: David TurnbullMasons, Tricksters and Cartographers (II). . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

    Texto 4: David TurnbullMasons, Tricksters and Cartographers (III) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

    Seo 2: Os Poderes dos Mapas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

    Texto 5: Laura HostetlerQing Colonial Enterprise . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

    Texto 6: David TurnbullMasons, Tricksters and Cartographers (IV) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52

    Texto 7: Karl Offen e Jordana DymMapping Latin America . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

    Texto 8: Walter MignoloDilogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64

    Texto 9: Gregory KnappEthnic Mapping . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68

    Texto 10: Bjrn SlettoMapping the Pemon Homeland . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69

    Seo 3: Campesinato, Terra e Modernizao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74

    Texto 11: Moacir PalmeiraModernizao da Agricultura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74

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  • Texto 12: Lygia SigaudEfeito da Tecnologia sobre as Comunidades Rurais . . . . . . . . . . 80

    Texto 13: Jos de Souza MartinsFrentes Pioneiras, Camponeses e Indgenas na Fronteira . . . . . 88

    Seo 4: Modernidade, Cultura e Identidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93

    Texto 14: Marshall SahlinsO Pessimismo Sentimental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93

    Texto 15: David Maybury-LewisVivendo o Leviat . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101

    Texto 16: David HarveyCondio Ps-Moderna . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105

    Seo 5: Do Campesinato s Comunidades Tradicionais . . . . . . . . . . . . . 111

    Texto 17: Mauro AlmeidaNarrativas Agrrias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111

    Texto 18: Alfredo Wagner de AlmeidaTerras de Uso Comum. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116

    Texto 19: Mauro AlmeidaSobre os Seringueiros. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122

    Texto 20: Bruce AlbertO Ouro Canibal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129

    Texto 21: Eliane Cantarino ODwyerQuilombos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140

    Texto 22: Rodolfo StavenhagenLand and Territory. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143

    Seo 6: Desenvolvimento, Meio ambiente e Territrio . . . . . . . . . . . . . 147

    Texto 23: Roberto SalvianiBanco Mundial e Povos Indgenas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147

    Texto 24: Karl OffenTerritorial Turn in Colombia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153

    Texto 25: Alfredo Wagner de AlmeidaAgroestratgias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159

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  • Apresentao

    Este volume situa-se em um conjunto de investigaes maisamplas centradas nas iniciativas de automapeamento territorialpor sujeitos coletivos organizados que usam a produo aut-noma de mapas para reivindicar direitos territoriais especficos. Taisinvestigaes vm sendo desenvolvidas desde 2008, sob a coordena-o de Henri Acselrad no Laboratrio Estado, Trabalho, Territrio eNatureza (ETTERN-IPPUR/UFRJ).No estudo das experincias brasileiras dessas cartografias sociais,

    pudemos perceber como elas eram na maior parte das vezes protago-nizadas por povos e comunidades tradicionais, evocando a noo deterritrio e se servindo dela e das tcnicas de mapeamento sobretudocomo forma de defender e preservar os espaos e recursos associadosa seus modos de vida. Tais modalidades de resistncia se justificamprincipalmente pelo avano de projetos governamentais e iniciativasempresariais relacionados produo de commodities agrcolas e mine-rais, produo de energia ou a grandes obras de infraestrutura.Diante da crescente visibilidade, fora e capacidade de articulaodesses movimentos evidenciadas tambm por aquelas tantas estra-tgias que vm buscando desmobiliz-los parecia-nos necessriorelacionar e comparar essas formas de organizao coletiva a outrosprocessos de politizao daquilo que, a princpio, identificvamoscomo populaes rurais. Desde meados do sculo passado, lembra-mos, o campo brasileiro tornou-se o espao daqueles movimentossociais que, exigindo a reforma agrria, lutam pelo direito universal terra. As lutas por terra e lutas por territrio, pensadas atravs dascomplexas relaes que associam (e, por vezes, afastam) tais reivindi-caes, consistem no debate orientador desse volume.Enquanto objetos de investigao das cincias sociais, estas duas

    problemticas foram em grande medida construdas de forma disso-

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  • ciada, sendo alvo de esforos tericos em separado por distintos pes-quisadores da rea: de um lado, temos a questo das demandas porterra por parte de grupos camponeses fundados na tradio do traba-lho familiar; e, de outro, estamos diante das demandas por territriopor parte de grupos indgenas e de outros povos e comunidades deten-tores de modos de vida, culturas materiais e formas de uso da terra tra-dicionais e particulares, privilegiados analiticamente tambm em fun-o destas especificidades. Esses esforos tericos paralelos e poucodialgicos entre si foram simultneos a movimentos, tambm parale-los, de elaborao de estratgias polticas pouco comunicantes entreaqueles atores que lutam pela reforma agrria e os que lutam peladelimitao, proteo e demarcao de seus territrios.Colocamo-nos, a partir da, uma srie de questes: como se deu e

    se d, e como se pensou e se pensa, a demarcao entre camponesese/ou trabalhadores rurais e comunidades tradicionais (e.g. ndios,remanescentes de quilombos, extrativistas)? Que diferenas, tenses,mediaes e transies relacionam e separam as reivindicaes porterra e as reivindicaes por territrio, bem como as respectivas iden-tidades associadas a estas lutas? A crescente visibilidade e fora dasdemandas territoriais est vinculada ao enfraquecimento e perdade legitimidade do projeto da reforma agrria clssica?Motivados por tais perguntas e instigados por nossas investigaes

    empricas mergulhamos em uma extensa literatura que transita pordiferentes campos disciplinares. A vastido dessa literatura e esseleque de diferentes disciplinas coberta por ela so, por si s, indciosde quo complexa e interessante a problemtica de pesquisa que tra-amos ao longo dos ltimos anos. Nesse sentido, e com o intuito deampliar o dilogo, decidimos publicar o presente volume: queremoscompartilhar com o leitor algumas das questes e instigaes que vmnos guiando e ainda apresentar a ele prprio a oportunidade de refle-tir a partir destes textos que tanto tm nos estimulado. Justifica-seda a opo pelo formato assumido pelo presente livro, que segue oestilo dos readers, mais comuns no exterior do que aqui no Brasil:selecionamos algumas do que consideramos leituras-chave, delas

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  • extraindo (e produzindo, portanto) aqueles que nos pareceram ser ostrechos mais relevantes para pensar nossas questes.Cada um dos excertos apresentados aqui vem assim antecedido

    por um pequeno comentrio (sempre grafado em itlico) no qual sina-lizamos o qu nesses textos mais nos interessa, assim como assinala-mos suas potenciais articulaes com outras questes. Embora hajauma linha argumentativa que almeja relacionar as diversas sees dovolume, cada uma destas (e mesmo os textos particulares) pode serconsultada independentemente. Buscamos assim oferecer ao leitorcondies que o estimulem a usar este material da forma que melhorlhe convier, conforme suas necessidades ou criatividade; ao mesmotempo, sugerimos e indicamos aquelas que nos parecem ser articula-es e relaes entre os textos particularmente interessantes ou rele-vantes. A organizao do material deu-se considerando o dilogo comum pblico diverso, que abarcasse no apenas acadmicos e estu-dantes universitrios, mas tambm militantes, lideranas e partici-pantes de movimentos sociais e gestores pblicos.

    ****

    A reproduo dos trechos das obras aqui referidas foi possvel emrazo da boa vontade dos editores, autores e/ou herdeiros dos direitosautorais que gentilmente nos autorizaram a sua utilizao.A eles agra-decemos mais uma vez pela gentileza desse ato. Os excertos dos tex-tos redigidos originalmente em outros idiomas foram por ns traduzi-dos para o portugus, com a colaborao de Gustavo Muoz Gaviria.As referncias completas das obras das quais os trechos foram extra-dos so indicadas anteriormente reproduo dos trechos que sele-cionamos, ao longo do livro.

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    APRESENTAO

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  • Introduo:O debate sobre cartografia e processos

    de territorializao - anotaes de leituraHenri Acselrad

    Ahistria espacial do capitalismo descreve dois movimentos: o dabusca de novos horizontes, fronteiras e localizaes para a acu-mulao de riqueza; e o da transformao de espaos pr-exis-tentes, no qual formas sociais no-capitalistas so desestruturadas,extraindo-se delas terra, trabalho e recursos naturais para serem incor-porados aos circuitos da grande produo comercial. Os Estados nacio-nais tiveram e continuam a ter papel de destaque na criao dos meca-nismos de validao e sustentao de ambos os movimentos de repro-duo e expanso do espao da acumulao de riqueza. Assim que,nas trajetrias de ampliao das fronteiras do desenvolvimento capi-talista, povos indgenas foram destitudos de suas terras por um ladoe, por outro, engajados em processos de territorializao, estes definidospor Pacheco de Oliveira (1998) como:

    movimento pelo qual um objeto poltico-administrativo nas colnias fran-

    cesas a etnia, naAmrica espanhola as reducciones e resguardos, no Brasil

    as comunidades indgenas vem a se transformar em uma coletividade orga-

    nizada, formulando uma identidade prpria, instituindo mecanismos de

    tomada de deciso e de representao, e reestruturando as suas formas cul-

    turais (incluindo as que se relacionam ao meio ambiente e ao universo reli-

    gioso) (p. 56).

    1. A reconfigurao dos processos de territorializao

    Nos anos 1980, os referidos processos de territorializao de povos ecomunidades tradicionais foram redefinidos por uma conjuno de fato-res. Os Estados nacionais passaram a ser representados cada vez menos

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  • como fronteiras defensivas de proteo de territrios politicamente deli-mitados, atuando progressivamente como plataformas ofensivas para aeconomia mundial. Verificou-se um movimento de transferncia dearranjos institucionais e redes econmicas para escalas supranacionaise subnacionais: enquanto o dinheiro passava a circular em escalas maisamplas, presses eram exercidas para expandir as fronteiras territoriaisdo mercado e polticas de resistncia exprimiam certo particularismomilitante baseado na identidade e na diferena.Acirraram-se as tensesentre grandes projetos de desenvolvimento agroindustriais, energti-cos e minerrios e os modos de vida, as condies de acesso terra ea seus recursos por parte de povos indgenas e tradicionais. Foram para-lelamente criados novos instrumentos legais institudos no plano inter-nacional e em diversos espaos nacionais, de modo a assegurar direitosespecficos aos membros daquelas comunidades.Nestas novas condies histricas, a espacialidade dos Estados

    viu-se tensionada, sendo estes levados a rever os processos de terri-torializao de povos indgenas e comunidades tradicionais. Foramainda repensados alguns dos instrumentos at ento utilizados paradefinir a prpria territorialidade estatal, em particular no que diz res-peito a seu desempenho como agente articulador dos processos dedesenvolvimento. Organismos de planejamento territorial procura-ram ento ajustar suas ferramentas de representao formal dos ter-ritrios, entre as quais se situavam os mapas, tradicionalmente utili-zados para os fins de afirmao da soberania, localizao de riquezase orientao da ocupao. Sabe-se que os mapas tiveram, original-mente, importante papel na definio da presena do Estadomoderno no espao. Os primeiros mapas de origem estatal tinham aver com a identificao de rotas, a penetrao e a colocao de mar-cos da existncia de riquezas. Outros tipos de mapas serviram paradelimitar as fronteiras dos Estados e, dentro delas, os limites das pro-priedades. Alguns mapeamentos serviram criao de jurisdiesadministrativas para facilitar o controle estatal sobre o territrio nacio-nal. Finalmente, um tipo de mapa, o de zoneamento, pretendeu pres-crever utilizaes para o territrio. Este prprio de um perodo mais

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    INTRODUO

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  • recente da histria dos Estados, quando se pretendeu atingir umnvel elevado de racionalizao das formas de ocupao do territrio,atravs da mobilizao de diferentes saberes cientficos para atribuira cada poro do espao nacional o que se entendia por sua vocao.Assim, tipos de solo, de subsolo, de ecossistemas, de cobertura vege-tal etc. so caracterizados para definir o potencial de produo deriquezas de cada pedao do territrio com o objetivo de inseri-los nochamado desenvolvimento.A noo de territrio esteve geneticamente associada ao domnio de

    validade de uma ordem jurdica estatal, a um modo de existncia doEstado no espao e ao exerccio de sua soberania. Jacques Revel(1989) assinala como o territrio sobre o qual se exerceu a soberaniados Reis foi produzido atravs de diferentes operaes de conheci-mento: a viagem de Estado, o inqurito e, finalmente, o mapa. Oconhecimento do territrio era inseparvel do prprio exerccio dasoberania: a itinerncia do soberano integrava uma poltica espacialpela qual ele, ao mesmo tempo, conhecia o territrio notadamentepara fins fiscais e, ao longo dele, se fazia conhecer; os inquritos pro-curavam recensear patrimnios e avaliar o que os territrios podiamrender ao Estado. Eis porque os mapas so vistos correntemente comoum discurso poltico a servio do Estado, elaborados, primeiramente,para facilitar e legitimar as conquistas, identificando rotas de pene-trao, fixando smbolos da existncia de riquezas e delimitando oslimites do Estado para facilitar o controle centralizado dos domnios.Nas colnias, os mapas serviram como instrumento para despossuir

    indgenas e comunidades negras rurais de suas terras. Pacheco deOliveira (2013) ressalta o fato de que o Estado colonial entrava noslugares e rebatizava rios e montes, demonstrando que no consultavasaberes locais. Rondon, smbolo da pacificao, ocupou vrias reaspara o Estado, rebatizando cursos dgua com nomes de militares e defatos histricos. Criava-se, assim, um outro espao: um espao dacolonizao. Os cartgrafos portugueses faziam mapas em que a pre-sena indgena no estava invisibilizada ou restrita representaode ndios canibais representados atravs de imagens estticas horro-

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    INTRODUO

    rizantes. Eram, sim, cuidadosamente registrados espacialmente osmontes, rios e cabos onde estavam localizados os Potiguara,Tupinamb e outras populaes Tapuias. Logo, tinham uma noobastante precisa da territorialidade dos povos indgenas.Historicamente, portanto, os mapas serviram como instrumentos do

    imprio para despossuir os indgenas e os povos negros rurais de suasterras. No entanto, estas populaes esto assumindo ativamente aao de mapeamento. Os projetos de cooperao internacional sobremapeamento que hoje encontramos atravs de toda aAmrica Latinaalteraram a forma pela qual as pessoas e os grupos expressam suarelao com a terra e entre si, assim como redefiniram a maneira pelaqual confluem a identidade, o territrio e as prticas polticas. Talcomo discutido no presente guia de leitura, os processos sociais epolticos que envolvem a produo de contramapeamentos estoafetando as relaes entre territrio, identidade e direitos.A aprovao da Conveno 169 da OIT, em 1989, veio dar incio a

    uma srie de amplas mudanas polticas nas relaes de indgenas,comunidades negras e extrativistas com suas terras tradicionais nasreas baixas tropicais da Amrica Latina. Dos 20 pases que a ratifi-caram nas ltimas duas dcadas, quatorze eram latinoamericanos.Esta Conveno estabelece uma base legal para os direitos culturais,a autodeterminao e o reconhecimento das terras tradicionais. Almde, uma vez ratificada, converter-se em lei nacional, a Conveno foiincorporada a muitas reformas constitucionais que se generalizaram naregio desde os anos de 1990. Um dos resultados destes desenvolvi-mentos tem sido o mapeamento dos direitos a terras por comunidadestradicionais, indgenas e quilombolas1.

    1 Diversos fatores-chave ajudam a entender a rpida adoo de experincias de mapeamento par-ticipativo e cartografia social na Amrica Latina: as foras do chamado multiculturalismo neo-liberal (Hale, 2002), associadas a reformas constitucionais efetuadas por muitos pases; a rati-ficao, em 1989, da Conveno de Povos Indgenas e Tribais da Organizao Internacional doTrabalho (OIT 169) por 14 pases latino-americanos; o surgimento de movimentos sociais e decomplexas redes, com frequncia globais, que os sustentam; o crescimento de um ambientalismoglobal e a rpida difuso das tecnologias geomticas.

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  • Assim, desde o final dos anos 1980 milhares de pessoas e grupos dediferentes origens que no se pensavam como cartgrafos comea-ram a fazer mapas. Alguns o fizeram com lpis e papel; houve aindamapas elaborados em tecidos ou com materiais como argila e folhas;outros optaram pelo uso de GPS, laptops e software de SIG. O que tal-vez haja de mais interessante nesta recente revoluo da cartografiasocial - ou do mapeamento participativo que, em geral, a reali-zao se dava coletivamente para obter avanos em objetivos espec-ficos pelos quais vinham lutando por muitos anos predominante-mente terra e direitos territoriais. Estima-se, por exemplo, que naAmaznia Legal entre 1988 e 2012 foram reconhecidos e demarcados158 milhes de hectares de terras comunitrias e inalienveis, taiscomo Terras Indgenas, Reservas Extrativistas, Reservas de Desenvol-vimento Sustentvel e quilombos (Vianna, 2014). Ao longo deste pro-cesso, encontramos alguns grupos que, para pressionar ou dialogarcom o Estado, recorreram cartografia social.A ideia do potencial emancipatrio da cartografia feita pelos de

    baixo deveria, porm, ser moderada por uma preocupao com o fatode que os mapas tm consequncias colaterais no intencionadas. Porsua natureza, os mapas usam pontos e linhas para criar lugares e limi-tes; eles tornam esttico o que na realidade so, frequentemente, pro-cessos fluidos e negociados. Assim, os mapas podem ser constitutivosde, e ao mesmo tempo constitudos por, relaes sociais que conectampessoas a lugares, identidades a territrios, e, por essa razo, tm opotencial de criar novas, e com frequncia, perturbadoras relaes depoder. Isto porque os mapas tanto as conformam, como as refletem.

    2. Mapa e poder simblico

    Conforme assinala Wood, os mapas esto enraizados numa hist-ria que eles ajudam a construir (1993, p. 28). Assim que ao mesmotempo em que se padronizaram as observaes, foi-se uniformizandoa representao geomtrica do territrio, moldando o corpo contnuoe abstrato da nao. O mapa passou a ser exibido tanto para dar a vero Reino em sua condio territorial real como em suas ambies tor-

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  • nou-se ummeio privilegiado de afirmao das vontades polticas: vercom os olhos e tocar com os dedos a extenso do territrio. De ins-trumento de gesto fiscal e administrativa, a cartografia passou tam-bm a servir guerra e propaganda das glrias do Reino (Revel,1989). Configura-se nos mapas uma associao forte entre ordemvisual e regime de verdade, atravs da qual o crer se localiza no ver(Balandier, 1987). Possuir a informao geogrfica significava nosomente afirmar a autoridade do poder pela exibio de seus domnios,mas tambm proteger as riquezas que ele continha, cuidando de queningum delas se apoderasse, nem das informaes sobre elas (vide oroubo, em 1502, em Lisboa, do nico exemplar do planisfrio realrepresentando as ndias e o Brasil, que fora desenhado a partir doslevantamentos de Cabral e Vasco da Gama).O mapa teria ainda uma funo simblica: ele disseminaria esque-

    mas de percepo do espao que vo ganhando realidade medida emque o conhecimento do territrio tambm um meio de produodeste territrio. Discutindo a relao entre forma e fora nos mapasliterrios, que espacializam a narrativa de romances, por exemplo,DArcy Thompson (1992) afirma que podemos alar-nos da forma compreenso das foras que a constituram; discernir a grandeza e adireo das foras que intervieram e transformaram uma forma emoutra (p. 1027). Pois, no grande laboratrio da Histria, do qual osmapas nos fornecem a seu modo um dirio de bordo, a fora externadestes grandes processos scio-polticos a varivel independenteque age sobre a estrutura narrativa e revela a relao direta entre con-flito social e forma esttica - a forma podendo ser vista como umdiagrama de foras (Moretti, 2008, p. 107).Edward Said (1995, p. 37-38) j assinalara como h batalhas com-

    plexas que so desenvolvidas no com soldados e canhes, mas comideias, formas, imagens e imaginrios. s disputas de poder sobre osterritrios somam-se, assim, as disputas de poder sobre os mapas, oumelhor, atravs de mapas, gerando uma espcie de inflao carto-grfica. Dessa forma, como lembra Farinelli (2012), realizar o seuprprio desenho o nico meio de no sofrer os efeitos indesejados de

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    INTRODUO

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  • ser desenhado por outros, e sim de control-los. Toda cartografiaimplica afirmaes de pertencimento e de excluso (Cambrzy, 1995).O discurso cartogrfico desdobra-se em um fazer territorial, por

    meio de uma geografia subliminar de valores, de crenas e tambm desilncios. Seus espaos vazios so declaraes afirmativas e nolacunas passivas da linguagem (Harley, 1995). A imagtica espacial,coloca Lussault (2004), um dos mais eficazes instrumentos dereduo da complexidade do mundo por escamoteamento, notada-mente de quase tudo que remete aos vividos e s prticas construtivasdas espacialidades sempre mutantes e proteiformes (que muda deforma constantemente) e, ao mesmo tempo, um espetacular veculode mitologias programadas, ideologias e imaginrios espaciais e pol-ticos. Dentre os silenciamentos hoje claramente identificados, des-tacam-se os relativos espacialidade dos grupos tnicos subalternos,quando se ignoram seus monumentos ou quando os marcos culturaisdistintivos so apagados do mapa por meio da imposio do simbo-lismo ou de uma religio dominante.Por isso, para Harley (1995), o discurso cartogrfico retrico, per-

    formtico e persuasivo, servindo, por um lado, a atos prticos de vigi-lncia, preservao da ordem e controle dos cidados, mas tambmde criao de mitos que convm manuteno do status-quo territorial.Nomundo rural, por exemplo, os mapas cadastrais e fundirios ajudama instituir a propriedade fundiria e seu controle: o gemetra ou o agri-mensor acompanham o proprietrio para difundir as lgicas capitalis-tas na agricultura. Assim como o relgio favoreceu a introduo da dis-ciplina do tempo aplicada aos operrios das fbricas, afirma o autor, omapa ajuda a ditar uma disciplina espacial compatvel com as novas hie-rarquias da propriedade privada da terra (Harley, 1995, p. 31).Por este conjunto de razes, ao longo de seu trabalho de reflexo cr-

    tica sobre a histria da cartografia, Brian Harley mostrou-se pessi-mista quanto possibilidade de ocorrer uma apropriao da linguagemcartogrfica por grupos subalternos. O mapeamento dito participa-tivo, completaram outros autores, seria mesmo um oxmoro, algoimpossvel de se realizar, dada a distncia entre o universo simblico

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    INTRODUO

    dos povos indgenas e tradicionais e aquele acionado pelas tecnologiasdo mapeamento.Crticos de Harley, por sua vez, apontaram limites sua concepo

    do mapa como um gesto de celebrao e glorificao das elites.Andrews (1994), por exemplo, assinalou que muitas excees impe-diriam considerar como vlida tal perspectiva de um modo geral. Eleaponta como exemplo mapas do sculo XIX, frequentemente finan-ciados pelo Estado, que buscaram cartografar a pobreza, o crime, ascondies precrias de habitao, o analfabetismo e a doena empreendimentos esses que seriam dotados de um carter, dizia ele,autocrtico. Ora, tais esforos de espacializao da carncia e datransgresso no deixam de ser iniciativas mais do que relevantes paraas elites, do ponto de vista mesmo da vigilncia, do disciplinamentodos subalternos e da garantia da permanncia das condies de domi-nao. Ou seja, numa perspectiva em nada autocrtica, que Foucaultviria a chamar de biopoltica.A chamada virada territorial que designa o processo de demar-

    cao e titulao de terras envolvendo, a partir dos anos 1990, comu-nidades e povos tradicionais na Amrica Latina (Offen, 2004), fre-quentemente associados a experincias de chamados mapeamentosparticipativos ou de cartografia social - significou, por sua vez, umaquebra do monoplio estatal na produo de mapas, com a instaura-o de uma espcie de insurreio de uso (se usarmos termos deHenri Lefebvre) dos mapas, desencadeando uma espcie de viradacartogrfica simblica, associada aos reclamos por representao eproduo de novos territrios.De acordo comAlmeida (2013), os mapas elaborados pelas prprias

    comunidades so um instrumento complementar do trabalho etno-grfico, que

    leva a etnografia a seu limite, no momento em que a descrio etno-

    grfica estava muito marcada, dado o positivismo, por um vis obje-

    tivista (descrevamos a realidade pelo mapa; o mapa retrataria o ter-

    ritrio). Comeamos a fazer uma dissociao entre mapa e territrio,

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  • comeamos a considerar no mapa aquilo que era relevante para a

    prpria comunidade trabalhar: s entra no mapa aquilo que o grupo

    considera relevante pra ele, aquilo que o grupo considera funda-

    mental para ele.

    3. Do poder simblico ao poder territorial

    Para Offen (2004), os novos mapas afirmam territorialidades e atri-buem poder. Isso confirmado por Nietschmann (1995), para quemmais territrio indgena foi recuperado na ponta de mapas do que dearmas. O prprio Mac Chapin, antroplogo que esteve associado auma das primeiras iniciativas de mapeamento participativo com ind-genas canadenses, reconhece ter desprezado as profundas implica-es polticas do mapeamento territorial, tendo sido tomado de sur-presa pela forma to acelerada em que os povos indgenas comearama obter vantagem do etnomapeamento: o que comeou como umexerccio acadmico na cartografia ambientalista, rapidamente semetamorfoseou em uma forma de cartografia poltica (Chapin eThrelkeld, 2001, traduo nossa.).Joo Pacheco de Oliveira (2013) tambm destaca os efeitos polticos

    do automapeamento. Segundo ele, realizar levantamentos usando amemria indgena sobre o territrio colocar uma bola de neve emao. Os ndios no separam fielmente o que seja um estudo prvio doato de reconhecimento.Ao usar o ato do estudo prvio como afirmaode direitos, o mapa torna-se uma ocasio fundamental para eles. Oestudo prvio transformado num ato de declarao da rea indgenae exibido. Ou seja, para os ndios, em certas circunstncias, ao contr-rio da epistemologia ocidental, o mapa o territrio. Este teria sido ocaso dos Tikuna, que afirmaram seu mapa/territrio perante madeirei-ros, pescadores, prefeitos e, na poca, at contra o poderoso Conselhode SeguranaNacional que administrava o projeto CalhaNorte duranteo governo Sarney. Ainda segundo Pacheco de Oliveira (2013):

    os estudos e os trabalhos sobre o ndio foram absolutamente pioneiros

    em relao a isso, inclusive foram o primeiro processo de incorporao

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    INTRODUO

    administrativa de mapeamentos feitos pelas populaes; isto ocorreu

    a partir da definio dos processos de criao de terras indgenas. A

    ideia, agora, realmente que essa populao seja estabelecida dentro

    das reas que habitam e segundo suas formas de ocupao real daquela

    rea. Ento h, na realidade, uma reverso muito grande do processo.

    [...] No perodo 1986-1992, o Projeto Estudos de Terras Indgenas

    visava exatamente o monitoramento dessas reas pelo Brasil afora.

    Visava ter uma ideia de quais eram efetivamente as posses indgenas

    quando a FUNAI no tinha elementos sobre isso. O resultado desse

    processo foi uma democratizao extraordinria de dados e de uma

    metodologia do material de informao e conhecimento.

    Farinelli (2012, p. 33) chamou a ateno para o fato da cinciageogrfica ter sido pensada simplesmente como um saber relativo aolugar em que as coisas se encontravam, sem que se percebesse que aGeografia decidia antes de tudo a natureza das coisas. E ela o faziaatravs da cartografia como um dispositivo, pelo recurso ao poderabsoluto do mapa, implcito e silencioso, que no tolera nenhuma cr-tica nem correo. H, pois, que se registar a evidente distncia entreas distintas linguagens de representao espacial. Turnbull (2000)destaca, por exemplo, como os mapas aborgenes escondem explici-tamente o que no deve ser mostrado aos que ainda no alcanaramestgios dos processos ritualizados de iniciao e conhecimento. Osmapas ocidentais, por sua vez, apresentam-se como transparentes,mas escondem seus pressupostos. Martin Vidal Trchez (2010), lide-rana Nasa da Colmbia, completa:

    [...] no mapa ocidental, o mensurvel tende a deslocar o imensurvel.

    [...] A insero nos espaos institucionais levou a usar instrumentos

    mais convencionais e mais tcnicos, deixando de lado mtodos pr-

    prios, menos dependentes, mais criativos e mais coerentes com nossa

    cultura quando era necessrio fazer mapas, os fazamos com uma

    vara sobre a terra e, em seguida, o memorizvamos para no deixar

    provas. [...] Donde, agora, os mapas ocidentais so usados para pol-

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  • ticas externas e mapas tradicionais para polticas internas numa

    perspectiva de descolonizao.

    Qual a situao concreta que se configura com o surgimento des-tas disputas simblicas a partir dos anos 1990? Qual o diagrama de for-as que se desenha sob o lema da chamada virada territorial?No que diz respeito ao Estado, verifica-se, a partir dos anos 1990,

    o contexto de globalizao e de redefinio do papel dos Estadosnacionais com transferncia de arranjos institucionais e redes econ-micas para escalas supranacionais e subnacionais: o dinheiro passavaa circular em escalas mais amplas; presses expandem as fronteiras ter-ritoriais do mercado; polticas de resistncia exprimem um militan-tismo baseado na identidade e na diferena. Acirraram-se as tensesentre grandes projetos de desenvolvimento - agroindustriais, energ-ticos e minerrios e os modos de vida, as condies de acesso aterra e a recursos por parte de povos indgenas e tradicionais. As pr-ticas da cartografia passam a ser pressionadas por foras que rearti-culam as disputas territoriais ao campo das disputas cartogrficas.Barroso Hoffman (2010, p. 56), porm, ressalva:

    [...] ao contrrio daquilo que se expressa em grande parte da literatura

    voltada a analisar os contra-mapamentos analisados como prticas de

    mapeamento voltadas a definir direitos territoriais indgenas contra

    o Estado [...] esses mapeamentos se do em completo acordo com o

    Estado e com agncias multilaterais de desenvolvimento, [...] [guar-

    dando] um aspecto estratgico como prticas de ordenamento terri-

    torial que [...] prestam-se a regularizar o mercado de terras.

    No que diz respeito aos campesinatos, ou da passagem da luta porterras luta por territrios, Offen (2004) destaca que

    em si mesma, uma demanda por terra no desafia, necessariamente,

    as regras e regulaes com que se administram os direitos proprie-

    dade, enquanto uma demanda territorial, ao contrrio, evoca questes

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    INTRODUO

    de poder, de afirmao de identidade, de autogesto e controle dos

    recursos naturais. Uma demanda territorial busca redefinir a relao

    dos grupos com o Estado.

    Esta demanda , assim, crescentemente protagonizada por gruposengajados em enunciaes de identidades at ento cobertas pelanoo de campesinato. Autodefinem-se - contra a sua definio porterceiros - e renomeiam/simbolizam espaos correspondentes s suasterritorialidades, que a linguagem cartogrfica oficial desconsidera.Argumentos distributivos universalistas associados a demandas porterra so duplicados ou substitudos por argumentos de reconheci-mento de identidades e particularidades tnicas ou de culturas mate-riais especficas. Aes coletivas sob a forma de lutas territoriaisemprestam, com frequncia, elementos das experincias da territo-rializao indgena, como foi o caso das RESEX e o mapa aparececomo um instrumento de entrada no espao pblico com definioprpria do que se quer mostrar no espao.No que diz respeito aos povos indgenas, observou-se uma politi-

    zao das lutas, com apropriao dos instrumentos operados at entopela dominao, como os mapas. Pacheco de Oliveira (2006) assi-nala como no caso da demarcao das terras indgenas no Brasil, deu-se um processo de politizao das prticas de apropriao territorialantes vista como procedimento tcnico realizado exclusivamente peloEstado, com ndios como mo-de-obra. Barroso Hoffman (2010) res-salvar que ONGs com fora no mercado de projetos, como par-ceiras para-governamentais, com financiamento internacional e,por vezes de grandes corporaes, ganharo peso na definio dasestratgias dos grupos indgenas.No que diz respeito s instituies multilaterais, afirmava um repre-

    sentante do Banco Mundial no ano 2000:

    A sociedade caracterizada por conflitos, muitas vezes sobre o uso da

    terra e seus recursos. A resoluo de conflitos sociais se d atravs do

    processo poltico. O processo tcnico de planejamento tem certa ten-

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  • dncia de esperar que ele, por si s, possa levar a um consenso, a uma

    harmonia social sobre o assunto. Mas o zoneamento no deve ignorar

    a existncia de conflitos de interesses como um fato bsico social.

    Parece, inclusive, que deveria comear logo com o dilogo entre os ato-

    res sobre os problemas e opes por eles percebidos. (Diewald, 2000).

    As principais reservas de biodiversidade no planeta, alm de outrasriquezas inexploradas, encontram-se com frequncia em reas ondecomunidades indgenas so envolvidas em mapeamentos. O BancoMundial tem afirmado que o fato de que as terras reclamadas porpovos indgenas e tradicionais sejam devolutas um grande obst-culo para atrair investimentos privados. O Banco teria, assim, visto natitulao territorial um passo para estabilizar os regimes de propriedadee atrair tecnologias apropriadas a reas de alta biodiversidade (Offen,2004, p. 6). Barroso Hoffman (2010) sustenta que a culturalizao doBanco Mundial est ligada sua ambientalizao. Reconhece-se anecessidade de envolvimento de povos indgenas e comunidades tra-dicionais para o sucesso de iniciativas conservacionistas:

    a defesa de direitos territoriais indgenas passou a se associar a pers-

    pectivas de defesa das florestas tropicais e ao vocabulrio do

    Desenvolvimento Sustentvel, parte integrante do lxico do mains-

    tream do desenvolvimento e tambm de certas organizaes indgenas

    e indigenistas. [...] Criar medidas para mitigar efeitos sobre certos gru-

    pos implicava, em primeiro lugar, o estabelecimento de critrios para

    definir quem eram eles (p. 54).

    Embora j estivesse em vigor a Conveno 169 da OIT, de 1989,reconhecendo a autoatribuio como o critrio principal para a defi-nio de quem era indgena, o Banco Mundial tendeu a assumir cri-trios prprios, favorecendo ideias de vulnerabilidade e de desvan-tagem em relao ao processo de desenvolvimento, acionando par-metros etnocntricos de riqueza, associados ao acmulo de bens emercadorias, para caracterizar estes grupos.

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    INTRODUO

    Charles Hale (2002) chama de multiculturalismo neoliberal os pro-cedimentos de apoio pr-ativo que agentes da liberalizao econ-mica deram a demandas limitadas dos movimentos indgenas comoforma de fazer avanar a sua prpria agenda: cede-se cuidadosamenteterreno, de mandeira precaucionria, de modo a barrar demandas demaior alcance, definindo os limites do campo em que futuras nego-ciaes sobre direitos culturais venham a ter lugar configura-se o queviria a constituir o ndio permitido (p.488). Reformulando as deman-das na linguagem de sua conteno, o Banco apresenta-se comosujeito da definio do espao que o ativismo dos direitos culturaisocupa, assim como dos limites da legitimidade de cada uma de suasdemandas e da ao poltica apropriada para atend-las.De fato, um documento do BancoMundial afirmava em 1998 que

    a etnicidade pode ser uma ferramenta poderosa para a criao decapital humano e social; mas, se for politizada, a etnicidade pode des-truir capital. A diversidade tnica disfuncional quando gera conflitos(World Bank, 2011; Bates, 1998). Pois, conforme afirmaAssies (2003),o projeto neoliberal no trata apenas de polticas econmicas ou dereforma do Estado, mas inclui polticas de ajuste social informadas porum projeto cultural. As reformas neoliberais no foram apenas eco-nmicas, mas um projeto de governo e um projeto cultural; tratava-seinicialmente de reconhecer culturas, embora no de redistribuir recur-sos. Mas o giro territorial advindo implicou tambm em redistribuire no processo de reconhecimento, formaram-se sujeitos que buscaramusar o sistema contra o sistema (Hale, 2010). Hale d o exemplo deblocos multicomunais que em certas circunstncias foram plasma-dos, questionando as ilhas de direitos de comunidades individuaisque o Banco Mundial esperava constituir. O mapeamento foi, assim,fator-chave para promover de baixo para cima o giro territorial, forta-lecendo a luta territorial, empregando o multiculturalismo neoliberalcontra ele mesmo.Dados tais elementos de complexidade, cabe perguntar, afinal:

    Harley estaria errado? A cartografia pode, de fato, ser apropriada porgrupos no dominantes, associando-a a lutas por reconhecimento de

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  • direitos territoriais? A favor de Harley podemos dizer que ele prprioressaltava que os mecanismos de dominao operados pelo discursocartogrfico s poderiam ser entendidos em suas situaes histricasparticulares (1995, p. 48). Se o poder do cartgrafo no se exercediretamente sobre os indivduos, mas sobre o conhecimento que seproduz sobre o mundo (p. 82), ento disputas simblicas e cognitivaspodem perfeitamente emergir, como de fato emergiram, em torno aosaber cartogrfico. Sendo que, por um lado, a disseminao do mapea-mento participativo parece dar razo aos que rejeitam as teses daimpossibilidade de uma cartografia popular, por outro lado persiste,entre os prprios agentes promotores deste tipo de mapeamento, a per-cepo de que ele constituiria um oximoro, dada, notadamente, a dis-tncia entre o universo simblico dos povos indgenas e tradicionais eaquele acionado pelas tecnologias do mapeamento. Reconhece-setambm que, em boa parte das experincias, h um forte protago-nismo por parte de mediadores e instituies financiadoras.Quando, ento, poderamos dizer que h controle poltico do

    mapeamento por parte das prprias comunidades? O balano dasexperincias tende a sugerir que o protagonismo dos prprios gruposocorre quando o mapeamento surge como uma extenso do repertriode dinmicas organizativas j previamente por eles experimentadas eno atravs de uma possibilidade de participao oferecida porinstncias externas aos prprios grupos.Assim que, em contextos de conflito real ou potencial, o mapa

    aparece simplesmente como um instrumento entre outros. Nestescasos, em cada situao, os grupos se perguntam se interessa mapearou no, o que mapear e para que mapear, quais tcnicas empregar,como controlar o resultado dos mapeamentos e como proteger osdados e conhecimentos que eles contm. Procura, assim, conhecer acadeia de atores, detentores de tecnologias, mediadores e agnciasfinanciadoras envolvidos nos mapeamentos, de modo a, efetivamente,se fazerem donos do mapa, determinando quem o sujeito polticodo mapeamento e qual o grau de sua autonomia. Nestes casos, estessujeitos esto sempre colocando-se a pergunta quemmapeia quem?.

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    INTRODUO

    Certos autores vm trabalhando sobre as contradies presentes nosprocessos de mapeamento envolvendo comunidades. Colchester(2002) sugere que estes podem levar a congelar o que, na verdade, sofronteiras e sistemas de uso da terra mutveis. Isto porque so, via deregra, traadas rgidas linhas delimitadoras onde podem prevalecerfronteiras imprecisas e ambguas. Ademais, os mapas podem no sincluir, de forma mais ou menos bem-sucedida, os conceitos dosmapeadores da comunidade, mas tambm excluir os de quem noparticipa do processo, quer sejam pessoas das comunidades (com fre-quncia mulheres) ou das reas em questo (geralmente grupos comsituao social subalterna), assim como pessoas de fora ou localizadasnas fronteiras (comunidades vizinhas e interligadas).Entre as contradies dos processos, Hale (2013) inclui o advento de

    conflitos internos, o estabelecimento de hierarquias dentro dos terri-

    trios, problemas surgidos quando uma comunidade indgena ou

    afroindgena que nunca teve ttulo de propriedade entra na lgica da

    propriedade prpria e das mudanas que se seguem depois de ganhar

    o direito, o ttulo e o reconhecimento legal.

    Frente a isto h, porm, o exemplo de uma soluo inventiva: umaequipe de lideranas comunais estabeleceu que as linhas funcionariamapenas para o Estado, mas, para os grupos, haveria o direito reconhe-cido mutuamente passagem - direitos recprocos entre vizinhos deultrapassar fronteiras.Hale (2010) perguntava-se sobre o que ocorre depois do mapa e

    depois do reconhecimento de direitos territoriais. Existe, por exemplo,a possibilidade de um assdio dos negcios como quando um grupo deinvestidores chega no coletivo de Los Pinos com a oferta de comprardireitos da fonte de gua para construir uma represa: J no nos inte-ressa a terra explicaram nos interessa a gua. E, poderamosacrescentar, a especulao mineral.Fox et alii (2008) tambm observam que as tecnologias de infor-

    mao espacial aplicadas ao mapeamento fazem parte de sistemas

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  • tecnolgicos que pressupem padres relacionais, conceptuais, insti-tucionais, cognitivos e valricos prprios aos mundos de que sooriundos. Donde elas transformam a qualidade das relaes que cons-tituem as situaes, como o discurso sobre a terra e os sentidos doespao. Entre os efeitos paradoxais do mapeamento participativo lis-tam que atores externos tambm podem se beneficiar dos dados como o prprio governo em detrimento da comunidade. Por outrolado, com os mapas atribuindo poder, as comunidades que no tmmapas tendem a ver-se em desvantagem. Finalmente, por vezes cria-se dependncia de recursos e apoio tcnico, gerando descontinuidadenas experincias.No que diz respeito ao sentido das emergentes disputas cartogrfi-

    cas vinculadas a reivindicaes por direitos territoriais, vale discutir apossibilidade de que a multiculturalizao neoliberal seja entendidacomo um deslocamento no sentido de Boltanski e Chiappelo (1999).Estes autores assinalam como, em determindas conjunturas, certosatores exercem uma crtica da distribuio desigual de posies sociais,pondo em questo a ordem existente, assim como os critrios quejustificam a distribuio desigual de poder. Questionado, o capita-lismo precisa tentar reconstituir a implicao positiva e o consenti-mento dos grupos subalternos. Isto ele faz ajustando o esprito docapitalismo e, por vezes, o prprio processo de acumulao ao ten-sionar os critrios de alocao de sujeitos em posies sociais, bemcomo suas justificaes.A isto Boltanski e Chiapello chamam de des-locamentos mudanas organizativas ou de critrios de alocaosocial, efetuadas em termos de fora ou legitimidade, pelas quais ocapitalismo assegura continuidade a seus prprios mecanismos. Osdeslocamentos procuram contribuir, assim, para esvaziar as crticas,desarticular as formas institudas de alocao dos sujeitos em posiessociais relativas, bem como criar novos tipos de critrios de seleo ealocao de sujeitos a posies.Os processos de ambientalizao e culturalizao do Estado e das

    agncias multilaterais como o Banco Mundial parecem ilustrar, dealgum modo, um processo de deslocamento desta ordem: pela ins-

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    INTRODUO

    titucionalizao da crtica ambientalista no seio do prprio projetohegemnico de modernizao ecolgica, assim como de internalizaoda resistncia indgena e quilombola, por via da virada territorial,tendo em vista a sua conteno. Tal processo tensionado, porm, per-manentemente pela emergncia de novos atores, que, ao lado de popu-laes indgenas e quilombolas, se apresentam como sujeitos de direi-tos territoriais especficos, em nome de sua afirmao cultural, polticae ambiental, usando mapas. Citam-se os exemplos das quebradeiras,geraiseiros, cipozeiros, peconheiros, mangabeiras, fundos de pasto,faxinalenses, retireiros, etc.Cabe reconhecer que enquanto processo histrico, tais desloca-

    mentos so, por certo, situados e limitados no tempo. Hale (2010)sugere que o multiculturalismo neoliberal est em sua agonia: pri-meiro, diz ele, haveria uma brecha cada vez mais ampla entre os direi-tos que os governos neoliberais reconhecem aos povos afro-indgenase os que estes efetivamente reclamam; segundo, estaria sobrevindouma presso devastadora sobre os recursos naturais nos territrios -gua, petrleo, minerais e qui bosques produtores de carbono -como motor de uma recuperao da crise cclica da economia global.Os conflitos emblemticos desta agonia so aqueles ocorridos emBagua, Per, e Sipakapa, na Guatemala, onde o punho violento doEstado ps-se em evidncia e o discurso conciliador do multicultura-lismo brilhou justamente por sua ausncia. por isso que Hale (2013) afirma que

    [...] a poca demulticulturalismo neoliberal est se fechando e estamos

    chegando ao final de expanso de duas dcadas de direitos culturais.

    Todo o processo econmico com base na monocultura, extrativismo,

    minerao etc. representa uma ameaa forte para esses territrios.

    Mas este mesmo autor cr que esto em curso mudanas interes-santes na forma pela qual os povos tm reclamado direitos ante a con-tinuao do racismo estrutural que persiste apesar dos direitos multi-culturais reconhecidos.

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  • [...] Muitos protagonistas obtm territrios, obtm direitos, mas esto

    vendo, ao mesmo tempo, que esses direitos no so suficientes. O

    direito propriedade no garantia de que esse territrio v se man-

    ter intacto. Eles buscam, assim, uma estratgia poltica que v mais

    alm dos direitos concedidos pelo Estado.

    Eis pois a pergunta que hoje cabe colocar: podem as experinciasde cartografia social prosseguir como dinmica autoorganizativa rele-vante, mesmo que os Estados venham a desertar o giro territorial?

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    Amrica Latina. Ctedra Fullbright, Universidad del Norte, 10 y 11de agosto de 2004, Barranquilla, y II CicloAnual de Conferencias deGeografa Regin, Espacio y Territorio,Universidad Nacional, 28 y 29de octubre de 2004, Bogot.PACHECO DE OLIVEIRA, J. Uma etnologia dos ndios mistura-

    dos? Situao colonial, territorializao e fluxos culturais. In:Manavol. 4 n.1, abril, 1998.___. Hacia una Antropologia del Indigenismo, Rio de

    Janeiro:Contracapa, 2006.___. Interveno oral na sesso livre Cartografia social e estratgias

    de territorializao. Recife: XVl ENANPUR, Recife, 2013.REKACEWICZ, P. La cartographie, entre science, art et manipula-

    tion. Le Monde Diplomatique, fvrier 2006.REVEL, J. A Inveno da sociedade. Lisboa/Rio de Janeiro:

    Difel/Bertrand, 1989.SAID, E.Cultura e imperialismo. So Paulo: Companhia das Letras,

    1995.THOMPSON, DA. On growth and form. New York, Dover, 1992.

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    INTRODUO

    TRCHEZ, M.V. Algunas reflexiones sobre la experincia em laaplicacin de la cartografa social y los sistemas de informacin geo-grfica participativa em comunidades indgenas y campesinas em elCauca suroccidente de Colombia, Tanscriao da apresentao aoSeminrio sobre Cartografia Social naAmrica Latina. Rio de Janeiro:IPPUR/UFRJ, 2010.TURNBULL, D. Masons, Tricksters and Cartographers. Routledges,

    London, N. York, 2000.VIANNA JR., A. Destinao de terras pblicas devolutas e terras

    comunitrias na Amaznia. In: LACERDA, P. (Org.), Mobilizaosocial naAmaznia, - a luta por justia e por educao. Rio de Janeiro:Epapers/ LACED, 2014, p. 109-118.WOOD, D. The Power of Maps. Routledge, London, 1993.WORLD BANK.Social capital and ethnicity. Washington D.C.,

    2011. Disponvel em: http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTER-NAL/TOPICS/EXTSOCIALDEVELOPMENT/EXTTSOCIALCAPI-TAL/0,,contentMDK:20185286~menuPK:418213~pagePK:148956~piPK:216618~theSitePK:401015,00.html, acesso em 25/11/2014.

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  • Seo I: Cartografias, Cincia,Conhecimento(s) e Representaes

    Apresente seo destina-se ao debate de algumas questes epis-temolgicas, culturais e polticas relativas s prticas de repre-sentao do mundo atravs de mapas. Nesse sentido, somosinstigados por uma srie de questes: Como se d a relao entre oconhecimento produzido pela cincia e aquele que nos proporcio-nado pelos mapas, e por que as cincias e os mapas nos parecem toassociados ao verdadeiro conhecimento (ou ao conhecimento ver-dadeiro)? De que forma os conhecimentos locais aqueles produzi-dos neste laboratrio ou naquela expedio so articulados e trans-formados em formulaes de carter universal? Como podemos com-parar o conhecimento cientfico com outras tradies ou sistemas deconhecimento, e por que os mapas so interessantes para a realizaodestas comparaes?

    Texto 1: DAVID TURNBULL Masons, Tricksters and Cartographers (1)

    As cartografias explicitam como so localmente compostos e articula-dos emaranhados de elementos e prticas heterogneas, os quais, via pro-cedimentos que assegurem a conexo e a equivalncia de outros elemen-tos, podem ser transportados e difundidos para outros lugares. Mais do quesimples metfora, h entre os sistemas de conhecimento cartogrfico ecientfico uma relao sinergtica que os institui como equivalentes. Osmapas no so apenas um tipo particular de conhecimento a ser anali-sado: constitutivos dos modos de pensar das sociedades contemporneas,so a expresso mxima de como efetivamente funciona a Cincia ecomo se do as prticas de conhecimento ocidentais. Por corresponder ple-namente construo do conhecimento cientfico, o mapa passa a ser tido

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    como substituto preciso da realidade. A espacialidade do conhecimentotorna-se autoevidente e, por sua vez, as teorias e a forma prpria da cons-truo do pensamento organizado so consideradas inerentemente estru-turadas como mapas. David Turnbull conclui que a naturalizao daconcepo do conhecimento ordenado da mesma forma que mapasdecorre da coproduo entre as representaes das relaes espaciais e oentendimento da constituio das relaes espaciais.

    TURNBULL, David. Masons, Tricksters andCartographers. Comparative Studies in the Sociology ofScientific and IndigenousKnowledge. London andNewYork: Routledge Taylor & Francis Group, 2000, p. 94-98.

    [...] h tambm uma concomitante transformao em progressoreformando o que entendemos que sejam mapas e o que entende-mos por cincia. Um dos mais importantes temas que tem surgido noestudo da cartografia e da cincia foi produzido por Brian Harley,cujos escritos extensos, mas infelizmente limitados, tm mostrado asformas pelas quais os mapas so textos que podem ser descontrudospara revelar seu poder oculto2. DenisWood no seu iconoclasta e pene-trante livroO Poder dos Mapas tem ido ainda mais longe ao afirmar queos mapas so armas na luta da dominao social3. Temas similaresso, sem dvida, predominantes na sociologia do conhecimento cien-tfico. Joseph Rouse argumenta que as prticas experimentais e te-

    2 HARLEY, J.B. Maps, Knowledge and Power. In: COSGROVE, D. & DANEIELS, S. (eds.)The Iconography of Landscape. Cambridge: Cambridge University Press, 1988, pp. 277-312;HARLEY, J.B. Silences and Secrecy: The Hidden Agenda of Cartography in Early ModernEurope. Imago Mundi, Vol. 40, 1988, pp. 57-76; HARLEY, J.B. Desconstructing the Map,Cartographica. Vol. 26, 1989, pp. 1-20; HARLEY, J.B. & WOODWARD, D. (eds.) The Historyof Cartography, Vol. 1 Cartography. In Prehistoric, Ancient and Medieval Europe and theMediterranean. Chicago: University of Chicago Press, 1987.3 WOOD, D. The Power of Maps. New York: The Guilford Press, 1992, p. 66.

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  • ricas da cincia so elas prprias relaes de poder4. Da mesma formaBruno Latour coloca que o poder e a dominao das cincias devemser explicados atravs do exame da prtica dos cientistas e tcnicos naconstruo e elaborao de redes sociais5.Um passo essencial nessa explicao considerar as formas em

    que os mapas so equiparados ao conhecimento cientfico. As teoriascientficas e sua semelhana com os mapas tm sido tratadas por fil-sofos tais como Michael Polanyi, em cuja perspectiva toda teoriadeve ser considerada como um tipo de mapa desdobrado sobre otempo e o espao6, e Thomas Kuhn, quem ampliou a questo:

    [...] Essa informao fornece um mapa cujos detalhes so eluci-

    dados pela pesquisa cientfica amadurecida. Uma vez que a natu-

    reza muito complexa e variada para ser explorada ao acaso, esse

    mapa to essencial para o desenvolvimento contnuo da cincia

    como a observao e a experincia. Por meio das teorias que encar-

    nam, os paradigmas demonstram ser constitutivos da atividade cien-

    tfica. Eles so tambm, contudo, constitutivos das cincias de outras

    formas [...] os paradigmas fornecem aos cientistas no apenas um

    mapa, mas tambm algumas das indicaes essenciais para a formu-

    lao de mapas. Ao aprender um paradigma, o cientista adquire ao

    mesmo tempo uma teoria, mtodos e padres cientficos, que usual-

    mente compem uma mistura inexplicvel.7

    Mas entre cartografia e cincia concebidas como sistemas totaisde conhecimento que h uma sinergia simblica e simbitica espe-cialmente forte. No somente a imagem do mapa a mais comum das

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    CARTOGRAFIAS SOCIAIS: UM GUIA DE LEITURA

    4 ROUSE, J. Knowledge and Power: Towards a Political Philosophy of Science. Ithaca: CornellUniversisty Press, 1987, p. 248.5 LATOUR, B. Science and Action. Milton Keynes: Open University Press, 1987.6 POLANYI, M. Personal Knowledge: Towards a Post-critical Philosophy. London: Routledge &Kegan Paul, 1958, p. 4.7 KUHN, T. The Structure of Scientific Revolutions. Chicago: Universisty of Chicago Press,1970, p. 108.

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    imagens do conhecimento e das teorias cientficas, como ainda o temamais poderoso que atravessa a histria da cartografia aquele dosmapas sendo crescentemente cientficos e cada vez mais precisosespelhos da natureza. O desenvolvimento de mapas cientficos temsido idntico a uma progressiva, cumulativa e precisa representaogeogrfica da realidade, semelhante ao crescimento da prpria cin-cia8. Assim, a relao mapa/cincia no simplesmente metafrica.Por meio do processo de construo do conhecimento temos criadoum espao naturalizado passvel de ser mapeado, equiparamos agorao conhecimento cientfico aos mapas.Os conceitos de descobrimento e de explorao so uma ins-

    tncia das formas nas quais os processos da cincia e do mapeamentoesto juntamente incorporados. Descobrimento territorial e desco-bertas cientficas esto ambos fusionados com, e mediados por, mapase tm sido frequentemente usados para criar o exemplo clssico dagrande diviso entre culturas orais e escritas. Um recente exemplodeste tipo O mundo em papel de David Olson. Ele cita com aprova-o a Walter Ong:

    Somente depois da imprensa e a extensiva experincia commapas por

    ela criada, os seres humanos pensariam emprimeiro lugar, quando pen-

    saramno cosmos, no universo ou nomundo, em alguma coisa estendida

    frente aos seus olhos, como num atlas moderno impresso, numa vasta

    superfcie ou conjunto de superfcies prontas para serem exploradas.

    O antigo mundo oral conheceu poucos exploradores, embora tenha

    visto muitos itinerantes, viajantes, aventureiros e peregrinos9.

    AssimOlson constri sua grande diviso entre os exploradores cien-tficos com mapas e os viajantes indgenas sem eles. O mapa dos

    8 HARLEY, 1989, op. cit., p. 4. Ver tambm EDNEY, M. Mathematical Cosmography and theSocial Ideology of British Cartography 1980-1820. Imago Mundi, Vol. 46, 1994, pp. 101-116.9 OLSON, D. The World on Paper: The Conceptual and Cognitive Implications of Writing andReading.Cambridge: Cambridge University Press, 1994, p. 205; ONG,W.Orality and Literacy:The Technologizing of the Word. London: Methuen, 1982, p. 73.

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  • Inuit serve apenas como ummnemnico para o j conhecido; o mapa-mndi de Colombo ou Cook serviu como modelo terico para pensaro desconhecido. Olson concorda com Skelton na outra diviso que osde Cook podem ser chamados, sem exagero, dos primeiros viajantescientficos da descoberta10. Eles marcam uma poca no menosimportante no mapeamento do mundo do que na sua explorao11.Sua concluso que:

    Omundo do papel, portanto, no somente forneceu meios para acu-

    mular e armazenar o que cada um sabia. Pelo contrrio, foi uma

    forma de inventar os meios conceituais para coordenar os fragmentos

    de conhecimento geogrfico, biolgico, mecnico, entre outros, adqui-

    ridos de diversas fontes, num adequado marco de referncia comum.

    Este marco de referncia comum tornou-se o modelo terico em que

    o conhecimento local foi inserido e reorganizado. Esse o sentido em

    que eu acredito que a cincia ocidental daquele perodo adquiriu a

    propriedade distintiva de ser cincia terica.12

    [...]. Trinta anos atrs, Marshall McLuhan fez uma reivindicaoque simultaneamente colocou um desafio:

    Os mapas so um veculo primordial para reposicionar, reenquadrar

    e repensar a cincia porque as teorias so mapas, os mapas so cin-

    cia instanciada, sem os mapas a cincia no teria sido possvel. A

    arte de fazer declaraes pictricas de uma forma precisa e repetvel

    tem sido tomada por certa no Ocidente. Mas usualmente esquecido

    que sem impresses e diagramas, sem mapas e geometria, o mundo

    da cincia moderna dificilmente existiria.13

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    CARTOGRAFIAS SOCIAIS: UM GUIA DE LEITURA

    10 OLSON, 1994, op. cit., p. 216.11 Ibid, p. 212; SKELTON, R. Explorers Maps: Chapters in the Cartographical Record ofGeographical Discovery. London: Routledge & Kegan Paul, 1958, p. 243.12 Ibid, p. 232.13 MCLUHAN, M. Understanding Media: The Extensions of Man. New York: McGraw-Hill,1964, p. 157.

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    No intuito de enfrentar o desafio de McLuhan e de repensar aautoevidente racionalidade da cincia e da relao mapa/cincia, deve-mos perguntar, o que aquilo que ns no estamos dispostos a ques-tionar sobre os mapas? Devemos ser especialmente cuidadosos emmanter esta questo emmente quando cartgrafos tais como Robinsone Petchenik perguntam o que pode ter sobre o mapa que to pro-fundamente fundamental? Por que deveria um sistema representa-cional do espao ser to bsico?.A sua resposta sua prpria pergunta o problema de analisar os mapas como comunicao que a met-fora universal resulta ser omapa em si mesmo porque os mapas sosubstitutos do espao.

    Na medida em que experimentamos o espao, e construmos repre-

    sentaes dele, sabemos que ser contnuo. Tudo est em algum

    lugar, e no importa quais outras caractersticas os objetos no com-

    partilham, eles sempre compartilham uma localizao relativa, isso

    espacialidade; daqui a convenincia de equiparar conhecimento com

    espao, um espao intelectual. Isso segura uma organizao e a base

    da previsibilidade, que so compartilhadas por absolutamente todos.

    Esta proposio parece ser to fundamental, que aparentemente

    adoptada a priori.14

    Os cartgrafos Chorley e Haggett reivindicam um nexo comum nalinguagem para argumentar que caracterstico que os mapas deve-riam ser comparados linguagem e s teorias cientficas15. MalcomLewis, um gegrafo histrico, tem argumentado de forma similar emfavor de uma relao evolutiva entre linguagem e conscincia espa-cial16. Denis Wook encontra um desenvolvimento Piagetiano no

    14 ROBINSON, A.H. & PETCHENIK, B.B. The Nature of Maps: Essays Towards UnderstandingMaps and Mapping. Chicago: University of Chicago Press, 1976, p. 4.15 CHORLEY, R.J. & HAGGETT P.Models in Geography. London: Methuen, 1967, pp. 48-9.16 LEWIS, M. The Origins of Cartography. HARLEY &WOODWARD, 1987, op. cit., pp. 51-2.

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  • mapeamento, paralelo com o desenvolvimento cognitivo das crian-as17. Michel de Certeau adverte a centralidade do espao na cons-cincia humana no papel mais trivial e no por isso menos vital decaminhar nas nossas vidas dirias18. A maior parte da essncia destetipo de reivindicao resumida na perspectiva do antroplogo RobertRundstrom no seu trabalho sobre os mapas dos Inuit, no qual mapear fundamental ao processo de dar ordem ao mundo19. Wood con-corda em que mapear, no sentido de desenvolver mapas mentais, umtrao humano comum, mas argumenta que no a mesma coisa quefazer mapas, que para ele amplamente restrito a sociedades comum alto grau de complexidade social20.Uma reivindicao do papel mais fundamental dos mapas no nosso

    entendimento vem do trabalho recente em neurofisiologia, que sugereque o papel do neocrtex humano criar e armazenar memrias comomapas. O etnlogo Talbot Waterman ainda vai mais longe ao afirmarque muitos animais, aves e insetos possuem um senso de mapa21.Tais reivindicaes, embora aparentemente atrativas, so mais pro-

    pensas a refletir a fora da metfora na nossa cultura cientfica e emperguntas que no estamos, portanto, dispostos a colocar, do que aexistncia de mapas nos crebros humanos e animais. Qualquer queseja a etiologia do espacial no nosso conhecimento, estes pesquisa-dores todos assumem a autoevidente espacialidade metafisica doconhecimento. Esta suposio parece capturar a essncia de porque

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    CARTOGRAFIAS SOCIAIS: UM GUIA DE LEITURA

    17 BELYEA, B. AmerindianMaps: The Explorer as Translator. Journal of Historical Geography,Vol. 18, 1992, pp. 267-77; Id. Images of Power: Derrida/Foucault/Harley.Cartographica, Vol.29, 1992, pp. 1-9; Id. Review Article of Denis Woods The Power of Maps, and the AuthorsReply. Cartographica, Vol. 29, 3&4, 1992, pp. 94-99; Id. Inland Journeys, Native Maps.Cartographica, Vol. 33, 2, 3&4, 1992, pp. 66-74; WOOD, 1992, op. cit..18 CERTEAU, M. The Practice of Everyday Life. Berkeley: University of California Press, 1984,pp. 91ff.19 RUNDSTROM, R.A. A Cultural Interpretation of Inuit MapAccuracy.Geographical Review,Vol. 80, 1990, pp. 155-68, p. 155.20 WOOD, D. Maps and Mapmaking. Cartographica, Vol. 30, 1, 1993, pp. 1-9, p. 2.21 Ver, por exemplo, o texto de Treisman & Allman citado por HALL, S. Mapping the NextMillennium: The Discovery of New Geographies. New York: Random House, 1992, p. 17.

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    parece to natural pensar o conhecimento em termos de mapas. Aposio de Robinson e Petchenik sugere um argumento que pode seresboado nas seguintes linhas: os mapas so substitutos do espao; oconhecimento espacial em algum sentido por ele ser estruturado; oconhecimento organizado ou teorias tm ento como mapas. Damesma forma, as colocaes de Lewis sobre o nexo entre espacialidadee estrutura lingustica so extremamente sugestivas. Os dois argu-mentos, porm, falham em colocar a questo de como viemos a acei-tar nossos modos de espacialidade porque eles cedem muito a outraautoevidente intuio aparentemente plausvel; que a realidade sub-jacente a relao topogrfica dos objetos, que eles sempre compar-tilham localizao relativa. este entendimento tido por certo dosobjetos, suas relaes e nossa habilidade de apresentar essas relaesque em parte constitui as formas de vida subjacentes ao pensamentoe cincia ocidentais contemporneos. De fato nossas representa-es das relaes espaciais so coproduzidas com nosso o entendi-mento do que consistem as relaes espaciais. Dada esta dialtica,como romper o aparente crculo?

    Texto 2: DAVID TURNBULL Mapping the world

    A Cincia intenta, por meio da transformao de prticas locais e desor-denadas em narrativas coerentes, a elaborao de teorias universais. Noentanto, para David Turnbull, a questo central consiste em entendercomo conhecimento e tcnica produzidos em circunstncias particularespodem ser transmitidos para outras situaes. Devem ser analisadas, por-tanto, as adaptaes que permitem o funcionamento do conhecimentoem condies diferentes daquelas de sua criao. De acordo com JosephRouse, citado por Turnbull, na Cincia vamos de um conhecimento locala outro mais do que de teorias universais a situaes particulares.

    Embora a sustentao e o transporte das prticas ocorram de diversasformas, estes imprescindem de treinamento e desenvolvimento de habili-dades, bem como da observao do histrico de sucessos e fracassos. Todo

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  • conhecimento , pois, tradicional. Ao analisar os navegadores dePuluwat, Turnbull afirma que um mapa cognitivo dinmico permiteque o sistema de conhecimento local integre-se a conjuntos mais amplosde informao heterognea. Assim, tanto a cincia moderna quanto anavegao do Pacfico dependem de conjunes de foras polticas, eco-nmicas e histricas, ou seja, de tradies, para serem transmitidas tem-poral e espacialmente.

    TURNBULL, David. Mapping theWorld in the Mind. Aninvestigation of the unwritten knowledge of theMicronesian navigators. Deakin Universit, Geelong,Victoria: 1991, p. 23-25.

    Gladwin diz que a navegao dos Puluwat inteiramente um sis-tema de navegao estimada e depende das condies do mar e docu, que so caractersticos da localidade na qual usado22.Por local,Gladwin quer dizer no s que o sistema depende do uso de conhe-cimento e observaes especficas da rea, mas tambm que as tc-nicas usadas so especficas da comunidade de cada ilha. Nas ilhasMarshall, por exemplo, eles usam padres de interferncia de ondapara orientar a direo, enquanto que nas Puluwatans no.Aparentemente, isto pareceria restringir severamente o tipo de conhe-cimento desenvolvido pelos navegantes da Micronsia. Contudo,embora seja verdade que o sistema usa navegao estimada, como jvimos este no simplesmente um sistema de navegao estimada,porque no seu mago h um mapa cognitivo dinmico. esta carac-terstica que lhe permite se movimentar para alm do local.Deveramos agora nos perguntar como o conhecimento natural do

    Pacfico se compara com a cincia de Ocidente no tocante questodo conhecimento local. Thomas Kuhn, o historiador da cincia que

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    CARTOGRAFIAS SOCIAIS: UM GUIA DE LEITURA

    22 GLADWIN, T. Micronesian navigational knowledge. In: East is a Big Bird, p. 144.

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    no seu clssico A Estrutura das Revolues Cientficas23 configurou adiscusso para a maioria da sociologia das cincias subsequente, colocaque grande parte da prtica cientfica tem a ver com solues com-partilhadas para problemas concretos. Este um dos sentidos dotermo paradigma, que fez Kuhn famoso, sendo o outro o uso maiscelebrado no qual o paradigma um esquema terico dominante,como a fsica newtoniana. Joseph Rouse tem reiterado o ponto devista de Kuhn de que o primeiro sentido, aquele de um paradigmacomo uma soluo compartilhada, filosoficamente mais profundo eRouse vai alm afirmando que todo o conhecimento local.

    O conhecimento cientfico antes de tudo sobre o prprio laborat-

    rio (ou clnica, lugar de campo, etc.) Esse conhecimento, claro,

    transfervel fora do laboratrio para uma variedade de outras situaes.

    Mas esta transferncia no h de ser entendida em termos da ins-

    tanciao de reivindicaes de conhecimento vlido em diferentes cir-

    cunstncias particulares aplicando princpios ponte e amarando-os em

    valores locais particulares de variveis tericas. Deve ser entendida em

    temos de adaptao de um conhecimento local para criar outro.

    Continuamos de um conhecimento local para outro em vez de partir

    de teorias universais para suas instanciaes particulares. O ponto

    no dar prioridade a sentenas de ocasies particulares, seno a oca-

    sies particulares isto , ao que fazemos (ou podemos fazer) em

    situaes particulares. Mesmo o nosso conhecimento das teorias [...]

    deve ser explicado no domnio prtico e local.24

    Tipicamente pensamos no conhecimento cientfico como consis-tindo em leis e teorias de aplicabilidade universal, mas, como temargumentado a filsofa das cincias Nancy Cartwright (1983), para

    23 KUHN, T. The Structure of Scientific Revolutions. University of Chicago Press, Chicago:1970. 2 ed. (1 publicao em 1962).24 ROUSE, J. Knowledge and Power: Toward a Political Philosophy of Science. Cornell UniversityPress, Ithaca, NY: 198, p. 72.

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  • que essas teorias sejam aplicadas a uma situao concreta elas tm queser reduzidas a generalizaes empricas mediante a insero de con-dies iniciais25. Isto , para aplicar leis, teorias e outros universais,voc deve usar informao local, que faz com que no sejam maisuniversais. Este no , porm, o motivo do conhecimento cientfico serinerentemente local, e no poder ser aplicado em outras circunstn-cias. Mas, como Rouse aponta acima, o problema de pr o conheci-mento local para funcionar em outras circunstncias uma questo demanter e transportar prticas, mais do que uma questo de teoria. Omesmo verdade para a navegao na Micronsia.

    Texto 3: DAVID TURNBULL Masons, Tricksters and Cartographers (2)

    Por entender que so equiparveis, David Turnbull prope-se a reali-zar uma comparao entre as formas como sistemas de conhecimentotm sido produzidos em diferentes culturas e/ou tempos. O que asseguraa comparabilidade desses sistemas de conhecimento o pressuposto de quetodo conhecimento, inclusive a cincia ocidental contempornea, locale localizado. A articulao de emaranhados de lugares, pessoas e ativida-des tambm a criao de espaos de conhecimento: a desordem situadadas prticas cientficas, que atrelam memria, confiana, uniformidade,histria e autoridade, d coerncia espacial atravs da criao de equi-valncias e conexes. Sistemas de conhecimento apresentam conexo eequivalncia, os quais so produzidos coletivamente e facilitados porrecursos tcnicos e estratgias sociais. Possuem, ento, mobilidade. Taisajuntamentos podem apresentar diversos conjuntos e permitir vrias inter-pretaes e significados, o que torna todo espao de conhecimento, nos ter-mos de Turnbull, um potencial local de resistncia.

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    CARTOGRAFIAS SOCIAIS: UM GUIA DE LEITURA

    25 CARWRIGHT, N. How the Laws of Physics Lie. Clarendon Press, Oxford, UK: 1983.

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    TURNBULL, David. Masons, Tricksters andCartographers. Comparative Studies in the Sociologyof Scientific and Indigenous Knowledge. London andNewYork: Routledge Taylor&Francis Group, 2000, p.19-20.

    Este captulo desenvolve o argumento de que um foco explcito nocarter local da produo do conhecimento fornece a possibilidade deuma comparao completamente qualificada entre as formas em queas compreenses do mundo natural tm sido produzidas por diferen-tes culturas e em momentos diferentes. Comparaes interculturaisdas tradies de conhecimento tm ficado at agora muito ausentes daSociologia do Conhecimento Cientfico26. Uma condio necessriapara comparaes completamente equitativas que as tecnocinciasocidentais contemporneas, mais do que tomadas como definidoras doque conhecimento, racionalidade ou objetividade, deveriam ser tra-tadas como uma variedade particular de sistema de conhecimento,como sendo uma tradio de conhecimento particular. Apesar dossistemas de conhecimento serem diferentes em suas epistemologias,metodologias, lgicas, estruturas cognitivas ou nos seus contextossocioeconmicos, uma caraterstica que todos eles compartilham sua dimenso local. Contudo, o conhecimento no simplesmentelocal, ele localizado. Ele tanto situado quanto situante. Ele temlugar e cria espao. Um arranjo feito de lugares, pessoas e atividadesconectadas; num sentido muito importante e profundo, a criao deum arranjo a criao de um espao de conhecimento. O ajunta-mento da prtica cientfica, sua desordem situada, ganha coernciaespacial pelo trabalho social de criar equivalncias e conexes. Talespao de conhecimento adquire seu ar de tido como certo e sua

    26 Entre as excees h HARDING, S. Is Science Multicultural? Postcolonialisms, Feminisms andEpistemologies. Bloomington: Indiana University Press, 1998; e HESS, D.J. Science andTechnology in a Multicultural World. New York: Columbia University Press, 1995.

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  • natureza aparentemente imutvel pela supresso e negao do traba-lho envolvido na sua construo. Entretanto, como um ajuntamentocomo colcha de retalhos, eles so polissmicos e capazes de teremmuitos modos possveis de montagem e de fornecer interpretaes esignificados alternativos. Daqui que todos os espaos de conheci-mento sejam situaes potenciais de resistncia [...].Espaos de conhecimento tm uma grande diversidade de com-

    ponentes: pessoas, habilidades, conhecimento local e equipamentosque esto unidos por estratgias sociais e dispositivos tcnicos ouengenharia heterognea27. Dessa perspectiva especializada, a uni-versalidade, objetividade, racionalidade, eficcia e acumulao dei-xam de serem caractersticas nicas e especiais do conhecimento tec-nocientfico, ou melhor, estes traos so efeitos do trabalho coletivodos produtores de conhecimento num determinado espao de conhe-cimento. Para deslocar o conhecimento da localidade e momento deproduo e aplic-lo em outros lugares e momentos, os produtoresde conhecimento desenvolvem uma variedade de estratgias e dispo-sitivos tcnicos para criar as equivalncias e conexes entre os conhe-cimentos que, caso contrrio, seriam heterogneos e isolados28. Apadronizao e homogeneizao requerida para que o conhecimentoseja acumulado e produza verdade alcanada por mtodos sociais deorganizao da produo, transmisso e utilizao do conhecimento.Como Steven Shapin tem argumentado, a base do conhecimento no a verificao emprica, e sim a confiana: A confiana , muito lite-ralmente, a grande civilidade. A razo mundana o espao atravs doqual a confiana atua. Ela fornece uma srie de pressuposies sobresi, os outros e o mundo que cravam confiana e que permitem queaconteam tanto o consenso quanto o dissenso civil29. Alm das estra-

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    27 O termo engenharia heterognea usado por John Law. Ver LAW, J. On the Methods ofLong Distance Control: Vessels, Navigation and the Portuguese Route to India. In: ___. Power,Action and Belief, pp. 234-63.28 LAW, J. On Social Explanation of Technical Change: The Case of the Portuguese MaritimeExpansion. Technology and Culture, Vol. 28, 1987, pp. 227-253.29 SHAPIN, S. A Social History of Truth: Civility and Science in 17th Century England.Chicago:University of Chicago Press, 1994, p. 36.

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    tgias sociais, a unio dos componentes heterogneos da tradio doconhecimento alcanada com dispositivos tcnicos que incluemmapas, modelos, diagramas e desenhos, mas que so tipicamente tc-nicas de visualizao espacial.O trabalho de Latour, Collins, Shapin, Star, Hacking e Rouse, entre

    outros, tem mostrado que o tipo de sistema de conhecimento quechamamos de cincia ocidental depende de uma variedade de dispo-sitivos e estratgias sociais, tcnicas e literrias montagens que movi-mentam e engajam conhecimento local para constituir parte do sis-tema de conhecimento. [...] Esta mobilidade requer dispositivos eestratgias que permitam a conectividade e a equivalncia, ou seja, oajustamento do conhecimento dspar ou novo e a representao docontexto e do conhecimento suficientemente similares para tornar oconhecimento aplicvel30. Conectividade e equivalncia so pr-requi-sitos de um sistema de conhecimento, mas no so caractersticos doconhecimento em si mesmo. Elas so produzidas pelo trabalho cole-tivo e facilitadas por dispositivos tcnicos e estratgias sociais.Dispositivos e estratgias diferentes produzem diferentes arranjos e soa fonte das diferenas de poder entre sistemas de conhecimento.

    Texto 4: DAVID TURNBULL Masons, Tricksters and Cartographers (3)

    As estruturas de poder relacionadas s narrativas globais totalizantes,em especial a Cincia ocidental contempornea, so desafiadas por outrossistemas de conhecimento local. David Turnbull associa a afirmao fou-caultiana de que h atravs de diferentes escalas a insurreio material ediscursiva dos saberes subjugados proposta de Clifford Geertz de com-preenso dos significados culturais pautada na nfase dos contextos locais.Acrescenta ainda, brevemente, a crtica elaborada pelos estudos ps-colo-

    30 Nesse sentido, ver LATOUR, B. The Pasteurization of France.Cambridge: Harvard UniversityPress, 1988, p. 170.

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  • niais, que denunciam o carter local e interessado do ocidental, o qualapesar de apresentar-se como universal se elabora na construo doOutro. Turnbull coloca a importncia de manter a oposio dialticaentre local e o global para assegurar a visibilidade de todos os sistemas deconhecimento e a comparao intercultural, pois h para o autor o riscodo relativismo cultural levar formao de novas universalizaes, sub-suno do local racionalidade ocidental e formao de guetos.

    TURNBULL, David. Masons, Tricksters andCartographers. Comparative Studies in the Sociology ofScientific and Indigenous Knowledge. London and NewYork:RoutledgeTaylor&FrancisGroup, 2000, p. 44-45.

    O desafio dos discursos totalizantes da cincia por outros sistemasde conhecimento o que Foucault tinha emmente quando disse queestamos sendo testemunhas de uma insurreio dos saberes subjuga-dos31 e corresponde a uma nfase no local que tem emergido na antro-pologia pelo menos desde a Interpretao das Culturas de CliffordGeertz. Nas suas crticas s teorias globais e com sua nfase na des-crio densa, Geertz indicou que os significados culturais no podemser entendidos no nvel geral porque eles resultam de organizaescomplexas de signos num contexto local particular; que a forma derevelar as estruturas de poder ligadas ao discurso global contrast-locom o conhecimento local32.Igualmente, h um reconhecimento generalizado caracterizado com

    frequncia como ps-colonialismo de que o ocidente tem estruturadoa agenda intelectual e encoberto seus prprios pressupostos atravs daconstruo do outro33. De nenhuma forma isso mais aguado do

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    31 FOUCAULT,M. Power/Knowledge; Selected Interviews and Other Writings 1972-77. NewYork:Pantheon Books, 1980, pp. 71ff.32 GEERTZ, C. The Interpretation of Cultures: Selected Essays. New York: Basic Books, 1973.33 CLIFFORD, J. The Predicament of Culture; Twentieth-Century Ethnography, Literature andArt.Cambridge: Harvard University Press, 1988.

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  • que na suposio da cincia como uma lmina contra a qual todosos outros conhecimentos devem ser contrastados. Na viso deMarcuse Fischer estamos num momento experimental onde estilos deconhecimento totalizantes so suspensos em favor de uma agudaconsiderao de temas como contextualidade, sentido da vida socialpara aqueles que a vivem e explicao de excees e indetermina-es. Nesta nfase no local ns somos ps-paradigmticos34.No obstante, ns no deveramos ser to facilmente seduzidos

    pelos efeitos aparentemente liberadores do local, pois muito fcil per-mitir que o local chegue a ser um novo tipo de imperativo globali-zante35. Para que todos os sistemas de conhecimento tenham voz epara que exista a possibilidade de comparao e crtica intercultural,que a meu ver so essenciais, devemos manter o local e o global emoposio dialtica entre eles36. Este dilema mais profundamentedifcil frente as democracias liberais agora que elas tm perdido oconveniente contraste com o comunismo e que o mundo tem se bal-canisado em grupos de interesse especiais, sejam eles de gnero,raa, nacionalidades, minorias ou quaisquer outros. Ao se movimen-tar comparativamente, existe um grave peri