CARVALHO, José Murilo. História intelectual

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  • 8/6/2019 CARVALHO, Jos Murilo. Histria intelectual

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    Histria intelectual no Brasil: aretrica como chave de leitura *

    Jos Murilo de Carvalho

    A histria intelectual no Brasil: breve retrospecto

    Pode-se dizer que a histria intelectual, ou histria das idias, feita noBrasil, resumia-se at muito recentemente a dois tipos de abordagem.O primeiro, de longa tradio, aproximava-se da prtica, usada na filoso-fia, de expor o pensamento de cada pensador isoladamente. Era uma his-tria centrada no pensador, cujas idias supunha-se possvel interpretar comexatido. Os autores com preocupao histrica acrescentavam reprodu-o das idias algum esforo no sentido de situar o pensador em seu con-texto social. A vinculao entre idia e contexto era mais ou menos estreitade acordo com a convico metodolgica de cada autor. Exemplos dessetipo de trabalho so as vrias histrias do pensamento poltico, jurdico,filosfico, sociolgico, econmico etc., todas de inegvel utilidade.1

    Alguns historiadores das idias iam um pouco alm. Ao invs de estu-darem autores isolados, buscavam agrup-los buscando identificar fam-lias intelectuais construdas em torno de certas correntes de pensamento.Essas correntes eram quase sempre definidas de acordo com as categoriasclssicas de liberalismo, positivismo, socialismo, fascismo. Assim, surgiramhistrias do pensamento positivista, socialista, liberal.2 Alguns buscavamoutras classificaes, como pensamento conservador, autoritrio etc.3 Nessas

    histrias, os pensadores eram agrupados e se discutiam seus pontos de coin-cidncia e de desacordo, estabelecendo-se certa intertextualidade. Hist-rias mais recentes combinam anlise de pensadores, de correntes e de con-texto institucional.4

    * Este artigo uma verso ligeiramente modificada de outro que foi publicado emPrismas.Revista de Histria Intelectual,n 2 (1998), Quilmes. Universidad Nacional de Quilmes, pp.149-168.

    Topoi , Rio de Janeiro, n 1, pp. 123-152.

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    Sem desfazer da importncia desses estudos, mesmo porque eram osnicos disponveis, preciso dizer que continham boa dose de ingenuida-de analtica. Em nenhum caso aparece qualquer discusso metodolgicasobre a natureza do exerccio que se fazia. A crtica no injusta, pois to-dos esses trabalhos foram publicados aps 1936, quando apareceu o livrode Arthur O. Lovejoy,The Great Chain of Being , juntamente com o Journal of the History of Ideas , criado pelo mesmo Lovejoy em 1940. O livro e a

    revista podem ser considerados os marcos iniciais da criao da disciplinaou subrea de conhecimento chamada hoje de histria das idias ou hist-ria intelectual.5 Seria intil buscar nas histrias referidas qualquer discus-so sobre autoria, recepo, linguagem, texto. A autoria era dada como odeterminante principal, se no nico, do texto. A ateno recepo limi-tava-se a alguma vaga informao sobre influncia exercida pelos autoresestudados. No h nada sobre linguagem, texto, ou escritura. Essa litera-tura passava margem dos debates e das teorias sobre o tema desenvolvi-das nos ltimos 50 anos.

    O segundo grupo de estudos prende-se mais s cincias sociais do que

    histria ou filosofia. Com poucas excees, menos abrangente, nobusca fazer histrias gerais de idias, limita-se a um ou outro autor, ou auma temtica. Pode-se dizer que a inspirao predominante desses traba-lhos provm da sociologia do conhecimento tributria de Marx e Mannheim.Predomina o esforo, agora mais sistemtico do que no grupo anterior, deinterpretar as idias como ideologias vinculadas a interesses de grupos eclasses sociais, ou mesmo do Estado.6 Trata-se de anlises mais elaboradase aprofundadas. Algumas, como a de Lamounier, assemelham-se abor-dagem de Pocock, na medida em que buscam descobrir e caracterizar lin-guagens particulares, como a da ideologia do Estado.7 Incluem-se tambm

    neste grupo de estudos, os esforos de desenvolver uma sociologia dos inte-lectuais.8 A abordagem presa sociologia do conhecimento, ao lado das contri-

    buies inegveis, traz tambm limitaes. A nfase no autor simples-mente deslocada para o contexto, em geral definido em termos de modosde produo ou conflitos de classes. O contexto determina o pensamento. As limitaes dessas anlises ficam claras num rumoroso debate travado na

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    dcada de 70 sobre o lugar das idias. Trata-se do debate entre RobertoSchwarz e Maria Sylvia de Carvalho Franco.9 Simplificadamente, Schwarzafirmou que as idias, sobretudo o liberalismo, no Brasil do sculo XIX epelo menos at 1930, estariam fora do lugar. O liberalismo teria surgidona Europa como produto ideolgico do capitalismo triunfante. Importa-do para um pas em que predominava o modo de produo escravista, eledeixava de ser at mesmo uma ideologia ocultadora da explorao do tra-

    balho, como era na Europa. Tornava-se comdia ideolgica, um diverti-mento das elites vazio de sentido, reduzido a um verbalismo ornamental.Franco respondeu que o Brasil, embora escravista, era parte integrante dosistema capitalista mundial. No haveria nenhuma distino essencial en-tre as partes do sistema, todo ele voltado para o lucro. As idias importadasestariam assim no Brasil perfeitamente em seus lugares. Sua produo ecirculao seriam determinadas internacionalmente pelo sistema capitalistaglobal. A autora, ao final, acusou Schwarz de retrocesso ideolgico porseparar a condio brasileira do capitalismo internacional, arrefecendo as-sim a radicalidade da crtica ao sistema capitalista.

    Apesar da divergncia ideolgica, que se pretende radical, do pontode vista do estilo de anlise, da teoria do conhecimento, os dois opositoresno se distinguem, esto no mesmo campo. Ambos analisam as idias apartir da hiptese de sua radical determinao pelo contexto social. E ocontexto definido de maneira estreita como modo de produo. Fora destadeterminao, as idias perdem seu contedo, mesmo ideolgico, e se tor-nam comdias inteis. Schwarz, pelo menos, ao admitir o que chama deuma ideologia do favor que regeria as prticas sociais entre senhores, noreduz os brasileiros a meros macaqueadores dos europeus, totalmente des-titudos de criatividade. Mas, naturalmente, a ideologia do favor , ela tam-

    bm, produto das relaes sociais geradas pelo modo de produo escravista.Em anos recentes, sobretudo em teses universitrias, algumas aindano publicadas, j se percebe a incorporao nas anlises das novas aborda-gens, seja explicitamente,10 seja sans le dire.11 Esto presentes nesses tra-balho, como no de Lamounier, um tratamento explcito do estilo, ou aexplorao de valores meta-histricos que configuram os textos, ou a bus-ca de linguagens (no sentido de Pocock) historicamente construdas e trans-

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    mitidas de texto a texto ao longo de extensos perodos histricos. Um bomexemplo aqui o esforo de reconstruir a linguagem do americanismo edo iberismo ao longo de mais de um sculo de histria.12

    Apesar desses avanos, preciso reconhecer que h ainda pouca pro-blematizao na pratica da histria intelectual no Brasil. As incorporaesde novas abordagens tm sido feitas de maneira um tanto informal e frag-mentada. A crtica literria tem avanado muito mais rpido e tem ido mais

    longe sobretudo, como era, alis, de esperar, na incorporao do debatelingstico e da teoria da recepo. A fecundao mtua entre a crtica lite-rria e a histria intelectual certamente poderia trazer avanos mais signi-ficativos.

    Tem faltado, sobretudo, uma reflexo mais aprofundada sobre os pro-blemas especficos enfrentados pela histria intelectual em pases ps-co-loniais. A proximidade ocidental, gerada em um processo de dominaocolonial de longa durao, torna particularmente complexa a tarefa de in-terpretar a vida intelectual desses pases. No se quer com isso dizer quesejam eles os nicos a importar idias. A circulao de idias fenmeno

    universal. A Revoluo Francesa foi tributria de idias e valores estticosdo mundo antigo, sobretudo de Roma, o mesmo podendo ser dito daRevoluo norte-americana. Parece, no entanto, que a iberoamrica apre-senta pelo menos duas caractersticas que a tornam distinta, no ponto queaqui me interessa, de outros pases gerados pela expanso europia. A pri-meira tem a ver com o fato de ter sido a colonizao controlada pelo Esta-do metropolitano. De particular importncia aqui foi o controle do siste-ma educacional, exercido pelo Estado e pela Igreja oficial. Mesmo onde aeducao superior foi mais difundida, como nas ex-colnias espanholas, ocontrole sobre currculos, compndios, idias e mtodos didticos, era ri-

    goroso. No caso da colnia portuguesa, o controle era ainda muito maisrgido, uma vez que se proibiu a criao de universidades e escolas superio-res na colnia, obrigando-se os coloniais a buscarem o ensino superior nametrpole.

    A segunda caracterstica, j com freqncia apontada, refere-se tra-dio ocidental a que se filiou a iberoamrica, chamada tambm por JosGuilherme Merquior, inspirado pelo instigante trabalho de Richard Morse,

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    de o outro ocidente.13 Esta caracterstica importante no apenas pelasdiferenas entre a Ibria e o mundo anglo-saxnico no campo das idias,dos valores, das vises de mundo, salientados por Morse, mas tambm peloscontrastes no campo da linguagem, dos estilos de pensar, dos modos dediscurso, das prticas retricas. Esta ltima especificidade parece-me noter sido adequadamente estudada. Ela , no entanto, central diante dolinguistic turn que tomou conta da histria intelectual. A virada lingustica

    no pode ser ignorada, mesmo que no se admitam as posies radicaisque reduzem tudo a linguagem ou a texto.

    O estilo retrico

    ... a verbiagem oca, intil e v, a retrica, ora tcnica, ora pomposa...

    Manoel Bomfim

    A ltima observao acima leva discusso das peculiaridades cultu-rais ligadas a estilos de pensamento. Ao ler certa vez um texto de Oliveira

    Viana, deparei-me com uma observao que serviu para chamar minhaateno para um ponto que antes no me tinha parecido importante. Vianaexplicava a pequena repercusso da obra de seu mestre, Alberto Torres, pelofato de que Torres quase no citava autores estrangeiros. Seus textos refe-riam-se quase sempre s suas prprias obras. Segundo Viana, tal ttica noBrasil era fatal. Sem citao de autoridades estrangeiras, nenhum pensa-dor nacional seria levado a srio. Pondo em prtica sua receita, Viana sem-pre citou abundantemente, embora fosse, sob muitos aspectos, um pensa-dor original. Vrios estudiosos j observaram, alis, a maneira peculiar quetinha de citar, deturpando muitas vezes o pensamento do citado em bene-

    fcio da confirmao de suas teses. A observao de Oliveira Viana lembrou-me estudo anterior que fi-zera sobre os debates no Conselho de Estado Imperial. O Conselho eraformado por nmero pequeno e selecionado de pessoas (12 conselheiros,mais um ministro e o Imperador). Os conselheiros formavam o topo daelite poltica da poca. Tratava-se de um grupo homogneo de pessoas queno tinha diante de si um auditrio diversificado e mal informado que fosse

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    necessrio impressionar e convencer pela exibio de erudio. No entan-to, l tambm, as falas eram marcadas por abundantes citaes de autoresestrangeiros, alm de muitas expresses latinas. O mais curioso que fre-qentemente a mesma autoridade era usada para justificar posies diver-gentes. Podia acontecer tambm que a citao fosse feita para sancionarum determinado discurso que, no entanto, seria abandonado na hora dovoto sobre questes prticas. O conselheiro lamentava, ento, que as cir-

    cunstncias do pas o obrigassem a afastar-se da boa doutrina, quase sem-pre postulados liberais.14 Achava-me claramente diante de um fenmeno que tinha a ver com

    estilos de pensamento e de discurso. Outras pistas apontando para a mes-ma direo j tinham surgido em outros estudos sem que eu lhes desse aateno devida. Um dos mais famosos discursos feitos no Senado imperialficou conhecido como o discurso do sorites, ou como o sorites de Nabu-co, referncia a seu autor, o senador Jos Toms Nabuco de Arajo. Odiscurso foi pronunciado em 1868, em meio a uma grave crise poltica,marcada pela volta dos conservadores ao poder em substituio aos libe-

    rais. O sorites era o seguinte:O Poder Moderador pode chamar a quem quiser para organizar minist-rios; esta pessoa faz a eleio, porque h de faz-la; esta eleio faz a maioria.Eis a o sistema representativo do nosso pas.15

    Nabuco fazia uma denncia contundente do mecanismo representa-tivo do Imprio e sem dvida o tema do discurso afetou sua repercusso.No entanto, o surpreendente que o discurso ficou conhecido no pelotema o ou pelo argumento, mas pela forma, tirada dos compndios de l-gica.16 O prprio Nabuco anunciou a forma do raciocnio ao dizer: Vede

    este sorites fatal, este sorites que acaba com a existncia do sistema repre-sentativo. O anncio mostra que o senador estava plenamente conscientedo que fazia: ele quis formular suas idias em um sorites, sem dvida con-vencido do impacto que a forma poderia ter entre seus ouvintes. A formatinha tanta fora que foi transmutada em agente poltico: o sorites quedestri o sistema representativo. Uma indicao do impacto do sorites dada pelo fato de que 31 anos depois Alberto Sales, intelectual da Rep-

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    blica, o retoma e o refaz para descrever o sistema representativo do novoregime:

    O presidente da Repblica faz os governadores dos estados; os governado-res fazem as eleies; e as eleies fazem o presidente da Repblica.17

    Voltando a Oliveira Viana, encontram-se em sua obra freqentes eenfticas crticas tendncia brasileira, sobretudo dos polticos liberais, paraa poltica silogstica, para o bacharelismo e o verbalismo. Bem antes dele,outro ensasta, mdico de formao, Manoel Bomfim, fizera longa catili-nria contra a ausncia de esprito de observao e o predomnio do dis-curso livresco, no s no Brasil mas em toda a Amrica Latina. Seja-mepermitido fazer uma citao mais longa:

    Por toda a parte, a verbiagem oca, intil e v, a retrica, ora tcnica, orapomposa, a erudio mope, o aparato de sabedoria, uma algaravia afetadae ridcula, resumem toda a elaborao intelectual. O verbocinante o sbio.[...] Vem da esta mania de citao, to generalizada nas elucubraes dosletrados sulamericanos; quem mais cita mais sabe, um discursador umhomem apto para tudo. Aceitam-se e proclamam-se os mais altos repre-sentantes da intelectualidade: os retricos inveterados, cuja palavra abun-dante e preciosa impe-se como sinal de gnio, embora no se encontremnos seus longos discursos e muitos volumes nem uma idia original, nemuma s observao prpria.18

    Um pouco depois de Oliveira Viana, Srgio Buarque de Holanda fa-ria observaes semelhantes sobre a natureza retrica dos brasileiros.19 Obrasileiro, segundo ele, teria pouca estima s especulaes intelectuais. Teriaantes amor frase sonora, ao verbo espontneo e abundante, erudioostentosa, expresso rara. Inteligncia, para o brasileiro, seria antes or-

    namento e prenda, no instrumento de conhecimento e de ao. Umaconseqncia desse prestgio da palavra escrita, dessa crena mgica no poderdas idias, seria o bacharelismo, a fascinao com o ttulo de doutor. Ten-tando fazer uma sociologia do fenmeno, Holanda o atribui averso aotrabalho manual, prpria de uma sociedade em que por muito tempo do-minou o escravismo, e conseqente exaltao da atividade mental, dotalento. Concordando ou no com sua sociologia, interessa aqui registrar

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    o diagnstico da importncia, na cultura nacional, da palavra sonora, dafrase bem feita, da retrica enfim.

    No seria difcil multiplicar observaes do mesmo gnero. Elas cor-respondem ao que no sculo passado se chamava, no discurso poltico, dedeclamao. A declamao equivale em retrica parte chamada de elo-cuo, que era sem dvida do conhecimento dos polticos, professores eadvogados da poca. Mas o que mais chama a ateno na citao de Manoel

    Bomfim no a crtica retrica vazia. o estilo retrico em que a crtica feita. O autor, apesar de sua formao mdica, supostamente tcnica ebaseada no oposto do bacharelismo, isto , na observao dos fatos e nono brilho da palavra, gasta sete pginas para falar mal da verbiagem e o fazno melhor estilo retrico, florido e cheio de redundncias e repeties. Paraseu crdito, consegue citar nas sete pginas apenas um autor estrangeiro(G. Tarde). Mas no resto do livro no faltam citaes de Darwin, Spencer,Heackel, Virglio, Goethe, e muitos outros. No h prova mais convin-cente do predomnio da retrica do que o fato de se recorrer a ela para aatacar.

    Razes histricas

    Todo lugar teatro para a retrica.Verney

    O peso da retrica facilmente explicado pela anlise da tradio es-colstica portuguesa, sobretudo a que predominou no Colgio das Artes ena Universidade de Coimbra. Por essas duas instituies passaram muitosmembros da elite poltica e intelectual brasileira da primeira metade dosculo XIX. O Colgio das Artes, onde se faziam os estudos menores, in-clusive de retrica, foi dominado pelos jesutas desde 1555. Por meio deleos padres da Companhia controlavam tambm os estudos da Universida-de, uma vez que era passagem obrigatria para todos os candidatos aos cursosuniversitrios. O controle tornou-se mais rgido a partir da introduo, em1639, daratio studiorum, o mtodo de estudo jesutico, e durou at 1759,quando os jesutas foram expulsos de Portugal e do Brasil.

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    No perodo de dominao jesutica, chamado da segunda escolsticaportuguesa, dominou a ortodoxia: Santo Toms e Aristteles. O professorque no pudesse concordar com Santo Toms em determinada questo de-veria omitir a questo. E as divergncias que escapavam ratio studiorumcaam nas malhas da censura do Santo Ofcio. As duas instituies manti-veram Portugal isolado dos avanos da cincia moderna que se verificavamno norte da Europa. Enquanto os mtodos modernos de investigao e

    raciocnio se desenvolviam em outros lugares, sobretudo na Inglaterra, alu-nos e professores do Colgio das Artes e da Universidade de Coimbra ocu-pavam-se emdisputationes escolsticas, citando como autoridades ltimas,alm da Bblia, Aristteles e Santo Toms.

    A reao anti-jesutica, liderada por Pombal, atingiu em cheio o Col-gio e a Universidade, afetando tanto os estudos menores como os maiores. A reforma dos estudos menores se deu em 1759, a da Universidade em 1772. A filosofia e os planos da reforma basearam-se na obra do frade oratorianoLus Antnio Verney. Seu polmicoVerdadeiro Mtodo de Estudar , publica-do em 1746, foi escrito de propsito para combater, e substituir, aratio

    studiorum.20

    Dentro das preocupaes pragmticas de Pombal, a reformabuscava recolocar Portugal em posio digna dentro do mundo civilizado epolido da Europa, posio de que fora afastado, assim acreditavam ospombalinos, pelo predomnio da escolstica jesutica. A civilizao eram ascincias e suas aplicaes prticas. conseqentemente, a reforma buscouintroduzir novas matrias, ou reformar o contedo e o mtodo de ensinode matrias antigas. No primeiro caso, foram introduzidas na Universida-de a matemtica e a filosofia, entendendo-se por este termo as cincias na-turais, a fsica e a qumica. No segundo, reformou-se, dentro dos estudosmenores, o mtodo do ensino do latim e a concepo da retrica.

    No que se refere ltima, no houve, como se poderia esperar, umatentativa de extino. Longe de pregar seu abandono, Verney buscara mo-dificar-lhe o contedo e ampliar seu alcance. As cartas 5 e 6 doVerdadeiro Mtodo de Estudar , dedicadas retrica, eram um ataque cerrado ao maugosto da oratria portuguesa, ao excesso de ornamentos estilsticos, afe-tao, ao abuso dos tropos de linguagem. Com abundncia de exemplostirados de sermes, discursos e outros tipos de escrita, Verney mostra o vazio

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    e o ridculo em que incorriam os oradores e autores. Ridiculariza o excessode citaes de frases e de autores, as citaes fora de propsito, as repeti-es inteis, a exibio ftil de erudio, os ttulos estrambticos e obscu-ros e at mesmo a impercia na elocuo (na qual os italianos eram os mes-tres). E acusa: Esto todos persuadidos que a eloqncia consiste na afeta-o e singularidade e, por esta regra, querendo ser eloqentes, procuramde ser mui afectados nas palavras, mui singulares nas idias, e mui fora de

    propsito nas aplicaes.21

    Dito de outro modo, Verney estava acusandoos portugueses de praticarem uma retrica barroca. Na clssica definiodos fins da retrica docere, delectare, movere, o barroco portugus enfa-tizava o delectare. Verney queria que a nfase fosse no movere.

    Mas, segundo ele, o problema no estava na retrica, estava na igno-rncia do que fosse a retrica. Como arte de persuadir, ela utilssima, aplica-se a todas as circunstncias da vida: todo lugar teatro para a retrica. Osportugueses simplesmente ignoravam o que ela fosse, seja por no a estu-darem, seja por a estudarem em pssimos manuais (jesuticos). Quem noa estudava no sabia, quem estudava, sabia menos ainda. O que era preciso

    era reformar radicalmente a concepo de retrica e o mtodo de ensin-la. Na tradio de Quintiliano, queria levar a retrica para a rua, para to-dos os domnios das relaes humanas.

    O alvar rgio de 1759 que reformou os estudos menores trazia emanexo umas Instrues para os professores de retrica. Nelas, no espritode Verney, se fazia o elogio da utilidade da retrica, cincia que

    ordena os pensamentos, a sua distribuio e ornato. E, com isto, ensina to-dos os meios e artifcios para persuadir os nimos e atrair as vontades. ,pois, a retrica a arte mais necessria no comrcio dos homens, e no s noPlpito ou na Advocacia, como vulgarmente se imagina. Nos discursos fa-

    miliares, nos negcios pblicos, nas disputas, em toda a ocasio em que setrata com os homens, preciso conciliar-lhes a vontade e fazer, no s queentendam o que se lhes diz, mas que se persuadam do que se lhes diz e oaprovem.22

    O mal da retrica jesutica, continua a Instruo, era que se reduzia inteligncia dos tropos e das figuras, parte mnima e menos importante.Os tropos e figuras so os andaimes do edifcio dos discursos. Sem eles no

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    possvel construir, mas no devem aparecer depois de pronta a obra. Osprincipais autores antigos recomendados pela Instruo so Quintiliano,adaptado por Rolin, Ccero, Aristteles e Longino.

    Tal posio significava que, no que se refere retrica, a reforma, lon-ge de esvazi-la, reforou sua importncia e lhe ampliou o alcance. Os es-pecialistas no estudo das reformas pombalinas so unnimes em afirmarque, de modo geral, as mudanas no foram radicais. Uma das razes para

    isto foi, naturalmente, a queda de Pombal aps a morte de D. Jos I em1777. Sem o patrocnio do ministro, o movimento reformista perdeu vi-gor e regrediu. Outra razo foi mais profunda. O contedo humanista dareforma dos estudos menores no abria mo da importncia das LetrasHumanas (lnguas, retrica e potica) como base de todo o conhecimen-to. Apesar da influncia de Locke, de seu utilitarismo e experimentalismo,sobre Verney, teria sobrevivido, segundo Joaquim de Carvalho, o arcabou-o expositivo do pensamento escolstico.23

    A poltica reformista exigiu, a partir de 1763, aprovao em exame deretrica para admisso Universidade de Coimbra. Para preparar os can-

    didatos, foram criadas, desde 1759, aulas rgias nas principais cidades dametrpole e da colnia. As aulas rgias substituam os colgios dos jesu-tas, seus professores eram aprovados, nomeados e pagos pelo Estado. Elasincluam o ensino do vernculo, do latim, do grego, da retrica, da poticae da filosofia racional. Apesar do pequeno nmero de aulas rgias criadasna colnia, pode-se dizer que no incio do sculo XIX qualquer pessoa comalguma educao acima da alfabetizao elementar, em Portugal ou noBrasil, teria passado por elas e, portanto, teria alguma formao em retri-ca.24 Em 1827, quando se criaram as escolas de direito no Brasil, entre osexames preparatrios exigidos para ingresso estava o de retrica. Mais tar-

    de, em 1838, foi criado no Rio de Janeiro o Colgio de Pedro II, equiva-lente ao Colgio das Artes de Coimbra. Suas cadeiras, inclusive a de ret-rica e potica, eram preenchidas por concurso, e foram muitas vezes ocu-padas por figuras de proa da cultura nacional. Vrias teses de concurso forampublicadas.

    A importncia dada retrica revela-se, ainda, no fato de que, aps achegada da corte do prncipe d. Joo ao Brasil, em 1808, um de seus prin-

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    cipais conselheiros, Silvestre Pinheiro Ferreira, mais tarde feito ministro,abriu um curso de filosofia e de terica do discurso e da linguagem. Notendo encontrado manuais adequados, redigiu ele mesmo um compndiopublicado entre 1813 e 1820 sob o ttulo dePrelees Philosophicas .25Suaviso da retrica se parecia com a de Verney e se aproxima da que defen-dida hoje por aqueles que procuram resgatar a disciplina da m fama que aacompanha.26 Para o autor dasPrelees , a retrica no deveria separar-se

    da lgica e da gramtica, a teoria do raciocnio no deveria separar-se dateoria da linguagem. Isto , a arte de pensar no se devia separar da arte defalar com clareza, a retrica no devia ser enfeite mas instrumento cotidia-no de argumentao e persuaso.

    Outro indicador da divulgao dos estudos de retrica um compn-dio de Bento Soto-Maior e Menezes, publicado em 1794. IntituladoCom- pndio Rhetrico ou Arte Completa de Rhetrica, o livro de 300 pginas pre-tende apresentar um mtodo fcil de aprendizado para os curiosos que noquerem freqentar aulas.27Isto , era uma espcie de livro que hoje poderiater o ttulo de retrica para todos, ou manual do perfeito retrico. Que

    o autor se tenha disposto a escrever um compndio de tal amplitude comtal finalidade indica sua convico da existncia de nmero razovel de cu-riosos fora dos circuitos acadmicos, indica certa popularidade, se assim sepode dizer, da retrica ou da cincia do falar bem, como ele a define.

    O contedo do texto segue o esprito da reforma de Verney. Os mes-tres da retrica, para Menezes, so Ccero e Quintiliano. A retrica desti-na-se a ensinar, deleitar e mover. Seu fim precpuo persuadir, conseguir aadeso das pessoas. Divide-se de acordo com a natureza dos argumentosutilizados. Os argumentos podem ser demonstrativos ou laudatrios, pr-prios para os panegricos (epitalmios, genetlacos, oraes fnebres); de-

    liberativos ou suasrios, que geram discursos sobre o til e o honesto (pe-ties, admoestaes, recomendaes, concitaes); e judiciais, prpriospara a defesa e acusao no foro.

    Dois outros pontos do compndio merecem referncia pela impor-tncia que tm para a prtica do debate poltico. O primeiro liga-se op-o pela tradio romana da retrica cvica (Ccero e Quintiliano) distintada tradio formalista aristotlica. A retrica ciceroniana, Menezes quem

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    fala, exige do orador virtude, bondade, prudncia, benignidade. Os costu-mes do orador, e daquele que por ele patrocinado, devem ser recomen-dveis. A no ser assim, o orador no passar de um rbula enganador eno convencer ningum. O que isto quer dizer que na retrica, ao con-trrio da argumentao puramente racional, destinada apenas a conven-cer, a qualidade moral do orador vale tanto quanto a qualidade de seusargumentos. Isto significa tambm que na retrica se pode admitir o argu-

    mentoad hominem, ou mesmoad personam, isto , a tentativa de desqua-lificar o opositor atacando sua qualificao moral. O outro ponto a ob-servao de que na retrica fundamental levar em conta a audincia paraque se fala. As audincias, nota o autor, variam muito em ndole, engenho,educao, conduta, costumes; variam segundo as naes, reinos e mesmoprovncias. O tipo de audincia determina o estilo do orador e os argu-mentos a serem utilizados. bvia a proximidade desta observao com atemtica moderna da leitura e da recepo.

    Logo aps a criao do Colgio de Pedro II, um antigo professor deretrica de um liceu em Pernambuco, Lopes Gama, padre e militante da

    imprensa na dcada de 1830, publicou um vasto compndio dedicado eloqncia nacional.28 Nele exaltava a importncia da retrica e buscavaadapt-la ao idioma brasileiro. Seus mestres so os mesmos de Menezes: Aristteles, Ccero e Quintiliano, alm de vrios autores modernos. LopesGama d nfase parte da retrica dedicada elocuo, isto , maneirade dizer, pois a, segundo ele, que est a fora da eloqncia: ... por quantoas cousas no valem tanto pelo que dizem, como pelo modo, e theor, por-que se dizem.29 Pelo resto, o compndio de Gama no se distingue muitodos anteriores, denunciando a fora da tradio do ensino da retrica.

    A importncia dos manuais de retrica e o papel do Colgio de Pedro

    II no ensino desta disciplina durante o sculo XIX foram bem estabeleci-dos por Roberto Aczelo de Souza. Este autor levantou 34 publicaes so-bre retrica e potica, em geral tratadas conjuntamente, feitas entre 1810e 1886. Os autores incluem alm de Silvestre Pinheiro e Lopes Gama, outrafigura conhecida da poltica nacional, Frei Caneca, e vrios professores doPedro II. Aczelo concentra seu estudo na influncia da retrica sobre a li-teratura.30

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    A retrica como chave de leitura.

    ... as cousas no valem tanto pelo que dizem, como pelomodo, e teor, porque se dizem.

    Lopes Gama

    A recuperao da tradio retrica teve por finalidade explorar a pos-sibilidade de us-la como instrumento de trabalho na prtica da histria

    intelectual. No preciso lembrar que tal exerccio tem diretamente a vercom a virada lingustica na filosofia, depois transplantada para a crticaliterria e para a histria intelectual. A virada lingustica refere-se precisa-mente recuperao da dimenso retrica do discurso. Observo apenas queminha aceitao da importncia de se levar em considerao a dimensolingustica no implica a adeso a posies radicais, como a da hermenu-tica de Gadamer, que nos aprisiona dentro da linguagem, menos ainda ado escriturismo de Derrida, que nos aprisiona dentro do texto escrito.31 A natureza da retrica em si j exige, como vimos, que se leve em conta, almda linguagem e do texto, o autor e seu leitor, ou ouvinte. Uma abordagem

    via retrica estabeleceria, sem dvida, contatos com a esttica da recepode Jauss, com a idia de paradigmas cientficos de Kuhn, e com os concei-tos de linguagem poltica de Pocock e de prticas e protocolos de leitura deChartier.32

    Um dos principais esforos recentes para recuperar a retrica, no sen-tido estrito do termo, se deve a Cham Perelman. Ser uma de suas obrasque me servir de guia nos prximos pargrafos.33 Perelman parte da veri-ficao do desprestgio da retrica, desde Aristteles colocada no campoda opinio (aletia), em oposio lgica que estaria no campo da verdade(doxa). A distncia entre as duas cincias teria aumentado em funo dos

    grandes avanos no campo da lgica, enquanto a retrica permanecia rele-gada ao abandono, com reputao que variava entre a inutilidade e a sus-peita de desonestidade.

    A estratgia de Perelman para retirar a retrica do limbo defini-lacomo a lgica dos juzos de valor. A retrica est dentro do domnio dalgica na medida em que recorre a argumentos (e no ao, sugesto,ou experincia). Mas extrapola a lgica na medida em que recorre a argu-

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    mentos que vo alm da estrita racionalidade. A necessidade de recorrer aesses argumentos, por assim dizer meta-racionais, deve-se tanto ao fato deque a maioria dos problemas enfrentados pelos seres humanos extrapolamo domnio da racionalidade estrita por envolverem juzos de valor, como finalidade especfica da retrica. Como j vimos nos compndios exami-nados, a retrica no busca apenas convencer, operao que se faz median-te raciocnios lgicos. Ela pretende persuadir, mover a vontade, o que exi-

    ge uma grande variedade de argumentos de natureza no-lgica. Em mui-tos casos, mesmo na presena de elementos suficientes de convencimento, necessrio o recurso retrica, pois o convencimento pode no ser sufi-ciente para levar ao.

    Os valores esto obviamente presentes em dois dos trs gneros ret-ricos clssicos, o deliberativo (poltico), que trata do til e do honesto, e o judicial, que trata do justo. Resta o gnero laudatrio, ou epidctico, queacabou sendo identificado retrica e lhe deu m fama por supostamentereduzir-se a espetculo, exibio intil de talentos oratrios, ao purodelectare. Perelman observa, no entanto, que o gnero laudatrio tam-

    bm tem a ver com valores, ele se destina a confirmar os valores predomi-nantes na sociedade e a responder a possveis objees futuras. Pede-se atambm uma adeso do ouvinte, havendo, portanto, finalidade que extra-pola o espetculo oratrio.

    Interessa-me aqui selecionar caractersticas da retrica que podem serteis para trabalhar textos do sculo XIX. Algumas j foram apontadas. A primeira a relao estreita entre os argumentos e a pessoa do orador. A autoridade do ltimo (pela competncia, prestgio, honestidade) elementoimportante de convico. O orador pode, obviamente, recorrer autori-dade de outros para sustentar seus argumentos. Na retrica escolstica, como

    vimos, este recurso era obrigatrio. Mais ainda, havia um cnone relativoaos nomes aceitos como autoridade. No limite, a autoridade de quem invocado pode suprir a falta de autoridade do orador. O argumento lgi-co, ao contrrio do retrico, separa totalmente argumento e orador ou autor. A segunda caracterstica tem a ver com o campo da argumentao. Na l-gica ele fechado dentro de um sistema, na retrica sempre aberto. Nalgica, a prova liquida a questo. Na retrica no h como decidir quando

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    que a prova suficiente. Sempre se podem aduzir argumentos adicio-nais. Da a necessidade de repeties, de redundncias e do uso das figurasde linguagem para persuadir o ouvinte ou leitor.

    Uma terceira caracterstica da retrica a importncia do auditrio.Como ela deve ser eficaz, necessrio que o orador conhea seu pblicopara escolher os argumentos, os estilos, a pronunciao adequados paramov-lo. Auditrios diferentes exigem argumentos e estilos diferentes. Cada

    auditrio ter seus valores, cada poca ter seus auditrios. A variao deestilos e argumentos no pode, portanto, ser motivo de crtica ao orador.Ele no estar violando as regras do jogo retrico. A lgica, ao contrrio,dispensa totalmente tal preocupao. Ela procura apenas a validade do ar-gumento. A aceitao ou rejeio dos ouvintes no afeta esta validade. Umaltima caracterstica que a retrica permite sempre o compromisso, amodificao parcial da posio dos opositores para se chegar a um pontode acordo. Isto em lgica impossvel. Neste sentido, a retrica o campodo debate democrtico. Ou, como diz Perelman, o campo do humanis-mo. Ao coloc-la neste campo, o autor recupera a poltica da reforma pom-

    balina de manter a retrica dentro do ensino das humanidades. Vai almde Pombal ao conceber a democracia como parte integrante do humanismo.

    Um exemplo: o argumento ad personam

    ... uter melior dicetur Orator? Nimirum qui homo quoque melior. ...que orador deve ser considerado o melhor? Sem

    dvida, aquele que tambm o melhor homem Quintiliano

    Se os indcios da existncia no Brasil, ou em qualquer outro pas, de

    uma cultura marcada pela retrica so verdadeiros, ento o protocolo deleitura fornecido pela forma retrica de argumentao deveria ter utilida-de na decifrao dos textos produzidos dentro dessa cultura. Refiro-me aquia qualquer tipo de texto, no apenas a peas oratrias, religiosas ou leigas.Como est claro no prprio Verney, h tambm uma retrica adequadapara a histria, para a geometria, para a fsica, para a metafsica, para a teo-logia. Nesta concluso tento indicar, como alguns problemas encontrados

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    na prtica da histria intelectual do Brasil poderiam ter sua soluo facili-tada com o auxlio das sugestes tiradas do modo retrico de argumentar.

    O primeiro deles tem a ver com o estilo do debate poltico encontra-do sobretudo na imprensa e nos panfletos. A liberdade de imprensa no Brasils foi implementada em 1821. Desde 1820, no entanto, aps a revolta li-beral do Porto, o debate poltico se intensificou mediante a publicao decentenas de panfletos em geral voltados para a discusso da permanncia

    ou no do rei no Brasil, e depois em torno das alternativas abertas pelaindependncia. Aps 1821, vrios jornais apareceram representando gru-pos, faces, ou mesmo indivduos isolados. Muitos dos principais polti-cos da poca, e alguns dos principais intelectuais (freqentemente eram asmesmas pessoas), tinham seu jornal. Em geral de curta durao, essas fo-lhas eram o principal veculo do debate poltico e cumpriram papel im-portante no aprendizado democrtico.

    Uma das caractersticas apontadas por todos os que j estudaram es-ses panfletos e jornais a violncia da linguagem, o ataque pessoal, o argu-mento ad personam. Quase todos os jornais prometem no primeiro nme-

    ro adotar uma posio equilibrada, um debate elevado de idias. Muitosassumem explicitamente o papel de educadores da opinio, de pedagogosda cidadania, ou, na linguagem da poca, de divulgadores das luzes. Oprprio nome do jornal s vezes reflete tal propsito.34 No entanto, a pro-messa logo quebrada. Uns mais que outros, e com a nica exceo do Jornal do Commrcio, voltado para a praa do Rio, comeam a atacar e agre-dir. Mesmo jornais dirigidos pelos mais importantes polticos da poca,como os dos Andrada, no fogem linguagem violenta. Em alguns casos,a agresso extrapola o domnio verbal e se manifesta em agresses fsicas eatentados contra a vida de jornalistas. A quebra sistemtica das promessas

    no impede que os novos jornais que surgem repitam o mesmo ritual deprometer e descumprir. O fenmeno foi reconhecido por um dos melho-res e mais equilibrados polticos e jornalistas da poca, Evaristo da Veiga.Ele falava com conhecimento de causa pois, embora moderado, foi vtimade um atentado a bala. Segundo Evaristo, a maior parte dos jornais invec-tivavam mais que argumentavam, enchiam suas pginas com nomes pr-

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    prios antes que com doutrinas. E confessa: nesta parte tambm nos con-fessamos culpados ou arrastados pela fora da torrente.35

    A explicao que sempre me ocorria para o fenmeno, e que parti-lhada por outros analistas, era a da inexperincia de todos em matria dedebate poltico democrtico. O despotismo poltico, de que a censura dasidias e dos escritos era parte essencial, no tinha permitido o aprendizadodo debate de idias. No se tinham ainda estabelecido regras civilizadas para

    tal debate. Deste modo, transferiam-se para o debate poltico pblico asprticas do debate privado que freqentemente recorriam ao ataque pes-soal. A explicao plausvel. Obviamente, havia um problema de forma-o de espao pblico, no sentido que Hannah Arendt d palavra. Maisainda, tal espao se formava na ausncia de uma esfera pblica no sentidohabermasiano do termo. Da que as prticas da esfera privada se transfe-riam diretamente para a poltica sem a intermediao do aprendizado dodebate pblico no poltico.

    No entanto, h na explicao uma viso talvez excessivamente nega-tiva do fenmeno da violncia verbal. Ele visto como imaturidade, falta

    de educao, incivilidade. Se olhado pelo prisma da retrica, tal imagemnegativa pode ser matizada. Como vimos, no argumento retrico no seseparam a autoridade do orador e a do argumento. Na concepo de ret-rica adotada pela reforma pombalina, tributria da tradio cvica roma-na, ainda mais clara a exigncia de virtude do orador como garantia dacapacidade suasria do argumento. No gnero retrico deliberativo, sobre-tudo, que o que se aplica ao debate poltico, no se pode dizer faam oque eu digo, no o que eu fao.

    Ora, a grande maioria dos principais jornalistas da poca sem dvidatinha conhecimentos de retrica. Certamente este era o caso de todos os

    que tinham estudos superiores e de todos os sacerdotes. Era ainda o casode todos os que tinham cursado as aulas rgias. Ficavam de fora apenasalguns autodidatas. Estes mesmos poderiam ser familiares cincia do bemfalar, pois, como vimos, podiam ter acesso a compndios especiais para osque no quisessem ou pudessem assistir s aulas. No seria fora de prop-sito supor que aplicassem em seus jornais as noes de retrica aprendidasnas aulas. Entre elas estaria a que exige do orador virtude, competncia e

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    honestidade. A exigncia era particularmente adequada pois quase todos,se no todos, os jornalistas eram, ao mesmo tempo, polticos. Muitos eram jornalistas por serem polticos, o jornalismo no passando de um meio defazer poltica. Portanto, no estavam apenas debatendo abstratamentequestes que envolviam valores e princpios. Debatiam sua prpria aopoltica e a ao poltica dos adversrios.

    Como retricos, sabiam tambm que a eficcia da argumentao de-

    pendia de um bom conhecimento do pblico. A confisso de Evaristo daVeiga reveladora. Ele fala em ser arrastado pela fora da corrente. A cor-rente (o pblico) puxava na direo do argumento pessoal. Os que se recu-sassem a aderir a este estilo teriam sua eficcia reduzida, estariam em des-vantagem. No h estudos satisfatrios sobre o pblico leitor no Rio de Janeiro na dcada de 1820. Certamente era pequeno. Uma cidade de cercade 100 mil habitantes tinha apenas 13 livrarias e sete tipografias. Se eramais do que as cinco livrarias e quatro tipografias de Buenos Aires, no eranada em comparao com as 480 livrarias e 850 tipografias existentes emParis, mesmo levando-se em conta que a capital francesa tinha uma popu-

    lao sete vezes maior.36

    A impresso que se tem, no entanto, que o audi-trio, o pblico leitor dos jornalistas-polticos, eram eles prprios. H umpermanente debate entre os jornais e entre seus redatores. A falta de pbli-co mais amplo, de uma opinio pblica capaz de mediar o debate, podeser vista como um fator de exacerbao dos ataques pessoais, fazendo comque mesmo pessoas que preferiam uma discusso centrada em princpiosfossem arrastadas pela corrente.

    Falo doargumentum ad personam, que envolve a desqualificao doadversrio. Ele deve ser distinguido doargumentum ad hominem que noataca a pessoa mas argumentos especficos de certos adversrios ou audit-

    rios. Em debates polticos, oargumentum ad hominem quase inevitvel.S poderiam ser dispensados em altas discusses filosficas que supemum auditrio universal. Os dois tipos de argumento facilmente se confun-dem, uma vez que desqualificar um argumento desmoraliza seu autor. Masa agresso pessoal direta sem dvida uma prtica que deve ser tratada comoindicadora de um estilo especfico de argumentao.37

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    Um exemplo: o argumento de autoridade

    Comeamos a discusso sobre retrica com a observao de OliveiraViana sobre a necessidade que tinham autores brasileiros de citar autoresestrangeiros como condio de aceitao pelos pares. O argumento de pres-tgio, sobretudo o de autoridade, pertence prtica comum da retrica.Foi, como observam Perelman e Olbrechts-Tyteca, o tipo de raciocnio maisatacado por ter sido muito usado contra os avanos cientficos.38 Apesardos abusos, ele no pode ser descartado, uma vez que muitas questes socontroversas e a opinio de especialistas pode ser til para a persuaso. A jurisprudncia, por exemplo, amplamente usada na argumentao jurdi-ca, no outra coisa seno um argumento de autoridade. Levando-se emconta a importncia que tem para a retrica a autoridade do autor, ou ora-dor, ser fcil ver o recurso a outros autores como parte da ttica de refor-ar a prpria autoridade.

    Seguramente, na tradio retrica portuguesa a abundante citao deautores era generalizada. Verney a identifica como um dos vcios que con-dena. Em suas palavras: Este desejo de parecer erudito com a repetio demil passos de autores tem alucinado infinita gente. Conheci um que noabria a boca que no repetisse um verso de Marcial, de Juvenal, etc.39 Vi-mos como em Coimbra, durante o perodo jesutico, havia uma rgidadefinio dos autores aceitos como autoridade: Aristteles e Santo Tomsde Aquino. A reforma pombalina no afetou esta caracterstica do ensino. Apenas mudaram-se os autores. Nos estudos menores, as Instrues paraos professores de retrica, por exemplo, indicam com preciso os autoresa serem usados, incluindo antigos e modernos. O mesmo feito para osprofessores de grego, latim e hebraico. Na reforma dos estudos maiores

    (Universidade de Coimbra), estava presente a mesma preocupao. Emfilosofia racional, por exemplo, Aristteles era substitudo por AntnioGenovese. No direito, Brtolo devia ser substitudo por Cujcio, cuja es-cola devia ser seguida inviolvel e uniformemente [...]por todos os pro-fessores assim nas dissertaes, e escritos, como nas lies pblicas.40 Osesforos de introduzir o experimentalismo lockeano, que deslocava a pro-va para o experimento e a observao, tiveram xito apenas parcial e poucoduradouro.

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    De qualquer modo, este trao do estilo, ou da retrica portuguesa,transferiu-se para o Brasil e talvez ainda esteja presente at hoje. Trocando-se os poetas Marcial e Juvenal por outros nomes, a observao de Verney continuaria vlida. O que se sugere aqui que o fenmeno onipresente dacitao de autores estrangeiros, e da concomitante importao de idias,no seja visto apenas como indicador de dependncia intelectual, nem comocolocao correta ou incorreta de idias. Sugere-se que uma chave til de

    leitura pode ser dada pelo estilo de raciocnio. Dentro da tradio brasilei-ra, o argumento de autoridade era um requisito indispensvel, era um re-curso de argumentao, uma retrica. Em princpio, portanto, a citaode um autor estrangeiro no significava necessariamente adeso a suas idias,embora pudesse significar.

    H vrios casos documentados de usos de citaes que no correspon-dem ao pensamento do citado. A operao pode-se dar por meio do recur-so de pinar frases isoladas ou aspectos secundrios, ou pela pura deturpa-o. O primeiro caso foi mostrado por Joo Quartim de Moraes em rela-o ao uso que Oliveira Viana faz do pensamento do publicista e antrop-

    logo espanhol Joaqun Costa.41

    O segundo pode ser encontrado na anlisede Lus Costa Lima sobre a leitura que Euclides da Cunha faz das teoriasraciais de Gumplowicz.42 A noo de guerra de raas como motor da his-tria, adotada por Euclides como ncleo de sua argumentao e atribudapor ele a Gumplowicz, no corresponderia, segundo Costa Lima, ao pen-samento deste autor. Alm disso, o uso de autores estrangeiros poderia tercarter puramente instrumental, como mostrei no estudo do pensamentodos conselheiros de Estado. Os mesmos autores, ou as mesmas prticas eramusados para justificar polticas radicalmente distintas. Exemplos como es-tes poderiam ser facilmente multiplicados.

    Se no se trata, portanto, de simples dependncia e simples mimetis-mo, tambm no o caso de considerar o fenmeno como desonestidadeintelectual. As deturpaes eventuais podem no ser voluntrias. Como oimportante era citar, as leituras eram freqentemente superficiais, muitasvezes baseadas em comentadores. Muitos tomavam conhecimento de au-tores estrangeiros via artigos de divulgao publicados, por exemplo, naRvue des Deux Mondes.O fato de que raramente se cobrava a fidelidade

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    das citaes indica a aceitao de seu carter retrico e instrumental. A resposta citao de um autor, ou grupo de autores, consistia em geral emcitar outro autor, ou grupo de autores. A disputa se deslocava, ento, paraa questo de saber quais autores tinham mais autoridade, ou eram maisaceitos pelo pblico.

    Da se deduz que a citao em si, e nem mesmo seu contedo, cons-tituem o ponto central para a anlise. Para o historiador das idias, ela pode

    constituir antes um obstculo, uma armadilha, do que uma pista slida deexplicao. A estratgia de leitura deve, ento, ultrapassar essa barreira re-trica para tentar chegar ao que poderia estar mais prximo do sentido doautor, ou mesmo, do sentido dos leitores. Na melhor das hipteses, sepoderia fazer uma lista dos autores mais citados e tentar estabelecer a exis-tncia ou no de um cnone de autores do pensamento poltico, filosfi-co, jurdico, econmico. Um cnone escolhido agora livremente e noimposto, como nos antigos tempos de Coimbra.

    Permanece, no entanto, a pergunta: por que a longa vida da prticade citar autores estrangeiros? O recurso ao argumento de autoridade talvez

    se deva s mesmas razes do fracasso da reforma de Verney: o deslocamen-to da prova para a evidncia emprica, cientfica, exigiria o desenvolvimentoda prtica cientfica. At o final do sculo XIX, a investigao cientfica noBrasil apenas engatinhava. Um gelogo norte-americano dizia em 1883que what passed for science in Brazil was characterized by an almost com-plete absence of investigation. O fenmeno era reconhecido pelos pr-prios brasileiros. Um relatrio de 1882, referente ao ensino nos liceus,aponta sua caracterstica quase exclusivamente literria. Seus alunos iampara as faculdades de onde sairiam doutores incapazes de ver a natureza,mas prontos para sustentar com todas as pompas da retrica as hipteses

    mais inverificveis sobre a existncia do incognoscvel. Formava-se assimum povo de palradores e idelogos. sem dvida uma ironia o fato de queo redator do relatrio, Rui Barbosa, ter sido o maior palrador que o pas jamais produziu.43

    At mesmo mdicos (como Manoel Bomfim, citado no incio destetrabalho) e engenheiros, supostamente treinados nos mtodos e linguagemda cincia, eram vtimas do mesmo fenmeno. Nas faculdades de medici-

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    na e de engenharia, o ensino era quase sempre feito em livros, inexistindoem quase todas a prtica de laboratrio e de investigao. Na ausncia daprtica cientfica, permanecia a necessidade do argumento de autoridade.Citavam-se pesquisadores e pesquisas de outros pases.

    No houve apenas a sobrevida da prtica da citao de autores estran-geiros. A prpria linguagem cientfica nacional manteve-se dentro do esti-lo retrico de argumentao e dico. As correntes cientificistas que inva-

    diram o pas na segunda metade do sculo passado no produziram cien-tistas. Positivismo e evolucionismo, por exemplo, tiveram inmeros segui-dores mas no afetaram a prtica da cincia. Produziram engenheiros,mdicos, militares, que sabiam filosofar sobre a cincia e o mundo, semsaber fazer cincia. E filosofavam no melhor estilo retrico, em que o bri-lho da frase, sua qualidade literria, a variedade dos tropos, eram maisimportantes que sua veracidade. Naturalmente, brilho era o que deles seesperava, mesmo quando falavam contra o vcio da retrica.

    Concluso

    O grande uso da linguagem simulada, ou alegrica, nos veio [...] das intrigas e traies dos diplomatas e inquisidores

    do Despotismo.Nova Luz Brasileira (12/01/1830)

    Obviamente, a utilidade do uso da retrica como chave de leitura nose limita aos aspectos discutidos acima. Estes aspectos, alis, tm mais a vercom elementos externos ao texto. Um prximo passo seria deslocar a an-lise para o interior dos textos a fim de verificar em que medida as regras doargumento retrico se fazem presentes. A ateno aqui deveria ser dirigi-

    da, sobretudo, para a elocuo, o modo de dizer, o estilo. na elocuo,tradicionalmente considerada a parte essencial da retrica (como se diz mais importante do que o que se diz), que se encontram os ornatos da lin-guagem, os instrumentos de persuaso. nela que se d o uso das figurasde linguagem, sobretudo dos tropos. Um ponto a se verificar, por exem-plo, seria a predominncia de certos tropos, como a pardia, a ironia, osarcasmo, a antfrase. Ou de certas figuras de linguagem mais apropriadas

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    persuaso e ao sentimento, como a apstrofe, a imprecao, a prosopopia,a prosopografia, a hiprbole. Tal trabalho ainda no foi feito.

    Alguns jornalistas da poca da independncia percebiam com clarezaa importncia da retrica. o caso, por exemplo, do j citadoNova Luz Brasileira. Os redatores deste jornal, um farmacutico e um funcionriopblico, sabiam estar envolvidos numa batalha lingustica que tinha a vercom o contedo e a forma, isto , a retrica. A certa altura, por exemplo,

    atacam aquelas pessoas que dizem ter ouvidos delicados e que no supor-tam uma linguagem direta, sem eufemismos, a linguagem da verdade, alinguagem dos bons tempos da antigidade, a linguagem que entende umpovo sincero ainda no afeito cortesania de Cortes corrompidas, a lin-guagem que tem todo cidado honrado.44 Essas pessoas delicadas torcemo nariz, por exemplo, quando um ladro chamado de ladro, um patifede patife. A linguagem delicada chama roubo de desperdcio, crime dechalaa, com o fim de reduzir a gravidade da transgresso. O jornal pre-tende restaurar o que seria a virtude antiga, no deturpada pelos hbitoscortesos.

    H um ataque direto ao que seria um estilo retrico de escrever: Ogrande uso da linguagem simulada, ou alegrica, nos veio dos escravos doOriente, compositores de mil e uma noites; nos veio das intrigas, e trai-es, dos diplomatas e inquisidores do Despotismo; e portanto impr-prio de Americanos Constitucionais, at mesmo por ser danoso causapblica. A viso da retrica claramente negativa, pois implica dissimu-lao a servio do despotismo. Em termos retricos, chamar roubo de des-perdcio seria, por exemplo, uma catacrese, o uso de termo imprprio paraexpressar uma idia. A percepo das conotaes polticas embutidas naretrica predominante rica de sugestes para a espcie de anlise que aqui

    se prope. A guerra poltica acaba sendo tambm uma guerra contra a re-trica, ou melhor, uma guerra de retricas. bvio que a retrica, mesmo utilizada em todo o seu potencial

    heurstico, no esgota as possibilidades de anlise lingustica dos panfletose jornais. Restaria muito a ser feito, sobretudo no que se refere ao conte-do dos textos. A ttulo de exemplo, houve durante o perodo da indepen-dncia, aquilo que um participante dos debates chamou de guerra de

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    idias. Nesta guerra, a retrica era uma das armas principais, mas haviamuitas outras que diziam respeito semntica e ao tipo de linguagem uti-lizado. Pode-se detectar, por exemplo, em escala naturalmente muito maismodesta, um fenmeno semelhante ao da criao de uma nova linguagempoltica durante a Revoluo Francesa, no sentido em que foi estudado por Jacques Guilhaumou.45 A nova linguagem brasileira baseava-se em algu-mas concepes centrais, como a liberdade, o constitucionalismo, o go-

    verno misto (monarquia liberal), a representao, o contrato social, o pa-triotismo. Alguns jornais perceberam com muita clareza a necessidade de criar

    esta nova linguagem e de inculc-la nos cidados, educando-os para os novostempos. Mais uma vez, aNova Luz Brasileiraque viu o problema commaior acuidade. Sua contribuio mais importante quanto a este ponto foia publicao de um dicionrio poltico destinado a levar as luzes aos queainda se encontravam nas trevas. Trata-se de uma extraordinria fonte parao estudo das mudanas semnticas em curso. Alguns dos verbetes inclu-dos no dicionrio constituem verdadeiras inverses semnticas. A primei-

    ra definio, por exemplo, da palavra povo. O povo o conjunto doscidados livres. Distingue-se da plebe, que gente m, cheia de vcios,baixezas e maus costumes. At a, tudo normal. Mas quem constitui a ple-be, segundo o jornal? Aqui vem a inverso. A plebe so os fidalguetes, osnegociantes ricos, os altos empregados. Os carbonrios, por outro lado, sodefinidos como cidados virtuosos, perseguidos pela Santa Aliana. Ateusprticos so os jesutas. Rebelio o ataque dos tiranos contra o pacto so-cial. Insurreio o levantamento dos cidados virtuosos em defesa domesmo pacto.

    Tanto a retrica como esses outros instrumentos de anlise lingsti-

    ca constituem campos ainda pouco explorados que se abrem aos que seinteressam pela histria intelectual. Este artigo pretendeu sugerir a poten-cialidade do uso de tais instrumentos. Se no convenci nem persuadi, tal-vez seja porque o modo de dizer, a retrica, no tenha estado altura doque foi dito.

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    Notas1 Ver, por exemplo, PAIM, Antnio.Histria das idias filosficas no Brasil . So Paulo:Grijalbo, 1967, CRIPPA, Adolpho, coord., As idias filosficas no Brasil. Sculos XVII e XIX . So Paulo: Convvio, 1978, CHACON, Vamireh.Histria das idias sociolgicas noBrasil.So Paulo: Grijalbo, 1977, SALDANHA, Nelson.Histria das idias polticas noBrasil.Recife: UFPE, 1963, CRUZ COSTA, Joo.Contribuio histria das idias noBrasil . Rio de Janeiro: Jos Olmpio, 1956, LIMA, Heitor Ferreira.Histria do pensamen-to econmico no Brasil . So Paulo: Brasiliana, 1976, MACHADO NETO, A. L.Histriadas idias jurdicas no Brasil . So Paulo: Grijalbo, 1969.2 Ver CRUZ COSTA, Joo.O positivismo na Repblica. So Paulo: Cia. Editora Nacio-nal, 1956, CHACON, Vamireh.Histria das idias socialistas no Brasil . Rio de Janeiro:Civilizao Brasileira, 1965, LINS, Ivan.Histria do Positivismo no Brasil . So Paulo: Cia.Editora Nacional, 1967, e BARRETO, Vicente. A Ideologia Liberal no Processo da Inde- pendncia do Brasil (1789-182 4). Braslia: Cmara dos Deputados, 1973.3 Ver MEDEIROS, Jarbas.Ideologia autoritria no Brasil, 1930-1945 . Rio de Janeiro: Fun-dao Getlio Vargas, 1978 e Paulo Mercadante, A conscincia conservadora no Brasil . Riode Janeiro: Saga, 1965.4 o caso de BARRETO, Vicente e PAIM, Antnio.Evoluo do pensamento poltico bra-sileiro. Belo Horizonte/So Paulo: Itatiaia/Edusp, 1989.5 Para uma viso geral e crtica do percurso da verso norte-americana da histria das idias,a partir da obra de Lovejoy, ver KELLEY, Donald R. ed.,The history of ideas. Canon and variations . Rochester: University of Rochester Press, 1990.6 Ver MOTA, Carlos GuilhermeIdeologia da cultura brasileira (1933-1974).So Paulo: Atica, 1978 e SANTOS, Wanderley Guilherme dosOrdem burguesa e liberalismo poltico.Rio de Janeiro: Duas Cidades, 1978.7 Ver LAMOUNIER, Bolivar Formao de um pensamento poltico autoritrio na Pri-meira Repblica: uma interpretao. In: FAUSTO, Boris (org.),Histria geral da civili-zao brasileira. O Brasil republicano, t. II. So Paulo: Difel, 1977, pp. 342-374 e J.G.A.Pocock, The concept of a language and the mtier dhistorien: some considerations onpractice . In: PAGDEN, Anthony ed.,The languages of political theory in early modernEurope . Cambridge: Cambridge Univesity Press, 1990.8

    Ver os trabalhos de PCAUT, Daniel.Entre le peuple et la nation. Les intellectuels et la politique au Brsil . Paris: Maison des Sciences de lHomme, 1989 e de MICELI, Srgio.Intelectuais e classe dirigente no Brasil, 1920-1945 . So Paulo: Difel, 1979.9 Ver SCHWARZ, Roberto. Ao vencedor as batatas . So Paulo: Duas Cidades, 1977, Pu-blicado inicialmente emEstudos CEBRAP , no. 3, 1976 e FRANCO, Maria Sylvia de Car-valho. As idias esto no lugar. In:Cadernos de Debate , no. 1, 1976, pp. 61-64.10 Note-se aqui a anlise de vocabulrio poltico feita por CONTIER, Arnaldo DarayaemImprensa e Ideologia em So Paulo (1822-1842). (Matizes do Vocabulrio Poltico e Social).

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    Petrpolis: Vozes/ Campinas: Unicamp, 1979 e ainda os trabalhos de ARAJO, RicardoBenzaquen de Ronda noturna: narrativa, crtica e verdade em Capistrano de Abreu. In:Estudos Histricos , v.1, no. 1, 1988, pp. 28-54 e CARVALHO, Maria Alice Rezende de.O quinto sculo. Andr Rebouas e a construo do Brasil . Rio de Janeiro: IUPERJ/Revan,1998. Mais recentemente, encontramos um exerccio de anlise do vocabulrio e da ret-rica de jornais do sculo XIX em BASILLE, Marcello Otvio Neri de Campos. Anarquis-tas, rusguentos e demagogos: os liberais exaltados e a formao da esfera pblica na corte im- perial (1829-1834).Dissertao de Mestrado. Programa de Ps-graduao em HistriaSocial da UFRJ, 2000, caps. IV e V.11

    o caso de CARVALHO, Jos Murilo de. em A utopia de Oliveira Viana. In:Estudos Histricos,v. 4, no. 7, 1991, pp. 82-99.12 Ver VIANNA, Luiz Werneck. A revoluo passiva. Iberismo e americanismo no Brasil .Rio de Janeiro: Revan, 1997.13 Ver MORSE, Richard M.El espejo de Prospero. Un estudio de la dialctica del NuevoMundo. Mxico: Siglo Veintiuno, 1982 e Jos Guilherme Merquior, O outro ocidente.In:Presena, n. 15, 1990.14 Ver CARVALHO, Jos Murilo de. IA construo da ordem: a elite poltica imperial . IITeatro de sombras: a poltica imperial . Rio de Janeiro: Editora da UFRJ/Relume-Dumar,2a. ed., 1996, pp. 327-358.15 NABUCO, Joaquim.Um estadista do Imprio. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1975, p.663.16 Lembre-se, a propsito, que um senador do Imprio publicou em 1834 um compndiode lgica adaptado s escolas brasileiras. Ver PEREIRA, Jos Saturnino da Costa.Elemen-tos de lgica, escriptos em vulgar e apropriados para as escolas brasileiras . Rio de Janeiro: R.Ogier, 1834.17 Citado em PAIM, Antnio.Plataforma poltica do positivismo ilustrado. Braslia: Ed. daUniversidade de Braslia, 1980, pp. 65-66.18BOMFIM, Manoel. A Amrica Latina. Males de origem. Rio de Janeiro:Topbooks, 1993,pp. 170-171. A primeira edio de 1905.19 Ver HOLANDA, Srgio Buarque de.Razes do Brasil . Rio de Janeiro: Jos Olympio,1984, pp. 50-51. A primeira edio de 1936.20 VERNEY, Lus Antnio.Verdadeiro mtodo de estudar (Cartas sobre retrica e potica).Introduo e notas de Maria Luclia Gonalves Pires. Lisboa: Editorial Presena. 1991. A primeira edio de 1746.21 Verney,op. cit . p. 47.22 Citado em ANDRADE, Antnio Alberto Banha de. A reforma pombalina dos estudos secundrios (1759-1771). Coimbra: Por Ordem da Universidade, 3 vol., 1981, 2 vol. p. 92.23Sobre as reformas da Universidade de Coimbra, ver ANDRADE, Antnio Alberto Banhade.op.cit.,.CARVALHO, Laerte Ramos de. As reformas pombalinas da instruo pblica,So Paulo: Saraiva/Edusp. 1978. Tefilo Braga,Histria da Universidade de Coimbra nas

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    suas relaes com a instruo pblica portuguesa.So Paulo: Saraiva/Edusp, 1978 e PAIM, Antnio.Histria das idias filosficas no Brasil.So Paulo: Grijalbo, 1967.24 Para um estudo dos professores de aulas rgias no Rio de Janeiro, ver ALMEIDA, AnitaCorreia Lima de. A Repblica das Letras na corte da Amrica Portuguesa: a reforma dosEstudos Menores no Rio de Janeiro setecentista. Dissertao de Mestrado. UFRJ/IFCS,1995. Agradeo autora o acesso aos textos da reforma.25 Ver FERREIRA, Silvestre Pinheiro.Preleces philosophicas sobre a therica do discurso e da linguagem, a esthtica, a dicesyna, e a cosmologia. Rio de Janeiro: Na Imprensa Rgia,1813-1820.26 Ver, por exemplo, o excelente trabalho de PERELMAN, Cham.Retricas . So Paulo:Martins Fontes, 1997.27 Ver MENEZES, Bento Rodrigo Pereira de Soto-Maior e.Compndio rhetrico, ou arte completa de rhetrica com mthodo facil para toda a pessoa curioza, sem frequentar as aulas saber a arte da eloquncia: toda composta das mais sbias doutrinas dos melhores autores, que escreveram desta importante sciencia de falar bem.Lisboa: Na Officina de Simo ThaddeoFerreira, 1794.28 Ver GAMA, Miguel do Sacramento Lopes.Lies de eloqncia nacional . Rio de Janei-ro: Paula Brito, 1846. O padre Lopes Gama foi professor de retrica e diretor da Faculda-de de Direito do Recife.29 Lopes Gama, op. cit ., p. 1.30 Ver SOUZA, Roberto Aczelo de.O Imprio da Eloqncia. Retrica e Potica no Brasil Oitocentista. Rio de Janeiro: EdUERJ/EdUFF, 1999. Os compndios usados no Pedro IIeram sobretudo os de Antnio Marciano da Silva Pontes, Nova Rhetrica Brasileira(1860),de Francisco Freire de Carvalho, Lies Elementares de Eloqncia Nacional (1834), docnego Manoel da Costa Honorato, professor do Colgio,Compndio de Rhetrica e Po-tica (1879), e do Dr. Jos Maria Velho da Silva,Lies de Rhetrica(1882).31 Para uma viso geral das transformaes no campo da histria intelectual e das princi-pais correntes interpretativas, ver KELLEY, Donald R. ed.,op. cit , especialmente a intro-duo e o captulo final redigidos pelo organizador da coletnea.32 Ver JAUSS, H.R.Pour une esthtique de la rception. Paris: Gallimard, 1978, KUHN,Thomas S.The structure of scientific revolution. Chicago: The University of Chicago Press,1962, J.G.A Pockok,op. cit.,e CHARTIER, Roger. Do livro leitura. In: CHARTIER,Roger org.,Prticas da leitura. So Paulo: Estao Liberdade, 1996, pp. 77-105.33 Ver PERELMAN, Cham.Retricas.So Paulo: Martins Fontes, 1997, sobretudo a se-gunda parte do livro. Ver, ainda, PERELMAN, Cham e OLBRECHTS-TYTECA, Lucie.Tratado da argumentao. A nova retrica. So Paulo: Martins Fontes, 1996.34 o caso, por exemplo, do jornalA Nova Luz Brasileira. Ver, a respeito deste jornal,BASILE, Marcello Otvio Neri de Campos.op. cit..35 Citado em Isabel Lustosa, Insultos impressos. A guerra dos jornalistas na Independn-cia. Tese de doutoramento. Instituto Universitrio de Pesquisas do Rio de Janeiro, 1997,

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    p. 314. Esta tese dedica-se precisamente a examinar a presena da agresso verbal nos jornaisda poca da independncia.36 A informao sobre livrarias e tipografias encontra-se em HALLEWELL, Laurence.Olivro no Brasil (sua histria). So Paulo: Edusp, 1985, pp. 47-52.37 Sobre a distino entre os dois tipos de argumento, ver PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA,op. cit ., pp. 125-129.38 PERELMAN, Cham e OLBRECHTS-TYTECA, Lucie.op. cit ., p. 348.39 VERNEY,op. cit.,p. 89.40

    Citado em CARVALHO, Laerte Ramos de.op. cit.,p. 164.41 Ver MORAES, Joo Quartim de. Oliveira Viana e a democratizao pelo alto. In:BASTOS, lide Rugai e MORAES, Joo Quartim de (orgs.).O pensamento de OliveiraViana. Campinas: Ed. da Universidade Estadual de Campinas, 1993, pp. 87-130.42 Ver LIMA, Lus Costa.Terra ignota. A construo de Os Sertes . Rio de Janeiro: Civiliza-o Brasileira, 1997, cap. 1.43 Para as citaes de Derby e do relatrio de Rui Barbosa, ver CARVALHO, Jos Murilode. A Escola de Minas de Ouro Preto. O Peso da Glria. Rio de Janeiro: FINEP/Cia. Edito-ra Nacional, 1978, p. 39.44 A Nova Luz Brasileira, 12/01/1830. In: Marcello O. N. de C. Basile,op. cit ., p. 170. Agradeo a Marcello Basile o acesso a suas notas sobre este jornal.45

    Ver GUILHAUMOU, Jacques.La langue politique et la Rvolution Franaise. De lvnement la raison linguistique . Paris: Mridiens Klincksieck, 1989.

    Bibliografia

    ALMEIDA, Anita Correia Lima de.A Repblica das Letras na corte da AmricaPortuguesa: a reforma dos Estudos Menores no Rio de Janeiro setecentista.Dis-sertao de Mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1995.

    ANDRADE, Antnio Alberto Banha de. A reforma pombalina dos Estudos Secun-drios (1759-1771). Coimbra: Por Ordem da Universidade, 2o. vol. 1981.

    BASILE, Marcello Otvio Neri de Campos. Anarquistas, rusguentos e demagogos:os liberais exaltados e a formao da esfera pblica na corte imperial (1829-1834). Dissertao de Mestrado. Programa de Ps-graduao em Histria So-cial da UFRJ, 2000.

    CARVALHO, Laerte Ramos de. As reformas pombalinas da instruo pblica. SoPaulo: Saraiva/Edusp, 1978.

    HALLEWELL, Laurence.O livro no Brasil (sua histria).So Paulo: Edusp, 1985.

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    KELLEY, Donald R., ed..The history of ideas. Canon and variations . Rochester:University of Rochester Press, 1990.

    PERELMAN, Cham e Lucie Olbrechts-Tyteca.Tratado da argumentao. A novaretrica. So Paulo: Martins Fontes, 1996.

    POCOCK, J.G.A. The concept of a language and the mtier dhistorien: someconsiderations on practice . In: Anthony Pagden, ed.,The languages of

    political theory in early modern Europe . Cambridge: Cambridge Univesity Press, 1990.

    SOUZA, Roberto Aczelo de.O Imprio da Eloqncia. Retrica e Potica no Bra-sil Oitocentista. Rio de Janeiro: EdUERJ/EdUFF, 1999.

    VERNEY, Lus Antnio.Verdadeiro mtodo de estudar (Cartas sobre retrica e po-tica). Introduo e notas de Maria Luclia Gonalves Pires. Lisboa: Edito-rial Presena. 1991. A primeira edio de 1746.

    Resumo

    O ARTIGO SUGERE o uso de conceitos e prticas relacionados retrica como instrumen-to de anlise para pensar a histria intelectual do Brasil. Histria intelectual toma-da em sentido estrito, isto , como a histria de formas discursivas de pensamento, dei- xando de lado tanto a crtica literria como o que se tem convencionado chamar de nova histria cultural. Ser feita, de incio, breve descrio do estado da histria inte-lectual no pas. A seguir ser discutida a tradio retrica herdada de Portugal. Ao final, sero sugeridas maneiras de usar esta tradio como chave de leitura para tra-balhar textos brasileiros, sobretudo do sculo XIX.

    Abstract

    T HE PAPER SUGGESTS the use of concepts and practices related to rethoric as an analytical instrument to deal with intelectual history in Brazil. Intellectual history is taken inits strict sense of history of discursive forms of thought. The paper starts with a brief evaluation of the state of the art of intellectual history in Brazil. Then a discussion is made of the rethorical tradition inherited from Portugal. Finally, ways of using this tradition to interpret Brazilian texts, especially from the XIX century, are suggested.