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12 FORTALEZA-CE, DOMINGO, 17 de dezembro de 2006 BR116 Em 2004, diagnóstico realizado pelo projeto Sentinela em Horizonte identificou 50 casos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. A gota d´água foi a morte de uma jovem ao cair de um caminhão que lhe dava carona. Hoje, dificilmente se encontra uma criança ou adolescente envolvido com a questão, sem ter sido anteriormente vítima em casa do mesmo tipo de agressão. REGIÃO METROPOLITANA DOCUMENTO BR BR116 A preocupação da Polícia em Pacajus tem sido o combate ao uso de drogas. Para o delegado Antunes Teixeira, entorpecidas, as jovens se submetem a tudo. A realidade do município de Maracanaú em relação ao problema da exploração sex- ual de crianças e adoles- centes não difere das demais cidades próximas a Fortaleza. Com o agravante de que, atraídas pela força econômi- ca do Município, muitas famílias se deslocam do Inte- rior para aumentar os índices de pobreza da região metro- politana da Capital. Isso faz com que a explo- ração sexual de crianças e adolescentes também au- mente, diagnostica Carlos Fer- nando de Almeida, diretor do Juizado e da Adolescência no Município. “O problema vem crescendo em Maracanaú com crianças vindas de outros mu- nicípios próximos. O índice é grande”. Um dos pontos vul- neráveis são postos de com- bustíveis no Anel Viário, via federal que dá acesso à cidade. Em Maracanáu, o Juizado detecta outro problema: o tra- balho camuflado de crianças atuando como ambulantes próximo a Ceasa, mas que na verdade estariam sendo ex- ploradas sexualmente para sustentar suas famílias. “Difícil é fazer o flagrante. Mas temos recebido muitas denúncias”, afirma Carlos Fernando. (LHC) O levantamento da Po- lícia Rodoviária Fe- deral (PRF)identifi- cou três pontos vul- neráveis à exploração sexual de crianças e adolescentes às mar- gens da BR-116 no trecho de 50 quilômetros que começa na sa- ída de Fortaleza e vai até o mu- nicípio de Pacajus. Mas os próprios conselhos tutelares das cidades de Itaitinga, Hori- zonte e Pacajús, cortadas pela via, avaliam que o problema se- ja bem maior. Um dos agravan- tes da situação é a proximidade com Fortaleza. Se antigamente era fácil de- tectar crianças e adolescentes sendo exploradas sexualmente em postos de combustíveis na BR-116, logo na saída de Forta- leza, agora o problema não é tão comum, como O POVO constatou. Diminuiu a função do posto como ponto fixo de exploração, mas não a do cami- nhoneiro. Ele continua sendo importante peça nessa rede de perpetuação do problema. É através da carona que as jovens se deslocam tanto ao Interior ou com destino a Capital. A migração para Fortaleza gera um problema mais grave, que é o pulo à prostituição adulta. Não faltam histórias nos conselhos tutelares de jovens que deixaram os municípios próximos a Capital e não volta- ram. Começam como adoles- centes e, já adultas, se integram à prostituição. Paradoxalmente, a repressão policial, a atuação de membros do Ministério Pú- blico e dos conselhos tutelares seria responsável também por gerar outra figura nessa rede de ilegalidade. Hoje não existiriam mais os locais fixos de explora- ção, e sim pontos de encontro. Segundo os conselheiros, esses pontos são fáceis de ser burla- dos, já que raramente se consu- ma o flagrante. O delegado de Horizonte, Everardo Lima da Silva confir- ma a avaliação. Ele diz que o problema foi gritante há dois anos. O último flagrante acon- teceu ainda no primeiro semes- tre de 2006, quando através de blitz foi presa uma dona de bar às margens da BR no trecho en- tre Horizonte e Chorozinho. Ali, ela mantinha quatro ado- lescentes na casa trazidas de Juazeiro do Norte. Everardo destaca que na re- gião existem muitas casas de prostituição e que a polícia tem procurado manter vigilância mais próxima nesses locais. O delegado, porém, não descarta que adolescentes sejam vítimas de pessoas que as pegam em outros locais. As praças do mu- nicípio, devido à movimenta- ção aos finais de semana, seri- am hoje os pontos vulneráveis. “Mas não podemos fazer nada só porque a criança ou a ado- lescente sai com alguém de um local público”. Em Itaitinga, não é difícil identificar pontos vulneráveis ao problema. Basta rápida con- versa com pessoas da cidade para serem citadas as praças nos finais de semana, a chama- da parada dos topiqueiros e al- guns bares às margens da BR- 116. Da mesma forma acontece em Pacajús, onde é intensa a movimentação de adolescentes nas barracas do complexo Beira Açude ou na “praia da lama”. O POVO percorreu os pontos ci- tados e os postos de combustí- veis às margens da via. Em ne- nhum deles, o problema foi de- tectado abertamente. (Luiz Henri- que Campos) “Casa de mulheres” em Horizonte Dificuldade no flagrante NO DISTRITO DE QUEIMADAS, em Tianguá, na divisa do Ceará com Piauí, uma única mulher faz ponto entre as boléias dos caminhões que aguardam a fiscalização dos fiscais da Sefaz cearense. É Toinha Alicate, 37, que se deixa fotograr pelos celulares dos caminhoneiros. “É UM JEITO de fazer propaganda e ficar conhecida no Brasil. Quando chegam aqui, me procuram por minha especialidade”, brinca. Desde que se separou do marido, há pouco mais de dez anos, sobe diariamente à serra para trabalhar - com exceção dos domingos. O dinheiro apurado - que varia de mil a R$ 1.500, serve para pagar a faculdade da filha em Sobral. “Ela não sabe de nada”. Dona Marília (nome fictício) é mãe de duas filhas. A mais no- va tem 12 anos e é deficiente au- ditiva. Vai bem nos estudos e não gera tanta preocupação. O futuro incerto está com Nathália (nome fictício), 16. Bonita e tímida, a adolescente que tinha poucos amigos mu- dou o relacionamento com a família a partir do começo deste ano, quando juntou-se a um grupo de mulheres que residem próximas a sua casa, em um bairro pobre da área urbana de Horizonte. Hoje, participa de um grupo de terapia no Consel- ho Tutelar, mas permanece fre- qüentando a residência das amigas “suspeitas”. Na casa, segundo denúncias chegadas ao Conselho Tutelar, morariam somente mulheres, algumas de fora da cidade, que receberiam homens todas as noites. Nathália não nega ao O POVO que a residência é fre- quentada por homens, mas não admite que ali elas sejam objeto de exploração sexual. “Ficamos com nossos namorados”, diz, para depois afirmar que a residência também é freqüenta- da por operários das fábricas do Distrito Industrial de Horizonte que são amigos das moradoras da casa. O local já foi alvo de blitz da polícia e a dona, levada à dele- gacia. Negou qualquer relação com exploração sexual e, como não houve flagrante, foi libera- da. O Conselho, porém, contin- ua recebendo denúncias de que mototaxistas levam as mulheres da casa para programas em vários pontos do Município. Aos finais de semana, aumenta a preocupação de dona Marília, pois Nathália passa noites sem dormir em casa. Apesar das desavenças com a mãe, Nathália confessa ao O POVO que gosta dela, mas tam- bém de estar na companhia das outras amigas “suspeitas”. Filha de pais separados, o pai mora em Messejana e não frequenta mais sua casa, também afirmar gostar do pai. O interessante é que concorda com a avaliação da mãe de que não é bom andar com as amigas. Além disso, re- força que é mais seguro estar em casa do que na rua. Rua que pode significar vários lugares do município ou até de outros próximos, como Pacajus. Nathália confessa tam- bém que nunca freqüentou motéis, mas as amigas com quem anda (adolescentes) já entraram com facilidade nesses lugares acompanhadas de pes- soas mais velhas. Quanto a sexo, foge do assunto. Não fala, por exemplo, se usa camisinha ou se as amigas, mais velhas, tocam no tema. Diz, porém, que uma desssas amigas já sofreu aborto. Nathália não sabe o que quer ser no futuro mas demonstra abertura para conversar, mesmo aparentando timidez. Diz que gosta da terapia a que é sub- metida no Conselho e prometeu ao repórter que voltará a estu- dar no próximo ano. “Pode vir aqui cobrar!” (LHC) >> NATHÁLIA, a adolescente entrevistada em Horizonte: promessa de retorno aos estudos CHICO GADELHA OUTUBRO/2006

“Casa de mulheres” em Horizonte - andi.org.br · da casa. O local já foi alvo de blitz da polícia e a dona, levada à dele-gacia. Negou qualquer relação com exploração sexual

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Page 1: “Casa de mulheres” em Horizonte - andi.org.br · da casa. O local já foi alvo de blitz da polícia e a dona, levada à dele-gacia. Negou qualquer relação com exploração sexual

12 FORTALEZA-CE, DOMINGO, 17 de dezembro de 2006

BR116Em 2004,diagnósticorealizado peloprojeto Sentinelaem Horizonteidentificou 50casos de abuso eexploração sexualde crianças eadolescentes. Agota d´água foi amorte de umajovem ao cair deum caminhão quelhe dava carona.Hoje, dificilmentese encontra umacriança ouadolescenteenvolvido com aquestão, sem tersido anteriormentevítima em casa domesmo tipo deagressão.

REGIÃO METROPOLITANA

DOCUMENTO BR

BR116A preocupação daPolícia em Pacajustem sido ocombate ao uso dedrogas. Para odelegado AntunesTeixeira,entorpecidas, asjovens sesubmetem a tudo.

A realidade do municípiode Maracanaú em relação aoproblema da exploração sex-ual de crianças e adoles-centes não difere das demaiscidades próximas a Fortaleza.Com o agravante de que,atraídas pela força econômi-ca do Município, muitasfamílias se deslocam do Inte-rior para aumentar os índicesde pobreza da região metro-politana da Capital.

Isso faz com que a explo-ração sexual de crianças eadolescentes também au-mente, diagnostica Carlos Fer-nando de Almeida, diretor doJuizado e da Adolescência noMunicípio. “O problema vemcrescendo em Maracanaú comcrianças vindas de outros mu-nicípios próximos. O índice égrande”. Um dos pontos vul-neráveis são postos de com-bustíveis no Anel Viário, viafederal que dá acesso à cidade.

Em Maracanáu, o Juizadodetecta outro problema: o tra-balho camuflado de criançasatuando como ambulantespróximo a Ceasa, mas que naverdade estariam sendo ex-ploradas sexualmente parasustentar suas famílias. “Difícilé fazer o flagrante. Mas temosrecebido muitas denúncias”,afirma Carlos Fernando. (LHC)

O levantamento da Po-lícia Rodoviária Fe-deral (PRF)identifi-cou três pontos vul-

neráveis à exploração sexual decrianças e adolescentes às mar-gens da BR-116 no trecho de 50quilômetros que começa na sa-ída de Fortaleza e vai até o mu-nicípio de Pacajus. Mas ospróprios conselhos tutelaresdas cidades de Itaitinga, Hori-zonte e Pacajús, cortadas pelavia, avaliam que o problema se-ja bem maior. Um dos agravan-tes da situação é a proximidadecom Fortaleza.

Se antigamente era fácil de-tectar crianças e adolescentessendo exploradas sexualmenteem postos de combustíveis naBR-116, logo na saída de Forta-leza, agora o problema não étão comum, como O POVOconstatou. Diminuiu a funçãodo posto como ponto fixo deexploração, mas não a do cami-nhoneiro. Ele continua sendoimportante peça nessa rede deperpetuação do problema. Éatravés da carona que as jovensse deslocam tanto ao Interiorou com destino a Capital.

A migração para Fortalezagera um problema mais grave,que é o pulo à prostituiçãoadulta. Não faltam histórias nosconselhos tutelares de jovensque deixaram os municípiospróximos a Capital e não volta-ram. Começam como adoles-centes e, já adultas, se integramà prostituição. Paradoxalmente,a repressão policial, a atuaçãode membros do Ministério Pú-blico e dos conselhos tutelaresseria responsável também porgerar outra figura nessa rede deilegalidade. Hoje não existiriam

mais os locais fixos de explora-ção, e sim pontos de encontro.Segundo os conselheiros, essespontos são fáceis de ser burla-dos, já que raramente se consu-ma o flagrante.

O delegado de Horizonte,Everardo Lima da Silva confir-ma a avaliação. Ele diz que oproblema foi gritante há doisanos. O último flagrante acon-teceu ainda no primeiro semes-tre de 2006, quando através deblitz foi presa uma dona de baràs margens da BR no trecho en-tre Horizonte e Chorozinho.Ali, ela mantinha quatro ado-lescentes na casa trazidas deJuazeiro do Norte.

Everardo destaca que na re-gião existem muitas casas deprostituição e que a polícia temprocurado manter vigilânciamais próxima nesses locais. Odelegado, porém, não descartaque adolescentes sejam vítimasde pessoas que as pegam emoutros locais. As praças do mu-nicípio, devido à movimenta-ção aos finais de semana, seri-am hoje os pontos vulneráveis.“Mas não podemos fazer nadasó porque a criança ou a ado-lescente sai com alguém de umlocal público”.

Em Itaitinga, não é difícilidentificar pontos vulneráveisao problema. Basta rápida con-versa com pessoas da cidadepara serem citadas as praçasnos finais de semana, a chama-da parada dos topiqueiros e al-guns bares às margens da BR-116. Da mesma forma aconteceem Pacajús, onde é intensa amovimentação de adolescentesnas barracas do complexo BeiraAçude ou na “praia da lama”. OPOVO percorreu os pontos ci-tados e os postos de combustí-veis às margens da via. Em ne-nhum deles, o problema foi de-tectado abertamente. (Luiz Henri-que Campos)

“Casa de mulheres”em Horizonte

Dificuldade no flagrante

NO DISTRITO DE QUEIMADAS,em Tianguá, na divisa do Ceará comPiauí, uma única mulher faz pontoentre as boléias dos caminhões queaguardam a fiscalização dos fiscais daSefaz cearense. É Toinha Alicate, 37,que se deixa fotograr pelos celularesdos caminhoneiros.

“É UM JEITO de fazer propaganda e ficar

conhecida no Brasil. Quando chegam aqui, me

procuram por minha especialidade”, brinca. Desde

que se separou do marido, há pouco mais de dez

anos, sobe diariamente à serra para trabalhar - com

exceção dos domingos. O dinheiro apurado - que

varia de mil a R$ 1.500, serve para pagar a faculdade

da filha em Sobral. “Ela não sabe de nada”.

Dona Marília (nome fictício)é mãe de duas filhas. A mais no-va tem 12 anos e é deficiente au-ditiva. Vai bem nos estudos enão gera tanta preocupação. Ofuturo incerto está comNathália (nome fictício), 16.Bonita e tímida, a adolescenteque tinha poucos amigos mu-dou o relacionamento com afamília a partir do começo desteano, quando juntou-se a umgrupo de mulheres que residempróximas a sua casa, em umbairro pobre da área urbana deHorizonte. Hoje, participa deum grupo de terapia no Consel-ho Tutelar, mas permanece fre-qüentando a residência dasamigas “suspeitas”.

Na casa, segundo denúnciaschegadas ao Conselho Tutelar,morariam somente mulheres,algumas de fora da cidade, quereceberiam homens todas asnoites. Nathália não nega ao OPOVO que a residência é fre-quentada por homens, mas nãoadmite que ali elas sejam objetode exploração sexual. “Ficamoscom nossos namorados”, diz,para depois afirmar que aresidência também é freqüenta-da por operários das fábricas doDistrito Industrial de Horizonteque são amigos das moradorasda casa.

O local já foi alvo de blitz dapolícia e a dona, levada à dele-gacia. Negou qualquer relaçãocom exploração sexual e, comonão houve flagrante, foi libera-da. O Conselho, porém, contin-ua recebendo denúncias de quemototaxistas levam as mulheresda casa para programas emvários pontos do Município.Aos finais de semana, aumentaa preocupação de dona Marília,pois Nathália passa noites semdormir em casa.

Apesar das desavenças coma mãe, Nathália confessa ao OPOVO que gosta dela, mas tam-bém de estar na companhia dasoutras amigas “suspeitas”. Filhade pais separados, o pai moraem Messejana e não frequentamais sua casa, também afirmargostar do pai. O interessante é

que concorda com a avaliaçãoda mãe de que não é bom andarcom as amigas. Além disso, re-força que é mais seguro estarem casa do que na rua.

Rua que pode significarvários lugares do município ouaté de outros próximos, comoPacajus. Nathália confessa tam-bém que nunca freqüentoumotéis, mas as amigas comquem anda (adolescentes) jáentraram com facilidade nesseslugares acompanhadas de pes-soas mais velhas. Quanto asexo, foge do assunto. Não fala,por exemplo, se usa camisinhaou se as amigas, mais velhas,tocam no tema. Diz, porém,que uma desssas amigas jásofreu aborto.

Nathália não sabe o que querser no futuro mas demonstraabertura para conversar, mesmoaparentando timidez. Diz quegosta da terapia a que é sub-metida no Conselho e prometeuao repórter que voltará a estu-dar no próximo ano. “Pode viraqui cobrar!” (LHC)

>> NATHÁLIA, a adolescente entrevistada em Horizonte: promessa de retorno aos estudos

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