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Casas Atomizadas: Casa Grelha
Neste artigo será analisada a Casa Grelha, construída em 2007 e projetada pelo escritório paulistano FGMF, Do ponto de vista
tipológico, as referências desta casa parecem se aproximar do que será tratado nesta pesquisa como casa-atomizada, aquelas
que são organizadas em alas independentes, conectadas por varandas, tendo como suporte uma grelha, a princípio, horizontalizada.
A atomização da casa moderna deriva do ideário funcionalista que, em busca de maior eficiência, promoveu a segregação
dos ambientes da casa em “zona dia” e “zona noite” ou em setores social, serviço e íntimo. Essa estratégia, muitas vezes,
levou à consolidação de partidos decompostos, onde cada volume explicitava a sua natureza programática. Por outro lado, a
conexão destas alas decompostas por meio de varandas se justifica, no caso específico do Brasil, pela tradição deste espaço
na cultura de morar brasileira, onde sempre cumpriu o papel de ambiente de transição entre dentro e fora, de lugar de
convívio familiar e voltado à interação física e visual com exterior.
A exploração destes arranjos, recorrente no modernismo brasileiro, persiste em várias casas contemporâneas brasileiras estudadas
nesta pesquisa, podendo estas serem reagrupadas em temas e/ou subgrupos tipológicos, onde se observa algumas recorrências -
Arranjos em linha, com adição de volumes; Arranjos em linha, com partidos compactos, segregados por jardins; Arranjos em grelha,
com adição de volumes conectados por uma varanda integradora -, tema este último em que se insere aqui a casa em estudo.
A Casa Grelha está localizada no estado de São Paulo, numa região isolada da Serra da Mantiqueira, e foi idealizada como casa de
campo para o uso esporádico de uma família composta pelos pais (proprietários da casa), filhos e suas esposas e netos. Este uso
condiciona vários aspectos do partido arquitetônico adotado, como será melhor analisado na sequência. (Figura 1)
CASA GRELHA Local: Serra da Mantiqueira - SP
Ano: 2007
Escritório FGMF
Autoras: Juliana Moroishi e Ana Elísia da Costa
Figura 1: Casa Grelha (2007) - (a) Axonométrica; (b) Fotografia. FGMF
Fonte:(a) MOROISHI, Juliana, 2016; (b) Acervo FGMF
(a) (b)
Implantação e Partido Formal
O lote no qual a casa está inserida é amplo (68000m²), possui uma topografia acentuada e uma vasta e importante vegetação. O
local escolhido para a inserção da casa não foi o mais alto, como as vezes espera-se em casos com farta paisagem, mas sim entre
dois aclives topográficos que margeiam um pequeno recurso hídrico. Neste contexto, a casa apóia-se nos dois picos dos aclives,
unindo-os e permitindo a passagem do referido elemento hídrico sob a mesma, o que sugere a referência "poética" de uma casa-
ponte. Uma modulação de 5,5 x 5,5 x 3m define sua grelha estrutural e compositiva que assume uma grande extensão horizontal
para acomodar o programa principal da casa em apenas um pavimento. O caráter horizontal resultante entra em contradição com
a verticalidade sugerida pela elevação da residência em relação ao solo. (Figura 2)
Esta extensa trama modular possui um aspecto monumental que, também contraditoriamente, procura estabelecer uma relação
“amigável” ou uma simbiose com a natureza, alcançada por meio da materialidade predominante na estrutura (madeira) e da
manutenção de módulos vazios entre os núcleos edificados, por onde a vegetação é passante. Estes “vazios arborizados” são
explorados como espaços de contemplação, quer dos núcleos edificados, quer das varandas que os conectam, estabelecendo
um intenso diálogo com o exterior, como se a casa estivesse compartilhando o seu espaço com meio. (Figura 3)
\
Figura 2: Casa Grelha (2007) - (a) Implantação (b) Imagem aérea (c) Diagrama casa-ponte. FGMF
Fonte: (a) e (b) Acervo FGMF; (c) MOROISHI, Juliana, 2016
(a) (b)
(c)
Horizontalidade / Barra
Verticalidade
Configura-se assim um partido aditivo, com um aspecto bastante rarefeito, organizado a partir da grelha e um eixo longitudinal.
Atribui-se a este eixo uma maior hierarquia em relação aos outros, por sua dimensão e por sua disposição centralizada no
conjunto que assume uma função organizadora, segregando o corpo principal da casa em relação às três unidades
habitacionais independentes; e ainda, pelas visuais e sensações promovidas em seu percurso linear, explicitando os extremos
da edificação. (Figura 4)
Figura 3: Casa Grelha (2007) - (a e b) modulação e ocupação; (c) Vista perspectivada oeste. FGMF
Fonte: MOROISHI, Juliana, 2016
(a)
Modulação
Módulos ocupados / fechados
Módulos ocupados / abertos (varandas)
Eixo arranjo linear
(a)
(b)
Figura 4: Casa Grelha (2007) e o eixo longitudinal de maior hierarquia – (a) planta; b) perspectiva.FGMF
Fonte: MOROISHI, Juliana, 2016
(b)
(c)
Configuração funcional
A casa tem como característica a organização do seu programa de forma horizontal, como se fosse térrea, e atomizada, com
volumes independente, como já exposto. Observa-se a fragmentação do programa em um corpo principal –que envolve os
setores social, serviço e parte do íntimo, com o dormitório dos proprietários e um quarto de hóspedes– e três unidades
habitacionais autônomas. A posição do setor de serviços se relacionada com acesso principal e a do setor social, com a
exploração das melhores visuais. (Figuras 5a e 5b). A orientação dos ambientes dos setores íntimos busca explorar não só
as visuais, mas também proporcionar uma privacidade dramatizada, que isola física e visualmente as unidades habitacionais
entre si, bem como restringe o convívio familiar aos ambientes sociais e de serviços. (Figura 5c)
A Casa Grelha permite ao usuário uma variedade de caminhos. É possível circular sobre a cobertura, que liga um pico do
terreno ao outro; sob a casa, passando pelo percurso hídrico; e no nível da casa, nos caminhos promovidos pelas varandas.
Há, nessas três possibilidades; um intenso diálogo físico e visual com o exterior. Na circulação da residência, ainda observa-
LEGENDA:
zona social
zona serviço
zona íntima
Zona-dia
Zona-noite
(c)
(a)
permeabilidades visuais
Figura 5: Casa Grelha (2007) (a) e (b) zoneamento; (c) Diagrama visuais. FGMF
Fonte: MOROISHI, Juliana, 2016
LEGENDA:
zona social
zona serviço
zona íntima (b)
(b)
(c)
se essa característica da diversidade de percursos, entendendo os caminhos principais por sua localização e dimensões,
mas indicando caminhos alternativos identificados na figura 6.
Próximo ao eixo de circulação de maior hierarquia, o hall do corpo principal da casa é agigantado, ganhando feições de uma extensão
do estar. Contudo, a sua disposição visa claramente conferir autonomia de uso aos seus setores social e íntimo. (Figura 6)
Os elementos de composição irregulares (serviços e banheiros, neste acaso) são posicionados ora para a favorecer a
integração dos ambientes internos, como a área de serviço localizada perifericamente à casa, e ora para promover a
setorização, como acontece nos banheiros que dividem as áreas íntimas, promovendo uma barreira física e visual. (Figura 7)
Figura 6: Casa Grelha (2007) - (a) diagrama possibilidades de percurso; (b) diagrama percursos na casa. FGMF
Fonte: MOROISHI, Juliana, 2016
LEGENDA: Circulação sobre a casa
LEGENDA:
elementos irregulares
Figura 7: Casa Grelha (2007) – diagrama de inserção dos elementos irregulares. FGMF
Fonte: MOROISHI, Juliana, 2016
(a) (b)
Circulação pela casa
Circulação sob a casa
Circulação distributiva
Circulação nas partes internas
Espacialidade
A espacialidade da Casa Grelha, em seu conjunto, é multidirecional, com múltiplos pontos focais, decorrente da sua
intensa integração com a área externa. No acesso principal à casa pela varanda principal longitudinal, apesar da
multiplicidade de experiências visuais e sensórias promovidas, tem-se uma tensão unidirecional que predomina sobre
as outras e que leva o olhar ao fim do eixo que tem como ponto focal uma escadaria. (Figura 8a). Ao acessar o hall,
ambiente integrado, aberto e iluminado, a experiência espacial é multidirecional com múltiplos pontos focais, onde o
fruidor deve se direcionar ao setor intimo ou social. (Figura 8b)
Transposto o hall, chega-se à sala de estar que mantém a mesma linguagem espacial do anterior. Nela, as barreiras visuais são
mínimas ou nulas, sendo ela toda vedada com elementos translúcidos que, quando abertos, promovem a integração entre interior
e exterior. Neste espaço aberto, saturado de iluminação natural e com grandes aberturas que revelam a paisagem externa,
consolida-se também uma experiência multidirecional, com inúmeros pontos focais de interesse. (Figura 9a). Integrada à sala,
a cozinha ocupa um volume menos translúcido, cuja amplitude ainda promove uma dilatação espacial que é menos
intensa que a vivenciada na sala de estar, mas não ainda caracterizada como uma contração espacial (Figura 9b)
Figura 8: Espacialidade da Casa Grelha (2007) - (a) varanda longitudinal; (b) hall de entrada. FGMF
Fonte: Acervo FGMF; MOROISHI, Juliana, 2016
(a)
(b)
Na passagem do setor social-serviços para o íntimo, as dimensões estreitas do corredor íntimo promovem uma
contração espacial que é abrandada pelas grandes esquadrias que o delimitam e o integram com os módulos vazios da
grelha. Assim, com um novo nível de permeabilidade visual, o percurso preparando de forma dual o usuário para
ingressar na área mais privada da casa. (Figura 10)
Fora do corpo principal da casa, nas passarelas-varandas que o conectam com as unidades habitacionais, a
experiência exteriorizada e dinâmica ainda é constante. Apenas a redução da largura destas varandas (meio módulo),
sugere sutilmente uma contração física, preparando para o acesso à área íntima. Efeitos de luz e sombra promovidos
pelas pérgolas indicam certa intimidade, uma vez que já se está na casa , mesmo que em um ambiente externo. (Figura
11a). Na terminação dos percursos, a experiência espacial nos quartos promove uma compressão espacial. A única
janela destes ambientes configura seu ponto focal, sugerindo uma tensão visual unidirecional. (Figura 11b)
Figura 9: Espacialidade da Casa Grelha (2007) - (a) sala de estar; (b) cozinha. FGMF
Fonte: Acervo FGMF; MOROISHI, Juliana, 2016
Figura 10: Espacialidade da Casa Grelha (2007) – circulação íntima. FGMF
Fonte: MOROISHI, Juliana, 2016
(a)
(b)
Assim, observa-se que a experiência espacial na casa é uniformizada, sempre exteriorizada e com tensões multidirecionais
(hall, sala estar, cozinha, corredor íntimo, corredores-varandas), variando apenas em menor grau nos quartos.
Considerações Finais
A Casa Grelha pode ser entendida como uma herdeira da atomização horizontalizada observadas em casas modernas
cariocas, como ilustram as casas Hermenegildo Sotto Maior (1942 - Aldary Henrique Toledo); Hidelbrando Accioly (1949
- Francisco Bolonha) e Adolpho Bloch (1955 - Francisco Bolonha). Por outro lado, a Casa Grelha herda também os
arranjos modulados verticalizados observados em casas paulistas, como a Casa Morumbi (1951 - Oswaldo Bratke) e
Casa Hélio Olga (1987 - Marcos Acayaba).
Setorização expressa em composições aditivas, modulação estrutural e compositiva, emprego de varandas, emprego
de materiais locais e busca de uma intensa relação entre interior e exterior são características presentes em várias
casas moderna, bem como na casa em estudo. Aqui, contudo, uma maior transgressão tipológica se expressa na
ocupação rarefeita e atomizada dos módulos da grelha, dando mais ênfase às partes do que ao todo. Por outro lado, a
expressão formal da grelha gera uma ambigüidade visual não reconhecível entre as obras modernas: quais elementos
possuem maior hierarquia –os suportantes ou os suportados? (Figura 12)
(a)
(b)
(b)
Figura 11: Espacialidade da Casa Grelha (2007) – (a) circulações externas secundárias; (b) quarto. FGMF
Fonte: MOROISHI, Juliana, 2016/ http://www.archdaily.com.br/br/01-18458/casa-grelha-fgmf