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ROBERTO DOS SANTOS SOUZA ESTUDO DE CASO: PRISÃO DO DEPOSITÁRIO INFIEL NO PROCESSO TRABALHISTA Trabalho apresentado como requisito parcial à aprovação no módulo de Processo do Trabalho e Previdenciário, do Curso de Pós-Graduação em Direito do Trabalho da Universidade Federal da Bahia Professor: Luciano Martinez SALVADOR

CaSe. PRISÃO DO DEPOSITÁRIO INFIEL NA JUSTIÇA DO TRABALHO

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ROBERTO DOS SANTOS SOUZA

ESTUDO DE CASO: PRISÃO DO DEPOSITÁRIO INFIEL NO PROCESSO TRABALHISTA

Trabalho apresentado como requisito parcial à aprovação no módulo de Processo do Trabalho e Previdenciário, do Curso de Pós-Graduação em Direito do Trabalho da Universidade Federal da BahiaProfessor: Luciano Martinez

SALVADOR

2010

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ESTUDO DE CASO : PRISÃO DO DEPOSITÁRIO INFIEL NO PROCESSO TRABALHISTA

CASO: PROCESSO Nº TST-ROHC-87600-42.2008.5.15.0000 originado do PROCESSO TRT 15ª REGIÃO Nº 00876-2008-000-15-00-0 HC

CASOS RELACIONADOS: RE 349.703-1; RE 466.343-1; HC 87.585-8 TODOS DO STF

SUMÁRIO

1. APRESENTAÇÃO DO CASO...................................................3

2. ANÁLISE DO CASO..................................................................3

2.1 DA DECISÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO E DO TRT DA 15ª REGIÃO .....................................................................................3

2.2 DA POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL..........5

3. CONSEQUÊNCIAS DA DECISÃO DO STF E POSSIBILIDADE DA

MANUTENÇÃO DA PRISÃO DE DEPOSITÁRIO INFIEL NA JUSTIÇA DO

TRABALHO.............................................................................9

4. BIBLIOGRAFIA......................................................................13

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1. APRESENTAÇÃO DO CASO

O presente trabalho analisa caso jurisprudencial onde se é discutida a possibilidade

da prisão de depositário infiel no nosso ordenamento e principalmente em sede de processo

do trabalho.

Analisaremos o Recurso Ordinário em Habeas Corpus TST-ROHC-87600-

42.2008.5.15.0000, sobre a relatoria do Ministro Emmanoel Pereira, em que foi decidido

que não é válida a prisão de depositário infiel no ordenamento jurídico nacional diante do

que dispõe a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa

Rica) vigente no Brasil a partir de 25/09/1992 e do Pacto dos Direitos Civis e Políticos de

vigente no ordenamento nacional a partir de 24/01/1992.

A decisão se baseia em atual entendimento do STF sobre a matéria expressa nos

acórdãos, dentre outros, dos RE 349.703-1 e RE 466.343-1, de relatoria do Ministro

Gilmar Mendes e do Ministro Cezar Peluso, respectivamente. Tal questão, inclusive, foi

objeto de súmula vinculante de nº 25 com seguinte teor: “É ilícita a prisão civil de

depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”. Diante disso torna-se

imprescindível a análise dos fundamentos constantes nos acórdãos citados do STF para o

devido enfrentamento da matéria.

2. ANÁLISE DO CASO

2.1 Da decisão do Tribunal Superior do Trabalho e do TRT da 15ª Região

O TRT da 15ª Região, no processo Nº 00876-2008-000-15-00-0 HC,

denegou a ordem de habeas corpus à José Servino Braga. Inconformado, o impetrante

interpõe recurso ordinário perante o TST.

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Trata-se de habeas corpus preventivo impetrado em favor de JOSÉ

SERVINO BRAGA, pretendendo a expedição de salvo conduto contra iminente ordem de

prisão a ser exarada pelo Juiz Titular da 5ª Vara do Trabalho de Campinas-SP

Tem-se como fato gerador a ausência de comprovação do depósito judicial

de 5% do faturamento mensal bruto da Associação Atlética Franca, do qual o paciente

figura como depositário.

O TRT da 15ª Região denegou a ordem, sob o argumento de que não

verificara ilegalidade ou abuso de poder diante da regularidade da investidura do

depositário, da legalidade da penhora do faturamento e da ausência do depósito que se

tornara obrigado como depositário o Sr. José Servino Braga. Concluindo, então, pela

regularidade da futura e possível ordem de prisão.

Não fora analisada se ainda subsiste no nosso ordenamento a possibilidade

de prisão do depositário infiel à luz do que dispõe o Pacto de São José da Costa Rica

(Convenção Americana de Direitos Humanos) ou Pacto dos Direitos Civis e Políticos da

ONU.

Irresignado, o impetrante interpõe recurso ordinário, insistindo na concessão

da ordem de habeas corpus, perante o TST.

O TST deferiu o Habeas Corpus por considerar a prisão de depositário infiel

ilegal diante do atual entendimento do STF de impossibilidade de prisão de depositário

infiel à luz dispositivos constantes no Pacto de São José da Costa Rica e no Pacto dos

Direitos Civis e Políticos da ONU, ambos ratificados pelo Brasil, leia-se:

...bem como antes de se cogitar da hipótese de depositário fiel ou infiel,

tem-se que a possibilidade de expedição do decreto prisional mostra-se

ilegal por outro fundamento, notadamente aquele acerca da ilegalidade

da prisão civil do paciente na condição de depositário infiel, porquanto

relacionado com a aplicação das Convenções e dos Tratados

Internacionais sobre direitos humanos dos quais o Brasil é signatário,

como no caso do Pacto de São José da Costa Rica, que prevê a

exclusividade da prisão civil do devedor de alimentos.

Com efeito, à luz das normas internacionais em que o Brasil é signatário,

o Supremo Tribunal Federal, notadamente após a edição da Emenda

Constitucional 45/2004, em atenção ao disposto no art. 5º, §3º, da

CF/88, firmou entendimento no sentido de que restaram derrogadas as

normas definidoras da custódia do depositário infiel. Logo, desde a

ratificação pelo Brasil do Pacto Internacional dos Direitos Civis e

Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos -

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Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), não haveria mais base legal

para a prisão civil do depositário infiel.

O Plenário daquela Corte decidiu que a proibição da prisão civil por

dívida, prevista no art. 5º, LXVII, da Carta Política, estende-se ao infiel

depositário judicial de bens, restringindo a possibilidade da prisão civil

apenas ao responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de

obrigação alimentícia (stricto sensu), na qual não se inclui o crédito

trabalhista tendo, inclusive, cancelado sua Súmula 619.

Visto que a decisão baseia-se no entendimento recente do STF sobre a questão, é

necessária a análise dos fundamentos contidos nos acórdãos do RE 349.703-1 e RE

466.343-1 e HC 87.585-8, precedentes da súmula vinculante nº 25.

2.2 Da posição do Supremo Tribunal Federal

No RE 349.703-11, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes, em voto vencedor,

espelha o atual pensamento dentro da nossa Suprema Corte sobre o assunto:

...............................................III – Prisão civil do depositário infiel em face dos tratados internacionais de direitos humanos...............................................Por conseguinte, parece mais consistente a interpretação que atribui a característica de supralegalidade aos tratados e convenções de direitos humanos. Essa tese pugna pelo argumento de que os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de supralegalidade.Em outros termos, os tratados sobre direitos humanos não poderiam afrontar a supremacia da Constituição, mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico. Equipará-los à legislação ordinária seria subestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteção dos direitos da pessoa humana..................................................................No Direito Tributário, ressalto a vigência do princípio da prevalência do direito internacional sobre o direito interno infraconstitucional, previsto pelo art. 98 do Código Tributário Nacional. Há, aqui, uma visível incongruência, pois admite-se o caráter especial e superior

1 RE 349703 / RS - RIO GRANDE DO SUL Relator(a):  Min. CARLOS BRITTO Relator p/ Acórdão: MIN. GILMAR MENDES Julgamento:  03/12/2008  Órgão Julgador:  Tribunal Pleno Publicação: DJe 05/06/2009

../jurisprudencia/l RE349703 / RS -

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(hierarquicamente) dos tratados sobre matéria tributária em relação à legislação infraconstitucional, mas quando se trata de tratados sobre direitos humanos, reconhece-se a possibilidade de que seus efeitos sejam suspensos por simples lei ordinária.........................................................Portanto, diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na Constituição, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante.Nesse sentido, é possível concluir que, diante da supremacia da Constituição sobre os atos normativos internacionais, a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel (art.5°, inciso LXVII) não foi revogada pelo ato de adesão do Brasil ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7°, 7), mas deixou de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria, incluídos o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e o Decreto-Lei nº 911, de 1º de outubro de 1969.Tendo em vista o caráter supralegal desses diplomas normativos internacionais, a legislação infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante também tem sua eficácia paralisada. É o que ocorre, por exemplo, com o art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002), que reproduz disposição idêntica ao art. 1.287 do Código Civil de 1916.Enfim, desde a adesão do Brasil, no ano de 1992, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7°, 7), não há base legal para aplicação da parte final do art. 5º, inciso LXVII, da Constituição, ou seja, para a prisão civil do depositário infiel. (grifos no original)

No mesmo Recurso Extraordinário, o Ministro Celso de Mello, adotou a

tese do caráter constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos, leia-se:

Após muita reflexão sobre esse tema, e não obstante anteriores julgamentos desta Corte de que participei como Relator ( RTJ 174/463-465 – RTJ 179/493-496 ), inclino-me a acolher essa orientação, que atribui natureza constitucional às convenções internacionais de direitos humanos, reconhecendo, para efeito de outorga dessa especial qualificação jurídica, tal como observa CELSO LAFER, a existência de três distintas situações concernentes a referidos tratados internacionais:(1) tratados internacionais de direitos humanos celebrados pelo Brasil (ou aos quais o nosso País aderiu), e regularmente incorporados à ordem interna, em momento anterior ao da promulgação da Constituição de 1988 (tais convenções internacionais revestem-se de índole constitucional, porque formalmente recebidas, nessa condição, pelo § 2º do art. 5º da Constituição);(2) tratados internacionais de direitos humanos que venham a ser celebrados pelo Brasil (ou as quais o nosso País venha aderir) em data posterior à da promulgação da EC nº 45/2004 (essas convenções

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internacionais, para se impregnarem de natureza constitucional, deverão observar o “ìter” procedimental estabelecido pelo § 3º do art. 5º da Constituição; e(3) tratados internacionais de direitos humanos celebrados pelo Brasil (ou as quais o nosso país aderiu) entre a promulgação da Constituição de 1988 e a superveniência da EC nº 45/2004 (referidos tratados assumem caráter materialmente constitucional, porque essa qualificada hierarquia jurídica lhes é transmitida por efeito de sua inclusão no bloco de constitucionalidade, que é “ a somatória daquilo que se adiciona à Constituição escrita, em função dos valores e princípios nela consagrados”)......................................................................................Nesse contexto, e sob essa perspectiva hermenêutica, valorizar-se-á o sistema de proteção aos direitos humanos, mediante atribuição, a tais atos de direito internacional público, de caráter hierarquicamente superior ao da legislação comum, em ordem a outorgar-lhes, sempre que se cuide de tratados internacionais de direitos humanos, supremacia e precedência em face de nosso ordenamento doméstico, de natureza meramente legal..................................................................Em suma: o entendimento segundo o qual existe relação de paridade normativa entre convenções internacionais e leis internas brasileiras há de ser considerado, unicamente, quanto aos tratados internacionais cujo conteúdo seja materialmente estranho ao tema dos direitos humanos. (grifos no original)

Existe uma discordância quanto à posição hierárquica-normativa dos

tratados internacionais de direitos humanos no nosso ordenamento.

Uma corrente, majoritário dentro do Tribunal, liderada pelo Ministro Gilmar

Mendes, entende que os tratados internacionais ocupam uma posição entre constituição e a

lei ordinária. Acima desta e abaixo daquela. Os tratados internacionais, na linguagem do

Ministro, teriam um caráter supralegal com eficácia paralisante dos dispositivos

infraconstitucionais conflitantes sejam ou posteriores a sua entrada em vigor.

Portanto tanto os preceitos do Decreto-Lei nº 911 de 1º/12/1969 que tratam

sobre prisão do depositário infiel quanto o artigo 652 do Código Civil tiveram sua eficácia

paralisada pelo Pacto de São da Costa Rica e do Pacto dos Direitos Civis e Políticos.

Cabe aqui esclarecer que, para as duas correntes, o texto constitucional

(art.5, LXVII), não estabelece a prisão por dívida do depositário infiel e do inadimplente

de obrigação alimentícia, mas apenas autoriza o legislador infraconstitucional a estabelecer

esses tipos de prisão. Cabe o legislador criar ou não esse tipo de prisão civil. Ou seja, a

Constituição de 1988 estabelece uma vedação à prisão civil por dívida, como regra geral,

porém autoriza o legislador infraconstitucional a estabelecer dois tipos de prisão como

exceção a do inadimplente de obrigação alimentícia e do depositário infiel.

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Sobre o assunto, trecho do voto do Ministro Celso de Melo, no HC 87.585-

8, que apesar defender a tese da equiparação entres tratados de direitos humanos e normas

constitucionais, tratou sobre o tema:

Na realidade, as exceções à cláusula vedatória da prisão civil por dívida devem ser compreendidas como um afastamento meramente pontual da interdição constitucional dessa modalidade extraordinária de coerção, em ordem a facultar, ao legislador comum, a criação desse meio instrumental nos casos de inadimplemento voluntário e injustificável de obrigação alimentar e de infidelidade depositária.Isso significa que, sem lei veiculadora da disciplina da prisão civil nas situações excepcionais referidas, não se torna juridicamente viável a decretação judicial desse meio de coerção processual, pois a regra inscrita no inciso LXVII do art. 5º da Constituição não tem aplicabilidade direta, dependendo, ao contrário, da intervenção concretizadora do legislador (“interpositio legislatoris”), eis que cabe, a este, cominar a prisão civil, delineando-lhe os requsitos, determinando-lhe o prazo de duração e definindo-lhe o rito de sua aplicação, a evidenciar, portanto, que a figura da prisão civil, se e quando instituída pelo legislador, representará a expressão de sua vontade, o que permite examinar esse instrumento coativo sob uma perspectiva eminentemente infraconstitucional e conseqüentemente viabilizadora da análise – que me parece inteiramente pertinente ao caso em questão – das delicadas relações que se estabelecem entre o Direito Internacional Público e o Direito interno dos Estados nacionais.(grifos no original)

Portanto, o STF entendeu pela ilicitude da prisão de depositário infiel, em

qualquer de suas modalidades, conforme defende o Ministro Cezar Peluso, relator do RE

466.343-12 que na confirmação do seu voto, concluiu:

Com esses fundamentos, também concedo o habeas corpus, mas fazendo ressalva que me parece importantíssima: o corpo humano, em qualquer dessas hipóteses, é sempre o mesmo. E o valor jurídico e a tutela que merece do ordenamento são também os mesmos, quer se trate de caso de depositário contratual, de depositário legal ou de depositário judicial. Ou seja, a modalidade do depósito é absolutamente irrelevante para efeito do reconhecimento de que o uso de estratégia jurídica que, como técnica coercitiva de pagamento, recaia sobre o corpo humano, é uma das mais graves ofensas à dignidade da pessoa humana.De modo que não releva o título jurídico pelo qual se agride a dignidade humana, se por força de dívida de caráter contratual, se por força de dívida decorrente do múnus de depositário, dentro do processo, ou ainda se é decorrente de outro dever oriundo da incidência de norma que regula os chamados depósitos necessários. Em quaisquer desses casos, a meu ver, a admissibilidade da prisão civil, subtendendo-se ressalva à hipótese constitucional do inadimplente de obrigação alimentar, seria sempre retorno e retrocesso ao tempo em que o corpo humano era corpo vilis, que como tal, podia ser objeto de qualquer medida do Estado,

2 RE 466343, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/12/2008, DJe 04-06-2009

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ainda que aviltante, para constranger o devedor a saldar sua dívida. Isso me parece absolutamente incompatível com atual concepção, qualquer que seja ela, da dignidade da pessoa humana. (grifos no original)

Tal posicionamento levou o Supremo a cancelar a Súmula 619 da Corte que

dispunha: “A prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo

em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura de ação de

depósito.”.

Porém, quanto ao depósito judicial, o Ministro Carlos Alberto Menezes

Direito, nos julgamento dos precedentes judiciais supracitados, ressalvou o seu

entendimento quanto manutenção da prisão do depositário infiel judicial:

....Nesse caso específico, a prisão não é decretada com fundamento no descumprimento de uma obrigação civil, mas no desrespeito a um múnus público. Entre o Juiz e o depositário dos bens apreendidos judicialmente a relação que se estabelece é, com efeito, de subordinação hierárquica, já que este último está exercendo, por delegação, uma função pública............................................Bem observou sobre esse tema o Ministro Teori Zawascki (voto-vista no HC nº 92.197/SP), mostrando a diferença entre os dois regimes, o da prisão civil com origem contratual e a prisão civil do depositário judicial dos bens penhorados. É que, neste caso, a designação não decorre nem origina obrigação contratual, sendo induvidoso que o depositário judicial, envolvendo a própria dignidade do processo judicial. É que ‘considerada essa peculiar condição jurídica do depositário judicial de bens penhorados, que não resulta de contrato, nem representa uma dívida, não se pode ter por incompatível a sua prisão civil com as normas de direito internacional acima referidas.

Diante do entendimento fixado pelo STF nos precedentes RE 349.703-1 e

RE 466.343-1 fora proposta e aprovada a edição de súmula vinculante, que recebeu o nº

25, com o seguinte teor: “ É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja

a modalidade do depósito.”

Com isso, a decisão do STF tornou-se vinculante em relação aos demais órgãos do

Poder Judicário.

3. CONSEQUÊNCIAS DA DECISÃO DO STF E POSSIBILIDADE DA

MANUTENÇÃO DA PRISÃO DE DEPOSITÁRIO INFIEL NA JUSTIÇA DO

TRABALHO

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Preliminarmente vejamos os textos normativos de se origina a discussão. A

Constituição Federal, em seu art. 5°, inciso LXVII, dispõe:

Art. 5°. .....................LXVII – não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;

Porém, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos da ONU, em seu art. 11,

dispõe:

ARTIGO 11Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual.

O Pacto de São José de Costa Rica, em seu art. 7° dispõe:

Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal......................................7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.

O art. 11 do Pacto de Direitos Civis e Políticos determina que ninguém poderá ser

preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual.

A prisão do depositário judicial não decorre de uma obrigação contratual, mas de

descumprimento de um múnus público. A obrigação do depositário judicial não se

confunde com o depósito contratual. Na lição de Frederico Marques:

O ato executivo do depósito não se confunde com o depósito convencional regulado no direito privado. O depósito de bem penhorado é de direito processual; e, como ato do processo executório, tem por característica ser um ato judicial em que aparece o Estado a ordenar, no exercício do seu jus imperii, a guarda dos bens do executado, móveis ou imóveis.3

O Pacto de São José de Costa Rica, no art. 7º, 7, veda a prisão por dívida e ressalva

a prisão decorrente de inadimplemento de obrigação alimentícia.

A prisão de depositário judicial decorre do descumprimento de um múnus público e

não de uma dívida. Tanto assim que, no caso de identidade entre a figura do devedor e do 3 MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual, Vol IV – Execução e Cautelar. Campinas: Bookseller, 1997, p. 204

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depositário, se este bem conservar o bem, mesmo que o valor arrecadado com a venda do

bem não quite totalmente a dívida, o devedor/depositário não sofrerá nenhuma restrição em

sua liberdade.

A prisão decorre de uma quebra de fidúcia no cumprimento de um múnus público.

O depositário tem de devolver o bem o qual não tem mais disponibilidade ou nunca teve. O

deposito judicial não possui natureza contratual, trata-se de depósito necessário nem se

pode falar de dívida posto que o depositário não assume uma dívida perante o magistrado.

Portanto há total compatibilidade da prisão civil do depositário judicial tanto com a

Constituição Federal quanto com os tratados de direitos humanos supracitados.

Concordamos plenamente com a posição do saudoso Ministro Menezes Direito, que

no seu voto-vista no RE 349.703-1 e no HC 87.585-84 chamou a atenção para o caso

particular do depósito judicial que não se sujeitaria aos mesmos preceitos normativos do

depósito contratual, para fins de aplicação da prisão civil.

Além do mais a Convenção Americana de Direitos Humanos, conforme acima

citamos, ressalva a inadimplência decorrente de obrigação alimentar. Doutrina e

jurisprudência trabalhista defende o caráter essencial das verbas trabalhistas como

decorrência do seu caráter alimentar.

A própria Constituição Federal, no §1º, do art. 100, ao reconhecer a preferência dos

débitos de natureza alimentícia no pagamento dos precatórios judiciais, defini-os como os

decorrentes de salários, vencimentos, provimentos, pensões e suas complementações,

benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em

responsabilidade civil. Observe que são verbas essenciais à sobrevivência da pessoa.

Por isso, a própria Constituição, em seu art. 5º, LXVII, quanto na Convenção

Americana de Direitos Humanos há uma relação de precedência condicionada entre o

direito à liberdade e o de subsistência. Diante dessa ponderação entre interesses humanos

essenciais pré-estabelecida no âmbito constitucional e internacional, em que prevalece o

direito à sobrevivência e da óbvia observação que o salário é, quase sempre, o único meio

de sobrevivência do trabalhador é que deve, também por esse motivo, mantida a prisão de

depositário infiel no âmbito do processo do trabalho.

O depósito judicial se dá no âmbito de execuções trabalhistas em que o devedor,

que normalmente ao ter bens penhorados se torna depositário desses mesmos bens e acaba

faltando com o seu dever e alienando o bem que estava sua guarda ou atuando com

4 HC 87585 / TO - TOCANTINS Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO Julgamento:  03/12/2008   Órgão Julgador:  Tribunal Pleno Publicação: DJe 26/06/2009

../jurisprudencia/l HC87585 / TO - T

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negligência dando causa ao perecimento do bem, ocasionando, também no âmbito judicial,

a inadimplência da obrigação trabalhista. Mais uma vez, observamos que não se trata da

prisão de um devedor e sim a prisão de alguém que assumiu um encargo perante a Justiça e

culposamente não o cumpriu.

Com o fim da prisão de depositário infiel a Justiça do Trabalho perde um

importante instrumento de coibição de atentado contra a dignidade da justiça que pode

ocasionar um grande impacto na efetividade da execução trabalhista.

Por isso verifica-se uma resistência no âmbito do 1ª grau, principalmente e do 2ª

grau de jurisdição trabalhista idéia de ilicitude da prisão do depositário infiel. Leia-se

trechos do acórdão do Douto Desembargador do Trabalho Georgenor de Sousa Franco

Filho, exarado no acórdão TRT SE I/HC 00197-2009-000-08-00-05:

... Há outro argumento, a confrontar com aquele expendido pela Suprema Corte: o crédito trabalhista tem natureza alimentar, por isso é privilegiado em relação a todos os demais, sem exceção. E por que? Porque o direito à contra prestação pelo trabalho prestado abrange, por igual, o direito à alimentação. Pois bem! Ao negar o direito de prender o depositário infiel, estará sendo negado o direito de o credor trabalhista (de natureza alimentar), que tem direito também à alimentação, e a alimentação é vida, obrigar o cumprimento de uma tarefa que judicialmente foi atribuída a outrem: ao fiel (agora infiel) depositário.............................................................................................................Ora, ninguém dúvida que a liberdade é um direito humano fundamental. Ninguém dúvida, igualmente, que a vida é um indispensável para que exista liberdade. Todos sabem que créditos trabalhistas têm natureza alimentar. Pois bem, dentre os princípios que informam o Direito do Trabalho está o da aplicação da norma mais benéfica ao trabalhador. Assim está consagrado no art. 19 da Constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que o Brasil ratificou. Logo: sendo o crédito trabalhista de natureza alimentar, reconhecido seu privilégio sobre os demais, depositário infiel de bem destinado a responder por esses quanta, prisão determinada e legal, esses pontos indicam que é perfeitamente justa e constitucional a prisão de depositário infiel na Justiça do Trabalho (art. 7, 7, do Pacto de San José da Costa Rica, c/c art. 5º, LXVII, da Constituição).Há, então, uma espécie de conflito entre normas supralegais: a que privilegia o crédito trabalhista, de natureza alimentar, caso do dispositivo constitucional que permite a prisão do depositário infiel, considerando o tratamento atribuído pelo art. 19 da Constituição da OIT, de um lado; e a regra do Pacto de San José da Costa Rica que não admite a prisão desse depositário, salvo em caso de pensão alimentícia, que, para esse fim, vamos tentar limitar ao seu sentido mais estrito, de outro.Se é assim, apliquemos os princípios cronológico e da especialidade, a que me reportarei adiante, e a regra constitucional, via art. 19 da

5 HC 00197-2009-000-08-00-0 Relator: Desembargador: Georgenor de Souza Franco Filho; julgado em 23/07/2009

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Constituição da OIT, permitirá a prisão do depositário infiel nos processos trabalhistas.

Diante da sua importância para efetividade do processo trabalhista, a ANAMATRA, visando o reconhecimento da manutenção da prisão civil de depositário judicial infiel no processo trabalhista, apresentou proposta visando a revisão da súmula vinculante de nº 25. Nessa proposta de nº 54 ela pleiteia a suspensão liminar dos efeitos da Súmula Vinculante n. 25, até o julgamento final do pedido de revisão e, ao final, a revisão parcial do enunciado n. 25 da Súmula Vinculante para ressalvar expressamente, em geral ou ao menos no restrito âmbito da Justiça do Trabalho, a prisão civil do depositário judicial infiel, si et quando economicamente capaz.

BIBLIOGRAFIA

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