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DIREITO COMERCIAL
Hipóteses práticas relativas aos bens jurídico-comerciais (sinais distintivos)
Fabio Castro Russo
1. António Rompante e o irmão Mário fundaram uma sociedade destinada a editar livros sobre
arte. Essa sociedade adoptou como firma o apelido dos seus fundadores. Conheceu posteriormente
uma enorme expansão, tendo o seu capital aumentado, ao longo dos anos, com participações de
outras entidades. Mário veio entretanto a falecer e António acabou por tornar-se um sócio
minoritário. Em determinada altura, suscitou-se um litígio entre ele e os sócios maioritários. António
Rompante decidiu então retirar-se da sociedade e proibi-la de continuar a usar o seu apelido. A
sociedade opõe-se, alegando que se tornou conhecida no meio comercial pela utilização dessa firma e
a alteração da mesma prejudicaria gravemente a sua projecção comercial. Quid iuris?
Preceito fundamental seria, na realidade, o 33.º/3 RNPC (princípio da novidade,
ainda que também se pudesse afirmar que a solução poderia decorrer do princípio
da verdade). Ainda assim, o problema poderia ainda colocar-se: é que seria
possível que os herdeiros de Mário Rompante houvessem consentido na
utilização do apelido “Rompante”. Aí, haveria um conflito de direitos tout court,
ainda que tal se pudesse replicar dizendo que o direito ao nome de António não
abrangeria tal hipótese (não se trata de “António Rompante”, mas apenas
“Rompante”: e se, em lugar de “Rompante”, fosse Silva? Há que usar de alguma
razoabilidade), cf. ainda 72.º/2 e 375.º/2 CC.
Vide 44.º RNPC, maxime o seu n.º 2: “Tratando-se de firma de sociedade onde
figure o nome de sócio, a autorização deste é também indispensável”. Cf.
também 177.º (soc. em nome colectivo), 200.º (soc. por quotas) e 275.º (soc.
anónimas) CSC.
Assim, para que a pretensão de António procedesse, sempre seria necessário
que tivesse havido transmissão do estabelecimento comercial (o que parece ter
ocorrido, se se considerar a alienação das participações sociais como
transmissão de estabelecimento comercial, cf. Coutinho de Abreu, Manual…, p.
296 – pelo menos parcial). Assim, a pretensão de António (de impor uma
FCR 2
obrigação de non facere) procederia atendendo aos pressupostos da i) transmissão
e da ii) autorização por escrito.
Vd. Coutinho de Abreu, Manual…, pp. 151-152, nota 153: “Entende-se
dominantemente na França (com relação a todos os tipos sociais), na Itália e na
Alemanha (com relação a sociedades de capitais) que, em regra, a saída de um
sócio com nome na firma social não implica alteração da mesma (…) (ao invés,
o § 24 (2) do HGB alemão – seguramente aplicável às sociedades de pessoas –
prescreve: “Saindo um sócio cujo nome esteja contido na firma, é necessário,
para que ela continue [inalterada] o consentimento expresso dele ou dos seus
herdeiros”)”. De todo o modo, os terceiros sempre teriam conhecimento por
força do 3.º/1 do CRC (mas violar-se-ia a própria função da firma: é que os
sinais distintivos visam precisamente evitar que os terceiros tenham que ir às
Conservatórias, etc., porque tal é no melhor interesse da segurança e celeridade
do tráfico jurídico-comercial).
2. Romão da Silva tornou-se conhecido no mundo dos negócios pelo nome “Romão, o
Antiquário” que sempre utiliza na assinatura de todos os seus contratos e até na designação do
estabelecimento de comércio de antiguidades que explora. Nunca cuidou porém de proceder ao
respectivo registo. Entretanto um concorrente seu (Romão Ferreira) passa a utilizar nome idêntico
(“Romão”) no exercício da respectiva actividade. Rapidamente este sujeito adquire a fama de ser mau
pagador. Romão da Silva pretende reagir. Como poderá fazê-lo?
Desde logo, o art. 38.º/3 RNPC vedaria a Romão Ferreira a utilização de um só
vocábulo como firma (“Romão”, imagine-se, p. e., “José” para compreender as
consequências da inobservância deste preceito…).
Ainda a título de questão prévia, diga-se que não há obstáculo legal à
eventualidade de Romão da Silva utilizar “Romão, o Antiquário” como firma
(ainda que não haja sido registada) e nome do estabelecimento comercial.
Como se infere do expendido supra, a vexata quaestio tem que ver com os meios
de protecção de firma não registada. Estes passariam pela invocação do art.
317.º CPI, em sede contra-ordenacional (concorrência desleal) e 72.º/2 e
375.º/2 CC (direito ao nome). Se, ainda que não tendo havido registo, Romão
da Silva já detivesse o certificado de admissibilidade da firma, haveria uma
FCR 3
presunção de exclusividade (cf. 35.º/2 RNPC), cabendo a Romão Ferreira provar
que Romão da Silva não estaria a utilizar a firma já declarada admissível.
Romão Ferreira estaria ainda violando o art. 32.º/4/b) RNPC, incorrendo na
sanção da perda da firma, cf. 60.º RNPC. Romão da Silva poderia ainda invocar
o 62.º RNPC. (??)
3. A sociedade anónima X explora um estabelecimento comercial cujo objecto consiste no
comércio grossista e retalhista de equipamento informático e prestação de serviços conexos, que
designa pelo nome “Tobis”. Este nome é utilizado há mais de cinco anos de um modo público e
pacífico, tendo conquistado um prestígio e reputação ímpares. X pretende agora registar o nome do
estabelecimento, pelo que solicitou na secção de serviços do RNPC certificado comprovativo de que
não existe registo de firma ou denominação idêntica. O pedido foi indeferido por confundibilidade
com a firma “Gobis – Comércio Informático, Lda.”. X vem recorrer desta decisão, sustentando que a
dita confundibilidade não existe, porquanto: 1) estão em causa sinais distintivos de tipo diverso; 2)
embora o ramo de actividade seja comum, o tipo de actividade exercida é diversa (X explora uma
“megastore informática” – uma grande superfície comercial especializada nessa gama de produtos ao
passo que a “Gobis, Lda.” explora uma rede de lojas de pequena dimensão e serviço mais
personalizado de produtos informáticos); 3) tal nome tem sido utilizado nos últimos anos sem
qualquer notícia de erro ou confusão pelo consumidor. Aprecie a situação descrita.
Com efeito, X pretende registar o nome do estabelecimento (vd. 282.º e ss. CPI),
sinal distintivo objectivo de carácter facultativo, ao contrário da firma
(subjectiva e obrigatória). Assim, em regra não haveria as “limitações” previstas
quanto à firma. De todo o modo, a al. b) do n.º 1 do art. 285.º CPI viria impedir
o registo do nome Tobis, por induzir o consumidor em erro ou confusão. Ainda
que se invoque não haver “qualquer notícia de erro ou confusão pelo
consumidor”, não se vê como se conseguiria provar um facto negativo… é uma
prova praticamente impossível.
Além do art. 285.º CPI, e porventura com maior relevância, seriam de referir os
n.ºs 2 e 5 do art. 33.º RNPC. Ainda que o art. 33.º/2 preveja vários critérios
auxiliares da prova da confundibilidade, há que chamar à colação o “homem
médio” normativo: ora, para este “Tobis” e “Gobis” (tal como, p. e., “Vobis”)
são sinais distintivos confundíveis (já que a fonética e a grafia quase coincidem).
Aliás, de nada releva o facto de se tratar de sinais distintivos diferentes (cf.
33.º/5 RNPC), para além do dito supra.
FCR 4
O facto de terem decorrido cinco anos (…) não parece ter qualquer relevância
jurídica.
A título de nota final, cumpre dizer que há decisões jurisprudenciais que vão ao
arrepio do que aqui fica dito: vide, v. g., o “caso Marlboro/Marboro”, decidido
pelo STJ: ainda que a última utilizasse a marca “Marboro”, o STJ entendeu que
não havia confundibilidade (o que ainda é mais chocante sabendo que os maços
de tabaco em causa tinham idêntico design).
Como tal, a Gobis, Lda. poder-se-ia arrogar os meios de protecção conferidos
aos direitos reais (porquanto erga omnes); sendo possível a condenação pelo
tribunal na abstenção do uso; por fim, poderia haver lugar a sanções civis (483.º
CC e 317.º CPI). Aliás, a Gobis, Lda. poderia mesmo lançar mão do 34.º CPI
(requerendo a anulação).