66

Catálogo COQUETEL 2015

Embed Size (px)

DESCRIPTION

exposição coletiva no Castelinho do Flamengo - RJ, 2015.

Citation preview

Page 1: Catálogo COQUETEL 2015
Page 2: Catálogo COQUETEL 2015
Page 3: Catálogo COQUETEL 2015

Coquetel é o nome dado a um drinque que mistura diversas substâncias. Para preencher um recipiente com o forma e arquitetura do Castelinho do Flamengo escolhemos artistas com produções que dialogassem com este espaço e que se instigassem à ocupá-lo. A escolha não foi aleatória, mas também não buscamos gerar um conceito ou discurso por trás dela.

Sair do cubo branco das galerias pode ser um exercício saudável e desafiador. O espaço cultural Oduvaldo Vianna Filho foi totalmente restaurado na década de 1990, servindo de palco para diversas exposições de arte contemporânea, mas caindo em esquecimento e abandono na década seguinte. Hoje ele sofre com problemas de conservação e não é possível ocupá-lo com qualquer trabalho. Não se pode, por exemplo, bater um prego na parede, já que o espaço é tombado.

A ocupação Coquetel aconteceu através de um edital da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro ganho em 2013, sendo finalmente realizada este ano (2015). Tentamos fazer o melhor uso do baixo orçamento, com soluções criativas e apoios diversos. O banner da exposição na fachada do Castelinho, por exemplo, foi executado pelo pintor de faixas de rua Paulo de Castro; nosso coquetel de vernissage foi providenciado pelo ambulante Mauro Amorim.

Este catálogo é a documentação do processo dos nove artistas integrantes da exposição. Foi sugerido que cada um nos enviasse uma entrevista feita por alguém da área de artes, com base nos projetos apresentados. Nem todos seguiram a proposta, mas decidimos não interferir e deixar cada um escolher seus critérios.

Agradecemos a todos os envolvidos!

Joana Traub Csekö e Leo Ayres

OuTubRO dE 2015

Page 4: Catálogo COQUETEL 2015
Page 5: Catálogo COQUETEL 2015

André renAud por Joana César

Cópia Carbono

O concreto não se dobra. O mar não seca. A trajetória do corpo do homem que pulou não pode ser interrompida. A gravidade nos pressiona contra o chão. Quando dobramos a rua na esquina de casa, encontramos a nossa casa; e se dentes finos de um cão raivoso enterram-se em nossa carne, sangra, vermelho. Olho o espelho e me reconheço, e se por descuido queimo o dedo na panela que acabou de sair do fogo, a dor da bolha em minha pele é a garantia de que posso seguir em frente, e bem mais tarde, em minha cama de sempre, fechar os olhos e dormir – o mundo é uma poltrona macia, e tudo está em seu lugar.

Esperamos que máquinas sigam cuspindo cópias idênticas das embalagens dos produtos que consumimos, e torneiras assépticas derramem o leite vita-minado dentro dessas embalagens, e que possamos reconhecê-las, desejá-las, para com as mãos alcançá-las na prateleira do hipermercado. Tudo está em seu lugar.

diferente das máquinas, que não podem fazer diferente do que foram pro-gramadas, nós, bichos, movemo-nos condenados à impossível repetição do gesto. No tempo, maré, só nos resta boiar como pequenas folhas secas.

Movido por uma obstinação desmesurada, André Renaud quer pintar o mes-mo quadro, como se pudesse ir contra sua própria humanidade, e brincasse de ser máquina. Tornando-se maquinal, constrói o par improvável do que parece ter sido feito submetido às duras leis que regem o acaso, e arranha, como se fosse um gato, o tecido embolorado dessa velha poltrona onde está sentado, sonolento e entediado, o nosso olhar, fazendo-nos descer goela abaixo um espinhoso inesperado gole gelado, vindo direto de uma bebida quente, que juramos ter sido posta fumegando dentro da xícara, e então, convida-nos a mudar de lugar.

Joana César

Page 6: Catálogo COQUETEL 2015

“Natureza Morta e sua Reprodutibilidade”, 2013assemblage150 x 150 x 200 cm (cada)

Page 7: Catálogo COQUETEL 2015

“Natureza Morta e sua Reprodutibilidade”, 2013assemblage150 x 150 x 200 cm (cada)

Page 8: Catálogo COQUETEL 2015
Page 9: Catálogo COQUETEL 2015
Page 10: Catálogo COQUETEL 2015
Page 11: Catálogo COQUETEL 2015

BernArdo ZABAlAgA por Milena Travassos

Milena Travassos: A tua questão nesse percurso, nessa terapia, nessa experiência, nesse trabalho, que é fundo-alto, material-espectral, tempo-ral-espacial, tem traços seus, suas questões para com a vida, para com a arte, e tem traços da casa. Penso que isso se mistura muito. A casa Castelinho e o bernardo foram corresponsáveis pelo “Canal”, você conhecia o espaço? Foi ao botar o pé lá que esse específico trabalho surgiu?

Bernardo Zabalaga: Acho que foi no percurso do convite que o Leo e a Joana me fizeram. Inicialmente existia a ideia de colocar lá no espaço um trabalho anterior que eu fiz, mas achei que podia ficar descolado do espaço, para ser honesto havia uma certa urgência do espaço que me chamava para fazer esta obra, então já nem sei se foi ao botar o pé lá na primeira reunião que esta ideia surgiu, mas sim, acho que é uma mistura de duas coisas, há uma sensação mais ou menos aproximada daquilo que a casa tinha como reverberação, como se fosse esse assombramento, uma mistura realmente entre aquilo que eu já ouvi falar e uma sensação que a casa me passava. E algu-ma recordação de ter passado por lá algum dia há uns anos e ter pensado que poderia haver alguma coisa meio travada por lá. Foi uma mistura. O processo que eu pensei para a casa veio dessa impressão inicial e depois nas vivências e conversas que se geraram com o pessoal da casa e com a Keyna, a diretora. Foi mesmo um processo quase como se fosse um caminho de obstáculos, a ação final foi na torre porque numa ação anterior eu não consegui entrar lá porque a chave travou na porta e a gente nem entrou lá, então eu pensei que o fim tinha que ser só lá.

MT: Com relação às pessoas da casa, seus trabalhadores, principalmente, ao colocar a tua proposta – proposta terapêutica que os envolvia diretamente – que questões essas pessoas colocaram? Você pode falar de uma?

BZ: A gente fez três ações na casa, uma depois de cada sessão de terapia que eu fazia (fazia as terapias à distância). Na primeira dessas ações, a gente apagou com borrachas as memórias antigas da casa, apagamos o chão e as paredes essas velhas energias desde a porta da rua até a porta da casa, lembro que a Keyna falou que nesse dia se resolveram coisas que

Page 12: Catálogo COQUETEL 2015

estavam paradas, coisas internas deles e ela decidiu dar uma organizada no escritório deles, então sim, as questões vieram muito assim, associadas àquilo que o processo estava trazendo. durante o processo acho que duas coisas se moveram, por um lado está a parte energética e por outro lado há questões emocionais que se moveram dentro da organização e dinâmicas da casa, por isso para mim a obra também era o processo de fazer essas ações, de alguma forma desvendar essas dinâmicas. Ninguém colocou uma resistência muito grande ao processo, porque a Keyna aderiu muito fortemente ao que eu estava trazendo e então o pessoal da casa veio animado e com vontade de participar, pode ser que o nível de envolvimento não tenha sido pleno em todas as pessoas, mas de forma geral os funcionários estavam lá a fim de participar, existe uma estranheza com a proposta que eu levei lá, mas acho que a curiosidade também era parte do processo. Conversei com algumas outras pessoas durante o processo e evidentemente elas diziam que havia uma energia pesada na casa sim, e que elas esperavam que essas ações ajudassem a modificar alguma coisa.

MT: O que você pensa ao propor algo que muitas vezes não vai “acontecer”: a pessoa sentar na cadeira, ler o texto, ouvir o som do fone, pegar o objeto relacional, olhar o mar, olhar a paisagem, silenciar, sentir o vento, se isso não acontece, acontece o quê?

BZ: Eu acho que aí fica alguma coisa que na verdade me escapa, o que me escapa é esse espaço de reverberação, aquilo que eu não poderei saber e sobre o qual eu não tenho domínio, a experiência das pessoas e substancial-mente esse espaço aberto e infinito, a proposta, aquilo que “vai acontecer”, é múltiplo, quando você lança uma pedra na água e faz ondas com ela, as ondas são aquilo que são, não se pode pretender fazer ondas maiores do que as que se formam. Há um extra de confiança que uma proposta assim me exige no momento de pensar no dispositivo, mas ao mesmo tempo en-tendo que aquilo que eu estou propondo nem sempre se vai dar do jeito que eu pensei, esse espaço da varanda é muito especial, o som de fora muda dependendo da hora do dia, a relação com o horizonte depende da quanti-dade de luz, e por aí vai. E então há uma certa especificidade da peça e do espaço que muda e se transforma e isso também me tira de ter que me sentir responsável de que a experiência seja uniforme para todas as pessoas, há muitas escolhas que podem ser ou não feitas. Há uma chave, porém, dentro

Page 13: Catálogo COQUETEL 2015

“Canal”, 2015cadeira de madeira, tecido, headphone, MP3, pintura, lã, caneta

180 x 70 x 50 cm

Page 14: Catálogo COQUETEL 2015

dessa peça, para quem quiser, para quem puder está disponível um nível de experiência dentro da peça e quem puder se doar do jeito que conseguir já é aquilo que esse espaço possibilita e pronto. Será que a obra não “acon-tece” se ela não é experimentada por inteiro? Finalmente acho que não, de fato a cadeira é um veiculo temporal/espacial, como você diz, que está dis-ponível, e o que seria então essa plenitude do objeto? Aí eu fico pensando se existe tal coisa. Para mim essa peça é também como se fosse uma oferenda poética que eu devolvo para a casa, então a multiplicidade de respostas é bem-vinda também. E também existe um texto que contextualiza o lugar desse trabalho, a trilha sonora vem de um processo anterior e isso me ajuda a criar um relato que na verdade pode ser uma ponte para complexificar essa experiência.

MT: O trabalho é uma experiência com ações de caráter agradável, praze-roso, onde fica a dor? Ou para onde ela vai?

BZ: Pois é. A dor da casa, né?, porque foi essa que eu trabalhei, não é uma dor abstrata, porque também não é para eliminar a dor do mundo. A dor vai... vou te responder de duas maneiras, desde o ponto de vista espiritual a dor se eleva e se transforma, transmuta aquela situação e se transforma em outra coisa, no caso específico da casa a dor era simplesmente alguma coisa que não tinha conseguido respirar outro ar, que tinha ficado demasiado tempo no mesmo lugar e que estava associada a um abandono, a uma memória de falta e de descuido, essa casa foi ocupada durante muitos anos por pessoas que tinham vidas complexas e as energias que circularam por lá eram com certeza difíceis, mas a dor foi transformada, não é dor que vai de lá para outro lugar, ela deixa de estar recalcada nesse lugar e se transforma em outra coisa. desde o ponto de vista material também há dores associadas ao sistema administrativo do qual a casa depende, como esse sistema está desde uma perspectiva falido, então as pessoas que trabalham lá vivem também outras dores que vão e voltam. Então, a dor que eu posso trabalhar é aquela que está no plano energético, é uma espécie de reprogramação da memória da casa, obviamente a casa está tendo um ótimo movimento e isso já reprograma a memória da casa, fortemente. Mas ao mesmo tempo não existe uma dor última que eu fui curar ou uma raiz da dor profunda da casa, eu acho que eu removi uma coisa que estava em excesso e permiti que se gerasse uma certa renovação, porque depois poderia existir esse

Page 15: Catálogo COQUETEL 2015

Ações executadas pelos funcionários para energizar o Castelinho do Flamengo.

olhar de que eu fui e eliminei tudo o que a casa tinha de ruim, isso já não é bem assim. de certa forma posso dizer que a minha vida mudou ao fazer este processo, também eu fui levado a acreditar que eu podia confiar mais nas coisas, que eu podia criar espaços novos de conforto, a dor não foi para outro lugar, de fato ela se transformou, essa experiência também me proporcionou um espaço interno, e foi por isso que eu quis desdobrar essa minha experiência para que alguém a pudesse ter ao sentar na cadeira e ouvir o som e olhar o horizonte...

Page 16: Catálogo COQUETEL 2015
Page 17: Catálogo COQUETEL 2015

IsABelA sá rorIZ por Paula Gorini e Cláudia Kras

Paula gorini: Para mim, que acompanho seu trabalho desde o começo, posso dizer que existe uma constante em suas produções, mesmo quando o resultado final é completamente diferente. Esta constante é a relação entre o orgânico e o inorgânico, que dialogam de tal maneira, que essas fronteiras se tornam flexíveis.

Você utiliza madeira, que é um material essencialmente orgânico, mas num contexto de móveis antigos ou de móveis abandonados, entulhos (como aquele trabalho exposto no barracão Maravilha), enfim, um orgânico que perdeu sua função de corpo duas vezes, ao virar matéria-prima de móveis e ao perder espaço para o “novo”. dialogando com estes móveis-corpo, a utilização de materiais químicos, orgânicos e inorgânicos, que lembram material corpóreo, pele, fluidos: o látex, a borracha, a geleca.

Enfim, bela, para finalizar essa linha de pensamento, me lembrei que você havia comentado que a estrutura molecular desses materiais inorgânicos é a mesma presente em nosso próprio corpo. Gostaria que você explicasse melhor sobre essa relação dos materiais em sua obra. Como você identifica essa pesquisa com sua investigação artística?

Isabela sá roriz: Eu parto de uma herança minimalista que é trabalhar a partir das características físicas inerentes a cada material. Ou seja, borracha é borracha, madeira é madeira. Eu não transformo a matéria para que ela represente algo que ela não é, como por exemplo, esculpir uma pedra para que pareça carne. Nada contra, mas o meu processo parte de uma instigação profunda da verdade intrínseca a cada material. O que não exclui as simila-ridades que estes materiais possam suscitar. diferente dos minimalistas, me interessa estabelecer relações subjetivas entre obra e espectador, estabelecer uma relação direta com seu corpo. Não só pelo deslocamento desse corpo no espaço expositivo, mas também pela imagem de liquefação da obra, que remete a um corpo disforme, fluido, com fronteiras diluídas... Por isso busco materiais que tenham uma densidade, uma textura e uma organização molecular semelhantes a partes do corpo.

Page 18: Catálogo COQUETEL 2015

Claudia Kras: Isabela, observando seus trabalhos cheguei à conclusão de que eles parecem emanar um ruído, uma espécie de “barulho silencioso”. Parecem provocar em nós algum outro sentido além da visão. Você pensa sobre os sentidos que provocam as suas obras de arte no público? digo, que tipo de relação com os sentidos você explora (ou espera explorar) nesta instalação especificamente?

Isr: “Ver é antes de tudo tocar.” Essa é uma frase do didi-Huberman, muito boa. Ele parte do princípio de que, após o “abismo” do olhar, a coisa que se olha passa sempre para o corpo do ser. Entendo essa passagem, por exemplo, na sensação de derretimento do corpo ao ver as pinturas de Iberê Camargo.

Eu passei anos estudando a apreensão háptica do corpo no espaço, tentando entender como se dá a transfusão de conhecimento estético entre corpo e espaço. Pesquisei várias teorias, e as mais interessantes são aquelas que deflagram o corpo como estado provisório e em permanente troca com o meio, como por exemplo, a teoria corpomídia da Helena Katz. E no final dessa pesquisa compreendi que nossos sentidos não estão desvinculados: vemos, ouvimos, sentimos e pensamos com o corpo todo.

CK: Seu trabalho denota também uma fluidez. Traçando um paralelo entre essa fluidez estética e as emoções também fluídas que ultrapassam os senti-dos físicos, posso dizer que suas obras agem como se fossem uma espécie de “revelador” que trazem à tona sentimentos escondidos, segredos, para ser mais direta. Seriam segredos de família, pensamentos nunca ditos, de-núncias ou confidências? Quais as impressões subjetivas ou reações psíqui-cas que você gostaria que sua obra provocasse no interlocutor ou aprecia-dor do seu trabalho?

Isr:“um ruído silencioso”, como você disse na pergunta anterior, acho que é uma ótima metáfora para o que faço. Adorei isso! Seria como uma pertur-bação inaudível, uma vibração isenta de palavras. Assim, respondendo a sua pergunta, acho que é no vazio dessa força muda que a imaginação do outro reverbera. Se existe um significado, um segredo, uma memória, ela isto não está na obra, o que há são apenas vestígios, e é nessa incompletude que entra a subjetividade do outro.

Page 19: Catálogo COQUETEL 2015

A fluidez da obra me interessa para trazer à tona a ideia da transitoriedade en-tre passado e presente, construção e ruína, corpos e espaços. A impermanência vem na forma de movimentos viscerais, porém, sem uma forma própria, uma fronteira estanque, mas sim por superfícies de contato permeáveis.

Page 20: Catálogo COQUETEL 2015

“Algo inevitavelmente nos escapa”, 2015móveis, ceras, polímeros e latexdimensões variáveis

Page 21: Catálogo COQUETEL 2015

“Algo inevitavelmente nos escapa”, 2015móveis, ceras, polímeros e latexdimensões variáveis

Page 22: Catálogo COQUETEL 2015
Page 23: Catálogo COQUETEL 2015

Jeferson AndrAde por Matheus F. Abbade

soldado anônimo, ou na colônia penal… ou

comunidade de uma prisão posição ereta, corpo rígido, cabeça vazia.

Sofremos: o mundo exterior começa a existir…; sofremos demasiado: ele desaparece. A dor só o suscita para desmascarar sua irrealidade.”

[Cioran – Silogismos da amargura]

[...]

[stop]

Fotografias são estilhaçadas na parede diante de mim, dispersas, um esquizo espaço-temporal me é construído. O que se instala nesse território em estou presente é uma Plataforma – assim como uma terra do julgamento do kairós, onde é retomado à análise um tempo longínquo, desse modo, seu interesse não se dá por uma revisão das linguagens artísticas, mas da ação micropolítica, do devir, do desejo do player.

A memória do lugar contamina meu corpo; o Cubo branco, o polimento da vivência crítica se esvai a partir da reprodução sexuada de seus próprios dardos mnemônicos, a phatos que habita o vinco existente nas relações, uma zona livre e de criticidade permanente. É uma crítica ativa, no gesto esfuma-çado da anunciação dos sintomas, que são preciosos, à contemporaneidade. O dardo é lançado contra o alvo: a higienização das phatos que nos associa-mos, isto é, fundamentalmente, J. Andrade propõe a invenção de um jogo, no qual a sua função é escavar os fantasmas das nossas próprias mitologias de origem, criadas, unicamente, para contar a verdadeira história das instituições.

Page 24: Catálogo COQUETEL 2015

O Enigma é: O que será o alvo após o instante que lançamos o dardo?

O espaço expositivo é um problema na cidade. O lugar de afetamento é se erotiza, para Jeferson, a partir dos índices encontrados em sua busca arqueológica. Esses são fragmentos enigmáticos, oráculos, uma geometria do pensamento ou a substância estranha que alimenta um macrófago. Assim retomamos a experiência do álbum fotográfico e a disposição das fotografias no espaço pelo o que há de próprio nela, a não insistência no processo da construção de memória, que buscasse o mínimo de indícios de significação, ou a partir de um fazer micro-história, na qual são ignorados os retalhos narrativos, e levados à superfície apenas os sinais dos diagnósticos antropológicos, assim ocorrem o ativamento do meu corpo, pela uma pro-fecia política, os instantes de atravessamento da subjetivação daquele que habita, com as experiências anteriores da cidade.

um emparelhamento de harmônicos: o Corpo-domado. Para o player conceber sua profecia é preciso o momento de feitura de seus oráculos cabelo&aço/ fluídos&ruído.

[return]

[...]

Esse texto é formado pela reunião de fragmentos, o texto integral encontra-se no link:

http://issuu.com/matheusf.abbade/docs/soldado_an__nimo_-_matheus_f_abbade_74b11c0232c78a/1

Matheus F. Abbade

RIO dE JANEIRO, JuNHO dE 2015

ATIVAR LINK DO TEXTO

Page 25: Catálogo COQUETEL 2015

“Soldado Anônimo”, 2015performance na instalação

Page 26: Catálogo COQUETEL 2015

“Soldado Anônimo”, 2015instalação

Page 27: Catálogo COQUETEL 2015

“Soldado Anônimo”, 2015instalação

Page 28: Catálogo COQUETEL 2015
Page 29: Catálogo COQUETEL 2015

JoAnA TrAuB CseKö por Julia Csekö

Julia Csekö: Você vem trabalhando consistentemente com fotografia, com tônica no binômio arquitetura/urbanismo. Muitos de seus trabalhos controlam o posicionamento e o olhar do espectador, suas imagens se revelam em circuns-tâncias específicas. Existe uma imagem contida na composição “Casa” (2015) que se mostra apenas para os que exploram as possibilidades oferecidas pelo objeto. O que definiu a escolha deste objeto em particular?

Joana Traub Csekö: Sou inevitavelmente seduzida por arquitetura e essa foi uma das razões pelas quais decidi organizar a exposição “Coquetel” em uma casa de estilo eclético. Creio que o Castelinho seja um protagonista de nossa coletiva.

Como irmãs, temos a mesma memória afetiva deste lugar. “Casa da bruxa do pé sujo” era o apelido do Castelinho, que exclamávamos ao passar em fren-te à intrigante e solitária construção abandonada, mais tarde transformada em centro cultural. Nesse sentido, o que definiu a escolha de uma casa de boneca antiga para o trabalho foi o próprio Castelinho, que me fascina desde a infância.

A casinha foi achada em uma feira de antiguidades. Por um ano esse objeto morou em meu ateliê sem encontrar seu propósito. Pelo misterioso princípio da sincronicidade, ela vestiu como uma luva nesse palacete exuberante, e a escolha da imagem e o espelho em seu interior foram consequência disso. Em seguida, percebi que lidava com uma constante que volta e meia surge em meus trabalhos: as construções em abismo. Temos nesta obra três casas, uma dentro da outra: a primeira em escala real (o Castelinho), a segunda miniaturizada (a casa de boneca) e a terceira uma imagem (a foto antiga de uma casa alagada), cujo reflexo vemos ao olharmos pela janela da casinha em um espelho colocado dentro de seu pequeno espaço interior.

“Casa” pertence a uma nova série de fotobjetos, na qual, como nas “Passagens”, são propostas narrativas abertas. A casa de boneca atua ativando memórias, fazendo-nos imergir em nossos recessos.

Page 30: Catálogo COQUETEL 2015

A ideia de ponto de vista é fundamental. Entretanto, mais que “controlar”, espero que os trabalhos sugiram imagens para que o espectador as descubra e trabalhe com elas. Há participação, o espectador precisa estar disponível e interagir para que a obra se complete.

Por trás dessa condução do olhar está a vontade de que as pessoas se rela-cionem de outra forma com as imagens. Como uma artista que se dedica a fotografia, acho que não é mais possível trabalhar com o meio ingenuamente, na medida em que somos bombardeados por centenas de imagens todos os dias. Pensar em outros modos de olhar, deter-se sobre as imagens e imaginar a partir delas é quebrar a relação intermitente e banal que temos com a fo-tografia hoje. Como bem conceituou baudrillard, as imagens atuais são, em sua maioria, “subservientes”. Eu prefiro imagens insurgentes.

JC: Seu trabalho transita entre o pessoal e o coletivo: algumas imagens usadas são fotos de família, outras, garimpadas em andanças flaneristas, re-tratam pessoas que nunca conheceu. determinadas fotografias suas revelam um olhar em que o espaço fotografado fala por si, espaços cotidianos que possuem qualidades arquitetônicas particulares, como as escadarias quase verticais de sobrados cariocas que separam a rua do espaço interno, ou as portarias Art déco escondidas pela cidade nas “Passagens”. “Casa” me chama atenção para novos elementos. Como diria que essa composição se encaixa em sua produção anterior?

JTC: Ano passado comecei a desenvolver fotobjetos. Apresentei-os pela primei-ra vez na individual “Elegias Cariocas” (2014), na Galeria Luciana Caravello (http://www.lucianacaravello.com.br/acervo/joana-traub-cseko/). Creio que meu interesse por objetos vem do mesmo lugar que meu interesse por fotos antigas. São coisas que já estão no mundo e vêm incrustadas com histórias. O que mudou é que decidi usar os objetos em si (sejam fotos ou não). digo isso pois, por algum tempo trabalhei com fotos antigas para fazer compo-sições da série “Passagens” (2009-15), em que sobreponho fotos antigas às minhas, mas sem usá-las in natura. Nesses anos colecionando fotos e frequentando feiras, me encantei por objetos que contêm narrativas prévias que desconheço. Mas utilizo-os com a mesma parcimônia com que uso es-pelhos, por exemplo. Se esses objetos obsoletos não são usados de forma acurada, facilmente tornam-se exagerados ou muito ruidosos.

ATIVAR LINK DO TEXTO

Page 31: Catálogo COQUETEL 2015

“Casa”, 2015casa de boneca, luz, espelho e fotografia antiga

25 x 50 x 25 cm

Page 32: Catálogo COQUETEL 2015

“Casa”, 2015casa de boneca, luz, espelho e fotografia antiga25 x 50 x 25 cm

Page 33: Catálogo COQUETEL 2015

Observo que já fotografei mais edifícios e agora tenho fotografado mais a unidade de habitação unifamiliar, ou seja, casas. brinco que meu último e maior prédio foi o Hu (Hospital universitário da uFRJ, construção modernista monumental apenas parcialmente ocupada). Recentemente fotografei escadas de sobrados antigos do Centro do Rio, que também já participam desse outro universo. São caminhos que venho traçando na minha pesquisa poética da arquitetura circundante.

JC: Em sua série de fotografias “Continuum/Construção em Abismo” (2006), em sua dissertação de mestrado, bem como em seu video finalizado por meio do Rumos – esses dois últimos envolvendo o prédio do Hu – você vem fazen-do comentários mais explícitos sobre variações na escala de determinados objetos, pessoas e paisagens. Como vê a escolha do objeto para realizar “Casa” dentro deste contexto? Seria a escala monumental mais relacionada com a noção de coletivo/vida política das cidades e a escala em miniatura com questões mais pessoais/íntimas?

JTC: Ainda não tinha pensado sobre isso! Pode ser, mas toda regra tem exceções... Tenho lidado com a ideia de escala, mesmo que intuitivamente. Envolvo-me em achar os tamanhos que considero mais adequados para cada trabalho, faço maquetes, modelos.

Mas, voltando à sua observação, acho o pequeno tão fascinante quanto o monumental. A miniatura é algo concentrado que joga/brinca com a noção de escala. Esse, aliás, é o grande barato de uma casa de boneca, ela minia-turiza tudo o que a ela pertence, menos o afeto.

Já a urbe é monumental, maior que todos nós. Lefebvre diz que só de um mirante conseguimos ver a cidade como um todo. A cidade é a construção máxima do humano. Essa é a razão pela qual me dedico a esse poderoso fe-nômeno: estou dentro, vivo nele, mas não consigo abarcá-lo. Se por um lado a metrópole é nossa maior realização coletiva, por outro é também nosso limite enquanto espécie quando pensamos em problemas contemporâneos como superpopulação, favelização, sustentabilidade, aquecimento global.

Veremos como essas relações se desdobram em meus próximos trabalhos. Como você bem colocou, existe a alternância entre intimidade-afeto e coleti-vidade-política nas questões às quais me proponho como artista. Creio que preciso desse trânsito, até para não me consumir em um desses polos.

Page 34: Catálogo COQUETEL 2015
Page 35: Catálogo COQUETEL 2015

JulIA CseKö por Lisa Crossman

lisa Crossman: Como o lugar onde esta peça está exposta afeta a leitura da mesma? O ambiente modificou de alguma forma a instalação da escultura?

Julia Csekö: O Castelinho do Flamengo faz parte de minha infância. Quando criança, eu e minhas irmãs apelidamos o prédio de “Castelo da bruxa do pé sujo”. Para nós era um lugar mágico. Por muitos anos ele esteve fechado e nós apenas podíamos imaginar o interior do prédio, que é belís-simo. Há algum tempo venho pensando como seria a casa das esculturas que faço, o Castelinho até hoje seria o mais próximo desta “casa Híbrida”, uma arquitetura quase fora de controle como os tentáculos dos “Híbridos”. Pedi que a peça fosse instalada pelo buraco da luz, sem que este fosse dis-farçado ou tapado, dessa forma a escultura fica o mais próximo possível da casa, como se tivesse crescido ali dentro, uma espécie de fungo, ou plasma.

lC: A instalação de seu trabalho neste local em particular, para mim, atrai atenção para os temas de domesticidade e feminilidade. Como você vê estes temas em relação a esta escultura?

JC: A escultura deseja habitar, reivindicando posse sobre o espaço por onde espalha seus tentáculos, a casa remete à noção clássica de família. Este corpo feminino está ligado a dois outros corpos menores, não sabemos ao certo qual origina qual. Os corpos pequenos poderiam estar ainda crescendo, ou poderiam ter gerido o corpo maior através de sua união. Penso nesta escultura como questionando a própria noção de normalidade que temos quanto a nos-sa existência. Raramente nos distanciamos o suficiente de nossos hábitos para podermos apreciar o quão estranhos somos. Os “Híbridos” são um convite para esta exploração, ao questionamento de tudo que consideramos banal e quotidiano, a transformação do ordinário em extraordinário.

lC: Esta peça é parte de uma série de “Híbridos”, esculturas que aglomeram formas, temas e materiais contrastantes. Qual a conexão que você vê entre o fazer manual e o ready-made, o manufaturado e o orgânico, controle e caos, desamparo e força nesta peça? Estas questões se relacionam de algu-ma forma com seu interesse no conflito entre necessidades e desejos?

Page 36: Catálogo COQUETEL 2015

JC: Quando pensamos em genética, duas pessoas de gênero oposto se juntam, seus genes se misturam e criam uma vida. É impossível controlarmos estes fatores in natura. Talvez em resposta a esta falta de controle que é parte intrínseca de nossa existência surja o desejo inabalável de controlar, que se manifesta por exemplo no desenvolvimento da clonagem. Hoje podemos “copiar” genes de seres vivos e até mesmo modificar animais e vegetais. Estabelecemos padrões de aparência e comportamentos sociais que são reproduzidos em massa em troca de aceitação e reconhecimento social, utilizamos métodos invasivos de cirurgia para atingir determinados padrões estéticos. Temos de um lado o desejo de sermos aceitos, de pertencer, de controlar e ao mesmo tempo a força criativa, a curiosidade e o pensamento mágico, que nos impele ao desconhecido, à surpresa e à ausência de controle. Os “Híbridos” habitam o conflito entre instintos e desejo de controle. Pen-samentos viscerais que se manifestam como devem ser, descontroladamente orgânicos, apresentando o conflito entre o desejo de replicar, mas sem a capacidade de romper com as leis naturais da reprodução.

lC: O corpo é referenciado através das roupas, mas as formas de veludo possuem vida própria, tanto como representação abstrata de forças sociais quanto como uma forma tangível. Você poderia fazer um comentário sobre sua representação da relação entre o social e o corpo nesta escultura?

JC: O corpo é uma vitrine para o social. Pode-se ter uma ideia bastante clara sobre o status social, hábitos e personalidade através das escolhas de alguém ao se vestir. Escolhi um modelo clássico, que poderia ter sido usado tanto 50 anos atrás quanto hoje em dia, algo que conferisse sobretudo a ideia de gênero. A sexualidade é mais do que um mero fator genético, mas sobretudo um estado de espírito, podendo mudar de acordo com o ambiente ao redor e as experiências que vivemos. Não é possível definir o gênero da escultura por baixo das vestes. Estes corpos vestem um símbolo social. Se existisse um símbolo ou convenção para um gênero neutro ou mutável, eu faria uma escultura usando este símbolo também. Tanto o vestido quanto o terno são símbolos sociais fortíssimos do masculino e feminino.

lC: Em ficção científica o político se apresenta através do fantástico ou futurista, às vezes através do exagero. Você acha que seu trabalho se conecta a este gênero? Caso ache, como?

Page 37: Catálogo COQUETEL 2015

JC: A ficção é uma forma de pensar através do tempo sem nenhum com-promisso com fatos ou com a realidade. Entretanto, muitos autores de ficção em seus exageros e devaneios têm visões bastante aproximadas do futuro. Recentemente escrevi minha primeira história de ficção, e achei um exercício muito interessante – fazer projeções para o futuro que está completamente fora de meu alcance. Na ficção podemos nos distanciar do ponto de vista antropocêntrico, usá-lo como parâmetro se desejarmos, mas sem necessidade alguma de se ater a ele. Sob a ótica dos “Híbridos”, nós humanos somos inconcebíveis (risos). A pesquisa básica científica, por exemplo, é em muitas ocasiões injustificável por não possuir aplicação imediata, entretanto, muitas descobertas foram feitas por uma pesquisa desvinculada de um posicionamento imediatista ou pragmático. A ficção é uma espécie de pesquisa básica na escrita, na qual a imaginação pode seguir os caminhos mais desconexos. Este é o cerne da criatividade humana, imaginar coisas sem ter nenhuma ressalva, e depois (talvez) tentar adaptar estas ideias à realidade. Não seria esta uma parte intrínseca da condição humana? O impulso que nos leva ao desconhecido, a curiosidade que provém do mistério de nossa própria existência - que assim como o pensamento mágico está presente sob várias camadas de nossa consciência mesmo nas mentes mais céticas e brilhantes de nossa espécie?

Page 38: Catálogo COQUETEL 2015

“Escultura Copulante - série Híbridos”, 2010veludo, vestido e roupas de boneca200 x 500 x 400 cm

Page 39: Catálogo COQUETEL 2015

“Escultura Copulante - série Híbridos”, 2010veludo, vestido e roupas de boneca200 x 500 x 400 cm

Page 40: Catálogo COQUETEL 2015
Page 41: Catálogo COQUETEL 2015

leo Ayres por Ana Miguel

Ana Miguel: Ah, olhando as plantas tão bonitas e bem cuidadas no Cas-telinho, imaginei que havia um fundo de amor no trabalho. E creio mesmo que sempre existe um amor nos seus trabalhos. Mas, voltando ao Castelinho, sei que também há uma revolta na origem desse pensamento, revolta de ver uma manipulação do nosso acesso às plantas, plantas recreativas contro-ladas por máfias, plantas alimentares envenenadas pelo afã de lucro das empresas de agricultura.

leo Ayres: Muitos anos atrás, eu imaginava a manipulação genética como algo incrível e que abriria milhares de possibilidades benéficas para a hu-manidade. Mas hoje me parece como algo pior que a invenção da bomba atômica. uma empresa que manipula geneticamente os alimentos para que as suas sementes sejam estéreis deveria ser proibida, não acha? E o pior é ver o governo de acordo com esse uso irresponsável de transgênicos. Seria ótimo se alguém criasse um banco de sementes “selvagens” para que algum dia pudéssemos restaurar o planeta após o desastre ecológico que está para ocorrer. Isso se a espécie humana conseguir sobreviver.

AM: Você traduz bem, Leo, estamos vendo empresas que utilizam a pesquisa científica para produzir sementes estéreis. A expressão revela a pulsão mortífera, o desejo de controlar totalmente a produção, a semente que não fertiliza. Coisa de gente que nunca cultivou um jardim. Acho que a semente selvagem pode, sim, resistir e brotar num mundo pós-humano. Nesse sentido o seu Quarto de crescer une o sentimento da revolta a um ato de amor, oferecendo o jardim e a germinação ao espectador. Ali também encontrei alguns objetos já recorrentes em seu trabalho. Lembro de ter visto aquela bela galhada de veado em outras instalações, não é mesmo?

lA: Isso mesmo. Acrescentar detalhes às instalações é também um modo de dizer: “Você está realmente prestando atenção?” Ao encontrar esses elementos inusitados parece que o olho passa a buscar mais detalhes e pode realmen-te ver as características específicas de cada planta. A recorrência também é uma maneira de estar sempre reorganizando, repensando, reafirmando o trabalho, não como “a última novidade”, mas um processo. Ajuda a retomar

Page 42: Catálogo COQUETEL 2015

o fio da meada, já que nem sempre a disponibilidade de espaços para ins-talações na cidade corresponde ao ritmo de trabalho do artista.

Esse crescimento do título também pode ser interpretado de outras formas e não apenas como uma tradução literal de growroom. A sociedade precisa crescer como um todo. Obviamente, algumas plantinhas morreram no meio do caminho por não conseguirem se adaptar, mas aconteceu um fato inesperado. depois de um mês de exposição, uma semente que eu havia coletado no Aterro do Flamengo – e já nem lembro mais do que era – brotou em um dos vasos.

AM: Olha, Leo, acho que isso é um ensaio de semente selvagem. Aqui em casa também acontecem essas surpresas, plantas que os passarinhos trazem e que germinam, inesperadas. O jardim é como a vida, felizmente foge às tentativas de controle! Falando em espaços para instalação, vejo com alegria a retomada do Castelinho. Muitas coisas boas já foram feitas lá, é uma casa especial, assombrada por histórias e memórias.

lA: É um lugar muito especial. Fiquei pensando muito antes de desenvolver este projeto, não só porque a casa não comporta qualquer tipo de trabalho, como também por saber que vários artistas queridos já passaram por lá. Realmente existe uma pressão para fazer o melhor possível. depois de várias ideias rascunhadas – com as quais eu não estava ainda completamente satis-feito – sentei num coffee shop em Amsterdam, acendi um e vi duas plantinhas de cannabis dentro de um pequeno móvel com essa luz colorida. Na hora me lembrei do Castelinho! basta a gente relaxar para que os trabalhos venham até nós.

AM: Adorei a sua história de Amsterdam, a sua percepção do que gostaria de fazer ao observar plantinhas num coffee shop! Você usa uma luz especial para o crescimento das plantas na instalação. Isso é muito interessante. Em trabalhos anteriores você utilizou luz, diferentes lâmpadas, de forma poética. Agora, no “Quarto de crescer”, a luz tem funções práticas na vida das plantas, mas a maneira como essas funções se organizam me parece bem particular.

lA: As plantas absorvem a luz vermelha e a azul e refletem a verde. Por isso as vemos dessa cor. A luz colorida é uma forma de converter a energia no que elas realmente precisam. (Em growrooms mais avançados, pode-se

Page 43: Catálogo COQUETEL 2015

inclusive controlar a quantidade de cada cor – azul para crescer e vermelho para florir.) As janelas foram cobertas com material reflexivo para que a luz colorida pudesse ser refletida de volta. Acredito que o artista possa pesquisar e também buscar uma funcionalidade em seu trabalho. Não acredito que a ciência e a poesia sejam antagonistas, e até me irritam alguns artistas que não estudam e que propagam inverdades científicas, justificando tudo com o “mas é arte”, ou ainda que criam uma “pesquisa” cheia de informações cuja única funcionalidade parece ser responder a um livro de palavras cruzadas. Vivemos num mundo concreto e a partir dele criamos poesia, uma forma de ver o mundo.

Page 44: Catálogo COQUETEL 2015

“Quarto de crescer (growroom)”, 2015plantas roubadas, encontradas e presenteadas, espelhos, luzes azuis e vermelhasdimensões variáveis

Page 45: Catálogo COQUETEL 2015

“Quarto de crescer (growroom)”, 2015plantas roubadas, encontradas e presenteadas, espelhos, luzes azuis e vermelhasdimensões variáveis

Page 46: Catálogo COQUETEL 2015
Page 47: Catálogo COQUETEL 2015

MArIo grIsollI por Alvaro Seixas

Alvaro seixas: Você é conhecido pelo seu trabalho como fotógrafo. A obra concebida para a sala do Castelinho possui uma inegável presença escultórica e mesmo instalativa. de que maneira essas novas dimensões se apresentaram na sua produção?

Mario grisolli: Ao me questionar sobre o que seria uma imagem na con-temporaneidade, cheguei a uma fotografia cambiante, vertiginosa, instável e evanescente. Precisei encontrar outros suportes, além do papel fotográfico, porque queria uma imagem que não se fixasse.

As: “Máquina Cinemática” traz consigo certos ensinamentos da chamada arte cinética. de que forma você se relaciona com esse movimento “histórico”?

Mg: Mesmo em trabalhos mais antigos, como “um Segundo banho para Heraclito” de 2007, eu já estava implicado em problemas relacionados ao movimento. Mais recentemente, ao expandir minha fotografia para o espaço, é claro que me aproximei muito de questões trazidas à pauta por Maholy-Nagy e pelo Grupo Zero no final da década de 50, luz como matéria e a busca da liberdade através da luz. Luz é coisa fluida. buscando fluidez, criei alguns dispositivos e passei a me interessar por eles. O dispositivo, antes suporte, ganhou, como você mesmo disse, uma inegável presença escultórica. Passou a ser um trabalho que envolve outro, uma imagem dentro da imagem.

As: de que modo o seu trabalho se relaciona com as ideias de “arte brasileira” e “arte contemporânea”?

Mg: Nasci e cresci no brasil e tento estabelecer um diálogo com o tempo atual e com o meu lugar. Mas talvez seja mais interessante ser um pouco extemporâneo. Ser contemporâneo é estar sempre, e de diversas maneiras, atado ao passado. Qualquer legitimação numa perspectiva histórica só pode acontecer no futuro. Na minha opção por imagens desgastadas há uma crítica ao convulsivo mundo do lucro e do consumo voraz.

As: Por fim, como você entende as ideias de “máquina” e “cinema” que aparecem no título de sua obra?

Page 48: Catálogo COQUETEL 2015
Page 49: Catálogo COQUETEL 2015

Mg: Cinema, para mim, reitera a ideia de máquina, no sentido de motor. Incessante. Em máquina, vejo a ideia de consumo e dissipação de energia. Há um grande esforço para produzir uma imagem frágil e pô-la em movimento. de certo modo, a máquina produz mais ruído do que imagem. Não chega a ser um Tinguely, mas trabalho com a ideia de desperdício. Também gosto da analogia que pode haver entre a máquina e o mecanismo oculto que de algum modo, ainda hoje, captura nossa atenção e nos faz gastar horas a fio diante de telas iluminadas a ver imagens.

Page 50: Catálogo COQUETEL 2015

“Máquina Cinemática”, 2013espremedor de laranjas, luz estroboscópica, lupa, madeiras, ferragens, acetato, garrafa pet, tubo de PVC, impressão sobre disco de vinil50 x 173 x 45 cm

Page 51: Catálogo COQUETEL 2015
Page 52: Catálogo COQUETEL 2015
Page 53: Catálogo COQUETEL 2015

Zé CArlos gArCIA por Kamilla Nunes

Kamilla nunes: Gostaria de saber como surgiu o seu interesse pela arte contemporânea e como foi a construção dos seus primeiros trabalhos: “Ápis”, “Porco” e “Praga”. Percebo que, com exceção de “Santo”, todas as outras obras lidam com a relação animal x humano, quando não visualmen-te, pelo menos um afetando ou fazendo referência à existência do outro. Em “Porco” há uma metamorfose, em “Apis” uma tecnologia inventada pelo homem pra facilitar a colheita do mel, em “Praga” uma denominação para predadores que não interessam ao homem em contextos específicos. Enfim, você entende essa relação como parte do seu processo de pesquisa?

Zé Carlos garcia: Minha relação com a arte (e aqui ainda não necessa-riamente a arte contemporânea) vem de infância. desde que me entendo por gente me fascinam as cores, as formas. Quando criança me interessava por arte, uma arte ingênua claro, descompromissada. E fui uma criança com um processo criativo muito intenso. Eu ainda estudei numa escola onde a arte era parte da formação (tanto o atelier quanto uma introdução à história da arte e à filosofia). Sempre tive um atelier onde fazia minhas pesquisas, mas fiz a graduação em outra área que também sempre me fascinou: o mundo natural. Estudei engenharia florestal, agronomia, geografia, até resolver me de-dicar à formação como artista: fiz Parque Lage, educação artística e escultura.

Minha pesquisa é muito pautada na observação. Observo o mundo em volta, as pessoas, os costumes, os movimentos, as lógicas de como as coisas funcionam (ou aparentam funcionar). E daí surge o “Porco”, que eu considero o primei-ro trabalho completo. O “Porco” é curioso, é o animal organicamente mais semelhante ao ser humano, sempre serviu de comida ao homem e foi um dos primeiros animais a serem domesticados com a finalidade alimentar. Na produção simbólica é constantemente apresentado como um mascote dócil, como nas histórias infantis, mas ao mesmo tempo é um animal que causa uma grande repugnância, é considerado impuro, tem uma imagem negati-va. É como o homem e a mulher: impuros, imperfeitos, mas modeláveis do ponto de vista estético.

Page 54: Catálogo COQUETEL 2015

Kn: A passagem desses primeiros trabalhos para “Pássaros” é sutil, mas bastante intrigante. Os “Pássaros” possuem uma dimensão física impactan-te, e formam um híbrido de bicho e mobília, pela continuidade que você dá aos corpos com os fragmentos de móveis. São rebuscados, mas em alguma me-dida causam uma sensação de mal estar, de desconforto. E a morte reapare-ce aqui. Você pode falar um pouco sobre esse processo de ressignificação, mutação e hibridismo, que há nos pássaros?

ZCg: É interessante você tocar nessa sensação de desconforto, de mal es-tar, que os “Pássaros” geram. Muita gente fala isso. E é curioso porque eu não sinto isso, ao contrário, para mim esses “Pássaros” me passam uma sensação de paz, uma leveza, e tem outras pessoas que também percebem isso. Mas sem dúvida é reconhecido ali um corpo. O conforto que eu tenho com os “Pássaros” talvez defina um pouco a minha relação com a morte. As pessoas se alimentam de pedaços de corpos mortos, mas sentem repulsa ao se deparar com um cadáver inteiro.

Concordo com a passagem sutil dos trabalhos anteriores para “Pássaros”, são processos de criação concomitantes. E acho que os insetos têm muito a ver com os pássaros, com os processos de montagem e desmontagem, com uma revalorização das formas existente. As penas, assim como as partes dos insetos, eu vejo como uma possibilidade de cores e texturas, que é o material de que eu lanço mão. A pena é a essência do trabalho, ela que dá a forma, que ao mesmo tempo dá o peso e a leveza do corpo. Algo que sempre me chamou a atenção são os mantos tupinambás; de certa forma, já desenvolvendo esse trabalho, fui buscar ali alguma referência, mesmo que meramente visual.

Não afirmaria que os “Pássaros” apresentam um processo de ressignificação e mutação. de hibridismo sim. Os “Pássaros” são esculturas montadas a partir de uma matéria de diferentes tipos de aves (criadas em fazendas de produção de penas) onde, em geral, são aplicadas partes de mobiliário. São esculturas de penas e plumas com aplicação de partes de mobiliário, onde as partes de mobiliário continuam sendo partes de mobiliário.

Não vejo aí uma ressignificação, para mim o pé de cadeira continua sendo um pé de cadeira, o encosto de cadeira continua sendo o encosto de cadeira e a cadeira continua sendo uma cadeira. Eles ganham um novo valor e não um novo

Page 55: Catálogo COQUETEL 2015

significado. O hibridismo está no cruzamento de materiais de significações distintas. Aqui a gente volta à discussão da tenuidade entre o real e o não real. As obras em geral geram repulsa porque as pessoas reconhecem ali um corpo inerte; tem forma, tem penas, mas não tem vida. É um corpo morto. Ao mesmo tempo, são formas irreconhecíveis na natureza, com exceção das penas. Isso também acontece com “Alísio”, que segue a anatomia da asa de uma fragata, mas que está fora da escala real.

Gostei de você ter citado uma certa “sobrevivência da forma” que eu buscaria em meu trabalho. Isso pra mim é muito evidente nos santos, nos insetos e nos pássaros. Isso reafirma a questão da não ressignificância no caso dos “Pássaros”, pois continua presente ali o peso de cada matéria e a sobrevivência das formas.

Page 56: Catálogo COQUETEL 2015

“Alísio”, 2012escultura em penas180 x 120 x 100 cm

Page 57: Catálogo COQUETEL 2015

“Alísio”, 2012escultura em penas180 x 120 x 100 cm

Page 58: Catálogo COQUETEL 2015

ConVersAs

Arte e Magia 09 dE JuNHO, 2015com a artista Laura Lima e os curadores Marcelo Campos e Marta Mestre.

Outros circuitos além do cubo branco 30 dE JuNHO, 2015com o artista João Modé e os curadores Marcio doctors e Tania Nasielski.

fInIssAge 11 dE JuLHO, 2015

Música na garagem com o compositor erudito LC Csekö e a banda de música eletrônica dE REPENTE ACIdENTE.

“Into the Hissing Heat 2” de LC Cseköpeça para clarone intérprete: Paulo Passos

“d.R.A. // R.G.b.”performance audio-visual da banda de música eletrônica dE REPENTE ACIdENTEintegrantes: Audrin Santiago, daniel Santos, Icaro dos Santos

Page 59: Catálogo COQUETEL 2015

conversa “Arte e Magia”com Laura Lima, Marcelo Campos, Marta Mestre

Page 60: Catálogo COQUETEL 2015

conversa “Outros circuitos, além do cubo branco”com Márcio doctors, João Modé, Tania Nasielski

Page 61: Catálogo COQUETEL 2015

“d.R.A. // R.G.b.” performance audio-visual da banda de música eletrônica dE REPENTE ACIdENTE

“Into the Hissing Heat 2” peça de LC Csekö, intérprete: Paulo Passos

Page 62: Catálogo COQUETEL 2015

Concepção e Coordenação: Joana Traub Csekö e Leo Ayres

Iluminação: Julio Katona (Artimanha Produções)

Design Gráfico: Icaro dos Santos

Fotografias: Pat Kilgore e Wilton Montenegro (Isabela Sá Roriz e Leo Ayres)

Revisão de textos: Rodrigo Ferreira

Monitoria: Luana Mota, Marcelo Nogueira e Marina Marchesan

Agradecimentos:

Alice Alfinito dRA (de Repente Acidente) Fil Messina Icaro dos Santos JulioLobato Keyna Eleison Van de beuque LC Csekö Rodrigo Ferreira Paulo Passos Saulo Laudares e Franz Manata Tania Queiroz

Page 63: Catálogo COQUETEL 2015

CoqueTel9 artistas numa mistura explosiva!

André Renaudbernardo ZabalagaIsabela Sá RorizJeferson AndradeJoana Traub CseköJulia CseköLeo AyresMario GrisolliZé Carlos Garcia

13 dE MAIO A 12 dE JuLHO dE 2015 Castelinho do Flamengo – Centro Cultural Municipal Oduvaldo Vianna FilhoPraia do Flamengo, 158 _ Rio de Janeiro - RJ Endereços virtuais:

coquetelcastelinho.tk

https://www.facebook.com/coquetelcastelinho

Page 64: Catálogo COQUETEL 2015

Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro e Secretaria Municipal de Cultura

Prefeito da Cidade do Rio de JaneiroEduardo Paes

Secretário Municipal de CulturaMarcelo Calero

Chefe de GabineteFlávia Piana

Subsecretário de GestãoCarlos Corrêa Costa

Subsecretária de Arte e FomentoDanielle Nigromonte

Subsecretário de Articulação, Cidadania e diversidade CulturalRenato Rangel

Assessora de ComunicaçãoAndreia Lopes

Assessor de ImprensaRafael Sento Sé

Coordenadora de Equipamentos CulturaisLuciana Adão Richards

diretora do Centro Cultural Municipal Oduvaldo Vianna FilhoKenya Eleison Van De Beuque

Vice diretoraZelita André

Page 65: Catálogo COQUETEL 2015

Registro da vernissage

Page 66: Catálogo COQUETEL 2015