O ofício das tramas, antes passado de mãe para filha, virou moda nas mãos de 12 artesãos de Brás Pires, na Zona da Mata mineira. A primeira coleção do grupo pode ser conferida neste catálogo, que reúne 23 produtos entre bolsas, carteiras, ecobags, mochilas, colares, pulseiras e cestas de piquenique que levam a marca Art d’Mio, a arte do milho.

Para essa nova etapa do projeto, o Sebrae-MG contratou a designer Mary Arantes, proprietária da Mary Design, que desenvolveu com o grupo a nova coleção. O diferencial está nos traçados herdados da cestaria, atividade desen-volvida pelo grupo desde sua formação, em 2010. Outra novidade são os detalhes de bucha vegetal incorporados nas bolsas e em penduricalhos em formato de flores. Cor-rentes e pérolas também são utilizados para incrementar as peças.

A sofisticação, aliada à identidade do grupo, abre possi-bilidades de inserção do artesanato com palha de milho no mercado da moda. A iniciativa é um desdobramento do projeto desenvolvido pelo Sebrae-MG, com o apoio do Instituto Xopotó. Capacitados em gestão e design, os artesãos ganham instrumentos para valorizar a produção e aumentar as vendas.

A nova coleção amplia as perspectivas de inserção dos artesãos em novos mercados, mais exigentes e sedentos por peças originais, com design inovador, mas que pre-servam a tradição e a história de quem as desenvolve.

Lázaro Luiz Gonzaga

Presidente do Conselho Deliberativo do Sebrae-MG

MODA COM PALHA DE MILHO

E

Acostumada a vôos e aeroportos, a ida de ônibus pra Brás Pires, me fez ver que o caminho seria diferente. A estrada tortuosa, seria elemento a ser considerado, assim como as pessoas simples, que a cada minuto, entravam e saiam do ônibus. De caderneta e lápis na mão, descrevia o que via. Singelos jardins à beira do caminho, com Dálias que se ofereciam aos que por ali passavam viraram crônicas. Roupas no varal, mulheres nas calçadas, galinhas visitando hortas alheias, homens voltado da labuta diária, fariam parte do cesto de palha imaginário, que estrada afora ia tecendo.

Na primeira noite na cidade, uma procissão encheu meus olhos de imagens perdidas no tempo. Anjos carentes, de havaianas e pés empoeirados, levavam pétalas de rosas e esperança. Homens com cheiro da terra, carregavam suados a santa no andor, com o cuidado de quem carrega a própria vida. Fui dormir santificada, ao som de ladainhas.

Foram dias imersos na cultura local, fotografando o que o olhar registrava como iconográfico. Fazendas com quintais que ainda são varridos com vassouras de alecrim, buquês de couve, limão capeta e mandioca, ficariam guardados na memória olfativa.

Plantações de bucha vegetal cujos frutos desciam do estaleiro, e que como braços imensos, tocavam o chão, me chamaram a atenção. Era preciso também conhecer de perto a vida, família, alegrias e dificuldades das artesãs. Distancias imensas, entre a casa e a oficina a serem vencidas, mais barro, mais atoleiro, sol a pino, filhos pra criar, galinhas pra tocar, maridos a deixar...

Não, não sou a designer, que vai à uma comunidade levando a salvação. Se o trabalho tem lá seu lado jesuítico, tem também a consciência de que, mais aprendo que ensino. Costumo chamá-lo de troca de saberes.

Fazer uma coleção de moda com o grupo de mulheres do Instituto Xopotó/Art’mio, foi o trabalho a mim encomendado pelo SEBRAE/Ubá. A intenção era transformar cestinhos de palha e balaios, em objetos de desejo. Precisávamos antes de tudo, mostrar pras “meninas”da cooperativa, o outro lado do mundo. E numa missão, intermediada por Eliane, do SEBRAE, Ubá, elas vieram a Belo Horizonte, fazer uma imersão nesse mundo da moda, pra elas mais que novo. Visitaram showroom de moda, assistiram vídeos de desfiles, aprenderam a tingir e fazer flores de bucha vegetal, oficina de tramas de pérolas e, conheceram um shopping center, a maioria nunca tinha andado nem de escada rolante. Visitamos lojas, previamente selecionadas, onde pesquisamos objetos que se assemelhavam ao que iriam produzir. Conheceram lojas e pessoas, pras quais destinaríamos a coleção, verificaram preços que os produtos poderiam atingir. Motivá-las e encantá-las, era nosso objetivo, plenamente conquistado.

Foram meses de viagens à Brás Pires, deixava sempre um para casa pra próxima ida. O trabalho na palha, requer uma fôrma interna, feita em madeira, sobre a qual a palha

é trançada. Todo trabalho é feito com a palha molhada, é preciso esperar que ela fique seca, para desenformar e ver o trabalho pronto, o que nem sempre é resolvido à beira de um fogão de lenha. A espera faz parte deste processo, neste mundo de imediatismos.

A pesquisa sobre os produtos existentes, feitos em palha e fibras similares, no Brasil e no mundo, apontaram que para sair do caráter da palha natural, existente em mercados e feiras populares, teríamos que lançar mão da cor, que na moda muda a cada estação, e também agregar valores à palha. Valores estes que têm um fator limitador, preço. Se for caro e difícil comprar, não conseguirão adquirir. A imagem das buchas vegetais à beira da estrada me veio à cabeça. Seria nossa aliada, assim como a pérola, conta com caráter de nobreza e facilmente amada. O nobre e o rústico, o simples e o sofisticado, o hi e o lo, opostos que se harmonizam, códigos da moda, eram agora nossos também.

Elementos, como pingentes de seda, sementes naturais, fechamentos diferenciados, tags de couro e mosquetões de metal, arrematam nossa coleção. Quem compra moda, compra marca, o tag em metal dourado, com a logo, art”mio em baixo relevo, tornou-se detalhe indispensável. Ele daria a consciência ao lojista e consumidor final, que estariam adquirindo a marca art’mio, um produto artesanal, porém diferenciado!

Ao ver fôrmas que não eram usadas ou usadas com outros fins, imaginei o quanto a palavra reciclar e reutilizar, precisavam ser inseridas. Sustentabilidade, muito mais que palavra tornava-se ação e gesto no projeto. Suplá dobrado ao meio, como um grande pastel, virou carteira de mão. Porta copo, emendado um no outro, ganhou status de sacola. Mini bolsa infantil, em palha natural e fita rosa shooking, foi trasnformada em bolsinha de balada, ganhou cor e alça de corrente à lá Chanel e balaios “peruanos” pertencem agora à categoria de mochilas.

Disse no início deste texto que o caminho seria elemento a ser considerado, há anos, não ficava à beira da estrada, esperando baldeações de ônibus... A idéia de maletas de mão para pequenas viagens nasceu dessa espera. Agora já me imagino numa viagem, levando à mão com muito orgulho, um trabalho como este, de mulheres talentosas, que fazem da devoção desse feito à mão, uma oração diária, um ato de fé e louvor.

PS- Depois de tudo pronto era preciso mostrar pra comunidade de Brás Pires, familiares e autoridades, o que essas mulheres( citar nomes?) foram capazes de fazer. Num desfile-oferenda, no salão paroquial, com elas mesmas desfilando como modelos, mostramos ao mundo, o que um simples elemento, a palha, e um simples gesto, o querer, são capazes de fazer. Mais que desfile de produtos, foi desfile de auto estima.