184

Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Este catálogo reúne textos produzidos em torno do recorte da exposição Oscar Niemeyer – clássicos e inéditos e compõe um importante material de referência para a percepção da importância histórica do trabalho de Oscar Niemeyer.

Citation preview

Page 1: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]
Page 2: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]
Page 3: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

São Paulo | Rio de Janeiro | 2014

Page 4: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

INSTITUCIONAL

8 ITAÚ CULTURAL

ALÉM DO TRAÇO

10 FUNDAÇÃO OSCAR NIEMEYER

UM PATRIMÔNIO MUNDIAL

11 PAÇO IMPERIAL

O LEGADO DE NIEMEYER

SOBRE A EXPOSIÇÃO

14 LAURO CAVALCANTI

OSCAR NIEMEYER: CLÁSSICOS E INÉDITOS

ENSAIOS

78 CARLOS A.C. LEMOS

OSCAR NIEMEYER EM SÃO PAULO

94 GLAUCO CAMPELLO

ARQUITETURA E AMBIENTE NA OBRA DE NIEMEYER

110 FARÈS EL-DAHDAH

OSCAR EM NOVA YORK: O PAVILHÃO E A ONU

Page 5: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

DEPOIMENTOS

134 ALVARO PUNTONI

ESPACIALIDADES INUSITADAS

140 ANGELO BUCCI

A LIBERDADE

146 CIRO PIRONDI

UM ARTISTA POPULAR

152 MARCIO KOGAN

UM CARIOCA NA VIDA DOS PAULISTANOS

158 PAULO MENDES DA ROCHA

O SURPREENDENTE USO DA TÉCNICA NA

ARQUITETURA DE NIEMEYER

166 RUY OHTAKE

SÍNTESE ENTRE ARQUITETURA E URBANISMO

175 FICHA TÉCNICA

OSCAR NIEMEYER: CLÁSSICOS E INÉDITOS

Page 6: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]
Page 7: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

INSTITUCIONALITAÚ CULTURAL

FUNDAÇÃO OSCAR NIEMEYERPAÇO IMPERIAL

Page 8: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

8

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

ALÉM DO TRAÇOITAÚ CULTURAL

Alguns artistas ultrapassam os limites da própria produção e se transformam em sím-

bolos de um tempo, de um lugar, de um sentimento. Entre os brasileiros de nossa

época, Oscar Niemeyer (1907-2012) é um dos que melhor representam essa geniali-

dade. Sua arquitetura traduz o moderno. Seu traço revela brasilidade. Suas curvas e

esculturas não passam despercebidas, provocam a contemplação.

Niemeyer defendia que “a vida é mais importante que a arquitetura” e, por isso, suas

obras privilegiaram o lado humano, unindo beleza e funcionalidade. Suas ideias sobre

democracia e justiça social também anteciparam o cenário político atual. O arquiteto

manteve uma atitude em favor das classes oprimidas até o fim da vida, traduzindo em

seu trabalho a militância pelo acesso à cultura e à estética.

Em reconhecimento a esse artista, o Itaú Cultural se uniu à Fundação Oscar Niemeyer

e, com patrocínio do Itaú Unibanco, realizou a digitalização dos 4.800 desenhos e

croquis originais catalogados pertencentes à fundação.

Além disso, convidou o curador Lauro Cavalcanti e o expografista Pedro Mendes da

Rocha, ambos arquitetos, para construir a exposição Oscar Niemeyer: clássicos e inédi-

tos — uma seleção de projetos inéditos e material raro sobre obras clássicas, além de

fotografias e maquetes.

Page 9: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

9

O conjunto examina o processo de criação de Niemeyer e exibe seu trabalho mo-

numental, possibilitando uma percepção única dessa produção e homenageando a

arquitetura brasileira.

Outra proposta da exposição é dar continuidade ao projeto do instituto de trazer ao

público novas expressões artísticas, como a arquitetura, destacando nomes essenciais

dessas manifestações no nosso país.

Este catálogo reúne textos produzidos em torno do recorte da exposição e compõe

um importante material de referência para a percepção da importância histórica do

trabalho de Oscar Niemeyer.

Page 10: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

10

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

UM PATRIMÔNIO MUNDIALANA LUCIA NIEMEYER

Presidente da Fundação Oscar Niemeyer

A Fundação Oscar Niemeyer é uma instituição sem fins lucrativos criada em 1988 com

o objetivo principal de preservar e divulgar a obra do arquiteto. Suas atividades tive-

ram início com o recebimento de documentos produzidos e acumulados por Niemeyer

em seu escritório no curso de sua celebrada e influente carreira.

O acervo da Fundação Oscar Niemeyer está dimensionado em cerca de 10 mil do-

cumentos arquitetônicos, 30 metros de documentação textual e 8 mil documentos

fotográficos, constituindo fonte de informação e pesquisa sobre uma arquitetura pre-

cursora de importantes tendências mundiais.

O acervo foi declarado de interesse público e social pelo presidente Lula em 2009

e recebeu o registro internacional do Programa Memória do Mundo, da Unesco, um

título que o qualifica como patrimônio mundial.

Os croquis, álbuns e desenhos do arquivo do arquiteto são o núcleo desse acervo,

em que constam mais de 5 mil originais. Dos cerca de 600 projetos arquitetônicos e

urbanísticos, mais de 350 estão representados nesses documentos, o que atesta sua

relevância para a memória da arquitetura e do urbanismo modernos.

A parceria com o Itaú Cultural permitiu a digitalização desses documentos, o que ga-

rantirá, além de melhores condições de segurança e preservação, uma acessibilidade

mais ampla, não só aos pesquisadores e estudiosos de arquitetura mas também ao

público em geral.

Esse é o objetivo desta exposição, em que, pela primeira vez, o legado de Oscar

Niemeyer é apresentado de maneira mais abrangente.

Page 11: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

11

O LEGADO DE NIEMEYERLAURO CAVALCANTI

Diretor do Centro Cultural Paço Imperial – Iphan/MinC

O Paço Imperial, centro cultural do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Na-

cional (Iphan), se reúne com o Itaú Cultural e com a Fundação Oscar Niemeyer para

celebrar o legado de um dos maiores arquitetos do século XX.

Numa operação exemplar de preservação, foi promovida a digitalização do acervo de

cadernos inéditos de desenhos e textos, de modo a ampliar o universo de pesquisa,

sem prejuízo dos originais.

A exposição abrange toda a obra de Oscar Niemeyer, com destaque para um material

pouquíssimo conhecido. Trata-se de uma rara oportunidade de mergulhar na produ-

ção desse brasileiro que alterou o rumo da arquitetura moderna, num caso excepcional

em que nossa vanguarda visual foi, a um só tempo, uma inovação internacional.

Page 12: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]
Page 13: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

SOBRE A EXPOSIÇÃO

LAURO CAVALCANTI

Page 14: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

14

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

OSCAR NIEMEYER: CLÁSSICOS E INÉDITOSLAURO CAVALCANTI

A complexa e extensa obra de Oscar Niemeyer se abre para múltiplas interpretações

e pontos de vista. Algumas de suas características, contudo, sobressaem como essen-

ciais. A primeira faceta a ser destacada é a da antecipação com a qual ele previu, ain-

da no início dos anos 1940, o esgotamento do uso estrito do racionalismo. O segundo

ponto importante foi o da liberdade em procurar alternativas para esse impasse que

fossem coerentes com os avanços construtivos e com os princípios de uma nova

estética modernista.

“Niemeyer propôs uma fusão absoluta entre estrutura e arquitetura. Uma vez executada a primeira, a segunda esta-va pronta.”Brasileiramente, Niemeyer bebeu em fontes consideradas antagônicas em sua origem,

como algumas obras do jovem Mies van der Rohe e outras de Le Corbusier. As “miesia-

nas” curvas de vidro que protegem a escada interna e a divisória em mármore ébano

da sala de jantar da casa Tugendhat (1928-1930), assim como a sinuosidade dos anda-

res do arranha-céu da Friedrichstrasse (1921-1922), combinaram-se em Niemeyer, sem

conflitos, com os volumes puros e autônomos do Pavilhão Suíço (1932). Por meio do

domínio estrutural de uma tecnologia de concreto armado, a única então possível em

seu país de origem, Niemeyer criou uma revolução de formas a um só tempo regional

e internacional. Para fazê-lo, propôs uma fusão absoluta entre estrutura e arquitetura.

Uma vez executada a primeira, a segunda estava pronta. Esse caminho o levou a uma

depuração e síntese dos elementos de suas construções. E isso teve um efeito direto

na recepção de seu trabalho, cujas formas passaram a ser imediata e facilmente apre-

endidas por todos, e não apenas por especialistas. Produziu também um paradoxo,

Page 15: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

15

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

pois, muitas vezes, a predominância da forma concisa é tanta que afasta de alguns a

percepção da inteligência estrutural que a possibilitou1.

Outro ponto importante diz respeito à sua relação com a história; embora sua ênfase

fosse a de usar os instrumentos de seu tempo e de construir hoje o passado do ama-

nhã, os vínculos de sua obra com o melhor do barroco brasileiro são tão evidentes

que dispensam detalhamento. Além disso, o arquiteto tem uma importante trajetória

internacional. Suas numerosas obras na Europa e no norte da África mostram como

seus espaços souberam criar contextos, assim como se adaptar àqueles existentes2.

Orgulhava-se de que, mesmo em centros mais adiantados, suas obras propunham – e

solucionavam – novos desafios de tecnologia construtiva.

A MOSTRA

Várias exposições sobre a obra construída de Oscar Niemeyer  foram feitas por ele

próprio ou por outros curadores. O propósito de Oscar Niemeyer: clássicos e inéditos

é diferente. Sem descartar o registro de um percurso que, por vezes, se confunde com

aquele da arquitetura do século XX, o objetivo aqui é revelar projetos inéditos que por

vários motivos permaneceram no papel, trazidos a público por um extenso trabalho

de pesquisa e digitalização de originais. Esta mostra se tornou possível graças à coo-

peração entre a Fundação Oscar Niemeyer e o Itaú Cultural.

1 Paulo Mendes da Rocha enfatizou esse ponto em sua palestra no evento Oscar Niemeyer, um Seminário, realizado no Itaú Cultural (SP) em dezembro de 2013.

2 Ver o ensaio de Glauco Campello Arquitetura e Ambiente na Obra de Niemeyer nesta publicação.

Page 16: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

16

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

“O objetivo aqui é revelar projetos inéditos que por vários motivos permaneceram no papel, trazidos a público por um extenso trabalho de pesquisa e digitalização de originais.”CLÁSSICOS

O setor dedicado aos clássicos reúne fotografias e maquetes de suas obras emblemáti-

cas e também traz novidades. Pela primeira vez são exibidos os originais do conjunto de

20 croquis (da p. 20 a 34) preparados pelo arquiteto, em 1998, para ser multiplicados e

percorrer universidades de todo o país, de modo a transmitir seu pensamento plástico,

político e existencial. Inédita também é a série de desenhos que Niemeyer riscou numa

bobina de 12,5 metros enquanto discorria sobre cada projeto para a filmagem de O Filho

das Estrelas, de Henri Raillard (2001). As cópias heliográficas da sede da Organização

das Nações Unidas (ONU), interferidas por traços de lápis de cor, são o registro do mo-

mento histórico no qual Oscar Niemeyer, cedendo às argumentações do mestre, abdica

de ter seu projeto individual escolhido e propõe a fusão com a proposta de Le Corbusier.

INÉDITOS

Os originais inéditos3 provêm, em sua grande maioria, de cadernos de trabalhos não

executados. Eles nos permitem ver a metodologia de Niemeyer, assim como seguir seu

modo de conceber, desenhar, escrever e, em alguns casos, acompanhar o desenvolvi-

mento dos projetos. O arquiteto carioca tinha, como sistema de trabalho, o hábito de

colocar suas opções visuais por escrito. Caso tivesse dificuldade de clareza ou de sín-

tese, voltava para a prancheta para redesenhá-los, pois algo estaria errado. Chamava

esses textos de “Explicações necessárias” (ilustração na p. 36).

3 Farès el-Dahdah chamou a minha atenção para esse material, ordenado em sua pesquisa para a organização futura de um catalogue raisonné de Niemeyer.

Page 17: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

17

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

Outro costume seu era o de especular sobre várias decisões possíveis diante do mes-

mo programa, terreno e local. Cotejava as opções com aquela adotada e barrava com

um “x” as hipóteses descartadas. O exame dos cadernos abre inúmeras possibilidades.

Permite revelar facetas suas menos conhecidas, como o diálogo franco, no caso de re-

sidências, com uma tradição construtiva brasileira. Uma vez estabelecido o moderno,

permitiu-se citar ou reproduzir boas práticas das generosas varandas e coberturas de

nossa arquitetura rural. A monumentalidade está presente no desenho de mansões

projetadas para Bruxelas, Jeddah e Brasília (ilustrações nas p. 38 a 44).

O domínio da pequena escala foi exercido na casa que projetou, em 1938, para Oswald

de Andrade, assim como na residência circular, sobre pilotis, concebida para si mesmo

nos anos 1980 (ilustração na p. 46) e na pequena habitação, de 1979, presenteada a um

amigo seu de quem só se sabe o prenome: Salim (ilustração na p. 48).

Seus blocos de desenhos nos permitem constatar a perseguição de formatos estrutu-

rais que, muitas vezes, se realizaram posteriormente, em programas e locais distintos

dos originais. Acompanhamos o uso constante de sinuosas marquises e rampas que

propiciam o passeio arquitetural e reconciliam natureza e espaço construído como

integrantes de uma só essência. A preferência pelas curvas que o concreto permite se

expressa em estruturas que, em diversos tempos e lugares, integram a mesma pesqui-

sa de amalgamar o modo de tornar concreta uma forma com sua própria aparência.

Nesse sentido, é possível perceber uma linha de coerência entre, por exemplo, a casca

proposta em décadas distintas para a sede social do Jockey Clube Brasileiro no Rio

de Janeiro (1976), (ilustração na p. 50) para o Quartel General do Exército, em Brasília

(1968), e para o Auditório de Ravello, na Itália (2000). As curvas da igreja da Pampulha

(1940) reverberam suas ondas no Centro Técnico da Aeronáutica (1947) e, na década

seguinte, no anexo ao Hospital da Lagoa (1952).

Uma constante em seu trabalho foi a colaboração com os engenheiros estruturais

Joaquim Cardoso, Bruno Contarini e José Carlos Sussekind, seu parceiro mais frequen-

te das últimas décadas. A opinião por eles compartilhada é que os desafios com os

quais os confrontou Niemeyer sempre estiveram fundados num rigoroso pensamento

Page 18: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

18

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

estrutural e, mais que isso, na esfera do possível. Foi contínuo seu experimento com

diversas possibilidades de abóbodas: monumentais (Oca, Parque Ibirapuera, 1951), in-

vertidas (Congresso Nacional, 1958), seccionadas (Aquário de Brasília, 2003), suspen-

sas (Catedral Católica no Caminho Niemeyer, 1997), parcialmente enterradas (Partido

Comunista Francês, 1965) ou comportando o apoio de rampas que delas partem (Mu-

seu Nacional de Brasília, 1999/2006).

Nos conjuntos de maior porte, o vazio entre os volumes construídos é um elemento

expressivo de sua arquitetura, assim como o contraste dos elementos prismáticos com

volumes curvos que tornam mais singular cada uma das formas inventadas em tempos

e arquiteturas diversos. A Universidade de Constantine (1969), o clube La Madeleine

(1966), (ilustração na p. 52) e o conjunto do Ibirapuera (1951) são alguns exemplos.

Entre 1967 e 1979, Niemeyer realiza o plano urbano para as cidades de Grasse, Dieppe e

Villejuif, na França. Merece atenção o projeto para Negev, em Israel, (ilustrações nas p.

54 a 56) desenhado em 1964, apenas três anos após a inauguração da capital brasileira.

Quase uma “anti-Brasília”, Niemeyer tira completamente o protagonismo do automóvel,

adota a verticalidade nas habitações como recurso para uma ocupação rala do terreno e

estabelece distâncias entre casa, trabalho e lazer que possam ser percorridas a pé, como

numa antiga cidade medieval. A circulação de veículos é limitada a uma via perimetral

que daria acesso a uma grande esplanada central, de caráter administrativo; espécie de

entrada da cidade e ponto de controle da distribuição do tráfego, contendo no subsolo

rodoviária e estacionamento para 10 mil veículos. A cidade livre de automóveis seria

“servida de largos caminhos ensaibrados, pitorescos, arborizados, entre

os quais se localizariam os blocos de habitação. E as áreas de comér-

cio e distrações seriam distribuídas nas pequenas ruas de pedestres, ora

desembocando em singelas praças de província, ora nos gramados que

antecedem as zonas residenciais”4.

4 “Explicação necessária”, arquivos da Fundação Oscar Niemeyer.

Page 19: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

19

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

Nas torres de habitação de 40 andares estariam determinados apenas os acessos,

os jardins e as instalações sanitárias. O restante seria flexível, possibilitando todas as

variações, inclusive a construção interna por etapas. Os apartamentos teriam jardins

privativos para os quais se abririam salas e quartos, nas disposições que cada um

preferisse. “Explicação necessária”, Niemeyer sublinhava que projetara para Israel uma

cidade progressista que se antecipasse aos problemas do futuro em um país “predes-

tinado às soluções de vanguarda que outras nações – ricas e industrializadas – ainda

se recusam”5. De um desenho para uma publicação dedicada à sua obra na União

Soviética em 1975 se originam suas hipóteses para uma cidade do porvir: habitações

subaquáticas, novos transportes aéreos e aprendizado durante o sono são algumas de

suas apostas nessa curiosa e rara incursão na projeção de formas futuras, uma vez que

sua prática costumava trazer o futuro para o presente.

Um dos poucos sistemas estruturais irrealizados de Niemeyer foram as diversas ver-

sões do Centro da Música (1968) (ilustração na p. 58). Inicialmente projetado para o

Parque do Flamengo, próximo ao Museu de Arte Moderna (MAM), o edifício era sus-

penso sobre um apoio central de modo a permitir a vista para o mar, com vigamento

de concreto na cobertura, tirantes metálicos e balanços de 50 metros. Para buscar o

dimensionamento adequado, Niemeyer procurou o mestre italiano Pier Luigi Nervi,

que propôs a substituição das vigas de concreto por tirantes metálicos – solução ado-

tada na segunda variante do projeto, cogitado de ser implantado às margens da Lagoa

Rodrigo de Freitas. Numa terceira etapa, o próprio arquiteto propôs a mudança para

um terreno na Barra da Tijuca, bairro onde, nos anos 1990, a prefeitura carioca acabou

realizando o projeto de Christian de Portzamparc. Em 1972, Niemeyer propôs uma

quarta variante do projeto em balanço com apenas dois suportes centrais destinado

a ser o Museu do Conhecimento, a principal atração de uma feira internacional que se

pretendia fazer naquele ano, na mesma Barra da Tijuca. Nessa versão, haveria cinco pi-

sos escalonados em ordem crescente, suspensos por tirantes seguros pelo vigamento

de concreto da cobertura (ilustrações nas p. 60 a 62).

5 Op. cit.

Page 20: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

20

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

NIEMEYER EM SÃO PAULO

Há um vínculo muito especial entre Oscar Niemeyer e São Paulo. Conjunto da Pampulha

à parte, foram executadas em terras paulistanas, em 1951, suas primeiras grandes obras

públicas: o conjunto do Ibirapuera (1951) e o prédio Copan (1951), primeira megaestru-

tura dentro do tecido urbano. Esses projetos foram fundamentais no sentido de exerci-

tar uma linguagem de grandes escalas, aplicada depois em Brasília.

O Rio de Janeiro é o local que possui mais projetos de Niemeyer. A maior parte deles,

de média e pequena escala, está espalhada pela cidade e não se faz presente em sua

malha, com as exceções tardias da Passarela do Samba e do conjunto niteroiense da

década de 1990. Muito antes, as curvas das montanhas e da mulher amada se fizeram

estruturas lógicas, ainda que surpreendentes, nas marquises do Parque Ibirapuera, na

sinuosidade do Copan e, mais de 30 anos depois, em 1987, no Memorial da América

Latina. Não deixa de ser curioso que alguns dos símbolos incontestes de São Paulo

tenham sido produzidos na prancheta do carioca Oscar.

Reunimos aqui uma série de projetos para o estado de São Paulo no período de 1938

a 1990. Concomitantemente à sua atuação, com Lucio Costa, no Pavilhão do Brasil

em Nova York (1939) e no Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro (1936),

Niemeyer esboça uma casa de campo para Oswald de Andrade, que emociona pela

radicalidade e pela singeleza. Sucedem-se, para citar só alguns, o Centro Técnico da

Aeronáutica (1947), o Clube dos 500 (1950) e a fábrica da Duchen (1950), infelizmente

destruída. Entre os inéditos está uma versão de 1989 para o Auditório Ibirapuera, mui-

to diversa daquela finalmente construída em 2002.

No projeto que fez, em 1979, para a sede da Companhia Energética de São Paulo

(Cesp), (ilustrações nas p. 64 a 68) em dois terrenos na confluência da Alameda Mi-

nistro Rocha Azevedo e da Rua São Carlos do Pinhal, podemos acompanhar seu ra-

ciocínio no sentido de recriar um espaço urbano com menor adensamento e maior

incidência de ar e luz. O arquiteto examina várias hipóteses e termina optando por

uma torre esbelta e alta para os escritórios, com uma esplanada, coberta por terraços

Page 21: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

21

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

e jardins, que a ligaria aos blocos independentes de serviços e controle de operação

do sistema, propiciando áreas verdes no espaço livre do térreo. De modo a visualizar

melhor o impacto positivo que a solução teria dado a esse trecho da cidade, um mo-

delo digital do projeto está disponível na exposição.

Além dos requisitados memoriais e centros de cultura, os planos de Niemeyer para

São Paulo nos derradeiros anos deram-lhe a oportunidade de propor mudanças de

contexto para confrontar o adensamento dos centros urbanos brasileiros, dos quais a

metrópole bandeirante constitui o exemplo extremo. Também lhe propiciaram a chan-

ce de incentivar a criação de espaços bucólicos (ilustrações nas p. 70 a 72) em áreas

menos privilegiadas e esquecidas, concebendo para a periferia o replantio de bosques

integrados a grandes complexos de estar, cultura, esporte e lazer.

Oscar Niemeyer: clássicos e inéditos envolveu um longo processo que buscou, primei-

ramente, preservar o acervo, digitalizando-o para possibilitar a pesquisa imediata e

sua consulta futura por um número mais amplo de estudiosos. Um seminário, reunin-

do expoentes de várias gerações6, lançou as linhas básicas de aprofundamento para

preparar a exposição e serviu para ultrapassá-la, fornecendo um caráter autônomo à

publicação de suas ideias.

Oscar Niemeyer inventou um jeito de caminhar num percurso único, impossível (ou, no

mínimo, desaconselhável) de ser transposto de modo literal. Já sua postura estabelece

um exemplo a ser seguido, no ofício, no exercício de cidadania e na exploração das

possibilidades de inovação dentro da tecnologia possível na época e no lugar de cada

um. É esse legado que pretendemos celebrar.

6 Paulo Mendes da Rocha, Marcio Kogan, Glauco Campello, Ruy Ohtake, Angelo Bucci, Alvaro Puntoni, Ciro Pirondi e Farès el-Dahdah. A eles se somou o depoimento de Carlos Lemos.

Page 22: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

22

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

AULA [ca. 1997]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 23: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

23

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

Page 24: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

24

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

AULA [ca. 1997]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 25: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

25

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

Page 26: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

26

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

AULA [ca. 1997]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 27: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

27

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

Page 28: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

28

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

AULA [ca. 1997]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 29: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

29

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

Page 30: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

30

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

AULA [ca. 1997]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 31: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

31

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

Page 32: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

32

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

AULA [ca. 1997]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 33: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

33

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

Page 34: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

34

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

AULA [ca. 1997]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 35: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

35

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

Page 36: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

36

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

AULA [ca. 1997]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 37: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

37

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

Page 38: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

38

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

CLUBE LA MADELEINE, Pressagny-l’Orgueilleux, França [1966]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 39: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

39

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

Page 40: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

40

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

CASA PARA PHILIPPE LAMBERT, Bruxelas, Bélgica [1976]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 41: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

41

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

Page 42: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

42

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

RESIDÊNCIA EM JEDDAH, Jeddah, Arábia Saudita [s.d.]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 43: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

43

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

Page 44: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

44

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

RESIDÊNCIA EM JEDDAH, Jeddah, Arábia Saudita [s.d.]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 45: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

45

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

Page 46: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

46

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

CASA PARA SEBASTIÃO CAMARGO, Brasília, DF, Brasil [1986]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 47: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

47

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

Page 48: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

48

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

CASA DO ARQUITETO, Cabo Frio, RJ, Brasil [s.d]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 49: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

49

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

Page 50: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

50

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

CASA PARA SALIM, s.l. [1979]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 51: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

51

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

Page 52: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

52

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

JOCKEY CLUB RIO DE JANEIRO, Rio de Janeiro, RJ, Brasil [1976]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 53: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

53

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

Page 54: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

54

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

CLUBE LA MADELEINE, Pressagny-l’Orgueilleux, França [1966]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 55: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

55

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

Page 56: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

56

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

PLANO DA CIDADE DE NEGUEV, Deserto de Neguev, Israel [1964]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 57: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

57

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

Page 58: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

58

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

PLANO DA CIDADE DE NEGUEV, Deserto de Neguev, Israel [1964]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 59: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

59

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

Page 60: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

60

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

CENTRO DE MÚSICA, Rio de Janeiro, RJ, Brasil [1968]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 61: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

61

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

Page 62: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

62

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

MUSEU EXPOSIÇÃO BARRA 72, Rio de Janeiro, RJ, Brasil [1969]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 63: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

63

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

Page 64: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

64

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

MUSEU EXPOSIÇÃO BARRA 72, Rio de Janeiro, RJ, Brasil [1969]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 65: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

65

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

Page 66: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

66

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

COMPANHIA ENERGÉTICA DE SÃO PAULO | SEDE | 1º PROJETO, São Paulo, SP, Brasil [1979]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 67: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

67

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

COMPANHIA ENERGÉTICA DE SÃO PAULO | SEDE | 1º PROJETO, São Paulo, SP, Brasil [1979]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 68: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

68

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

COMPANHIA ENERGÉTICA DE SÃO PAULO | SEDE | 1º PROJETO, São Paulo, SP, Brasil [1979]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 69: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

69

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

COMPANHIA ENERGÉTICA DE SÃO PAULO | SEDE | 1º PROJETO, São Paulo, SP, Brasil [1979]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 70: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

70

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

COMPANHIA ENERGÉTICA DE SÃO PAULO | SEDE | 1º PROJETO, São Paulo, SP, Brasil [1979]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 71: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

71

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

COMPANHIA ENERGÉTICA DE SÃO PAULO | SEDE | 1º PROJETO, São Paulo, SP, Brasil [1979]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 72: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

72

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

CENTRO PARA CULTURA, ESPORTE E LAZER, São Paulo, SP, Brasil [s.d.]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 73: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

73

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

Page 74: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

74

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

CENTRO PARA CULTURA, ESPORTE E LAZER, São Paulo, SP, Brasil [s.d.]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 75: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

75

oscar niemeyer: clássicos e inéditos | LAURO CAVALCANTI

Page 76: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]
Page 77: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

ENSAIOSCARLOS A.C. LEMOSGLAUCO CAMPELLO

FARÈS EL-DAHDAH

Page 78: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

Arquiteto e artista plástico, dirigiu o escritório paulista de Oscar Niemeyer e par-

ticipou do projeto de criação do Parque Ibirapuera. Professor titular da Faculdade

de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Membro do Comitê

Brasileiro do International Council of Monuments and Sites (Icomos) e do Comitê

Brasileiro de História da Arte. Autor de diversos livros, entre eles, Ramos de Azeve-

do e seu Escritório (Editora Pini, 1993), premiado com o Prêmio Jabuti.

Page 79: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

OSCAR NIEMEYER EM SÃO PAULO

CARLOS A.C. LEMOS

Page 80: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

80

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

Em certo dia do início dos anos 1960, recebi em meu escritório uma visita que portava

um bilhete de Oscar Niemeyer, dirigido a mim, dizendo o seguinte:

“Carlinhos.

O portador é o arquiteto alemão Bresman, que está no Brasil por conta da

Prefeitura de Berlim. Ele vai a S. Paulo ver algumas obras. Das minhas gos-

taria que visitasse o Parque Ibirapuera pois as outras não me interessam.

Ao contrário. Não considero obras minhas. Para você apelo mais uma vez

no sentido de auxiliá-lo no que deseja ver em S. Paulo. Acho que ele poderia

visitar a casa do Bratke e mais o que você julgar conveniente. Estou em falta

com você, o que muito me constrange pois devo-lhe muitas atenções, mas

qualquer dia, quando você menos esperar, estouro aí em S. Paulo.

Um abraço afetuoso

Oscar.”

I

Nessa mensagem, ele não considerou como suas as obras que projetara para o Banco

Nacional Imobiliário. Se não eram dele, de quem teriam sido? Intrigado, até pensei que

estivesse se referindo a mim, pois, como seu representante e auxiliar chefiando seu

escritório paulistano, poderia ter sido responsabilizado pela fracassada produção. E

logo me recordei de seu celebrado depoimento na revista Módulo, em 1958, em que

se justifica numa mea culpa repudiando suas obras “após um processo honesto e frio

de revisão de meu trabalho de arquiteto”. Alega excesso de projetos malcuidados, de

tendência desmedida à originalidade e de desatenção à correção ou à racionalidade.

Na verdade, não foi bem assim; o que houve foi um excesso de contratempos próprios

da prática profissional; percalços de variadas origens, tanto seus íntimos nos proces-

sos de criação quanto externos ou universais na hora da materialização dos planos.

Page 81: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

81

oscar niemeyer em são paulo | CARLOS A.C. LEMOS

BILHETE DE OSCAR NIEMEYER A CARLOS LEMOS, São Paulo, SP, Brasil [s.d.]

Arquivo Carlos A. C. Lemos

Page 82: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

82

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

Em seu bilhete, Oscar deveria ter escrito: “Não as considero mais obras minhas”. Esse

“mais” é fundamental, porque foram raros os descuidos provenientes de alguma de-

satenção na concepção do projeto ou na execução das pranchas desenhadas; sempre

se teve o máximo cuidado. Sou taxativo: de nosso escritório saíram projetos de Oscar

Niemeyer que, durante os trabalhos de construção, sofreram reparos ou alterações

nascidos de injunções de ordem legal, circunstancial e, sobretudo, econômica.

Neste texto, minha maior preocupação é justamente “explicar” o que aconteceu com

os projetos de Oscar em São Paulo, aqueles encomendados pelo citado banco, depois

pela Companhia Nacional de Investimentos (CNI) e depois pelo Bradesco. Foram cinco

edifícios. Além dessa contratação, ocorrida entre 1950 e 1952, mais dois comissiona-

mentos aconteceram: o projeto do Parque Ibirapuera por parte da prefeitura, em 1952

também, e o projeto do Memorial da América Latina, em 1987, pelo estado. Nestes

últimos 60 anos, certamente Oscar fez alguns projetos esparsos para clientes variados,

trabalhos, no entanto, sem significados maiores. Lembro-me, por exemplo, do edifício

para o Instituto de Resseguros, na Avenida São João, e do Hospital da Gastroclínica do

Professor Edmundo Vasconcelos, na Avenida Rubem Berta. Recordo-me, também, da

casa de fazenda do então governador Orestes Quércia, cuja pintura teve as cores que

escolhi por delegação peremptória de Oscar, em 1989.

As contratações dos projetos de Oscar Niemeyer em São Paulo pelo Banco Nacional

Imobiliário, presidido pelo deputado federal Orozimbo Otávio Roxo Loureiro, deram-

-se no auge da carência de habitações para a classe média. Esse apogeu era decor-

rente de uma série de circunstâncias deflagradas pela celebrada crise de 1929. Depois

dessa tragédia, que derrubou a economia cafeeira, os fazendeiros, quase todos, tive-

ram de sobreviver à custa unicamente de aluguéis de suas propriedades levantadas

nas entressafras nos tempos da abastança. Cada qual com a sua quantidade de imó-

veis remanescentes dos processos de falência. Dez anos depois, veio a Segunda Guer-

ra Mundial. Aqui, a paralisação das construções de concreto armado. Exacerbação

das demandas judiciais entre locatários e inquilinos. Em 1942, a Lei do Inquilinato de

Getúlio Vargas, o algoz dos senhorios. Resumindo: como sempre, os ricos, sobretudo

os emanados do comércio e da indústria, nunca tiveram problemas de moradia; os

Page 83: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

83

oscar niemeyer em são paulo | CARLOS A.C. LEMOS

pobres viraram-se com a autoconstrução e inauguraram as primeiras favelas. Entre

esses dois estamentos, a classe média desguarnecida, impotente e sem onde morar.

Após o armistício de 1945, com o horizonte econômico de pós-guerra auspicioso a

grandes empreendimentos e com a produção célere da Companhia Siderúrgica Na-

cional de Volta Redonda, o concreto armado ressurgiu, dando início à verticalização

da cidade, aos prédios de apartamentos para o gáudio da classe do meio.

Nesses dias surgiu a figura do apartamento condominial, que teve plena aceitação. A

novidade trazia consigo, no entanto, pontos obscuros nos aspectos legais e dúvidas

ou entraves variados na legislação municipal, principalmente no Código de Obras. Na-

quele tempo, também não se praticava a consulta popular para saber de que manei-

ra oferecer o que melhor satisfizesse à demanda geral, coisas como área construída

(preços), número de cômodos, quantidade de quartos etc. A localização também era

de fundamental importância, e duas regiões foram logo intuídas como principais: o

Centro e a Avenida Paulista.

O primeiro projeto de Oscar Niemeyer foi o do edifício de escritórios do Condomínio

Califórnia, imaginado e desenhado no Rio de Janeiro antes da abertura de seu escritó-

rio paulistano. Foi lançado à venda em maio de 1951. Sua galeria, que liga a Rua Barão

de Itapetininga à Rua Dom José de Barros, foi inaugurada em dezembro de 1953, es-

tando o resto da construção em fase de últimos acabamentos. Os andares de escritório

são ótimos, com iluminação e insolação perfeitas dos salões e dos largos corredores

de acesso aos elevadores. Áreas comuns generosas, hoje impensáveis.

Esse belo edifício, em seus 60 anos de existência, sofreu problemas decorrentes de

alterações ocorridas no caráter da Rua Barão de Itapetininga; de via elegante, chiquíssi-

ma de alto comércio nos anos das comemorações do IV Centenário, passou a calçadão

de frequência eminentemente proletária e império dos camelôs. É claro que houve re-

flexos na Galeria Califórnia, sobretudo à volta dos robustos apoios estruturais na forma

de letra “V”, que, no projeto, eram afastados das vitrines. Hoje, são entraves às arma-

ções do comércio popular. A decadência visível de toda a galeria é advinda de mais

de meio século de manutenção totalmente alheia às intenções estéticas do arquiteto.

Page 84: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

84

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

O segundo prédio, já de apartamentos, foi o Montreal, construído na esquina da Ave-

nida Ipiranga com a Avenida Cásper Líbero. Naqueles dias, surpreendente edificação

de 20 andares, ainda projetada e desenhada no Rio, em 1951. Sua beleza impositiva,

que a todos encantou, foi o fato de Niemeyer ter conseguido isolá-la visualmente dos

vizinhos lindeiros, fazendo com que os quebra-sóis de concreto armado da torre des-

cessem verticalmente no início dos recuos às divisas, não se estendendo lateralmente

nos andares não afastados. O Montreal foi entregue justamente em janeiro de 1954,

nos festejos do IV Centenário, merecendo capa do caderno da edição comemorativa

da Folha de S.Paulo, em que aparecem as fotografias de Niemeyer e de Prestes Maia,

o presidente da CNI, a sucessora do banco de Loureiro.

O terceiro condomínio foi o Edifício Eiffel, na esquina da Avenida São Luís com a

Rua Marquês de Itu. É a construção de Oscar que mais aprecio; seus apartamen-

tos dúplex são ótimos e, ali, o arquiteto contornou com maestria, mais uma vez, a

questão dos recuos laterais a partir do 10º andar. Ele flexiona para a frente as duas

alas laterais mais baixas, criando um espaço, digamos, acolhedor, abraçando o jar-

dim elevado situado acima das sobrelojas. Originalmente, esse jardim sobre a área

inferior de lojas tinha amplo acesso pelo salão, que fora comprado no lançamento

pelo Clube de Xadrez de São Paulo. Pelas normas dos condomínios, essa sociedade

poderia usá-lo ou frequentá-lo livremente, porque possuía exclusividade de acesso,

embora não fosse a proprietária, pois o local era flagrantemente área comum. Ocorre

que os enxadristas venderam o amplo salão para um restaurante, que aumentou sua

área útil cobrindo parte do jardim elevado. O morador do 1º andar dos apartamentos,

quando abre a janela, dá com o nariz em um telhado que lhe tira a oportunidade de

ver o que restou do jardim. Aliás, os dois proprietários dos últimos apartamentos das

alas laterais semelhantemente ficaram “donos” das respectivas lajes ali perpetrando

obras não previstas no projeto. Como modesto arquiteto, não entendo da jurispru-

dência relativa a esses procedimentos invasivos; apenas sei que prejudicaram a in-

teireza do projeto e lamento muito. O Edifício Eiffel foi lançado em 1952 e entregue

aos seus compradores em 1955.

Page 85: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

85

oscar niemeyer em são paulo | CARLOS A.C. LEMOS

“O Edifício Eiffel é a construção de Oscar que mais apre-cio. Ali, o arquiteto contornou com maestria a questão dos recuos laterais.”A quarta construção programada sob a responsabilidade de Oscar Niemeyer foi o

Edifício Triângulo. Tal denominação provém da forma do terreno disponível: uma ver-

dadeira ilha sem confrontantes ao lado da Rua Direita, em pleno centro histórico. Não

passa de uma torre prismática que originalmente era toda circundada por quebra-sóis

horizontais equidistantes, semelhantemente ao Montreal e ao Copan. Aconteceu que

Oscar, querendo variar, em vez do concreto armado, usou uma estrutura metálica em

balanço, de cerca de 1 metro de profundidade, destinada a amparar réguas de alumínio

afastadas entre si por 2 centímetros. Eram azuis. Como o Montreal, foi muito bonito.

No primeiro verão, aconteceu algo que o nosso mestre não previra: o barulho ensurde-

cedor que a chuva produzia batendo nas peças aparafusadas nas mãos-francesas de

ferro. A decisão foi unânime: alguns meses após a inauguração, o edifício foi desnuda-

do, ficando os vidros totalmente aparentes. Essa foi realmente uma inadvertência do

arquiteto. O Edifício Triângulo foi lançado à venda em abril de 1952, como o Edifício

Eiffel, e entregue aos condôminos também em 1955, e continua ostentando as conse-

quências de um descuido na programação – certamente vindo dos promotores – que

colocou a portaria e o acesso aos elevadores no subsolo, unicamente acessível por

escada, partindo do nível da rua. Isso faz com que os escritórios dali sejam “proibidos”

aos cadeirantes. Uma das paredes laterais dessa escadaria acolhe um simpático mo-

saico de Di Cavalcanti, infelizmente mutilado por uma ombreira metálica da porta de

segurança surgida nestes dias de violência generalizada.

Falemos finalmente do Edifício Copan, e informo ao caro leitor que esse nome provém

da Companhia Panamericana de Hotéis e Turismo, entidade também criada por Roxo

Loureiro, visando participar dos festejos programados para comemorar o IV Centenário

de São Paulo, em 1954. Ele teve a ideia de se associar a uma grande cadeia norte-a-

mericana de hotéis numa megaconstrução denominada “maciço turístico Copan”, não

estando descartada a possibilidade de inclusão de um conjunto residencial. Depois de

Page 86: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

86

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

tentativas mil, de idas e vindas de Loureiro e americanos aos Estados Unidos e a São

Paulo, as negociações sobre o desejado hotel de 500 apartamentos fracassaram, e vin-

gou o plano de edifício de 1.116 habitações de variados números de quartos. O resto do

programa perdurou. Seu lançamento ao público deu-se em 24 de maio de 1952.

O projeto megalômano do Copan foi a fonte do maior número de frustrações de Oscar,

fazendo com que ele repudiasse sua obra nos dias em que se mudou para Brasília, em

1956. Passou-me uma procuração me capacitando para qualquer decisão que precisas-

se ser tomada. Herdei uma série de renúncias. Muitos anos mais tarde, já esquecido do

teor das contrariedades, assumiu uma paternidade contrafeita e com muitas ressalvas.

Terminada a planta do andar tipo, onde havia apartamentos de variados tamanhos e

diferentes acomodações, ficou patente na hora do cálculo do concreto armado o total

desordenamento das colunas. Nesse momento, Oscar Niemeyer optou por uma laje

de transição à semelhança daquela que seu amigo Le Corbusier estava mostrando

em sua Unidade de Habitação de Marselha, obra projetada em 1946 e inaugurada jus-

tamente em 1952. Acredito que ele já conhecesse o projeto e, se não, aceitemos uma

coincidência. Enfim, essa laje nervurada, de 3 metros de altura, permitia que todas as

cargas fossem transmitidas ao solo por pilares equidistantes. Uma ideia puxa outra e,

coincidentemente ou não, o nosso arquiteto imaginou um jardim embaixo dessa gran-

de laje, envolvendo toda a colunata sinuosa acompanhando o imenso “S”. Tal qual em

Marselha, a ideia de recuperação de um piso livre.

Assim, no Copan foi oferecida a todos uma imensa laje, não só embaixo do bloco de

apartamentos, mas estendendo-se às divisas do terreno e também para a frente, em

direção ao hotel fronteiro que seria alcançado por meio de uma ponte. Desse modo,

ele sonhou com duas grandes áreas públicas: a grande galeria térrea de lojas e o jardim

elevado, acessível por uma rampa helicoidal externa e por escadas rolantes saindo da

galeria. Esse jardim, em tese público, acolheria as bilheterias e as entradas do teatro e do

grande cinema; uma vasta floricultura; pequenas lojas nos fundos e instalações comer-

ciais baixas, como cafés e sorveterias. Ali também existiriam bancos de repouso entre

canteiros de plantas ornamentais. Todos, absolutamente todos, apoiaram essa ideia; os

Page 87: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

87

oscar niemeyer em são paulo | CARLOS A.C. LEMOS

FOTOMONTAGEM DA MAQUETE DO MACIÇO TURÍSTICO COPAN, INICIALMENTE PREVISTO POR OSCAR NIEMEYER [1951]

Arquivo Carlos A. C. Lemos

Page 88: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

88

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

desenhos foram aprovados na prefeitura; a maquete, executada por Zanine, apreciadíssi-

ma; e em surpreendente pouco tempo tudo foi vendido, menos o jardim elevado, é claro.

O último pedido de Habite-se à prefeitura deu-se em 1974, três anos depois da primeira

reunião condominial, ocorrida em 29 de junho de 1971, e 22 anos após o início das obras.

“Para mim, o Copan não passou de um grande sonho não acontecido. Digamos, sonhos de Roxo Loureiro e de Oscar Niemeyer, cada qual com o seu. Sonhos, na verdade, incom-patíveis com o pragmatismo dos financistas incorporadores diante de fatos consumados com o abandono do progra-ma original.”O Bradesco, banco incorporador final do empreendimento Copan, logo que assumiu

suas prerrogativas, teve um trabalho complicado de reunir condôminos inadimplen-

tes para recuperar áreas disponíveis segundo as penalidades contratuais e tratou

também de dividir os grandes apartamentos em quitinetes facilmente vendáveis. As

plantas resultantes dessa providência argentária são lamentáveis, sobretudo no que

diz respeito às circulações horizontais de acesso às unidades. Aquele banco também

guardou, sem uso por muitos anos, o jardim suspenso, área de 4.600 metros quadra-

dos aproximadamente. Área comum, a nosso ver. Espaço sem utilidade alguma nes-

ses dias, dado o fato de o teatro não ter sido construído e de o cinema ter tido seus

acessos transferidos para a galeria térrea. Somente em outubro de 1975 é que essa

área ociosa foi vendida à Companhia Telefônica Brasileira, que nunca a ocupou. Hoje

está alugada para escritórios, motivo que justificou a instalação de um elevador na

galeria. A rampa helicoidal sem apoios, como Oscar Niemeyer desejava, foi substitu-

ída por uma escada por ser inexequível. Outra enorme área comum que sobrou, com

cerca de 2 mil metros quadrados, foi aquela destinada ao foyer e às dependências do

teatro não construído. Esse espaço livre, situado acima das sobrelojas da ala esquer-

da da galeria, ficou esquecido até 1992, quando o Bradesco o colocou em leilão. Seu

comprador, inexplicavelmente, deixou-o sem uso até 2013. Agora, acessível por meio

de uma das lojas, está sendo alugado.

Page 89: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

89

oscar niemeyer em são paulo | CARLOS A.C. LEMOS

Para mim, o Copan não passou de um grande sonho não acontecido. Digamos, sonhos

de Roxo Loureiro e de Oscar Niemeyer, cada qual com o seu. Sonhos, na verdade,

incompatíveis com o pragmatismo dos financistas incorporadores diante de fatos con-

sumados com o abandono do programa original.

II

O segundo comissionamento de projetos de Oscar Niemeyer em São Paulo deu-se

nos finais de 1951, por meio do amigo Francisco Matarazzo Sobrinho, presidente da

Comissão Comemorativa do IV Centenário da cidade. Esse chamado foi decorrente

dos desentendimentos daquele conhecido mecenas com Rino Levi e com mais alguns

colegas paulistanos na hora da definição de seus honorários. Com o arquiteto carioca

não houve problemas nesse sentido. Chamou para trabalhar consigo o colega Hélio

Lage Uchôa Cavalcanti e dois paulistas, Eduardo Kneese de Mello e Zenon Lotufo, e,

mais ainda, dois colaboradores: Gauss Estelita e Carlos Lemos. Ele trabalharia no Rio

elaborando anteprojetos e os companheiros de São Paulo ficariam encarregados de

desenvolver as plantas da execução.

As chamadas “terras devolutas do Ibirapuera” não possuíam nem divisas precisas, e

ali a comissão havia previsto instalar uma grande exposição comemorativa composta

de mostras alusivas às nossas atividades industriais, agrícolas, artísticas, intelectuais,

enfim, a tudo aquilo que pudesse ser mostrado ao mundo a ser embasbacado com

o nosso progresso. No entanto, não havia um programa de necessidades bem defi-

nido: alguns edifícios para exposições, um teatro, um local para atividades literárias,

um restaurante. Isso fez com que Oscar Niemeyer titubeasse de início, imaginando

blocos bem diversificados em suas formas estruturais, à semelhança da Pampulha,

arquitetada alguns anos atrás em Belo Horizonte. Esse fato está claramente demons-

trado na pequena publicação de outubro de 1952, que traz o anteprojeto da expo-

sição prefaciada pelo calculista Joaquim Cardoso. Certas circunstâncias, no entan-

to, fizeram com que a área prevista para as construções definitivas fosse diminuída

para dar espaço a um grande parque de diversões e a mais pavilhões pré-fabricados

Page 90: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

90

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

desmontáveis, destinados a restaurantes populares e a exposições suplementares às

previstas oficialmente.

O anteprojeto se transformou naquilo hoje existente: três edifícios para exposições, a

cúpula esférica hoje chamada de Oca e o teatro construído nesses anos, mais a grande

marquise, a sacada genial de Oscar Niemeyer, ligando entre si os edifícios ali presen-

tes. A marquise foi mesmo um achado que veio a personalizar o Parque Ibirapuera. Ela

é, antes de tudo, um ponto de convergência dos visitantes e área de convívio nos dias

bons e nos dias ruins de muita chuva.

Niemeyer unificou as características formais e estruturais dos três prédios de exposições;

imaginou-os com suas fachadas sustentadas por colunas inclinadas qual mãos-france-

sas. Lembro-me bem de que justificou a ideia dizendo que aqueles apoios iriam evitar o

trânsito de pessoas paralelamente às fachadas, pois queria acessos exclusivos às exposi-

ções pelas extremidades da marquise. Os jardins deveriam todos chegar aos vidros. Não

foi obedecido; hoje, todas aquelas construções são arrodeadas por calçadas.

“A marquise foi mesmo um achado que veio a personalizar o Parque Ibirapuera. Ela é, antes de tudo, um ponto de con-vergência dos visitantes e área de convívio nos dias bons e nos dias ruins de muita chuva.”Os três edifícios expositivos são verdadeiramente belos, e o da Bienal de São Paulo

chega a ser monumental. Acreditem: ele é mais comprido e mais largo que a Rua Barão

de Itapetininga. Suas fachadas laterais já não são as originais, em razão da feitura de

novo telhado. De início, a cobertura era de pouca altura, por causa da existência de duas

calhas de água pluvial paralelas situadas no topo das colunas enfileiradas. O calculista do

concreto armado, Gustavo Gam, as fez ocas a pedido dos arquitetos, para que servissem

de passagem à água da chuva. Esse duto vertical, ao chegar ao embasamento, fazia um

cotovelo de 90 graus para dirigir o fluxo da água à galeria de escoamento. Aconteceu,

porém, que pessoas imaginosas, num dia de comemorações quaisquer, instalaram sobre

Page 91: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

91

oscar niemeyer em são paulo | CARLOS A.C. LEMOS

a fachada principal uma armação metálica para sustentar fogos de artifício que imita-

riam com toda a veracidade as cataratas do Iguaçu durante uns 15 minutos. Resultado:

muita cinza acumulada nas calhas que, devido a um temporal, foi parar no cotovelo

das fundações e ali se solidificou. Esse entupimento irreversível fez com que o telhado

passasse a ser de duas águas, cuja cumeeira ultrapassou a altura da parede da fachada

lateral. Daí o remendo inevitável, e agora a água pluvial desce por dutos aparentes.

III

O terceiro grande contrato de Oscar Niemeyer em São Paulo, concernente ao Memorial

da América Latina, teve origem já nos primeiros discursos do senador Orestes Quércia

em 1975, propugnando por uma maior atenção do Brasil aos seus vizinhos latinos das

Américas em vez de alinhar-se preferencialmente à Europa ou à África. Como gover-

nador, em 1987, sempre visando à integração dos povos latino-americanos, anunciou

a decisão de construir o Memorial da América Latina como maneira de proporcionar

uma união maior do Brasil com seus vizinhos de origem hispânica. E, daí, Niemeyer foi

chamado para atender a esse mister, o que fez com a maior satisfação, pois esse tema

sempre foi participante de suas preocupações políticas.

O arquiteto recebeu o programa arrolando as atividades a ser exercidas no local e, na

companhia do saudoso Darcy Ribeiro, imaginou os edifícios básicos: a Biblioteca da

América Latina, para abrigar, no mínimo, 30 mil volumes, documentos, filmes e acervo

de músicas regionais; o Salão de Atos, para eventos políticos, tendo como pano de

fundo o imenso painel de Portinari desenvolvendo a vida política de Tiradentes; o

Pavilhão da Criatividade, mostrando peças da arte popular de toda a América Latina;

e o Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos. Além dessas construções, local

de exposições periódicas de artistas hispano-americanos, o grande Auditório Simón

Bolívar, recentemente incendiado, sede administrativa e restaurante.

Nesse grandioso projeto, Niemeyer empenhou-se em definir novas formas ou soluções

estruturais que viessem a caracterizar esse Memorial da América Latina. No número

Page 92: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

92

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

zero da revista Nossa América, do memorial, Oscar Niemeyer narra como chegou a

essas formas identificadoras, enfatizando antes de tudo uma redução dos elementos

arquitetônicos enquanto exigia o máximo da técnica. Esse desejo ficou consubstan-

ciado no apoio de grandes cascas curvas em vigas de enorme vão livre. “Tudo isso

foi um desafio para o calculista. É agradável para o arquiteto sentir que a técnica está

presente, que ele pôde utilizá-la em toda a sua plenitude”, afirmou. Realmente, dessa

justaposição de dois elementos resultaram amplos espaços impactantes de grande

beleza. A biblioteca, por exemplo, tem em seu eixo longitudinal uma viga de 90 metros

de comprimento e nela apoiam-se três cascas; a maior para abrigar os livros e, do ou-

tro lado, as menores formando uma espacialidade envolvente enquanto monumental.

O mesmo se repete no Salão de Atos e no auditório.

Page 93: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

93

oscar niemeyer em são paulo | CARLOS A.C. LEMOS

“Nesse grandioso projeto, Niemeyer empenhou-se em de-finir novas formas ou soluções estruturais que viessem a ca-racterizar esse Memorial da América Latina, enfatizando uma redução dos elementos arquitetônicos enquanto exigia o má-ximo da técnica. Esse desejo ficou consubstanciado no apoio de grandes cascas curvas em vigas de enorme vão livre.”Sem dúvida, se a arquitetura é também uma arte e quando em sua prática a estética e

a técnica se irmanam e se confundem, o seu autor chega ao clímax da criação. Oscar

Niemeyer Soares Filho alcançou-o nesse seu projeto paulistano.

Page 94: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

Estudou na Escola de Belas Artes (UFPE) e se graduou na Faculdade Nacional de

Arquitetura, no Rio de Janeiro. Integrou a equipe de Oscar Niemeyer a partir de

1957. Foi responsável pelo projeto da Editora Mondadori, em Milão, na Itália. Ocu-

pou o cargo de presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

(Iphan) e trabalhou no restauro do Paço Imperial na Praça XV (RJ). Publicou O

Brilho da Simplicidade: Dois Estudos sobre Arquitetura Religiosa no Brasil Colonial,

pelo Departamento Nacional do Livro e pela Editora Casa da Palavra, em 2001.

Page 95: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

ARQUITETURA E AMBIENTE NA OBRA DE NIEMEYER

GLAUCO CAMPELLO

Page 96: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

96

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

As construções projetadas por Niemeyer estão, quase sempre, em amplos espaços

do tecido urbano ou mesmo fora do perímetro das cidades. Só em poucos exemplos

estão inseridas em lotes de zonas urbanas já estratificadas. Em todas elas há, no

entanto, uma forte inter-relação com o ambiente à sua volta. Não meramente na

acomodação ou na integração do tipo orgânica ou racional, mas no intercâmbio de

influências entre o novo objeto e o ambiente onde está inserido. Isso pode aconte-

cer em outros exemplos genéricos da inserção de um objeto arquitetônico qualquer

numa determinada paisagem ou num definido aglomerado urbano. Mas, no caso

da arquitetura de Niemeyer, a questão é quase sempre mais complexa, quando não

extraordinária, transformadora. Nos exemplos niemeyerianos, um contraste dialético

pode dar-se entre o objeto e o tecido urbano, entre o objeto e a paisagem e até entre

o objeto e a história do lugar. E, sobretudo, o novo objeto pode criar uma situação

a partir da qual se requalifica o lugar ou se ativam qualidades subjacentes do tecido

urbano ou da paisagem.

“Em todas elas há, no entanto, uma forte inter-relação com o ambiente à sua volta. Não meramente na acomoda-ção ou na integração do tipo orgânica ou racional, mas no intercâmbio de influências entre o novo objeto e o ambiente onde está inserido.”Tudo isso pode acontecer conscientemente ou não, o que para a arte não faz diferen-

ça. O Edifício Copan, em São Paulo, é o mais notório exemplo de inserção de grande

volume edificado cuja forma sinuosa modifica o tecido urbano e, com sua simples

presença, dá nova configuração à imagem metropolitana. No caso da Casa das Cano-

as, no Rio de Janeiro, a construção e a paisagem se entrelaçam delicadamente, dando

lugar à criação de espaços e formas que, não sendo parte da natureza, não poderiam,

contudo, existir em nenhum outro sítio. E a partir desse conúbio requalificam-se as

condições do sítio natural e da paisagem à sua volta. O bloco de rocha granítica que

aflora no terreno, em torno do qual se estende a acolhedora sombra da laje sinuosa,

transfigura-se, tornando-se casa e natureza.

Page 97: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

97

arquitetura e ambiente na obra de niemeyer | GLAUCO CAMPELLO

Já no projeto do Museu de Caracas, de 1954, que representa um momento importante

no desenvolvimento da produção cultural do arquiteto, foram as condições topográfi-

cas que conduziram à concepção final de uma forma escultórica simples, um tronco de

pirâmide invertido, capaz de reter, numa concentração absoluta, toda a carga retórica

e artística do objeto, inclusive a decorrente daquela situação de equilíbrio à borda da

encosta. No Museu de Arte Contemporânea (MAC) de Niterói – que é, 40 anos depois,

a evolução daquela mesma tipologia, em situação topográfica similar, tendo agora

como sítio um promontório na Baía de Guanabara – cria-se com a forma de taça e a

linha sinuosa de sua parede curva uma dinâmica visual própria na qual a paisagem

é convocada a participar obrigatoriamente do espetáculo da arquitetura. Esses dois

exemplos, da Casa das Canoas e do Museu de Arte Contemporânea de Niterói, em face

de duas situações diferentes da paisagem carioca, uma na montanha, a outra no mar,

são emblemáticos da arte suprema do arquiteto e de seu apego à terra natal.

A Sede Mondadori, nos arredores de Milão, de linhas maneiristas, pela liberdade de

uma arcada com vãos desiguais, oferece o exemplo de um contraste dialético entre a

nova edificação, a paisagem e o contexto local. Na planície lombarda, riscada aqui e ali

pelas fileiras verde-escuras dos álamos, a edificação surge na paisagem, ciosa de sua

presença e de seu encanto. Isso nos faz pensar, inevitavelmente, numa vila de Palla-

dio, altaneira em sua inesperada aparição em meio à campina. Essa combinação de

substrato cultural, solenidade e elegância faz da Sede Mondadori o mais italiano dos

projetos de Niemeyer para aquele país. Já o edifício de apartamentos para o bairro de

Hansa, em Berlim, de 1956, levou para a paisagem setentrional de um jardim berlinen-

se a graça e o encanto da arquitetura brasileira de Niemeyer. Hoje aquele edifício se

oferece como uma flor exótica, alegremente adaptada ao lugar. Por mais que algumas

modificações tenham surgido no desenvolvimento da construção, a sua imagem leve

e serena, obtida com os pilares em V e com a elegante proporção de suas varandas, é

uma nota de feliz contraste naquele parque frio e longínquo.

Nas construções inseridas diretamente na trama urbana das cidades, alguns exemplos

mais notáveis da arquitetura niemeyeriana oferecem o abrigo dos embasamentos so-

bre pilares ou as sutis implantações que liberam parte da área do terreno. Situações

Page 98: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

98

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

que levam à criação de espaços de sentido estritamente urbano, de uso livre, abertos

a todos. Desde a sua participação no projeto do Ministério da Educação e Saúde, de

1936, com a criação de seus pátios e altos pilotis que deram inesperada fluidez àquele

trecho da cidade; desde a sua proposta para a sede da ONU, em Nova York, que sugeria

a criação de uma praça aberta para uso público. As intervenções modernistas de Oscar

Niemeyer, em meio às teias urbanas das cidades, buscam abrir esses espaços democrá-

ticos e também sinalizadores das atividades e das funções que estão sendo oferecidas.

E muitas vezes se transformam em lugares ativos, com vida urbana própria. Como no

caso da praça coberta criada com os pilotis do Ministério da Educação e Saúde, atual

Palácio Capanema, no Rio, onde os estudantes se reúnem para as suas reivindicações.

“As intervenções modernistas de Oscar Niemeyer, em meio às teias urbanas das cidades, buscam abrir esses espaços de-mocráticos e também sinalizadores das atividades e das fun-ções que estão sendo oferecidas. E muitas vezes se transfor-mam em lugares ativos, com vida urbana própria.”Outro desses lugares ativos, o mais notável de todos, digamos, pela sua neutralida-

de, é a marquise do Parque Ibirapuera, cuja sombra acolhedora quase toda a cidade

conhece e sabe que pode fruir e usar de modos diversos. Além de transformar e enri-

quecer a paisagem com sua ampla proteção, essa marquise, criada com o objetivo de

funcionar como ligação coberta entre os edifícios do parque, vive não somente dessa

capacidade de receber a todos e se oferecer como abrigo para usos diferentes, mas

também de sua representação no imaginário das pessoas. Além de serem vividos, os

espaços da arquitetura têm essa virtude de poderem ser renovados, com diferentes

narrativas e significados, no pensamento e na lembrança.

Page 99: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

99

arquitetura e ambiente na obra de niemeyer | GLAUCO CAMPELLO

SEDE EDITORA MONDADORI, Milão, Itália [1968]

foto: Michel Moch | Fundação Oscar Niemeyer

Page 100: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

100

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

SAMBÓDROMO, Rio de Janeiro, RJ, Brasil [1983]

foto: Michel Moch | Fundação Oscar Niemeyer

Page 101: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

101

arquitetura e ambiente na obra de niemeyer | GLAUCO CAMPELLO

Em alguns casos, porém, as construções e os espaços por elas criados estão já destina-

dos às aglomerações e às atividades extraordinárias. É o caso do Sambódromo, no Rio

de Janeiro, cuja especificidade e simbologia foi espetacularmente captada pela arqui-

tetura de Niemeyer – a tal ponto que sua materialidade bruta de estrutura em concreto

armado se ilumina e transfigura no momento culminante de seu uso, isto é, na hora dos

desfiles carnavalescos. Nesses momentos, os retábulos barrocos dos carros alegóricos

e toda aquela gente fantasiada na passarela e sobre os degraus das arquibancadas

passam a integrar a própria arquitetura. Uma arquitetura de praça, de teatro e de rua.

Mas, além de servir também a shows e outros tipos de espetáculo envolvendo multi-

dões, a arquitetura do Sambódromo oferece outras peculiaridades próprias da temáti-

ca niemeyeriana quando, nos longos intervalos de tempo entre os espetáculos, o largo

espaço do pátio destinado ao desfile, agora vazio e silencioso, permanece em estado

latente a ressoar os momentos da festa. E, no caso especial do Sambódromo, os vãos

por baixo das estruturas de suas arquibancadas podem ainda, no intervalo entre um

Carnaval e outro, ser utilizados como escolas públicas. Um detalhe minucioso e feliz,

sugerido por Darcy Ribeiro, de integração com a vida da cidade e sua alma popular.

No entrecho que estamos examinando nas obras de Niemeyer, há outros exemplos

que estimulam sua revivescência e a elaboração de novas narrativas. É o caso do Cen-

tro Cultural do Havre, numa praça rebaixada para se proteger do vento frio no cais à

margem do Canal da Mancha, na Normandia, e de onde emergem as formas circulares

dos brancos volumes cilíndricos de paredes curvas que se derramam no chão. É um

espaço urbano autônomo, dentro do espaço urbano da cidade, o qual se caracteriza

por sua uniformidade neoclássica, de construções lineares e acinzentadas, em con-

creto armado. O contraste é dramático. A interface entre o novo artefato arquitetô-

nico e o ambiente é transformadora. A cidade reconstruída por Perret, após ter sido

devastada pela guerra, não é mais a mesma, cinzenta e fria, e o novo espaço urbano,

luminoso e surreal, que nela surgiu é de outro tempo ou talvez de outra dimensão da

realidade. Inquietante, mas cheia de promessas. Mesmo sendo do futuro e de outra

realidade, aquela praça oferece um programa de atividades culturais com locais para

lojas e cafés, bem resguardados, e é muitas vezes utilizada de forma concreta pelos

jovens que não resistem à tentação de experimentar, com seus skates, as superfícies

Page 102: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

102

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

das paredes curvas, suas calçadas, suas rampas e seus peitoris. O Centro Cultural do

Havre, ao contrastar tão fortemente com o ambiente, transforma a cidade, como que

avivando a sua alma, e estabelece uma transição, cheia de luz e encantamento, entre

o mar e o núcleo urbano histórico. A composição niemeyeriana típica do volume sur-

preendente em contraste com o pano de fundo formado pela lâmina de configuração

mais neutra repete-se no Havre, onde as novas edificações ressaltam do ambiente

formado pelo antigo arcabouço.

Um projeto para a Universidade de Brasília (UnB) de 1963, o Instituto Central de Ciên-

cias, só parcialmente construído, também oferece cenários e narrativas diferentes em

suas galerias, estimulando a nossa imaginação. Os panos de concreto com as formas

da arquitetura de Niemeyer seriam, como ele desejava, ditados pelas exigências tecno-

lógicas de cada um dos ambientes de pesquisas e experimentações científicas. Deve-

riam surgir no jardim, entre as duas alas curvas de quase 700 metros de comprimento,

ao longo das quais se alinhariam as escolas de ciência da universidade. Mas isso não

aconteceu. Completaram-se as estruturas pré-moldadas das duas alas do arcabouço

básico, mas a construção parou por aí. Não surgiram os trechos pergolados do jardim

central nem qualquer construção de caráter especial entre as duas alas. Nem a ocupa-

ção do complexo limitou-se ao programa de atividades ligadas à ciência no âmbito da

universidade. Além do mais, alguns cursos e institutos de ciência providenciaram suas

sedes em unidades autônomas, dispersas pelo campus universitário. Elas contrariam o

programa que já se achava fisicamente configurado, com a construção rigorosamente

planejada por Lelé, o arquiteto João Filgueiras, das duas alas pré-moldadas do edifício

concebido por Niemeyer, que os estudantes passaram a chamar de Minhocão. A natu-

reza básica das atividades que vieram a se instalar era, contudo, igual à que se havia

previsto. E neste texto é isso que nos interessa. O que queremos salientar é a vivacida-

de do convívio no espaço criado nas extensas galerias a leste e a oeste do longo jardim

que percorre o eixo da edificação imaginado por Niemeyer, com a colaboração de Lelé.

Em sua amplitude e em seu desafogo, o espaço das galerias adquire escala urbana e,

ao mesmo tempo, leva os usuários a se verem como parte de um grupo em que as

diferenças são livremente exercidas, sem hierarquias. A galeria é rua mas é também

abrigo. Às vezes é impregnada do significado específico de certas atividades, como

Page 103: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

103

arquitetura e ambiente na obra de niemeyer | GLAUCO CAMPELLO

nas ruas e nos locais de espaço fechado. Aqui é o trecho correspondente à escola de

química, ali é a calçada da livraria, além é o átrio do auditório etc. A galeria é caminho

e local de encontro, é deambulatório e também múltiplos espaços diferenciados com

altos canteiros, formando pequenas praças. Por ser varanda ao lado de extenso jardim,

posso até, em grupo de alunos e professores, sentar-me à borda dos canteiros para

descansar, conversar, discutir, argumentar, aprender.

É o espaço de convívio universitário. Numa cidade sem ruas nem esquinas, Oscar fez

surgir, no seio da Universidade de Brasília, uma rua coberta, uma galeria que de certo

modo nos faz lembrar a escola peripatética do Liceu de Aristóteles. Essa capacidade

de impregnar de substância arquitetônica cada parte ou simples componente dos ob-

jetos de sua lavra também está presente na solitária e corriqueira marquise de linhas

retas e quebradas que dinamiza o espaço da Praça Juscelino Kubitschek, à beira do

mar, no Caminho Niemeyer, em Niterói. Aí se repete, sem o lirismo inerente à marquise

sinuosa da Casa do Baile, na Pampulha, quase a seco, o milagre de gerar um espaço

aliciador, de puro convívio, com uma fita de concreto em zigue-zague sobre pilotis,

estendida sobre um largo piso cimentado.

No Caminho Niemeyer está previsto um programa de construções para atividades pú-

blicas, ao longo da margem da Baía de Guanabara, em Niterói – em oposição aos jardins

de Reidy e Burle Marx do outro lado, nas praias do Rio. No caminho, os novos edifícios,

formando pequenos conjuntos ou isolados, como no caso do Museu de Arte de Niterói

e do Museu do Cinema, estão sempre assentados em praças secas, desnudas. As obras

ali reunidas, algumas já prontas e outras em fase de finalização, revelam o estilo tardio

de Niemeyer, que ressalta sua tendência à concentração do programa em uma forma

unitária, constituída de um pano ondulado de concreto ou, simplesmente, de uma cú-

pula, além de complementos como rampas, marquises e espelhos d’água, que se cons-

tituem nos elementos retóricos dessa arquitetura tão simples quanto densa e concisa.

Essa mesma praça desnuda repete-se em Brasília, na esplanada de concreto onde estão

o Museu de Arte e a Biblioteca Nacional. Nela surgiram também dois espelhos d’água

circulares, em deferência ao clima seco da cidade, mas o espaço vazio permanece,

Page 104: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

104

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

assim como a vista desimpedida dos edifícios. A cúpula do Museu de Arte tem rampa

em balanço à sua volta, como um anel de Saturno, que propicia uma caminhada aérea

sobre a Esplanada dos Ministérios. O plano inclinado de acesso, partindo do chão em

linha reta até a porta de entrada, reforça conotação arcaizante que foi com o passar dos

anos adquirindo mais força no vocabulário de Niemeyer. Nessas praças povoadas com

as densas formas unitárias, de acentuada tendência arcaizante, retomada no período

tardio do arquiteto, repetem-se os grandes vazios de Brasília, como na Praça dos Três

Poderes. Os vazios de Brasília foram criados para ser preenchidos com as manifesta-

ções cívicas, como se viu depois, e, fora desses momentos especiais, guardam em seus

espaços silenciosos a memória desses eventos e uma perene sensação de solenidade.

Nas praças destinadas aos centros culturais e de lazer, também surpreendem os es-

paços dilatados entre as massas construídas. Eles guardam a memória de momentos

festivos e são indispensáveis à fruição do clima onírico e atemporal inerente aos objetos

e aos conjuntos arquitetônicos de Niemeyer.

“Os vazios de Brasília foram criados para ser preenchidos com as manifestações cívicas, como se viu depois, e, fora desses momentos especiais, guardam em seus espaços si-lenciosos a memória desses eventos e uma perene sensação de solenidade.”Esses vazios ajudam a estabelecer o caráter explicitamente surrealista dos palácios e

dos volumes geométricos puros de que se compõem os conjuntos niemeyerianos. E,

em alguns exemplos, são espaços que nem precisam ser penetrados para ser senti-

dos com emoção. O grande vazio entre o Palácio da Alvorada e o espelho d’água de

proteção, onde o turista ou o transeunte deve se deter para admirar sob a luz radiante

aquela miragem ao longe em sua aura de residência do chefe de Estado, acrescenta

ao objeto arquitetônico um conjunto de atributos inesperados, como tornar aquela

imagem etérea, suavemente solene, tremeluzente e distante. O imenso jardim aquático

onde se refletem os arcos e as colunas que circundam o Palácio do Itamaraty, obri-

gando a um respeitoso afastamento entre o edifício e o transeunte, também configura

Page 105: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

105

arquitetura e ambiente na obra de niemeyer | GLAUCO CAMPELLO

um desses vazios e é, portanto, um elemento arquitetônico expressivo que assinala o

clássico vigor com que foi concebido aquele palácio, destinado às grandes recepções

e aos eventos protocolares de caráter internacional.

Na Sede Mondadori, em Milão, é o vazio da planície lombarda que se incorpora à

composição arquitetônica. Lá, esse vazio é representado pelo chão da campina, que,

vinda de um longínquo horizonte, passa ao lado do espelho d’água sob o prisma de

vidro suspenso pelas colunatas. Os vazios presentes nas grandes composições, sobre-

tudo depois de Brasília, são ainda mais peremptórios no período do estilo tardio do

arquiteto, quando também se acentuam a unidade dos volumes geométricos puros, a

simplicidade e a concisão de suas formas arcaizantes.

A propósito do estilo tardio de Niemeyer, com a simplificação e o adensamento das

composições em sólidos geométricos puros, atemporais, capazes de exprimir as pe-

culiaridades dos programas que abrigam e de expor, com singeleza, a carga simbó-

lica e poética que em si mesmos retêm, ocorre lembrar do exemplo do novo projeto

para o Auditório Ibirapuera, apresentado 50 anos depois de sua primeira proposta,

não executada. O mesmo tema e a mesma forma de cunha foram agora retomados

com grande expressividade, mas a contrapelo da solução inicial, com a vantagem de

expor, ao vivo, o processo de evolução do arquiteto. Na primeira solução, quando

predominava a preocupação com leveza, a cunha triangular apoiava-se no plano do

terreno somente numa aresta do prisma. Era regida em equilíbrio por pilares inclina-

dos aos quais se ligava a rampa de acesso ao foyer, num conjunto de grande eficácia

plástica. A imagem desse objeto, que somente tocava no chão ao longo de uma de

suas arestas, era leve e surpreendente.

“A arquitetura de Niemeyer passou a se exprimir, em sua fase tardia, por meio de uma síntese concisa e de uma for-ma geométrica simples, eivada de arcaísmos e de muita densidade, sem, contudo, perder seus atributos de leveza e encantamento.”

Page 106: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

106

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

PALÁCIO DO ITAMARATY, Brasília, DF, Brasil [1962]

foto: Michel Moch | Fundação Oscar Niemeyer

Page 107: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

107

arquitetura e ambiente na obra de niemeyer | GLAUCO CAMPELLO

Page 108: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

108

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

Mas aquela encantadora expressão foi deixada de lado 50 anos depois. O mesmo vo-

lume foi estendido de bruços no chão e, ainda assim, continua leve como uma pluma,

já que, em decorrência de sua configuração abstrata, as suas alvas paredes parecem

diáfanas. A rubra marquise sinuosa que assinala o acesso aos espaços internos do

teatro é hoje seu único elemento retórico. O palco democratizou-se, com abertura na

parte de trás, de modo a também permitir os espetáculos voltados para uma plateia ao

ar livre. Em consequência, o espaço à volta do novo volume se dilatou. Tudo se tornou

mais simples, conciso, leve e, ao mesmo tempo, inesperado.

“Tudo acontecendo em face do vazio que se oferece para o preenchimento, que, no entanto, não se pode efetivar a não ser metaforicamente, sob pena de romper o equilíbrio cênico do conjunto.”É irresistível observar que, enquanto os exemplos mais notórios da arquitetura con-

temporânea passaram, com a evolução da técnica e com o surgimento de novos mate-

riais, a se apresentar, em muitos casos, com formas livres quase completamente liga-

das aos desejos de cada artista ou aos impulsos de cada temperamento, a arquitetura

de Niemeyer passou a se exprimir, em sua fase tardia, por meio de uma síntese concisa

e de uma forma geométrica simples, eivada de arcaísmos e de muita densidade, sem,

contudo, perder seus atributos de leveza e encantamento.

Page 109: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

109

arquitetura e ambiente na obra de niemeyer | GLAUCO CAMPELLO

Nesse período, a arquitetura de Niemeyer acentuou o confronto entre o objeto arqui-

tetônico e o tecido urbano das cidades, ou a paisagem, ou simplesmente o ambiente

onde o objeto está inserido. Talvez porque as suas configurações, ora de caráter ni-

tidamente surrealista, desde os palácios de Brasília, ora de sentido arcaizante, como

nas cúpulas e nos volumes geométricos puros, desde a Oca no Ibirapuera e o Museu

de Caracas, incluem em sua concepção formal e em sua expressão poética o vazio à

sua volta. Um vazio que passa a se constituir também em matéria de sua arquitetura.

E que, no caso de Brasília, se estende sem fim no grande vazio que caracteriza a pai-

sagem do cerrado. Esse vazio, como entidade arquitetônica, não pode isentar-se do

ambiente no qual surgiu. Assim, antes de o novo objeto ou de o conjunto de objetos

adaptar-se ao tecido urbano ou à paisagem, é o arcabouço urbano ou o meio ambien-

te que, sob a pressão daquele vazio, se ajusta ao novo complexo. Sendo por ele assi-

milado, como no caso do Museu de Arte Contemporânea de Niterói, com a paisagem,

ou como no Havre, com o antigo casario. Ou ainda estabelecendo uma simbiose com

a natureza, como na Casa das Canoas. Ou mesmo num confronto dialético, como na

Sede Mondadori, com a paisagem e o contexto histórico. Tudo acontecendo em face

do vazio que se oferece para o preenchimento, que, no entanto, não se pode efetivar a

não ser metaforicamente, sob pena de romper o equilíbrio cênico do conjunto.

Page 110: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

Professor de arquitetura e diretor do Humanities Research Center na Rice University,

Texas (EUA). É mestre e doutor pela Harvard e graduado pela Rhode Island School

of Design. Desde 2001, pesquisa a arquitetura e o urbanismo no Brasil. Participou

da descrição e organização dos acervos da Fundação Oscar Niemeyer e da Casa de

Lucio Costa e atua nesses conselhos. Junto com Lauro Cavalcanti e André Corrêa do

Lago, atualmente prepara um livro sobre os croquis de Oscar Niemeyer.

Page 111: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

OSCAR EM NOVA YORK: O PAVILHÃO E A ONU

FARÈS EL-DAHDAH

Page 112: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

112

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

A prolífica obra de Oscar Niemeyer inclui dezenas de projetos espalhados pelo mun-

do. Dois deles estão em Nova York e pertencem a casos célebres da arquitetura mo-

derna brasileira1. O primeiro projeto, o pavilhão do Brasil na Feira Mundial de Nova

York, em 1939, foi desenhado em colaboração com Lucio Costa, e o segundo, a sede

da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1947, foi desenhado em colaboração

com o Board of Design Consultants, liderado pelo americano Wallace Harrison. Nos

dois projetos nova-iorquinos, o arquiteto franco-suíço Le Corbusier estava presente,

seja como referência ou antirreferência, no caso do pavilhão, seja como colaborador,

em relação à ONU.

I. PAVILHÃO DO BRASIL NA FEIRA MUNDIAL DE NOVA YORK, EM 1939

Foi Lucio Costa quem originalmente ganhou o concurso do pavilhão do Brasil para a

Feira de Nova York. Oscar Niemeyer, cuja carreira arquitetônica começara no escritó-

rio de Costa dois anos antes, ficou na segunda posição. O júri preferiu a proposta de

Costa, justificando que representava melhor o “espírito de brasilidade”, e elogiou o

projeto de Niemeyer por sua natureza econômica, técnica e funcional2. O anúncio do

concurso alertava contra a busca de detalhes arquitetônicos tradicionais ou nativos e

favorecia uma forma arquitetônica, preferencialmente contemporânea, que traduzisse

a expressão do ambiente brasileiro3. Embora não fosse fácil determinar o exato signi-

ficado de uma “expressão do ambiente brasileiro”, é possível presumir que o júri bus-

cava um projeto que pudesse acrescentar uma dimensão nacional a uma arquitetura,

paradoxalmente, internacional. A forma pela qual a proposta de Costa representava

um espírito de brasilidade é um tanto difícil de determinar, mas seu projeto apresen-

tava um partido que era ao mesmo tempo moderno e acadêmico. Com sua sequência

1 Versões anteriores deste texto foram publicadas originalmente no livro Oscar 102/Brasília 50 – Eight Cases in Brazil’s Architectural Modernity (Houston: RSA, 2010), organizado pelo autor com um grupo de alunos de arquitetura da Rice University, aqui traduzido com a ajuda de Izabel Murat Burbridge (pavilhão) e Elisângela da Silva Tarouco (ONU).

2 Termo do julgamento do concurso de anteprojetos para o pavilhão brasileiro em Nova York. Arquitetura e Urbanismo, mar.-abr. 1938, p. 99.

3 Ibid.

Page 113: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

113

oscar em nova york: o pavilhão e a ONU | FARÈS EL-DAHDAH

de hall monumental, pátios e átrios, o pavilhão de Costa tinha a proporção e a escala

de um palazzo. O plano era simétrico e não adaptado ao formato do terreno. O edifí-

cio inteiro, no entanto, era erguido sobre pilotis, criando um vasto piso térreo aberto

formado por um peristilo profundo onde diversas atividades poderiam ser livremen-

te distribuídas. Apenso ao edifício retangular estava o auditório trapezoidal também

sobre pilotis e diretamente acessível por uma rampa, que serpenteava pelo edifício.

Duas escadarias levavam ao piso superior, onde as exposições eram organizadas en

enfilade ao redor do átrio central. Todas as elevações externas eram ocultas, exceto a

fachada principal, envidraçada no meio e coberta com quebra-sóis em suas laterais. A

parte superior das elevações internas também era equipada com quebra-sóis móveis.

Em resumo, o esquema era corbusiano em seu vocabulário, mas mantinha um legado

acadêmico em sua gramática formal.

Ao contrário da proposta de Costa, a de Niemeyer respondia ao formato do terreno e

incorporava a curva lateral do lote. O aspecto particularmente “técnico” notado pelo

júri deve ter sido o teto convexo, que posteriormente se tornou um paradigma recor-

rente em sua arquitetura. O “caráter funcional” do projeto deriva de uma distribuição

clara do programa, dividido em duas alas: uma curva, contendo todas as áreas da

exposição, e a outra reta, contendo as funções restantes. A dualidade programática é

repetida na disposição dos pilotis, que seguem a curva de um lado e uma grade orto-

gonal do outro. O hall monumental de entrada se conecta com as duas alas e com um

jardim nos fundos rodeado por elevações internas, todas envidraçadas.

Em abril de 1938, um mês após ganhar o concurso, Costa zarpou para Nova York a bordo

de um navio, levando Niemeyer, suas esposas e filhas. Em Nova York, os dois estabele-

ceram um local de trabalho nos escritórios do arquiteto encarregado do projeto da feira,

Wallace Harrison, e trabalharam em uma terceira versão do projeto, que foi apresentada

à Comissão de Arquitetura da feira. Para a versão final, Costa abandonou seu projeto

vencedor e propôs, com Niemeyer, um esquema híbrido, baseado na planta de Nie-

meyer para o local, mantendo o piso térreo com os pilotis abertos e a rampa monumen-

tal de Costa, que descreveu o projeto anos depois com as seguintes palavras: “desenho

e projeto de Oscar Niemeyer – Utilizou apenas de meu partido anterior – pilotis, rampa

Page 114: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

114

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

e quebra-sol”4. A Comissão de Arquitetura, chefiada por Stephen Voorhees, então pre-

sidente do Instituto Americano de Arquitetos, aprovou o plano final por unanimidade

e “com muito entusiasmo”5. Costa cita a declaração de um dos membros da comissão

sobre o pavilhão do Brasil como uma das melhores coisas apresentadas à feira6.

A decisão de adotar a planta em “L” de Niemeyer, suspendendo ao mesmo tempo o

edifício sobre pilotis, resultou em um partido capaz de se destacar contra o maciço

pavilhão da França, do qual mantinha a maior distância possível ao se conformar à

curva do terreno, além de aproveitar a elevação inexpressiva do pavilhão francês como

pano de fundo. Ocupar a borda do terreno permitiu criar um jardim no fundo, delimi-

tado por uma calçada ao longo do rio adjacente. Como na proposta de Niemeyer para

o concurso, a elevação oeste era opaca, ao passo que as elevações internas, de frente

para o jardim, eram transparentes. A elevação principal apresentava quebra-sóis como

no primeiro projeto de Costa. A curvatura do terreno se tornou uma forma paradigmá-

tica em todo o projeto e foi usada para a rampa, o pórtico e o mezanino, assim como

na distribuição do próprio sistema estrutural. Parafraseando Costa: aproveitar a curva

elegante do terreno tomou o desenho inteiro7.

O arquiteto americano Paul Lester Wiener foi convidado para projetar os interiores

do pavilhão e as várias exposições, apresentando uma amostra dos bens de consumo

brasileiros que visavam atingir os mercados internacionais. Produtos minerais, agríco-

las, animais e industriais foram organizados de forma a impressionar o visitante com

o potencial econômico dos recursos brasileiros. Fotos da cidade histórica de Ouro

Preto e das esculturas de Aleijadinho também foram expostas, junto com maquetes

de portos modernos e edifícios, como o Ministério da Educação e Saúde, ainda a

ser completado. Exposições relacionadas com café ocuparam uma posição central, e

um bar especial foi dedicado a servir café e erva-mate, conhecida então como “the

4 XAVIER, Alberto (Org.). Lucio Costa – sobre Arquitetura. Porto Alegre: UniRitter Ed., 2007. p. 95.

5 Termo do julgamento do concurso de anteprojetos para o pavilhão brasileiro em Nova York. Arquitetura e Urbanismo, p. 99.

6 Ibid.

7 Ibid.

Page 115: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

115

oscar em nova york: o pavilhão e a ONU | FARÈS EL-DAHDAH

delicious Brazilian tea”. A estratégia de Wiener era a de que o “projeto propriamente

dito não existe” ou, como ele próprio declarou: “O estilo arquitetônico dos interiores

e dos mostruários constitui uma unidade com o estilo do edifício”8. Essa estratégia

de homogeneização nas várias marcas representadas no pavilhão coincidia com os

desejos do comissário-geral da missão brasileira, Armando Vidal, de transmitir um

senso de unidade “sem particularismos”9. A “composição homogênea e integral dos

produtos” de Wiener também coincidia com as intenções declaradas de Costa de que

os “elementos decorativos” se tornassem “parte integrante da composição”10. Pro-

dutos e matérias-primas eram consequentemente expostos como parte de arranjos

maiores que, ocasionalmente, faziam referências diretas a obras de outros artistas,

como Vladimir Tatlin e Giorgio de Chirico.

Do lado de fora, a monumental rampa em curva conduzia do nível térreo a um pórtico

e a um terraço no piso superior, do qual se podia apreciar um jardim projetado por

Thomas Price. Os visitantes entravam no espaço de altura dupla do Good Neighbor

Hall, assim chamado em referência à política do presidente Roosevelt, de 1933, em

cujas paredes estavam penduradas grandes pinturas de Candido Portinari. Esses qua-

dros representavam três cenas do Brasil rural: jangadeiros, caipiras e gaúchos. As

bandeiras históricas do Brasil se alinhavam ao longo do lado mais curto da galeria,

atrás do qual um escritório havia sido decorado em madeira portuguesa no estilo

do século XVIII, com proteção dos quebra-sóis corbusianos da elevação principal.

No final da perspectiva profunda e do lado oposto ao hall, uma escadaria levava ao

mezanino ondulante, que ondulava entre as colunas. No piso térreo havia exposições

de produtos brasileiros, além de bares e balcões em que os visitantes podiam degus-

tar vários tipos de café. Eram organizados, de maneira geral, em uma formação de

planta livre e aberta dentro e ao redor dos pilotis, com apenas uma área fechada, o

restaurante e uma pista de dança no lado oposto.

8 WIENER. Paul Lester (Org.). Pavilhão do Brasil, Feira Mundial de Nova York de 1939. Nova York: H. K. Publishing, 1939. p. 3.

9 VIDAL, Armando. O Brasil na Feira Mundial de Nova York de 1939 – Relatório Geral. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1941. p. 23.

10 COSTA, Lucio, citado em: Pavilhão do Brasil, Feira Mundial de Nova York de 1939. p. 2-3.

Page 116: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

116

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

PROJETO DE OSCAR NIEMEYER, SEGUNDO COLOCADO NO CONCURSO DO PAVILHÃO BRASILEIRO NA FEIRA MUNDIAL DE NOVA YORK, NY, Estados Unidos [1939]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 117: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

117

oscar em nova york: o pavilhão e a ONU | FARÈS EL-DAHDAH

Page 118: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

118

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

PROJETO DE OSCAR NIEMEYER, SEGUNDO COLOCADO NO CONCURSO DO PAVILHÃO BRASILEIRO NA FEIRA MUNDIAL DE NOVA YORK, NY, Estados Unidos [1939]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 119: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

119

oscar em nova york: o pavilhão e a ONU | FARÈS EL-DAHDAH

Page 120: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

120

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

PROJETO DE OSCAR NIEMEYER, SEGUNDO COLOCADO NO CONCURSO DO PAVILHÃO BRASILEIRO NA FEIRA MUNDIAL DE NOVA YORK, NY, Estados Unidos [1939]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 121: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

121

oscar em nova york: o pavilhão e a ONU | FARÈS EL-DAHDAH

Page 122: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

122

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

Para a monumental rampa que levava ao terraço superior e às escadas que conduziam

de volta ao jardim, Costa e Niemeyer pediram uma modificação no código de edifica-

ções, de acordo com os padrões do código de Nova York, pois as escadas precisavam

de um patamar no meio do caminho e a rampa era íngreme demais. Uma terceira

isenção também havia sido solicitada, porque as duas escadarias que levavam ao me-

zanino estavam muito próximas entre si. O Conselho de Administração de Código de

Edificações aprovou duas das três solicitações. A plataforma adicional e as escadarias

extras não foram impostas. Apenas a rampa de entrada precisou ser ampliada para

atender ao grau máximo permitido pelo código. Para Costa e Niemeyer, a autorização

para modificações legitimou o desenho de um projeto que havia sido considerado

“perfeito” por John Hogan, diretor de construção do Conselho de Administração do

Código de Edificações11. A decisão do conselho de ampliar o comprimento da rampa

em 18 pés (5,49 metros) apenas aumentou sua graciosidade.

A capacidade do pavilhão do Brasil de intercalar beleza, modernidade e os trópicos

resultou em sucesso absoluto entre os críticos de arquitetura da América do Norte e da

Europa, que elogiaram o edifício em uma série de periódicos importantes, como Ma-

gazine of Arts, Architectural Record, Architectural Forum, Architettura, Casabella e L’Ar-

chitecture d’Aujourd’hui12. Essa recepção internacional foi posteriormente usada como

argumento contra críticas menos favoráveis que foram publicadas no Brasil, em que a

batalha da cultura entre acadêmicos, neocoloniais e modernistas ainda estava sendo

travada. Em última análise, Costa e Niemeyer conseguiram desenvolver uma linguagem

arquitetônica distinta de Le Corbusier, e que ao mesmo tempo se recusa a “subordinar

o espírito moderno às conveniências de uma ordem técnica e funcional, ou a fazer

uma cenografia ‘pseudomoderna’, do tipo muito em voga nos EUA”13. Por exemplo, o

edifício, embora associado aos cinco pontos de Le Corbusier, ainda mantinha sua con-

dição de bloco perimetral. O piso térreo, agora aberto, havia sido transformado em um

11 COSTA, Lucio. Manuscrito sem data (Acervo Casa de Lucio Costa).

12 Magazine of Arts (maio de 1939), Architectural Record (agosto de 1939), Architectural Forum (junho de 1939), Architettura (outubro de 1939), Casabella (setembro de 1939) e Architecture d’Aujourd’hui (setembro de 1947).

13 COSTA, Lucio Costa, citado em: Pavilhão do Brasil, Feira Mundial de Nova York de 1939. p. 2.

Page 123: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

123

oscar em nova york: o pavilhão e a ONU | FARÈS EL-DAHDAH

espaço dedicado ao lazer, e não apenas à passagem. O uso generoso de curvas foi uma

crítica direta à ênfase que Le Corbusier, na época, dava às linhas retas e aos ângulos

retos. A oposição binária entre a ortogonalidade dos pilotis e as divisórias sinuosas

foi eliminada. Não apenas as paredes eram curvas, mas também a distribuição dos

próprios pilotis. Finalmente, a rampa se tornou uma logomarca da arquitetura de Nie-

meyer, ao prolongar a exposição visual da beleza do prédio. Uma arquitetura que libera

o passo de cada um de uma mecanização indevida por não depender de uma marcha

mecanicamente regulada, mudando assim a circulação do quantitativo para o sensorial.

“Segundo Niemeyer, rampas alongam o prazer de penetrar em um prédio, prolongando a recepção visual de sua beleza em relação ao entorno.”Em termos de legado internacional e com risco de cometer um crime de lesa-majes-

tade, é possível acrescentar uma quarta versão do projeto da feira construído déca-

das mais tarde. Trata-se do Carpenter Center, projetado por Le Corbusier entre 1961

e 1963. Para Izabel Gass, aluna que trabalhou nesse assunto, é meio óbvio que os

dois prédios são parecidos. Ambos têm uma rampa sinuosa. São suspendidos sobre

pilotis, têm formas severamente circulares e quebra-sóis profundos em suas eleva-

ções principais, o grande divisor entre essas quatro versões e localizado na geo-

metria latente da arquitetura. A simetria do primeiro projeto (Costa) e do quarto

(Le Corbusier) é axial, e suas curvas são radiais e derivadas de círculos, enquanto a

geometria do segundo e do terceiro projetos (Niemeyer e Costa) é assimétrica e suas

curvas são flexíveis (do tipo spline ou curvas de Bézier). São duas lógicas opostas:

para Le Corbusier, o que importa é a modularidade com suas unidades repetidas

(por exemplo, quatro quadrantes iguais), enquanto para Niemeyer trata-se de uma

continuidade não divisível em partes iguais, uma geometria fluida e não redutível a

uma unidade discreta. Mexer em qualquer parte da curva alteraria a própria forma do

todo. Incluído nessa oposição é o próprio barroco, que é erroneamente adotado para

descrever a arquitetura de Niemeyer, que difere fundamentalmente da arquitetura de

Le Corbusier, assim como é distinta da arquitetura de Aleijadinho, visto que o último

Page 124: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

124

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

limita a continuidade de suas linhas curvas a arcos tangencialmente conectados a

outros arcos, enquanto as composições de Niemeyer requerem uma constelação de

pontos de referência no espaço, que exercem vários graus de atração ou repulsão a

fim de formar superfícies topológicas complexas. Essa dicotomia entre o modular

e o fluido explica também o desejo da arquitetura contemporânea de se afastar do

racionalismo e do cartesianismo de sua herança moderna ao se aproximar ao mesmo

tempo da obra de Niemeyer, deixando para trás o mundo quadrado da ortogonalida-

de e da ciência newtoniana, a fim de encontrar o mundo excêntrico da concepção de

espaço-tempo de Einstein. Tal oposição entre o modular e o fluido pode ser ilustrada

no próprio “Poema da Curva”, de Niemeyer, no qual ele se refere ao “mundo curvo

de Einstein”, que parece se opor diretamente ao “Poème de l’Angle Droit”, de Le

Corbusier, ainda que na época em que Niemeyer escreveu seu poema Le Corbusier já

houvesse abandonado a retidão de seus ângulos14. A oposição entre os dois poemas

é, todavia, flagrante, da mesma forma que a mudança de pensamento posterior de Le

Corbusier é notada pelo próprio Niemeyer quando cita Ozenfant: “Le Corbusier, após

ter defendido a disciplina purista e a fidelidade ao ‘ângulo reto’, sobre o qual reivin-

dicava direitos particulares, parece ter decidido abandoná-lo, ao sentir no vento as

premissas de um novo barroco, vindas de outro lugar”15. Le Corbusier negava ter in-

jetado qualquer tipo de barroquismo na sua arquitetura, porém, permanece verdade

que em seu discurso, enquanto a curva “permite um uso mais sutil do espaço”, um rio

sinuoso é acusado de ser “ruinoso, difícil e perigoso; ele paralisa”16. Para o arquiteto

franco-suíço, um rio como uma ideia é regido pela “lei do meandro”, que acaba lhe

curvando a retidão (ou seja, sua clareza metafórica): “Os laços do meandro transfor-

mam algo numa figura como um número 8, e isso é idiotice”, diria ele17. O esboço que

ilustra essa “loi du méandre” foi feito enquanto ele voava sobre a América do Sul e

foi mais tarde incorporado ao “Poème de l’Angle Droit”, em que é comparado com

“a exuberância dos vermes, a sinuosidade dos répteis”, para não mencionar “vermes

14 NIEMEYER, Oscar. “Poema da curva”. Módulo, #96, p. 28, 1987; LE CORBUSIER. Poème de l’Angle Droit. Paris: Editions Connivences, 1989.

15 NIEMEYER, Oscar. A Forma na Arquitetura. Rio de Janeiro: Avenir Editora, 1980. p. 29-30.

16 LE CORBUSIER. Urbanisme. Paris: Flammarion, 1980. p. 10.

17 LE CORBUSIER. Précisions. Paris: Éditions Vincent, Fréal&Cie, 1960. p. 143.

Page 125: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

125

oscar em nova york: o pavilhão e a ONU | FARÈS EL-DAHDAH

e cobras atiçadas pelo potencial da carniça”18. Dentro dessa concepção, o meandro

configura o que é velho e irracional versus a linha reta e racional da modernidade.

O uso que Le Corbusier faz de tais metáforas provavelmente não soou muito con-

vincente quando o jovem Niemeyer desenhou (supostamente) um tapete cheio de

meandros no Ministério da Educação e Saúde. Essa mesma impressão deve ter tido

o Roberto Burle Marx, que projetou para aquele mesmo prédio exatamente o que Le

Corbusier havia criticado quando voava sobre a América do Sul: um jardim cheio de

meandros visto do céu. A curva sinuosa tornou-se a assinatura mais característica da

moderna arquitetura brasileira e apareceu oficialmente pela primeira vez no pavilhão

do Brasil, que Niemeyer e Costa projetaram para a feira de Nova York. Consequente-

mente, as rampas de acesso da arquitetura de Niemeyer tornaram-se a própria “arqui-

teturização” daquele meandro, tão criticado por Le Corbusier. Para Niemeyer, rampas

alongam o prazer de penetrar em um prédio, prolongando a recepção visual de sua

beleza em relação ao entorno.

18 LE CORBUSIER. Poème de l’Angle Droit. p. 35.

Page 126: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

126

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

II. SEDE DA ONU EM NOVA YORK

Deve ter sido em abril de 1947 que Oscar Niemeyer escreveu uma carta entusiasmada

a seu mentor, Lucio Costa, na qual contava sua experiência em Nova York como mem-

bro do Board of Design Consultants, formado para projetar a sede das Nações Uni-

das19. Niemeyer informou Costa de que desde sua chegada, um mês antes, esteve se

abstendo, a pedido de Le Corbusier, de apresentar quaisquer de seus desenhos. O ar-

quiteto franco-suíço temia que seu próprio projeto, elaborado bem antes da formação

do Board of Design, estivesse sendo malcompreendido e que outro projeto da mesma

vertente ideológica pudesse acrescentar mais elementos à confusão20. Enquanto isso,

Wallace Harrison, que liderava o Board of Design e tinha solicitado que cada mem-

bro propusesse um projeto, insistia que Niemeyer fizesse o mesmo, pois “havia sido

convidado para participar como membro pleno do time”21. Como Niemeyer relata na

carta, ele continuou recusando, já que “não queria fazer nada que pudesse contrariar

ou prejudicar o Corbusier”22.

Como sugere o secretário do conselho, George Dudley, Niemeyer “sentia-se mais livre

para expressar sua opinião” quando Le Corbusier estava ausente23. Apesar de não

querer propor um projeto de sua própria autoria, Niemeyer fez sua primeira contri-

buição real com o projeto número 17, com a ideia de que uma grande praça localizaria

todos os edifícios. Significava abandonar a ideia do extenso terraço acima do edifício

da assembleia geral, que era um elemento importante no projeto de Le Corbusier.

Outros membros do conselho, como Sven Markelius e Ernest Weissman, apresentaram

19 Para evitar o longo processo de competição gerado pela Liga das Nações, no Lago de Genebra, o então secretário-geral, Trygve Lie, nomeou um conselho que reunia Gyle Soilleux (Austrália), Gustave Brunfaut (Bélgica), Oscar Niemeyer (Brasil), Ernest Cormier (Canadá), Ssu-ch’eng Liang (China), Le Corbusier (França), Sven Markelius (Suécia), Howard Robertson (Reino Unido), Julio Vilamajo (Uruguai) e Nikolai Bassov (União Soviética). Wallace Harrison atuou como diretor de planejamento e acabou por ser o responsável pelo projeto.

20 NIEMEYER, Oscar. O Projeto das Nações Unidas. Módulo, #97, p. 26-27, 1988.

21 DUDLEY, George A. A Workshop for Peace. Cambridge: MIT Press, 1994. p. 137.

22 NIEMEYER, Oscar. Carta a Lucio Costa, sem data. Acervo Fundação Oscar Niemeyer.

23 DUDLEY, George A. A Workshop for Peace, p. 152.

Page 127: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

127

oscar em nova york: o pavilhão e a ONU | FARÈS EL-DAHDAH

suas versões, mesmo tendo chegado depois de Niemeyer, o que o deixou, conforme

relatado a Costa, “numa situação falsa, onde só falava – nada produzindo”24. “A confu-

são foi tal”, continuou Niemeyer, “que o próprio Corbusier aconselhou-me a fazer uma

sugestão”, o que levou menos de uma semana para se transformar no projeto 3225. Ao

ver o projeto, relata a carta, Le Corbusier “ficou até um pouco surpreso” e pediu para

Niemeyer “declarar que é preciso uma solução final e que os únicos projetos que são

realmente coisa de arquitetura – são os nossos”26. Le Corbusier estava obviamente

ficando impaciente com a grande quantidade de projetos sendo propostos e começou

a pressionar o conselho para, como ele próprio relata, “concentrar-se em alguns, não

em 30 projetos”27. Niemeyer termina a carta com um pedido de perdão pela falta de

modéstia (pelo fato de estar “satisfeito com o trabalho”) e com dois pequenos croquis

mostrando seu projeto ao lado do de Le Corbusier28.

Em 25 de abril, Niemeyer apresentou seu projeto número 32, que consistia em perspec-

tivas elaboradas por Hugh Ferriss, uma maquete e oito pranchas. Um pequeno texto

na oitava prancha não somente explica o projeto, mas, surpreendentemente, chama a

atenção de seus colegas “para as vantagens oferecidas pelo projeto número 23, tanto no

âmbito funcional quanto no estético”29. O tal projeto número 23 era de Le Corbusier, no

qual a combinação entre beleza e função era precisamente o que se tentava promover,

sem sucesso, enquanto a mesma combinação estava sendo valorizada no projeto de

Niemeyer, ou, como Dudley mais tarde observou, “a comparação entre o volume pesado

de Le Corbusier e a composição surpreendente e elegantemente articulada de Niemeyer

24 NIEMEYER, Oscar. Carta a Lucio Costa, sem data.

25 Ibid.

26 Ibid.

27 DUDLEY, George A. A Workshop for Peace, p. 240.

28 NIEMEYER. Carta a Lucio Costa, sem data.

29 NIEMEYER, Oscar. Texto na oitava prancha do álbum para a sede da ONU, Projeto 32. Acervo Fundação Oscar Niemeyer.

Page 128: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

128

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

foi feita, ao meu ver, por todos os presentes”30. Le Corbusier não poderia ter ficado

satisfeito com a recepção positiva dada a Niemeyer, pois há relatos de que ele tenha se

referido ao arquiteto brasileiro como sendo “apenas um jovem” cujo projeto “não era o

de um arquiteto maduro”31. Mais esclarecedor ainda é um croqui que Le Corbusier fez

na mesma época, em seu carnet de poche, comparando os dois projetos: um mostrando

o corpo de uma mulher reclinada, marcado com o número 23 e rotulado “hierarquia

arquitetônica = belo”, e o outro mostrando partes de um corpo feminino desmembrado,

marcado com o número 32 e rotulado “espaço arquitetônico = medíocre”32.

Le Corbusier, cujo objetivo desde o início tinha sido o de convencer o conselho a de-

senvolver o projeto que ele já havia sugerido durante a fase da escolha do local, foi

de repente confrontado com um projeto que tinha as qualidades que ele prezava,

mas que não era o dele. Em um esforço de resgatar seu próprio projeto, Le Corbusier

tentou criar empecilhos na reunião seguinte e, entre outras declarações, argumentou

que Niemeyer “sem saber” produziu uma variação do projeto 23, cuja virtude era per-

mitir alterações enquanto mantinha os “conceitos básicos”33. A estratégia funcionou.

Apesar de favorecerem a versão “aberta” de Niemeyer, todos estavam convencidos,

e Niemeyer também, de que no fundo o projeto tinha de seguir uma ideologia corbu-

siana da arquitetura. No dia 1º de maio, Harrison achou necessário decidir sobre como

proceder, insistindo para um consenso. Também sugeriu ao conselho “que o único

projeto satisfatório era aquele elaborado e desenhado por Niemeyer, semelhante à

ideia de Le Corbusier”34. Na tentativa de achar um meio-termo, Harrison comparou o

projeto de Niemeyer aos croquis feitos por Le Corbusier meses antes, que ilustravam

o prédio isolado do secretariado-geral. Na ausência de qualquer objeção, a decisão

unânime foi tomada: dar o “sinal verde” ao projeto número 32, de Niemeyer, como

base para o projeto final35.

30 DUDLEY, George A. A Workshop for Peace, p. 236.

31 Ibid., p. 240.

32 Reproduzido em DUDLEY, George A. A Workshop for Peace, p. 266-267.

33 Le Corbusier, citado em DUDLEY, George A. A Workshop for Peace, p. 242.

34 Wallace Harrison, citado em DUDLEY, George A. A Workshop for Peace, p. 403.

35 Ibid., p. 252.

Page 129: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

129

oscar em nova york: o pavilhão e a ONU | FARÈS EL-DAHDAH

SEDE DA ONU, Nova York, NY, Estados Unidos [1947]

foto: Shutterstock

Page 130: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

130

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

“Em uma carta a Dudley, redigida décadas mais tarde, Niemeyer explica o esquema híbrido como consequência de um pedido feito por Le Corbusier, ao qual ele não poderia recusar ‘por constrangimento’.”Dias depois, uma nova proposta modificava o projeto de Niemeyer e trazia de volta

o edifício da assembleia geral à sua localização central, como originalmente sugerido

no projeto 23, de Le Corbusier. A nova proposta foi chamada de projeto 23/32, do

qual todas as soluções subsequentes se derivaram, inclusive a versão que foi eventu-

almente construída. Em uma carta a Dudley, redigida décadas mais tarde, Niemeyer

explica o esquema híbrido como consequência de um pedido feito por Le Corbusier,

que por “constrangimento” foi incapaz de recusar36. Niemeyer explica sua decisão

como tendo ocorrido no dia após a reunião, quando todos os membros do conselho

aprovaram por unanimidade seu projeto 32. Le Corbusier foi vê-lo e o convenceu de

alterar a localização da assembleia geral para a parte central do terreno: “Hierarqui-

camente, é o elemento principal do complexo. Seu lugar, portanto, está no centro de

tudo”37. Apesar de discordar da alteração, que dividiria o terreno em dois e diminuiria

seu caráter monumental, Niemeyer consentiu, mesmo que isso significasse, como ele

próprio conta, decepcionar Harrison com “uma atitude um tanto contraditória por

primeiramente aceitar a escolha do meu projeto para logo depois recusar desenvol-

vê-lo, por consideração a Le Corbusier”38.

36 NIEMEYER, Oscar. Carta a George Dudley, 26 dez. 1991. Acervo Fundação Oscar Niemeyer.

37 Le Corbusier, citado em NIEMEYER, Oscar. O Projeto das Nações Unidas, p. 29.

38 NIEMEYER, Oscar. O Projeto das Nações Unidas, p. 29.

Page 131: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

131

oscar em nova york: o pavilhão e a ONU | FARÈS EL-DAHDAH

A grande ironia desse processo é que o partido da torre alta ao lado de um auditório

baixo, isto é, a composição do alto prédio do secretariado e do baixo prédio da as-

sembleia, deve ter sido bem familiar a Le Corbusier e a Niemeyer, pois os dois tinham

trabalhado juntos sobre partidos similares (e similarmente divergentes) no Rio de

Janeiro, 11 anos antes, no projeto do campus universitário que Le Corbusier projetou

e que Niemeyer desenhou; no projeto do campus universitário, em versão mais afas-

tada, que Lucio Costa projetou e Niemeyer também desenhou; e em versão menor

no projeto para o prédio do Ministério da Educação, sobre o qual os três arquitetos

trabalharam, de uma forma ou de outra. Há outros precedentes, como o Instituto

Lenin de Ivan Leonidov, desenhado em 1927, e o partido é repetido por Le Corbusier

no projeto de Saint Dié, em 1945, por Costa em seu projeto da Praça dos Três Poderes

para o plano piloto de Brasília, finalmente adotado por Niemeyer para o Congresso

Nacional em versão dupla, isto é, dois secretariados e duas assembleias para as câma-

ras de deputados e senadores. Desde então, a tal distância entre prédio alto e prédio

baixo mudará várias vezes na própria obra de Niemeyer.

Page 132: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]
Page 133: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

DEPOIMENTOSALVARO PUNTONI

ANGELO BUCCICIRO PIRONDI

MARCIO KOGANPAULO MENDES DA ROCHA

RUY OHTAKE

Page 134: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

Formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São

Paulo, é mestre e doutor pela mesma instituição. Leciona na FAU/USP e na Escola

da Cidade, da qual é sócio-fundador e coordenador do Conselho Pedagógico. É

professor convidado da FAU/Mackenzie e do Taller Sudamerica da Facultad de

Arquitetura, Diseño y Urbanismo da Universidad de Buenos Aires. Desde 2004

participa do Grupo SP.

Page 135: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

ESPACIALIDADES INUSITADAS

ALVARO PUNTONI

Page 136: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

136

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

É impossível escapar de Oscar Niemeyer na cidade de São Paulo. Todo mundo que

vive na capital paulista, em algum momento, se deparou com o Parque Ibirapuera,

com sua marquise aberta. Aquele é um espaço sem nome que chamamos de “mar-

quise do Ibirapuera”, mas que, em princípio, não tem nenhuma função a não ser nos

proteger da chuva, do sol, servir de ligação entre os edifícios. Quando eu era criança,

me lembro do estranhamento que a Oca me causava, da atração que exercia sobre

mim. Da mesma forma, em passeios ao centro da cidade, olhar o Copan, como se

observa a lua em noite clara, continua sendo inevitável, tanto para quem mora quanto

para quem não vive em São Paulo.

Seus edifícios de alguma maneira iluminam os caminhos dos cidadãos. Niemeyer tem

essa importância simbólica. É um arquiteto de desenho apurado, que levou a arquite-

tura ao limite, amparado por engenheiros, mas principalmente ancorado por uma sa-

bedoria que era dele. Seus edifícios geram espacialidades inusitadas. No Memorial da

América Latina, que data do fim dos anos 1980, é possível perceber essa arquitetura:

seus vãos geram espaços incríveis.

Se viajo a algum lugar onde sei que há uma obra de Niemeyer, sempre a procuro. Gos-

to, particularmente, da sede do Partido Comunista Francês, em Paris, onde há obras

de outro grande arquiteto, Le Corbusier, que influenciou Niemeyer, por exemplo, no

uso dos pilotis (conjunto de colunas que sustentam uma construção, gerando grandes

vãos). No Partido Comunista Francês, Oscar consegue fazer com que o edifício pareça

flutuar sobre o chão de Paris.

São muitas as obras de Oscar Niemeyer espalhadas em diferentes cidades do mun-

do. Cada uma tem uma história, uma peculiaridade, e é muito bacana imaginar que

todas elas têm relação entre si, criam um diálogo com a cidade, com as pessoas que

nela vivem. Isso, muitas vezes, é silencioso, não tem como anunciar. Só sentindo.

Para mim, a espacialidade da vida que a arquitetura de Niemeyer oferta é o mais

importante em sua obra.

Page 137: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

137

espacialidades inusitadas | ALVARO PUNTONI

Temos alguma magem para essa página?

SEDE DO PARTIDO COMUNISTA FRANCÊS, Paris, França [1965]

foto: Michel Moch | Fundação Oscar Niemeyer

Page 138: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

138

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

MEMORIAL DA AMÉRICA LATINA, São Paulo, SP, Brasil [1987]

foto: Michel Moch | Fundação Oscar Niemeyer

Page 139: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

139

espacialidades inusitadas | ALVARO PUNTONI

Page 140: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

Formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São

Paulo, onde também concluiu mestrado e doutorado e atualmente leciona. Foi

professor convidado de várias universidades na América Latina, nos Estados Uni-

dos e na Europa. É fellow do American Institute of Architects e recebeu importan-

tes premiações, como International Young Generation, XII International Biennial

of Architecture of Buenos Aires e o Prêmio IAB de Melhor Obra Construída.

Page 141: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

A LIBERDADE

ANGELO BUCCI

Page 142: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

142

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

Meu primeiro contato com a arquitetura de Oscar Niemeyer não foi direto. Conheci re-

presentações. Uma delas era a fachada do posto Alvorada, localizado na Via Anhanguera

entre Ribeirão Preto e Orlândia, minha cidade natal. Com 7, 8 anos, quando entrei para

a escola pública, aprendi sobre Brasília. Entendi que o posto na estrada rendia home-

nagem ao palácio. Qualquer criança brasileira sabe de cor alguns edifícios de Niemeyer.

Basta desenhar traços de giz na lousa e os alunos reconhecem ali o Palácio da Alvorada,

a Catedral de Brasília ou o Congresso Nacional. Mais que isso, são capazes de represen-

tar graficamente esses edifícios. São obras impressas no nosso imaginário.

Mobilizar memórias e reconhecer nessas imagens a fonte para outros projetos é o maior

valor do legado de Niemeyer. Não apenas na arquitetura, mas na cultura. Não apenas no

Brasil, mas no mundo. Não é por acaso que, quando um arquiteto como Rem Koolhaas

visitava o país, fazia questão de ir ao Rio de Janeiro para falar com Oscar Niemeyer.

A liberdade em sua obra é uma característica admirável. São os erros – no sentido

do desvio do código consagrado que outro arquiteto dificilmente ousaria fazer – que

imprimem um resultado incrível. Refiro-me à liberdade de um sujeito que está dese-

nhando edifícios com a coragem de se arriscar na fronteira do que ainda não foi feito. O

parâmetro que se estabelece em consequência dessa liberdade passa a ser mais amplo.

Oscar Niemeyer é um arquiteto decisivo para São Paulo. Um edifício emblemático é o

Copan. Aquela lâmina curva com 35 andares e mais de 100 metros de desenvolvimen-

to horizontal tem tanta liberdade que parece ter sido desenhada com a quadra inteira

à disposição. Mas não foi assim. Foi inserida em um polígono irregular, o térreo é

uma ladeira e os andares estão perfeitamente em nível. Por isso é surpreendente. Ao

mesmo tempo, o arquiteto decidiu abandonar a obra quando foram feitas alterações

à sua revelia. O projeto do Parque Ibirapuera, com Burle Marx, foi feito para celebrar

o IV Centenário da cidade, em 1954. Recuperou o poluído Córrego do Sapateiro e o

tornou parte do parque mais importante da capital paulista. Não era possível, desde

aquela época, iniciar um processo similar com todos os outros rios da cidade? É evi-

dente que essas obras injetaram uma dose de estímulo e confiança por gerações na

produção cultural brasileira.

Page 143: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

143

a liberdade | ANGELO BUCCI

CONGRESSO NACIONAL, Brasília, DF, Brasil [1958]

foto: Michel Moch | Fundação Oscar Niemeyer

Page 144: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

144

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

PALÁCIO DA ALVORADA, Brasília, DF, Brasil [1957]

foto: Michel Moch | Fundação Oscar Niemeyer

Page 145: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

145

a liberdade | ANGELO BUCCI

Page 146: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

É arquiteto e diretor da Escola da Cidade. Atua como conselheiro do Instituto Bra-

sileiro de Arte e Cultura (Ibac), da Casa de Lucio Costa, do Instituto dos Arquitetos

do Brasil e da Fundação Oscar Niemeyer. Autor de uma série de obras arquitetôni-

cas destacadas no Brasil, recebeu diversos prêmios.

Page 147: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

UM ARTISTA POPULAR

CIRO PIRONDI

Page 148: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

148

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

O poeta Ferreira Gullar traduz a genialidade de Niemeyer com os seguintes versos:

“Com seu traço futuro / Oscar nos ensina / Que o sonho é popular”. Ser popular e,

ao mesmo tempo, ser um grande artista é uma combinação difícil, apenas outorgada

aos muito grandes.

Alguns homens possuem o dom da liberdade, que está geralmente associado a outro

dom, o da generosidade. Personalidades como Nelson Mandela, José Saramago e Os-

car Niemeyer fizeram de sua ação no mundo um desenho inspirador, que nos instiga a

acreditar na possibilidade de uma sociedade mais digna. Eles nos ensinam que, mes-

mo em tempos sombrios, é possível continuar.

Para Niemeyer, a arquitetura é invenção. Por isso, ele e um grupo de intelectuais dese-

nharam um projeto pedagógico com ênfase na dimensão humanista para a formação

do estudante de arquitetura. Arte, literatura e história seriam a base da aprendizagem

em instituições de Brasília e de Argel. Niemeyer também idealizou, nos últimos dez

anos, uma escola em Niterói, na qual incorporou a visão social do arquiteto em relação

ao país e à possibilidade de criar beleza para todos, o que seria o inverso da formação

com tendências a especializações e centradas no mercado, situação vigente na maio-

ria das escolas de arquitetura atuais.

Conviver com a arquitetura de Oscar é uma experiência inspiradora. Eu tive a chan-

ce de morar dez anos em um apartamento no Edifício Eiffel, na Praça da República.

Depois, vivi três anos no Copan. Nessa convivência, foi possível entender detalhes de

sua arquitetura. Por exemplo, uma parede pode parecer de inclinação sem sentido à

primeira vista. Mas, ao sair na rua, é possível perceber que aquele ângulo é exatamente

a inclinação da rua, que é diferente da inclinação do edifício. A parede está perfeita-

mente implantada. A Casa das Canoas é outro exemplo. Sua integração com as árvores

e com a montanha faz parecer que aquela construção sempre esteve ali.

Page 149: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

149

um artista popular | CIRO PIRONDI

CONJUNTO COPAN, São Paulo, SP, Brasil [1951]

foto: Michel Moch | Fundação Oscar Niemeyer

Page 150: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

150

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

CASA DAS CANOAS | RESIDÊNCIA DO ARQUITETO NA ESTRADA DAS CANOAS, Rio de Janeiro, RJ, Brasil [1952]

foto: Michel Moch | Fundação Oscar Niemeyer

Page 151: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

151

um artista popular | CIRO PIRONDI

A obra de Oscar Niemeyer consegue ganhar essa dimensão humana e ao mesmo tem-

po onírica, especialmente em São Paulo. Abriga nossos sonhos e os une à realidade

do cotidiano de uma cidade extremamente densa. Sua obra nos faz relembrar que é

possível viver com mais tranquilidade, mais poesia, mais sonho, mais imaginação. Para

mim, o Oscar, intuitivamente ou não, tinha essa dimensão da vida humana tão densa,

tão incrustada nele, que chegava até a exalar essa característica.

Pensar em Oscar nos leva a refletir sobre que país teríamos se ele fosse desenhado

com base não só em sua arquitetura, mas principalmente em seus pensamentos e

em suas ações, incluindo as escolas. Seguramente teríamos hoje, no mínimo, um

Brasil mais belo e justo.

Page 152: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

Arquiteto paulista, representou o Brasil na última Bienal de Veneza e recebeu mais

de 200 prêmios nacionais e internacionais. É membro honorário do American Ins-

titute of Architects e foi considerado, pela revista Wallpaper, uma das cem pessoas

mais influentes em sua área.

Page 153: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

UM CARIOCA NA VIDA DOS PAULISTANOS

MARCIO KOGAN

Page 154: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

154

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

Quando eu era estudante de arquitetura, não gostava nada de Niemeyer. Era quase um

elemento institucional que praticamente nos obrigava, na escola, a seguir seu pensa-

mento, que contaminou toda uma geração no Brasil. Naquela época, eu pensava em

outra arquitetura. Surgia o Centro Georges Pompidou e eu queria pensar novo. Sentia-

-me perturbado porque todas as obras públicas eram executadas por Niemeyer, quase

apagando uma nova geração de arquitetos. Obviamente, isso era um comportamento

de rebeldia juvenil. Quando comecei a me tornar arquiteto, passei a dar um valor incrí-

vel para todo o seu trabalho e a ficar de joelhos.

Aos poucos fui totalmente seduzido. Aprendi a gostar de sua obra e a respeitá-la.

Indiscutivelmente, Niemeyer é um dos mestres da arquitetura moderna. A limpeza,

a beleza das soluções, a técnica, a força do que é estrutura de engenharia é muito

marcante. Tem também essa sensualidade que foi colocada no modernismo, como

no Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro. Com a vinda de Le Corbusier,

surge essa história do modernismo que é completamente icônica. De repente, neste

fim de mundo, país totalmente isolado e durante a Segunda Guerra Mundial, nasce

uma arquitetura espetacular, como já disse Lucio Costa. Na minha opinião, é o melhor

modernismo que se viu no mundo, feito não só por Oscar Niemeyer, mas também por

uma grande geração de arquitetos.

Em São Paulo, percebemos que os cartões-postais da capital paulista foram feitos por

um carioca, como é o caso do Copan e do Parque Ibirapuera. Considero a Oca o museu

mais bonito do mundo. Tem um impacto no dia a dia das pessoas. Está na vida de to-

dos os paulistanos. Qualquer um que a visitar em um fim de semana passará o tempo

todo embaixo da marquise, poderá caminhar, assistir a uma exposição no pavilhão da

Bienal. É maravilhoso.

Eu gosto muito dessa colaboração com a engenharia que ele convoca. Mas parece que

hoje em dia, no mercado, isso foi esquecido. Às vezes, tentamos ser um pouco mais

sofisticados em uma solução estrutural, mas ninguém quer apostar “para não perder

dinheiro”. Um calculista uma vez me falou: nós fazemos um projeto e ninguém nem

lembra que fizemos. Não é verdade. A própria história de Niemeyer vem do cálculo.

Page 155: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

155

um carioca na vida dos paulistanos | MARCIO KOGAN

MUSEU AFRO BRASIL (CONJUNTO IBIRAPUERA), São Paulo, SP, Brasil [1953]

foto: André Seiti [2014]

Page 156: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

156

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

EDIFÍCIO DA OCA, São Paulo, SP, Brasil [1951]

foto: André Seiti [2014]

Page 157: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

157

um carioca na vida dos paulistanos | MARCIO KOGAN

Page 158: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

Formou-se na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie e leciona na

USP desde 1959. Recebeu o título de professor emérito em 2010. Entre suas obras

estão o Ginásio do Clube Atlético Paulistano, o Pavilhão Oficial do Brasil na Expo 70,

no Japão, o Museu Brasileiro da Escultura, em São Paulo, e a reforma da Pinacoteca

do Estado de São Paulo, que lhe valeu o Prêmio Mies van der Rohe de Arquitetura

Latino-Americana, em 2000. Em 2006, recebeu o Pritzker Architecture Prize pelo

conjunto da obra.

Page 159: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

O SURPREENDENTE USO DA TÉCNICA

NA ARQUITETURA DE NIEMEYER

PAULO MENDES DA ROCHA

Page 160: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

160

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

A arquitetura de Oscar Niemeyer é marcante na formação do brasileiro, das escolas,

do estudo da arquitetura e da minha geração, sem dúvida nenhuma. Seu trabalho exi-

be uma preocupação, uma angústia, uma convocação que vem da natureza com seu

conjunto de fenômenos. Sua obra tem uma grande força lírica. Um exemplo é a Casa

das Canoas, no Rio de Janeiro, tanto pela cenografia da horizontalidade da laje inde-

pendentemente de suas curvas quanto pela pedra, que se torna monumental junto à

piscina. É uma obra interessante, que não se pode copiar do ponto de vista formal. Por

outro lado, também não é possível abandonar sua sedução.

É necessário destacar também a importância da obra de Oscar Niemeyer na cidade de

São Paulo, surpreendente em quantidade e relevância. O Edifício Copan é extraordiná-

rio. Suas curvas são exigências formais de estabilidade para um edifício esbelto e, ao

mesmo tempo, permitem a entrada de luz e de ventilação pelos dois lados. Para mim,

é um protótipo que poderia ser adotado, imaginando a arquitetura como forma de co-

nhecimento: a ideia fundamental da cidade que flui no andamento dos pedestres e das

habitações, sem distinção prédio por prédio, sem apartamentos grandes e pequenos,

riqueza e pobreza. O Parque Ibirapuera é uma maravilha. Sua marquise inaugura um

grande promenade, articula os edifícios, organiza os jardins e tudo aquilo que se vê

no entorno. São projetos extraordinariamente inteligentes e demonstrativos da arqui-

tetura como uma forma muito peculiar de conhecimento, ligado ao hábitat humano.

Page 161: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

161

o surpreendente uso da técnica na arquitetura de niemeyer | PAULO MENDES DA ROCHA

A obra de Niemeyer é de uma imponência eminente, evidente e muito extraordinária

quanto à técnica, muitas vezes pela graça, pela sedução das formas não identificadas

imediatamente. A Oca, por exemplo, é um pequeno museu erguido de maneira incrível

quanto à transformação e à aplicação de técnicas em relação ao solo, à estabilidade

da construção. Aquilo que é propriamente a casca, a cúpula, possui uma estrutura

totalmente autônoma em si mesma. Há por dentro uma espécie de cilindro, que é um

muro de arrimo para baixo da linha do solo. Existe também uma estrutura de lajes e

pilares que surge por dentro, todos autônomos, um sem tocar no outro. Isso quer dizer

que as soluções foram feitas estritamente com o necessário para cada situação. A

forma circular é uma escolha muito inteligente, porque o círculo é indeformável desde

que submetido a forças homogêneas. Da mesma maneira, a estrutura da cúpula e a in-

dependência dos andares intermediários é belíssima, principalmente porque eles não

estão submetidos à forma circular, são figuras livres.

Niemeyer é um construtor excepcional. Basta ver o Museu de Caracas, projeto para

ser construído na Venezuela, para entender que ele foi capaz de concentrar a carga

em um ponto e inverter a pirâmide, sabendo muito bem que as paredes inclinadas

tendem a puxar, a solicitar as lajes a uma autocompressão, uma forte tração. É tudo

excelentemente preparado para uma construção exitosa. Oscar teve a capacidade de

convocar a técnica para que ela pudesse exibir o máximo de seu êxito.

Page 162: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

162

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

AUDITÓRIO IBIRAPUERA | OSCAR NIEMEYER, São Paulo, SP, Brasil [1989]

foto: André Seiti [2014]

Page 163: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

163

o surpreendente uso da técnica na arquitetura de niemeyer | PAULO MENDES DA ROCHA

EDIFÍCIO DA BIENAL (CONJUNTO IBIRAPUERA), São Paulo, SP, Brasil [1951]

foto: André Seiti [2014]

Page 164: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

164

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

MARQUISE DO IBIRAPUERA, São Paulo, SP, Brasil [1954]

foto: André Seiti [2014]

Page 165: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

165

o surpreendente uso da técnica na arquitetura de niemeyer | PAULO MENDES DA ROCHA

Page 166: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

Formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São

Paulo. Realizou mais de 300 obras no Brasil e no exterior. Conquistou, em 2007,

o Colar de Ouro, maior condecoração do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB).

Recebeu os títulos de professor emérito da Faculdade de Arquitetura de Santos

e de professor honoris causa da Universidade Braz Cubas. Fez parte do 20º Con-

gresso da União Internacional de Arquitetos, em Pequim. Era elogiado por Oscar

Niemeyer por conta de sua liberdade plástica.

Page 167: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

SÍNTESE ENTRE ARQUITETURA E URBANISMO

RUY OHTAKE

Page 168: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

168

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

Considero Oscar Niemeyer o arquiteto mais significativo do mundo até a data em que

faleceu. Seu trabalho atravessou grande parte do século XX e do início do XXI. Um as-

pecto muito importante, que provocou reflexos no mundo inteiro, é que ele conseguiu

elaborar sínteses belíssimas, unindo arquitetura e urbanismo. Seu desenho de arqui-

tetura sempre levou em conta o espaço da cidade. Provavelmente essa vinculação tão

forte seja a única no mundo e está presente desde seus primeiros desenhos. Quando

Oscar Niemeyer fez, por exemplo, o Ministério da Educação e Saúde na década de

1940, ajustou o desenho proposto por Le Corbusier: levantou o pé-direito dos pilotis

de 4 metros para 10 metros. Não apenas fez uma ligação entre as ruas, mas inseriu

um edifício público em um espaço urbano, o que foi muito mais do que simplesmente

considerar o entorno.

No início dos anos 1950, Oscar desenhou o Edifício Copan. Considero o Copan mais

que um prédio, pois julgo que possa ser considerado o articulador para um plano

de recuperação da cidade de São Paulo, tamanha a sua importância. Os investidores

queriam construir no mesmo espaço três ou quatro edifícios. Oscar refez o projeto

com aquela forma que dialoga com a cidade, que provoca a cidade. Logo depois ele

projetou, em São Paulo, o Parque Ibirapuera, uma grande aula de arquitetura e urba-

nismo. Urbanismo no sentido forte, de propor dentro do parque algo que extravasasse

o próprio parque. A grande proposta foi a maneira com que ligou os prédios. Não é

uma simples marquise. É um espaço que provoca uma rica convivência. Aos fins de

semana, milhares de pessoas andam de skate, jogam damas, leem, praticam inúmeras

atividades. Tudo ligado com a exuberância plástica. Oscar foi maestro.

Page 169: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

169

síntese entre arquitetura e urbanismo | RUY OHTAKE

CENTRO CULTURAL LE HAVRE, Le Havre, França [1972]

foto: Michel Moch | Fundação Oscar Niemeyer

Page 170: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

170

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

AUDITÓRIO NO PARQUE IBIRAPUERA, São Paulo, SP, Brasil [1989]

Fundação Oscar Niemeyer

Page 171: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

171

síntese entre arquitetura e urbanismo | RUY OHTAKE

De suas obras internacionais, gosto muito de Le Havre, na França, e Negev, em Israel.

Também destaco a sede do Partido Comunista Francês. Nesse conjunto, a vista flui

por tudo. Oscar sempre esmerou-se nas proporções. As surpreendentes relações entre

volume e espaço. É o caso da Oca, no Ibirapuera, e do Museu Nacional de Brasília.

Nos anos 1980, fez projetos importantes como o Sambódromo, no Rio de Janeiro, e o

Museu de Arte Contemporânea (MAC) em Niterói (RJ).

Niemeyer, que não se guiou por nenhuma escola específica depois dos 30 anos de

idade, foi um grande desbravador. Foi guiado pela intuição, que o levou à vanguarda.

Muito polêmico no início. Mas assim é toda vanguarda, porque rompe com uma série

de consolidações, gera polêmica. Seus pensamentos ajudaram muito na minha forma-

ção, sobretudo na capacidade criativa e na crença no que faz. Estou convencido de

que é exercendo a profissão que podemos adquirir esse exercício da proporção, em

que se vai trabalhando, desenhando, rabiscando em cima, indo e voltando.

Page 172: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

172

OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA, Niterói, RJ, Brasil [1996]

foto: Michel Moch | Fundação Oscar Niemeyer

Page 173: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

173

síntese entre arquitetura e urbanismo | RUY OHTAKE

Page 174: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]
Page 175: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

OSCAR NIEMEYER: CLÁSSICOS E INÉDITOS

EXPOSIÇÃO

Concepção Fundação Oscar Niemeyer, Itaú Cultural e Lauro Cavalcanti

Realização Itaú Cultural e Paço Imperial

Curadoria Lauro Cavalcanti

Assistência de Curadoria Licia Olivieri

Pré-produção e Pesquisa Automática Produção Contemporânea, Lia Gandelman e

Lucia de Oliveira

Projeto Expográfico Pedro Mendes da Rocha Arquitetos Associados/Arte3 [Carla

Seppe, Debora Tellini Carpentieri, Pedro Mendes da Rocha e Thyago Sicuro]

FUNDAÇÃO OSCAR NIEMEYER (FON)

Presidente Ana Lucia Niemeyer de Medeiros

Vice-presidente Hélio Oliveira Portocarrero de Castro

Diretor Executivo Luiz Mario Camargo Xavier Filho

Superintendente Executivo Carlos Ricardo Niemeyer

Coordenação de Acervo Angela Maria Vasconcellos

Pesquisa e Tratamento do Acervo Emeline Abib

Assistência de Produção e Comunicação Rebeca Lira

Estagiária Nicole Campos

Administração José Carlos Santos da Cruz

Secretária Maristela Melo dos Santos

Conselho Curador André Aranha Corrêa do Lago, Carlos Oscar Niemeyer Magalhães

da Silveira, Cícero Augusto Ribeiro Sandroni, Ciro Felice Pirondi, Farès el-Dahdah,

Glauco de Oliveira Campello, Ítalo Campofiorito, Jayme Zettel, João Leão Sattamini

Netto, Jorge Ricardo Bittar, José Fernando Aparecido de Oliveira, José Fernando

Guitton Balbi, José Simões de Belmont Pessôa, Lauro Cavalcanti, Marcelo Cerqueira,

Nelson Laks Eizirik, Paulo Sérgio de Castro Pinto Duarte, Renato Guimarães Cupertino

e Sérgio Paulo Rouanet

Page 176: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

Conselho Institucional Secretaria de Cultura do Distrito Federal, Instituto do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Instituto dos Arquitetos do Brasil

(IAB), Prefeitura Municipal de Niterói, Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro

Conselho Fiscal Ana Elisa Niemeyer de Attademo, Jair Rojas Valera, Luiz Marçal Ferreira

Neto, Ricardo Wagner Mendes de Medeiros, Sabino Machado Barroso e Maristela Melo

ITAÚ CULTURAL

Presidente Milú Villela

Diretor Superintendente Eduardo Saron

Superintendente Administrativo Sergio M. Miyazaki

Núcleo de Artes Visuais

Gerência Sofia Fan

Coordenação Luciana Soares

Produção Executiva Jan Balanco (terceirizado), Luciana Rocha e Nicole Plascak

Núcleo de Audiovisual e Literatura

Gerência Claudiney Ferreira

Coordenação Kety Fernandes Nassar

Produção Audiovisual Camila Fink e Rodrigo Lorenzetti

Núcleo de Produção de Eventos

Gerência Henrique Idoeta Soares

Coordenação Edvaldo Inácio Silva e Vinícius Ramos

Produção Ana Francisca Salles Barros, Daniel Suares (terceirizado), Erica Pedrosa

Galante, Fabio Marotta, Maria Zelada (terceirizada) e Wanderley Jamano Bispo

Núcleo de Educação e Relacionamento

Gerência Valéria Toloi

Coordenação Samara Ferreira

Page 177: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

Educadores Ana Figueiredo (estagiária), Bianca Selofite, Claudia Malaco, Débora

Fernandes, Fernanda Kunis (estagiária), Guilherme Ferreira, Isabela Quattrer

(estagiária), Josiane Cavalcanti, Lara Teixeira (estagiária), Maria Meskelis, Paula Pedroso,

Raphael Giannini, Samantha Nascimento (estagiária), Sylvia Sato e Thiago Borazanian

Núcleo de Comunicação

Gerência Ana de Fátima Sousa

Direção de Arte Jader Rosa

Comunicação Visual Yoshiharu Arakaki

Diagramação Serifaria (terceirizado)

Edição de Fotografia André Seiti e Marcos Ribeiro (terceirizado)

Coordenação Editorial Carlos Costa

Produção Editorial Raphaella Rodrigues

Edição de Textos Carlos Costa, Maria Carolina Trevisan/Agência Lema (terceirizada) e

Thiago Rosenberg

Revisão Ciça Corrêa e Rachel Reis (terceirizadas)

Tradução Marisa Shirasuna

Fotografias

Acervo Fundação Oscar Niemeyer, Casa de Lucio Costa, Domingos de Miranda Ribeiro,

Chico Albuquerque, Gala Martínez, Instituto Moreira Salles (tratamento de imagens:

Daniel Arruda e Joanna Balabram), Kadu Niemeyer, Leonardo Finotti, Marcel Gautherot,

Mauricio Simonetti, Michel Moch, Thomas Farkas e Tyba Agência Fotográfica

Maquetes

Flavio Papi, Fundação Armando Alvares Penteado

Maquete Eletrônica

Aleks Braz e Roberto Klein Arquitetos

Page 178: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

Catálogo

Direção de Arte e Projeto Gráfico Jader Rosa

Comunicação Visual Yoshiharu Arakaki

Diagramação Serifaria (terceirizado)

Produção Gráfica Lilia Góes (terceirizada)

Edição de Fotografia André Seiti e Marcos Ribeiro (terceirizado)

Coordenação Editorial Carlos Costa

Produção Editorial Raphaella Rodrigues

Edição de Textos Maria Carolina Trevisan/Agência Lema (terceirizada)

Coordenação de Revisão Polyana Lima

Revisão Karina Hambra e Rachel Reis (terceirizadas)

Tradução John Norman

Coordenação e Organização de Conteúdo Núcleo de Artes Visuais

Textos Alvaro Puntoni, Angelo Bucci, Carlos A. C. Lemos, Ciro Pirondi, Glauco

Campello, Farès el-Dahdah, Marcio Kogan, Paulo Mendes da Rocha e Ruy Ohtake

Fotos de Abertura de Capítulo André Seiti

PAÇO IMPERIAL

Ministra de Estado da Cultura Marta Suplicy

Presidente do Iphan Jurema de Sousa Machado

Diretor do DAF Luiz Philippe Peres Torelly

Paço Imperial

Diretor Lauro Cavalcanti

Diretor Substituto Eliezer Nascimento

Coordenação Técnica Licia Olivieri

Setor de Exposições e Patrimônio Sandra Regina Mazzoli, Caroline Lodi e

Amaury dos Santos

Page 179: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

Equipe de Montagem André Luiz Mendonça da Silva, Edson de Macedo Dias,

Francisco Cruz de Souza, Joel Alves, José Carlos de Carvalho, Paulo Roberto Teixeira,

Ronaldo Adolfo da Silva, Severino José da Silva, Valde Alves dos Santos (Braz) e

Valdecir de Oliveira Silva

Setor Educativo Lucia Helena Alves

Coordenação Administrativo Rubem Vergeti Leite

Setor de Segurança e Serviços Gerais Amarildo Moura Oliveira

Associação dos Amigos do Paço Imperial

Presidente Ricardo Coelho Taboaço

Vice-presidente Armando Mariante Carvalho Junior

Diretora Presidente Maria do Carmo Nabuco de Almeida Braga

Diretor Vice-presidente Corintho de Arruda Falcão Neto

Diretor Tesoureiro Alarico Silveira Neto

Diretora Secretária Verônica Mefeiros Nickele

Diretores Jones Bergamin e Armando Strozenberg

Conselho Fiscal Jose Pio Borges, George Edward Machado Kornis e

Luis Patrício Miranda de Avillez

Gerência de Projetos Lucia de Oliveira

AGRADECIMENTOS

Angela Vasconcellos, Carlos Ricardo Niemeyer, Chico Buarque de Hollanda,

Elizabeth Pessoa, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São

Paulo, Fundação Armando Alvares Penteado, Fundação Oscar Niemeyer, Gávea

Filmes, Instituto Moreira Salles, João Moreira Salles, Miriam Lerner, Sandra Mazzoli,

Santa Clara Comunicação e Videofilmes

Page 180: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

CENTRO DE MEMÓRIA, DOCUMENTAÇÃO E REFERÊNCIA - ITAÚ CULTURAL

Oscar Niemeyer : clássicos e inéditos / organização e curadoria Lauro Cavalcanti ; expografia Pedro Mendes da Rocha; desenhos Oscar Niemeyer ; tradução John Norman ; colaboração Fundação Oscar Niemeyer e Paço Imperial ; texto Carlos Lemos ... et al. – São Paulo : Itaú Cultural ; Rio de Janeiro : Paço Imperial, 2014.186 p. : il.

ISBN 978-85-7979-061-4

1. Oscar Niemeyer. 2. Arquitetura. 3. Arquitetura moderna - Brasil 4. Exposição de arte – catálogo. I. Cavalcanti, Lauro, org. II. Fundação Oscar Niemeyer. III Paço Imperial. IV. Lemos, Carlos. V. Campello, Glauco. VI. El-Dahdah, Farès. VII. Puntoni, Alvaro. VIII. Bucci, Angelo. IX. Pirondi, Ciro. X. Kogan, Marcio. XI. Rocha, Paulo Mendes da. XII. Ohtake, Ruy. XIII. Norman, John. XIV. Título.

Page 181: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

Esta publicação utiliza as fontes Gotham e Gotham Narrow sobre os papéis Color Plus Grécia 180g/m² e Pólen Bold 90g/m². Duas mil unidades foram impressas pela gráfica Stilgraf, em São Paulo, em agosto de 2014.

capa: Primeiro projeto para a sede da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), elaborado por Oscar Niemeyer em 1979 | Fundação Oscar Niemeyer

Page 182: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]
Page 183: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]
Page 184: Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]