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VII Mostra/V Simpósio Internacional Os cinemas dos países lusófonos. 17 a 22 de setembro de 2013 LCV - Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Universidade Federal Fluminense Rio de Janeiro

Catalogo V2

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VII Mostra/V Simpósio Internacional Os cinemas dos países lusófonos.17 a 22 de setembro de 2013LCV - Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Universidade Federal FluminenseRio de Janeiro

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ReitorRicardo Vieiralves de Castro

Vice-ReitorPaulo Roberto Volpato Dias

Sub-Reitora de GraduaçãoLená Medeiros de Menezes

Sub-Reitora de Pós-Graduação e PesquisaMonica da Costa Pereira Lavalle Heilbron

Sub-Reitora de Extensão e CulturaRegina Lúcia Monteiro Henriques

Centro de Educação e HumanidadesGlauber Lemos

Instituto de ArtesDenise Espírito Santo

Programa de Pós-graduação em Artes - PPGARTES

Departamento de Linguagens ArtísticasRodrigo Guéron

ReitorRoberto de Souza Salles

Vice-Reitor Sidney Luiz de Matos Mello

Pró-Reitor de Graduação Antonio Claudio Lucas da Nóbrega

Pró-Reitor de ExtensãoWainer da Silveira e Silva

PPGCA – Pós-graduação em Estudos Contemporâneos das Artes

Luiz Sérgio de Oliveira

Departamento de Artes e Estudos CulturaisDaniel Pecego Vieira Caetano

LCV/UERJJorge Luiz Cruz

LCV/UFFLeandro Mendonça

Coordenação: Jorge Luiz Cruz e Leandro MendonçaCuradoria: Jorge Luiz Cruz, Leandro Mendonça e Paulo CunhaProdução: Nívea FasoAssistente de Produção: Patrícia Delvaux Programação Visual: Manuela Jaulino

Comitê científicoAntónio Pedro Pita (Universidade de Coimbra)Jorge Cruz (UERJ)Jorge Vasconcellos (UFF)Leandro Mendonça (UFF)Rodrigo Guéron (UERJ)

Apoio técnicoJéssica Girard – Bolsista de Extensão/UERJLorena Granato – Bolsista de Extensão/UERJQuezia da Silva – Bolsista de Desenvolvimento acadêmico/UFFGiovana Adoración – Bolsista de IC/CNPqLais Lara – 0Bolsista PIBIC/CNPq/UFFRaquel Lázaro – Bolsista de IC/UERJJorge Fernando Galdino - Técnico TIJuliana Torres – Monitora/UFFPatrícia - Assistente de produçãoAline - Apoio à produção

Edições LCV/SR-3/UERJRodrigo Guerón

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Conselho EditorialAntónio Pedro Pita (UC)Jorge Luiz Cruz (UERJ)Leandro José Luz Riodades de Mendonça (UFF)Rodrigo Guerón (UERJ)

Conselho ad hocJorge Luiz CruzJorge Luiz Rocha de VasconcellosLeandro José Luz Riodades de MendonçaLeonel Azevedo de AguiarMichelle Cunha SalesMirian Tavares (UAlg)Rodrigo Guerón

CréditosEditoração – Jorge Cruz e Rodrigo GuerónPesquisa – Lorena GranatoProjeto gráfico – Leandro DittzRevisão – Diagramação – Leandro DittzCapa: Manuela Jaulino

Copyright © Jorge Luiz Cruz e Leandro Mendonça

Universidade do Estado do Rio de JaneiroSub-Reitoria de Extensão e Cultura – SR3Instituto de ArtesPrograma de Extensão LCVCampus Francisco Negrão de LimaPavilhão João Lyra FilhoR. São Francisco Xavier, 524, 11º andar, bloco EMaracanã – Rio de Janeiro – RJ – CEP 20.550-900

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Uma ideia de evolução da lusofonia para o cinema lusófono

Jorge Cruz e Leandro Mendonça

O livro que ora colocamos em circulação para a VII Mostra “Os cinemas dos países lusófonos” e o V do Simpósio Internacional contém, em si mesmo, dois grandes percursos. O primeiro está nele inscrito pelo número de filmes, de convidados e foi uma trajetória de trabalho e preparação cheia de dificuldades e surpresas. O segundo é representado por oito anos de atividades em torno do estudo dos cinema português e dos cinema falados em português. Esse expõe uma luta, ainda nos seus primeiros movimentos, com o objetivo maior, que é consolidar os estudos destes outros cinemas nos espaços onde se fala o português.

Claro que pretendemos aprofundar esses estudos mais no Brasil do que em Portugal, lá já ocorrem diversos trabalhos e interesses voltados para as cinematografias destes países, inclusive porque Portugal financia algumas das produções e muitos portugueses nasceram nestas ex-colônias. Os laços do período colonial são profundos seja pela influência cultural entre as os dois lados, seja pelo pouco tempo que passou desde o processo de descolonização. O Brasil, esteve, historicamente, de costas para sua herança africana e portuguesa, muitas vezes encarando qualquer das duas como causas do atraso institucional ou razão de hábitos arcaicos. Felizmente, o atual ciclo que atravessamos tem outras características e uma delas é a clara necessidade de criarmos laços de entendimento entre as diversas identidades que compõem o espaço dos países de língua oficial portuguesa.

Um objetivo central nessa busca é de, através dela, podermos aprofundar a percepção de nós mesmos e da diversidade da identidade cultural brasileira. Um segundo aspecto é geopolítico e relaciona-se com a posição que o Brasil busca no mundo atual. A língua ai é mais que um espaço privilegiado onde os custos de transação são menores. Ela é, em si mesma, um facilidade de comunicação cultural por ser índice histórico da trocas atlânticas

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do império português. A questão real é a de não ser o espaço lusófono um é espelho de usos ideológicos, feitos pelo regime salazarista, na tentativa de explicar as relações de dominação colonial. Ele é um feixe de culturais que se relacionam dentro e fora dos espaços nacionais e dessa maneira criam uma especificidade real mas também a viabilidade da troca de conteúdo, saberes, comportamentos numa multiplicidade de relações ainda por ser estudada.

Assim o percurso de nossa Mostra e de nosso Simpósio demarca um campo de interesse que, desde 2006, é divulgar os filmes dos países de língua portuguesa. Estes filmes sim reflexo de um espaço cultural e linguístico que mesmo na África se ressente de falta de circulação pois, quase nunca passam mesmo nas diversas mostras de África que ocorrem, principalmente, na Europa, mas também no Brasil, onde a maioria dos filmes africanos são de países francófonos e/ou dos anglófonos. A crônica falta de trabalhos de pesquisa e a disparidade de propagação que, o conjunto de culturas demarcado pelo uso da língua portuguesa, enfrenta só poderá ser modificado com ações efetivas. Pretendemos, desde o início, que a Mostra fosse uma delas.

Para dar substância a esta tentativa temos as várias partes de que este livro é composto que são uma programação dos mais de 50 filmes participantes, um curso de extensão sobre “A Curta-Metragem no Cinema Português”, ministrado pelo Prof. Paulo Cunha, os onze professores que participarão do V Simpósio Os Cinemas dos Países Lusófonos, com as professoras Carolin Overhoff (UNESP), Maria do Carmo Piçarra (UNL/Portugal), Michelle Sales (UFRJ) e Silvia Vieira (UAlg/Portugal) e os professores Guido Convents (SIGNIS/Associação Católica Mundial para a Comunicação), José Filipe Costa, Marcelo Bitencourt (UFF), Rafael de Souza(UERJ) e Rodrigo Guéron (UERJ).

Alguns lançamentos acontecerão; o do livro “Guia Essencial do Cinema Português”, organizado por Paulo Cunha e Michelle Sales, o lançamento do filme “Linha Vermelha” do diretor José Filipe Costa (Portugal), do filme “A minha banda e eu” de Kiluanje Liberdade e Inês Gonçalves (Angola), do filme “Um filme de dança”

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APRESENTAÇÃO | 7

de Carmen Luz (Brasil) e do filme “Caminhos da paz de Sol de Carvalho (Moçambique). Sol de Carvalho e Carmem Luz são também cineastas homenageados.

Textos sobre algumas da cinematografias lusófonas também fazem parte do presente livro. São eles “O império contra-ataca: produção secreta de filmes coloniais para projeção mundial” de Maria do Carmo Piçarra, “Guiné Bissau: as imagens coloniais” de Paulo Cunha, “Imagens out of joint” de Raquel Schefer, “O arquivo antropológico colonial filmado em Timor-Leste” também de Maria do Carmo Piçarra, “Imagens do Timor-Leste” de Anderson Silva Vieira, “Cinema em Moçambique, primeiros anos” de Silvia Vieira, “Os «verdes anos» da curta-metragem portuguesa” de Daniel Ribas e “O curta-metragem” de Jorge Cruz.

Não temos a ilusão de, em um movimento, dar conta da diversidade do campo simbólico a que nos remete o termo lusofonia. Entretanto, temos certeza de que o conjunto do trabalho realizado, com a Universidade de Coimbra, em 7 Mostras e 5 Simpósios significam um passo significativo para a tarefa que nos propusemos coletivamente. O crescimento do interesse pelos filmes testemunha isso e temos, durante todo este tempo, buscado a continuidade das exibições, acompanhadas de um debate crítico e acadêmico, onde investigadores de diferentes países apresentam os resultados das suas pesquisas ao grande público. O objetivo é, por interesse legítimo, suprir a indisponibilidade desses conteúdos nas salas comerciais em geral.

Por fim, importa perguntar se após oito anos da primeira Mostra conseguimos consolidar um campo de estudo ou de circulação dos filmes? Infelizmente parece que ainda não! Mas, de qualquer forma, já somos um grupo maior e mais sólido que apresenta os filmes, os estuda e os discute em diversos fóruns, inclusive neste que ora nos apresentamos. Entendemos que o instrumento ora apresentado, o livro/catálogo, como este que tem nas mãos, caro leitor, é um poderoso aliado para alcançarmos estes objetivos.

Leandro Mendonça & Jorge Cruz

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Programação

LABORATÓRIO DE ARTES, PERFORMANCE E AUDIOVISUAL: CINEMA E VÍDEO – LCV – UERJ/UFF

OS CINEMAS DOS PAÍSES LUSÓFONOS – 2013 -

V SIMPÓSIO OS CINEMAS DOS PAÍSES LUSÓFONOS

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PROGRAMAÇÃO | 11

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Ensaios

O império contra-ataca: produção secreta de filmes coloniais para projeção mundial – Maria do Carmo Piçarra

Guiné Bissau: as imagens coloniais – Paulo Cunha

Imagens out of joint – Raquel Schefer

O arquivo antropológico colonial filmado em Timor-Leste – Maria do Carmo Piçarra

Imagens do Timor-Leste – Anderson Silva Vieira

Cinema em Moçambique, primeiros anos – Silvia Vieira

Os «verdes anos» da curta-metragem portuguesa - Daniel Ribas

O curta metragem ou a luta por um cinema menor – Jorge Cruz

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ENSAIOS | 15

O império contra-ataca: produção secreta de filmes coloniais para

projecção mundialMaria do Carmo Piçarra1

Quando se iniciou a contestação internacional à posse de colónias por Portugal, como é que o Estado Novo português usou o cinema na projecção da retórica luso-tropical? Filmes realizados por Pascal-Angot e Jean Leduc foram exibidos internacionalmente no circuito comercial, em festivais, televisões e nas principais organizações não governamentais. O financiamento desta produção - em que o Brasil era apontado como o modelo social e cultural a recriar nas colónias portuguesas - e que propagandeava o desenvolvimento económico promovido, foi mantido confidencial. “Do Minho a Timor somos todos portugueses” era a “evidência” que este cinema encomendado queria impôr.

1. Projecção nacional e “cinema império”A nação partilha com o cinema a necessidade de projecção

de modo a poder existir. Em La projection nacionale. Cinèma et nation, Jean-Michel Frodon constata como, desde o último terço do século XIX e durante o século XX, a chamada sociedade das nações se tornou a forma dominante de organização social. Paralelamente constata que o cinema se impôs como novo modo de criação artística, produtor de mitologias e do prazer de massas. As afirmações de Frodon sublinham a solidariedade entre a história das nações2 e a do cinema e a sua hegemonia durante todo o século XX. O autor sustenta que há uma comunhão na natureza de ambos: existem e não podem existir sem ser por via da projecção.

Quando Frodon se refere à projecção da nação pelo cinema refere-se às cinematografias nacionais como modo de projecção

1 Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL)2 Na análise do conceito, Frodon parte daquela estabelecida por Benedict Anderson segundo a qual nação é “uma comunidade política imaginária imaginada como intrinsecamente limitada e soberana”(Frodon, 1998, p. 19).

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cultural de um país e não apenas ao cinema de propaganda. Restringir-me-ei à abordagem do cinema de propaganda.

No plano político, o Estado Novo português coroa a transição para o autoritarismo iniciada com a revolução militar de 28 de Maio de 1926 e é o epílogo de um processo de combate e repressão às organizações políticas e sindicais da Primeira República. Além da Constituição de 1933, foi criada, em Julho de 1930, a União Nacional, o partido único permitido pelo regime. O desenvolvimento de uma ideologia nacionalista legitimadora do novo regime impôs-se e tornou-se necessária a sua divulgação. Esse nacionalismo baseou-se na premissa que a lealdade do indivíduo e a sua devoção ao Estado deve sobrepor-se ao interesse individual ou de um grupo e encontrou na figura de Salazar a corporização dos valores propagandeados.

Nas entrevistas concedidas em 1932 ao jornalista, e futuro director da propaganda nacional, António Ferro, publicadas no Diário de Notícias, Salazar comentou a encenação que Hitler e Mussolini “punham nos seus actos” para ir “entretendo a natureza impaciente do povo” admitindo “Teremos de ir por aí, para uma propaganda intensa, conscientemente organizada, mas é lamentável que a verdade precise de tanto barulho para se impor, de tantas campainhas, bombos e tambores, dos mesmos processos, exactamente, com que se divulga a mentira”.

Não tardou, a criação do Secretariado da Propaganda Nacional (SPN). O SPN surgiu a 25 de Setembro de 1933 e quando, a 26 de Outubro, Salazar deu posse a Ferro3 como director, este já divulgara, numa entrevista publicada a 11 pelo Diário de Lisboa, as coordenadas da acção do organismo, remetendo para o nome do secretariado: “propaganda nacional. Valorizar, dinamizar, multiplicar, se possível for, todas as actividades nacionais é um dos nossos principais objectivos [...]”.

Foi isso que sucedeu através de uma série de iniciativas que

3 O percurso de António Ferro (1895-1956) cruza-se com a necessidade do regime da definição e propaga-ção de uma ideologia que o legitime. 1932 é o ano determinante para Ferro impôr-se como potencial homem da propaganda: durante todo o ano publica artigos em que defende a criação de uma “política do Espírito” e se afirma defensor do uso da propaganda para publicitar a nova ordem política. No final do ano – entre 18 e 24 de dezembro – o Diário de Notícia publica cinco entrevistas suas a Salazar as quais, em fevereiro de 1933, foram reunidas em Salazar, o homem e a sua obra. Como jornalista, entrevistou Gabriel d’Annunzio, Clemenceau, Jean Cocteau, Hitler, Mussolini, Primo de Rivera, Unamuno e Ortega Y Gasset.

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visaram a afirmação e projecção do “portuguesismo” nacional e internacionalmente enquanto Ferro se manteve à frente do SPN/SNI4 até 1949. Enquanto dirigiu a propaganda, a “política do Espírito” conformou uma cultura de regime através dos apoios a artistas.

Política do Espírito é como se intitula o artigo, publicado pelo Diário de Notícias em 21 de Novembro de 1932, em que, pela primeira vez, Ferro enuncia ideias relativas a uma via comum para abordar política e arte. Sustenta que o “desenvolvimento premeditado” da arte é tão necessário ao progresso de uma nação quanto o das suas ciências, obras públicas, economia. “As nações podem viver, interiormente, sem dúvida, dessas necessárias actividades, mas vivem exteriormente, acima de tudo, da projecção da sua alma, da personalidade dos seus escritores e dos seus artistas”, escreve. Ideologia e moral teriam, no entanto, de ser assumidas como pilares da criação artística a promover através da política de apoio à arte que, no entanto, até 1932, não fora promovida pelo regime.

O Estado Novo conformou, pois, ideologicamente os apoios ao cinema através da política cultural designada como “política do Espírito”, com base na qual o filme a promover deveria: “ser representativo do espírito português, quer traduza a psicologia, os costumes, as tradições, a história, a alma colectiva do povo, quer se inspire nos grandes temas da vida e cultura universais” (Lei nº 2027, de 18 de Fevereiro de 1948). Este objectivo balizou limites para a criação cinematográfica, constrangendo os autores a abordar temas que pudessem beneficiar dos apoios do Fundo do Cinema Nacional, criado em 1948. Após o seu afastamento do SPN não apareceu ninguém capaz de formular uma política cultural tão marcante quanto aquela que Ferro concebeu e mesmo o seu sucessor mais dinâmico, César Moreira Baptista, manteve a “política do espírito” como referência.

Até ao início da guerra colonial o cinema de português – sobretudo o ficcional – interessou-se pouco pelas colónias. As excepções – documentais, quase exclusivamente - ocorreram quase sempre com motivações políticas fortes subjacentes, devido ao desconhecimento profundo existente em Portugal sobre as

4 O SPN foi transfigurado em Secretariado Nacional da Informação e Turismo (SNI) em 1944.

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colónias e seus habitantes. Iniciada a Guerra Colonial em 1961, o regime quis mudar isso – fomentando a ida de colonos para os territórios -, à semelhança, aliás, da ditadura militar, logo após o golpe de 1926, a qual foi bastante rápida, não obstante a crise financeira, a instrumentalizar o cinema.

Para uma pequena genealogia da imagem filmada colonial portuguesa atenda-se a que, no final dos anos 20, a ditadura militar propõs-se participar nas grandes exposições coloniais europeias da época. Estava em causa não apenas o reconhecimento internacional do golpe mas também do estatuto de Portugal como potência colonial. A faceta colonial não fora exibida nunca através do cinema o que sucedeu então, na Exposição Ibero-americana de Sevilha (1929), na Exposição Internacional e Colonial de Antuérpia (1930) e na Exposição Internacional de Paris (1931). Em vésperas da II Guerra Mundial, foi organizada nova missão de propaganda colonial, a Missão Cinegráfica às colónias de África, em que participou António Lopes Ribeiro. Durante esta missão filmaram-se os exteriores da longa-metragem de propaganda colonial Feitiço do império e vários documentários que foram estreando no início da década de quarenta. Finalmente, no pós-guerra e com o Plano Marshall em curso, a Agência Geral das Colónias promoveu a realização de vários filmes de propaganda económica assegurados por Felipe de Solms e Ricardo Malheiros. Também Miguel Spiguel veio a filmar, para o Estado português, uma série de documentários de propaganda económica e turística. Nada, porém, que se comparasse ao que veio a suceder com a aprovação do Plano Ultramar. Salazar, conhecido gerir as finanças com contenção, não regateou recursos quando recebeu uma proposta de propaganda por um realizador de documentários internacionalmente reconhecido. A condição fundamental para o apoio não, porém, foi o prestígio do realizador em causa mas o facto de ser estrangeiro e o plano de difusão internacional das obras. A propaganda queria (in)vestir-se de credibilidade - aparente pelo menos - e visava a projecção do colonialismo, de sabor luso-tropical, em todas as instâncias com relevo político internacionalmente e ainda outras capazes de ajudar a operar uma mudança da opinião pública mundial.

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Apesar da profusão de cópias de filmes da autoria de Jean Noel Pascal-Angot, de co-produção luso-belga, com narrações em várias línguas, depositada na Cinemateca Portuguesa, nunca tinha sido pesquisada – ou encontrada - a informação relativa aos mesmos. Foi no âmbito de uma pesquisa sobre o cinema de propaganda feito em Angola antes da independência que identifiquei o primeiro depósito de informação no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT). Posteriormente, encontrei informação, que permanecia classificada como confidencial, no Arquivo Histórico Diplomático português (AHD).

2. O milagre colonial português mostrado ao mundoNo final de 1963 é feita à Presidência do Conselho uma proposta

pela Internacional Audio-Vision (IAV) para fazer a propaganda internacional de Portugal através de documentários. O assunto foi mantido confidencial para assegurar o êxito da missão propagandista encetada pela produtora belga de que era representante o realizador Pascal-Angot.

Na proposta inicial, a IAV anuncia que dedicará 1964 a Portugal e aos seus “territórios ultramarinos” de modo a facultar “um grande filme de prestígio nacional”; documentários de “prestígio e técnicos” quer para a propaganda directa, através dos serviços de informação, quer para as relações públicas e documentação geral dos Ministérios públicos e documentários económicos. Complementarmente, propõe-se promover

“uma acção de propaganda a longo prazo no exterior [...] e sublinha que “[...]

a difusão, por ser efectuada por uma organização não portuguesa, beneficiaria

de possibilidades maiores, de mais amplo crédito, cujos resultados seriam

incomparavelmente mais positivos para Portugal”.

Após lamentar que, à data, Portugal seja dos poucos países a não dispôr do mínimo de filmes ao gosto do público e que satisfaça as necessidades de propaganda exterior, explica que tal motiva o “mau conhecimento” e falta de compreensão sobre a realidade portuguesa no exterior. Atesta que, se organismos como

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o SNI e os Centros de Informação e Turismo cumprem a função propagandista no que ao público interno concerne, “a sua eficácia no exterior parece duvidosa para não dizer nula”. Como exemplo negativo, comenta-se o que sucedeu com a Viagem presidencial a Angola – 1963, realizado por Perdigão Queiroga. “[...] as cadeias de televisão ignoraram sistematicamente os milhares de metros de filme que a informação oficial lhes enviou regularmente; as agências de informação não transmitiram aos jornais qualquer comentário sobre essa viagem”.

Os argumentos vingaram mas a negociação dos termos da relação entre o Estado português e a produtora durou um ano. Nesse tempo apurou-se, junto dos vários ministérios, que filmes teria o Estado português interesse em produzir, custos e modo de financiamento além de questões técnicas. O processo, intermediado por César Moreira Baptista, resultou numa grande comparticipação do Ministério do Ultramar (MU) nesta acção de propaganda documental: assegurou mais de metade do valor da proposta final aprovada – com o custo de 615 mil dólares – para a produção de filmes para todos os Ministérios5.

O Plano Ultramar, cuja carta-contrato foi assinada entre o SNI e a IAV em 28 de Dezembro de 1964, previu a produção de nove filmes – em 35 mm, a cores e com metragem previamente definida –, cinco dos quais sobre Angola e quatro sobre Moçambique. Custaram 9 mil contos – cerca de 45 mil euros – , tendo 5500 [2250 euros], pagos “pelos Governos-Gerais das duas províncias e pela Associação Portuguesa das Empresas do Ultramar”, sido imediatamente depositados pelo MU no FCN6. No total, desse primeiro plano, fizeram-se sete filmes, quatro sobre Angola e três sobre Moçambique dado que o MU aprovou a supressão de dois filmes curtos para aumentar a metragem de outros documentários

5 Posteriormente, em 1968, estreou uma série de curtas-metragens essencialmente sobre a economia da me-trópole embora também abordando novos temas sobre a economia de Angola e outras colónias. Tal deverá corresponder à diferença entre os 320 mil dólares gastos com nove filmes do Plano ou Série Ultramar e os 615 mil dólares do conjunto do pacote de que faz parte um Plano Metrópole – há, no ANTT, contratos de filmes sobre obras públicas, comunicações, etc. – proposto pela IAV. Ver ANTT, SNI/IGAC Caixa 671, processo 4.6 A correspondência trocada atesta que Moreira Batista foi informado dos motivos legais pelos quais o MU não podia celebrar o contrato com a International Audio-Vision através dos dois organismos que eventual-mente o poderiam fazer: AGU ou Delegação Comercial do Ultramar.

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– e com isso, potenciá-los – que abordaram conjuntamente as duas maiores “províncias ultramarinas”7. Em vez de dois filmes distintos, com 17 minutos cada, sobre a acção médico-social em Angola e Moçambique reuniu-se o material num único documentário de 32 minutos.

A título de exemplo ilustrativo, Angola-Moçambique (acção médico-social), abre com um organigrama da organização da saúde procurando mostrar a modernidade das infraestruturas e a multirracialidade com imagens de negros e brancos investigando e fazendo análises laboratoriais nos institutos de investigação. Filma-se a vacinação em tabancas antes de prosseguir-se reportando o combate à malária (em Moçambique) – dando enfoque ao apoio da Organização Mundial de Saúde – à lepra, à tuberculose. Moçambique turístico, Moçambique – o ensino, Moçambique – economia, Angola – o café, Angola – o ensino, Angola – economia foram os restantes filmes produzidos sendo que este último, que deveria ter 30 minutos, originalmente “cresceu” 515 metros por via da supressão do documentário artístico Angola [a diferença entre a metragem prevista para este – 821 metros – foi compensada em Moçambique – economia].

Como a titulação dos filmes sugere – buscando, ou pelo menos procurando exibir, uma objectividade desapaixonada – estes são organizados como reportagens. Revelam qualidade na execução técnica e uma linguagem moderna inexistente na propaganda colonial estrictamente política filmada por portugueses. Mostrar o progresso, o desenvolvimento e a modernidade, além da multirracialidade existente, são os eixos à volta dos quais se organiza a realização dos documentários que, através dos seus supostos repórteres, fazem eco do luso-tropicalismo apregoado.

Como contrapartida pela encomenda das séries designadas como Série Metrópole e Série Ultramar – e em função do valor total da mesma – Pascal-Angot realizou, gratuitamente, Portugal de hoje, o qual terá estreado em 25 de Maio de 1967. Na proposta original, propunha-se mostrar: “o país com todos os denominadores comuns, da metrópole ao Ultramar, passando por Macau e Timor, incluíndo

7 Posteriormente Pascal-Angot filmou outros documentários relativos a colónias portuguesas mas ainda não localizei a informação relativa à produção dos mesmos ou mesmo que títulos foram realizados.

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as ilhas e África. Do grande quadro deve ressaltar, em grande plano, a unidade portuguesa na sua diversidade de tradições e raças”.

Que recomendações trazia Pascal-Angot para o governo português lhe entregar uma pacote de realização de filmes de orçamento tão elevado8? Note-se que filmes de ficção do Novo Cinema português que então surgia – como Os verdes anos (1963) ou Belarmino (1964) – custaram, à data, entre 800 e 900 contos [entre 4 mil e 4500 euros], o preço cobrado por um documentário de 17 minutos entregue em três cópias.

Num parecer não datado escreve-se que é de acreditar na idoneidade moral e técnica do produtor e realizador proponentes – de Pascal-Angot conhecem-se os documentários que o reputam “um técnico de cinema de muito bom nível”. Ao reconhecimento sobre a importância do documentário como meio de informação acresce uma avaliação da qualidade dos filmes portugueses desse género disponíveis:

A nossa cinemateca – e supomos que as de outros departamentos do Estado e empresas não são só pobres, como de baixo nível técnico [a lápis está escrito “isto não é verdade” e algo mais ilegível]. Não nos tem sido possível encontrar entre nós realizadores que assegurem o ritmo, a linguagem cinematográfica, e a objectividade inteligente nos documentários que lhes têm sido encomendados, nomeadamente quando visam fins de esclarecimento político. Em seu favor não deixará, no entanto, de se referir que também não lhes têm dado muitas oportunidades [...].

Afirma-se que, “mesmo que fossem satisfatórias as provas dadas, ficaria sempre a restrição das dificuldades de assegurarem uma ampla difusão, o que só se obtém com ligações estreitas com as grandes empresas internacionais de distribuição”. Conclui-se considerando que a proposta da IAV “parece oferecer bases

8 Na proposta apresentada, o seu currículo descrevia-o assim: vencedor da Taça de Ouro 1962 do Festi-val Internacional do Filme Documentário de Roma; realizador de mais de 40 documentários de prestígio; acreditado nos principais organismos internacionais: ONU, OCDE, OMS, FAO; realizador das sequências sobre Angola que foram apresentadas na Televisão Francesa em Cinque colones à la une, e na belga, suíça e canadense em Neuf millions.

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suficientes à realização de uma boa campanha de esclarecimento da opinião pública internacional” quer tecnicamente quer através da relação com a 20th Century Fox e Fox Movietone.

Para a viabilização do plano parece ter sido determinante a prestação de serviços ao Institut Belge d’information et de documentation, comprovada por carta de 13 de Novembro e assinada pelo director geral J.J.L. Van Overloop. Atesta que Pascal-Angot filmou, entre 1960 e 1962, por conta do governo tutelar belga no Ruanda-Urundi, vários documentários9 e que o cineasta fez uma longa-metragem documental sobre o Ruanda-Urundi que apresentava um balanço largamente positivo da acção belga nesta região de África. Finalmente, afirmava que Pascal-Angot soubera impôr-se perante o público internacional obtendo, em 1962, no Festival Internacional do Filme Documental, de Roma, uma Taça de Ouro.

A condição fundamental que viabilizou o Plano Ultramar respeitou, porém, ao plano de distribuição dos filmes. A IAV comprometeu-se a apresentar os filmes aos organismos internacionais especializados. À Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e à Europeian Free Trade Association (EFTA) apresentar-se-iam os documentários sobre a economia e/ ou filme de prestígio. À Food Agriculture Organisation (FAO) mostrar-se-ia Angola – o café, Angola – economia e Moçambique - Economia; à United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO), Angola – o ensino e Moçambique – o ensino, e ao United Nations Children’s Fund (UNICEF) e à Organização Mundial de Saúde (OMS), Angola – Moçambique (acção médico-social)10. A IAV firmou um acordo com a XXTh Century Fox para a distribuição internacional de alguns filmes ficando garantido o carácter apolítico dos comentários dos filmes.

Documentação existente no AHD comprova que a difusão foi bem sucedida no que respeita à exibição dos filmes aos organismos internacionais visados. No que respeita à NATO, por exemplo, relata-se:

9 L’agriculture, Le Café, Le coton, La pêche, L’action médico-sociale, L’enséignment secondaire, L’enséign-ment professionnel, Le lac Tanganika, Le tourisme, Les élections, Le verminose, Le kwaskiorkor.10 Além dos filmes sobre Moçambique, naturalmente.

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[...] A pedido da delegação portuguesa à NATO, em Paris, e do Gabinete dos Assuntos

Políticos do Ministério do Ultramar, organizámos uma apresentação oficiosa dos filmes

Ultramar para o Diretcor da Informação da NATO, encarregue de apreciar o carácter

apolítico [sublinhado do autor] dos nossos documentários para dar “luz verde” a uma

projecção oficial destes filmes a acontecer em Março, durante a Assembleia

da NATO em Lisboa. A conclusão desta Alta Autoridade foi inteiramente favorável e a

apresentação dos filmes, perante a Assembleia da NATO, decorreu efectivamente em

Lisboa, a 22 de Março de 1966.

A orientação sobre os temas dos filmes do Plano Ultramar ficou a cargo do MU e as cópias-zero foram apresentadas para apreciação por grupos de trabalho com representantes de vários ministérios. No que se refere aos dois relatórios que pude consultar, relativos a Angola – o ensino e Angola – Moçambique (acção médico-social), sobre o primeiro diz que é “Tecnicamente bem realizado e inteligentemente concebido”. Nesse documento, de 3 de Julho de 1965, o inspector Júlio Monteiro, representante da Direcção Geral de Ensino, considera que o documentário apresenta “uma série elucidativa de apontamentos válidos, cheios de expontaneidade, revela uma inestimável alegria de viver das gentes, um optimismo saudável e contagioso que não tem preço – mas não é o que ele gostaria de ver realizado sobre a educação em Angola”. Aponta duas falhas afirmando que podem ser supridas: a escola do magistério público de Bela Vista, que prepara “professoras” [aspas do relatório] nativas, equivalente à escola do Cuima, merecia ter sido focada ao lado desta “tanto mais que ela demonstra também a preocupação que está merecendo a preparação da mulher nativa” e “a representação visual, através de duas ou três pequenas sequências do lema que está norteando a política do ensino primário em Angola: levar a escola à sanzala”. Diz, porém, que como espectador o filme lhe agrada “pelo equilíbrio, pela beleza e pelo colorido das imagens, que são magníficas”.

Quanto ao segundo relatório, assinado a 15, o representante da tutela, Martins Barbosa, considerou que se deu demasiado relevo à acção da OMS mas os restantes membros do grupo de trabalho consideraram isso positivo dado que a exibição do filme visava o

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estrangeiro. Documentação comprova que a IAV cumpriu, genericamente,

com a distribuição internacional dos filmes enquanto que, em Portugal, os mesmos foram programados em várias sessões realizadas por várias entidades além de terem sido mostrados em Angola e Moçambique. Sequências dos filmes foram utilizadas pelas Actualités françaises, o filme sobre Angola e Moçambique terá sido mostrado no festival de cinema de S. Francisco seguindo depois para Veneza, para o Festival del Popoli além de O café ter passado no Festival do Filme Cultural de Tóquio e obtido uma Medalha de Ouro em Veneza. Certo é que o governo português ficou satisfeito com o cumprimento do Plano Ultramar ou não teria encomendado a Pascal-Angot os vários outros documentários sobre a economia da metrópole e das colónias que foram sendo estreados em 1968.

Também não teria reincidido, como o fez, com a série Africarama nº 1 e 2 - Angola, de 1971. No que se refere a este segundo a simulação de objectividade de um trabalho jornalístico é álibi para a propaganda à política colonial portuguesa e responde a reportagens internacionais autênticas, críticas da mesma. Em jeito de preâmbulo, afirma-se que a política colonial portuguesa tem sido um assunto controverso mas que repórteres brasileiros, alemães e franceses apresentam novos dados sobre o tema que as pessoas tendem a esquecer no calor da discussão.

O documentário começa dando enfoque ao desenvolvimento económico, referindo que é quatro vezes superior ao britânico e o maior em África. A questão racial é comentada afirmando-se que há uma política não racista embora as diferenças de nível de vida ainda sejam lamentáveis. Porém, acrescenta-se, na última década, a diferença diminuiu - a imagem que o ilustra é a de brancos e pretos a entrar, sem distinção, para autocarros. Sustenta-se mesmo que, se o cenário multirracial não é tão idílico como a propaganda mostra – e procura demarcar-se da propaganda como se não o fosse –, o facto é que existe e recebeu o apoio da classe baixa e média, maioritárias. O Brasil – a maior comunidade multirracial do mundo, diz-se – surge, depois, como o grande argumento a favor de Portugal. Documentação existente no AHD comprova que a

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abordagem das relações entre Portugal e o Brasil foi visada como central neste projecto embora acautelando susceptibilidades:

No filme a realizar não se deveria apenas focar o paralelismo existente entre o Brasil e a África Portuguesa sendo necessário pôr igualmente em evidência os numerosos pontos de contacto do Brasil com a Metrópole e isto no intuito de não susceptibilizar o público brasileiro.

Africarama nº 2 afirma que a população se manteve, em geral, indiferente à propaganda dos movimentos subversivos vindos de fora e que o governo prometeu uma melhor distribuição das responsabilidades administrativas quando as universidades produzirem pessoas qualificadas suficientes.

Sobre o crescimento industrial, assume-se que políticas de trabalho e sindicalismo são ainda, talvez, paternalistas mas que, em contrapartida, são os mais desenvolvidos de África.

Sem o fado mas com Fátima e futebol. Assim são organizados os eixos relativos aos tempos livres e à espiritualidade da população em Angola. Afirma-se que a guerrilha se mantém fora das fronteiras e que a comunidade dedica-se aos prazeres iguais aos de outros países – como o futebol. Sublinha-se um suposto “fenómeno português”: o do sucesso de cinco séculos de presença portuguesa, uma retórica decalcada do luso-tropicalismo freyriano.

A questão económica é retomada depois, com a agricultura como actividade dominante mas também a nova exploração de petróleo em Cabinda. As vias de transporte e as barragens são comentadas ainda antes da evocação das universidades criadas desde há uma década. “Portugal está convencido que a educação é o único modo de obter a integração racial”, afirma-se. Explica-se ainda que para votar é preciso ter a quarta-classe logo antes de reconhecer-se que só há um partido e sugerir que “a liberalização política é sempre possível”.

Também o francês Jean Leduc (1922-96), realizador de Capitão Singrid (1967) rodado em Angola e estreado em Portugal em 1970,

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no início dessa década filma vários documentários de propaganda com enfoque turístico que dão eco ao discurso colonial do regime. Data de 1967, porém, o primeiro documentário “angolano” – cuja realização divide com Felipe de Somls – que, provavelmente, foi rodado enquanto realizava o filme de ficção. Aspectos da nossa Angola usa música dos Ouro Negro e adopta o registo em modo reportagem. Inclui filmagens aéreas de Luanda antes de descer ao Mussulo e mostrar que nas suas praias de sonho há raparigas em biquini. Faz o trajecto da costa para fixar os testemunhos da presença portuguesa antes de rumar a norte onde, “apesar da eclosão do terrorismo”, o café continua a alimentar a economia. Após a “passagem” por Benguela e pelo planalto, faz um apontamento sobre os penteados das mulheres da região. O deserto de Moçâmedes e o Namibe são mostrados ainda antes da exibição da arquitcetura moderna, do elogio às actividades económicas e a reportagem do Lobito, com direito à alusão ao caminho de ferro. Passado e futuro, tradição e modernidade do colonialismo português, são as notas dominantes. Há, porém, uma marca específica de Leduc: é a da exploração erotizada da figura femimina na promoção de Angola.

Já no início da década de 70, L’Angola a tire de l’aie (Angola a olho de pássaro), filma o território a partir do ar, mostrando os locais mais emblemáticos, turísticos ou em termos de progresso económico, reproduzindo a perspectiva histórica portuguesa, que vai enunciando como comentário às imagens. A curta-metragem Angola Flash é uma co-produção luso-francesa que mostra Angola tendo uma modelo internacional como cicerone. A auxiliá-la está Melita, mestiça local muito atraente e moderna. São ambas filmadas nos cenários onde, supostamente, Denise Destree é protagonista de uma campanha de moda fotografada por Walter Anger. África selvagem, dos animais, a Angola tribal mas também a Luanda moderna, da multirracialidade, servem de cenário exótico para a produção. Denise vai registando mentalmente as suas impressões – partilhadas em voz off – até a um momento de crise interior, quando está na praia, e se sente enclausurada devido à circunstância de ter de trabalhar quando devia antes estar de férias. O seu desejo de liberdade, simbolizado por uma corrida na praia, em fato de banho

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– corrida em que é seguida por Melita – é um dos momentos chave do filme devido à erotização das figuras femininas e aproximação à série dos James Bond. Depois de ir a uma tourada e de visitar as quedas do Duque de Bragança, Denise parte e promete voltar mas não como “cover girl”. A música dos Ouro Negro e de Dino Castro serve o exotismo da abordagem. Rythme de Luanda, feito pela mesma equipa e com música dos Ouro Negro e dos Negoleiros do Ritmo, é mais um filme sobre a multirracialidade e a modernidade tropical de Luanda. Mostra imagens de pescadores, brancos e negros, trabalhando lado a lado; máscaras africanas mas também de azulejaria portuguesa; há uma tourada e uma corrida de automóveis; pesca desportiva e um caçador transportado de avioneta. É a capital luso-tropical que se oferece ao mundo moderno ocidental como destino turístico exótico e moderno.

O grande filme de propaganda assinado por Leduc, que retoma o registo da reportagem é, no entanto, a média-metragem Le Portugal d’Outre Mer dans le monde d’aujord’hui. É o próprio Leduc quem surge, a fazer entrevistas, em Macau, Timor, Cabo Verde, S. Tomé e Bissau antes da passagem por Angola e o remate do documentário em Moçambique.

A retórica luso-tropical ecoa em todo o filme e, a legitimá-la, surge o presidente do conselho de então, Marcelo Caetano, em entrevista. Afirma: “Não temos espírito de superioridade racial nem o sentido de dominação nem percepção de exploração dos povos de África. Todas essas marcas do colonialismo faltam na presença portuguesa em África”.

O filme dá, de novo, enfoque à modernidade e multirracialismo de Luanda. Refere-se o progresso e mostra-se a arquitectura antiga da cidade a par da “ultramoderna”. Um jovem casal de negros é filmado antes de ver-se uma mestiça a comprar roupa desfilada por uma modelo europeia.

À tradição portuguesa, simbolizada numa tourada, sucedem-se imagens de progresso, numa barragem e numa cidade colonial. O director da Diamang não quis falar e Leduc diz que “prefere o silêncio, o segredo” [João Silva, em entrevista publicada nesta obra, confirma que não foram autorizados a entrar e filmar a exploração

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de diamantes]. Sucedem-se imagens de actividades económicas e Leduc entrevista um grande empresário do café, dono de sete fazendas nas quais trabalham duas mil pessoas durante a fase das colheitas. Pergunta o realizador se há problemas de segurança ao que o empresário responde que não mas que, por lei, são obrigados a manter segurança privada. Também as mulheres participam na defesa e o documentário mostra imagens ilustrativas. O empresário diz que o futuro é um problema económico e não político. Afirma que, se houver um desenvolvimento económico rápido, o problema político não se coloca.

O filme mostra a fronteira com o Congo e sustenta-se que reina a tolerância [um comboio passa sob a vigilância de um soldado]. Nova entrevista, desta vez ao director do caminho de ferro, o qual prevê para um futuro grandioso para Angola. “Tem muitas possibilidades. No futuro podemos construir uma sociedade muito harmoniosa, como no Brasil, com todos os problemas económicos resolvidos. [...] Vejo Angola na África como uma projecção da Europa”.

3. EpílogoQuando os filmes começaram a tornar-se um negócio rentável,

em Moçambique ou Angola, e fizeram despontar a produção de cinema local, continuava a não existir um cinema moçambicano ou angolano. O movimento cineclubista, que emergiu na década de 50, começou a educar o olhar dos cinéfilos ou simplesmente dos que viram no cinema uma arma. O cinema feito nas ex-colónias portuguesas quando nasce é, naturalmente, o contraponto à voz da propaganda colonialista portuguesa. Não se pode, pois, escamotear o papel que filmes como os de Pascal-Angot, financiados secretamente ao mais alto nível, tiveram na difusão de uma retórica luso-tropical que ainda hoje ecoa no discurso da lusofonia.

A desmontagem do dispositivo retórico colonial filmado do Estado Novo é ainda incipiente. Este é um contributo para que se comece a preencher este quase vazio. Pretendo questionar a consciência crítica sobre o que somos hoje – um “conhece-te a ti mesmo” no sentido gramsciano – a partir da análise da projecção do homem pelo cinema, a partir da infinidade de traços deixada também nestes filmes da propaganda, considerando-os como

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“filme-palimpsesto” (Lindeperg). Trata-se de considerar o filme mais o inventário das várias camadas de escrita sobre o filme e as suas imagens como objecto de análise. Lindeperg diz que o seu método convida a “passar por detrás do ecrã” para ir do visível ao inteligível ao considerar a imagem projectada não como um reflexo mas como um síntoma, uma alteração da percepção comum sobre o que esta mostra. De que é a imagem de cinema síntoma, pergunta Lindeperg? Do resultado de uma operação - da relação entre um lugar (um discurso profissional ou político), um conjunto de procedimentos (a prática cinematográfica) e a construção de um discurso11. Uso, pois, o método de Lindeperg e retenho, por outra via, a proposta, pelo historiador de arte e antropólogo visual Georges Didi-Huberman, de que a imagem deve ser olhada como um síntoma e não como síntese. Complemento assim o uso do método de Lindeperg com a análise de imagem e a “aproximação” de imagens e dos textos produzidos sobre elas - enquadrada pelo “conhecimento-montagem” proposto por Didi-Huberman -, com a expectativa que tal gere não um vislumbre da verdade mas imagens-clarão fugazes sobre o “homem [colonial] imaginado” pelo cinema de propaganda português.

Referências bibliográficas

Castelo, C. (1999). O modo português de estar no mundo. Porto: Afrontamento.

Didi-Huberman, G. (2012). Imagens apesar de tudo. Lisboa: Imago.

Foucalt, M. (1997). A ordem do discurso. Lisboa: Relógio d’Água.

Freyre, G. (s.d.). Aventura e rotina. Lisboa: Livros do Brasil

Freyre, G. (s.d.). O mundo que o português criou - aspectos das relações sociais e de cultura do Brasil com Portugal e as colónias portuguesas. Lisboa: Livros do Brasil.

11 Entendo discurso na aceção que lhe deu Foucault: um conjunto de enunciados que podem pertencer a campos diferentes mas que obedecem a regras de funcionamento comuns. Estas regras não são só formais ou linguísticas mas reproduzem certas partilhas historicamente determinadas: a “ordem do discurso” própria de um período particular possui uma função normativa e regulada e aciona mecanismos de organização do real através da produção de saberes, estratégias e práticas (Foucalt, 1997).

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Frodon, J.-M. (1998). La projection nationale. Cinèma et nation. Paris: Odile Jacob.

Lindeperg, S. (2004). Itinéraires: le cinéma et la photographie à l’épreuve de l’histoire. Cinémas: Revue d’études cinématographiques, 14, nº2-3, 191-210. Retrieved from http://id.erudit.org/iderudit/026009ar

Lindeperg, S. (2007). “Nuit et brouillard” un film dans l’histoire. Paris: Odile Jacob.

Piçarra, M. d. C. (2013) (coord.). Angola: o nascimento de uma nação. Cinema império. Lisboa: Guerra & Paz.

Pimentel, Joana (2002). “La collection coloniale de la Cinemateca Portuguesa” in Journal of Film Preservation. 64 (Abril de 2002).

Fontes arquivísticas:

ANTT, SNI/IGAC Caixa 671, processo 4.

PT/AHD/MU/GM/GNP/RNP/0123/01244

PT/AHD/MU/GM/GNP/RNP/0438/00395

PT/AHD/MU/GM/GNP/RNP/0661/02991

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Guiné-Bissau: as imagens coloniaisPaulo Cunha12

Entre 1967 e 1972, por iniciativa do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), quatro jovens guineenses – José Columba Bolama, Josefina Crato, Flora Gomes e Sana Na N’Hada – receberam formação em cinema em Cuba (Instituto Cubano de Arte e Industria Cinematográficos). A capacidade de produzir as suas próprias imagens era considerada pelo líder independentista Amílcar Cabral (1924-1973) como um importante meio revolucionário, fundamental para uma independência do gesto e do olhar e para a construção de uma memória própria. Assim, as primeiras imagens guineenses “descolonizadas” foram rodadas por esses jovens ainda antes da independência da Guiné-Bissau, auto proclamada em 1973 e reconhecida por Portugal em 1974.

Terceira maior colónia africana do império africano português, a Guiné-Bissau sempre teve maior relevância histórica e estratégica do que económica para o império colonial português, simbolicamente ligado ao início da expansão marítima portuguesa. Entre 1878 e 1915, o território da Guiné-Bissau foi alvo de várias “campanhas de pacificação” por parte das tropas portuguesas contra a resistência das diferentes etnias guineenses, intensificados pelos interesses de “ocupação efectiva” europeia manifestados antes, durante e após a Conferência de Berlim (1884-85) (Davidson, 1969: 19-22). Até 1936 ainda se registariam outros episódios esporádicos de confronto, mantendo presente ao longo das gerações, sobretudo nas populações rurais (cerca de 90% da população), um forte sentimento de desconfiança e resistência (Ibidem: 23).

Para Amílcar Cabral (1979: 9), as manifestações de resistência não pretendiam apenas destruir algo, mas também, simultaneamente, construir algo novo e assumiam quatro formas complementares: política, económica, cultura e armada (Ibidem: 111). Para o líder independentista, o cinema teria um papel importante na resistência cultural e na construção de alternativas ao olhar colonialista português.

12 Centro de Estudos Interdisciplinares do Séc. XX da Universidade de Coimbra (CEIS20-UC)

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Até 1974, de acordo com as fontes consultadas, Portugal produziu cerca de meia centena de filmes onde se pode identificar como temática a Guiné Bissau. Esmagadoramente composto por documentário de curta-metragem, este corpus distribui-se desequilibradamente por quase cinco décadas, pontuado por acontecimentos políticos e sociais que seriam determinantes no ritmo da produção cinematográfica.

O objectivo deste texto, que integra um plano de pesquisa mais vasto, é começar por caracterizar o estado da arte acerca das imagens coloniais da Guiné produzidas por Portugal até à sua independência. Concretamente, procurarei identificar e contextualizar a produção dos filmes naquele ou sobre aquele território africano pelas autoridades coloniais portuguesas, assim como caracterizar o enquadramento político e cultural da visão colonial portuguesa sobre o seu império ultramarino.

Agência Geral das ColóniasOs dois primeiros filmes conhecidos datam do mesmo ano: A

Guiné Portuguesa (1929, 91min) e Guiné - Aspectos Industriais e Agricultura (1929, 13min), de Augusto Seara. Se do primeiro pouco se sabe para além do título, o segundo foi uma produção da Agência Geral das Colónias e dos Serviços Cinematográficos do Exército e pode ser visionado na íntegra no sítio da Cinemateca Portuguesa13. Fazendo jus ao título e aos objectivos do principal produtor, este breve documentário pretende divulgar e valorizar as principais “riquesas indígenas” daquele território ultramarino português – a “mancarra” (amendoim), o “coconote” e o gado – através dos ciclos produtivos tradicionais. Para além desses aspectos sócio-económicos, o filme acaba com uma sequência filmada na mesquita de Cambor, onde se assiste à oração da tarde.

As imagens utilizadas neste segundo filme foram captadas aquando da Missão Cinegráfica às colónias de 1929, a mando da Agência Geral das Colónias, quando os Serviços Cartográficos do Exército viajaram por algumas das colónias africanas para as filmar e apresentar as imagens nas exposições coloniais internacionais em

13 Disponível em <http://www.cinemateca.pt/Cinemateca-Digital/Ficha.aspx?obraid=3939&type=Video>. Acedido em 14.08.2013.

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que Portugal se preparava para participar (Piçarra, 2012: 62).Fundada em Setembro de 1924, “para preencher uma falta de

informação e de divulgação sobre as colónias”, a Agência Geral das Colónias estava subordinada ao Ministério das Colónias e integrava, à semelhança do que sucedia noutros estados europeus, um “movimento pela divulgação das riquezas e dos valores tropicais e também como procuradora e intermediária dos interesses dos Governos de cada uma das possessões ultramarinas” (Garcia, 2011: 119-120).

Foi neste espírito que a Agência promoveu, nos primeiros anos de existência, diversas iniciativas de cariz científico e cultural. Entre os anos de 1925 e 1930, o Boletim oficial da Agência14 dedicou apenas 6% das suas páginas (996) à Guiné, muito aquém dos 20% dedicados a Angola, os 14% a Moçambique e a par dos números registados para Índia (6%), Macau (6%), Timor (5%), Cabo Verde (5%), São Tomé e Príncipe (4%) (Ibidem: 272). Tematicamente, entre Junho de 1926 e Junho de 1932, período em que decorreu o regime da Ditadura Militar, o Boletim publicou 16 artigos sobre a Guiné, sendo que 9 artigos foram publicados num número especial sobre esse território colonial (n.º 44, de Fevereiro de 1929). Entre os assuntos divulgados, 5 artigos eram sobre “história” e outros 5 sobre “recursos naturais”, 3 sobre “economia”, 2 sobre “ciência colonial” e 1 sobre “política administrativa” (Ibidem: 351). Estes dados parecem-me bem representativos, primeiro, da importância da Guiné no contexto imperial português e, depois, das principais preocupações temáticas dos textos dedicados a assuntos guineenses.

Até 1932, a Agência foi dirigida por Armando Cortesão, a quem sucederia nesse ano o tenente-coronel Júlio Garcez de Lencastre, um funcionário que pretendia sobretudo servir a causa da Ditadura Militar e da sua Revolução Nacional de 1926 e transformar a Agência numa instituição de propaganda do Império português, representando Portugal em eventos internacionais ou a organizar eventos nacionais de divulgação colonial. Foi este novo dirigente quem, entre outras medidas, propôs a utilização dos serviços

14 Entre 1925 e 1961, com três designações distintas – Boletim da Agência Geral das Colónias (1925-35); Boletim Geral das Colónias (1935-51) e Boletim Geral do Ultramar (1951-61) - o Boletim publicou 438 números e um total de 17.600 páginas.

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fotográficos e cinematográficos no esforço de propaganda e a criação de uma “cinemateca que recolhesse material audiovisual” sobre temáticas coloniais (Ibidem: 127-130).

O interesse colonial crescia em Portugal, que por esses anos participava na Exposição Ibero-americana de Sevilha (1929), na Exposição Internacional e Colonial de Antuérpia (1930) e na Exposição Colonial de Paris (1931). Em Agosto de 1932, entre inúmeras actividades, a Exposição Industrial de Lisboa promoveu também a vinda de “uma embaixada de mandingas da Guiné e os seus respectivos apetrechos e materiais que possibilitassem a construção de uma aldeia em local central do evento”, no parque Eduardo VII em Lisboa, para aí poderem dar a conhecer os seus batuques e danças tradicionais (Ibidem: 131). Essa “embaixada guineense” daria directamente mote a dois filmes: África em Lisboa - exposição dos indígenas da Guiné na Grande Exposição Industrial Portuguesa (1932, prod. Ulyssea Filme) e Guiné, Aldeia Indígena em Lisboa (1932, 16min, prod. Agência Geral das Colónias). O acontecimento mediático também terá justificado estreia de outros três filmes sobre temáticas guineenses por esses anos: Guiné Bafatá - Portugal Colonial (1932), Pretos da Guiné (1933) e Batuques da Guiné (1935, real. Aníbal Contreiras).

Entretanto, a Agência associou-se ao Secretariado de Propaganda Nacional (SPN), o órgão da propaganda tutelado por António Ferro (1895-1956), para patrocinar o 1.º Cruzeiro de férias às colónias de África Ocidental, decorrida entre Agosto e Setembro de 1935, dirigido por Marcelo Caetano (1906-1980), futuro ministro das Colónias (1944-1947) e sucessor de Salazar na Presidência do Conselho (1969-1974), e produzir um filme homónimo de propaganda à iniciativa. Datado do ano seguinte, esse documentário de 71 minutos, realizado pelo fotógrafo Manuel Alves San Payo e protagonizado por figuras ilustres como o escritor Jorge de Sena, o poeta e agrónomo Ruy Cinatti e o geógrafo Orlando Ribeiro, inclui imagens da Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Angola.

Depois do sucesso de uma primeira Missão Cinegráfica a Angola (1929), a Agência Geral das Colónias promoveu, entre Fevereiro e

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Outubro de 1938, a Missão Cinegráfica às Colónias de África, chefiada pelo major Carlos Afonso dos Santos e dirigida tecnicamente por António Lopes Ribeiro (1908-1995), que por esses anos se tornava no cineasta oficial do Estado Novo, e composta por mais quatro técnicos especializados em som e imagem. Dessa missão Cinegráfica resultaria a produção de 9 filmes de curta-metragem, duas dedicadas exclusivamente à Guiné, e material para a longa-metragem Feitiço do Império (1940).

As duas curtas-metragens documentais foram assinadas por António Lopes Ribeiro: Guiné, Berço do Império (1940, 18min) e Guiné Portuguesa (1946). Apesar do segundo título datar de 1946, o filme é uma nova montagem de materiais recolhidos por Lopes Ribeiro na Missão Cinegráfica de 1938, como aconteceria com muitos outros filmes estreados durante a década de 40 sobre outras colónias portuguesas. De cariz declaradamente propagandísticos, ambos os filmes estavam destinados à exibição comercial e contribuiriam para a divulgação das imagens das colónias portuguesas no mercado nacional e internacional luso-falante.

Comemorar e redefinirO ano de 1940 ficaria marcado pelas festas do Duplo Centenário

e pela Exposição Colonial do Mundo Português. Mas estranhamente, de acordo com Maria do Carmo Piçarra (2011: 115-116), o principal jornal de actualidades deste período, Jornal Português (1938-1949), não mostrou grande interesse pelas temáticas coloniais: “Ao longo de 95 edições do Jornal Português as colónias tiveram escasso valor-notícia e só Angola foi filmada, uma vez. Apesar das viagens presidenciais às colónias terem sido acompanhadas por equipas de cinema, optou-se por não incluir qualquer reportagem filmada no local das actualidades cinematográficas.”

Sobre esta circunstância, Heloísa Paulo (2011: 108) esclarece

que, no geral, a Segunda Guerra Mundial “produz um hiato nesta

produção de documentários, interdita devido ao clima bélico que

marca o Atlântico”, sendo o ritmo de produção só normalizado no

final dos anos 40. Por outro lado, a 20 de Agosto de 1942, o ministério

das Colónias publica legislação que visava a racionalização dos

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meios de propaganda na Metrópole e nas Colónias (Garcia, 2011:

152).Ainda assim, o interesse pela propaganda colonial continua

presente nas preocupações do Estado Novo. Em 1944, por proposta do ministro das Colónias e com o aval do comissário nacional da Mocidade Portuguesa, é criada em Lisboa a Casa dos Estudantes do Império, associação de jovens “ultramarinos” a estudar na metrópole, de quem se esperava que “contribuísse para o fortalecimento da mentalidade imperial e do sentimento da portugalidade entre os estudantes das colónias” (Castelo, 2010: 2). No entanto, o resultado seria precisamente o inverso: “desde cedo, despertou nos seus membros uma consciência crítica sobre a ditadura e o sistema colonial e uma vontade de descobrir e valorizar as culturas dos povos colonizados. Foi encerrada por decisão governamental, em 1965, depois da sua sede ter sido invadida e selada pela PIDE.” (Ibidem)

Outra iniciativa oficial importante foi a comemoração do V Centenário da Descoberta da Guiné, que decorreu entre 23 de Julho de 1945 e 31 de Outubro de 1947. Naturalmente, as comemorações ficariam registadas no cinema com o documentário Centenário do Descobrimento da Guiné (1947), uma realização e produção de Manuel Luís Vieira. No entanto, não deixa de ser estranho que nenhuma outra produção cinematográfica tenha sido produzida nesse ano sobre a Guiné, nomeadamente no âmbito deste vasto programa de comemorações pelas várias instituições oficiais.

No discurso inicial do Congresso do V Centenário do Descobrimento da Guiné Portuguesa, promovido pela Sociedade de Geografia de Lisboa e integrado na “Semana das Colónias”, Marcelo Caetano falou sobre a Guiné, sublinhando que a valorização económica desse território dependia simultaneamente do “conhecimento científico”, do “povoamento europeu” e da “população indígena”, invocando os “heróis” desta possessão da África Ocidental e de realçar o papel que os mesmos tiveram na manutenção da soberania portuguesa naquelas paragens (Garcia, 2011: 290).

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Esta significativa comemoração foi também o pretexto para a criação do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, que surge com os objectivos de “promover o desenvolvimento cultural da Guiné Portuguesa”, “proceder à organização do Museu da Guiné Portuguesa” e “dirigir a publicação do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa”. Durante 28 anos (1946-1973), o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, “órgão de Informação e Cultura da Colónia”, publicou 111 números e um total de 23.600 páginas. O Museu da Guiné Portuguesa foi criado em Bissau e contava ainda com uma biblioteca e um arquivo histórico.

O ano de 1947 não terminaria sem outros eventos importantes para a difusão da ideia de “Império”, com a Agência das Colónias a desempenhar o papel de promotor: a visita das autoridades tradicionais da Guiné a Lisboa (14 régulos e dos 17 auxiliares) e a inauguração do monumento a Nuno Tristão em Bissau (Garcia, 2011: 158).

Apesar das comemorações e do crescente interesse pelo “império colonial”, o final da Segunda Guerra Mundial promoveu alterações significativas no contexto colonial internacional. Em Portugal, a revisão constitucional de 1951 promoveu uma mudança semântica na política colonial portuguesa: a expressão “nação multirracial e pluricontinental” substitui o conceito de império e as colónias passam a designar-se “províncias ultramarinas”.

Três anos depois, a nova Lei Orgânica do Ultramar de 1953 já reflecte um princípio integracionista e reforça a unidade do território metropolitano e ultramarino. No ano seguinte, a promulgação do “Estatuto dos Indígenas das províncias da Guiné, Angola e Moçambique” permitia o acesso gradual dos autóctones desses territórios à cidadania plena, com algumas condições (Ibidem: 559).

Entretanto, em 1951, a Agência Geral das Colónias mudaria a sua designação para Agência Geral do Ultramar e via as suas competências alargadas, nomeadamente ao nível do turismo. Seis anos depois, a divisão de Propaganda deixou de existir, mas a Agência mantinha nas suas funções a organização de reportagens fotográficas, radiofónicas, cinematográficas e televisivas, “de acontecimentos ocorridos no ultramar ou que a este interessem”

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(Castelo, 1999: 63). O cinema passou a ser um importante aliado para “passar as suas mensagens de informação e divulgação ultramarina”:

“por iniciativa do ministério das Colónias, mandara a Agência construir uma viatura

para cinema ambulante que em missão de propaganda deveria percorrer Angola,

projectando para as populações locais filmes da realidade metropolitana, antes de

seguir depois para a costa do Índico, onde em Moçambique faria a mesma vulgarização

junto dos autóctones dessa possessão. (…) Deveremos notar que os filmes enviados

para projecção nessas colónias diziam respeito aos mais variados assuntos e referiam-se a temáticas relacionadas com aspectos culturais,

nomeadamente monumentos, paisagens, paradas militares, procissões e desafios de

futebol.” (Garcia, 2011: 161-162)

Para reforçar a nova estratégia propagandística colonial, no início da década de 50, o Estado Novo acolhe Gilberto Freyre, o sociólogo brasileiro que, anos antes, cunhara o conceito do luso-tropicalismo que agora servia de justificação ou legitimação à política ultramarina portuguesa e ao seu modelo de civilização. A convite do governo português, Gilberto Freyre visita, entre 1951-52, os vários territórios coloniais portugueses: depois de ter estado alguns meses em Portugal continental, Freyre começa por visitar a Guiné, depois Cabo Verde (ilhas do Sal, Santiago e São Vicente), São Tomé e Príncipe, Angola, Goa e Moçambique; regressaria a Portugal sem visitar Timor, como estava inicialmente previsto.

Cinematograficamente, falando sobre a temática colonial, a década de 50 seria escassa. Apenas se conhecem três filmes desse período: Viagem Presidencial à Guiné e Cabo Verde (1955) de Ricardo Malheiro; Viagem Presidencial à Guiné (1955, 11min) de António Lopes Ribeiro; e Tipos e Raças da Guiné (1956), de Perdigão Queiroga e Ricardo Malheiro. Naturalmente, os dois primeiros são filmes de reportagens sobre a visita do então Presidente da República Francisco Craveiro Lopes (1894-1964) aos territórios da Guiné e Cabo Verde. O primeiro filme de Ricardo Malheiro está dividido em seis partes, sendo três dedicadas a Cabo Verde e as outras três à Guiné: Bissau no primeiro segmento, Bolama e Bafatá no segundo e o percurso de Farim a Bissau no terceiro. O filme de

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António Lopes Ribeiro foi financiado pelo próprio secretariado de propaganda (entretanto rebaptizado de SNI), envolvendo vários elementos da equipa técnica do Imagens de Portugal (jornal de actualidades produzido entre 1953-70), e foi uma espécie de registo oficial da viagem do presidente a bordo do navio Bartolomeu Dias.

De resto, terão sido também estas imagens as usadas no n.º 58 desse noticiário cinematográfico, analisado por Maria do Carmo Piçarra. Após visionamento, a investigadora conclui que uma análise sumária das imagens e da narração

“comprova a falta de incorporação, pela propaganda, nas actualidades, do luso-tropicalismo e a conservação de um registo ainda próximo do do filme de ficção Feitiço do império: ‘[...] 30 mil indígenas de todas as raças, que fazem da Guiné um verdadeiro tesouro etnográfico, vieram de toda a província para saudar o general Craveiro Lopes. (…) O General Craveiro Lopes foi acompanhado por um emocionante cortejo a pé, onde os Fulas, os Papéis, os Balanta, Mandingas, Manganhas e Bijagós vitoriavam a mesma Pátria, a mesma bandeira e o mesmo chefe’.” (Piçarra, 2012: 157).

A mesma investigadora acrescenta ainda:

“Afirmação, portanto, da unidade do império mas não da multirracialidade - apesar de enunciar-se a diversidade racial existente na Guiné ela não é enquadrada na ‘portugalidade’. O que há, claramente, é o enaltecimento da submissão das populações guineenses ao colonizador português sem se sublinhar uma suposta hibridez que só se fará quando o luso-tropicalismo é incorporado no discurso do poder político (e não apenas usado como argumento pelo discurso diplomático para o exterior, como se sabe que aconteceu neste período).” (Ibidem: 157-158).

Para melhorar as relações de comunicação entre a metrópole e os espaços coloniais e a comunidade internacional, o Estado Novo criou, em Março de 1959, os Centros de Informação e Turismo (CIT) das províncias ultramarinas, começando logo a funcionar os de Angola, Moçambique e Estado da Índia. Os CIT de Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe, Macau e Timor só seriam criados em

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Dezembro de 1960 (GARCIA, 2011: 168). Assim, a partir de 1959, estes novos organismos passaram a promover a produção de álbuns fotográficos, boletins, desdobráveis, folhetos, guias, mapas, pequenas monografias das regiões tropicais do seu Império, contribuindo para um investimento na política de divulgação turística a propósito das colónias.

Entretanto, o Boletim da Agência continuava a ser um meio eficaz de divulgação. Entre 1946-61, a relação de temáticas sobre a Guiné foi a seguinte: sobre “ciência colonial” (56%), história (26%), recursos naturais (7%), política administrativa (7%) e economia (4%) (Ibidem: 358). Comparativamente com o período da Ditadura Militar, parece-me evidente uma maior preocupação pelos assuntos “científicos” e “históricos”, procurando enquadrar a colonização portuguesa na categoria de missão civilizacional e afastá-la dos interesses políticos e económicos.

A guerraOs acontecimentos de 4 de fevereiro de 1961 (ataque à cadeia

de Luanda, Angola, reivindicando pelo MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola), de 15 de março (ataque da UPA – União dos Povos de Angola), 13 de abril (o ditador Oliveira Salazar profere o célebre discurso: “rapidamente e em força”) e 19 de abril (embarque das primeiras tropas para Angola) tornaram a Guerra Colonial no foco da atenção mediática da sociedade portuguesa. Logo em Setembro de 1961, o novo ministro do Ultramar, Adriano Moreira, visitava as principais possessões africanas, começando por Moçambique e terminando na Guiné, um mês e meio depois (Garcia, 2011: 169).

Os confrontos armados iniciavam-se pouco depois noutros territórios coloniais: na Guiné, os primeiros confrontos datam de Julho de 1961, em zonas fronteiriças, mas o conflito só se intensificou a partir do ataque dos guerrilheiros do PAIGC ao quartel de Tite, em Janeiro de 1963; em Moçambique, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) inicia as hostilidades em Setembro de 1964, com ataques em vários pontos do território.

Mas se os acontecimentos verificados a partir de 1961 colocaram

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o Ultramar na ordem do dia, o regime tinha ainda certa relutância em mostrar imagens do conflito. A censura, útil instrumento ideológico do Estado Novo, tratou de vigiar e filtrar os acontecimentos da Guerra Colonial em benefício do regime, desempenhando assim um papel central na defesa da imagem do Estado Novo, dedicando-se a evitar que a política ultramarina da Nação fosse objeto de críticas, permitindo, porém, críticas consideradas construtivas ou patrióticas. Ao que Maria do Carmo Piçarra (2012: 212) apurou, a primeira vez que o noticiário Imagens de Portugal alude “quer ao tema militar quer à guerra também em território guineense é na edição nº 334! Fá-lo para noticiar o regresso a Lisboa, no Niassa, do Batalhão de Caçadores 512 e o de Cavalaria 490, ‘que na Guiné se distinguiram pela sua acção contra o terrorismo’. Novo regresso, de 2300 soldados, chegados a Lisboa no navio “Vera Cruz”, é noticiado no nº 338.” Esses números 334 e 348 do Imagens de Portugal datam, respectivamente, de 1965 e 1966.

Nos anos seguintes, o Estado Novo desencadearia várias campanhas de sensibilização da opinião pública metropolitana que visava convencer a população de que Portugal (“nação multirracial e pluricontinental”) tinha necessidade de agir contra os “terroristas” que ameaçavam a identidade nacional e a soberania e manutenção do Império, da “maneira de ser português” e da sua “vocação universalista”. O regime, consciente de que a sua sobrevivência se jogava em África, não hesitou em recorrer ao dogmatismo, pretendendo produzir na consciência coletiva o sentimento de que a sobrevivência física e espiritual do Império passava pela Guerra Colonial (Vaz, 1997: 140-141).

É neste contexto que são organizadas mais visitas protocolares aos territórios coloniais. Da visita de Américo Thomaz (1894-1987) de 1968 a Cabo Verde e à Guiné surgiria o documentário Viagem Presidencial à Guiné (1968), de Perdigão Queiroga. O noticiário Imagens de Portugal também destacou esta visita, nas suas edições 399, 400 e 401. Maria do Carmo Piçarra (2012: 227-228) destaca uma passagem da narração que considera “exemplar do discurso da propaganda política” da época:

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“O presidente Américo Tomás desembarca na portuguesa terra da Guiné perante a aclamação de milhares e milhares de pessoas. Bissau inicia assim sete dias de uma festa permanente e que contagia os corações de todos [...] Grande foi a missão dos que tombaram no dever, livremente oferecido à Pátria. Por isso, para eles foi a primeira homenagem do Chefe de Estado. E logo não foram esquecidos aqueles outros que também marcaram na própria carne o triunfo de se obrigarem a uma defesa na guerra, que nos é imposta através das nossas fronteiras. Recordou então, o Almirante Américo Tomás, todos os recantos da Guiné Portuguesa dedicando particular atenção a quanto de específica tem a admirável comunhão das diversas etnias [...]”

No ano seguinte, a viagem de Marcelo Caetano a Guiné, Angola e Moçambique, a primeira vez que um Presidente de Governo saía da Europa para ir visitar as suas possessões em África, resultaria no documentário A Viagem Presidencial à Guiné, Angola e Moçambique (1969, 17m). O Imagens de Portugal também acompanhou esta visita: “Segundo a narração, agradeceu, na varanda do palácio ‘as demonstrações de simpatia que o povo, aglomerado na Praça do Império, lhe tributou.’ Ao fim da tarde esteve no cemitério militar ‘a prestar homenagem aos que na Guiné tombaram em defesa de Portugal’.” (Ibidem: 228).

De resto, já anos antes, em 1962, a viagem ministerial de Adriano Moreira às colónias também havia merecido o destaque do Imagens de Portugal: as edições n.º 256, 257 e 258 traziam imagens do ministro em Cabo Verde e na Guiné (Ibidem: 193).

Como explica José Luís Carvalhosa, operador do Imagens de Portugal entre 1966 e 1968, estas visitas eram muito disputadas pelos produtores porque estes aproveitavam para filmes avulsamente imagens dos territórios coloniais para depois reutilizar e remontar em outros filmes (apud Piçarra, 2012: 244), como de resto acontecia já nas décadas anteriores. O mesmo Carvalhosa acrescenta que nessas viagens havia um “protocolo rígido definido pelo Ministério

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do Ultramar e pelo SNI” (Ibidem: 245).

Com os filmes anteriores, a Guiné foi tema principal em 21 filmes

produzidos na década de 1960, isto sem contar com as reportagens

televisivas que entretanto também se multiplicavam. Foi, de longe, a

década onde mais cinema se produziu sobre esse território colonial

português. Como é natural, a maioria desses filmes dizia respeito a

acontecimentos relacionados com a Guerra Colonial: Missão na Guiné 1 (1964); Missão na Guiné 2 (1964); Missão na Guiné 3 (1964); Missão na Guiné 4 (1964); Missão na Guiné 5 (1964); Missão na Guiné (1965), de Luís Miranda; Exército na Guiné 1 – Operação (1966); Exército na Guiné 2 (1966); Uma Operação na Guiné (1966); Auto-Defesa - Guiné (1967); O Exército na Guiné 3 (1967); O Exército na Guiné 4 (1967); A Engenharia na Guiné (1968); O Exército na Guiné 5 - Auto-Defesa das Populações (1968); A Força Aérea na Guiné 1 (1968); Guiné 68 (1968), de Quirino Simões; A Marinha na Guiné (1968); A Instrução do Exército na Guiné (1970); Força Aérea na Guiné 2 (1970); A Força Aérea na Guiné 3 (1970); A Marinha Na Guiné 1 (1970); A Marinha Na Guiné 2 (1970); e Guiné (1970).

O Exército e a televisão pública (RTP) foram os principais produtores de imagens coloniais durante o período da guerra. Se a RTP tinha problemas frequentes com a censura, e muitas imagens permaneceram inéditas nos arquivos por décadas, o Serviço de Informação Pública das Forças Armadas (SIPFA), ao longo dos anos de guerra, foi dos poucos produtores com autorização para filmar a guerra em si, desde a frente de combate ao dia-a-dia dos soldados nos seus aquartelamentos. Entre 1969 e 1970, o SIPFA produziu mesmo o Jornal Militar de Actualidades, um jornal noticioso que somou 19 edições.

Fundados em 1917, por causa da participação portuguesa na Primeira Guerra Mundial, os Serviços Cinematográficos do Exército tinham como finalidades documentar as operações militares para fins de formação, oferecer distrações cinematográficas aos combatentes e servir de instrumento de propaganda (Ribeiro, 1983: 185). Com uma existência relativamente discreta nas décadas seguintes, Portugal não participaria oficialmente noutra guerra até

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à Guerra Colonial, o conflito com os movimentos de libertação das colónias portuguesas fez ressurgir e desenvolver a capacidade operacional deste departamento cinematográfico público.

Durante a Guerra Colonial, muitos cineastas que eram incorporados nas forças armadas eram integrados nos serviços de cinema. Na Guiné, por exemplo, o Exército contou com os serviços dos irmãos Fernando e João Matos Silva, que mais tarde usariam algum do material rodado no cenário de guerra para incorporar a longa-metragem Acto dos Feitos da Guiné (1980).

De produção privada, mas igualmente enquadrados na estratégia de propaganda colonial, surgiriam também: Guiné a Caminho do Futuro (1971), de Quirino Simões; Visita de Guineenses à Metrópole (1970); Guiné I (1972), de Abel Escoto; Guiné II (1972), de Felipe de Solms; e Guiné 74 (1974, 15min).

Fora de contextos político-militares, contam-se outros filmes sobre a Guiné com origens e objecticos distintas: Guiné - Aspectos Vários (1963, 16min), de Rogado Godinho; Água e Floresta - Guiné (1967); O Combate à Doença do Sono Na Guiné (s.d.), de Fernando da Cruz Vieira; Pressão Sanguínea (1970), de A. Roldão dos Santos.

Algumas consideraçõesFundado clandestinamente em 1956, o PAIGC acabaria por se

legalizar quatro anos mais tarde e ficaria sediado em Conacri, capital da vizinha República da Guiné do Presidente  socialista Ahmed Sékou Touré, grande aliado dos independentistas guineenses. A partir da legalização, o PAIGC começou a actuar com maior visibilidade no panorama internacional (Tunis, Londres) e a recrutar colaboradores no próprio território, formando um exército que, a partir de Janeiro de 1963, inicia as hostilidades contra o sistema colonial e a administração portuguesa e não, como Amílcar Cabral sempre distinguia, contra “o povo português”.

Amílcar Cabral apercebeu-se desde cedo da importância das imagens e da sua capacidade persuasiva na divulgação de discursos e doutrinas. Conhecedor profundo da administração portuguesa e do Estado Novo, estudara durante anos em Lisboa e trabalhara em instituições públicas portuguesas em Lisboa e na Guiné, o jovem líder independentista sabia que as imagens “descolonizadas”

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seriam importantes na mobilização dos guineenses na luta pela independência, na divulgação internacional das pretensões guineenses e, em último caso, na disponibilização para “o povo português” de uma outra versão da história que fosse diferente da vinculada pelo aparelho propagandístico do olhar colonial.

Referências bibliográficas

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Davidson, Basil (1969). The liberation of Guine: Aspects of an African revolution. Londres: Penguin.

Garcia, José Luís Lima (2011). Propaganda e ideologia colonial no Estado Novo: da Agência Geral das Colónias à Agência Geral do Ultramar 1924-1974. Tese de doutoramento em História, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

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Matos-Cruz, José de (1983). António Lopes Ribeiro, Lisboa: Cinemateca Portuguesa.

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Piçarra, Maria do Carmo (2011). Salazar vai ao cinema II - A “Política

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do Espírito” no Jornal Português. Lisboa: DrellaDesign, Lda.

Piçarra, Maria do Carmo (2012). Azuis ultramarinos: propaganda colonial nas atualidades filmadas do Estado Novo e censura a três filmes de autor. Lisboa: Tese de doutoramento em Ciências da Comunicação – Cinema apresentada à Universidade Nova de Lisboa.

Pina, Luís de (org.) (1966). O Ultramar e o cinema 1965-1966: Lisboa: Comissão Ultramarina da Liga dos Antigos Graduados da Mocidade Portuguesa.

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Vaz, Nuno Mira (1997). Opiniões Públicas durante as Guerras de África. Lisboa: Quertzal Editores, Instituto de Defesa Nacional.

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Imagens out of joint

Reescritas da história e política da memória em The Embassy, de Filipa César, e Préface à “Des Fusils pour

Banta”, de Mathieu Kleyebe AbonnencRaquel Schefer15

Em 1993, em Spectres de Marx, enquanto a morte do marxismo e o fim da história eram proclamados, Derrida mostrava-nos a irredutível herança - ela própria espectral - e o inevitável retorno de Marx. Ao analisar o carácter espectral do pensamento de Marx, Derrida evoca permanentemente um tempo deslocado, out of joint, segundo a formulação de Hamlet retomada pelo autor. Não se trata, contudo, de um desajuste do período histórico, mas de um desarranjo do tempo e da função temporal, perturbados pelo espectro enquanto experiência do passado como porvir, herança que escapa e vai mais além da própria dimensão temporal. A espectralidade convocaria uma política da memória e da herança, remetendo ainda a uma política da representação.

O filme A Embaixada, de Filipa César, e a instalação Préface à “Des Fusils pour Banta”, de Mathieu Kleyebe Abonnenc, ambos de 2011, abordam o colonialismo português tardio na Guiné-Bissau através da articulação de formas subjectivas e de um trabalho de interpretação crítica e de reconstituição da fotografia e do cinema daquele período histórico enquanto sistemas ideológicos de representação. Em termos derridianos, as duas obras debruçam-se criticamente sobre a herança colonial e anti-colonial, convocando e interpelando espectros - o espectro do colonialismo, o espectro do militantismo.

O álbum fotográfico colonial d’A Embaixada e o filme Des fusils pour Banta, rodado em 1971 nas zonas libertadas da antiga colónia portuguesa pela cineasta militante Sarah Maldoror, em

15 Universidade Sorbonne Nouvelle / Paris 3

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Préface, são tratados como elementos materiais da história e da memória cultural e como matéria histórica a partir da qual as reescritas emergem. Não é já a memória do colonialismo e do processo de descolonização a ser trabalhada, mas a memória das representações coloniais e anti-coloniais, nomeadamente a memória do cinema militante. Não estamos só em presença de uma migração de imagens, à semelhança do que acontecia com o filme de arquivo; deparamo-nos igualmente com uma migração e uma reelaboração de formas e géneros cinematógraficos. As narrativas pós-coloniais aqui analisadas compõem, assim, uma contra-história que releva quer do interesse crescente do campo cinematográfico e da esfera artística pela história e pelos arquivos históricos, quer de uma vontade de revisão crítica da modernidade e do modernismo. Tais reescritas constituem operações arqueológicas que têm por objecto as formas visuais do período colonial e a sua função mitográfica.

As estruturas formais e narrativas destas duas obras indóceis, fundadas numa relação singular e complexa entre o visível e o invisível, o campo e o fora de campo, bem como numa crítica do índice e do arquivo, propiciam a expressão da memória directa e indirecta, tecnologicamente mediada, dos acontecimentos. A sua multitemporalidade anula a distância temporal e refigura o passado no presente enquanto a sua força política advém da concepção performativa do texto e da imagem: no quadro de uma política da memória, toda interpretação implica uma transformação. O álbum e as suas imagens, o cinema e os seus arquivos constituem o intertexto de uma história reescrita por vir.

A Embaixada faz alusão ao filme homónimo de Chris Marker (1973), obra que interroga as formas do cinema político, opondo um espaço-tempo preciso e determinado, o Chile do Golpe de Estado de 11 de Setembro de 1973, a um não-lugar, um espaço heterotópico. Entre o filme de César e Préface, há, ao contrário, uma unidade espacial definida: a Guiné-Bissau, onde em 1963 começa a Guerra de Libertação empreendida pelo PAIGC, o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde, liderado por Amílcar Cabral.

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A unidade espacial entre as duas obras resulta de uma sobreposição de lugares reais e de lugares imaginários. Foi no Arquipélago dos Bijagós, situado ao largo da costa da Guiné-Bissau, representado no álbum fotográfico d’A Embaixada e considerado pela personagem de Armando Lona, o arquivista e jornalista guineense, como expressão de toda a beleza da Natureza, que Des fusils foi filmado em 1971. Em Sans Soleil (1983), Marker evoca o itinerário dos mortos entre as ilhas do arquipélago e um documento antigo em que A. Cabral diz adeus à costa que não voltará a ver. As Bijagós, território que resistiu ao colonialismo, é ainda o décor de Kadjike (2013), o último filme de Sana Na N’Hada, que colaborou, tal como Maldoror, na rodagem de Sans Soleil.

Préface debruça-se sobre a história e a memória da rodagem de De fusils nas Bijagós. O filme de Maldoror, uma encomenda da Agência National do Comércio e da Indústria Cinematográfica argelina, destinava-se a documentar a luta do PAIGC contra o poder colonial. Maldoror decide abordar o quotidiano dos habitantes de uma pequena aldeia, centrando-se em Awa, uma jovem militante. Em Argel, depois da rodagem, as bobines do filme, considerado feminista e subjectivo, são confiscadas e a realizadora é expulsa do país. As imagens continuam desaparecidas até hoje, mas a rodagem do filme mostra-nos a importância do cinema no projecto do PAIGC, à semelhança, aliás, do que acontecia em Angola e, sobretudo, em Moçambique.

A Embaixada faz parte de um projecto mais vasto de César sobre os arquivos da Guiné-Bissau e os cineastas revolucionários ligados ao PAIGC, como Flora Gomes e Na N’Hada. Para A. Cabral, a libertação nacional era, na linha de Frantz Fanon, um acto de cultura; a luta armada constituía não só um facto cultural, mas também um factor de cultura. A criação de um cinema nacional guineense tornava-se fundamental neste contexto. A afirmação de uma estética do colonizado frente à hegemonia cultural do colonialismo era então inseparável do processo de libertação nacional.

Préface constitui um diaporama de 150 diapositivos em que, por meio de uma projecção dupla, são articuladas imagens da rodagem de Des fusils e arquivos fotográficos do processo de

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descolonização. Muito embora Préface se inspire narrativamente no guião e nas folhas de rodagem de Des fusils, Kleyebe Abonnenc situa a obra como o prefácio (ou o posfácio?) de um filme histórico perdido e, ao mesmo tempo, o prefácio de um filme por vir. De facto, o artista prepara o filme À la recherche d’Awa, uma reconstituição prospectiva de Des fusils. A utilização combinada da analepse - a história por vir já vinda - e da prolepse - o filme por vir - constituem um modo de anular o hiato temporal e uma tentativa de deslocação das formas políticas do filme de Maldoror.

Em A Embaixada, um álbum colonial resgatado do Arquivo Histórico Nacional da Guiné-Bissau, instituição abandonada na sequência da Guerra Civil de 1998-99, serve de cristalização metonímica da história do país. Num plano-sequência fixo de grande rigor formal de 37 minutos, o álbum é folheado por Lona, co-autor (com César) do texto dito em voz-off e performer creditado no genérico. A contiguidade entre o álbum e o corpo que o manipula e comenta, tal como a abertura temporal e espacial do plano-fixo através das imagens enquadradas e do tratamento sonoro, inscrevem o filme num sistema de lisibilidade da fotografia enquanto representação ideológica e investimento simbólico do colonialismo. As imagens dão-se a ler na medida em que existe uma relação de analogia entre elas; são lisíveis graças aos distanciamentos e anacronismos, graças à montagem interna, já que o próprio álbum, enquanto objecto e representação, articula e sintetiza o passado, o presente e o futuro aberto pela reivindicação da herança colonial e anti-colonial. Na sua multitemporalidade, as fotografias do álbum são simultaneamente traços do passado e imagens de substituição dos filmes perdidos durante a Guerra Civil. Ao mesmo tempo, atendendo-nos à temporalidade estrita do álbum, são prefigurações anacrónicas do futuro em devir da nação independente, de uma comunidade imaginária.

Kleyebe Abonnenc afirma numa entrevista que uma ordem subjectiva preside à organização dos arquivos de Préface. A Embaixada parte, ao contrário, de uma forma ordenada. Para Benedict Anderson, the colonial state did not merely aspire to create, under its control, a human landscape of perfect visibility; the

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condition of this “visibility” was that everyone, everything, had (as it were) a serial number (Anderson, 1991). O álbum colonial responde ao princípio de inventariação, ordenação e fixação da paisagem humana. Na fotografia colonial, a figura humana e os elementos naturais coexistem sem qualquer contradição aparente, fazendo esquecer a violência inerente ao sistema colonial e ao próprio processo de ordenação. Em A Embaixada, é notório um processo de mise en tension que decorre das aproximações inesperadas e contraditórias entre as imagens do álbum efectuadas por Lona. A justeza do sistema formal do filme reside precisamente na escolha do plano-sequência fixo, forma que se opõe tanto ao movimento interno do plano - o virar das folhas -, como ao próprio álbum enquanto resultado de um processo de montagem (articulação temática das imagens, colagem das fotografias e das legendas, composição). O plano-sequência fixo desordena o álbum como forma ordenada.

O processo de Kleyebe Abonnenc consiste sobretudo no trabalho de uma exterioridade: a recolha de elementos históricos que são em seguida discursivizados. No entanto, a montagem é simultaneamente interna e externa: se o diaporama é desde logo uma questão de edição, o artista introduz diapositivas brancas, um campo cego, na montagem, cujos estratos são reforçados pela dupla projecção sincronizada. O resultado é uma espécie de palimpsesto invertido que replica visualmente o mecanismo da memória, com as suas camadas e intermitências: certas imagens parecem provir do interior de outra imagem já presente, em projecção, como que suspendendo ou invertendo a lógica temporal e espacial do palimpsesto, como um espectro vindo do passado para apropriar e colonizar o espaço da representação deste cinema da imagem fixa.

O álbum e o diaporama tornam-se lugares de passagem, num sentido benjaminiano, das estruturas paradigmáticas da história. As imagens são tratadas como matrizes complexas de onde emerge um tecido de memórias e efeitos de conhecimento em que se entrelaçam o olhar e a crítica, o ver e o saber. A instalação de Kleyebe Abonnenc é regida pela dialéctica entre o filme perdido, o filme por vir e aquilo que podemos efectivamente ver, as imagens

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do diaporama e os palimpsestos. A obra é estruturada pela relação entre uma presença e uma ausência: a reescrita e a reconstituição da história têm lugar a partir daquilo que resta e retorna, de vestígios do passado, de espectros. O fora de campo histórico e o fora de campo utópico são convocados em permanência.

A Embaixada e Préface assentam num sistema de circulação de imagens que, pertencendo a um período histórico concreto, se tornam lisíveis no presente. As passagens da imagem encontram expressão no folhear do álbum d’A Embaixada enquanto, em Préface, a engrenagem dinâmica e as entre-imagens substituem mentalmente a projecção do filme perdido. O diaporama torna-se, então, o substituto imaginário do filme desaparecido, por enquanto condenado a ser imaginado.

Uma estética da substituição16 aproxima as duas obras. As diapositivas vazias e os fundidos, em Préface, assim como as páginas arrancadas do álbum, em A Embaixada, os silêncios das vozes-off, constituem traços de ausências e apontam para o processo de reconstituição do passado, para a tentativa de criação de uma presença através da exposição de uma ausência. Esses traços assinalam a destruição de elementos materiais da história da Guiné-Bissau, bem como a desaparição de um determinado contexto histórico, político e cinematográfico: o fim do cinema como instrumento tangível da utopia.

A Embaixada desvela a dificuldade de representação da história mais além do próprio acto de representar. Quase no fim do álbum, a fotografia de uma criança aprendendo a ler com um manual de leitura do PAIGC, falsa image trouvée, é encontrada pelo arquivista. Esse momento espectral, o mais espectral do filme, o seu punctum, constitui o instante crítico por excelência, o instante de sincronização das temporalidades em jogo. Trata-se também de uma passagem de grande força política. Mas, como representar o político sendo político? E pode o político ser reactivado no espaço institucional de uma galeria de arte? As perguntas, às quais responde o mais recente filme de Kleyebe Abonnenc, Ça va, ça va on continue (2012-13), produzido pela Fundação de Serralves,

16 O conceito de imagem de substituição de Serge Daney é, aliás, mencionado em Préface.

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permanecerão em aberto, mas há que salientar que A Embaixada e Préface dão conta de um processo de reescrita do passado, como ponto móvel e instável, através da espectralidade. As duas obras levam a cabo reelaborações da história a partir de uma fractura temporal, de um tempo deslocado que vai ao encontro e acolhe manifestamente as ausências.

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O arquivo antropológico colonial filmado em “Timor Português”

Maria do Carmo Piçarra17

Proponho uma análise crítica do arquivo antropológico colonial composto por obras filmadas durante o Estado Novo e organizado no âmbito da preparação de uma filmografia, não definitiva, para “Timor português”, integrada no projecto “As ciências da classificação antropológica em ‘Timor português’ (FCT HC/0089/2009). Neste texto abordo o caso dos filmes antropológicos de António de Almeida contrapondo-lhes parte do acerco de imagens captadas durante as pesquisas de Ruy Cinatti, legadas ao Museu de Etnologia e alvo de um estudo que procedeu à catalogação e “domesticação” organizada desse acervo de imagens.

Timor, ao contrário das colónias ricas, Angola e Moçambique, quase não interessou aos produtores cinematográficos independentes e só escassas vezes foi registado pela propa- ganda – para o qual era referência como ponto mais distante da metrópole – para ser mostrado nos cinemas portugueses. O arquivo filmado antropológico de “Timor Português” tem, pois, um peso muito grande na filmografia de Timor até 1975. A importância do arquivo constituído pelos militares – o segundo mais importante - não se lhe compara.

Ao ver os filmes feitos na primeira viagem no âmbito da Missão Antropológica a Timor, dirigida por António de Almeida, uma questão se coloca. São filmes verdadeiramente científicos ou são registos propagandistas da ciência antropológica como era praticada nas colónias portuguesas, colocando-se ao serviço do regime? Há uma leitura que se impõe começar a fazer sobre o uso dos filmes na prática científica no contexto das missões antropológicas em Timor e a sua importância no âmbito da política colonial do Estado Novo18.

17 Instituo de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS/UL)18 Embora as mais de 12 horas de filmes captados por Cinnati tenham acesso condicionado pela entidade detentora, o Museu Nacional de Etnologia, as 16 curtas e médias-metragens realizadas por Almeida são vi-sionáveis no site TV Ciência (http://www.tvciencia.pt/tvcarq/pagarq/tvcarq01.asp).

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Missão antropológica a Timor19 (16mm, cor, sem som, 22’41’’) faz um enquadramento oficial da passagem dos cientistas pela ilha. Inicia-se com uma sequência relativa a um desfile de vários tipos timorenses, onde se incluem Mocidade Portuguesa e tropas locais, empunhando bandeiras portuguesas e fazendo a saudação romana. Prossegue com os cientistas em viagem, de jipe, fixando também casas e uma igreja timorenses que denotam a influência dos portugueses, antes de mostrar timorenses viajando a cavalo. Os contrastes prosseguem: a preparação tradicional do peixe pelos timorenses e a casa do administrador colonial, cuja família desce os degraus para o terreiro, hesitando entre a pose para a fotografia e a naturalidade de quem desconhece estar a ser filmado (o amadorismo transparece e sucedem-se dois planos de saída da casa – questão de montagem mal resolvida que acaba por ser testemunho da repetição do take? - que comprovam a encenação do momento). Os homens vestem farda clara enquanto as senhoras desfilam uma elegância ocidental. O cenário, idílico, ganha uma perturbação “lynchiana” quando os cientistas, liderados por Almeida, se dirigem aos timorenses que vão ser alvo de medições de crâneo e testes sanguíneos. O filme prossegue registando casas timorenses, aspectos paisagísticos, actividades económicas tradicionais. É paradigmático do modo como os filmes antropológicos de Almeida registam a passagem do cientista por Timor e retêm a coexistência entre colonos, que impõem a ordem administrativa com suposta brandura, e colonizados, que aclamam a bandeira portuguesa (e que por ela morreram na II Guerra Mundial, evidencia-se) enquanto preservam tradições (jogos e danças - como o loro sae, uma dança em que se encana a decapitação da cabeça de guerreiros inimigos como é prática na guerra local- fixados em quatro filmes específicos). Uma leitura dos diários escritos por António de Almeida Marques Júnior20 durante a primeira viagem no âmbito da Missão (de Agosto de 1953 a 54) esclarece a natureza pouco científica destes filmes21. Em geral o operador, Salvador Fernandes, trabalha com autonomia 19 http://www.tvciencia.pt/tvcarq/pagarq/tvcarq02.asp?codaqv=80036.20 Não confundir com o reputado antropólogo que dirigiu esta e outras missões antropológicas às colónias, António de Almeida.21 Agradeço à investigadora Rita Poloni o acesso às suas notas para elaboração da tese referida na bibliogra-fia. Foi a partir delas que pude aceder aos diários citados (citação sem página).

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dos cientistas e as filmagens, para as quais não foi houve repérage, vão sendo feitas na companhia dos administradores locais, que servem de cicerone22. Há referências explícitas a acontecimentos organizados expressamente para as filmagens, como a caçada que foi fixada num filme autónomo Caça e pesca em Timor23, ou encenados, como a da festa da rainha D. Maria, dos Mambais, dada por ocasião da despedida do neto Benjamin que retoma os estudos nos Pupilos do Exército, em Lisboa. A entrada no diário de Marques Júnior, relativa a 12 de Outubro, explica: “Por volta das 10 horas reconstituiu-se o jantar de ontem, oferecido pela Rainha dos Mambais, a fim de ser filmado. Quando se acabou era perto do meio-dia”. O facto do jantar ter decorrido a partir das 19h e de ter sido reconstituído durante o dia explica-se, talvez, pela necessidade de haver luz para a filmagem mas noutras ocasiões a encenação, embora menos assumida, é no sentido de ordenar a realidade. Refiro-me às filmagens de colégios, referidas a 22 de Novembro (Poloni, 2012):

No Ossú filmou-se o Colégio Governador Oscar Ruas, de raparigas dirigido por freiras dominicanas, onde estão internadas 137 raparigas, documentando-se uma sala de aula a funcionar, o refeitório à hora do almoço e ainda as alunas formadas cantando uma marcha a Portugal. Daqui ainda fomos ao Colégio de Sta. Terezinha, só para rapazes, onde se encontram internados uns duzentos e tal [...], mas como não nos esperavam não estavam preparados para serem filmados. Fomos pois, almoçar a casa do Sr. José Ricardo, já eram 13h30. Depois do almoço tornámos ao Colégio de Sta. Terezinha, os rapazes já estavam uniformizados, fizeram alguns exercícios, mas o sol fugiu-nos e não puderam ser filmados. Ficou-se de lá voltar um dia desta semana.

Nalguns casos há mesmo uma subordinação do trabalho dos cientistas às necessidades de participar nos eventos organizados pela administração colonial para serem registados pelo cinema. Disso dá testemunho uma entrada, no diário, de 4 de Novembro (Poloni, 2012):

22 Os filmes relativos a danças ou o já mencionado Missão são algumas das exceções que revelam articulação entre o operador e os antropólogos. Ainda assim, o último inclui elementos de pura propaganda colonial.23 http://www.tvciencia.pt/tvcarq/pagarq/tvcarq03.asp?codaqv=80001.

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O Sr. Dr. Almeida partiu para Díli pouco depois das 9 horas e nós fomos na camioneta para uma batida aos búfalos bravios a uns 11 km daqui que por sinal redundou num fiasco. Máquina cinematográfica e fotográficas a postos, espingardas aperradas e nem um veado apareceu. Quando viemos almoçar eram perto das 15 horas e perdeu-se assim um dia de trabalho.

O arquivo do poeta-cientista, Ruy Cinatti

[…]Eu já cá estou há 10 [meses], graças a mil e um subterfúgios, recusas, fugas para aqui e para ali, e a vontade denodada de estoirar por uma causa em que acredito: a de alçar os timorenses à plena consciência do seu valor moral e intelectual. Entretanto, estou a fazer um filme (ou vários) do qual já filmei, ou dirigi, a filmagem de 6.000 m., e em que Timor há de aparecer em toda a sua riquíssima variedade natural e humana [...] (Carta a Jorge de Sena, 13/10/62, op. cit.: p. 303) (Oliveira, 2003: p. 10)

De outra natureza, muito complexa, são os filmes realizados em 1962 pelo poeta e investigador Ruy Cinatti em Timor. Alexandre Oliveira, na sua tese de mestrado (e no documento elaborado na sequência de um longo estágio no Museu Nacional de Etnologia em que foi encarregue de estudar e ordenar este acervo fílmico), confessa (Oliveira, 2006, p. 4):

Para compreender o acervo, composto por centenas de documentos escritos, fotografias e filmes feitos em Timor teria primeiro que entender quem tinha sido Cinatti. Se à partida idealizava Cinatti como o tipo ideal de antropólogo que tinha renunciado ao colonialismo português para melhor entender a cultura timorense, cedo entendi que a realidade era muito diferente mas igualmente fascinante.

Este acervo é composto por 250 bobinas com três minutos de duração cada. Estas foram filmadas por Cinatti, com uma câmara portátil de 16 mm comprada em Macau para o efeito quando, em Abril de 1962, começa a pensar fazer um documentário sobre Timor. O uso do cinema pela etnografia era então ainda incipiente e o exemplo de Margot Dias, que filmou os Maconde em Moçambique

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em 1961, pode ter sido inspirador embora seja mais provável a influência directa de Jean Rouch que, durante a década de 50, mudou o uso do cinema pela etnografia. O filme etnográfico deixou de ser um mero “caderno de apontamentos” para tornar-se um objecto que existência autónoma, um fim em si, para exibição pública. Não está ainda identificada documentação que fundamente o pedido de Cinatti, à Junta de Investigações do Ultramar (JIU), para que o operador de cinema Salvador Fernandes se lhe junte para proceder Às filmagens. O certo é que tal sucede. As mais de doze horas de filme, a que se somam mais de mil fotografias, uma dezena de cadernos de apontamentos e vários objectos recolhidos são o material de base para a escrita da sua tese de doutoramento, com o título provisório “A ecologia, história e cultura material do Timor Português, com especial referência ao habitat das populações nativas”. Inacabada, foi preparada no âmbito da frequência do curso de Antropologia Cultural na Universidade de Oxford. É de assinalar que, quando no final do ano lectivo de 1961, o clube trabalhista convida Cinatti a proferir uma conferência, que intitulou “The Portuguese position”, aborda o colonialismo português sustentando a tese da “tradicional” igualdade racial e é quase omisso quanto aos conflitos entretanto emergentes, embora questione posteriormente a sua comunicação e a falta de problematização à mesma pelos pares britânicos em carta, datada de 11 de Junho de 1961, a Krus Abecassis: “fiquei aparvalhado com a reacção, pois hoje ainda não estou certo da verdade de algumas das minhas afirmações, e porque fosse eu um dos meus adversários, saberia o ponto fraco da minha defesa”. Relata Oliveira (2006: p. 82):

Por essa razão escreve a Krus Abecassis dando conta do sucedido e avisando que tinha chegado ao limite:

“Eu não oculto dizer que, enquanto estava redigindo a minha «fala» estava igualmente engolindo «cobras vivas». [...] Todas estas acusações, ou outras semelhantes, fi-las eu em relação a Timor. [...] Nós somos todos responsáveis pelo que se está passando, mesmo quando a culpa não nos pertence” (carta 11/6/61, op. cit.).

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Algumas sequências - o material nunca foi montado - revelam que Cinatti organizou os “décors” das filmagens e deu indicações aos “não actores”. Não há, porém, nas imagens que tive autorização para visionar - uma hora das mais de 12 existentes - registo de cerimónias protagonizadas pelas autoridades coloniais. São, efectivamente, de natureza etnográfica as imagens captadas - as danças, as lutas de galos, as actividades económicas, aspectos da vivência quotidiana, as casas, etc. A presença portuguesa é registada não como um fim mas como algo que está lá, através da fixação das casas dos administradores coloniais, no âmbito dos percursos feitos por Cinatti em Timor.

Cinatti e Almeida colaboraram no âmbito da Missão Antropológica dirigida por este último. É, porém, conhecido o afastamento de Cinatti do nacionalismo do regime português, que, em tempos, o entusiasmara. Progressivas diferenças políticas e científicas explicam, pois, a diferença dos “arquivos científicos filmográficos” fixados sob a orientação dos antropólogos determinantes no estudo de Timor, Cinatti e Almeida. O facto de Cinatti ter valorizado o cinema etnográfico como objecto e de se ter assumido operador do filme que tinha em mente realizar é outro elemento distintivo importante e com implicações decorrentes quanto às diferenças no tipo de registo filmado e no olhar que documenta. Dado o seu conhecimento do território, desde a década de 40, dispensa cicerones e é, ele próprio, revelador de aspectos até então desconhecidos.

Em jeito de epílogoA ligação entre a prática científica e o projecto colonial estado-

novista é assumida nos trabalhos do antropólogo António de Almeida, responsável pela criação da que é, talvez, a maior colecção de filmes acessível publicamente sobre Timor. Adificuldade de acesso à aos filmes de Cinatti inviabilizam, de momento, uma avaliação conclusiva sobre a dimensão de um e outro acervo. Não haja, porém, dúvidas quanto à enorme importância do acervo de Cinatti quanto ao seu valor fílmico – alguns dos filmes são autênticos poemas visuais que o olhar do poeta se impõe claramente ao do investigador – e mesmo antropológico, devido à natureza não oficiante dos seus filmes, ao contrário do arquivo colonial filmado sob

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a direcção de Almeida. As missões antropológicas de Almeida em Timor e os filmes resultantes implicam, por isso, o questionamento das instâncias complexas que motivaram umas e outros.

Há, pois, que abordar ambos os acervos simultaneamente enquanto objectos científicos, integrados num conjunto de práticas mais vastas (de recolha, sistematização, exposição e conservação de informações), e enquanto objectos estritamente fílmicos. Contrariamente à argumentação que sustenta (n)um modelo de objectividade científica, estes filmes não são registos objectivos: seleccionam o que dão ver, optam por um ponto de vista para fazê-lo mas sobretudo veiculam discursos sobre a realidade. A dimensão “atractiva” destes filmes é outro elemento a considerar, decorrente do empolgamento com a viagem de exploração, com o exotismo das paisagens e dos costumes e do “outro”, visto como “primitivo” e/ou “selvagem”. O esforço de apropriação intelectual e visual destes espaços desconhecidos é indissociável dum imaginário colectivo que remete para situações reais de dominação. Nesse sentido, estes filmes têm de ser abordados também como “imagens-clarão” (Benjamim) reveladoras da violência do processo colonial. Uma evidência é que o arquivo filmado antropológico do “Timor Português” - ainda que escasso se considerado por comparação a outros arquivos relativos a ex-colónias portuguesas (sem arriscar sequer comparações com os de outros impérios coloniais) – tem, se considerarmos o espólio de mais de 12 horas de filmes feitos por Cinatti, de acesso por agora condicionado, um peso muito grande na filmografia de Timor até 1975. A importância do arquivo constituído pelos militares, segundo em importância se nos referirmos à quantificação da produção cinematográfica em “Timor Português”, não se lhe compara. Muito menos, pode ser referida à escassa de produção de cinema de propaganda do Estado Novo por via do documentário. Há, pois, uma leitura que se impõe começar a fazer sobre o uso dos filmes na prática científica no contexto das missões antropológicas em Timor e a sua importância no âmbito da política colonial do Estado Novo.

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Imagens do Timor-LesteAnderson Silva Vieira24

Algumas palavras sobre Timor-LesteO território que hoje integra o Estado-nação timorense foi

constituído através de inúmeros fluxos de pessoas e mercadorias. Segundo Geoffrey Gunn (1999, p. 56), o comércio do sândalo timorense já era realizado por volta do sec. X, existindo relatórios chineses datados de 1225 nos quais Timor é descrito como “um local rico em madeira de sândalo”. Com a chegada dos portugueses a Timor e a instauração de uma colônia no sec. XVI, a ilha foi integrada à rede de fluxos de mercadorias, pessoas, tecnologias e políticas constituída pelo sistema colonial português. A partir de 1975, com a ocupação indonésia, Timor-Leste passou a integrar a política estatal de transmigração25 que consistia no incentivo à migração de regiões muito populosas da Indonésia para províncias menos povoadas. Tal política tinha um duplo objetivo: 1) fortalecer a ocupação do território indonésio, forjando uma identidade nacional compartilhada, e; 2) diminuir tensões separatistas.

Esta ocupação seria reconhecida no âmbito internacional por poucos países, como EUA e Austrália, enquanto o restante do mundo continuaria a perceber o território timorense como pertencente a Portugal. Em 1999, houve a criação de uma missão de paz da ONU, seguida de um plebiscito em que a população timorense decidiu pela sua independência em relação ao Estado indonésio. Com este resultado, a ONU passou a administrar o território timorense até o ano de 2002, enquanto seus quadros, entre outras atividades, realizavam um processo de “construção de capacidades” (Cabasset-Semedo; Durand, 2009; Silva; Simião, 2007).

Um dos episódios mais emblemáticos da luta pela independência timorense é o que veio a ser conhecido como Massacre do Cemitério de Santa Cruz, ocorrido em 12 de novembro de 1991. Este Massacre foi gravado em VHS por Max Stahl26, então a serviço da Yorkshire 24 Universidade de Brasília (UnB)25 Para mais informações sobre a política indonésia de transmigração, ver Geoffrey C. Gunn (2007).26 Atualmente Max Stahl reside em Timor-Leste, onde dirige o Centro Audiovisual Max Stahl em Timor--Leste.

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Television, canal televisivo britânico. A gravação mostrava soldados indonésios disparando armas de fogo sobre a população timorense participante de uma manifestação que caminhava em direção ao túmulo do estudante Sebastião Gomes. Este, por sua vez, fora assassinado por tropas indonésias. Max Stahl conseguiu contrabandear o vídeo para fora do país e conseguiu que ele circulasse por diversos telejornais ao redor do mundo, chamando a atenção da opinião pública para a situação opressiva na qual se encontrava a população timorense sob ocupação indonésia.

Este breve histórico indica que a circulação de pessoas, ideias, capitais financeiros, equipamentos etc. tem sido uma constante no espaço que hoje denominamos Timor-Leste. Entretanto, estes fluxos se intensificaram de forma grandiosa com a instauração da United Nations Transitional Administration in East Timor (UNTAET), que governou Timor de novembro de 1999 a maio de 2002, quando o país passou a ter um governo independente. Com a vigência da UNTAET, a cooperação internacional para o desenvolvimento passou a ter um papel fundamental na edificação do Estado-nação timorense27, assim como na constituição de um campo artístico nacional.

Em Díli, alguns centros produtores de obras audiovisuais, como o Centro Max Stahl em Timor-Leste (CAMSTL), a Casa de Produção Audiovisual (CPA) e a Dili Film Works (DFW), além de alguns produtores independentes, têm concorrido para a constituição de um campo de produção audiovisual. Suas produções em vídeo vão de séries transmitidas pelo canal televisivo estatal de Timor-Leste (TVTL) a videodocumentários que tanto circulam localmente como podem ser adquiridos via internet28. Neste texto abordarei algumas das obras realizadas por esses centros e produtores, numa tentativa de dar uma visão geral do campo audiovisual em Timor-Leste.

27 Sobre o papel da cooperação internacional para a (re)construção do aparelho estatal timorense, ver Kelly Cristiane da Silva e Daniel Schroeter Simião (2007), principalmente a Parte 2 do livro por eles organizado (pp. 97-272).28 Em sites como o do Institut National de l’Audiovisuel (INA), instituição francesa que permite o down-load pago em seu portal, ou via sites de streaming de video, como o Vimeo, onde o download, quando dis-ponível, é gratuito.

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David PalazónDavid Palazón é um produtor e cineasta espanhol que atualmente

reside e trabalha em Timor-Leste. Ele produziu, entre outros, o filme Uma Lulik, dirigido por Victor de Sousa (2010), representando Timor-Leste no DocTV CPLP. Atualmente, está trabalhando no Tatoli ba Kultura, um projeto de pesquisa que tem como objetivo mapear e registrar materiais e conhecimentos necessários para o estabelecimento de uma academia de indústrias criativas em Timor-Leste.

Palazón também realizou o filme Hanesan maibee ketak-ketak (2009), traduzido para o inglês como Same same, but different, onde aborda o tema da paz tomando a figura de Ramos-Horta29 como eixo para a obra (PALAZÓN, 2012). O cineasta o caracteriza como um documentário de 56 minutos que inclui: “entrevista com as pessoas e há bastante arte, música e um tour que fizemos com Ramos-Horta pelos distritos”. Esse filme pode ser encontrado no site Vimeo, onde está acompanhado por uma descrição que chama a atenção para a ausência de uma narração formal (idem):

There is no formal narration throughout the film but a navigational series of events, situations and interviews in relation to the subject of peace. The film does not specifically aims to define the meaning of peace but put on view how peace is interpreted by different individuals and groups and how these opinions and situations contribute to the overall process of peace-building in the current Timor-Leste.

Os dois filmes acima tratam de um país em seu pós-guerra, curando-se das feridas da ocupação. Em Uma Lulik, há a reconstrução de uma casa sagrada, espaço primordial para as sociedades austronésias que foram destruídas durante o período de ocupação indonésia. Em Hanesan maibee ketak-ketak surge o tema da crise de 2006, em que o presidente e o primeiro-ministro de Timor-Leste sofreram atentados, e a busca pela paz.

29 José Manuel Ramos-Horta foi presidente do Timor-Leste entre os anos 2007 e 2012. Foi laureado com o prêmio Nobel da Paz em 1996.

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O produtor/cineasta também realiza diversos vídeos de caráter experimental, como Edisaun Oinoin. Com 2 minutos e 20 segundos de duração, o vídeo é uma montagem realizada a partir de fragmentos de notícias veiculadas pelos telejornais locais. Nelson ba Jaco é outro exemplo de experimentação, em que há uma travessia de barco percebida simultaneamente pela perspectiva do piloto e do passageiro.

A parceria com Victor de Sousa não está confinada a Uma Lulik e ao projeto Tatoli ba Kultura, mas continua com Nicolay Nicolof, curta que conta a história de Norm Nicolay e Domingos Nicolof, respectivamente soldados australiano e timorense que lutaram lado a lado em Timor-Leste durante a Segunda Guerra Mundial.

Díli Film WorksA Dili Film Works (DFW) é uma organização não governamental

(ONG) timorense fundada pelos atores Jose da Costa e Bety Reis. A DFW realiza workshops de filmes de ficção e documentários com recursos financeiros obtidos junto a fundos holandeses, o Jan Vrijman Fund, do International Documentary Film Festival Amsterdam; e o Hubert Bals Fund, do International Film Festival Rotterdam. A partir destes financiamentos a DFW pôde realizar 4 curtas-metragens, sendo 3 de caráter documentário e um ficcional.

Salvador trata de Salvador Soares, um jovem timorense, do distrito de Viqueque, que migrou para Díli a fim de ingressar na universidade. Com a sua não aprovação, começou a vender cartões telefônicos. Seu dia a dia é abordado em 04’55”, das tarefas matinais à aula de inglês realizada a noite. Ao final do vídeo há a informação segundo a qual Salvador, após um ano em Díli, conseguiu aprovação para cursar Direito na universidade, mas continua vendendo cartões telefônicos para custear seus estudos.

Tais Market é o nome de um dos principais mercados de Díli e

é o tema que norteia o vídeo de 03’44”. Aqui o tema da educação

também se sobressai com o depoimento de uma tecelã, Gabriela

da Cunha, que conta que decidiu deixar a escola porque sua família

“era intimidada pelos militares indonésios e eles sabiam que eu era

uma das mensageiras para os guerrilheiros da resistência”. Logo

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em seguida ela diz que “se eu tivesse terminado meus estudos,

eu poderia ter pego um emprego melhor, mas eu não terminei a

escola”.A briga de galos, fenômeno tradicional em Timor-Leste, é o tema

de Manu Futu. Aqui é mostrado o funcionamento de uma rinha de briga de galos, assim como parte dos bastidores da mesma, através de cenas e depoimentos de Joanico dos Santos, organizador de uma rinha, e Salvador Salsinha, dono de um galo de briga.

Asu é o único curta ficcional da DFW entre os aqui citados. Ele conta a história de Mausoko, o dono de um restaurante que serve carne de cachorro e que vai bem nos negócios, mas não no amor. Mausoko ganha bastante dinheiro com seu negócio, mas sente falta de uma esposa, já que seus três primeiros casamentos não deram certo. Sua primeira esposa fugiu com outro homem, a segunda esposa cometeu suicídio durante a lua-de-mel em Bali e a terceira está presa, por tentar matá-lo. Com medo de seu noivado atual resultar num quarto casamento desastroso, Mausoko decide procurar ajuda de um Matan-dóok30.

Atualmente, a Dili Film Works não possui site próprio e seus vídeos estão com acesso restrito mediante uso de senha no Vimeo. As informações disponíveis acerca desta ONG podem ser obtidas a partir do site de uma produtora australiana, a FairTrade Films, que deu suporte à realização dos workshops acima mencionados. A parceria entre a DFW e a Fair Trade Films continua com a iniciativa do primeiro longa de ficção produzido localmente: A Guerra da Beatriz31, cuja campanha de captação de recursos iniciou-se em 2011 e está, atualmente, na fase de finalização do filme.

CPAA CPA, de acordo com seu site (CPA - CASA DE PRODUÇÃO

AUDIOVISUAL, [s.d.]), é uma força-tarefa da Fundação Sociedade de Jesus32. Ainda de acordo com seu site, a CPA

30 Curandeiro, feiticeiro, adivinho. Na legenda, em inglês, aparece como “witch doctor”.31 Para mais informações, ver <http://www.fairtradefilms.com.au/projects-beatrice.html>.32 A Fundação Sociedade de Jesus também é conhecida pela denominação de Companhia de Jesus.

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was born with a goal to build Timorese national identity through storytelling. In February 2004, “Istória ba Futuru” (History of the People), the first production of CPA was broadcasted on TVTL, the national TV network. The series consist of animation programs about popular legends as well as historical moments and figures of Timor-Leste. “Istória ba Futuru” blends animation programs with Timorese music, dances, and discussions on Timorese culture, traditions, and events. The programs are also used in schools and various alternative education settings as teaching materials.

O trabalho da CPA está predominantemente voltado para a produção de séries, onde são abordados temas relativos à cultura e história de Timor-Leste. Sua primeira grande produção foi Istória ba Futuru, que em português significa “História para o Futuro”, realizando posteriormente a série Povu nia Matenek, “Sabedoria do Povo”, em tradução livre para o português.

A série Istória ba Futuru33 é apontada por Sachse (2009) como ocupando um importante papel no processo de reconciliação da sociedade timorense. A estrutura do programa consiste em: 1) performances de músicos locais em uma paisagem timorense; 2) narrador introduzindo o foco do programa enquanto fica em frente a alguma construção relacionada à lenda ou evento histórico subsequentes; 3) apresentação de uma lenda em desenho animado e a discussão da mesma por um grupo de 6 jovens; 4) nova performance musical; 5) apresentação de um evento histórico em desenho animado seguida de explicações, por parte de um comentador, sobre o que aconteceu no evento, quem foi o responsável por ele, as razões do evento e sua significância para o Timor-Leste atual34, e; 6) ao final de cada programa uma questão relacionada ao evento histórico apresentado no programa é feita à audiência. Eventualmente há cartas enviadas à CPA, versando sobre o que foi apresentado no programa, então elas são lidas no programa posterior. É importante frisar que todos os programas

33 Na apresentação da CPA a série aparece como iniciada em 2004. Na seção TV Series ela surge como iniciada em 2006 e descontinuada em 2008. Segundo Sachse (2009, p. 56), a série foi ao ar de fevereiro de 2004 até 2006.

34 Sachse aponta que eventualmente uma testemunha do evento é entrevistada, após o desenho, e conta sua versão sobre o que ocorreu. Após o relato, há novamente discussão por parte do grupo de jovens.

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são integralmente gravados em tétum.

Além do papel de potencial promotora de reconciliação por

meio de suas produções audiovisuais, a CPA também é um centro

de capacitação. A ideia da CPA é tornar a população timorense

apta a produzir seu próprio conteúdo.

Centro Audiovisual Max Stahl Timor-LesteO centro leva o nome de seu diretor, Max Stahl, pessoa cujo

trabalho é reconhecido em Timor-Leste, tendo recebido um monumento em sua homenagem na pousada Vila Harmonia, no bairro Becora, cidade de Díli (SEBASTIÃO, 2008). Este reconhecimento advém do fato de ter sido Max Stahl o responsável pelo registro e circulação do vídeo que mostrava o ataque de soldados indonésios a manifestantes timorenses, evento que se tornou conhecido como Massacre do Cemitério de Santa Cruz e figurou como evento crítico na luta pela independência do país.

Max Stahl trabalhava com audiovisual em diversos países, principalmente na Inglaterra. Durante a Guerra do Golfo, ocorrida no Kuwait, apresentou algumas propostas para fazer registros no Timor-Leste e acabou recebendo financiamento de uma companhia de televisão inglesa. O seu projeto baseava-se na comparação da situação de Timor-Leste com a do Kuwait, sob a luz da lei internacional. Após o primeiro filme, o diretor teve a chance de focar apenas Timor-Leste, seus processos políticos e a Resistência. Stahl esteve em importantes e dramáticos acontecimentos, como em 1999 durante o referendum. Conseguiu realizar gravações e enviá-las para fora do país com a ajuda da Resistência. Segundo o diretor, as imagens chamaram a atenção do público principalmente em Portugal e na Austrália.

O CAMSTL é definido como (Tekee Media Inc, 2005):

[…] an active audio-visual centre with two main functions: [1] the

gathering and preservation of East Timor’s history and culture in

audio-visual form, and [2] the ongoing recording of music, culture

and the nation-building process in East Timor.

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The Centre gathers, copies, logs and transcribes, with time code

references, audio-visual material, edited and un-edited, in the

original languages of East Timor, and of its many foreign visitors,

and seeks to translate these into Tetum, Portuguese and English

in order to make the material accessible for education purposes to

people in Timor and abroad.

Além de ser um centro produtor de obras audiovisuais, o CAMSTL também se afirma enquanto centro de restauração e preservação da memória timorense, assim como capacitador de um corpo técnico capaz de produzir obras audiovisuais. Essa ideia de preservação pode ser associada com o acervo mantido. Max Stahl afirma ter mais de 3 mil horas de gravações sobre Timor-Leste e cerca de 40 produções audiovisuais realizadas desde 1991. Ou seja, mais de 20 anos do que o diretor considera como o “material de uma nação”, que contempla diferentes aspectos da história timorense. Segundo Max Stahl, o acervo constitui-se de temas culturais, políticos e sociais como saúde, crise, jovens e partidos políticos. Essa variedade corrobora com o que o diretor afirma como riqueza cultural e antropológica do país, uma satisfatória justificativa para a documentação dos múltiplos temas, bem como diversos ângulos sobre as mesmas questões.

O CAMSTL é mantido por 10 a 12 pessoas permanentes. A maioria desses membros é de estudantes que são indicados por integrantes ou ex-integrantes do Centro. As funções são diferenciadas no Centro, mas o diretor menciona não haver uma hierarquia em sentido estrito, destacando a “natureza revolucionária” dos timorenses. Essa equipe é composta por técnicos, administradores, os responsáveis pelas finanças, os que fazem transcrições (em geral os jovens), entre outros.

A função de Max Stahl no centro diz respeito a escolha dos trabalhos, que está associada a arrecadação de fundos. Em princípio, a UNESCO era a principal financiadora dos projetos, que, segundo o diretor, oferecia recursos ilimitados. No entanto, essa configuração foi modificada e o CAMSTL passou a sobreviver de projetos financiados por outras instituições. Segundo o site Tekee Media (2005), o CAMSTL recebe suporte financeiro dos governos

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da Finlândia, Alemanha e Timor-Leste, além da UNESCO, Tekee Media e doações privadas.

Os vídeos realizados pelo CAMSTL geralmente tocam no tema da ocupação indonésia e da reconstrução do país, assim como dos desafios contemporâneos a serem enfrentados. Neste tema estão os vídeos: Voices of the Poor, que aborda o tema do desemprego entre os jovens timorenses; After the Victory, onde ex-combatentes do período da Resistência timorense reivindicam políticas públicas de reconhecimento, e; Women, Peace and Security, que trata do Centro Esperanca Ba Feto – Salele de proteção a mulher e fortalecimento de seus direitos.

Considerações do presenteAs produções aqui mencionadas são um espelho e consequência

da independência timorense. Apenas com o fim da ocupação indonésia foi possível o estabelecimento de centros de produção audiovisual, pois antes havia um blackout de informações.

A partir dos vídeos e filmes realizados em Timor-Leste é possível perceber que muitas feridas do período de ocupação e da crise de 2006 ainda não sararam e, talvez, nem venham a sarar, assim como nossas feridas do período de ditadura militar. Lá houve a atuação de uma Comissão de Verdade e Reconciliação, mas muita coisa ainda resta a ser lembrada, analisada, assimilada, curada...

Neste sentido, as séries produzidas pela CPA, com ênfase em Istória ba Futuru, são espaços e instrumentos de agregação e rearticulação de memórias, servindo para um reordenamento da ordem presente e o estabelecimento de novas perspectivas para o futuro. Os filmes do CAMSTL são o registro desta memória, a memória dos combatentes, dos diversos membros das redes da Resistência, das dificuldades e anseios existentes no pós-guerra, assim como as esperanças (ou desesperanças) dos jovens. A DFW e David Palazón abordam a vida dos timorenses, seus espaços de lazer, de sociabilidade, e as ações e processos que dão suporte e existência a esses espaços, assim como também se permitem mostrar Timor-Leste de uma forma criativa, experimental, mágica.

O campo audiovisual em Timor-Leste é composto ainda por outras instituições e agentes que ora não pude abordar por motivos

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de espaço, mas que participam do processo de consolidação deste campo, dando contribuições nativas e estrangeiras a questões como: o que é o Timor-Leste? Quem são os timorenses? O que eles esperam com a independência?

São questões vagas, mas com grande poder. O audiovisual timorense está aí para mostrar que estas questões estão sendo continuamente respondidas, de formas bastante diferentes e criativas.

Referências bibliográficas

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Fairtrade Films. Film & Television Course - East Timor. Disponível em: <http://www.fairtradefilms.com.au/projects-DFW-courses.html>. Acesso em: 20 abr. 2012.

Gunn, G. C. Timor Loro Sae: 500 anos. Macau: Livros do Oriente, 1999.

Gunn, G. C. «A ocupação indonésia de Timor-Leste: lições e legados para a construção do Estado na nova nação». In: Silva, K. C. da; Simião, D. S. (Eds.). Timor-Leste por trás do palco: Cooperação internacional e a dialética da formação do Estado. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007. p. 40-62.

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Palazón, D. Hanesan maibee ketak-ketak (Same same but different). Disponível em: <https://vimeo.com/34500102>. Acesso em: 12 mar. 2012.

Pereira, V. de S. Uma Lulik, 2010.

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Sachse, H. «Reconciliation in Timor-Leste and the role of the media: the Casa de Produção Audiovisual». In: Cabasset-Semedo, C.; Durand, F. (Eds.). East-Timor: How to build a new nation in Southeast Asia in the 21o century? Bangkok: IRASEC/CASE, 2009. p. 49-62.

Sebastião. Homenagem a Max Stahl. Disponível em: <http://sebasgut.blogspot.com.br/2008/11/homenagem-dos-amigos-timorenses-max.html>. Acesso em: 27 dez. 2010.

Silva, K. C. da; Simião, D. S. (Eds.). Timor-Leste por trás do palco: Cooperação internacional e a dialética da formação do Estado. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007. p. 431.

Tekee Media Inc. CAMS Timor Leste. Disponível em: <http://www.shoalhaven.net.au/~mwsmith/aatlms.html>. Acesso em: 6 nov. 2010.

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Cinema em Moçambique, primeiros anosSílvia Vieira35

A expressão cinema africano é muito fluída e ilusória, pois a diversidade cultural do continente é enorme. Os movimentos artísticos, e os seus protagonistas, assim como a difusão internacional dos mesmos, foi e é desigual em África conforme o ex-colonizador, a estabilidade política dos países e a língua. O cinema não foi, não é, excepção. Por isso prefiro, há já algum tempo, referir-me ao cinema produzido em África no plural - cinemas africanos. É sobre um destes cinemas que aqui escreverei – um dos cinemas africanos falado em português, o cinema moçambicano.

O “nascimento” do cinema moçambicanoA história recente do cinema em Moçambique está intimamente

ligada às transformações políticas, económicas, sociais e culturais operadas depois da independência do país a 25 de Junho de 1975. Uma das primeiras medidas tomadas pelo primeiro presidente da República Popular de Moçambique, Samora Machel, foi criar o Serviço Nacional de Cinema (SNC), renomeado em 1976 de Instituto Nacional de Cinema (INC). Podemos afirmar que, desde o nascimento do país, os seus líderes perceberam que o cinema seria o meio de comunicação ideal para promover a unificação do país e divulgar os valores socialistas da FRELIMO36.

É neste contexto que surgem os primeiros jornais cinematográficos moçambicanos – os Kuxa Kanema; os seus principais objectivos eram informar, educar e mobilizar a população em torno de um ideal comum. Constituíram uma verdadeira arma política e uma poderosa forma de unificação e estruturação do país em torno de um ideal comum – um país em que todos são livres e são moçambicanos. Foram realizados cerca de 397 Kuxa Kanema e, se ao longo da primeira série (1978) foram feitos com irregularidade, a partir de 1981 passaram a ser de edição semanal e de duração aproximada de 10 minutos.

35 Centro de Investigação em Artes e Comunicação da Universidade do Algarve (CIAC-UAlg)36 Frente de Libertação de Moçambique, partido político fundado por Eduardo Chivambo Mondlane

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Samora Machel foi uma figura central destes filmes, sobretudo por causa dos seus discursos inflamados acerca do futuro do país que chegavam às províncias através de seis carrinhas de cinema móvel equipadas com projectores; na cidade de Maputo, eram passados nas salas de cinema convencionais. Para muitos moçambicanos, estas foram as primeiras imagens em movimento que viram. Desta forma, e como aconteceu em tantos outros momentos da história, “pela sua ligação ao real, o cinema serviu para criar e reforçar ideologias; para impor modelos e sugerir padrões de comportamento.”37

Na década de 80, o INC produz os primeiros documentários de carácter mais autoral: 25 (1975) de Celso Lucas, José Celso Correia e Colectivo INC; Estas são as Armas (1978) de Murillo Sales e Bernardo Honwana; e Maputo, Meridiano Novo (1976) de Santiago Alvarez, em coprodução com Cuba. E, apesar da tradição cinematográfica moçambicana ser documental, também surgem as suas primeiras ficções: Mueda, Memória e Massacre (1979) de Ruy Guerra; O Tempo dos Leopardos (1985) de Zdravko Velimorovic; e O Vento Sopra do Norte (1986) de José Cardoso.

Em 1986, Samora Machel morre num misterioso acidente aéreo em território sul-africano. Em 1989, a FRELIMO renuncia formalmente ao marxismo-leninismo, conduzindo o país às eleições multipartidárias e à adopção do mercado livre. A crise económica e a instabilidade política que se instalaram em moçambique nesse período, enfraqueceram o Instituto Nacional de Cinema. Em Maputo, muitas salas são encerradas, o cinema móvel não consegue fazer projecções nas províncias. O incêndio ocorrido nas instalações do INC, a 12 de Fevereiro de 1991, em que o laboratório e os equipamentos foram completamente destruídos, conduzem definitivamente o instituto à decadência. A falta de verbas e uma máquina burocrática pesada conduziram-no a um estado de letargia. O fim do monopólio do estado na indústria cinematográfica permitiu no entanto a criação de produtoras privadas, tais como a KANEMO, a COOPIMAGEM, a Ébano Multimédia e a PROMARTE entre outras. Constituídas pela primeira geração de cineastas moçambicanos como forma de produzir, realizar e divulgar os seus próprios filmes,

37 Tavares, Mirian e Vieira, Sílvia (colaboração). Cartografias do Desejo: a Cidade como Espaço do Outro. Revista Internacional em Língua Portuguesa, Lisboa, nº 23, 2010. P. 104.

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foram estas produtoras e as televisões que não deixaram morrer o cinema em Moçambique.

Longe do primeiro olhar etnográfico pousado sobre África, são inúmeros os temas abordados, analisados ou revelados através do documentário em Moçambique. Distintos são também os olhares dos realizadores sobre o que os rodeia. Convoco para esta reflexão, por um lado, um conjunto de cineastas que fizeram parte da construção do cinema moçambicano - Isabel Noronha, Licínio Azevedo, Camilo de Sousa, Sol de Carvalho e Chico Carneiro, citando apenas alguns dos mais consagrados - e, por outro, uma nova geração de jovens realizadores que nos permitem antever um futuro promissor para o cinema em Moçambique - Camila de Sousa, Diana Manhiça e Sérgio Libilo.

Cinema documental: a primeira geração de cineastasA pedra angular dos documentários de Isabel Noronha (1964-

) é o lado humano das realidades que a angustiam. É o caso de Trilogia das Novas Famílias (2007) no qual, através de três curtas-metragens (Caminhos do Ser, Delfina-Mulher-Menina e Ali-Aleluia), dá voz a crianças órfãs de pais vítimas do HIV/SIDA. São também tocantes e de uma sensibilidade extraordinária outros trabalhos da cineasta, tais como Salani (2010), Mãe Dos Netos (2008) e Meninos de Parte Nenhuma (2012). Nestes três últimos, Isabel Noronha, em parceria com Vivian Altman, recorre a filmagens de entrevistas mas também ao cinema de animação, para “desenhar” em torno das personagens reais momentos de um passado difícil.

Licínio Azevedo (1951-), nascido no Rio Grande do Sul (Brasil) e moçambicano por adopção, foi um dos primeiros brasileiros a serem convidados por Ruy Guerra para trabalhar no INC. Tem uma vasta obra cinematográfica, tanto documental como ficcional. O olhar de Licínio pousa nos mais variados temas relacionados com o país que o acolheu. É, possivelmente, o mais eclético dos realizadores a fazer cinema em Moçambique. Em Campo de Desminagem (2005), filme acerca dos sapadores responsáveis pela desminagem, mostra a relação entre homem e meio ambiente, assim como no documentário A Ponte (2001), onde filma a luta entre o homem e os caprichos da natureza durante a construção de uma ponte necessária á

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preservação da reserva natural de Chimanimani. Em Mariana e a Lua (1999), acompanha a viagem da curandeira e líder espiritual de uma aldeia moçambicana, Mariana Mpande aos Estados Unidos para divulgar a sua experiência de gestão comunitária dos recursos naturais da região que habita. A relação com o lado espiritual das populações e com a história e alma dos lugares sempre foi muito apelativo para Licínio. Está bem patente em algumas ficções que assina38, mas também em documentários como Tchuma Tchato (1997) - sobre os espíritos que habitam a zona sul do rio Zambeze, representados pelo Leão, o Macaco e a Serpente e em Hóspedes da Noite (2007), acerca do Grande Hotel da Beira, actualmente em ruínas, e habitado por cerca de 3500 pessoas onde existem entre outros lugares, um antigo quarto transformado em mesquita e outro em Igreja. O tema da Guerra Civil em Moçambique e das suas implicações e consequências na vida das populações expressas em A Árvore dos Antepassados (1994) e A Guerra da Água (1996) é outro dos assuntos que interessam ao cineasta.

A situação económica e social da população moçambicana sempre foi uma das preocupações políticas centrais da obra do cineasta Camilo de Sousa (1953-), Guerrilheiro na luta pela independência e trabalhador do INC entre 1980 e 1991. A expressão “cinema de resistência” é usada por ele quando se refere ao cinema que hoje se faz em Moçambique. O olhar crítico de Camilo de Sousa em relação ao período pós-independência está patente, entre outros, nos documentários, Operação Leopardo (1981) e Ofensiva (2010). No primeiro, infere acerca do regresso, em Fevereiro de 1980, do contingente de voluntários das Forças Populares da FRELIMO que participaram na luta contra o regime da Rodésia ao lado dos Zimbabwianos; no segundo, produzido pelo Instituto Nacional de Cinema e Audiovisual (INAC) no âmbito do Projecto de Preservação do Património, mostra-nos através de imagens de arquivo, digitalizadas em 2009, Samora Machel na visita ao Porto de Maputo onde encontra armazéns cheios de mercadorias com produtos alimentares em deterioração enquanto as lojas estão vazias e o povo aguarda em intermináveis filas. Num comício Samora

38 Desobediência (2002), O Grande Bazar (2005)

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lança a sua ofensiva organizacional contra a burocracia, sabotagem e negligência do sistema de abastecimento das empresas estatais.

Sol de Carvalho (1953-) é um multifacetado cineasta. A sua produção cinematográfica é diversificada pois inclui documentários e filmes de ficção, tendo também, nos últimos anos, se dedicado a Videoarte. Em A Imagem Interior (1986), reflecte sobre a forma como a guerra pode influenciar a produção artística, acompanhando o pintor Malangatana, o escultor Govane e o Grupo de Makawela. A sua sensibilidade em relação às temáticas da arte e da produção artística também é encontrada em Labirintos da Alma (1992), uma viagem pelos murais de Malangatana em Maputo, acompanhado por um original texto de Leite de Vasconcelos. A multiplicidade cultural de Moçambique é retratada em Ilha de Moçambique – encontro de Culturas (1995), um documentário em que Sol de Carvalho nos dá conta da multiplicidade cultural e religiosa existente na Ilha de Moçambique onde convivem católicos, muçulmanos, hindus e animistas. Ruas do Buzi (2012), levanta questões da percepção popular sobre o HIV/SIDA, tema que o acompanha transversalmente a obra do cineasta no domínio da ficção39.

Nascido em 1951, em Castanhal (Pará/Brasil), Chico Carneiro vem para Maputo a convite de Ruy Guerra, participando na criação e implementação da KANEMO – Produção e Comunicação Lda, onde foi director de fotografia de vários filmes de ficção e documentários. Em 2012 criou a ARGUS. Realizou vários documentários em que o respeito pela preservação do meio ambiente é notória. É o caso do documentário Terra. Amanhã será tarde (2012), uma reflexão do autor acerca da gestão e administração das terras em Moçambique, e do desafio colocado no acesso e posse das mesmas pelas comunidades rurais face aos interesses do sector empresarial. Também os documentários ABC do Ambiente (1996), Reservas – Um Lugar para Não Viver (1999) e Queimadas Descontroladas (1999) revelam uma preocupação genuína em registar as dificuldades da população em perceber as mudanças económicas e políticas que acompanham o desenvolvimento do país.

39 O Jardim do Outro Homem (2006), Teias de Aranha (2007)

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Jovens realizadores Reflexões em torno da memória e identidade dos lugares fazem

parte dos olhares das jovens cineastas Diana Manhiça (1975-) e Camila de Sousa (1985-). Em Manifesto das Imagens Sem Movimento (2012), Diana Manhiça filma a remoção de latas de películas em decomposição dos arquivos do Instituto Nacional de Cinema e Audiovisual de Moçambique, alertando-nos para as péssimas condições de preservação em que se encontra. No documentário A Ponte – história do ferryboat Bagamoyo (2010), a mesma cineasta presta homenagem ao ferryboat, construído em 1973, que nos últimos anos faz a ligação diária entre Maputo e a Catembe, uma vila piscatória do outro lado da baía de Maputo, transportando centenas de pessoas, veículos e carga sete dias por semana. A história do documentário constrói-se através daqueles que usam o barco e da memória dos “catembeiros” que nele trabalham.

A busca por um lugar identitário entre as casas de zinco e madeira de um bairro pobre da periferia da cidade de Maputo, a Mafalala, é o que procura Camila de Sousa no seu filme Mafalala Blues (2010). Memórias sobre o colonialismo e a luta de libertação encontram-se neste subúrbio onde viveram os poetas José Craveirinha e Noémia de Sousa.

Gigante de Rua (2012) é o primeiro e único documentário de Sérgio Libilo (1982-). Nele, o cineasta apresenta um evento inédito no seu país, um desfile de máscaras e marionetas gigantes num espectáculo de rua que teve lugar no Mercado de Xipamanine e no Bazar Central de Maputo. Elaboradas no Centro Franco Moçambicano em 2011, no âmbito do projecto Valorização Nacional e Internacional das Práticas Artísticas de Moçambique e da Guiné-Bissau pela criação, formação e intercâmbio e sob orientação da companhia francesa Les Grandes Personnes, participaram nele alunos guineenses, moçambicanos e sul-africanos.

Considerações geraisA deficiente rede de distribuição, de difusão e a escassez de

salas não permitem que o cinema moçambicano tenha grande visibilidade, pois fora do circuito dos festivais, dos congressos e das universidades, este cinema é praticamente desconhecido.

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A produção cinematográfica em Moçambique depende de um sistema de produção muito frágil, ancorado em apoios externos das organizações internacionais com interesses em Moçambique. E, apesar da influência destas na temática abordada nos documentários, importa realçar a originalidade e criatividade dos seus cineastas em abordar os mais variados temas, conduzindo-nos a pensar Moçambique, a abstrair-nos de clichés, a conhecer uma realidade outra.

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Os «verdes anos» da curta-metragem portuguesa

Daniel Ribas40

As últimas duas décadas alteraram significativamente o panorama audiovisual português. Através de mudanças tecnológicas, culturais e económicas, o espaço português foi propulsor de novos filmes e de novos cineastas, numa renovação quase sem precedentes na história do cinema português. De certa forma, visualmente, os filmes portugueses foram-se transformando e o panorama atual é, em muitos aspetos, diferente daquilo que era conhecido como “cinema português”. No nosso entender41, parte importante desta renovação resultou de uma nova geração de cineastas que despontou nas curtas-metragens. O modelo narrativo e financeiro de produção de curtas foi, pelo menos desde a década de 60 do século passado, um modelo capaz de potenciar o trabalho de jovens realizadores com vontade de mostrar as suas competências cinematográficas. Para além disso, foi – e continua a ser – um modelo que exponencia as características experimentais do cinema.

Contudo, é importante recuar à década de 90, já que foram nesses anos que estas mudanças começaram a sentir-se de forma mais profunda e resultando numa nova geração de autores. Antes de mais, estas alterações são resultado de um novo contexto político e económico que permitiu um novo fôlego financeiro e criativo. Nos anos 90 começou a sentir-se, como mais profundidade, o impacto da adesão de Portugal à União Europeia. Os fundos resultantes desta adesão, permitiram uma nova relação do poder político com as políticas culturais. Essa realidade juntou-se a um período económico muito favorável e a um consequente aumento e diversificação dos apoios concedidos ao cinema. Pormenor decisivo,

40 Instituto Politécnico de Bragança e Universidade de Aveiro41 Este texto parte de duas reflexões anteriores sobre as características da nova geração do cinema português contemporâneo e da importância da curta-metragem na emergência destes autores: Ribas, Daniel. “O Futuro Próximo: Dez Anos de Curtas-Metragens Portuguesas.” In Agência, Uma Década Em Curtas. D. Ribas e M. Dias (org.). Vila do Conde: Curtas Metragens, CRL. Ribas, Daniel. “Os Últimos Autores do Cinema Portu-gués.” A Cuarta Parede 1 (2011). In http://www.acuartaparede.com/ultimo-cinema-portugues/

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porque o mercado português de cinema, como sempre aconteceu na sua história, é um mercado maioritariamente dependente dos apoios estatais ao cinema.

Numa primeira fase, ainda nos anos 90, esta nova realidade do país conduziu a dois fenómenos paralelos: por um lado, com as primeiras obras de um conjunto de cineastas de uma geração revelada entre final dos anos 80 e o início da nova década, casos de Teresa Villaverde, Pedro Costa, Joaquim Sapinho ou João Canijo, para citar apenas os mais consagrados; por outro lado, fruto da diversificação das formas de financiamento, apareceu, na transição para o séc. XXI, no reduto das curtas-metragens, uma nova geração de jovens cineastas, apropriadamente denominados “Geração Curtas” (Seabra, 2010). Estes novos realizadores, no campo da curta-metragem de ficção, começaram a afirmar-se com olhares originais e cosmopolitas sobre a realidade portuguesa. Encontram-se neste grupo autores que iniciaram a sua carreira na segunda metade dos anos 90, nas curtas-metragens: Marco Martins, Catarina Ruivo, Raquel Freire, Jorge Cramez, João Pedro Rodrigues, Tiago Guedes/Frederico Serra, Miguel Gomes ou Sandro Aguilar (mais uma vez citando os mais reconhecidos). Podemos afirmar, por isso, que este segundo grupo representa uma nova frente no cinema português, até porque beneficiou, no final da década de 90 e no início do séc. XXI, de uma nova fonte de financiamento: o subsídio a primeiras obras de longa-metragem. Esse apoio deu-lhes a oportunidade para se lançar num formato mais visível no panorama internacional em filmes de maior fôlego narrativo e financeiro. Esta nova geração tem sido sustentada e acrescida de outros nomes que se destacaram, sobretudo, a partir de meados da década de 2000. Entre esses autores encontram-se cineastas como João Nicolau, João Salaviza, Gabriel Abrantes ou Basil da Cunha.

Para além disso, esta geração beneficiou de uma visibilidade nova, sobretudo no terreno dos festivais de cinema, entre os quais: o Curtas Vila do Conde desde 1993; o IndieLisboa e o DocLisboa, ambos a partir de meados da década de 2000, mas também muitos outros de menor dimensão. Em termos internacionais, foram impulsionados pela criação da Agência da Curta Metragem,

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em 1999, que colocou estrategicamente estes filmes em diversos palcos internacionais. Também a evolução favorável e diversificada das formações superiores em cinema facilitou a integração técnica e artística desta nova geração.

Apesar de ter sido, logo nas curtas-metragens, denominado como uma geração, a verdade é que este grupo de autores tem, na sua génese, uma apreciável diversidade, encontrando-se diferentes abordagens narrativas, temáticas e cinematográficas. Nesse sentido, não há um corpo comum, uma escola decifrável e clara que agregue todos os realizadores. Mas haverá algumas questões que podem ser analisadas em conjunto e talvez a forma mais rápida de os tornar próximos seja na maneira como, de facto, todos eles continuam uma tradição de cinema de autor, emprestando aos filmes olhares individuais. Também Augusto M. Seabra (2000: 11) notou uma mudança de paradigma, olhando especificamente para esta geração que nasce no final da década de 90, em que predominava “um cosmopolitismo com evidentes sinais de um novo paradigma cinéfilo”. Esta nova geração supôs-se na abertura de um novo discurso cinematográfico, que Seabra (Ibidem) caracterizou através de uma recusa de uma “diferença portuguesa”, já que aparentemente “não os anima nenhum particular espírito de missão em reproduzir uma qualquer imagem dominante do cinema português”. Para o crítico havia uma mudança nos termos de abordagem, com uma recusa de uma “reivindicação prévia (...) na formulação de um discurso «sobre» o cinema” (Seabra 2000: 15). Colocados no centro de um turbilhão de mudanças sociais, estes filmes adotavam também novos temas, como: a exploração de problemas sociais; a utilização de jovens e adolescentes num limbo identitário; a posição dos imigrantes no interior da sociedade portuguesa; os vínculos familiares mais frágeis; a recuperação de aspetos de um passado traumático, sobretudo salazarista; finalmente, um olhar desmistificado do interior português.

Em todo o caso, gostaríamos de ensaiar algumas considerações sectoriais em relação a este grupo. Por um lado, é evidente uma certa supremacia do cinema de ficção, em que dividiremos em duas grandes tendências: (1) um cinema com forte componente visual e

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estética; (2) um cinema mais centrado na sua própria reinvenção narrativa, sobretudo utilizando aspetos de ironia e citação cinéfila no seu desenvolvimento narrativo. Apesar de não ser uma divisão linear, ela mostra alguns sinais de predominâncias cinematográficas. Por outro lado, gostaríamos de salientar outros dois movimentos: a consagração de um cinema de animação de características artesanais; e a emergência de um cinema de características experimentais, que foi utilizado sobretudo por artistas vindos dos terrenos da arte contemporânea.

O cinema de ficção Desde o crescimento exponencial na década de 90, o cinema de

ficção tornou-se predominante na curta-metragem, em termos de um reconhecimento internacional. Entendido como passo essencial no início de uma carreira cinematográfica, a curta-metragem de ficção é um meio privilegiado para experimentar e mostrar as aptidões narrativas e visuais. No entanto, com um mercado exíguo, muitas vezes a curta-metragem foi também meio para continuar a trabalhar, ganhando assim uma consistência nunca antes alcançada no cinema português e no interior das filmografias dos jovens realizadores.

Uma das tendências mais evidentes deste cinema de ficção foi a preponderância de narrativas minimalistas com um forte trabalho visual. Um dos principais nomes desta tendência é Sandro Aguilar, cujo corpo de trabalho, durante os últimos quinze anos, tem sido, precisamente, a curta-metragem. Mas outros autores também dialogaram com esta tendência, através de filmes com tendências narrativas fortes e visualmente muito trabalhados, como: João Figueiras, Cláudia Varejão, Inês Oliveira, João Salaviza, André Santos/Marco Leão ou Miguel Fonseca. Quando falamos desta dimensão visual, estamos a acentuar uma prática da cinematografia destes filmes em relação à forma como representam a realidade. Esta prática não é alheia à influência da estética publicitária que domina o panorama audiovisual português, mas também das novas capacidades técnicas de produção e pós-produção. Estes autores, cuja diversidade narrativa também é assinalável, filmaram o país através de uma lente fotográfica estilizada.

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No contexto desta tendência, destaca-se, como dissemos, Sandro Aguilar, cujo percurso, mesmo na década de 2000, tem sido sobretudo na curta-metragem: foram nove os filmes de formato curto que realizou entre 1998 e 2012, entre os quais Corpo e Meio (2001), Arquivo (2007) ou Voodoo (2010), assim como A Zona (2008), a sua primeira experiência nas longas. O seu cinema é marcadamente visual “prosseguindo a sua pesquisa sobre fragmentos de gestos e de situações que constituem a narrativa diária das suas personagens” (Ribas, 2010: 98). Acentuado nos seus últimos filmes, Aguilar quer trabalhar naquilo a que designa por “narrativa parentética”42, colocando dois níveis narrativos: um mais documental, que se relaciona com o espaço envolvente; outro mais ficcional, aproximando-se de personagens em determinadas ações no tempo. Os filmes de Aguilar são também despudorados, minimalistas. Nas palavras do realizador: “Eu tenho a tendência obsessiva por qualquer coisa de síntese, de não usar mais do que é preciso” (apud Ribas & Dias, 2010: 42). Por isso mesmo, os filmes de Aguilar têm uma narrativa ténue, não marcada por acontecimentos fortes. O autor, mesmo ainda com poucas experiências nas longas, é já uma certeza no panorama audiovisual e tem sido chamado para retrospetivas especiais da sua obra em vários festivais internacionais: por exemplo, houve duas recentes retrospetivas do autor em dois festivais importantes no ano de 2011: Roterdão (Holanda) e o BAFICI, de Buenos Aires (Argentina), para não falar das incontáveis presenças em competição em diferentes festivais como Locarno, Roterdão, Montreal ou Clermont-Ferrand.

Um dos enfoques centrais deste primeiro grupo de cineastas passa também pela forma como a cidade adquire uma predominância cinematográfica própria, colocando-se em relação com as personagens que habitam a história. Um caso evidente dessa relação é João Salaviza, cuja carreira cinematográfica foi meteórica, com prémios em principais em dois dos mais importantes festivais de cinema (Cannes e Berlim, ambos com prémio de melhor curta-metragem a concurso). Em Arena, o seu primeiro filme depois da Escola de Cinema, está em jogo uma história minimal de um

42 http://www.curtas.pt/festival/index.php?menu=18&submenu=662

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condenado a prisão domiciliária e a sua relação com o bairro. Depois de ser atacado por três miúdos, ele persegue um deles até ao topo de um edifício. Aí, Salaviza faz uso da profundidade de campo, relacionando o estado do seu personagem com uma cidade que se torna demasiado opressiva e claustrofóbica. Ao realizador interessa menos a história que está a contar e mais a relação das suas personagens com a mise-en-scène e com o aparato visual. Apesar de ser muito diferente, a relação que Aguilar e Salaviza têm em comum com a imagem torna-os especialmente dotados na construção visual dos planos.

Este novo grupo de realizadores, tem, como já referi, outro polo, mais próximo de um olhar reinventivo sobre as convenções narrativas. Estes filmes são projetos arrojados que trazem para o cinema português novas fórmulas. Foram aliás, dois autores que aqui assinalamos, os dois cineastas mais destacados desta geração e classificados, em várias publicações internacionais, como autores a reter no futuro.

Um dos cineastas que mais relevo conseguiu nesta primeira década é Miguel Gomes. Autor de uma extensa obra de curta-metragem, que remonta ao final dos anos 90, Gomes tornou-se um autor celebrado pelo sucesso internacional de Aquele Querido Mês de Agosto (2008) – um filme inclassificável que contamina o projeto original de ficção com sequências documentais e até mesmo um making of do próprio filme – e Tabu (2012), a sua homenagem ao cinema em película (foi filmado a preto e branco) e uma leitura irónica sobre o passado colonial português. No entanto, a génese destas experiências cinematográficas estava já nas suas curtas, que realiza desde o final dos anos 90. Símbolo máximo da sua orgânica de filmagem é “31”, um filme livre – no sentido de não utilizar guião ou atores profissionais – mas que dialoga com os nossos preconceitos (no caso, os betinhos vs os rufias) e com aspetos históricos, tanto da História de Portugal, como da História do Cinema. Gomes, nos filmes de curta ou longa metragem, propõe-nos sempre um jogo cinéfilo, recuperando uma relação dialética entre o realizador e o espectador. Como assinala o autor: “aquilo quase que não é um filme de ficção, é mais quase um documentário sobre uns atores,

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que não eram atores profissionais, a fingirem que estão a fazer um filme de ficção. Nesse sentido, a ficção é uma coisa muito pouco sólida. Muito pouco credível” (apud Ribas & Dias, 2010: 89).

Parente muito próximo do cinema de Miguel Gomes – aliás, trabalharam ambos nas produções que realizaram – surge João Nicolau. Ainda com apenas três curtas-metragens (Rapace, 2005; Canção de Amor e Saúde, 2008; Gambozinos, 2013) e uma longa (A Espada e a Rosa, 2010), o realizador já criou um universo próprio, um pouco devedor, como dissemos, dos filmes de Miguel Gomes, mas que avança numa narrativa irónica, construída através de associações de ideias e da recuperação de memórias de infância. O caso mais sério deste trabalho foi Rapace, um filme sobre um jovem adulto, perdido entre as graças da juventude e o vazio da vida adulta. Este diálogo é colocado em termos cinematográficos, alterando o registo realista (isto é, num sentido naturalista) pelo da memória livre. Só assim pode ser lida a última sequência do filme, quando uma festa em cenário branco e som exagerado é alterada para pequenas cenas de infância, como o caso de uma equipa de futebol a jogar à noite numa rua escura. Num registo sincero e irónico pela juventude perdida, João Nicolau é, também ele, um autor a reter no futuro.

Finalmente, numa geração que é ligeiramente anterior, surge João Pedro Rodrigues, que já possui quatro longas-metragens na sua filmografia. Rodrigues é, sobretudo, conhecido pela forma como trouxe ao cinema português o cinema queer, entregando o protagonismo dos seus filmes aos ambientes mais marginais do travestismo e das relações homossexuais e transgéneros. Na verdade, todos estes filmes assumem a vontade de devolver um protagonismo às personagens principais. Falamos, por exemplos das longas-metragens do autor como O fantasma (2000) ou Morrer Como um Homem (2009). Nas palavras de Mário Jorge Torres, “Rodrigues prossegue na senda de fazer cinema de risco total, que não se confunde com o de mais ninguém: original, só, no desequilibrado balanceado de quem conhece os mestres e resiste à cinefilia fácil, «encerrado» numa visão totalizante de pura matéria fílmica.” (Torres, 2009). Com várias obras de curta-metragem nos

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últimos anos – algumas delas corealizadas com João Rui Guerra da Mata – o cineasta trabalha no contexto de um cinema de género, sobretudo o film noir ou o filme de terror, para introduzir a ficção e o suspense em contextos mais realistas. Foi assim, por exemplo, em China, China (2007), sobre imigrantes chineses em Lisboa e a sua capacidade efabulatória: de partir de uma realidade pobre e pálida para uma vida maior e excitante, que só o cinema consegue imaginar43. Também é assim em Manhã de Santo António, uma homenagem à noite mais longa de Lisboa (que celebra o Santo António), através da utilização de mecanismos do filme de zombies: a curta desenvolve-se numa sucessão de planos em que diferentes pessoas, anónimas, caminham como zombies em direção aleatória.

Da animação, do documentário e do filme experimentalNo campo da animação, os últimos anos são marcados por

uma constante renovação de protagonistas, sobretudo devido ao crescimento de uma oferta formativa de qualidade que lançou uma nova geração de animadores. Para além disso, estes anos mostraram-se propícios à sustentação económica de vários projetos, devido à manutenção dos apoios do Instituto do Cinema e Audiovisual. O tecido empresarial consolidou-se, podendo citar-se os exemplos distintos de casas de produção como a Animanostra, a Zeppelin Filmes, a Ciclope Filmes, o Sardinha em Lata, ou a Animais. Com o trabalho aprofundado destas estruturas foi possível à animação portuguesa obter um lugar de grande destaque através da presença em festivais por todo o mundo, arrecadando vários prémios importantes.

Contudo, estes anos são marcados por uma obra seminal: História Trágica com Final Feliz (2005), de Regina Pessoa, que insiste num modelo artesanal da animação tradicional, com resultados belíssimos e um palmarés fulgurante, de que se destacam os prémios no Cinanima e, sobretudo, o Grande Prémio do Festival de Annecy (o mais reputado festival internacional de animação). Se em 1999, A Suspeita já colocara a fasquia da animação portuguesa muito alta, com a atribuição do Cartoon D’Or, Regina Pessoa continuava 43 Este filme inaugura uma fase “asiática” de João Pedro Rodrigues, em colaboração criativa com João Rui Guerra da Mata e que já teve três novos filmes: Alvorada Vermelha (2011), A Última Vez que Vi Macau (2012) e Mahjong (2013).

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a tradição do interesse internacional na animação portuguesa. A curta consegue, em apenas sete minutos, condensar uma história sobre a diferença, sobre alguém que não consegue ser igual aos outros e que sofre por isso: é o conto de uma menina que tem um coração que bate tão alto que incomoda todos os que vivem a seu lado. E, apesar de quase ser engolida pela cidade anónima, ela ganha asas e transcende a sua própria condição. A singularidade da metáfora é complementada por uma técnica tradicional (gravura e serigrafia), característica essencial para o deslumbre visual e para a forte componente artesanal do filme.

Ainda nestes anos, José Miguel Ribeiro reforça a sua posição enquanto autor de referência na animação portuguesa: para além da curiosa série de animação As Coisas Lá de Casa (2003), destaque para três curtas – na primeira, Abraço do Vento (2004), mostra-nos uma sentida homenagem à música de Carlos Paredes; no segundo caso, Ribeiro regressa à técnica de A Suspeita para nos dar uma visão muito portuguesa de um Passeio de Domingo (2009). A abordagem é, agora, mais negra, sustentada numa família disfuncional que, mais uma vez, passa um Domingo subjugada às vontades do pai. No entanto, depois de algumas peripécias, o filme termina num tom amargo, ao mostrar a inevitável separação dos pais (numa espécie de desmontagem da alegre passividade das famílias portuguesas). Finalmente, mostra-nos, em 2010, o documentário animado Viagem a Cabo Verde, uma feliz utilização da técnica para ilustrar uma viagem exterior e interior de um homem na terra “exótica” de Cabo Verde.

Através destes autores, a animação portuguesa continuou a demonstrar, durante a década, a sua apetência para projetos artísticos mais inventivos, quer através das suas técnicas de produção, quer através de histórias que aproveitam a especificidade do género.

Num território de fronteira e de reflexão, o cinema experimental português consubstanciou a entronização da nova categoria. Nos últimos anos, muitos autores apresentaram curtas que se distinguem pela sua rarefação narrativa e que primam por um interesse visual e sonoro bastante específico onde o remix e o aproveitamento de

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material de arquivo são essenciais. No caso do cinema experimental há dois movimentos que se podem destacar: por um lado, a deslocação do espaço de exibição cinematográfica para um contexto de galeria; por outro, a transição de artistas plásticos para o terreno do cinema (ou do vídeo). No caso dos artistas plásticos, muitos importaram o vídeo para as instalações, mas alguns trabalham com as especificidades do meio cinematográfico. Nesta última vertente, podem citar-se a emergência de autores como Gabriel Abrantes, um jovem artista com uma ascensão fulgurante (Olympia I, 2008; Visionary Iraq, 2009; A History of Mutual Respect, 2010); e Filipa César (F for Fake, 2004; Porto 1975, 2010; Cachéu, 2012).

O documentário, como se provou já em muitos outros locais, teve, desde os anos 90, um crescimento tanto em quantidade de produção como em qualidade cinematográfica. Uma das mudanças estruturais deveu-se à introdução e estandardização do formato digital, que permitiu uma abordagem técnica e económica quase revolucionária (é possível filmar mais tempo por menos dinheiro). Outros impulsos destes anos passaram pela criação do DocLisboa, a partir de 2004, e por um crescimento das oportunidades de formação. No documentário em curta-metragem, o formato continuou a servir para duas funções: uma mais ligada a novos realizadores, que tinham assim uma primeira oportunidade de trabalhar em cinema; e, no segundo caso, através de autores que pretendiam trabalhar o formato de documentário de forma mais livre.

Foi desta forma que surgiram, durante estes anos, alguns cineastas potenciais. Poderão citar-se, neste caso, os nomes de Salomé Lamas (A Comunidade, 2012), Miguel Clara Vasconcelos (Documento Boxe, 2005); Renata Sancho (Mercado do Bolhão, 2003); Madalena Miranda (Estrela da Tarde, 2004); Leonor Noivo (Excursão, 2005; Assembleia, 2006); ou Mónica Baptista (Territórios, 2009). Um caso à parte é Pedro Sena Nunes que, continuou, nos últimos anos, um percurso particular, onde o formato curto é essencial (Entraste no Jogo, Tens de Jogar, 2000; Cacilheiros – Alerta, 2002; A Morte do Cinema, 2003; Burdião, 2003; Da Pele à Pedra, 2005; Corpo Todo, 2008). Nos seus filmes, Sena Nunes

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experimenta com diferentes realidades e transcende o formato típico do documentário, incluindo elementos estranhos (como a dança contemporânea) no contexto social que apresenta.

Considerações sobre o futuro (conclusão)O cinema português, atualmente, vive através de um frágil

tecido económico, já que o mercado cinematográfico, enquanto tal, é demasiado exíguo para promover um cinema comercial (a melhor bilheteira de um filme português não permite recuperar o dinheiro investido). Dessa forma, o cinema português vive dependente do Estado e das conjunturas económicas. Nesse sentido, o futuro que se avizinha é problemático, face à crise mundial: o cinema português sentiu esse impacto, que se traduziu em menos filmes produzidos. Ainda assim, nos últimos três anos, o cinema português não estagnou, muito por responsabilidade de dois projetos concebidos no Norte de Portugal que contrariaram estes ventos de crise: o Estaleiro – desenvolvido pelo Curtas Vila do Conde – e a Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura. Os dois eventos tornaram-se cruciais na produção e encomenda de novos filmes a todos estes cineastas.

Em conclusão, todos os últimos autores do cinema português aqui revelados são, por isso, no fundo, projetos cinematográficos, embora alguns cineastas já tenham um amplo reconhecimento internacional. São, assim, promessas já afirmadas e que nos prometem um futuro, pelo menos, bastante diversificado e de qualidade inquestionável.

Referências bibliográficas

Ribas, Daniel & Dias, Miguel (org.) (2010). Agência, uma Década em Curtas. Vila do Conde, Agência da Curta Metragem.

Ribas, Daniel (2010). «O Futuro Próximo: Dez Anos de Curtas-Metragens Portuguesas». In Agência, uma Década em Curtas. D. Ribas e M. Dias (org). Vila do Conde, Agência da Curta Metragem.

Seabra, Augusto M. (2000). «Saudações às ‘Gerações Curtas’. In Geração Curtas - 10 Anos de Curtas-Metragens Portuguesas (1991-

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2000). Vila do Conde, Curtas Metragens, CRL.

Torres, Mário Jorge (2009). «Tempo para Amar, Tempo para Morrer». In http://cinecartaz.publico.clix.pt/criticas.asp?id=242046&Crid=4&c=5811 (consulta em 14/01/2011)

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O curta metragem ou a luta por um cinema menor

Jorge Cruz

O cinema nasceu frágil, pequeno e sem choro. Isto é, não se esperava que o cinematógrafo sobrevivesse aos primeiros momentos como novidade. As primeiras projeções mostravam filmes curtos e em preto e branco (alguns destes primeiros filmes estão, hoje, disponíveis em sites de compartilhamento de imagens, como o youtube), sem a possibilidade de som, nem mesmo o piano tocado ao vivo, como vemos, por exemplo, em Limite (1931, Mário Peixoto), e ainda sem movimentos de câmera e sem cortes. Com o passar do tempo, e dos filmes, o cinema começou a balbuciar alguma linguagem, bem mais complexa do que um choro, até a sua concretização com D. W. Griffith (1875-1948), ainda na segunda década do século XX.

A primeira exibição pública do cinematógrafo ocorreu no ano de1895, em Paris, e, pelo que sabemos, o primeiro longa-metragem foi o australiano The story of the Kelly gang, escrito e dirigido pelo australiano Charles Tait, em 1906, com setenta minutos de duração (um fragmento do filme pode ser visto no youtube). Seguiram-se outras experiências, tanto na Europa, como nos Estados Unidos da América, todas já nos anos 1910, e a expressão short film começou a ser usada nesta mesma época.

Parece assim, que a partir de então, a história tem se ocupado sobretudo dos filmes mais longos, com carreira comercial, e os curtas-metragens, que nunca deixaram de ser realizados, passaram a ser menos comentados e estudados.

I Se antes, no Brasil, o curta-metragem era apenas uma etapa,

um degrau, para chegar ao longa-metragem, um tipo de estágio, quase um filme-escola, que talvez por ser mais barato era o espaço de treinamento para o jovem amador se lançar como jovem cineasta. Portugal, no entanto, mostrou-me como diretores

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experientes realizaram filmes curtos, como os diretores João César Monteiro (1939-2003) que realizou ainda no ano de 1995, mesmo ano de A comédia de Deus, três curtas-metragens, O bestiário, Lettera amorosa e Passeio com Johnny Guitar; e Manoel de Oliveira (1908), o Do visível ao invisível, 2011 (um dos curtas que compõem o Mundo invisível, de Leon Cakoff e Renata de Almeida) e Painéis de São Vicente de Fora, visão poética, 2010, de apenas dezesseis minutos, quando Oliveira disse que “a duração não é importante nos filmes. O importante é o argumento. Já cheguei a fazer filmes com mais de quatro horas, como Le Soulier de Satin (1985). Nesta curta-metragem, que não é um documentário, dei importância à interpretação dos painéis, encontrando inspiração na atual crise mundial e na crescente desumanização em que vivemos”44.

II Este cinema de filmes curtos não tem seu melhor perfil na

duração curta, mas, parafraseando Deleuze (1977, p. 25), é antes o que uma minoria faz ou perturba, estremecendo uma linguagem maior ou hegemônica. Refiro-me, inclusive, ao “desrespeito” – algumas vezes até agressivo – com que principalmente os jovens tratam estes cinemas hegemônicos (em nenhum momento falo de desrespeito aos cineastas) ao construírem seus pequenos (aqui trato da duração) filmes realizados com equipamentos diversos, desde celulares até câmeras poderosas, filmes não editados ou editados com softwares livres ou piratas, que sem a pretensão de constituir ou serem legitimados na esfera do poder hegemônico do audiovisual já calcificado pelas majors.

É claro que estas afirmações tem forte tintura panfletária, mas antes, e é o que nos interessa, força-nos a ver e a refletir sobre estes outros cinemas que nascem em culturas, segmentos e indivíduos que são marginalizados, tanto dos circuitos de realização, quanto (muitas vezes) de exibição e são vistos até como exóticos – que é uma forma de fragiliza-los, de torna-los inofensivos e, como se diz, “coloca-los nos seus lugares”. Mas acontece que a voz rouca e algo irrefletida destes jovens cineastas já foi para as ruas demonstrando

44 Diário de Notícias, em http://www.dn.pt/inicio/artes/interior.aspx?content_id=1658285&seccao=Cinema, 09/09/2010.

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o seu descontentamento com o discurso globalizado e amparado numa sociedade de consumo de última geração (v. Deleuze, A sociedade de controle).

No mundo contemporâneo, com a difusão, disponibilização e posterior barateamento das mídias digitais/virtuais e das tecnologias (portanto conceitos) de usos em rede (inclusive nas redes sociais), força-nos a experiências de desterritorialização que embaralham as línguas e, por exemplo, no caso do Brasil (acreditamos que também em outros países), parece que da impossibilidade de se escrever no português culto (com o enfraquecimento do ensino oficial, o sucateamento das escolas e as reduções dos salários e piora das condições de trabalho dos professores) e, por outro lado, com a “democratização” (ainda que movida pelo lucro das empresas de telecomunicações), de acesso às redes sociais, verificamos a contemporânea “impossibilidade de não escrever, impossibilidade de escrever na língua oficial45, impossibilidade de escrever de outra maneira” (Deleuze, 197, p. 25), acrescento, escrever de maneira obediente às regras formais de uma linguagem hegemônica, ou seja, a impossibilidade de escrever de outra maneira que não seja a sua.

Esta mesma tecnologia que libera a comunicação wi-fi e as redes sociais para populações pobres e até recentemente sem acesso a estas e outras facilidades tecnológicas, inclusive pelo relativo baixo custo, acesso este que é permitido apenas pela necessidade de expansão de mercados das grandes corporações globais, libera também e com forte repercussão o audiovisual e a captura geral de imagens digitais – aqui incluo também as fotografias. Ainda aqui temos novidades, pois não mais precisamos dos processos químicos, laboratórios e materiais sensíveis diversos, como películas, papéis, etc., o que nos leva a conceitos e dificuldades outras como lixo digital, além da consciência dos incalculáveis danos que o lixo eletrônico causa ao meio ambiente46.

Questões como estas levam-nos a crer que, além dos

45 No texto, Deleuze escreve “impossibilidade de escrever em alemão”.46 Na verdade, poderíamos iniciar uma avaliação do debate entre as vantagens de frequentes (e às vezes questionáveis) upgrades e trocas de tecnologias e a quantidade de lixo e de desperdício de recursos que são gerados nestes “avanços”.

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cientistas e da vanguarda do pensamento, os responsáveis pelo desenvolvimento e uso destes avanços, e também os seus maiores beneficiários, são os jovens, e aqui eu falo dos jovens do mundo todo. Dos jovens do Brasil, de Portugal, de Angola, Cabo Verde, Guiné e Moçambique.

Na verdade, como vemos surgir em diversos espaços audiovisuais que forçam processos de desterritorialização nas cinematografias dominantes, ainda parafraseando Deleuze, nestes filmes “tudo é político”, e, como diz Deleuze ao tratar da literatura, “seu espaço exíguo faz com que cada caso individual seja imediatamente ligado à política”47, assim, este espaço exíguo leva-nos contemporaneamente, não a um espaço físico, nem a uma fronteira, um limite ou a um território específico, mas a, algumas tantas vezes, é claro, há possibilidade de encontrarmos no mundo virtual, outros buracos, portas dos fundos e até pela necessidade destas empresas de aumentar os lucros podem levar-nos a aberturas e acessos a experimentos diversos, a determinados endereços virtuais revolucionários, etc.

III Se aqui não tratamos do filme de curta-duração, de que

cinema tratamos então? Ora, tratamos dos filmes do moçambicano Sol de Carvalho, dos angolanos Kiluanje Liberdade Inês Gonçalves, da cabo-verdiana Ana Fernandes, da brasileira Carmen Luz, dos cinemas dos africanos, dos jovens, tanto das minorias, quanto das maiorias silenciosas, etc. Ou seja, de um cinema que faz gaguejar, não o cinema hegemônico, mas o seu público e não apenas pela beleza (e/ou pela crueza das imagens), mas pela sua proximidade política com a vida; não pelos seus efeitos, mas pela rarefação do ar que causa. São cinematografias que, vistas, não podem mais ser esquecidas, que ficam tatuadas nas nossas almas, “que você pega, esfrega/nega, mas não lava...” (canção e letra de Chico Buarque)

Nesta ótica, devo acrescentar, o curta-metragem não é o resumo de um longa ou necessariamente um filme de escola, mas,

47 Cabe-nos, no entanto, atualizar e redimensionar o exíguo da citação: o texto de Deleuze foi escrito ainda na década de 1970 e trata da obra de Kafka (1883-1924), portanto antes da existência e disseminação das tecnologias e mídias digitais.

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certamente, os curtas tem estética e recortes próprios, quase que necessariamente, também, linguagem autoral, ritmo e formatos diferenciados, e, sem dúvida, maior capacidade para acompanhar os avanços tecnológicos e responder mais velozmente a quaisquer dos seus desafios, seja no uso das câmeras, desde as mais simples até aquelas com formatos diferentes e novos recursos tecnológicos, seja nas possibilidades de finalização, inclusive com edições feitas nos aparelhos diversos móveis, e até na exibição, de uma forma geral, na circulação. O seu fôlego pode ser observado pela expressiva quantidade de filmes em diversos festivais e mostras mundo afora, como os cerca de três mil filmes inscritos no 22º Festival Internacional do Curta-metragem de São Paulo, com mais de seiscentos filmes selecionados só para a Mostra Brasil e para o Panorama Paulista do Festival (Carrasco, 2013), disponíveis na internet que nunca foram exibidos em espaços consagrados ao audiovisual.

IV É de um cinema político que tratamos então. De um cinema

que só existe na formulação de uma enunciação coletiva, no qual, como disse Deleuze ainda sobre a literatura, “o campo político contaminou todo o enunciado” (1977, p. 27). Este cinema menor, então, certamente é composto por filmes de diferentes durações, longas, médias e por uma infinidade de curtas que assombram as redes sociais e de sites de compartilhamento de imagens e de filmes. São estes filmes que preservam diversas possibilidades inventivas e que criam outros públicos; e que, também, permite-me escrever estas linhas, e que buscam forjar insuspeitados aliados. Não se trata aqui de entender estes filmes como constituindo um gênero a mais, ou cinema de uma classe ou categoria qualquer, mas do exercício de compreender os processos de desterritorialização impostos por estes filmes aos cinemas comerciais. Falamos aqui daqueles que desprezam a linguagem hegemônica do cinema, propositalmente ou por desconhecê-la, por não estarem familiarizados com ela, como os filmes dos jovens aventureiros com suas famigeradas câmeras digitais em punho! Alguns destes filmes pouco terão a dizer, a

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mostrar... Mas um outro contingente também constrói cinema na sua forma mais corrosiva, artística e política, uma espécie de cinema da vida. Este outro cinema força aquele a se reinventar nas redes sociais, nas tecnologias digitais, nos novos olhares ou nas formas de olhar. Força-nos a entender, também, um outro tipo de autoria, agora coletiva, sem os grandes nomes, sem os grandes momentos e sem uma história dos vencedores a organizá-los. É, assim, deste cinema menor que tratamos no momento.

Referências bibliográficas

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Kafka, por uma literatura menor. RJ: Imago, 1977.

CARRASCO, Bia. Panoramas paulista e internacional dão diversidade ao universo do curta-metragem. Em www.saraivaconteudo.com.br/Materias/Post/41157, 28/08/2013. Acesso em 28/08/2013.

Filmes:

http://filmesportugueses.com/category/curtas-metragens-portuguesas/)

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Curso de Extensão

A Curta-Metragem no

Cinema Português

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Breve nota biográfica:Paulo Cunha é licenciado e mestre em História pela Faculdade

de Letras da Universidade de Coimbra. Conclui o doutorado em Estudos Contemporâneos, na mesma universidade, com um projecto sobre “Novo Cinema Português (1949-80)”. Investigador do Centro de Estudos Interdisciplinares do Séc. XX da Universidade de Coimbra (CEIS20), integrando o grupo de trabalho “Correntes Artísticas e Movimentos Intelectuais”. Dirigente e fundador da AIM - Associação de Investigadores da Imagem em Movimento, onde é co-coordenador do grupo de trabalho “História do Cinema Português”. Membro de diversas redes de investigadores internacionais, nomeadamente SCMS - Society for Cinema and Media Studies, NECS - European Network for Cinema and Media Studies e SOCINE - Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual. Programador do Bacalhau Cinema Clube. Responsável editorial da “Nós Por Cá Todos Bem”.

Cv completo em:h t t p : / / w w w . d e g o i s . p t / v i s u a l i z a d o r / c u r r i c u l u m .

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A Curta-Metragem no Cinema Português

Aula 1 - Novo Cinema Português 1949-80A produção dos filmes de metragem reduzida, com equipas

de filmagem e tempos de rodagem reduzidos, com orçamentos substancialmente mais reduzidos, com preocupações comerciais (ao nível da distribuição e exibição) reduzidas e com uma liberdade criativa apreciável tornaram este género de filmes – turístico, industrial, publicitário, institucional – um terreno privilegiado de aprendizagem, de treino e de experimentação na prática fílmica dos jovens cinéfilos aspirantes a realizadores.

Assim aconteceu ao longo dos anos 60, com a curta-metragem a servir de espaço de afirmação de uma nova geração de cineastas portugueses. o cinema português assistiu à afirmação de uma nova geração de cinéfilos e cineastas que ficaria conhecida como

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CURSO DE EXTENÇÃO | 105

a “geração do novo cinema português”. Ao pressupor uma ruptura radical com quase todo o passado cinematográfico português, esta nova geração reclamava sobretudo uma consciente negação dos métodos e técnicas cinematográficas então mais característicos no cinema português.

Não foi, portanto, por acaso que a maioria dos cineastas da geração do novo cinema português começou as suas carreiras cinematográficas (excluindo eventuais filmes escolares ou em regime amador) por filmes de metragem reduzida. Muitas das experimentações feitas nestes filmes foram depois tentadas nas primeiras longas-metragens destes realizadores. No entanto, pela fraca visibilidade destes filmes, a renovação ética, estética e técnica promovida por uma nova geração só foi sendo reconhecida publicamente nas longas-metragens que eles foram apresentando. Será, então, legítimo questionar: se o novo cinema português poderá ter começado nas curtas? Ou se o novo cinema português nunca teria sido uma realidade enquanto momento de renovação ética, estética e técnica sem que os seus cinéfilos tivessem passado pelas curtas-metragens?

Filmografia:O Desterrado (1949), de Manuel GuimarãesO Pintor e a Cidade (1956), de Manoel de OliveiraAlmadraba Atuneira (1961), de António CamposAs Pedras e o Tempo (1962), de Fernando LopesA Caça (1964), de Manoel de OliveiraQuem espera por sapatos de defunto morre descalço (1968), de

João César MonteiroPousada das Chagas (1972), de Paulo RochaJaime (1974), de António ReisBarronhos, quem teve medo do poder popular? (1976), de Luís

Filipe RochaAs Desventuras do Drácula Von Barreto em Terras da Reforma

Agrária (1977), da Célula de Cinema do Partido Comunista PortuguêsGente do Norte (1977), de Leonel BritoOs Dois Soldados (1979), de João César Monteiro

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Aula 2 - Escola Portuguesa 1980-95A década de 1980 foi ambígua para o cinema português. Se,

por um lado, um conjunto de autores se afirmou definitivamente no circuito internacional dos festivais, com importantes prémios conquistados em Cannes ou Veneza, e ajudou a consolidar esteticamente um núcleo importante da geração do Novo Cinema: a Escola Portuguesa, liderada por Manoel de Oliveira; por outro, as dificuldades financeiras que o país atravessou tardou ou impossibilitou o surgimento de jovens valores que perdiam anos a tentar concretizar projectos. Houve um decréscimo na produção, nomeadamente na curta-metragem que perdeu visibilidade.

O entusiasmo generalizado por que passou o cinema português no

início dos anos 80 provocou uma produção exagerada de longas-metragens,

considerando o contexto português, e as curtas-metragens foram sendo

esquecidas até ao início da década seguinte. Em meados dos anos 80, a crise financeira alastrou-se aos sectores culturais e a produção cinematográfica foi afetada com uma acentuada diminuição na totalidade de filmes.

Sem espaço para se afirmarem como realizadores, a maioria dos jovens saídos da escola de cinema integram equipas de produção e desempenham cargos de assistência em produções portuguesas ou em produções de filmes estrangeiros rodados em Portugal. Só no final dos anos 80, alguns jovens conseguiriam, com muito custo, vencer os obstáculos financeiros e logísticos e concluem alguns projectos, sobretudo de longa-metragem.

Nesta década, perante as dificuldades no sector cinematográfico, muitas equipas de produção encontraram trabalho alternativo nas encomendas para a televisão ou para um modo de produção de baixo custo. Gradualmente, a produção diversifica-se e vai aumentando quantitativamente em géneros como a curta e o documentário.

Filmografia:O Banqueiro Anarquista (1981), de Eduardo GeadaManoel de Oliveira (1981), de José NascimentoAmanhã, talvez (1982), de António Joaquim GomesMorte D’ Homem (1985), de Luís Filipe Costa

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CURSO DE EXTENÇÃO | 107

À Beira Mar (1988), de Joaquim SapinhoMáscara de Ferro contra Abismo Azul (1988), de Paulo Rocha Conserva Acabada (1990), de João César MonteiroOs Salteadores (1993), de Abi FeijóManual de Evasão (1994), de Edgar Pêra

Aula 3 - Cinema Português Contemporâneo 1995-2012Em meados da década de 1990, uma nova geração chegava com

um bom número de obras na longa-metragem que demonstravam uma certa maturidade. Ao mesmo tempo, em paragens menos mediáticas também se trabalhava num movimento que haveria de surpreender o panorama cinematográfico português. Augusto M. Seabra, crítico e programador, chamava a atenção, na transição para o séc. XXI, para um possível nascimento de uma geração de cineastas que trabalhavam especificamente na curta-metragem: as Gerações Curtas. Este movimento nas curtas-metragens encontrou o seu espaço de encontro e de visibilidade no Festival de Curtas-Metragens de Vila do Conde.

Entre todos os jovens cineastas desta geração há algumas características comuns, apesar da uma evidente diversidade criativa, sobretudo na necessidade de pensar a estética própria do filme (e da curta-metragem como género) e na vontade de promover um distanciamento de um discurso enraizado na história do cinema português. Para além das novas circunstâncias cinematográficas, surgiu também um novo paradigma de produção, com o surgimento de diversas novas estruturas de produção e com a massificação da produção em vídeo digital. O aumento significativo de apoio financeiro público à produção de curtas-metragens, fruto de uma remodelação das políticas culturais portuguesas, também foi determinante para uma aumento da produção. Gradualmente, destas jovens promessas surgiriam autores com largo reconhecimento crítico internacional, que consolidaram percursos e propostas e passaram à longa-metragem.

Importa questionar: se uma nova fase do cinema português contemporâneo foi definido pelas Gerações Curtas? Que alterações

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promoveu a curta-metragem nos modos de produção, na estratégia de internacionalização e nos cânones estéticos do cinema português actual?

Filmografia:Parabéns (1997), de João Pedro RodriguesEntretanto (1999), de Miguel GomesEntre Nós (1999), de Margarida Cardoso

Cinemaamor (1999), de Jacinto Lucas Pires

Corpo e meio (2001), de Sandro AguilarI’ll See You in My Dreams (2003), de Miguel VivasHistória Trágica com Final Feliz (2004), de Regina PessoaRapace (2006), de João NicolauTarrafal (2007), de Pedro CostaUm Dia Frio (2009), de Claúdia VarejãoA History of Mutual Respect (2010), de Gabriel Abrantes e Daniel

SchmidtOs vivos também choram (2012), de Basil da Cunha

BibliografiaCunha, Paulo e Sales, Michelle (2013) – Cinema Português: Um

Guia Essencial. Rio de Janeiro/Lisboa: Edições LCV-Nós por cá todos bem.

Pina, Luís (1986) – Breve História do Cinema Português. Mem-Martins: Europa-América.

Ribas, Daniel e Dias, Miguel (2010) – Agência, Uma década em Curtas. Vila do Conde: Agência da Curtas Metragem.

Vários (1985) – Cinema Novo Português 1960-74. Lisboa: Cinemateca Portuguesa.

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Filmes e os diretores

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PANORAMA MOÇAMBIQUE

MAFALALA BLUES (dir. Camila de Sousa, Moçambique, 2010, 8m)

Para a realizadora “este filme é sobre a busca por um lugar identitário. Entre madeira e zinco, entre o subúrbio e a cidade, entre bairro e nação, encontrei uma casa: lugar de memórias e histórias sobre o colonialismo, a luta de libertação e a tristeza do exílio. Nesta casa localizada no bairro de Mafalala encontram-se várias gerações dispersas no tempo. É a casa, metáfora deste lugar identitário, que me faz lembrar as histórias que não vivi, as histórias que o zinco me contou.” Neste bairro pobre da periferia da cidade, as casas de zinco e madeira albergaram várias figuras de referência da cultura moçambicana entre as quais os poetas Noémia de Sousa e Craveirinha.

Camila de Sousa formou-se em Ciências Sociais no Brasil, na área da Antropologia Visual. Interessa-se pelo campo da imagem. A curta- metragem Mafalala Blues é o resultado de mais de dois anos de

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pesquisa no bairro da Mafalala em Maputo e faz parte da sua tese de mestrado. A curta-metragem e uma exposição documental, foram apresentados em 2010 no Centro Cultural Franco Moçambicano e no Centro de Estudos Brasil- Moçambique, no âmbito do Festival de Cinema Documental – Dockanema, em Maputo. Em 2011, apresenta parcialmente o seu projeto fotográfico sobre o corpo feminino encarcerado “3x4”, em duas exposições coletivas em Maputo – “Ocupações temporárias” e “Masculinidade e violência”. Em 2012, no âmbito do projeto Gulbenkian Próximo Futuro apresenta, nos jardins da Fundação, o projeto“3x4”, fotografado na Cadeia Civil e no Centro de Reclusão Feminino de Ndlhavela.

TRILOGIA DAS NOVAS FAMÍLIAS (dir. Isabel Noronha, Moçambique, 2007, 47m)

Este conjunto de três curtas-metragens documentais, Caminhos do Ser, Delfina-Mulher-Menina e Ali-Aleluia dão voz a crianças órfãs do HIV/AIDS, que depois da morte dos seus pais vivem sós, num mundo sem adultos. Este problema afeta 1.800.000 de crianças em Moçambique. Recebeu em 2008 o prémio KUXA-KANEMA, prémio das Artes do Fundo para o Desenvolvimento Artístico e Cultural de Moçambique – FUNDAC.

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Isabel Noronha iniciou a sua carreira no Instituto Nacional de Cinema em Maputo (INC). Produziu nos anos 80, documentários num contexto de guerra. Os seus filmes remetem para os pressupostos da escola de Cinema Direto, em frança onde recebeu formação nos anos 80 na escola Varan. Afirma-se a partir de 2003, depois de concluir a sua licenciatura em Psicologia, como uma referência do cinema documentário contemporâneo africano. Recebeu vários prémios nacionais e internacionais nos últimos anos nomeadamente o prémio de melhor documentário no 18º Festival de Cinema Africano de Ásia e América Latina de Milão em 2008 pelo seu documentário Ngwenya, o crocodilo(2007). Sonhos Guardado (2003) recebeu o prémio da melhor curta-metragem documental de Lingua Portuguesa no Fike e o Dhow de prata no Festival de Zanzibar. Recentemente realizou com Firouzeh Khosrovani, Vivian Altman e Irene Cardona o documentário Espelho Meu.

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A PONTE – HISTÓRIA DO FERRYBOAT BAGAMOYO (dir. Diana Manhiça, Moçambique, 2010, 38m)

Bagamoyo é um ferryboat que nos últimos 37 anos, faz a ligação diária entre a Cidade de Maputo e a catembe – um distrito municipal de características rurais – transportando várias centenas de pessoas, veículos e carga, entre as 05.00 e as 23.30, sete dias por semana. A história do barco conta-se através do movimento e dos testemunhos daqueles que conhecem e dependem do Bagamoyo no dia a dia. Será, mesmo depois de desmantelado, um ícone da Baía de Maputo, memória e identidade dos “catembeiros”.

MANIFESTO DAS IMAGENS SEM MOVIMENTO dir. Diana Manhiça, Moçambique, 2012, 6m)

Editado como um manifesto do KUGOMA para a introdução da secção de Arquivos de Imagens em Movimento do festival, em 2012, as imagens filmadas por Diana Manhiça e Ilda Abdala durante a remoção de material do acervo do INAC (Instituto Nacional de Audiovisual e Cinema), em Maputo, foram cruzadas com registos do Simpósio do Festival Dockanema de 2010, e excertos de entrevistas

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do projeto “Fora de Campo” de Catarina Simão. O contexto é definido por elemento textuais, da Declaração sobre a Conservação e Preservação do Património Audiovisual da UNESCO, de 1980.

Diana Manhiça é formada em Artes Plásticas, - fotografia e vídeo – realizou e produziu várias exposições e instalações, individuais e coletivas. Foi docente de Educação Visual e Tecnológica entre 2002 e 2005. Começou a trabalhar como montadora em 2005. Criou a Zoom, produtora gráfica e de vídeo que tem produzido material para diversos eventos e espetáculos nacionais. Este é o primeiro filme que dirige.

OFENSIVA (dir. Camilo de Sousa, Moçambique, 2010, 33m)

Produzido pelo Instituto Nacional de Cinema e Audiovisual (INAC) no âmbito do Projeto de Preservação do Património, o documentário mostra-nos imagens de arquivo, digitalizadas em 2009, do Presidente Samora Machel durante uma visita aos armazéns de Maputo, onde descobre uma grande quantidade de produtos

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alimentares que ninguém vem levantar. Assistimos ainda a imagens dos seus discursos inflamados durante um comício popular.

Camilo de Sousa, sobrinho-neto da poetisa Noémia de Sousa, cresceu na Mafalala, um bairro pobre da periferia de Maputo. Guerrilheiro na luta pela independência de Moçambique e membro da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique). Trabalhou no Instituto Nacional de Cinema, onde colaborou nos Kuxa Kanema – jornais de atualidades. É um dos sócios da Ébano Multimédia. Membro fundador e vice-presidente da AMOCINE – Associação de Cineastas Moçambicanos, criada em 2003.

ASSIM ESTAMOS LIVRES… O CINEMA MOÇAMBICANO 1975-2010

(dir. Sílvia Vieira e Bruno Silva, Portugal, 2010, 15m)

Através da recolha de imagens de documentários e filmes de ficção moçambicanos, e utilizando a filmagem de entrevistas

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realizadas aos principais escritores, cineastas e produtores moçambicanos tais como Camilo de Sousa, Isabel Noronha, Sol de Carvalho, Pedro Pimenta, Mia Couto, José Cardoso, Sol de Carvalho, Gabriel Mondlane, João Ribeiro e Licínio Azevedo, o documentário propõe ao espectador uma leitura em torno dos acontecimentos que influenciaram a produção cinematográfica moçambicana nos últimos anos. Exibido na V Edição do Festival do Filme Documentário de Maputo – Dockanema (2010) e selecionado para o FIC Luanda (Angola, 2010), o documentário tem divulgado o cinema moçambicano possibilitando a reflexão em torno das suas principais características.

Sílvia Vieira é licenciada em História da Arte pela Universidade de Coimbra e mestre em Comunicação, Cultura e Artes pela Universidade do Algarve. Tem desenvolvido o seu trabalho de investigação e produção teórica nos domínios da fotografia e do cinema em Moçambique. Membro do coletivo videoarte Inner Project, é atualmente investigadora do Centro de Investigação em Artes e Comunicação (CIAC) do Algarve.

Bruno Silva é doutorado na área de Literatura/Literatura Comparada/Literatura e Cinema na Faculdade de Ciências Humanas

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e Sociais da Universidade do algarve, pós-graduado em Gestão das Artes pelo Instituto de Estudos Europeus de Macau, Licenciado em Cinema e Vídeo pela Escola Superior Artística do Porto, ex-realizador e produtor da Teledifusão de Macau (1995/2000). É professor adjunto da Escola Superior de Educação e Comunicação da Universidade do Algarve.

GIGANTES DE RUA (dir. Sérgio Libilo, Moçambique, 2012, 24m)

O documentário apresenta um projeto de residência artística em que foram construídas máscaras e marionetas gigantes. Organizada pelo Instituto Franco-Moçambicano, a iniciativa reuniu cerca de 40 artistas oriundos de países tais como a França, Moçambique e a Guiné-Bissau. As imagens mostram-nos também a apresentação pública da residência artística na apresentação pública de um espetáculo de rua que teve lugar no Mercado de Xipamanine e no Bazar Central de Maputo.

Sérgio Libilo trabalha em televisão desde 2004, tendo passado pela TV Miramar, STV e DDB em Maputo. Filma atualmente pela

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Cine Internacional em países como África do Sul, Tanzânia e Angola. Gigantes de Rua é o seu primeiro documentário.

TERRA. AMANHÃ SERÁ TARDE (dir. Chico Carneiro, Moçambique, 2012, 76m)

Reflexão em torno da gestão e administração das terras em Moçambique, e nos desafios que são colocados nos acessos e posse segura desse recurso natural pelas comunidades rurais face aos vários interesses do setor empresarial.

Chico Carneiro nasceu em 1951, em Castanheira (Pará/Brasil). Em 1983 vai para Moçambique onde desenvolve o seu trabalho de cineasta. A partir de 2001, voltou a produzir e realizar documentários na Amazônia. Em 2012 criou a empresa ARGUS, onde produziu o filme Terra: Amanhã Será Tarde. Realizou, entre outros, Reservas – Um lugar Para Não Viver (2001), Queimadas Descontroladas (2001), Os Promesseiros (2001), Lorena (2005) e Da Barrancas do Rio Cariá (2011).

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PANORAMA PORTUGAL

KALI, O PEQUENO VAMPIRO (dir. Regina Pessoa, Portugal, 2012, 10m)

Terceira curta de animação de Regina Pessoa, Kali, o Pequeno Vampiro regressa ao universo da infância e ao tom eminentemente poético característicos da diretora, centrando a história nos medos e da curiosidade de um pequeno vampiro, que tem medo do escuro e deseja ter amigos. Coprodução entre Portugal, França, Canadá e Suíça, com música original dos Young Gods e narração do ator Christopher Plummer, na versão em inglês, e do realizador Fernando Lopes, na versão portuguesa.

Regina Pessoa (1969-) é uma das cineastas de animação mais reconhecidas e premiadas da Europa. Filmes como A Noite (1999) e História Trágica com Final Feliz (2005) valeram-lhe dezenas de prémios em diversos festivais de cinema internacionais e as nomeações para o prestigiado prémio Cartoon D’Or 2006 e Cartoon

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D’Or 2013. Começou a trabalhar como colaboradora de Abi Feijó nos projetos da produtora Filmógrafo (Os Salteadores, 1993; Fado Lusitano, 1995; Clandestino, 2000), experimentando uma série diversificada de técnicas e materiais de animação (gravura, gesso, computador).

VAZANTE (dir. Pedro Flores, Portugal, 2012, 12m)

Vazante é um filme tocante e comovente sobre os sentimentos de perda e de esperança no regresso. Numa pequena vila piscatória, uma criança chama pelo pai, desaparecido no mar. A restante família tenta ajudá-la a esquecer, prosseguindo com as rotinas, mas ela recusa perder a esperança.

Pedro Flores (1978-) é um jovem diretor em início de carreira. Estudou cinema no Porto e em Londres, tendo também trabalhado como argumentistas e assistente de direção. O seu primeiro filme (Listening to the silences, 2009) foi premiado em diversos festivais.

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O QUE ARDE CURA (dir. João Rui Guerra da Mata, Portugal, 2012, 26m)

Esta ficção protagonizada por João Pedro Rodigues e dirigida por João Rui Guerra da Mata, a primeira da sua carreira a solo, foi uma das boas surpresas cinematográficas de 2012. Com um dispositivo aparentemente simples – um homem ao telefone num quarto fechado – o filme consegue uma densidão dramática equilibrada e constante, entremeada por momentos do maior incêndio urbano de que há memória em Portugal desde o Terramoto de 1755 (Chiado, 1988).

João Rui Guerra da Mata começou por trabalhar em cinema como colaborador regular de João Pedro Rodrigues (Fantasma, 1999; Odete, 2004; Morrer como um Homem, 2006), desempenhando funções como coargumentista, diretor artístico, assistente de direção. Desde 2007, atua também como diretor, com trabalhos assinados em codirecção com João Pedro Rodrigues (China China, 2007; A Última vez que vi Macau, 2012; Mahjong, 2013) ou a solo (O

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que Arde Cura, 2012).

CASA AZUL (dir. Cláudia Clemente, Portugal, 2011, 10m)

A história desta ficção remonta aos anos 50, na cidade do Porto, onde decorre uma festa especial numa casa azul. Todo o filme se desenvolve num registo experimental entre o surreal e o irreal, com fotos de época aparentemente aleatórias e vozes de atores que vão desenvolvendo uma narrativa misteriosa.

Cláudia Clemente (1970-) é arquiteta de formação, escritora (literatura e teatro) e diretora de cinema. Estudou cinema em Lisboa, Barcelona e Londres. Apesar de um percurso relativamente recente, tem um conjunto de filmes bastante diversificados e onde está presente um diálogo com outras formas de expressão artística.

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BARBA (dir. Paulo Abreu, Portugal, 2011, 22m)

Barba é uma curiosa e divertida alegoria a Portugal e aos seus supostos “brancos costumes”. Um trio de personagens pré-históricos, que habita ao redor de uma anta, vai ver despoletar entre si a cobiça e a inveja a propósito de um estranho objeto em osso, levando-os a questionar a sua experiência conjunta. As influências assumidas para o filme são Buster Keaton, Pier Paolo Pasolini e Glauber Rocha.

Paulo Abreu (1964-) tem dirigido vários filmes para dança, música e teatro, e participado em diversas exposições com instalações de vídeo. Para cinema, tem trabalhado num registo mais experimental, sobretudo em suporte Super 8, e também como assistente de direção.

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A NAU CAXINETA (dir. Vasco Sá e David Doutel, Portugal, 2012, 5m)

Adaptado do poema épico A Nau Catrineta recolhida por Almeida Garrett e do livro infantil A Nau Mentireta (Luísa Ducla Soares), este curta de animação foi realizado por crianças de 8-9 anos sobre supervisão e direção de Vasco Sá e David Doutel.

Vasco Sá (1979) e David Doutel (1983) são dois jovens diretores especializados em animação. Tem trabalho em diversos projetos desenvolvidos na produtora Sardinha em Lata (Os Olhos do Farol, de Pedro Serrazina; Viagem a Cabo Verde, de João Miguel Ribeiro), estreando-se na direção com O Sapateiro (2011) que foi muito bem acolhido e recebeu vários prémios.

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A CIDADE E O SOL (dir. Leonor Noivo, Portugal, 2012, 19m)

Um outro título para este curta poderia ser Uma Mulher e dois cães. São eles as personagens desta curta dramática em torno das rotinas quotidianas da protagonista e dos seus dois animais de estimação. E o Sol também lá está, sempre presente e interveniente. Um drama contemplativo e ambíguo.

Formada em arquitetura, fotografia e cinema (edição e direção), Leonor Noivo (1976-) tem já uma longa carreira cinematográfica trabalhando com experientes diretores como João Botelho, José Nascimento e Sol de Carvalho. Conta já com 11 curta-metragens como diretora e com alguns prémios em festivais de cinema, afirmando-se como um valor consistente do jovem cinema português.

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ZOO dir. Margarida Leitão, Portugal, 2011, 14m)

Zoo é a história de uma família do ponto de vista da pequena filha Ana, que assiste silenciosamente, por vezes presa, à relação dos pais Maria e Pedro, às suas brigas, aos seus beijos, às discussões, aos estalos, aos gritos, às mentiras e ao amor. Mas é também a história de animais enjaulados sob o olhar humano, numa rotina que se repete vezes sem conta num passeio de família.

Formada em edição pela Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa, Margarida Leitão (1976-) tem trabalhado como editora, continuista e assistente de direção em vários filmes. Paralelamente, desde 1998, tem desenvolvido uma carreira de diretora, sobretudo no documentário, tendo merecido algumas distinções no Curtas Vila do Conde 1999, FIKE Évora 2003 e Luso-Brasileiro da Feira 2003.

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A RUA DA ESTRADA (dir. Graça Castanheira, Portugal, 2012, 24m)

Encomenda do projeto Estaleiro/Campus do Curtas Vila do Conde – Festival Internacional de Cinema, A Rua da Estrada é uma adaptação do ensaio homónimo do geógrafo Álvaro Domingues, que surge como coargumentista. A proposta do filme é percorrer algumas estradas nacionais portuguesas e a sua peculiar e surpreendente paisagem natural e intervencionada pelo homem. Um retrato do Portugal profundo.

Formada em cinema pela Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa, Graça Castanheira (1962-) tem trabalhado com documentário, conquistando importantes prémios ao longo da carreira. Atua também como professora de documentário e esteve no grupo fundador da Apordoc – Associação pelo Documentário.

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LUZ DA MANHÃ (dir. Cláudia Varejão, Portugal, 2012, 18m)

Com Fim-de-semana (2007) e Um Dia Frio (2009), Luz da Manhã constitui uma trilogia de curtas da autora sobre as relações humanas com os seus dramas individuais quotidianos. Tal como nos filmes anteriores, a ausência da palavra e do discurso verbal é compensada por um bom trabalho visual e de mise-en-scéne.

Cláudia Varejão (1980-) estudou cinema em São Paulo, Lisboa e Berlim, contando já no seu curriculum com interessantes prémios e menções no DocLisboa 2005, É Tudo Verdade 2007, Cineport 2009, IndieLisboa 2012, entre muitos outros, apesar de só contar com 5 curtas-metragens como diretora. Também trabalha como editora e diretora de fotografia. Tem diversificado o seu trabalho com projetos de vídeo em teatro, performance e artes plásticas.

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O DIA MAIS FELIZ DA TUA VIDA (dir. Adriano Luz, Portugal, 2012, 23m)

Esta é a primeira experiência de Adriano Luz como diretor, que centra a atenção na vida de um casal de meia-idade que vê a felicidade e o futuro posto em causa por uma doença que vai destruindo o corpo dele e a alma dela. As relações humanas e o fantasma da morte são o mote para um drama intenso e inquietante.

Adriano Luz (1959-) é um experiente e reconhecido ator e encenador português que trabalhou com diretores como Raul Ruiz, João Canijo, João Botelho, Teresa Villaverde, Margarida Gil ou João Mário Grilo e que encenou no Teatro da Cornucópia, Teatro Nacional D. Maria II ou Teatro São Luiz. Em televisão, também trabalha como ator e em direção de atores.

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PT.ES dir. Pedro Sena Nunes, Portugal, 2012, 23m)

O filme faz uma contagem crescente até à desmistificação de uma ponte que liga e separa um país do outro. Portugal e Espanha, distanciado pelos fragmentos de memórias, imagens, objetos, vozes e ruínas. Num mundo de contradições, as desigualdades permanecem, existindo histórias surpreendentes em terras quase esquecidas. Estamos perante um quebra-cabeças organizado num mapa de ideias e lembranças.

Pedro Sena Nunes (1968-) é produtor, fotógrafo e diretor, com um percurso consolidado no documentário. Colabora regularmente com coreógrafos, encenadores, artistas plásticos, designers, músicos, entre outros, em projetos transdisciplinares. Desenvolve atualmente o projeto Microcosmos – leitura de Portugal, onde pretende mapear o país através da sua câmara.

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Ò MARQUÊS ANDA CÁ ABAIXO OUTRA VEZ (dir. João Viana, Portugal, 2012, 60m)

Em três quadros, e com vozes de inúmeros cineastas portugueses (Alberto Seixas Santos, Edgar Pêra, João Pedro Rodrigues, João Nicolau, João Salaviza, Manuel Mozos, Marco Martins, Sandro Aguilar, entre outros), este é um filme-manifesto que alerta e protesta para situação financeira precária que se abateu e 2012 sobre o cinema português.

João Viana (1966-) é um diretor com larga experiência como assistente e colaborador de José Álvaro de Morais, Paulo Rocha, João César Monteiro, Manoel de Oliveira e Werner Schroeter. Em 2013 destacou-se por ter dois filmes em competição em Berlim e por ter merecido uma menção de honra por A Batalha de Tabatô.

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PANORAMA ÁFRICA LUSÓFONA

O RUÍDO DO MAR (dir. Ana Fernandes e Torsten Trsuscheit, Cabo Verde, 2011,

26m)

Curta ficional que conta a história de um jovem africano detido para dportação numa prisão europeia. Recusando comer, falar ou a revelar a sua identidade, o jovem africano acabará por travar amizade com um guarda prisional. Premiado no Festival de Estugarda e nomeado para os Orcares, o filme conta ainda com a participação de Mayra Andrade.

Nascida em Cabo Verde, Ana Fernandes, era professora em sua terra natal antes de ir para Alemanha estudar cinema na Academia Ludwigsburg. Hoje trabalha como dramaturga, diretora e autora cinematográfica.

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BAFATÁ FILME CLUBE (dir. Silas Tiny, Guiné-Bissau/Portugal, 2012, 78m)

Através da história de vida de Canjajá Mané, um antigo operador de cinema e guarda do clube de uma remota cidade do interior da Guiné Bissau, o documentário de Silas Tiny procura conhecer mais sobre o passado e a memória coletiva do povo guineense, usando o cinema como mote para uma análise da sociedade atual.

Nascido em São Tomé e Príncipe, Silas Tiny vive me Portugal desde os cinco anos de idade, onde frequenta atualmente o curso na Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa. Este documentário é o seu primeiro filme e esteve presente em diversos festivais de cinema internacionais.

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BISSAU D’ISABEL (dir. Sana Na N’Hada, Guiné-Bissau, 2005, 52m)

A personagem Isabel é o fio condutor que leva o público a conhecer a multiplicidade e efervescência étnico-cultural da cidade de Bissau, capital da Guiné

Sana Na H’Hada (1950-) é um dos históricos cineastas guineenses. Estudou cinema em Cuba e atua como assistente de direção, autor e diretor cinematográfico. Em 1979 tornou-se diretor do Instituto Nacional de Cinema da Guiné-Bissau. Realizou Xime (1994), primeira longa-metragem de fição que esteve presente em vários festivais africanos.

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OUTROS BAIRROS (dir. Kiluanje Liberdade, Inês Gonçalves e Vasco Pimentel,

Angola, 1998, 47m)

Retrata a situação dos “angolares” e sua relação com a atividade da pesca. Esses que foram os primeiros habitantes de São Tomé e Príncipe, tendo gozado de grande poder, hoje se resumem a uma pequena comunidade. Uma comunidade que vê a pesca não como uma mera prática de sobrevivência mas como algo simbólico de sua cultura, um meio de afirmação dentro de sua sociedade.

Angolano, nascido em 1976, e radicado em Portugal, Kiluanje Liberdade é licenciado em Ciências da Comunicação e Cultura na Universidade de Lisboa. Possui experiência em direção para televisão e assistência de direção para cinema. Assina a codireção de diversos documentários e mantém uma parceria profissional recorrente com Inês Gonçalves. Sua estreia como diretor de documentário foi em 1996 com O rap é uma arma, que realizou de maneira solo e com o qual foi premiado.

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Inês Gonçalves é cineasta e fotógrafa portuguesa. Estudou no Photographic Training Center em Londres nos anos 80 e foi editora de fotografia da revista Kapa. Já participou de diversas exposições fotográficas pelo mundo e realizou algumas produções cinematográficas. Tem dedicado grande parte de seu trabalho a questões relativas ao continente africano.

BATUQUE, A ALMA DO POVO (dir. Júlio Silvão, Cabo Verde, 2006, 52m)

Presente em Cabo Verde desde a ocupação das ilhas pelos escravos africanos, o batuque é uma manifestação da cultura cabo-verdiana. A evolução deste instrumento é pretexto para documentar a construção da sociedade cabo-verdiana, desde a povoação do arquipélago no séc. XV até à independência no séc. XX.

Júlio Silvão nasceu em Cabo Verde. É diretor e produtor de cinema.

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Kontinuasom (dir. Óscar Martinez, Cabo Verde/Espanha, 2009, 80m)

Beti Fernandez, bailarina na banda Raiz di Polon, parte à descoberta da música tradicional cabo-verdiana, visitando os locais e as figuras mais emblemáticas da música local, como Cesária Évora, Mayra Andrade, Lura e Prinzesito, entre muitos outros.

Óscar Martinez estudou Comunicação Audiovisual em Madri. Já trabalhou como roteirista de televisão, redator de jornal e escritor teatral. Em 2004 dirigiu seu primeiro longa-metragem O violento ofício da história e abriu a sua própria produtora, UTOPI.

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Mionga Ki Obo – Mar e Selva (dir. Ângelo Torres, São Tomé e Príncipe, 2005, 52m)

Retrata a situação dos “angolares” e sua relação com a atividade da pesca. Esses que foram os primeiros habitantes de São Tomé e Príncipe, tendo gozado de grande poder, hoje se resumem a uma pequena comunidade. Uma comunidade que vê a pesca não como uma mera prática de sobrevivência mas como algo simbólico de sua cultura, um meio de afirmação dentro de sua sociedade.

Nascido em São Tomé e Príncipe na década de 60, Ângelo Torres é ator, diretor teatral e cinematográfico e contador de histórias. Estudou Engenharia Termodinâmica em Cuba e cursou Artes Performativas na Escola Profissional de Artes e Ofícios do Espetáculo em Portugal. Possui uma vasta filmografia e consolidada carreira internacional; tendo sido eleito como ator revelação em Portugal em 2004.

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CINEASTAS HOMENAGEADOS

SOL DE CARVALHO

Moçambicano nascido 1953 estudou cinema em Portugal na década de 70, regressando ao seu país para aderir à luta pela independência. Trabalhou na Rádio Moçambique e na revista Tempo. Apesar de experiências prévias é só em 1986 que passa a se dedicar definitivamente à carreira cinematográfica. Com mais de 20 filmes em seu currículo, Sol de Carvalho ajudou a fundar a produtora Ébano Multimédia, a Alpha Cooperativa de Fotografia e a produtora Promarte.

CAMINHOS DA PAZ (dir. Sol de Carvalho, Moçambique, 2012, 130 m)

O documentário tem como temática as questões em torno do processo de paz do povo moçambicano, com entrevistas dos dirigentes políticos do país e da cooperação internacional,

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que abordam as origens dos conflitos armados do período pós-independência até a instabilidade das discussões nos últimos dias, que culminaria no Acordo de Paz, articulando o contexto nacional e sua dimensão internacional.

AFRICA RENASCIDA (dir. Sol de Carvalho, Moçambique, 1993, 5m)

SEMENTES EM RUÍNAS (dir. Sol de Carvalho, Moçambique, 2006, 8m)

A JANELA (dir. Sol de Carvalho, Moçambique, 2006, 8m)

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CARMEN LUZ

Brasileira, natural do Rio de Janeiro, possui formação na área de Língua Portuguesa e Literatura além de ser pós-graduada em Cinema-Documentário pela Fundação Getúlio Vargas. Premiada por seu trabalho social e artístico, Carmen, atuou como diretora do Centro de Referência da Cultura Negra e do Centro Coreográfico da cidade do Rio de Janeiro e está à frente da Cia. Étnica de Dança e Teatro e do Projeto Encantar. Dedica-se também à realização de documentários e vídeos sobre dança. Sua trajetória é marcada pelas questões das artes cênicas, do audiovisual, da cultura negra e direitos humanos.

UM FILME DE DANÇA dir. Carmen Luz, Brasil, 2013, 90m)

Documentário realizado pela cineasta e coreógrafa carioca Carmen Luz. Um misto de tributo e mapeamento histórico, o filme, reúne entrevistas e trechos de performances dos mais importantes bailarinos e coreógrafos negros brasileiros de diversas gerações. Uma homenagem à memória da dança negra e de seus criadores.

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SUPPORT (dir. Carmen Luz, Brasil, 2009, 23m)

UM POEMA PARA KENUM (dir. Carmen Luz, Brasil/Benim, 2009, 10m)

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KILUANJE LIBERDADE

Angolano, nascido em 1976, e radicado em Portugal, Kiluanje Liberdade é licenciado em Ciências da Comunicação e Cultura na Universidade de Lisboa. Possui experiência em direção para televisão e assistência de direção para cinema. Assina a codireção de diversos documentários e mantém uma parceria profissional recorrente com Inês Gonçalves. Sua estreia como diretor de documentário foi em 1996 com O rap é uma arma, que realizou de maneira solo e com o qual foi premiado.

A MINHA BANDA E EU (dir. Kiluanje Liberdade e Inês Gonçalves, Angola, 2011, 62m)

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Retrato de uma juventude de origem africana, residente na Europa, que quer através dos ritmos da kizomba e do semba, sua dança e música, se conectar com suas raízes e espalhar sua cultura pelo mundo.

LUANDA, A FÁBRICA DA MÚSICA (dir. Kiluanje Liberdade e Inês Gonçalves, Angola, 2008, 56m)

Através de DJ Buda, um conhecido produtor musical agolano, o documentário aborda a realidade do juduro em Luanda. Muito mais que uma dança ou um ritmo musical, o kuduro é um significativo fenómeno sócio cultural que tranformou a perceção e a trajetória da juventude angolana.

JOSÉ FILIPE COSTA

José Filipe Costa (1970-) é um cineasta, professor e pesquisador português. Licenciado e Mestre pela Universidade Nova de Lisboa, é Doutor pelo Royal College of Art, Londres, com a tese “Cinema forges the event: filmmaking and the case of Thomas Harlan’s Torre Bela”. É professor no IADE e na Universidade Lusófona, Lisboa, pesquisador colaborador da UNIDCOM/IADE e professor visitante no Instituto de Artes da UERJ. Integrou o conselho redatorial da revista  Docs.pt, publicação da Apordoc – Associação pelo Documentário, e é dirigente da AIM – Associação de Investigadores

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da Imagem em Movimento. Em cinema, dirigiu e escreveu os curtas Undo (2004), Chapa 23 (2006), Domingo (2006) e A Rua (2008), assim como os documentários de longa-metragem Senhorinha (1999), Entre Muros (2002, corealizado com João Ribeiro) e Linha Vermelha (2011, Prémio Melhor Filme Português IndieLisboa 2011).

LINHA VERMELHA (dir. José Filipe Costa, Portugal, 2011, 81m)

Documentário premiado no Indie Lisboa 2011 como o Melhor Longa Nacional, e presente em vários festivais internacionais de cinema, Linha vermelha revisita a memória de Torre Bela (1975), um dos mais emblemáticos documentário feitos durante a Revolução dos Cravos em Portugal, dirigido por de Thomas Harlan, que mostra a ocupação de um latifundio ribatejano por um grupo de camponeses e a consequente criação d euma cooperativa agrícola.

DOMINGO (dir. José Filipe Costa, Portugal, 2006, 3m)

É domingo, dia de descanso. À beira rio, o pai pesca e bebe, a mãe dorme, a filha brinca...

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SESSÃO ESPECIAL

VELHOS AMIGOS (dir. Michelle Sales, Brasil/Portugal, 2009, 52m)

Realizado pela pesquisadora brasileira Michelle Sales durante sua estadia em Portugal como parte do processo investigativo de seu doutorado, trata-se de um conjunto de entrevistas com grandes nomes do Novo cinema português.

Michelle Sales é doutora pela PUC-Rio e professora na EBA-UFRJ. No ano de 2008 atuou como pesquisadora visitante da Universidade de Coimbra. Em solo brasileiro, Michelle Sales realizou diferentes mostras de cinema português, como por exemplo, a mostra “Novo Cinema Português” de 2009, “Terceira Metade” de 2011, e “Cinema Português Contemporâneo” em 2012.

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LANÇAMENTO do livro Cinema português: um guia essencial, com organização de Paulo Cunha e Michelle Sales, da Editora Sesi/SP. Uma coletânea de artigos de pesquisadores brasileiros e portugueses sobre a história do cinema português. Conversa com város dos autores presentes.

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Palestrantes

Carolin Overhoff Ferreira

Guido Convents

José Filipe Costa

Maria do Carmo Piçarra

Michelle Sales

Marcelo Bittencourt Ivair Pinto

Rafael dos Santos

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PALESTRANTES | 153

Carolin Overhoff Ferreira Professora de Cinema Contemporâneo da UNIFESP. É autora

de Identity and Difference - Postcoloniality and Transnationality in Lusophone Films (2012), Diálogos Africanos - um Continente no Cinema (2012) e de Novas Tendências na Dramaturgia Latino-americana (Vistas, 1999). Organizou O Cinema Português através dos seus filmes (2007), Dekalog - On Manoel de Oliveira (2008) e Terra em Transe  - Ética e Estética no Cinema Português (2012). Publicou em revistas nacionais e internacionais como Modern Drama, Adaptation, Camera Obscura, Studies in European Cinema, Journal of African Cinema, Concinnitas, Tempo Brasileiro, Third Text, Latin American Theater Review, Forum Modernes Theater, entre outras. Membro do Conselho Consultivo da AIM – Associação de Investigadores da Imagem em Movimento.

Guido Convents Doutor pela Universidade de Louvaine. Historiador e antropólogo

belga, tem-se especializado em cinemas africanos, com trabalhos publicados sobre cinemas de  Moçambique, o antigo Congo belga,  Zaire, República Democrática do Congo, Ruanda e Burundi. Organiza desde 2003 o Afrika Filmfestival Leuven. É colaborador, desde 1987, da SIGNIS (Associação católica mundial para a Comunicação), sendo responsável pela revista Signis Media. Publicou, entre outos, os seguintes livros: Images & Paix. Les Rwandais et les Burundais face au cinéma et à l’audiovisuel. Une histoire politico-culturelle du Ruanda-Urundi allemand et belge et des Républiques du Rwanda et du Burundi (1896-2008); Os moçambicanos perante o cinema e o áudio-visual: uma história político cultural do Moçambique colonial até à República de Moçambique (1896-2010); Images et démocratie. Les Congolais face au cinéma et à l’audiovisuel.

José Filipe Costa é cineasta, professor e pesquisador português. Licenciado

e Mestre pela Universidade Nova de Lisboa, é Doutor pelo Royal College of Art, Londres, com a tese “Cinema forges the event: filmmaking and the case of Thomas Harlan’s  Torre Bela». É

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professor no IADE e na Universidade Lusófona, Lisboa, pesquisador colaborador da UNIDCOM/IADE e professor visitante no Instituto de Artes da UERJ. Integrou o conselho redatorial da revista Docs.pt, publicação da Apordoc – Associação pelo Documentário, e é dirigente da AIM – Associação de Investigadores da Imagem em Movimento. Em cinema, dirigiu e escreveu os curtas Undo (2004), Chapa 23 (2006), Domingo (2006) e A Rua (2008), assim como os documentários de longa-metragem Senhorinha (1999), Entre Muros (2002, corealizado com João Ribeiro) e Linha Vermelha (2011, Prémio Melhor Filme Português IndieLisboa 2011).

Maria do Carmo Piçarra Investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade

de Lisboa (ICS/UL) e professora de Políticas Públicas Culturais no ISCTE/UL. É doutorada em Ciências da Comunicação e, entre outras publicações, é autora de “Salazar vai ao cinema. O ‘Jornal Português’ de actualidades filmadas (2006)”, “Salazar vai ao cinema 2. A ‘Política do Espírito’ no ‘Jornal Português’” além de ter coordenado “Angola, o nascimento de uma nação. Vol. 1. O cinema do império” (2013). Co-edita a ANIKI - Revista Portuguesa da Imagem em Movimento.

Michelle SalesBacharel e Mestre em Comunicação Social com ênfase na

área de cinema e vídeo. Doutora em Estudos de Literatura pela PUC – Rio. Pesquisadora visitante da Universidade de Coimbra ao longo de 2008, no âmbito do Estágio de Doutouramento CAPES/PDEE. Pesquisadora colaboradora do grupo Correntes artísticas e movimentos intelectuais do Centro de Estudos Interdisciplinares do século XX, da Universidade de Coimbra. Professora Adjunta da Escola de Belas Artes da UFRJ. Programadora do Bacalhau Cinema Clube do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, MAM. Atua nas áreas: teoria da imagem, teoria do cinema e teoria da comunicação.

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Marcelo Bittencourt Ivair Pinto Possui Graduação em História pela Universidade Federal do

Rio de Janeiro (1991), Mestrado em Antropologia pela Universidade de São Paulo (1996) e Doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense (2002).Atualmente é Professor Adjunto III do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense. Tem experiência na área de História, com ênfase em História da África, particularmente nos seguintes temas: Angola,África Austral, colonialismo, lutas de libertação, intelectuais e memória.

Rafael dos SantosPossui graduação em História pela Universidade Federal

Fluminense (1993), mestrado em Educação pela Universidade Federal Fluminense (1996) e doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (2002). Atualmente é membro do conselho deliberativo da ASSOCIAÇÃO DOS SERVIDORES PÚBLICOS - CLUB MUNICIPAL/RJ, coordenador da comissão de cultura do cedine da COMISSÃO DE CULTURA DO CEDINE-RJ, diretor de relações institucionais - LÚMINI COMPANHIA DE DANÇA, prestador de serviços - POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, especialista em regulação da ati. audiovisual da AGÊNCIA NACIONAL DO CINEMA e professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: movimentos sociais, cultura negra, avaliação qualitativa, educação e estudos culturais.

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