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Padre místico brasileiro nascido no Crato, CE, cuja fama de messianista vai do Amazonas à Bahia e é considerado santo e profeta infalível dentro do quadro geral das manifestações religiosas no Nordeste brasileiro. Filho de Joaquim Romão Batista e de Joaquina Vicência Romana, desde criança demonstrou vocação pela vida sacerdotal e era devoto de SãoFrancisco de Sales. Aos 16 anos de idade matriculou- se no renomado Colégio do Padre Rolim, em Cajazeiras, Paraíba (1860), mas com a morte do pai, vítima de cólera (1862), teve que interromper os estudos e voltar para casa, para cuidar da mãe e duas irmãs. Aos 21 anos de idade e com a ajuda do seu padrinho de crisma, Coronel Antônio Luiz Alves Pequeno, foi para o Seminário de Fortaleza e ordenou- se sacerdote cinco anos depois. Retornou a cidade do Crato (1871) e ainda naquele ano visitou o pequeno povoado de Juazeiro, onde no ano seguinte resolveu fixar residência, na função de capelão. Como padre em Juazeiro do Norte, desde o início do ministério, dedicou-se a um apostolado de tendências místicas e começaram a circular notícias de seus milagres. No início da última década do século XIX começaram a se intensificar à Juazeiro romarias de nordestinos pobres, vindos de todo o Ceará e dos estados vizinhos, alguns dos quais ofereciam animais, jóias e até propriedades. Acusado de heresia, o padre foi suspenso das ordens religiosas (1897) e, posteriormente, enviado a Roma, para se explicar. Confirmada a suspensão (1908), regressou a Juazeiro, porém, a polêmica do processo só contribuiu para aumentar sua fama. Nesse mesmo ano chegou à povoação um médico do sertão baiano, Floro Bartolomeu da Costa, que formou uma oportunista aliança política com o padre. Juazeiro que antes era apenas uma vila de 300 habitantes (1870), graças ao fluxo de romeiros, tornou-se importante centro artesanal e o distrito foi elevado a município (1911), com o padre como prefeito. Este presidiu, então, um pacto de coronéis da região em apoio ao governador do Ceará, Antônio Pinto Nogueira Acióli. Em janeiro do ano seguinte, Acióli foi derrubado e sucedido pelo

Catolicismo Popular

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História

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Padre mstico brasileiro nascido no Crato, CE, cuja fama de messianista vai do Amazonas Bahia e considerado santo e profeta infalvel dentro do quadro geral das manifestaes religiosas no Nordeste brasileiro.Filho deJoaquim Romo Batistae deJoaquina Vicncia Romana, desde criana demonstrou vocao pela vida sacerdotal e era devoto deSoFrancisco de Sales. Aos 16 anos de idade matriculou-se no renomado Colgio do Padre Rolim, em Cajazeiras, Paraba (1860), mas com a morte do pai, vtima de clera (1862), teve que interromper os estudos e voltar para casa, para cuidar da me e duas irms. Aos 21 anos de idade e com a ajuda do seu padrinho de crisma,CoronelAntnio Luiz Alves Pequeno, foi para o Seminrio de Fortaleza e ordenou-se sacerdote cinco anos depois. Retornou a cidade do Crato (1871) e ainda naquele ano visitou o pequeno povoado de Juazeiro, onde no ano seguinte resolveu fixar residncia, na funo de capelo. Como padre em Juazeiro do Norte, desde o incio do ministrio, dedicou-se a um apostolado de tendncias msticas e comearam a circular notcias de seus milagres. No incio da ltima dcada do sculo XIX comearam a se intensificar Juazeiro romarias de nordestinos pobres, vindos de todo o Cear e dos estados vizinhos, alguns dos quais ofereciam animais, jias e at propriedades. Acusado de heresia, o padre foi suspenso das ordens religiosas (1897) e, posteriormente, enviado a Roma, para se explicar. Confirmada a suspenso (1908), regressou a Juazeiro, porm, a polmica do processo s contribuiu para aumentar sua fama. Nesse mesmo ano chegou povoao um mdico do serto baiano,Floro Bartolomeu da Costa, que formou uma oportunista aliana poltica com o padre. Juazeiro que antes era apenas uma vila de 300 habitantes (1870), graas ao fluxo de romeiros, tornou-se importante centro artesanal e o distrito foi elevado a municpio (1911), com o padre como prefeito. Este presidiu, ento, um pacto de coronis da regio em apoio ao governador do Cear,Antnio Pinto Nogueira Acili. Em janeiro do ano seguinte, Acili foi derrubado e sucedido pelo coronelMarcos Franco Rabelo, como parte do movimento, contra as oligarquias nordestinas, chamadosalvaes. Rabelo exonerou o padre das funes de prefeito, pormFloro Bartolomeu, seu aliado, com apoio do governo federal comandou um ataque fatal ao quartel da fora pblica de Juazeiro, em 9 de dezembro (1913) e, vencedor, praticamente se auto nomeou presidente temporrio do sul do estado, dando incio ao movimento armado denominado deguerra dos jagunos. O exrcito de jagunos, formado por cangaceiros e romeiros, repeliu os ataques da fora oficial e ainda partiu para Fortaleza, saqueando as cidades pelo caminho. Em maro (1914) o governo federal decretou a interveno no estado e destituiu o governador Rabelo, acabando com guerra. Ainda na poltica elegeu-se sucessivamente vice-governador e deputado federal, e s no foi governador porque no quis afastar-se de Juazeiro, que j contava com mais de trinta mil habitantes e tornara-se a segunda cidade do serto do Cariri, depois do Crato. Seu declnio poltico veio com a decadncia do cangao, inclusive o prprioLampiovisitou-o mais de uma vez e o venerava, sobretudo aps a revoluo (1930) e confirmando-se com a derrota de seu candidato nas eleies para a Assemblia Constituinte (1933). Independente de sua importncia religiosa oPadim Cio do JuazeiroCatolicismo Popular"A expresso Catolicismo Popular conceituada algumas vezes como religio popular, catolicismo rural, dentre outros, conforme Silva (2005, p.20). O conceito de Catolicismo Popular pode ser entendido diferentemente conforme cada autor.

Eduardo Hoornaert diz que

Diantedoassuntoquepassamosaapresentarexistemtrsatitudesbemdistintas:unsnegamsimplesmenteaexistnciadeumCatolicismoPopulardistintodocatolicismoestabelecidooupatriarcal:noBrasilshum[sic]catolicismo que constitui o cimento da unidade nacional. Outros aceitam oCatolicismoPopularmaslhenegamtodaoriginalidadeetodovalor:o catolicismovividopelopovosimplesmenteainteriorizaodostemasapresentadospelareligiodominante.Anossaposioaseguinte:existeum Catolicismo Popular distinto do catolicismo patriarcal. O povo tem umaculturaprpriaepodemosmesmoafirmarqueoCatolicismoPopularconstituiaculturamaisoriginalemaisricaqueoBrasiljproduziu[...](HOORNAERT, 1991, p.98-99).

Na concepo acima, compreender o Catolicismo Popular uma empreitada ampla e inesgotvel, porque no um fato coisificado nem um sistema religioso, mas um processo histrico, onde se desenvolvem expresses de f e de organizao, agregando as caractersticas especficas e elementos universais do Catolicismo.

Usando uma definio sociolgica de Catolicismo Popular, Oliveira (1985) ressalta que um conjunto de representaes e prticas religiosas ligando o ser humano ao sobrenatural pela mediao dos santos e santas independentemente da intercesso dos religiosos institucionais. O Catolicismo Popular tem um carter no-oficial e suas origens podem ser encontradas nos tempos do Brasil colnia. Este se define pela autoproduo religiosa uma comunidade se une pelos seus atos religiosos numa atividade comum e autnoma; porm, numa sociedade de classes, os rituais populares catlicos esto vinculados aos smbolos religiosos do catolicismo oficial, ou seja, do catolicismo romanizado. Seguiremos aqui o pensamento de Oliveira quando diz que

Aautoproduoreligiosapopularnoficaportantoseparadadaproduooficial, mas guarda com ela uma relao dialtica: ela exprime as condiesde existncia das classes dominadas e subalternas, fazendo uso dos cdigosreligiososoficiais.PodemosentodefiniroCatolicismoPopularcomoumconjunto de representaes e prticas religiosas autoproduzidas pelas classessubalternas,usandoocdigodocatolicismooficial.IssosignificaqueoCatolicismoPopularincorporaelementosdocatolicismooficialossignificantesmaslhesdumasignificaoprpria,quepodeinclusiveopor-se significao que lhes oficialmente atribuda pelos especialistas. Oresultadoqueomesmocdigoreligiosodiferentementeinterpretadopelas classes sociais de maneira que, sob uma unidade formal, escondem-se,defato,diversasrepresentaeseprticasreligiosas(OLIVEIRA,1985,p.135).

O Catolicismo Popular veio com os prprios colonos lusitanos e se caracteriza pela devoo aos santos, dos quais se espera proteo para superar as dificuldades e resolver os problemas desta vida, bem como para obter a salvao eterna. As suas prticas religiosas so de mbito familiar e nas pequenas comunidades rurais. Comumente o povo se rene na casa de algum ou na capelinha local para rezar o tero ou fazer uma novena. O devoto vai estabelecer uma relao com a divindade dentro da sua singularidade. Os leigos assumiam funes religiosas como rezadores, curandeiros, parteiras, conselheiros.

Nas cidades, as confrarias e irmandades religiosas organizadas pelos leigos constituram a forma mais significativa de promoo da expresso do Catolicismo Popular. Faustino Teixeira fala sobre as malhas do catolicismo, dizendo que

So malhas diversificadas de um catolicismo, ou poder-se-ia mesmo falaremcatolicismos.Humcatolicismosantorial,umcatolicismoeruditoouoficial[...]Ocatolicismosantorial,parausarumaexpressodeCndidoProcpioCamargo,umadasformasmaistradicionaisdecatolicismopresentes no Brasil desde o perodo da colonizao. Tem como caractersticacentralocultoaossantos.Foiestecultoquemarcouapeculiardinmicareligiosabrasileira,decarterpredominantementeleigosejanosoratrios,capelas de beira de estrada e santurios(TEIXEIRA, 2009, p.19-20).

As crenas e prticas religiosas, ao longo da tradio do cristianismo, foram socialmente incorporadas como catlicas. Com relao expresso popular, ela no tem o significado de vulgar ou de uma produo cultural de carter subalterno. O termo popular tem o sentido de distino cultural e social de um povo e tambm de um comportamento religioso que se diferencia do oficial. No Brasil o Catolicismo Popular manifesta-se por atos concretos ligados ao cotidiano, como rezar para pedir chuva, benzer uma pessoa doente; junto a isso se destaca o culto aos santos, buscando uma resposta positiva para os seus problemas e reinterpretando as doutrinas do catolicismo oficial.

O credo popular mais abundante do que o oficial e tambm possui critrios que diferem da ortodoxia. Os rituais, alm de estabelecer contato com o sagrado, permitem recriar a conscincia coletiva do povo. Esse catolicismo conta com os rituais oficiais (missa e sacramentos) e acrescenta novos sentidos para torn-los mais funcionais para sua vida (batismo-sade, confisso-cura, sacramento-compadrio).

O Catolicismo Popular composto de devoo aos santos, romarias, novenas, procisses, bnos, festa do padroeiro, promessas. As devoes aos santos na cultura popular se apresentam como resposta para dar significado s suas origens e que so identificados com seus antepassados. Sobre as manifestaes do Catolicismo Popular, ressalta Oliveira:

As romarias so um momento forte e privilegiado de contato entre o devotoeosanto,massotambmumaoportunidadedecontatoentreoromeirocom a instituio religiosa. O romeiro aproveita a ocasio para confessar-seecomungareporvezesaproveitaparabatizarosfilhosouparacasar-se, colocando-seassimsobaproteodosantopadroeironessesmomentos marcantes de sua vida familiar. Os santurios geralmente tinham assistncia de um padre, contratado pela irmandade que tomava conta dele, ou vindo da matrizparoquialparaprestarassistnciaaosromeiros(OLIVEIRA,1985, p.138-139).

Sua funcionalidade existe a partir da figura nuclear das devoes aos santos. Dito de outra maneira, esse catolicismo pode ser definido usando a expresso popular: muita reza, pouca missa; muito santo, pouco padre. No se pode dizer que seja um catolicismo independente do catolicismo da hierarquia eclesistica, mas se trata de uma retraduo do mesmo.

Catolicismo Popular sertanejoO Catolicismo Popular sertanejo uma forma nordestina do Catolicismo Popular, que tpica do serto e tem como ncleo a figura do conselheiro. O Catolicismo Popular sertanejo profundamente marcado pela tradio dos beatos e beatas, segundo o costume dos sertanejos com suas cantorias e rezas populares; alm do medo do diabo e do hbito de rezarem o tero e o ofcio. Nesse catolicismo as manifestaes dos ritos religiosos renovam, mudam. Mesmo assim, no significa que os adeptos do Catolicismo Popular sertanejo no necessitam mais da intermediao do catolicismo romano, como por exemplo, os sacramentos. O ritual do Catolicismo Popular sertanejo seguiu uma matriz de um catolicismo familiar. Esse foi o catolicismo difundido no serto do Nordeste brasileiro pelos missionrios atravs das santas misses, sobretudo pelos capuchinhos.

Foi nesse cenrio, de seca, de hierarquizao da Igreja, da tentativa de insero donegro na sociedade, do surgimento de novas idias, que acontece em Juazeiro, pequenopovoado do Sul do Cear, atravs de uma mulher, pobre, analfabeta e negra, um milagreque mudaria a vida daquela cidade e de milhares de sertanejos de todo o serto nordestino. 1-Fez-se o Milagre.Juazeiro, povoado insignificante do vale do Cariri, interior do estado do Cear, nonordeste brasileiro, crescia num ritmo lento. Chega a esse lugar por volta da dcada de 1970,o recm formado sacerdote, Ccero Romo Batista, a priori a convite dos moradores eposteriormente, de forma definitiva a mando do prprio Deus que em sonho lhe tinhaentregue a direo daquele povo e de quem ali chegasse.O Padre Ccero acolhia a todos com carinho, dedicao, zelo, mas tambm comautoridade quando preciso, ganhando dessa forma a simpatia e o respeito popular.A partir da dcada de 1890, a populao daquele pequeno lugarejo aumentaconsideravelmente, dia aps dia levas de romeiros chegam de todos os cantos do Nordeste. Oque teria acontecido? O que motivava essas pessoas a deixarem suas casas e vir a Juazeiro? Algo novo e surpreendente acontecia naquele lugar. O povo sofria as conseqncias daseca de 1888, conhecida como a Seca dos dois oitos. 1889 chegava sem expectativa demelhores dias, de dias de chuva. O povo retornou, com tristeza, s suas oraes em busca da consolao divina,enquanto os padres da regio o conduziam com renovado fervor. (...)No dia 1 de maro de 1889, Maria de Arajo era uma das vrias devotas que seencontravam na capela do Joaseiro para assistir a missa e acompanhar os rituais quecelebravam todas as sextas-feiras do ms, em honra ao Sagrado Corao de Jesus.Foi uma das primeiras a receber a comunho. De repente, caiu por terra e aImaculada Hstia branca que acabara de receber tingiu-se de sangue. (DELLACAVA. 1976.p.45) A Hstia Sagrada havia se transformado em sangue, Cristo estava se manifestandoatravs de Maria de Arajo, uma mulher pobre, negra, analfabeta, como aqueles milhares deromeiros que agora chegavam de todos os cantos para ver as manifestaes de Deus.Maria Magdalena do Esprito Santo de Arajo, como dissera aos padres da primeiracomisso de inqurito, nascida por volta de 1863, antes da chagada do Padre Ccero naquelevilarejo, fez sua Primeira Comunho aos nove anos de idade, quando foi convidada peloPadre a se consagrar a Cristo, o que ela atendeu prontamente.Desde criana, tinha vises em que brincava com o Menino Deus, e depois da suaPrimeira Comunho, disse ela aos padres da comisso, havia celebrado um consrcio4espiritual com Cristo, na Capela do Santssimo Sacramento, na presena da Virgem Maria ede uma corte de anjos e virgens, onde Jesus a havia tomado como esposa. (FORTI, 1999)Era, pois, uma mulher pobre, negra, costureira, analfabeta, que para milhares desertanejos estava sendo um canal da graa de Deus, um instrumento pelo qual todos ospecados e sofrimentos iriam acabar. Era tambm como diz Maria do Carmo, presunosa, poisSe colocava diante dos melhores telogos do Ceara e no tinha duvidas em apress-los para que o processo ficasse pronto logo, em dar-lhes comunho miraculosa, emdizer-lhes que tinha ido falar com o Papa, passando por cima das ordens do Bispo,para que ele aprovasse os fatos do Juazeiro. (FORTI. 1999. p.41)Uma mulher simples at ento desconhecida, mas que agora passa a incomodar,principalmente a hierarquia da Igreja catlica Romana. Beata, e como tal submissa aocomando dos homens da igreja, mas que benzia seu prprio vinho, seu leite, e os transformavaem sangue. Sangue de Cristo? Era, portanto uma Santa, no imaginrio de milhares denordestinos, sertanejos, o que incomodava alguns membros do clero, pois como nos dizFORTI: Maria de Arajo faz parte daqueles sem-lugar, sem-poder, dos leigos, ou aindamais, de acordo com o cdigo de Direito Cannico vigente na poca, abaixo dosleigos, pois era mulher. Ou ainda mais: abaixo do status de mulher, pois era negra:raa infecta pelas constituies do arcebispado da Bahia. E podemos ir mais longena desqualificao de Maria de Arajo: era analfabeta. Ela, portanto fazia partedaqueles que no constroem a histria. (FORTI. 1999. p. 109)