Cavalcante, Luiz. A era da indústria a economia baiana na segunda metade do seculo XX

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A era da indstria: a economia baiana na segunda metade do sculo XX

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FEDERAO DAS INDSTRIAS DO ESTADO DA BAHIA FIEB PRESIDENTE Jorge Lins Freire 1 VICE-PRESIDENTE Victor Fernando Ollero Ventin VICE-PRESIDENTES Bernardo Afonso Almeida Gradin Emmanuel Silva Maluf Marcos Galindo Pereira Lopes Srgio Pedreira de Oliveira Souza DIRETORIA Alberto Cnovas Ruiz Almir Mendes de Carvalho Jnior Antonio Hailton Miranda da Costa Antonio Ricardo Alvarez Alban Carlos Gilberto Cavalcante Farias lio Luiz Rgis de Sousa Joo Augusto Tararan Josair Santos Bastos Leovegildo Oliveira de Sousa Luciano Mandelli Luiz Antonio de Oliveira Manuel Ventin Ventin Reinaldo Dantas Sampaio Wilson Galvo Andrade

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Copyright 2008 by Federao das Indstrias do Estado da Bahia Coordenao Geral Assessoria de Comunicao do Sistema FIEB Coordenao editorial Fred Burgos Editorao eletrnica Bete Capinan Foto do autor Leonardo Cavalcante Reviso e normalizao Vera Rollemberg Ficha Catalogrfica - Biblioteca Sede/Sistema FIEB 330.8142 C376e Cavalcante, Luiz Ricardo Mattos Teixeira. A era da indstria: a economia baiana na segunda metade do sculo XX / Luiz Ricardo Mattos Teixeira Cavalcante. _ Salvador: FIEB, 2008. 204 p. Prmio FIEB de Economia - 2007. ISBN: 978-85-86125-22-5 1. Economia - Bahia - Sculo XX. 2. Desenvolvimento econmico. 3. Industrializao Bahia. I. Ttulo. II. Prmio FIEB de Economia - 2007. Todos os diretos desta edio reservados Federao das Indstrias do Estado da Bahia Rua Edstio Pond, 342 STIEP CEP: 41.770-395 Salvador Bahia Fone: (71) 3343-1280/3343-1267 Fax: (71) 3343-1282 home page: www.fieb.org.br e-mail: [email protected]

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Luiz Ricardo Cavalcante

A er a d a in d s t r i a :a economia baiana na segunda metade do sculo XX

Salvador 2008

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Para meu pai, Simone e Leo

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Agradecimentos

Este trabalho resulta da sistematizao do conhecimento queadquiri sobre a economia baiana entre o incio do meu curso de mestrado, em meados da dcada de 1990, at a concluso do meu curso de doutorado, cerca de dez anos depois. Ao longo desse perodo, pude contar com o apoio de um nmero to grande de pessoas e instituies que seria praticamente impossvel mencionlas nestes agradecimentos. Gostaria de destacar, entretanto, cinco instituies onde, durante esse intervalo, tive a oportunidade de aprender sobre a economia baiana e seu processo de industrializao: Federao das Indstrias do Estado da Bahia (FIEB), Agncia de Fomento do Estado da Bahia (Desenbahia), Secretaria de Cincia, Tecnologia e Inovao do Estado da Bahia (SECTI), Universidade Federal da Bahia (UFBA) e University of Illinois at Urbana-Champaign (UIUC). Citar nominalmente todos aqueles que nessas instituies contriburam para a elaborao deste trabalho equivaleria, praticamente, a copiar suas listas de colaboradores e considerar, inclusive, alguns que j no pertencem a seus quadros. por isso que peo a meus amigos que entendam o meu agradecimento a essas cinco instituies como um agradecimento dirigido pessoalmente a cada um deles. Em particular, sou grato Federao, que, ao instituir o Prmio FIEB de Economia, motivou a sistematizao que apresento neste livro, e a seus colaboradores Ricardo Kawabe e Mauricio Pedro, que me incentivaram a submeter o trabalho ao prmio.

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Tendo em vista que uma parte representativa deste trabalho resultou de minha tese de doutorado, quero agradecer, tambm, ao Prof. Reginaldo Souza Santos, que a orientou na UFBA, ao Prof. Werner Baer, que a co-orientou na UIUC, e ao Prof. Geoffrey Hewings, que me acolheu no Regional Economics Applications Laboratory (REAL) durante minha permanncia em Illinois. Francisco Teixeira, Helder Ribeiro, Nolio Spinola, Rafael Lucchesi e Vladson Menezes tiveram a gentileza de dispor de algumas horas para conversar comigo, em 2005, sobre o a evoluo da economia baiana. Seguramente, essas entrevistas contriburam muito para o formato final deste trabalho. recorrente a dificuldade que tenho para expressar com palavras o meu agradecimento a Simone Uderman em trabalhos desta natureza. Ainda assim, mais uma vez, posso dizer que, no tivesse eu podido contar com sua perspiccia na anlise dos manuscritos e, sobretudo, com seu carinho, nada disso teria existido.

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We do not know what will come next, and what the third millennium will be like, even though we can be certain that the Short Twentieth Century will have shaped it. However, there can be no serious doubt that in the late 1980s and early 1990s an era in the world history ended and a new one began. [No sabemos o que vir a seguir, nem como ser o terceiro milnio, embora possamos ter certeza de que ele ter sido moldado pelo Breve Sculo XX. Contudo, no h como duvidar seriamente de que em fins da dcada de 1980 e incio da dcada de 1990 uma era se encerrou e uma outra nova comeou.] Eric Hobsbawm Era dos extremos: o breve sculo XX, 1914-1991

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Sumrio

Apresentao PrefcioCaptulo 1

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IntroduoCaptulo 2

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Fundamentos: desenvolvimento econmico regionalCaptulo 3

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A industrializao liderada pelo Estado: o perodo entre 1950 e 1980Captulo 4

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Competio fiscal e bens finais: a economia baiana na dcada de 1990Captulo 5

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Concluses Referncias Apndices

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Apresentao

Institudo em 2000, com o propsito de auxiliar na compreenso do processo de industrializao da Bahia, o Prmio FIEB de Economia Industrial chega sua quarta edio com escopo ampliado. Agora denominado Prmio FIEB de Economia, verso 2007, contempla trabalhos inditos que no apenas contribuem para uma melhor viso da economia baiana como tambm apontam novas alternativas de desenvolvimento industrial. Com o estudo A era da indstria: a economia baiana na segunda metade do sculo XX, Luiz Ricardo Cavalcante foi o vencedor desta verso do Prmio FIEB. Engenheiro qumico com doutorado em Administrao pela Universidade Federal da Bahia, o autor descreve como se deu a evoluo da economia do estado a partir de uma avaliao crtica das mudanas estruturais ocorridas. Uma das observaes que as polticas de desenvolvimento adotadas apoiaram-se no conceito de aglomeraes. Segundo o estudo, na implantao da indstria automobilstica, por exemplo, a capacidade do segmento de criar uma demanda por novos investimentos de fornecedores na Bahia motivou os esforos governamentais para atra-la. O autor procura demonstrar, tambm, que os governos locais possuem margem de manobra relativamente pequena na determinao das trajetrias de desenvolvimento dos estados.

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Como exemplo, cita que a implantao da indstria petroqumica de commodities intermedirias na regio de Camaari decorreu do papel reservado Bahia na economia brasileira. Ainda assim, o fato de a Bahia procurar se integrar aos mercados nacionais certamente influiu para diferenciar sua trajetria no perodo entre 1950 e 1980 daquela buscada pelos demais estados nordestinos. De fato, os outros estados da regio incentivaram uma industrializao voltada para a produo de bens finais e intensiva de mo-de-obra, em oposio produo de bens intermedirios e intensiva de capital da Bahia. Essa especializao regional levou ao aumento da participao do PIB baiano no PIB nordestino, tornando a economia local resistente, em um primeiro momento, s baixas taxas de crescimento do pas na dcada de 1980. A implantao da indstria automobilstica na dcada seguinte condiz com a retrica marcada pela necessidade de diversificar a matriz industrial e foi amparada na poltica de atrao de investimentos via incentivos fiscais, associada proviso de infra-estrutura. Essa prtica coincide com a crise de instituies federais de suporte ao desenvolvimento regional, especialmente da Sudene. A dcada de 1990 foi tambm marcada por certa desconcentrao espacial da atividade econmica no Estado, com investimentos nas regies Oeste, Baixo-Mdio So Francisco, Sul e Extremo Sul, sem contar com a implantao pulverizada do setor de calados no interior. Sendo um processo induzido por incentivos fiscais, restam dvidas quanto permanncia de algumas das empresas pouco articuladas com a base econmica no estado aps o prazo de fruio desses benefcios. Em resumo, diz o autor, se entre as dcadas de 1950 e 1980 a industrializao ocorreu mediante a interferncia direta do governo no setor produtivo, enfatizando uma base voltada para a produo de commodities intermedirias, a partir da d16

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cada de 1990 as estratgias de desenvolvimento industrial privilegiaram a produo de bens finais e a interiorizao da atividade econmica, ainda que base de uma poltica de incentivos que caracterizou a guerra fiscal entre os estados. Como resultado, foram 50 anos de vigoroso processo de desenvolvimento, que podem ser resumidos como a era da indstria. Salvador, maio de 2008 Jorge Lins FreirePresidente do Sistema Federao das Indstrias do Estado da Bahia

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Prefcio

um prazer escrever o prefcio desse importante estudo sobrea industrializao do estado da Bahia. Trata-se de um dos melhores estudos empricos de uma economia regional, e espera-se que sirva de modelo para estudos similares no somente de outros estados brasileiros, mas tambm de regies subnacionais nos pases de maior extenso da Amrica Latina. Luiz Ricardo Cavalcante comea com uma reviso da evoluo de diferentes abordagens de estudos regionais, partindo de referncias clssicas como Von Thnen e Weber, avanando para as contribuies de Myrdal e Hirschman e finalmente discutindo autores contemporneos como Krugman. Isso feito com tal lucidez que no somente ajuda a prover uma fundamentao terica para a anlise subseqente da Bahia, mas serve tambm como uma excelente reviso da histria do pensamento nessa rea. Os captulos empricos seguintes abordam, com grande riqueza de informaes estatsticas e institucionais, a evoluo da economia baiana e as polticas que a influenciaram. Cavalcante mostra claramente o impacto das polticas nacionais na economia baiana e as possibilidades e limites da influncia dos

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formuladores de poltica locais. Entretanto, aponta, de maneira convincente, para as perspectivas abertas para esses agentes, o que explicaria o processo de diversificao da economia baiana no perodo recente. Este trabalho servir como uma referncia clssica para qualquer um que se interesse em compreender a economia baiana, alm de ser uma importante contribuio para o campo do desenvolvimento econmico regional. Werner BaerUniversity of Illinois

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Captulo 1

Introduo

Ainda que uma parte representativa da literatura econmica noestabelea uma distino clara entre os processos de crescimento e desenvolvimento econmico, o fato que cada vez mais tem se reconhecido que a simples evoluo da renda per capita (usualmente associada ao crescimento econmico) no capaz de explicitar a complexidade das mudanas estruturais que caracterizam o processo de desenvolvimento econmico. A distino entre os dois conceitos ficou mais evidente na medida em que se constatava que os elevados nveis de renda per capita de muitos pases produtores de petrleo no se faziam acompanhar por nveis igualmente elevados de desenvolvimento econmico e social. Foram constataes dessa natureza que motivaram a disseminao, a partir da dcada de 1990, de indicadores como o ndice de Desenvolvimento Humano (IDH), que resulta da ponderao dos indicadores de renda per capita (ajustada para refletir a paridade do poder de compra), longevidade (expressa pela esperana de vida ao nascer) e grau de maturidade educacional (representada pela taxa de alfabetizao de adultos e pela taxa combinada de matrcula nos trs nveis de ensino).11

Alm disso, indicadores de distribuio de renda como o ndice de Gini so tambm cada vez mais importantes nas anlises de desenvolvimento econmico.

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O desenvolvimento econmico , portanto, um processo complexo que envolve a interao entre um conjunto de variveis, no sendo possvel associ-lo a uma varivel especfica, como tem tentado a produo terica em crescimento econmico de vis neoclssico.2 Na verdade, o encadeamento de eventos que podem contribuir para o desenvolvimento econmico tem assumido importncia crescente. eloqente, por exemplo, o caso de pases com nveis de educao relativamente elevados e que tm o seu desenvolvimento econmico obstrudo pela falta de oportunidades de alocao do capital humano. A implicao imediata desse tipo de constatao que a formulao de polticas pblicas de desenvolvimento pressupe o conhecimento da trajetria econmica e social e da prpria histria do pas ou da regio sobre a qual se pretende intervir. Com efeito, no h polticas pblicas de aplicao universal, e somente a compreenso da trajetria seguida pela regio em estudo pode fornecer elementos para a formulao de formas adequadas de interveno. com base nessa viso que o presente trabalho busca resgatar os movimentos associados s mudanas estruturais ocorridas na economia baiana ao longo da segunda metade do sculo XX, procurando enfatizar o processo de industrializao do estado. Essa proposio apia-se no fato de que h uma carncia de produo acadmica que sistematize a evoluo da economia baiana e suas mudanas estruturais no perodo recente. Isso no quer dizer que no haja produo bibliogrfica sobre o tema. Porm, na maioria dos casos, ou o foco especfico sobre

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Ver, por exemplo, Barro (1991), Levine e Renelt (1992), Mankiw, Romer e Weil (1992), Jones (2000) e Barro e Sala-i-Martin (2004). Diversos artigos dessa natureza enfatizam a associao entre o crescimento econmico e variveis como capital humano (PRITCHETT, 2001), instituies (RODRIK; SUBRAMANIAN; TREBBI, 2002), abertura ao comrcio internacional (ALESINA; SPOLADORE; WACZIARG, 2003) e intermediao financeira (LEVINE, 1997).

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um objeto determinado (anlises setoriais, por exemplo)3 ou muito abrangente, incluindo tambm aspectos sociais e histricos.4 As excees so os trabalhos como os de Guerra e Gonzalez (1996; 2001), Teixeira e Guerra (2000) e Spinola (2003), no mbito acadmico,5 e a produo patrocinada pelo governo do estado com o propsito bsico de subsidiar suas aes de planejamento.6 Contudo, esse conjunto relativamente vasto de publicaes sobre o tema parece ressentir-se da falta de uma abordagem analtica que se apie em elementos conceituais capazes de fornecer uma viso geral das mudanas estruturais que ocorreram na economia do estado ao longo da segunda metade do sculo XX. Marcada, em meados do sculo passado, por uma economia predominantemente agrrio-exportadora e por um enigma quanto aos fatores que a faziam crescer a taxas menores do que o conjunto da economia brasileira, a Bahia transformou-se, ao longo dos ltimos cinqenta anos, em um estado fortemente industrializado. H um razovel consenso entre os autores dos trabalhos mencionados no pargrafo anterior quanto ao fato de que, durante o perodo entre as dcadas de 1950 e 1980, fixouse na Bahia uma estrutura industrial concentrada na produo de commodities intermedirias. Nesse sentido, comum a afirmao de que o estado adotou uma estratgia de industrializa-

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Anlises dessa natureza so extensivamente utilizadas nos Captulos 3 e 4 deste trabalho. Ver, por exemplo, Tavares (2000). Merecem destaque, ainda, os Estudos de administrao pblica na Bahia: programa de desenvolvimento (BOAVENTURA; MUNIZ, 1965), desenvolvidos sob o patrocnio da Ford Foundation, e que j trazem uma discusso sobre o papel dos incentivos fiscais e a das instituies de fomento no desenvolvimento econmico do estado. Algumas dessas publicaes, que parecem situar-se na interseo entre o ambiente acadmico e a burocracia do governo do estado, so discutidas ao longo deste trabalho.

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o que se pretendia complementar estrutura econmica instalada na regio Sudeste, uma vez que a Bahia se colocava essencialmente como fornecedora de matrias-primas para a indstria de transformao predominantemente situada naquela regio. Embora a opo assumida pelo estado tenha lhe garantido um desempenho superior quele apresentado pelo conjunto da regio Nordeste ao longo do perodo considerado, a estratgia de desenvolvimento adotada, que resultou em uma economia concentrada do ponto de vista setorial e espacial, comeou a dar sinais de esgotamento to logo se maturaram os investimentos do Complexo Petroqumico de Camaari (COPEC), em meados da dcada de 1980. Na verdade, a Bahia parece ter sofrido mais intensamente os efeitos do colapso do modelo de desenvolvimento autrquico e o conseqente desmantelamento das polticas de desenvolvimento regional que se observaram no Brasil ao longo daquela dcada. No contexto de abertura comercial e desregulamentao econmica que caracterizou o incio da dcada de 1990 no Brasil, a estratgia de complementaridade com a economia da regio Sudeste do pas intensificou os sinais de esgotamento j evidenciados desde meados da dcada de 1980. A partir desse momento, comeou a disseminar-se um discurso segundo o qual a Bahia precisaria adotar uma estratgia de desenvolvimento econmico que privilegiasse setores voltados para a produo de bens finais, buscando assim maiores nveis de integrao a jusante da indstria de bens intermedirios instalada no estado, e enfatizasse a desconcentrao espacial da atividade econmica. Em face da crise das instituies federais de suporte ao desenvolvimento regional especialmente da Superintendncia do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) , os instrumentos empregados na prtica para a implantao das estratgias fixadas parecem ter estado, em grande medida, associados concesso de benefcios de natureza

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fiscal pelos estados e, em menor escala, a incentivos financeiros e proviso de infra-estrutura. Esse no parece ter sido um movimento exclusivo da Bahia, uma vez que se estabeleceu no Brasil uma competio entre os estados para a atrao de investimentos ao longo da dcada de 1990. A implantao na Bahia da primeira montadora de automveis da regio Nordeste , sem dvida, o principal efeito das polticas agressivas de atrao de investimento adotadas pelo estado ao longo do perodo. Essa breve descrio da evoluo da economia baiana ao longo da segunda metade do sculo XX, todavia, no deixa claros os fatores que estiveram por trs desses movimentos. O aprofundamento da discusso, especialmente quando apoiado em fundamentos tericos que tratam do desenvolvimento econmico regional, pode esclarecer, por exemplo, os papis efetivamente desempenhados pelos governos federal e estadual no processo. Alm disso, a compreenso da trajetria seguida pela economia do estado pode revelar seus potenciais e suas debilidades para seu desenvolvimento futuro. So questes dessa natureza que este trabalho se prope a responder ao longo dos prximos captulos. Do ponto de vista metodolgico, a pesquisa apoiou-se na sistematizao de informaes qualitativas obtidas por meio de entrevistas estruturadas e na coleta de dados secundrios. Para as entrevistas, foram selecionados interlocutores diretamente ligados formulao das estratgias de desenvolvimento do estado e produo terica sobre economia baiana, buscando garantir que as vises do setor pblico, do setor privado e da universidade fossem contempladas.7 A reviso bibliogrfica buscou resgatar no somente a produo mais recente, mas tambm os textos que trazem a perspectiva dos autores de cada poca. Esse mtodo contribuiu para que se pudesse acompanhar a evoluo da percepo dos autores sobre a economia do estado e refora7

Os interlocutores selecionados so citados nominalmente nos agradecimentos.

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o sentimento de que a histria se faz no somente com uma sucesso de eventos, mas, sobretudo, com uma sucesso de idias. O trabalho est estruturado em mais quatro captulos alm desta introduo. No Captulo 2, alguns fundamentos tericos bsicos do desenvolvimento econmico de espaos subnacionais so discutidos. Aps a proposio de uma sistematizao para a produo terica em economia regional e em desenvolvimento regional, discutem-se as teorias clssicas da localizao, os fatores de aglomerao e as teorias do desenvolvimento regional e a produo recente em desenvolvimento regional. Em seguida, apresenta-se uma breve discusso terica sobre competio fiscal, uma vez que, ao longo da dcada de 1990, diversos eventos ocorridos na economia baiana estiveram estreitamente associados a esse fenmeno. No terceiro captulo, descrevem-se as bases da configurao atual da economia baiana a partir dos movimentos observados entre as dcadas de 1950 e 1980. O captulo estruturado, inicialmente, de acordo com a ordem cronolgica dos principais eventos que marcaram a economia baiana ao longo do perodo. Dessa forma, discute-se o chamado "enigma baiano", a implantao da indstria extrativa de petrleo, a criao do Centro Industrial de Aratu (CIA) e a implantao do Complexo Petroqumico de Camaari (COPEC). Ainda no terceiro captulo descreve-se a estrutura institucional de suporte aos movimentos de industrializao que se observaram no perodo e discutem-se as implicaes dos movimentos descritos sobre a estrutura econmica do estado. Uma vez demonstrado que o modelo de industrializao que se adotou no estado, embora bem-sucedido na obteno de taxas de crescimento superiores mdia da regio Nordeste, resultou em uma estrutura econmica concentrada setorialmente na produo de commodities intermedirias e espacialmente na Regio Metropolitana de Salvador (RMS), discutem-se, no Captulo 4, as propostas de polticas de atrao de investimentos voltados para

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a produo de bens finais e a interiorizao do desenvolvimento econmico no estado que marcaram a dcada de 1990. Em seguida, no mesmo captulo, resgatam-se os elementos conceituais sobre competio fiscal apresentados na parte terica deste trabalho com o objetivo de subsidiar a discusso do engajamento da Bahia no processo de atrao de investimentos, que, em grande medida, circunscreveu a execuo de sua estratgia de diversificao e interiorizao da atividade econmica. Ainda no quarto captulo discutem-se as implicaes setoriais dos movimentos observados na dcada de 1990 e seus desdobramentos. Por fim, as principais concluses do trabalho so apresentadas no Captulo 5.

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Captulo 2

Fundamentos: desenvolvimento econmico regional

propsito deste captulo fornecer elementos tericos que permitam a compreenso dos movimentos que marcaram a economia baiana ao longo da segunda metade do sculo XX. Tratase, na prtica, de uma reviso terica da interseo entre as disciplinas economia regional e desenvolvimento econmico e que se pode chamar de desenvolvimento regional. Um exame mais detido da produo terica nessa rea pode ajudar a entender o que determina as trajetrias de desenvolvimento de regies subnacionais. claro que, do ponto de vista metodolgico, o requisito bsico para uma reviso terica sobre desenvolvimento regional a definio do que se entende por regio. Essa uma questo complexa, uma vez que no h uma definio universalmente aceita. So vrias as definies existentes, e dificilmente haver um consenso a respeito, uma vez que economistas, gegrafos e cientistas polticos, por exemplo, tendero a adotar padres distintos de regionalizao.88

O

A polmica a respeito do conceito de regio teria levado Higgins (1969 apud FERREIRA, 1989) a afirmar que poucos esforos em toda a histria dos empreendimentos cientficos mostraram ser to estreis como a tentativa de encontrar uma definio universal aceitvel de regio. O fracasso reflete o simples fato de que nenhum conceito de regio pode satisfazer, ao mesmo tempo, a gegrafos, cientistas polticos, economistas, antroplogos etc..

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A dificuldade na delimitao do objeto de estudo da economia regional e a ausncia de um tratamento sistematizado das diversas abordagens possveis sobre o tema representam, sem dvida, um obstculo s pesquisas que procuram estabelecer relaes entre o desenvolvimento de regies subnacionais e variveis especficas. sobre essa constatao que se apia o presente captulo, cujo objetivo propor uma sistematizao das principais correntes de pensamento orientadas para o tema. O propsito dessa sistematizao mais ambicioso do que o relato das diversas vises sobre o tema. Na verdade, buscam-se elementos conceituais que possam justificar a opo pela anlise da trajetria de desenvolvimento dos espaos subnacionais e apoiar a anlise dos captulos subseqentes. Alm disso, as categorias de anlise apresentadas ao longo deste captulo podem subsidiar a anlise da relao entre o desenvolvimento regional e as aes concretas de interveno do poder pblico. Na prtica, em que pese a controvrsia sobre o conceito de regio, optou-se por identificar e sistematizar, no presente trabalho, a produo terica voltada para a discusso de espaos territorialmente contguos inseridos em espaos nacionais sobre os quais h possibilidades concretas de interveno e de levantamento de informaes individualizadas. Essa opo tende a direcionar a abordagem para espaos que, embora dispondo de reduzida margem de manobra em polticas de carter tipicamente nacional (como as polticas monetria, cambial e tarifria), contam com instrumentos concretos para implementao de polticas de desenvolvimento regional cujos efeitos podem ser mensurados de forma objetiva.9

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A definio aqui proposta coaduna-se no apenas com o conceito operacional de regio proposto por Markusen (1987 apud Rolim, 1999, p. 2) como tambm com a crtica apresentada por Cano (1985, p. 23) aplicao direta dos pressupostos da escola da Cepal problemtica inter-regional de uma nao.

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Ao longo das quatro primeiras sees deste captulo, busca-se, portanto, sistematizar a produo terica em economia regional e em desenvolvimento regional. Tendo em vista a competio por investimentos em que se envolveram diversas unidades da federao (sobretudo, mas no exclusivamente, ao longo da dcada de 1990), apresenta-se, ainda, uma breve discusso terica sobre competio fiscal na Seo 2.5. Essa questo especialmente importante para dar suporte discusso posterior sobre competio fiscal em que a Bahia esteve envolvida.

2.1 A sistematizao propostaEm que pesem as dificuldades metodolgicas associadas definio do objeto, parece ser razoavelmente consensual que, ao menos at a dcada de 1970, duas grandes correntes de pensamento sobre o tema podiam ser identificadas:

O conjunto de teorias clssicas da localizao que evoluiu de forma mais ou menos contnua da publicao de Der Isolierte Staat in Beziehung auf Landschaft und Nationalkonomie10 (von THNEN, 1826) publicao de Location and space economy (ISARD, 1956); O conjunto de teorias de desenvolvimento regional com nfase nos fatores de aglomerao de inspirao marshalliana e keynesiana que floresceram a partir da dcada de 1950 e cujas principais referncias que enfatizaram de alguma forma o desenvolvimento de espaos subnacionais so Note sur la notion de ple de croissance (PERROUX, 1955), Economic theory and underdeveloped regions (MYRDAL, 1957) e The strategy of economic development (HIRSCHMAN, 1958).

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O estado isolado em relao economia regional e nacional ou, simplesmente, O estado isolado.

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A partir da dcada de 1970, comearam a ser observados esforos para a incorporao de modelos e abordagens que pudessem dar conta dos novos padres de acumulao baseados na automao integrada flexvel e dos movimentos de abertura comercial e desregulamentao econmica, configurando aquilo que aqui se convencionou chamar de produo recente em desenvolvimento regional.11 A Figura 2.1 prope um diagrama esquemtico no qual se procura identificar a evoluo das principais correntes de pensamento sobre o tema e a articulao de suas principais influncias recebidas ao longo do tempo. No diagrama apresentado, so identificados os trs grandes conjuntos de teorias e suas principais influncias, indicadas por setas. Alguns autores e correntes tericas que no tinham como foco central de sua anlise a economia regional, mas que terminaram exercendo influncias consideradas relevantes nos conjuntos de teorias indicados, foram includos e relacionados com as correntes tericas atravs de setas contnuas (quando se julgou que a influncia era direta e explcita) ou tracejadas (quando se julgou que, embora perceptvel, a influncia era indireta ou apenas implcita). Alm disso, procurou-se dispor a produo terica em ordem cronolgica, tomando-se como base o ano da publicao do trabalho considerado de referncia para o tema aqui em questo. Com base nessa segmentao, nas prximas sees discutem-se, respectivamente, as teorias clssicas da localizao (Seo 2.2), os fatores de aglomerao e as teorias do desenvolvimento regional (Seo 2.3) e a produo recente em desenvolvimento regional (Seo 2.4).

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No foram includas na presente reviso as correntes tericas mais autnomas do ponto de vista macroeconmico, como a escola da regulao.

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cavalcanti.pmdMarschall (1890) Schumpeter (1911) Keynes (1936): Teoria geral Teorias do desenvolvimento econmico CEPAL Perroux (1955): Plos de crescimento Myrdal (1957): Causao circular e cumulativa Hirschman (1958): Efeitos para a frente e para trs Dosi, Freeman et al. (1988): Evolucionistas Piore e Sabel (1984): Distritos industriais GREMI: Ambientes inovadores Storper e Scott (1988): Organizao industrial

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Von Thnen (1826): O Estado isolado

1830

1890

1900

Weber (1909): Teoria da localizao de indstrias

33

1910

1920

1930

Christaller (1933): Os lugares centrais

1940

Lsch (1940): A ordem espacial da economia

1950

Isard (1956): Localizao e economia espacial

1960

1970

1980

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1990

Krugman (1991): Retornos crescentes

33

2000

Figura 2.1 - Principais teorias em economia regional e desenvolvimento regional

Fonte: Elaborao prpria.

2.2 Teorias clssicas da localizaoO que aqui se define como teorias clssicas da localizao um conjunto de trabalhos que evoluiu de forma mais ou menos seqenciada de von Thnen (1826) a Isard (1956). Esse conjunto de trabalhos chamado de teorias neoclssicas da localizao, ortodoxias tericas (CRUZ, 2000, p. 55), geometria germnica12 ou simplesmente eixo da teoria da localizao (ROLIM, 1999). Optou-se por intitul-las genericamente de teorias clssicas da localizao em funo da visvel influncia do conceito de livre mercado empregado em suas formulaes, mas evitou-se qualific-las de teorias neoclssicas, uma vez que von Thnen, por exemplo, foi contemporneo de David Ricardo e, portanto, anterior produo que se convencionou chamar de neoclssica.13 Clssicos ou neoclssicos, os autores includos nessa seo procuram enfatizar, de uma forma geral, as decises do ponto de vista da firma que, levando em conta o papel dos custos de transporte, procura determinar sua localizao tima ou a alocao tima do territrio. Trata-se de uma abordagem apoiada em um paradigma funcionalista na qual as externalidades decorrentes da aglomerao de atividades em uma regio determinada so, de uma forma geral, desprezadas. Alm disso, ao admitirem estruturas de mercado pulverizadas, essas formulaes tericas terminam no conseguindo lidar com o trade-off entre ganhos de escala (que tenderiam a concentrar espacialmente as atividades de produo) e custos de transporte (que tenderiam a12

13

A expresso, adotada por Krugman (1998, p. 38), refere-se ao grupo de autores aqui mencionados na teoria clssica da localizao, exceto von Thnen. A tradio da geometria germnica mencionada pelo autor inicia-se, dessa forma, com Weber. Spinola (2003, p. 29) assinala, porm, que os trabalhos de Lsch (1954[1940]) e Isard (1956) no se apiam na hiptese de concorrncia perfeita, embora sejam mencionados, na literatura, como clssicos.

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dispers-las). Na verdade, essas teorias poderiam ser includas na produo terica em economia regional (na medida em que buscam tratar a questo espacial na teoria econmica), mas no na produo terica em desenvolvimento regional, uma vez que no h uma preocupao com a evoluo dos agregados regionais.

2.2.1 O estado isolado de von Thnen14O primeiro tratamento formal dado questo do espao na literatura econmica parece ter sido aquele de von Thnen (1826) em seu O estado isolado,15 que seria mais tarde reconhecido como o primeiro tratamento srio dado questo espacial na economia. Pelo pioneirismo e elegncia do seu modelo, von Thnen tornou-se o patrono dos gegrafos econmicos e dos economistas espaciais (SILVA, 1976, p. 2), o pai fundador da economia espacial16 e referncia quase obrigatria nos primeiros livrostexto de economia regional e urbana (CRUZ, 2000, p. 55). Trata-se de um modelo que, atravs de uma formulao matemtica elegante, procurou determinar o ponto de maximi-

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15

16

Em uma publicao intitulada Economic theory in retrospect, Mark Blaug (apud Krugman, 1998, p. 37) assinala que Carl Wilhelm Friedrich Launhardt (18321918), embora tendo nascido aps a publicao de O estado isolado, teria sido no apenas o verdadeiro autor de boa parte daquilo que se atribui a von Thnen como tambm teria antecipado muito daquilo que mais tarde seria apresentado por Alfred Weber. No presente trabalho, entretanto, optou-se, assim como o fez Krugman (1998, p. 37), por utilizar referncias aos nomes atravs dos quais as teorias vieram a tornar-se conhecidas. Trata-se, a rigor, do primeiro de trs volumes da obra com o mesmo ttulo, tendo sido os dois volumes seguintes publicados em 1850 e 1867, respectivamente (History of economic thought Website, 2001). A traduo em ingls, publicada em 1966, intitulada von Thnens isolatad state. No h registro de traduo em lngua portuguesa da obra de von Thnen. Founding god of spatial economics, em uma expresso atribuda a Samuelson por Brcker (s.d.).

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zao da renda da terra em diferentes localizaes, em condies de mercado, levando em considerao os custos de transporte. O modelo procura mostrar que, fixadas as demais condies (inclusive de produtividade), no entorno de uma cidade onde estaria concentrado o mercado, a terra seria usada para plantar o produto com maiores custos de transporte. Na medida em que houvesse um afastamento da cidade, a terra seria usada para produtos cujos custos de transporte fossem menores, resultando em crculos concntricos em torno da cidade dedicados ao plantio de produtos com custos de transporte inversamente proporcionais a sua distncia da cidade. Todavia, embora formalmente elegante, o modelo de von Thnen apia-se em um conjunto de premissas pouco aderentes ao mundo real, conforme se pode ver a seguir:17

custos de produo uniformes decorrentes da hiptese de homogeneidade das condies naturais e tecnolgicas; fatores de produo (exclusive a terra) perfeitamente mveis e divisveis, o que significa assumir rendimentos constantes; comercializao dos produtos agrcolas limitados a um mercado consumidor puntiforme correspondente a uma cidade localizada no centro de um estado isolado de forma circular; uniformidade da rede de transporte em todo o espao geogrfico; custos de transporte proporcionais distncia do mercado central e constantes no tempo.

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Ver, a esse respeito, Silva (1976, p. 2).

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2.2.2 A teoria da localizao industrial de WeberEm 1909, portanto mais de 80 anos aps a publicao de O estado isolado, o economista alemo Alfred Weber publicou seu ber den Standort der Industrien,18 em que, usando uma formulao de carter neoclssico, admite que a deciso quanto localizao de atividades industriais decorreria da ponderao de trs fatores: o custo de transporte, o custo da mo-de-obra e um fator local decorrente das foras de aglomerao e desaglomerao (FERREIRA, 1989, p. 78). Com relao aos custos de transporte, Weber (1909) postula que as indstrias tendem a se instalar onde os custos de transporte de matrias-primas e produtos finais sejam mnimos. Essencialmente, assumem-se como dados a localizao dos mercados consumidores (considerados perfeitamente elsticos), das fontes de matria-prima (considerada infinitamente elstica a um preo dado) e da mo-de-obra (considerada tambm infinitamente elstica a uma taxa de salrios dada) e os custos de transporte associados tanto matria-prima como ao produto final, procurando determinar a localizao tima para a atividade. Weber (1909) classifica as matrias-primas em dois tipos bsicos: ubiqidades, isto , disponveis em qualquer parte e no exercendo nenhuma influncia na localizao de atividades econmicas, e localizadas, isto , aquelas disponveis apenas em pontos determinados do espao. As matrias-primas localizadas, por sua vez, podem ter o seu peso integralmente incorporado ao produto final ou perder peso aps o processo de transformao. Havendo apenas um ponto no qual esteja disponvel a matria-prima, a localizao seria definida assim em funo dos custos de transporte: sendo o custo de transporte da matria-prima superior ao custo de transporte do produto final, a atividade estaria18

Sobre a localizao de indstrias ou Teoria da localizao de indstrias, publicado em ingls com o ttulo de Theory of the location of industries.

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localizada o mais prximo possvel da fonte de matria-prima; caso contrrio, a atividade tenderia a localizar-se o mais prximo possvel do mercado. O problema assume contornos de geometria plana e mecnica vetorial quando se usam, por exemplo, duas matrias-primas M1 e M2, disponveis apenas em dois pontos distintos do espao, e um centro de consumo C localizado em um terceiro ponto distinto das fontes de M1 e M2. Nesse caso, conhecidos todos os parmetros necessrios, demonstrase que h um ponto P no espao que corresponderia localizao tima para a atividade.19 Ao assumir que a mo-de-obra no teria mobilidade espacial, Weber pondera que variaes regionais no seu custo exercem tambm influncia na deciso quanto localizao das empresas. Mantendo o carter neoclssico da formulao, Weber admite que, se os menores custos de mo-de-obra compensarem os maiores custos de transporte, as indstrias tendero a localizar-se nas regies onde aquele custo for inferior. Alm de sujeito s crticas tipicamente dirigidas s formulaes de carter neoclssico, o modelo de Weber foi severamente criticado por autores ligados chamada Nova Geografia Econmica por sua incapacidade de lidar com os ganhos crescentes de escala (uma vez que a formulao apia-se no pressuposto de concorrncia perfeita). Essa percepo levou Fugita, Krugman e Venables (2000, p. 26) a afirmar secamente, no captulo dedicado discusso dos antecedentes da cincia regional, que a produo terica de Weber e seus seguidores plays no role in our discussion.2019

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A rigor, essa demonstrao foi feita por Georg Pick no apndice matemtico da obra Weber, conforme assinala Ferreira (1989, p. 81). No tem relevncia em nossa discusso (traduo livre). preciso aqui um certo cuidado, pois, na viso desses autores, Christaller e Lsch no seriam seguidores diretos de Weber, e a crtica feita no , portanto, dirigida a esses dois autores.

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2.2.3 Os lugares centrais de ChristallerEm 1933, o gegrafo alemo Walter Christaller d continuidade produo terica da escola clssica da localizao ao publicar Die zentralen rte in Sddeutschland.21 Essencialmente, Christaller (1933) procura compreender as leis que determinam o nmero, tamanhos e distribuio das cidades (SILVA, 1976, p. 9), entendidas como lugares centrais que distribuiriam bens e servios para a regio no seu entorno. Ao analisar a distribuio espacial das cidades no Sul da Alemanha, Christaller pde constatar que elas eram aproximadamente eqidistantes entre si. Isso o levou a definir, ento, o conceito de limiar22 (nvel mnimo de demanda que asseguraria a produo de um determinado bem ou servio), a partir do qual se passa a obter rendimentos crescentes. Ao definir o alcance de um bem ou servio,23 isto , a maior distncia que a populao dispersa se dispe a percorrer objetivando adquirir um bem ou utilizar um servio (SILVA, 1976, p. 9), Christaller pde ento estabelecer uma espcie de hierarquia entre cidades, uma vez que quanto maiores o limiar e o alcance de um bem ou servio menor ser o nmero de cidades aptas a oferec-los. Em resumo, Christaller admite que a produo de bens e servios nas cidades resultaria de uma escala de produo que alcana um timo representado por uma demanda dividida num espao homogneo (CRUZ, 2000, p. 55). Ao aplicar seu mtodo, Christaller conclui que haveria uma tendncia formao de arranjos hexagonais para a distribuio das cidades em uma determinada regio.

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22 23

Os lugares centrais no Sul da Alemanha. No h registro de traduo em portugus desse livro, que, apenas em 1966, foi publicado em lngua inglesa com o ttulo Central places in Southern Germany. Threshold value. The range of a good.

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Adotando uma metodologia similar quela utilizada por Christaller, o economista alemo Auguste Lsch publicou, em 1940, Die rumliche Ordnung der Wirtschaft,24 onde prope uma hierarquia entre as reas de mercado. De acordo com Bventer (1963 apud SILVA, 1976, p. 11),[...] enquanto Christaller partia da cidade de nvel hierrquico mximo para logo passar aos bens com reas de mercado menores, Lsch comea pelas reas menores e induz sucessivamente reas de mercado maiores. Assim sendo, no sistema de Lsch obtm-se um nmero maior de redes, cujos hexgonos giram com respeito posio do hexgono de tamanho mnimo.

Embora a teoria dos lugares centrais venha servindo de inspirao para uma srie de trabalhos recentes que procuram empregar modernas ferramentas de processamento de dados como redes neurais, por exemplo compreenso do arranjo espacial das cidades, os pressupostos bsicos empregados por von Thnen e Weber so igualmente utilizados tanto por Christaller como por Lsch. Conforme destaca Cruz (2000, p. 56),[...] a idia descritiva predominante nessa teoria a de que as cidades centrais constituem ndulos de uma grande rede de cidades e uma mo invisvel far com que centros mais importantes sejam hierarquicamente superiores.

Ao contestar um modo de anlise que despreza a interveno do Estado que estaria fora do mbito da concorrncia de mercado , o mesmo autor argumenta que a hierarquia espacial seria uma resultante e no uma causa (como colocado na teoria dos lugares centrais). Alm disso, Fugita, Krugman e Venables (2000, p. 27) qualificam a teoria dos lugares centrais

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A ordem espacial da economia.

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na melhor das hipteses uma descrio, mas no uma explicao, da estrutura espacial da economia.25 De qualquer forma, no se deve perder de vista que[...] a teoria dos lugares centrais foi bastante utilizada pelos gegrafos e pelos organismos tcnicos especializados como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) em projetos de regionalizao (SPINOLA, 2003, p. 36).

2.2.4 A teoria da localizao e economia espacial de Isard curioso notar que, at a publicao de Location and space economy, em 1956, pelo economista norte-americano Walter Isard, toda a produo no mbito das teorias da localizao havia sido publicada em alemo, e as tradues em ingls simplesmente no existiam. Krugman (1998, p. 41) assinala que essa seria uma barreira para sua incorporao ao mainstream da tradio anglo-saxnica, e Fugita, Krugman e Venables (2000, p. 25) destacam que essa produo somente se tornou disponvel para o English-speaking world26 atravs do trabalho seminal de Walter Isard (1956). Ao propor uma espcie de sntese em lngua inglesa das teorias da escola clssica da localizao, Isard, percebendo a necessidade de incorporao de novas disciplinas anlise, termina propondo uma linha de pensamento que se convencionou chamar de regional science. Uma vez constituda, diversos autores dedicaram-se a tentativas de confrontar aquilo que poderia ter sido previsto atravs dessas teorias e a propor novos fatores de localizao, objetivando aumentar o seu grau de adequao realidade. Esse , por exemplo, o objetivo do trabalho25 26

Traduo livre do original em ingls. O mundo que fala ingls.

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de Azzoni (1982), que busca evidncias empricas da teoria da localizao e procura destacar que, embora o processo no seja to racional quanto se poderia supor luz dessas teorias, os fatores clssicos de localizao no podem ser descartados na compreenso nas decises empresariais.

2.3 Fatores de aglomerao e teorias de desenvolvimento regionalA partir da dcada de 1950, comeam a ser desenvolvidas teorias de desenvolvimento regional que passam a enfatizar algum tipo de mecanismo dinmico de auto-reforo resultante de externalidades provenientes da aglomerao industrial. difcil obter um registro definitivo a respeito do primeiro autor que teria explicitado a questo da aglomerao de atividades como um fator de localizao de novas atividades e, portanto, de crescimento. Em que pese essa dificuldade, a maioria dos autores tende a mencionar as idias de Alfred Marshall (1890) como pioneiras nesses aspectos. A esse respeito, Krugman (1998) afirma queA idia que a aglomerao de produtores27 em uma localizao particular traz vantagens, e que estas vantagens, por sua vez, explicam tal aglomerao antiga. Eu no sei quem primeiro a formulou, mas o economista que mais a empregou foi ningum mais do que Alfred Marshall (KRUGMAN, 1998, p. 49-50).

Essencialmente, Marshall (1890) trata, alm dos ganhos de escala internos firma, a questo das externalidades, conforme demonstra o trecho a seguir, extrado de seu Princpios de economia:27

No original em ingls, clustering of producers. A citao foi livremente traduzida do original em ingls.

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Muitas das economias na utilizao de mo-de-obra e maquinaria especializada no dependem do tamanho das fbricas individuais. Algumas dependem do mesmo gnero de fbricas na vizinhana; enquanto outras, especialmente relacionadas com o adiantamento da cincia e o progresso das artes, dependem principalmente do volume global de produo em todo o mundo civilizado. (MARSHALL, 1982 [1890], p. 229).

Portanto, ao tratar a questo, Marshall (1890) levou em considerao, conforme assinala Krugman (1998, p. 50), duas externalidades pecunirias e uma externalidade tecnolgica listadas abaixo:

a possibilidade oferecida por um grande mercado local de viabilizar a existncia de fornecedores de insumos com eficincia de escala; as vantagens decorrentes de uma oferta abundante de mo-de-obra; e a troca de informaes que ocorre quando empresas do mesmo setor aglomeram-se.

Sobretudo a partir da dcada de 1950, diversos autores dedicaram-se a tentar compreender o fenmeno do crescimento regional utilizando conceitos de alguma forma relacionados com a questo da aglomerao.28 Em que pese o relevante papel desempenhado pela aglomerao nos plos de crescimento de Perroux (1955), na causao circular e cumulativa de Myrdal (1957) e nos efeitos para frente e para trs de Hirschman (1958), curioso observar que esses autores no foram, ao menos do ponto de vista formal, diretamente influenciados pelo trabalho de28

Krugman (1998, p. 26), ao citar produes tericas com abordagens similares j na dcada de vinte, assinala que os livros aqui mencionados de Myrdal (1957) e Hirschman (1958) mark the end, not the beginning, of high development theory (marcam o final, e no o incio, da avanada teoria do desenvolvimento).

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Marshall (1890), sendo muito mais presentes e facilmente identificveis nessas obras as influncias exercidas por Keynes e por Schumpeter, esse ltimo, sobretudo, no caso de Perroux (1955). Isso explica porque na Figura 2.1 a ligao entre Marshall e os autores que trabalharam com o conceito de aglomerao na dcada de 1950 indicada por meio de uma linha tracejada, enquanto Keynes est ligado a esses autores por uma linha cheia. Os pargrafos seguintes apresentam, com maior grau de detalhe, as principais idias desses autores a respeito do desenvolvimento regional.

2.3.1 Os plos de crescimento de PerrouxEmbora os fatores de aglomerao de inspirao marshalliana desempenhem um importante papel na elaborao do conceito de plo de crescimento proposto pelo economista francs Franois Perroux, sem dvida de natureza schumpeteriana sua principal influncia nessa questo. Com efeito, a crtica de Perroux ao fluxo circular da vida econmica enquanto condicionado por circunstncias dadas29 de inspirao walrasiana visivelmente influenciada pela crtica originalmente apresentada por Schumpeter (1911).30 A formulao da crtica ao equilbrio geral walrasiano teria levado Perroux (1977 [1955], p. 146) a afirmar que nenhum crescimento observvel de uma economia exprime-se pelo modelo que se acaba de caracterizar. Partindo das proposies apresentadas por Schumpeter (1911) a respeito do papel desempenhado pelas inovaes na di29

30

A expresso intitula o primeiro captulo da Teoria do desenvolvimento econmico de Schumpeter (1911). Perroux foi o responsvel pela introduo verso francesa da Teoria do desenvolvimento econmico, editada em 1935. essa forte influncia que justifica uma linha contnua ligando Schumpeter aos autores ligados s teorias discutidas nesta seo.

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nmica capitalista,31 Perroux prope-se a explorar as relaes que se estabeleceriam entre indstrias que ele denominou motrizes que tm a propriedade de aumentar as vendas e as compras de servios de outras e movidas que tm suas vendas aumentadas em funo das indstrias motrizes , argumentando que o crescimento no ocorre de forma homognea no espao, mas manifesta-se em pontos ou plos de crescimento, com intensidades variveis, expande-se por diversos canais e com efeitos finais variveis sobre toda a economia PERROUX (1977 [1955], p. 146). Dessa forma, Perroux argumenta que a indstria motriz, alm de aportar sua contribuio prpria ao crescimento global do produto, tambm induz em seu ambiente um crescimento que pode ser atribudo s relaes que estabelece com as indstrias movidas. Perroux (1977 [1955], p.154) procura demonstrar ento que um plo industrial complexo seria capaz de modificar seu meio geogrfico imediato e mesmo a estrutura inteira da economia nacional em que estiver situado, uma vez que a se registram efeitos de intensificao das atividades econmicas devidos ao surgimento e encadeamento de novas necessidades coletivas. Quando se soma aos argumentos apresentados no pargrafo anterior a constatao de Perroux (1977 [1955], p. 152) de que o aumento das vendas das indstrias motrizes (e, portanto, o estabelecimento dos plos de crescimento) pode, inclusive, resultar de um estmulo do Estado sob forma de subveno, por exemplo, no caso de haver hesitao ou lentido por parte das indstrias motrizes, esto dadas as condies para a re31

Convm ressaltar que Perroux (1955) estende sua anlise para alm das proposies originais de Schumpeter (1911) ao considerar, ao lado dos empresrios privados (que seriam, sob seu ponto de vista, o foco da anlise de Schumpeter), os poderes pblicos e suas iniciativas [...] bem como as pequenas inovaes de adaptao (PERROUX, 1977 [1955], p. 151). Sem a pretenso de discutir aqui se esses aspectos estariam ou no contemplados na T eoria do desenvolvimento econmico, a observao vlida pela nfase dada por Perroux ao papel do governo e das inovaes incrementais no desenvolvimento econmico.

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constituio de uma grande parte das polticas de desenvolvimento local implementadas em pases desenvolvidos e em desenvolvimento a partir da dcada de 1950, contenham elas ou no referncias diretas s idias de Perroux. Conforme assinala Miyoshi (1997), pelo menos 28 pases chegaram a implementar ou discutir seriamente estratgias de desenvolvimento regional baseadas nos plos de crescimento de Perroux. Entre esses pases, esto includos os Estados Unidos, a Frana, a Itlia, a Rssia ento Unio das Repblicas Socialistas Soviticas e o Brasil. Richardson e Richardson (1975, p. 163) chegam a afirmar que, no incio da dcada de 1970, a confiana na anlise de plos de desenvolvimento foi uma caracterstica dominante do planejamento regional operacional tanto nos pases desenvolvidos como nos pases em desenvolvimento. Em que pese o fato de terem subsidiado a formulao de polticas de desenvolvimento regional em pases desenvolvidos e em desenvolvimento at pelo menos o incio da dcada de 1970, os plos de crescimento de Perroux passaram a ser severamente criticados j naquele momento. De um modo geral, as crticas baseavam-se no fato de que as experincias de desenvolvimento regional fundamentadas nesse conceito haviam, em sua maioria, falhado, pois as indstrias motrizes implantadas no teriam sido capazes de difundir inovaes tecnolgicas para as indstrias movidas, tendo sido gerada, em contrapartida, uma maior concentrao regional das atividades econmicas nos pases que a adotaram. Cruz (2000, p. 57) afirma que vrios estudos (sem, entretanto, cit-los) atestariam resultados decepcionantes da adoo de polticas de desenvolvimento industrial e regional baseadas nos plos de crescimento. Com relao a crticas dessa natureza, o prprio Perroux (1988), em um trabalho publicado postumamente, chegou a defender-se ao levantar a seguinte questo:Sabe-se de algum exemplo, em qualquer lugar da terra, de crescimento e desenvolvimento onde estes processos ocorreram

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sem a presena e os efeitos de centros de desenvolvimento, territorializados ou no? (PERROUX, 1988).

A questo, entretanto, transcende a simples discusso a respeito dos resultados empricos da implementao de polticas regionais baseadas nos plos de crescimento, uma vez que virtualmente impossvel isolar seus efeitos de outras variveis, e que no parece haver uma unidade metodolgica nos conceitos empregados.32 Uma explicao talvez mais simples e coerente do declnio dos plos de crescimento aquela que leva em conta o fato de que esses teriam sido concebidos em um ambiente onde a lgica de produo tinha uma base essencialmente fordista. As transformaes que comeam a ser percebidas na dcada de 1970 implicariam, portanto, uma impossibilidade de aplicao direta de conceitos formulados para um outro contexto. Conforme afirma Storper (1994),Por volta do incio dos anos 70 dissolveram-se, no essencial, as condies que haviam permitido a muitos dos estados nacionais dos pases em desenvolvimento se engajar no planejamento econmico nacional, com sua variante regional de plos de crescimento (STORPER, 1994, p. 25).

2.3.2 A causao circular e cumulativa de MyrdalEmbora a natureza circular do problema do crescimento nos pases menos desenvolvidos seja familiar aos economistas pelo menos desde a dcada de 1920,33 o conceito de causao circular e cumulativa freqentemente atribudo ao sueco Gunnar Myrdal32

33

Miyoshi (1997) cita cinco diferentes conceitos usados na literatura para definir os plos de crescimento, demonstrando a grande dificuldade de analisar apenas aqueles correspondentes s idias originais de Perroux. Krugman (1998, p. 26) assinala que as idias de causao circular j teriam sido essencialmente tratadas por Young (1928).

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(1957). Adotando inclusive uma abordagem subnacional, Myrdal (1957) sustenta, com base em argumentos que vo de referncias a Nurkse e a um trabalho desenvolvido pelo prprio Myrdal sobre a questo racial nos Estados Unidos at referncias ao folclore popular e Bblia, que haveria uma inter-relao causal e circular nos fatores ligados questo do desenvolvimento. A hiptese da causao circular e cumulativa proposta por Myrdal (1960 [1957], p. 39) teria validade em todo o campo das relaes sociais. Quando considera os efeitos do processo de causao circular e cumulativa como explicativos no apenas da heterogeneidade observada no desenvolvimento de pases, mas tambm das desigualdades regionais dentro de um pas, Myrdal (1960 [1957], p. 42) argumenta que o jogo das foras de mercado opera no sentido da desigualdade, o que o coloca na contramo das teorias neoclssicas, de acordo com as quais haveria um processo natural de convergncia de renda inter-regional nos pases. com base nessa constatao que Myrdal (1957) defende a interveno do Estado para conter as foras de mercado, que, de outra forma, tenderiam a acentuar os nveis de desigualdade regional. Convm observar que Myrdal (1960 [1957], p. 35) faz referncia a fatores de natureza no-econmica, tais como a qualidade dos fatores de produo e a eficincia dos processos produtivos como determinantes do desenvolvimento. Assim, quando Myrdal (1960 [1957], p. 43) se refere qualificao da mode-obra (ou, em suas palavras, populao obreira treinada nos vrios ofcios), comunicao, conscincia de crescimento e vizinhana e ao esprito empreendedor, termina lidando com fatores que somente muito mais tarde ganhariam destaque na produo terica em economia regional.

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2.3.3 Os efeitos para frente e para trs de HirschmanAdotando uma linha de pensamento claramente identificada com as questes relativas aglomerao, Hirschman (1961 [1958], p.18) argumenta que[...] os recursos e circunstncias cuja existncia se demonstrava necessria ao desenvolvimento econmico no so nem escassos nem to difceis de obter desde que o desenvolvimento econmico primeiro se manifeste.

Dessa forma, o desenvolvimento econmico seria dificultado por uma srie de crculos viciosos entrelaados (HIRSCHMAN, 1961 [1958]). Assim, esse autor prope que se procurem presses e processos de incentivo que faro eclodir e mobilizar o maior nmero possvel de recursos escassos, tais como capital e atividade empreendedora (HIRSCHMAN, 1961 [1958]), sendo esse o argumento bsico para sua defesa dos planos de desenvolvimento. Nessa mesma publicao, Hirschman (1961 [1958], p. 23) adota uma viso explicitamente intervencionista, ao argumentar que os pases retardatrios so forados a um processo de crescimento menos espontneo e mais refletido do que o ocorrido nos pases onde a expanso primeiramente se verificou. Nesse ponto, Hirschman (1961 [1958], p. 24) critica a viso dos pr-requisitos de Gerschenkron, segundo a qual, nos pases atrasados, em um dado momento, os benefcios de vencer o atraso tornam-se maiores do que os custos para venc-lo. Atribuindo uma maior importncia s funes de planejamento, Hirschman (1961 [1958], p.24) afirma que essa viso levaria incorretamente concluso de que o desenvolvimento ocorreria de forma mais ou menos espontnea nos pases retardatrios. No contexto desse arcabouo terico, Hirschman (1958) discute a questo regional usando os conceitos de efeitos para frente (forward linkages) e para trs (backward linkages).

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Krugman (1998, p. 17) assinala que ambos os conceitos (especialmente o de efeitos para trs) tratam da questo das economias de escala necessrias viabilizao de empreendimentos em regies determinadas. Dessa maneira, os efeitos para trs so a forma encontrada por Hirschman (1958) para expressar as externalidades decorrentes da implantao de indstrias que, ao aumentarem a demanda de insumos no setor a montante, viabilizariam suas escalas mnimas de produo na regio. Os efeitos para frente, por sua vez, resultariam da oferta de insumos que tornaria viveis os setores que se posicionassem a jusante. Embora a mediao do mercado nesse processo esteja evidente, importante destacar que, ao longo de toda a Estratgia do desenvolvimento econmico, Hirschman (1958) destaca tambm os aspectos no pecunirios desses efeitos. Isto fica evidente, por exemplo, quando Hirchman (1961 [1958], p. 27-34) procura explicaes de natureza antropolgica para o desenvolvimento, ou quando, ao discutir Schumpeter e a questo do empreendedor, afirma que a capacidade empreendedora envolveria, inclusive, a competncia para construir acordos entre as partes interessadas (HIRSCHMAN, 1961 [1958], p.36).

2.4 Produo recente em desenvolvimento regionalA sistematizao da produo recente em desenvolvimento regional dificultada pelo fato de se tratar de um material bastante novo e, em certo sentido, ainda em construo. Ainda assim, dois grandes blocos podem ser facilmente identificados: de um lado, os autores que empregam mtodos menos formais e que procuram, de alguma maneira, incorporar os fenmenos de reestruturao produtiva e acelerao da diviso internacional; de outro lado, os autores ligados chamada nova geografia econmica que buscam abordar os conceitos de aglomerao e custos de transportes atravs de modelos matemticos. Com50

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relao ao primeiro bloco, podem-se apontar as seguintes caractersticas gerais:34

Uma grande nfase dada s instituies em geral e s externalidades (inclusive tecnolgicas), em particular, com referncias explcitas ao trabalho de Marshall (1890). Nesse sentido, as abordagens recentes contrapem-se s teorias de desenvolvimento regional com nfase nos fatores de aglomerao discutidas na Seo 2.3, onde a influncia de Marshall (1890), na maioria dos casos, pode apenas ser inferida. Uma forte influncia do pensamento de Schumpeter (1911; 1942) e da corrente evolucionista neo-schumpeteriana, sobretudo nos esforos de compreenso dos impactos dos processos de inovao tecnolgica e aprendizado no desenvolvimento regional. Uma nfase nas relaes no comerciais estabelecidas no mbito das redes e aglomeraes, levando em conta aspectos de organizao industrial e custos de transao.

Entretanto, fundamental destacar, antes mesmo de se apresentar uma discusso mais detalhada dos trabalhos dos principais autores ligados produo terica recente em desenvolvimento regional, a dificuldade de se extrair desses trabalhos proposies de polticas pblicas de interveno voltadas para a promoo do desenvolvimento regional. De fato, ao proporem um tratamento que vai alm da deciso puramente microeconmica, incorporando no apenas as externalidades de natureza pecuniria mas tambm os chamados ativos relacionais, temse a impresso de que os requisitos necessrios para a promoo do desenvolvimento de determinadas regies constituiriam uma lista interminvel, sendo praticamente impossvel a uma nica34

Ver a Figura 2.1 para a indicao das principais influncias tericas (diretas e indiretas) sobre a produo terica recente em desenvolvimento regional.

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regio reuni-los a um s tempo. Esse , possivelmente, o principal contraponto prtico entre as teorias que se apiam no conceito de aglomerao e as teorias mais recentes. Enquanto as primeiras claramente preconizavam a criao de plos de crescimento como forma de se iniciar um processo virtuoso de desenvolvimento de regies especficas, as segundas limitam-se, na maioria dos casos, a descries anedticas de experincias bemsucedidas que, ao relatarem realidades cuja reproduo em outros espaos praticamente impossvel, pouco acrescentam prtica de planejamento econmico governamental. Na prtica, essas abordagens ressentem-se ainda da falta de anlises que possam apontar de forma concreta os instrumentos que poderiam ser utilizados pelo setor pblico para a promoo do desenvolvimento. Selecionar os principais autores e correntes de pensamento de uma produo terica que est sendo escrita praticamente ao mesmo tempo em que se procura fazer esse esforo de sistematizao s pode ser uma tarefa prospectiva. Apesar dessa restrio, alguns autores propuseram-se a realizar esse trabalho, tendo chegado aos seguintes resultados:

Storper (1997, p. 4) identifica trs escolas principais: (i) a institucionalista, que trata dos distritos industriais, que retomam o conceito de distrito marshalliano e incorporam evidncias empricas observadas sobretudo na regio da terceira Itlia; (ii) a escola da organizao industrial e dos custos de transao, cujos principais autores so aqueles ligados Escola Californiana das Economias Externas (STORPER, 1997, p. 9); e (iii) a linha que privilegia o papel da mudana tcnica e do aprendizado, influenciada pela corrente neo-schumpeteriana e que inclui tambm as abordagens dos ambientes inovadores. Amaral Filho (1999, p. 8 et seq.) identifica trs novas estratgias de desenvolvimento regional ou local: (i)

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distritos industriais; (ii) ambientes inovadores; e (iii) clusters, que so apresentados como uma espcie de sntese dos dois conceitos anteriores;

Boisier ([199-]), propondo-se a identificar a linguagem emergente em desenvolvimento territorial, discute treze novos conceitos, entre os quais os de learning regions, aprendizagem coletiva, ambientes inovadores, desenvolvimento local, desenvolvimento endgeno (estes dois ltimos com um tratamento mais detalhado) e clusters.

Optou-se aqui por examinar, nos pargrafos seguintes, a produo associada aos conceitos de distritos industriais, ambientes inovadores e a produo ligada organizao industrial e custos de transao, por serem aqueles mais freqentemente empregados. Incluiu-se, ainda, uma breve discusso sobre a produo que procura dar maior formalismo s questes associadas aglomerao e aos custos de transporte. parte a produo terica associada nova geografia econmica, o denominador comum da produo recente em desenvolvimento regional, conforme se ver na descrio detalhada de cada um dos escolhidos, parece ser a incorporao de aspectos tecnolgicos e institucionais em seus modelos conceituais.

2.4.1 Os distritos industriaisDe todas as correntes tericas includas na produo recente em economia regional, a discusso sobre distritos industriais aquela na qual a influncia de Marshall mais claramente identificvel. Os distritos industriais podem ser definidos como sistemas produtivos locais caracterizados por um grande nmero de firmas que so envolvidas em vrios estgios e em vrias vias na produo de um bem homogneo, aproximando-se, assim, do conceito que ficou conhecido como distrito marshalliano (AMARAL FILHO, 1999, p. 10). Entre as vrias caractersticas53

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que se poderiam apontar na descrio dos distritos industriais muitas delas sujeitas a controvrsias a existncia de relaes no pecunirias entre empresas do mesmo setor aquela que se destaca. Assim, a maior parte dos autores que se dedicam questo procura nos aspectos histricos e sociais a explicao para as sinergias observadas entre as empresas desses distritos, embora os spillovers tecnolgicos no paream constituir-se no ponto central de sua anlise. Uma parte significativa da literatura sobre o tema dedicase anlise do desempenho de regies cujas taxas de crescimento de emprego e renda mantiveram-se, de forma sustentvel no tempo, acima das taxas mdias nacionais. Esse caso de algumas regies da Itlia que caracterizam a chamada vertente italiana dos distritos marshallianos. Markusen (1996) procura ampliar a discusso sobre distritos industriais ao propor uma tipologia cujos modelos esquemticos esto indicados na Figura 2.2 a seguir. Dessa forma, Markusen (1996), alm dos distritos marshallianos e de sua vertente italiana, inclui tambm os distritos centro-radiais (isto , aqueles que se desenvolvem em torno de uma espcie de empresa que desempenharia o papel de ncora) e os distritos plataforma satlite (que resultam da aglutinao, em um espao geogrfico determinado, de empresas cujos centros de deciso so mantidos em suas regies de origem). Alm desses, Markusen (1996) discute ainda os distritos a que chama de suportados pelo Estado, isto , que se desenvolvem em torno de aes especficas do poder pblico como, por exemplo, centros de pesquisa militar ou aeroespacial.

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Fornecedores

Distrito Plataforma Satlite

Clientes

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Distrito Industrial Marshalliano

Distrito Centro-Radial

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Legenda: Empresa local Empresa de grande porte Planta / filial

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Figura 2.2: Tipologia de distritos industriais

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Fonte: Markusen (1996, p. 297).

2.4.2 Os ambientes inovadoresO conceito de ambientes inovadores tem seu desenvolvimento estreitamente atrelado ao Groupe de Recherche Europen sur les Mileux Innovateurs (GREMI),35 do qual fazem parte, conforme assinala Boisier ([199-], p. 5) e Amaral Filho (1999, p. 10), autores franceses, italianos e suos como Aydalot, Camagni, Maillat, Perrin, Crevoisier e outros.36 De uma forma geral, esses autores preocupam-se com as externalidades de natureza tecnolgica que decorreriam dos vnculos de cooperao e interdependncia estabelecidos entre as empresas atravs da formao de redes de inovao. Nos termos de Moulaert e Sekia (2003, p. 291), in the theory of the milieu innovateur developed by the GREMI, the firm is not an isolated innovative agent, but part of a milieu with an innovative capacity.37 Por essa razo, pode-se afirmar, a exemplo do que fez Amaral Filho (1999, p. 11), que, na abordagem dos autores ligados a essa corrente, as inovaes desempenham no apenas um papel determinante, mas tambm gozam de maior autonomia em relao formulao presente na discusso sobre os distritos industriais e sua vertente italiana. Fica evidente a preocupao dessa abordagem com os processos de desintegrao vertical que, ao facultarem a manuteno dos ncleos estratgicos das empresas em regies distintas daquelas dedicadas produo, impediram, em algumas experincias de implantao de plos de crescimento, que o desenvolvimento pudesse ser assimilado de forma endgena nas regies35 36

37

Grupo Europeu de Pesquisa sobre os Ambientes Inovadores. Amaral Filho (1999, p. 10) assinala que vrios autores que se dedicaram ao estudo dos distritos industriais participam tambm da agenda de pesquisa do GREMI. [...] na teoria do ambiente inovador desenvolvida pelo GREMI, a firma no um agente inovador isolado, mas parte de um ambiente dotado de capacidade de inovao (Traduo livre).

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onde se instalaram indstrias motrizes. Em que pese esse esforo, Storper (1997, p. 17) afirma que[...] the GREMI group, however, has never been able to identify the economic logic by which milieux foster innovation. There is a circularity: innovation occurs because of a milieu, and a milieu is what exists in regions where there is innovation.38

2.4.3 Organizao industrial e custos de transaoEstreitamente vinculada aos trabalhos desenvolvidos pela chamada Escola Californiana das Economias Externas (STORPER, 1997, p. 9), essa abordagem privilegia a corrente terica da organizao industrial e dos custos de transao na compreenso dos fenmenos associados ao desenvolvimento regional. Apoiados no conceito de janelas de oportunidades formulado pela corrente neo-schumepetriana, os autores desse grupo assinalam que a competio e o processo de inovao abrem janelas locacionais para as regies. Buscando identificar os componentes principais das especificidades que garantiam o sucesso na promoo do desenvolvimento endgeno, Storper (1994, p. 26) assinala a existncias de dois tipos de externalidades:

externalidades hard, que correspondem quelas relativas tecnologia de produo e s relaes insumo-produto; externalidades soft, que contemplam as interdependncias no-comerciais da economia local.

38

[...] o GREMI, contudo, jamais foi capaz de identificar a lgica econmica atravs da qual os ambientes estimulam a inovao. H uma circularidade: a inovao ocorre por causa do ambiente, e o ambiente o que existe em regies onde h inovao (Traduo livre).

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Os ativos relacionais presentes nas externalidades soft propostas por Storper (1994) no parecem ser essencialmente diferentes daqueles apresentados na anlise dos distritos industriais. Por sua vez, as externalidades hard so aquelas que receberam nfase nas proposies de autores como Perroux (1955). A anlise de Storper (1994), entretanto, prope-se a ir alm ao considerar o aspecto dinmico desses dois tipos de especificidades. Embora apresentem trabalhos que se propem mais abrangentes, os autores associados corrente aqui denominada de organizao industrial no parecem ter ainda conseguido obter sucesso na proposio de uma agenda que possa dar apoio formulao de polticas de desenvolvimento regional. Nas palavras do prprio Storper (1994, p. 59), a agenda proposta aqui pode soar utpica, seno impossvel. De fato, as dificuldades no so pequenas: ao atriburem aos ativos relacionais um papel-chave na promoo do desenvolvimento endgeno, os autores no conseguem ultrapassar a barreira da descrio de experincias bem e malsucedidas. Isto quer dizer que esses autores no conseguem propor aes de polticas pblicas capazes de atuar sobre as externalidades soft de modo a utilizlas como um instrumento de promoo do desenvolvimento.

2.4.4 Nova geografia econmicaEm oposio s abordagens ligadas aos conceitos de distritos industriais e ambientes inovadores e produo terica ligada organizao industrial e custos de transao, que adotam uma perspectiva predominantemente no-formal, a chamada nova geografia econmica emprega um tratamento matemtico nas questes relativas ao desenvolvimento regional. Embora elogiando seu grau de formalizao, Krugman (1998, p. 41) argumenta que as teorias clssicas da localizao, por no lidarem com a questo da estrutura de mercado e dos retornos58

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crescentes, terminam no contemplando o verdadeiro trade-off que existiria entre a aglomerao e a disperso de atividades econmicas. Como os autores das teorias clssicas da localizao apiam-se na premissa de concorrncia perfeita, haveria ento uma contradio em seus modelos, pois, na ausncia de ganhos de escala, os custos de transporte tenderiam a disseminar as atividades ao longo de todo o espao. Com relao s teorias de desenvolvimento regional que enfatizam os fatores de aglomerao, Krugman (1998, p. 6) argumenta que a inabilidade de seus autores em expressar suas idias de forma adequada s tcnicas de modelagens disponveis na poca39 as impediu de serem definitivamente incorporadas ao mainstream do pensamento econmico. A despeito desse fato, Krugman (1998, p. 17) v, nas abordagens que classifica como teorias do desenvolvimento de cerca de 1958, as economias de escala como um conceito central, no apenas ao nvel de uma planta individual, mas tambm de forma agregada. Assim, foi a partir da proposta de fornecer um tratamento formal ao trade-off entre ganhos de escala e custos de transporte que se configurou a escola da nova geografia econmica, cujas primeiras referncias so os trabalhos de Krugman do incio da dcada de 1990 (KRUGMAN, 1991). Da em diante, vrias publicaes tm se dedicado ao tratamento formal da questo do desenvolvimento regional.40 Em que pese o elevado grau de formalismo das publicaes dos autores vinculados a essa corrente, a nova geografia econmica no consegue explicar o que d incio s economias de aglomerao em uma determinada regio.

39 40

Krugman (1998, p. 6). Ver, por exemplo, Fugita, Krugman e Venables (2000) e Fugita e Thisse (2002). Ver tambm Brakman, Garretsen e Marrewijt (2001), para uma anlise dos modelos formais, e Krugman (1998), para uma sntese conceitual.

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2.5 Competio fiscal: aspectos tericosO debate sobre as vantagens e desvantagens da competio fiscal entre pases ou regies por investimentos complexo e controverso, tanto em nvel estritamente terico como em nvel emprico. Ainda que o tema possa ser claramente includo nas discusses sobre finanas pblicas, as revises tericas recentes sobre o tema (WILSON; WILDASIN, 2004) situam o incio dos debates formais sobre competio fiscal nos trabalhos originais de Tiebout (1956) e Oates (1972), que desenvolvem uma abordagem especificamente voltada para a questo. Ao longo de mais de meio sculo de discusso, todavia, a produo terica no chegou a um consenso sobre a questo, mesmo nas circunstncias em que o tema tratado de forma puramente conceitual. Wilson e Wildasin (2004, p. 1066) assinalam que a competio fiscal muitas vezes definida de forma abrangente como qualquer forma no-cooperativa de fixao de tributos por governos independentes. Contudo, a maioria dos trabalhos efetivamente se preocupa com os efeitos dos diferentes nveis de tributao sobre as decises de alocao do capital nas diferentes regies.41 Esses trabalhos podem ser segmentados em dois tipos principais:

Trabalhos que procuram analisar os efeitos de incrementos diferenciais no estoque de capital como conseqncia de alteraes tambm incrementais nos nveis de tributao. Nesses casos, o tratamento formal semelhante a modelos de mercados competitivos e tanto o capital como o nvel de tributao so tratados de forma agregada.

41

Em geral, os trabalhos conceituais empregam o termo jurisdio, buscando assinalar a presena de governos que detm algum nvel de soberania na fixao dos nveis de tributao. Neste trabalho, contudo, optou-se pelo uso do termo regio tal como definido no incio deste captulo.

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A produo terica sobre a competio que se estabelece entre regies por investimentos elevados e indivisveis que detm o poder de barganha frente aos governos que procuram atra-los. Assim, nas chamadas bidding wars,42 as regies competem atravs de um conjunto de subsdios especificamente ajustados aos investimentos que desejam trazer. Nesses casos, os subsdios, em geral, envolvem no apenas menores nveis de tributao, mas tambm incentivos financeiros, proviso da infra-estrutura requerida para a operao dos empreendimentos, treinamento de mo-de-obra e outras vantagens.

Conforme mencionou-se acima, o primeiro tratamento formal dado competio entre regies com autonomia para a fixao de seus nveis de tributos foi proposto por Tiebout (1956), que argumentava que os indivduos tenderiam a optar por viver onde identificassem a melhor relao entre a proviso de bens pblicos e o nvel de tributos a que estariam sujeitos. Nesse modelo, os indivduos[...] votariam com seus ps ao selecionarem a jurisdio que julgassem eficiente e os governos locais responderiam ajustando seus tributos e gastos s preferncias dos seus habitantes (WILSON; WILDASIN, 2004, p. 1068).

A lgica do argumento facilmente estendida s decises de localizao tomadas por firmas. Nesse caso, admite-se que as empresas ponderam, ao definir sua localizao, os bens pblicos oferecidos e os nveis de tributos praticados para a definio quanto localizao tima. O resultado seria, ento, uma dis42

Usualmente, bidding war simplesmente referida em portugus como guerra fiscal. A expresso em portugus, todavia, no explicita que se trata, na verdade, de uma espcie de leilo entre as regies que desejam atrair o investimento. Alm disso, essas guerras no se limitam ao aspecto puramente fiscal e envolvem outras formas adicionais de incentivos.

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tribuio eficiente do capital nas diferentes regies. Nos termos de Stigler (1957, p. 216 apud OATES, 2001, p. 135), competition among communities offers not obstacles but opportunities to various communities to choose the type and scale of government functions they wish.43 claro que o modelo assume uma srie de hipteses tipicamente neoclssicas de difcil aderncia ao mundo real, especialmente quanto ao fato de que decises tomadas por um determinado governo afetam apenas marginalmente o resultado geral do sistema. A viso positiva sobre a competio fiscal que se pode inferir dos argumentos de Tiebout (1956) no compartilhada por Oates (1972) que, na publicao intitulada Federalismo fiscal, posicionou-se contrariamente competio entre jurisdies por julgar que suas conseqncias seriam nveis de arrecadao ineficientemente baixos e, portanto, uma oferta de bens pblicos abaixo do mnimo necessrio. A premissa fundamental subjacente a esse argumento que os governos estariam unicamente interessados na promoo do bem-estar social (isto , seriam governos benevolentes) e a competio fiscal restringiria sua capacidade de prover bens pblicos. Oates (2001), em um trabalho publicado cerca de trinta anos depois, torna a afirmar que somente em condies muito especficas a competio fiscal poderia levar a resultados positivos, conforme assinala o trecho a seguir.If one takes a more neoclassical approach with public decisionmakers who seek to promote social welfare, then we find that fiscal competition leads to efficient outcomes only for a class of relatively special cases where jurisdictions are small with respect to the relevant capital markets, where strategic elements are relatively unimportant, and where the public43

[...] a competio entre comunidades no coloca obstculos, mas oferece oportunidades para que elas escolham o tipo e a escala das funes de governo que desejam (Traduo livre).

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sector has access to the right sorts of fiscal instruments. Otherwise, as the literature has shown, various kinds of distortions are likely to result. Public programs, for example, may often tend to be suboptimal (OATES, 2001, p. 134).44

Este ponto de vista compartilhado por Wilson (1986) e Zodrow e Mieszkowski (1986), que apresentam modelos formais nos quais associam a competio fiscal reduo do Estado e transferncia de recursos pblicos para agentes privados. Trata-se de modelos relativamente simples, nos quais o capital dotado de mobilidade regional, e a arrecadao proveniente dos impostos sobre esse capital financia a proviso de bens pblicos. Ao final, Zodrow e Mieszkowski (1986) e Wilson (1986) reafirmam o ponto de vista segundo o qual a competio fiscal tenderia a gerar distores na alocao de recursos e nveis subtimos de proviso de bens pblicos. Em oposio, autores como Edwards e Keen (1996) alegam que a ausncia de competio fiscal resultaria em governos inchados e ineficientes, uma vez que no haveria restries para seu apetite por extrair mais recursos do setor privado da economia. A competio fiscal emerge, nesse argumento, como uma forma de disciplinar a expanso indesejada do setor pblico ou de domar o Leviat,45 e a harmonizao das taxas praticadas44

45

Se se adota uma abordagem mais neoclssica na qual os agentes pblicos habilitados a tomar decises pretendem promover o bem-estar social, ento pode-se concluir que a competio fiscal leva a resultados positivos somente em casos relativamente especiais, nos quais as jurisdies so pequenas em relao aos mercados relevantes de capital e o poder pblico tem acesso s modalidades adequadas de instrumentos fiscais. Caso contrrio, como a literatura tem mostrado, podem ocorrer vrios tipos de distores. Programas pblicos, por exemplo, freqentemente tendem a ser subtimos (OATES, 2001, p. 134) (Traduo livre). Monstro bblico associado por Thomas Hobbes aos governos absolutos. A expresso aplicada pelos autores que estudam a competio fiscal em referncia ao crescimento desmesurado do setor pblico mediante nveis elevados de tributao.

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por diferentes jurisdies seria um fenmeno to indesejado quanto a formao de cartis entre agentes privados.46 Embora os debates ocorridos a partir da dcada de 1980 tenham se apoiado em modelos matemticos formais que, em geral, se pretendem neutros do ponto vista ideolgico, o fato que as vises antagnicas dos trabalhos discutidos at aqui deixam claro que, por trs do julgamento que se pode fazer sobre a competio fiscal, est a prpria viso sobre o papel do Estado (EDWARDS; KEEN, 1996; OATES, 2001, p. 134). Nesse sentido, a competio fiscal poderia, por um lado, restringir a capacidade dos governos benevolentes de prover bens pblicos ou, por outro lado, impor restries ao crescimento de Leviats. Com relao ao caso particular das bidding wars, h uma quantidade relativamente reduzida de trabalhos estritamente tericos sobre o assunto, sendo os mais citados os de Black e Hoyt (1989), King, McAfee e Welling (1993) e Biglaiser e Mezzetti (1997). Black e Hoyt (1989) propem que governos benevolentes engajam-se em bidding wars nas circunstncias em que os custos fixos associados proviso de bens pblicos so elevados. Os autores argumentam que os grandes investimentos atraem novos residentes para a regio vencedora (isto , para a regio que conseguiu atra-los) e lhe permitem reduzir o custo mdio de proviso de bens pblicos (na medida em que se dividem os custos fixos por uma contingente maior). Esse argumento os leva a concluir que os subsdios oferecidos para atrair o investimento podem gerar um resultado positivo para o bem-estar social. O modelo de Black e Hoyt (1989), embora formalmente elegante, tem sua aplicao limitada s circunstncias em que os custos fixos associados proviso de bens pblicos sejam

46

Na verdade, Edwards e Keen (1996, p. 118) admitem, no seu modelo formal, que as preferncias dos formuladores de poltica estariam contidas no intervalo que vai da maximizao do bem-estar maximizao da arrecadao.

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particularmente elevados e que no haja deseconomias de aglomerao em grandes centros urbanos, por exemplo. King, McAfee e Welling (1993) apiam-se tambm na premissa de governos benevolentes que participam de leiles por investimentos e definem os seus lances (isto , os subsdios que oferecero) com base em suas expectativas a respeito do excedente que os empreendimentos sero capazes de gerar em suas jurisdies. O modelo incorpora ainda a possibilidade de que os investimentos possam redefinir sua localizao como conseqncia dos nveis de produtividade que efetivamente observem na regio inicialmente escolhida. O interesse poltico pela atrao de grandes investimentos tratado por Biglaiser e Mezzetti (1997), que argumentam que a reeleio pode distorcer a propenso dos polticos a oferecer subsdios, levando as bidding wars a produzirem efeitos negativos em termos de bem-estar social. Os autores admitem, entretanto, que os efeitos do projeto sobre a economia local e o aprendizado dos eleitores sobre o comportamento dos polticos podem ser considerados aspectos positivos dos leiles. A breve reviso dos modelos tericos de competio fiscal aqui apresentada deixa claras suas limitaes em retratar a complexa realidade que circunscreve decises de concesso de benefcios fiscais para a atrao de investimentos. Isso explica, ao menos em parte, por que os modelos tericos no se prestam, em geral, validao emprica. De uma forma geral, os trabalhos, independentemente de seu grau de complexidade, fornecem modelos mentais para a reflexo sobre o tema. Os trabalhos empricos, de fato, tendem a ser anedticos e, muitos deles, fortemente contaminados pela posio ideolgica de seus autores. Ainda assim, foram identificados alguns trabalhos que transcendem a dimenso puramente anedtica ao compararem o desempenho de um conjunto de regies subnacionais que competem por investimentos.

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Entre os trabalhos empricos, destaca-se aquele de Cobb (1993) intitulado The selling of the South: the Southern crusade for industrial development, 1936-1990.47 Trata-se da descrio dos incentivos fiscais concedidos pelos estados do Sul dos Estados Unidos. A relevncia desse trabalho para a presente discusso o fato de que fica claro que o desenvolvimento regional das regies tradicionalmente mais pobres dos Estados Unidos requereu a concesso de incentivos fiscais e financeiros, independentemente do fato de que essas regies contavam com menores custos de mode-obra. Na prtica, ao longo da dcada de 1960, disseminaramse os incentivos conhecidos como bond programs,48 no somente nos estados do Sul mas tambm em outros estados americanos, institudos com