11
CDU. 342.38(812.1-072) IDEAIS E MANIFESTAÇOES REPUBLICANAS NO SERTAo MARANHENSE Haria do Socorro Coelho Cabral (1) RESUMO As idéias liberais e republicanas foram difundidas no Brasil ainda na fase colonial. Os movimentos literários que se processaram na segunda metade do século XVIII foram inspirados nesses princípios. Durante o período monárquico hou ve, em algumas províncias, manifestações e rebeliões de cunho republicano. Durante essa fase, no Sertão maranhense, ocorreram movimentos fundados nesses ideais demo cráticos.A República de Pastos Bons e o Hovimento Republicano da década de l880~ tendo como centro Barra do Corda, demonstraram concretamente os anseias republica nos ae que eram portadores os homens do Sertão. - 1- INTRODUÇÃO A região antigamente co nhecida como Sertão compreendia o amplo territ5rio que se esten dia de Pastos Bons, em direção a Oeste até o Tocantins e ao Sul até o rio Manoel Alves Grande,li mites com o Tocantins. Hoje essa região está inserida nas micror regiões de Imperatriz, do Alto Mearim e Grajaú, de Pastos Bons, do Baixo Balsas e das Chapadas do Sul. A Hist5ria dessa região, que continua, até um certo p0E. to, isolada dos centros de deci sao do Estado, tem contemplada pela sido pouco historiografia maranhense. E, dentro dessa His (1) Professora de História do Departamento de História e Geociência da U~. Mes tre em Educação. tória, as manifestações republi canas, objeto deste ensaio, que se processaram nos centros urba nos mais importantes desse Ser tão se constituem em fenômenos ainda menos conhecidos e estuda dos em profundidade. 2 - ID~IAS E MOVIMENTOS REPUBLI CANOS NO BRASIL MONÁRQUICO. Há precisamente um secu 10, em 15 de novembro de 1889, o Marechal Deodoro da Fonseca,atr~ vés de um golpe militar, depôs o Imperador D. Pedro II,pondo fim ao regime monárquico no Brasil. Esse ato a que o povo as Cada Pesq. são Luis, 5 (1): 31 -41, jan./ju1. 1989. 31

CDU. 342.38(812.1-072) IDEAIS E MANIFESTAÇOES … 4.pdf · ticas americanas. "Somos da Amé rica e queremos ser americanos", ... americano e, nas primeiras déca ... bém pelas sociedades

  • Upload
    buinhi

  • View
    216

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

CDU. 342.38(812.1-072)

IDEAIS E MANIFESTAÇOES REPUBLICANAS NO SERTAo MARANHENSE

Haria do Socorro Coelho Cabral (1)

RESUMO

As idéias liberais e republicanas foram difundidas no Brasil ainda nafase colonial. Os movimentos literários que se processaram na segunda metade doséculo XVIII foram inspirados nesses princípios. Durante o período monárquico houve, em algumas províncias, manifestações e rebeliões de cunho republicano. Duranteessa fase, no Sertão maranhense, ocorreram movimentos fundados nesses ideais democráticos.A República de Pastos Bons e o Hovimento Republicano da década de l880~tendo como centro Barra do Corda, demonstraram concretamente os anseias republicanos ae que eram portadores os homens do Sertão. -

1 - INTRODUÇÃO

A região antigamente conhecida como Sertão compreendiao amplo territ5rio que se estendia de Pastos Bons, em direçãoa Oeste até o Tocantins e ao Sulaté o rio Manoel Alves Grande,limites com o Tocantins. Hoje essaregião está inserida nas microrregiões de Imperatriz, do AltoMearim e Grajaú, de Pastos Bons,do Baixo Balsas e das Chapadasdo Sul. A Hist5ria dessa região,que continua, até um certo p0E.to, isolada dos centros de decisao do Estado, temcontemplada pela

sido poucohistoriografia

maranhense. E, dentro dessa His

(1) Professora de História do Departamento de História e Geociência da U~. Mestre em Educação.

tória, as manifestações republicanas, objeto deste ensaio, quese processaram nos centros urbanos mais importantes desse Sertão se constituem em fenômenosainda menos conhecidos e estudados em profundidade.

2 - ID~IAS E MOVIMENTOS REPUBLICANOS NO BRASIL MONÁRQUICO.

Há precisamente um secu10, em 15 de novembro de 1889, oMarechal Deodoro da Fonseca,atr~vés de um golpe militar, depôs oImperador D. Pedro II,pondo fimao regime monárquico no Brasil.

Esse ato a que o povo as

Cada Pesq. são Luis, 5 (1): 31 -41, jan./ju1. 1989. 31

sistiu,como disse Aristides Lobo,"bestializado, at6nito,surpr~so",l não significou o simplesdesfecho de uma questão militarque se vinha verificando desdea década anterior e que colocava o Exército em oposição ao trono. A monarquia no Brasil, desdeo início da década de 1870, caminhava para seu fim. A inviabilidade de um Terceiro Reinado erafato admitido por todos. "O Terceiro Reinado está previamentejulgado e com ele a monarquia noBrasil", dizia o Manifesto doCongresso do Partido Paulista de1888. De 1870 emdiante os ideaisfederativos e abolicionistas defendidos pelas forças sociaisemergentes se firmaram de talmodo que o regime monárquico pa~sou a ser identificado com oatraso, com a centralização bloqueadora do progresso e da expa~são das liberdades. A monarquiabrasileira que, desde sua impla~tação já havia sido contestada,perdeu toda sua razão de existê~cia. As novas camadas sociaisformadas pelos cafeicultores dooeste paulista, pelos profissiQnais liberais e por parcelas doExército defendiam a República,vista como o regime capaz de

atender aos anseios do país econsoante com as tradições politicas americanas. "Somos da América e queremos ser americanos",dizia o Manifesto Republicano de1870.

As idéias republicanasnas Américas vinham se difundindo desde as primeiras manifestaç6es libertárias ainda na fasecolonial. O iluminismo, corpo dedoutrinas liberais,defensor dasoberania popular, da liberdadeecon6mica, da igualdade social,elaborado por filósofos europeus no século XVIII, teve gra~de influência não só nos movime~tos revolucionários ocorridos naEuropa, como a Revolução Francesa, mas também nos movimentos delibertação das co16nias americanas. Nessas co16nias, o liberalismo passou a significar a libertação do jugo metropolitano,olivre direito dos povos de prQclamarem sua independência.

As treze co16nias ingl~sas foram, na América,as primelras a proclamarem sua independê~cia, ainda em 1776, da qual brotou a primeira república federativa americana. As co16nias esp~nholas seguiram o exemplo norte

1 NADAI, Elza & NEVES, Joana. História do Brasil. são Paulo; Ed. Saraiva, 1985.

32 Cad. Pesq. são Luís, 5 (1) 31 - 41, jan./jul. 1989.

americano e, nas primeiras décadag do século XIX, após um períQdo de muitas lutas, conquistaramtambém a sua liberdade política,dividindo-se em várias naçoes livres republicana~.

No Brasil, as rebeliõesocorridas na segunda metade doséculo XVIII foram do mesmo modoinfluenciadas pelo liberalismoe por ideais republicanos. Obrasde filósofos como Voltaire, Mo~tesqieu, Raynal, Diderot,d'Alembert foram encontradas nasbibliotecas dos principais líderes desses movimentos. A rigorQsa fiscalização portuguesa queproibia a livre circulação dessas ideias liberais na colônianao impediu completamente queelas fossem divulgadas atravésnão só da leitu~a das obras dosprincipais iluministas, mas também pelas sociedades secretas,por viajantes estrangeiros e porbrasileiros que estudavam na Europa. Na Inconfidência Mineira(1789), os conspiradores prete~deram a proclamação de uma República, inspirada no liberalismomoderado 'da Revolução Americana,onde o preconceito racial e declasse permanecia presente, umavez que 'i escravidão deveria sermantida enquanto que aos mesticos estaria proibida a particip~çao política. Os conjurados baia

nos de 1786, influenciados peloperíodo mais radical e popularda Revolução Francesa, t.ambêm sonharam com o estabelecimento deuma República de caráter populare nivelador.

Após o ato de independê~cia, em 7 de setembro de 1822,v~rificou-se, entre as tendênciaspolíticas existentes,uma ala liberal radical dirigida por Janu~rio da Cunha, Cipriàno Barata,Gonçalves Ledo, Inconformada coma monarquia e defensora da instalação de uma república no paísinspirada no modelo norte americano. Esses líderes radicais foram perseguidos por D. Pedro, sofrendo, assim, o liberalismo brasileiro um duro golpe. Mas osideais republicanos, apesar detoda repressão e autoritarismodo Imperador, continuaram a seespalhar. Em 1824, irrompe, emPernambuco, depois espalhando-sepelas províncias do Ceará, RioGrande do Norte, Paraíba e Alagoas, a Confederação do Equadorque se opõe radicalmen~e ao absolutismo de D. Pedro e pleiteiauma organização mais liberal doregime monárquico ou sua substituição pela República. Essa revolta foi bastante incentivadapelos jornais Tifis pernambucanoe Sentinela da Liberdade e aindapelo Guarita de Pernambuco pe~

Cad. Pesq. são Luís, 5 (1): 31 - 41, j2m./j'u1. 1989. 33

tencentes, respectivamente, aFrei Joaquim do Amor Divino Caneca e a Cipriano Barata, princ!pais líderes desse movimento eque já haviam participado deconspirações anteriores, como aRevolta de 1817, em Pernambucoe a Conjuração Bahiana de 1786.A Confederação do Equador tevecurta duração, sendo prontamentesufocada pelo Poder Central eseus principais chefes condenados à morte.

Apesar de toda a repre~sao do governo imperial, algunsanos depois de derrotada a Confederação do Equador, surgiramem Pernambuco e no Maranhão aIgumas manifestações de cunho republicano. Em Pernambuco, em fevereiro de 1828, um grupo de rebeldes saiu as ruas da vila deAfogados, concitando o povo a selevantar contra a monarquia e aproclamar uma República. De Afogados esse grupo encaminhou - separa a vila próxima de Santo Antão. Nessa vila, após soltaremos presos da cadeia, instalaramum governo republicano. perseguidos, esses rebeldes fugiram parao interior da Província.Ao mesmotempo em que se dava a ação dosmanifestantes, panfletos eramafixados nas ruas dessas duas viIas, insuflando o povo a revol

ta. Asseveravam esses impressosque as Províncias da Bahia, doCeará e do Maranhão dariam apoioao movimento. No Maranhão, maisou menos nessa epoca, na longí~qua vila de Pastos bons, comoadiante veremos,surgia uma manifestação inspirada em ideaisrepublicanos e democráticos. Osmanifestantes,através de procl~mações afixadas nas ruas dessavila, concitavam o povo a se tornar independente, proclamando umaRepública.

Durante a fase rege~cial, alguns liberais exaltados,derrotados politicamente pelogrupo conservador, continuaramdefendendo idéias republicanas.Alguns dos movimentos insurrecionais que surgiram nesse p~ríodo, como a Farroupilha no RioGrande do Sul, a Sabinadana Bahia e a Cabanagem no Pará,inspiradas nesses ideais, cheg~ram a decretar, momentâneamente,uma República nessas Províncias.Essas rebeliões, porém, foram 10go sufocadas, sucedendo~se ~elas uma fase de fortalecimentoda ordem vigente e de centralização do poder concentrado nasmaos do Segundo Imperador. A paEtir, porém, do início da décadade 1870, os ideaisrepublicanos, corrojá foi ventilado, ganharam nova

34 Cad. Pesq. são Luís, 5 (1): 31 - 41, jan./jul. 1989.

força ,tornando-se definitivamente vitoriosos com a proclamaçãoda República Federativa brasileira, em 1889.

3 - A CONQUISTA E OCUPAçAO DOSERTAo

A conquista do Sertãoocorreu tardiamente em relaçãoas regiões maranhenses ligadasas atividades agro-exportadoras.Essa ocupação também se proce~sou de forma diversa. Enquantoos centros agro-exportadores foram colonizados a partir de int~resses vinculados ao comércioexterno, o Sertão foi desbravadoe povoado através de um movimento interno de expansão pecuari~ta.

Em final do século XVII(1674), a ocorrente expansioni~ta criatória procedente do valedo são Francisco, na Bahia, atingiu as chapadas do Piauí, sendoaí estabelecidas inúmeras fazendas de gado. No início do séculoseguinte (XVIII) , essa frente deexpansão ultrapassou o Parnaíbae penetrou no Maranhão. Clodoaldo Cardoso, descrevendo os prlmeiros tempos dessa conquista,

2 CARDOSO, Clodoaldo. Pastos Bons. Rio de Janeiro, Departamento Estadual de Estatística do Maranhão, 1946.

relatou: "Extasiados diante daimensidade verde dos campos g~rais que,avançand~ 'a.azona ribelrinha do Parnaíba,desdobravam-sea perder de vista, na direção doocidente, os pioneiros, refeitosda monotonia das ca~tingas doNordeste sáfaro, que haviam atravessado, deram à região o nomede 'pastos bons' e aí se fixarampara a labuta tranquila da vidapastoril. "2 Domingos Afonso Mafrense e Domingos Jorge Velhodestacaram-se entre os primeirosocupantes desse território.

Em 1740,cerca de 120 fazendas de gado já se achavam in~taladas nesses campos gerais. Umpequeno centro urbano, mais tarde vila e cidade de Pastos Bons,encontrava-se em formação. Dessenúcleo partiram, no final do seculo XVIII e início do séculoXIX, inúmeras bandeiras com vistas à conquista e ocupaçao dasque se situavam na direção sule oeste desse urbano.Dessas expedições destacou-se a organiz~da pelo Governador Geral D.Diogode Sousa, em 1798, da qual resultou a descoberta do Tocantins ea ocupaçao de áreas hoje pertegcentes aos municípios de Ria

Cad. Pesq. são Luís, 5 (I): 31 - 41, jan./jul. 1989. 35

chão, Grajaú e Carolina.A ocupação desse

Sertão e sul maranhensesAlto

prov~cou um verdadeiro genocídio dasnações indígenas que aí habitavam e que resistiram heroicamente à penetração do homem branco.Em apenas 19 anos, toda a triboApinagé foi exterminada.Essa tribo habitavaTocantins,emigrantes

a margem esquerda doonde foi criada pelosvindos de Pastos Bons

a povoação de Boa Vista, hoje aCidade de Tocantinópolis no Tocantins. Em 1823, havia 4000 apinagés em plena juventude.Duas décadas depois existiam somente300 desses silvícolas em estadode verdadeira degradação. Os timbiras, localizados nas proximidades do porto da Chapada, maistarde vila da Chapada e hoje cidade de Grajaú, durante 37 anosimpuseram um cerco aos conquist~dores, retardando, por algunsanos, sua ocupação. Em 1813deu-se um dos mais violentos encontros entre esses indígenas euma expedição vinda de PastosBons. Descrevendo esse combate ,menciona Carlota Carvalho - ~Enfrentados cruzados( conquistadores) e infiéis (indígenas) , a fu

maça da pólvora turvou a claridade do dia e a ala da frente dostimbiras caiu no chão, abatida p~los projéteis. Essa destruiçãonao esmoreceu o ânimo dos autóctones. Derribados pelas baIas, arremessadas em incessantefuzilar, passando sobre seus mortos e feridos e avançando sempre, os timbiras entraram emmeio dos bandeirantes e se apod~raram da carga de munições semsaber o que tomavam~. Essa faixade terra só foi ocupada apos1850, quando morreu o velho Cacique, chefe das tribos em lutachamado pelos colonizadores deGovernador. Mais adiante CarlotaCarvalho, ainda narrando essaconquista, disse - "Dos moradores das circunvizinhanças ouve-se narrações horrorosasperfídias e crueldades dosquistadores. Ora aliançacombater a taba rivaltrição, o ataque pordos aliados da véspera e o mortlcinio sem poupar idade e sexo.~3

dascon

paradepois asurpresa

Em 1820, o povoado dePastos Bons, pelo dinamizadordessa conquista, foi elevado àcategoria de Vila. Contava,naqu~Ia época, com 480 habitantes e

3 CARVALHO. Carlota. O S t- Rl'Oder ao~ e Janeiro. Editora de Obras Científicas eterárias. 1924.

Li

36 Cad. Pesq. são Luis, 5 (1): 31 - 41, jan./ju1. 1989.

60 c&sas residenciais. Em meados do século (1850) ,outros nucleos Urbanos corno Riach~o, Chapada, Barr~ do Corda, Carolinaeram também elevados à Vila.

4 - ID~IAS E MANIFESTAÇOES REPUBLICANAS NO SERTÂO

o território do Sert~o,distante e isolado da regi~oque se tornara O centro dinâmico da política e da economia maranhenses, representava um mundo à margem desse Maranhãoagro-exportador. Os detentoresda ordem instituida, sediadosem são Luís, tinham dificuldades de impor sobre esse amploespaço longínquo e de difícilacesso seu poder e controle.Nesse Sertão, os fazendeiros, antigos desbravadores de terras,pr~prietários de vastas fazendas ede inúmeras cabeças de gado, viviam livre e autonomamente, cercados de alguns empregados eagregados. Em seus domínioseram eles senhores da força ed~ lei. Esse modo de vida gerouhábitos de mandonismo que setornaram peculiares ao caráterdo fazendeiro do Sertão.

~m 1819, o Major Francisco dr Paula Ribeiro, em urnade suas preciosas obras sobreesseterritório, já fazia alusão a

Cad. Pesq. são Luís, 5 (1)

essa altivez e autonomia do sertanejo, explicando esse comport~mento pelo isolamento em que seencontrava essa região, que vivia, segundo ele, desassistidamilitar e juridicamente pelo p~der provincial. Mencionava aindaque a ausência da ação governamental favorecia a penetração degrande número de vadios vindosdo Nordeste,transformando-se mu!tos deles em jagunços de algunsfazendeiros. O viajante inglêsHenry Koster que passou rapid~mente pelo Maranhão, em 1811,referia-se também a esse caráterautônomo dos fazendeiros do Sertão, comentando o fato de que umdestacamento enviado de são Luís?ara pu~:~ um desses homens vaItou sem realizar seu intento, dado o poder local encontrado. Fatos corno este se repetiram inúm~ras vezes ao longo do século XIX.

Os fazendeiros, para defenderemseus rebanhos e terras, armavamum verdadeiro exército partic~lar de capangas e empregados.

.'

O Sertão mantinha relaçoes comerciais com algumas Províncias nordestinas como Pernambuco e Bahia, com o Pará, Goiáse, em certa época, até com o Riode Janeiro, exportando para esses centros, em geral,çarne secae couro. Os fazendeiros obtinhambom dinheiro com esses negócios,

31 - 41, j aru vj u L, 1989. 37

comentava o Major Paula Ribeiro.Era costume também virem aos sertões comissários volantes e mas

mercadocates, transportandorias -os manufaturados e agua!:dente que trocavam por gado ououtros gêneros derivados da p~cuária.

Essas relações comercials favoreciam a difusão e troca de idéias. Apesar do povoame.!:!.to disperso e fragmentado dessaregião, característica das areascriatórias, havia, em certas datas do ano, grande movimentaçãode pessoas nos núcleos urbanosmais importantes. Pastos Bons,por exemplo, descrevia paula Ribeiro, assemelhava-se, a nossasdatas, à feira da Luz, em Portugalo

A vida liberta do fazendeiro, do Sertão, a emigraçãoalém desse intercâmbio culturale econômico, possibilitaram a p~netração e difusão de idéias liberais e republicanas. Os sertanejos eram, portanto, amantesda liberdade. Esse espírito independente e livre foi transmitido de geração a geração, transformando a região, corno disseCarlota Carvalho, num "campo deação e ebulição nativista."

Na época da independência, corno se sabe, algumas Pro

38

víncias a exemplo do Maranhãonão aderiram de imediato à Monarquia instalada no Rio. O movimento libertador que levou a JuntaGovernativa sediada em são Luísa aderir à causa brasileira paEtiu do interior da Província, a~xiliado por forças vindas do Ceará e do Piauí. Nessas lutas oSertão teve ativa participaçãoNele forças improvisadas pelosfazendeiros venceram as tropaslegais enviadas para guarnec~rem e controlarem esse território. Dentre esses Zazendeirosdestacou-se Militão Bandeira Barros, dotado de certa instrução,que chefiou uma coluna, levandosua ação até ao Tocantins.

ApÓS o ato de adesão pr2clamado pela Junta Governativa ,em 28 de julho de 1823, o climapolítico no Maranhão continuoutenso e instável. Os grupos dominantes, ligados ao comércio e agrande lavoura, na disputa pelopoder regional,cometiam toda SOE

te de violências e arbitrariedades. As duas Juntas que sucessi

vamente assumiram o poder até aindicação do primeiro PresidenteConstitucional não se entendiame não tinham força suficiente p~ra impor ordem e tranquilidadeà Província. Mais uma vez forçasdo interior se fizeram presentescontra os desmandos praticados

Cad. Pesq. são Luís, 5 (1): 31 - 41, jan./jul. 1989.

pelos governantes em são LuísUma parte das tropas que haviamlutado pela adesão da Provínciase levantou, sob a liderança doantigo chefe Salvador de Oliveira, em um movimento conhecido como dos Três Bês, visando acabarcom a desordem e contra as trêsimportantes famílias que se encontravam no poder Bruce, Burgose Belfort. A repressao da Juntaa esse movimento foi violenta.Cometeram-se prisões, perseguiçoes, saques e até assassinatos. Nessa fase muitos dessescombatentes, defensores deideais democráticos, refugi~ram-se no Sertão.

No governo de Costa Pinto(1828-1829) , 3º Presidente indicado pelo Imperador, o climade instabilidade política aindapermanecia. Através dos jornais,os embates entre os grupos dominantes eram constantes.Os maisexaltados,sentimentos

impregnados deanti - lusista ,

combatiam os moderados, acusando -os de partidários da causa portuguesa, de traidores daPátria. O clima era ainda agrav~do pela difícil situação econõmica, decorrente do declínio dospreços co algodão, então o pri~cipal p~oduto de exportação.

Durante esse governo,

surgiu em Pastos Bons o Movimento, inspirado em idéias liberais, conhecido como Repúblicade Pastos Bons. Em 1828, apar~ceram nas principais ruas dessavila proclamações muito bem elaborados, demonstrando o bom nível cultural de seus autores,concitanto o povo a se levantarpela conquista da independê~cia, fundando uma república - aRepública de Pastos Bons.~ssamanifestação foi logo delatadaao Presidente Costa Pinto queimediatamente denunciou ao g~verno central, insinuando sualigação com os movimentos ocorridos em Afogados e Santo Antão, em Pernambuco. Diante desses fatos, o Ministro da Justiça aconselhou o Monarca a tomar enérgicas medidas,sobretudocom relação à Província de Pernambuco, onde já se havia verificado sérias rebeliões. persuadido , o Imperador mandou decr~tar estado de sítio em pernambuco. Esse ato provocou censuraspor parte do Parlamento, aumentando a animosidade existenteentre esse órgão e o Imperador.

Desse modo, a República de Pastos Bons, que nao passou doPlano das idéias, desapareceu,ao que parece, sem lutas e pr~testos.

Cad. Pesq. são Luís, 5 (1) 31 - 41, jan./jul. 1989. 39

As idéias democráticase republicanas, porém, continuaram vivas no Sertão. Elas eramdivulgadas através dos grêmiosfundados nas principais vilas,como Barra do Corda, CarolinaRiachão, Grajaú e ainda nas reuniões e festas educativas. Na década de lBBO, esses principiosforam amplamente difundidos p~los jornais, onde se sobressaíao jornal O Norte editado em Barra do Corda, a partir de lBBB.Nesse ano, tendo como centro avila de Barra do Corda,surgiu ummovimento que teve ampla propag~ção pelo Sertão, em defesa do r~gime republicano. Seus principais líderes apontavam a República, como o único meio de por fimaos desmandos praticados pelosgovernantes e capaz de atendermosanseios e necessidades do Sertão. Entre esses líderes destacavam-se Isaac Martins,Leão Leda,Melo e Albuquerque, Rocha Limae Dunshee de Abranches. Com vistas à concretização dessesideais, foram criados, nas vilasmais importantes, clubes republicanos que deveriam ser os centros motivadores e coordenadoresdo movimento. Enquanto isso, ojornal O Norte, circulando pelasprincipais vilas, divulgava osdiscursos líderes republicanosnacionais, como Silva Jardim

40

Quintino Bocaiúva, além de outras reportagens de cunho democrático, motivando os sertanejosa se levantarem para por fim à

monarquia e proclamarem a Rep~blica. Havia já uma força armada composta de 1200 homens, organizada pelos idealizadores efazendeiros defensores dessa manifestação. Antes, porém,da deflagração, da luta armada, o Marechal Deodoro da Fonseca, através de um golpe militar, pôs fimà monarquia, proclamando a Rep~blica no Brasil.

Em um âmbito mais geral,os ideais e as manifestações republicanas surgidas no Sertâo refletem o clima brasileiro, ondeas idéias liberais e democráticas sempre estiveram presentes,ao mesmo tempo em que expressamas tensões e conflitos existentes no Maranhâo nessa época. Esses movimentos ainda exprimem,deum modo mais restrito, o ambiente peculiar do Sertão, caracterizado pelo espírito altivo e inpendente do sertanejo.

5 - REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA

1 - AQUINO,Rona1do.Fazendo a História. Rio de Janeiro, AoLivro Técnico, 19B6.

2 - CABRAL, Maria do Socorro Coelho. política e Educação

Gad. Pesq. são Luís, 5 (1) 31 - 41, jan./jul. "1989.

no Maranhão(1834-l889) .sãoLuís, Sioge. 1984.

3 - CARDOSO, Clodoaldo. PastosBons. Rio de Janeiro,DepaEtamento Estadual de Estatística do Maranhão,1946.

4 - CARVALHO, Carlota. ° Sertão.Rio de Janeiro, Editora deObras Cientifícas eLiterárias, 1924.

5 - COELHO NETO, Eloy. Históriado Sul do Maranhão. BeloHorizonte, Ed. sãote, 1979.

Vicen

6 - FAORO, Raimundo. Os Donos doPoder. Porto Alegre,Globo,1979. v. 1 e 2.

7 - KOSTER, Henry. Viagens doNordeste do Brasil. sãoPaulo, Ed. Nac~onal, 1942.

8 - MARQUES, César Augusto. D~

cionário Histórico e Geográfico da província do Maranhão. Rio de janeiroFon-Fon, 1970.

9 - MEIRELES, Mário Martins. Hi§tória do Maranhão. sãoLuís, Fundação Cultural doMaranhão, 1980.

ENDEREÇO DO AUTOR

MARIA DO SOCORRO COELHO CABRALDepartamento de História e Ge~ciências.

10 - NADAI, Elza & NEVES, .toana .

História do Brasil. sãoPé''10, Saraiva, 1985.

Centro de Estudos Básicos/UFMACampus Universitário-BacangaTe1.: (098) 221-5433SÃO LUtS - MA.

Cad. Pesq. são Luís, 5 (1): 31 - 41, jan./jul. 1989. 41